artigo racismo no brasil: os trabalhadores da saúde...artigo racismo no brasil: os trabalhadores da...

18
ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de um ponto de vista histórico, e discute como ele se apresenta atualmente no pensamento dos profissionais da saúde. * Escola Nacional de Saúde Pública -FIOCRUZ -RJ. Recebido para publicação em 01.09.86 APRESENTAÇÃO Este trabalho, ao analisar algumas concepções sobre o preconceito racial vigentes entre os trabalhadores de saúde, apresentou, desde o seu início, um problema metodológico de relevância, qual seja, como compreender e situar para fins de discussão a questão do racismo. Assim, a construção de nosso objetivo de estudo procu- rou obedecer inicialmente à necessidade de entender este fenômeno através de uma perspectiva metodológica e cien- tificamente coerente com os propósitos deste trabalho. Segundo Lowe 4 , "toda ciência implica uma escolha e nas ciências históricas esta escolha não é produto do acaso, mas está intimamente relacionada a uma perspectiva global deter- minada. As visões do mundo sobre as classes sociais condi- cionam, então, não somente a última etapa da investigação científica social, a interpretação dos fatos, a formulação de teorias, mas também a escolha mesmo do objeto de estudo, a definição do que é essencial e do que é acessório, as per- guntas que se colocam à realidade; em poucas palvaras, con- dicionam a problemática da investigação. Desta maneira, será através das contradições geradas no plano da produção das riquezas e bens materiais, com seus reflexos intercambiáveis a nível supra-estrutural que procu- raremos entender a historicidade do fenômeno do racismo no mundo, para então situá-lo num estudo de caso no Brasil de hoje. RACISMO E IDEOLOGIA Embora as referências às desigualdades étnicas remontem à Antiguidade, onde assumiam caráter de desigualdades entre formações sociais caracterizadas pelo modo de produção escravagista, o racismo como conjunto de categorias teori-

Upload: others

Post on 08-Oct-2020

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

ARTIGO

Racismo no Brasil:os trabalhadores da saúde

Sérgio Koifman*

Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, deum ponto de vista histórico, e discute como ele se apresentaatualmente no pensamento dos profissionais da saúde.

* Escola Nacional de Saúde Pública-FIOCRUZ -RJ.

Recebido para publicaçãoem 01.09.86

APRESENTAÇÃO

Este trabalho, ao analisar algumas concepções sobre opreconceito racial vigentes entre os trabalhadores de saúde,apresentou, desde o seu início, um problema metodológicode relevância, qual seja, como compreender e situar parafins de discussão a questão do racismo.

Assim, a construção de nosso objetivo de estudo procu-rou obedecer inicialmente à necessidade de entender estefenômeno através de uma perspectiva metodológica e cien-tificamente coerente com os propósitos deste trabalho.

Segundo Lowe4, "toda ciência implica uma escolha e nasciências históricas esta escolha não é produto do acaso, masestá intimamente relacionada a uma perspectiva global deter-minada. As visões do mundo sobre as classes sociais condi-cionam, então, não somente a última etapa da investigaçãocientífica social, a interpretação dos fatos, a formulação deteorias, mas também a escolha mesmo do objeto de estudo,a definição do que é essencial e do que é acessório, as per-guntas que se colocam à realidade; em poucas palvaras, con-dicionam a problemática da investigação.

Desta maneira, será através das contradições geradas noplano da produção das riquezas e bens materiais, com seusreflexos intercambiáveis a nível supra-estrutural que procu-raremos entender a historicidade do fenômeno do racismo nomundo, para então situá-lo num estudo de caso no Brasilde hoje.

RACISMO E IDEOLOGIA

Embora as referências às desigualdades étnicas remontemà Antiguidade, onde assumiam caráter de desigualdades entreformações sociais caracterizadas pelo modo de produçãoescravagista, o racismo como conjunto de categorias teori-

Page 2: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

* GOBINEAU, JA. Ungleichheitdes Menschenrassen. Berlin, 1935.Apud:Lukdcs5p,550.

* GOBINEAU, Id. ibid., p. 547.

camente organizadas e auto-explicativas, portanto ideolo-gizantes, é um fenômeno relativamente recente.

É com Gobineau (1816-1882) que se conceitualiza, pelaprimeira vez, com seu "Ensaio sobre as Desigualdades Ra-ciais", um corpo teórico estruturado sobre o racismo. Apartir de concepções arbitrárias - as diferentes raças descen-deriam dos filhos de Noé (Sem, Cam e Jafet), - constróium edifício teórico sobre superioridade da raça brancapara com as demais: "Nos llama la atención, sobre todo,el que la raza blanca no se nos muestre nunca en aquellosestadios primitivos en que vemos a las otras dos. La vemosya desde el primer día (!) relativamente cultivada y dotadade los elementos originarios más importantes para llegar adesarrollar un estado de superioridad, que más tarde sedesarrolla en algunas de sus ramas, creando las diferentesformas de la civiización." * . . .

"En el mundo oriental — dice Gobineau — sólo se libróuna lucha continua de las fuerzas raciales entre el elementoario, de una parte, y de otra, el principio negro y amarillo.Y no hace falta decir que allí donde las razas negras se limi-tan a combatirse unas a otras, donde las razas amarillas semueven dentro de su propia órbita o donde luchan entresí las mezclas raciales negras y amarillas, no hay historiaposible. Estas luchas fueron esencialmente infecundas,como las fuerzas motrices étnicas que las provocaron. Nocrearon nada ni dejaron el menor recuerdo . . . La historiasólo surge en el contacto muto entre las razas blancas".

"También dentro de esta rama de pueblos vemos que elfuego y el brillo de la épica sólo se desarrollan plenamenteen las naciones que no permanecen exentas de la cotamina-ción con los negros".* "El negro posse . . . en grado muyalto aquellas dotes sensuales sin las que el arte sería incon-cebible. Pero, de otra parte, la cerencia de dotes espiritualeslo incapacita para el refinamiento de las artes . . Para queaquellos talentos puedan dar frutos, necesita mezclarse conuna raza dotada de otro modo"

Assim, ignorando os avanços artísticos, científicos e acontribuição em vários ramos do conhecimento aportadospelas civilizações egípcia, chinesa, hindu, japonesa, árabe,asteca, maia e inca, para citar apenas alguns exemplos, olivro de Gobineau constiui, segundo Lukács5, "a primeiratentativa ambiciosa de reconstruir toda a História Universalpor meio da teoria racista, reduzindo a simples problemasraciais todas as crises da história, todos os conflitos e asdiferenças sociais".

Contudo, mesmo tomando em consideração o simplismoe a falsa cientificidade destas conclusões, como entender orelativo êxito da difusão das idéias de Gobineau?

Estas, assim como as dos outros pensadores das teorias

Page 3: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

racistas, a serem abordados posteriormente, devem ser ana-lisadas à luz dos interesses que representavam na cena histó-rica onde foram geradas.

Para tal, parece-nos importante analisar algumas catego-rias desenvolvidas por Gramsci ao discutir o papel dos inte-lectuais na difusão de um pensamento com fins hegemôni-cos e organizadores de uma determinada sociedade. SegundoGramsci, esta tarefa converte-se em uma das mais importan-tes na consolidação da Sociedade Civil, capaz de manter oconsenso dos grupos subalternos graças ao domínio, no planoideológico, pela classe dominante; em todas as situaçõesem que se rompe esta ação organizativa pela qual os mes-mos grupos subalternos deixam de visualizar os interessesda classe dominante como seus próprios, ocorre a necessi-dade da utilização de elementos coercitivos e repressorespara a manutenção da situação de dominação.

Para esta tarefa de consolidação da hegemonia, "cadagrupo social, ao nascer, no terreno originário da produçãoeconômica, cria conjunta e organicamente um ou mais estra-tos de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciên-cia da própria função, não somente no campo econômico,mas também no social e no político"1. A estes intelectuaisorgânicos, agentes da supra-estrutura de uma nova era dasforças sociais emergentes, contrapõem-se os chamados inte-lectuais tradicionais," resíduos conservadores e fossilizadosdo grupo social superado historicamente (o que equivale adizer que a nova situação histórica não alcançou ainda ograu de desenvolvimento necessário para ter a capacidadede criar novas supra-estruturas, e que vive ainda na envol-tura carcomida da velha história"2.

Segundo Lukács5, "o início do Século XIX pauta-se, ape-sar da Revolução Francesa, por lutas contínuas na nobrezapara tentar fazer prevalecer seus interesses, uma vez que àperda do poder político segue-se um largo período de insta-bilidade caracterizado pelo confronto entre a burguesia eproletariado nascente. Gobineau, enquanto intelectual tra-dicional, representante dos interesses da velha ordem feudalaspirando um retrocesso na História, deixa várias evidênciasem seu discurso sobre os verdadeiros interesses da classe querepresentava: "4ya hemos visto cómo todo orden social sebasa en tres clases originarias, cada una de las cuales repre-senta una variedad racial: la nobleza, imagen más o menosfiel de la raza vencedora; la burguesía, formada por bastar-dos, cercanos a la raza principal; y el pueblo, que vive escla-vizado o, por lo menos, en situación muy humillada, inte-grado por una raza inferior, producida en el Sur por lamezcla con los negros y en el Norte con los finlandeses"*.Mais ainda, os ideais democráticos de 1789 são envolvidosem suas afirmações racistas, tornando-se alvos a serem com-

*Id., ibid, p. 543.

Page 4: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

*Id., ibid, p. 543.

*Ratzenhofer, G, Die soziologis-che Erkenntnis, 189%, Apud.Lukács* p. 556.

batidos: "Tan pronto como circula sangre mezclada porlas venas de la mayoría de los ciudadanos de un Estado,éstos se sienten movidos por la fuerza del número a procla-mar como una verdad vigente para todos lo que sólo es ver-dad para ellos, a saber: que todos los hombres son iguales".*

Embora as limitações deste trabalho não permitam ummaior aprofundamento e questionamento da apologéticaaqui exposta, mas sim conhecê-las para compreender asraízes históricas do preconceito racial na atualidade, parece-nos adequado mencionar pensamento de Lukács5, o qual,referindo-se a Gobineau, menciona: "Ao fincar pé na desi-gualdade substancial dos homens, rechaça-se necessariamentea concepção mesma de humanidade, e com ela desapareceuma das mais altas conquistas da ciência nos tempos moder-nos: a idéia do desenvolvimento dos homens como uma uni-dade e através de um processo sujeito a leis".O debate oriundo desta contradição, de um lado, o con-junto de idéias igualitários e democratizantes da RevoluçãoFrancesa, de outro, o discurso elitista e marginalizador deGobineau, irá travar-se no palco da plena afirmação das clas-ses dominantes européias, da contenção parcial do movi-mento operário na Revolução de 1848 e, posteriormente,através da avassaladora conquista colonial na África e naÁsia. Os antigos impérios coloniais (Portugal, Holanda eEspanha) cedem lugar às novas potências imperialistas, emer-gindo neste processo o Império Inglês, a África OcidentalFrancesa e seus territórios de ultramar, as colônias alemãsna Namíbia, o Congo Belga, entre outros.

Embora o conteúdo transformador de 1789 encontreeco no fortalecimento paulatino do movimento operário(fundação do primeiro Partido Operário em 1880, o Socia-lita Francês, da Associação Internacional de Trabalhadores,etc), a derrota da Comuna de Paris, em 1882, vem delimitarum certo refluxo do debate ideológico.

No campo das classes dominantes européias, ocorreráum fenômeno de particular interesse para o estabelecimentode uma ideologia conservadora que justifique a conquistacolonial. Trata-se do seguimento de uma corrente do pensa-mento idealista, conhecida como o darwinismo social.

A partir das conclusões obtidas por Darwin no campodas ciências biológicas, particularmente aquelas referentesà luta pela sobrevivência e a seleção natural das espécies maisaptas e resistentes, mas também através dos avanços na quí-mica e na física, estes pensadores passam a aplicá-los deforma mecânica à compreensão dos fatos sociais contempo-râneos: "La mayor o menor afinidad mutua de los elemen-tos o su repugnancia a ciertas combinaciones son fenómenoscausalmente idénticos, y no simplemente parecidos, a laspasiones en la vida social, al amor y al odio"*. Assim, na

Page 5: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

qualidade de verdadeiros intelectuais orgânicos das classesdominantes, estes pensadores irão adaptar e modernizar oarcabouço teórico utilizado pela reação feudal, da qualGobineau foi um exemplo, aos novos tempos. Nas palavrasde Gramsci2, "cada novo organismo histórico,(tipo de socie-dade) cria uma nova supra-estrutura cujos representantesespecializados e porta-vozes (os intelectuais) somente podemser concebidos como novos intelectuais surgidos da novasituação e não como continuação da intelectualidade prece-dente".

Gumplowicz, (1838-1909) que, segundo Lukács5, é oexpoente desta corrente na língua alemã, escreveu: "Puesdel mismo modo que nunca pueden perderse las fuerzasque obran en el resto de la naturaleza, cuya suma se truecatal vez en otras que obran bajo distinto signo, pero sin quepor ello disminuya, así también ocurre en el campo del pro-ceso natural de la sociedad. La suma de las fuerzas socialesque obran dentro de los ámbitos de la humanidad desde lostiempos más remotos, probablemente no disminuye nunca.En épocas pasadas, esas fuerzas se manifestaban en las innu-merables guerras entre las hordas y en las rivalidades entrelas tribus; actualmente, con el desarrollo del proceso socialen diferentes campos, con el progreso de las amalgamassociales y los avances de la cultura, aquellas fuerzas no sepierden sino que se manifiestan bajo otras formas. La sumade las mutuas explotaciones llevadas a cabo en cada comu-nidad social dada, tal vez no se reduzca nunca, aunque seefectúen, a veces, bajo otras formas. Así, vemos que enEuropa se libran hoy, en cuanto al número, menos guerrasque en siglos anteriores, pero la magnitud y la importanciade cada una de ellas (por ejemplo, las de la guerra franco-alemana, las de la guerra ruso-turca o las de la ruso-japonesa)contrarrestan el número de las guerras del pasado".*

Com o desenvolvimento desta teoria, a postura racistaestá a um passo subjacente, com a única diferença que,enquanto com Gobineau ela servia aos interesses da ordemfeudal, aqui, ecoam as vozes do capitalismo vitorioso: "Esfalso hablar de la evolución del género humano . . ., pues loque se desarrolla son las distintas razas" *tendo "la modestaesperanza . . . de poder conservar y salvaguardar la sana ynoble existencia de la raza actual por medio de medidashigiénicas y políticas encaminadas a protegerla".*

Diz ainda Gumplowicz, em relação ao igualitarismo:". . Lo que de un modo efectivo y permanente gobiernade un modo supremo el mundo son otras teorías y otrosprincipios completamente distintos, más a tono con la natu-raleza elemental del hombre. No son las doctrinas de Buda,ni las palabras de Cristo, ni los principios de la Revoluciónfrancesa las que resuenan por sobre el estrépito de las luchas

* Gumplowicz, L. Der Rassen-kampf. Innsbruck, 1928. Apud.Lukács5 p. 557.

* Waltmann, L. Politische, Anthro-pologie. Eisenach - Leipzig, 1903.Apud Lukács5 p. 563.

* Id., ibid., p. 563.

Page 6: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

*Gumplowicz, L. Die soziologis-che Staatsidee, Graaz, 1902. ApudLukács5, p, 559.

*Id., ibid., p. 560.

de los pueblos; el grito que aquí se escucha es este otro:Aquí los arios, aqui los semitas, aquí los mongoles, aquí loseuropeos, aquí los asiáticos, aquí los blancos, aquí la gentede color, aquí los cristinaos, aquí los musulmanes, aquí losgermanos, aquí los latinos, aquí los eslavos! y así sucesiva-mente, en mil variaciones distintas. Bajo estos gritos debatalla se hace la historia, se derrama a torrentes la sangrede los hombres, para que se cumpla una ley natural histó-rico-universal que todavía estamos muy lejos de haberllegado a conocer".*

Desta maneira, o darwinismo social, trazendo consigo arespeitabilidade de sua metodologia pseudocientífíca (bastarecordar a teoria de Lombroso sobre a caracterização antro-pológica da criminalidade), analisando os fatos sociais como"coisas" na melhor tradição positivista, gera em seu bojo aluta pela existência entre as raças, respaldando a expansãocolonial e a própria desigualdade entre os grupos sociais,particularmente o proletariado: O Estado, "como la orde-nación de la desigualdad" es "la única organización posibleentre los hombres".*

Embora existam outros teóricos do racismo de importân-cia, parece-nos que, para os efeitos deste trabalho, caracte-rizam-se os aspectos fundamentais deste fenômeno, segundoLukács, quais sejam:

a) o racismo é um fenômeno historicamente determi-nado, e, enquanto tal, a serviço das posições das classesdominantes, em distintos momentos.

b) esta "postura de classe" advém da sua ruptura com oconceito de humanidade, concebida como o progressoadvindo dos esforços de várias gerações, ao longo dotempo, em diferentes formações sociais.

c) mais que um conjunto de conclusões obtidas medianteuma metodologia de investigação, ele apresenta váriaspremonições elitistas a priori sobre as desigualdadesentre os homens, valendo-se, para isto, de conceitospseudocientíficos, ou não.

Uma vez explicadas estas considerações, torna-se mani-festo que a análise do discurso sobre a temática do racismona atualidade, objeto final deste trabalho, não será conside-rada como uma exposição autônoma e fortuita de algunsindivíduos. Pelo contrário, procurar-se-á estabelecer os nexosque a relacionam com toda uma postura ideológica estrutu-rada, cujas raízes históricas foram mencionadas.

Page 7: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

METODOLOGIA

Em exame de seleção a Curso de Pós-Graduação em SaúdePública, foi apresentado como questão de dissertação umtexto escolhido da imprensa3 a respeito da situação atual damortalidade infantil nos países escandinavos. Nesta publica-ção, aquelas taxas são comparadas com as de outros países,sendo abordados possíveis fatores explicativos para os redu-zidos índices encontrados no Norte da Europa.

Como parâmetros de interpretação, foram apresentadasas seguintes perguntas:

1) Qual (is) o (s) principal (is) fator (es) associado (s) àdiminuição da taxa de mortalidade infantil (TMI) nospaíses nórdicos?

2) Qual a importância dos gastos em saúde para diminuira TMI?

3) Qual é a sua opinião sobre a situação no Brasil?

4) De que maneira os aspectos raciais parecem influenciara TMI?

Participaram desta avaliação 185 profissionais de nívelsuperior (tabela 1), correspondendo este trabalho á análisedas respostas apresentadas à pergunta número quatro - "Deque maneira os aspectos raciais parecem influenciar a TMI?"

Page 8: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

RESULTADOS E COMENTÁRIOS

Dos 185 candidatos que prestaram o exame de seleção,apenas 22 (12%) negaram enfaticamente qualquer influênciaentre fatores raciais e as variações da mortalidade infantil.

Em relação aos aspectos raciais isolados, nada indica queeles possam influir positiva ou negativamente nas TMI.

Se existem fatores que influenciam a TMI, são falta deverbas do governo, falta de educação sanitária, precarie-dade de recursos, mas não os aspectos raciais.

Os aspectos raciais não influenciam as taxas, Países quehoje apresentam a TMI baixa tiveram épocas no passadoem que seus índices eram iguais ou quase iguais aos paí-ses que hoje têm esta taxa alta.

Não importa se a raça é branca, negra ou amarela, o queimporta é o padrão de vida de um povo.

Não me parece que haja um elo de ligaçao na TMI, entreas diferentes raças, mas sim um problema sócio-econô-mico-cultural.

Acredito que, qualquer que sejam os componentes gené-ticos que determinam a coloração de pele, a textura doscabelos de determinados grupos, uma coisa estes gruposditos "raciais" possuem em comum: são da raça humana.E como tal estão todos da mesma forma condicionadosa políticas econômicas, culturais e sociais de suas etnias.Seja de que raça for constituído um país, se os seus habi-tantes tiverem uma situação sócio-econômica boa, se elestiverem uma boa alimentação, boa habitação e educação,higiene, assistência médica eficiente, automaticamente aTMI será baixa.

As crianças nórdicas não vivem mais por serem nórdicase sim porque seu país é desenvolvido socialmente.

Se levarmos em conta os aspectos puramente sociais, nãohá nenhuma ligação.

Não vejo como os aspectos raciais possam influenciar aTMI.

Os aspectos raciais me parecem falsos problemas, poiscomo já vimos, os fatores que influem na TMI estão liga-dos às condições básicas de vida dos seres humanos e nãoàs raças.

Às vezes, este rechaço veio acompanhado de uma sólidaargumentação de caráter histórico sobre os determinantespolítico-econômicos das diferenças encontradas.

À primeira vista, pela matéria apresentada, parece corretaa teoria da raça ariana superior e da existência das sub-

Page 9: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

raças mestiça e negra. Porém, a validade desta tese já foihá muito derrubada . . . O foco de análise foi deslocadopara o nível de desenvolvimento econômico-social e polí-tico que, na realidade é o fator que influencia, pratica-mente, determinando a TMI. A teoria racista era, e aindaé, na verdade, uma artimanha ideológica das grandespotências para legitimar sua dominação e assim tentar,também pela via ideológica, manter indefinidamente asituação de subdesenvolvimento da América Latina,África e parte da Ásia. Concretamente, a raça não vaiinfluenciar na morte ou não de uma criança, mas sim a

situação sócio-econômica e política da qual essa criançafaz parte.

Um dado de constante presença é aquele referente aossujeitos do racismo; embora o texto mencionasse os paísesescandinavos, a grande maioria dos candidatos orientouespontaneamente suas respostas para um grupo determi-nado, a população negra do Brasil.

Os aspectos raciais influenciam a TMI apenas no que tocaà marginalização decorrente da condição sócio-econômicade determinados grupos raciais, como é o caso do negroentre nós. Ainda marginalizado desde a sua libertação,no difícil acesso aos meios que favoreceriam suas melho-res condições de vida ensino, com conseqüente melhoroptidão e especialização para o trabalho, e portanto,melhor remuneração, por exemplo). Ocupam geralmentecargos de mão-de-obra não especializada, vivem de bis-cates, ou atualmente, constituem grande parte do con-tingente de desempregados. Suas condições de vida, por-tanto (habitação, saneamento, alimentação, acesso aosserviços de saúde, etc) são precárias, bem como as desuas famílias e filhos, caindo no problema anterior, afome e suas conseqüências: desnutrição e as doenças deladecorrentes, com altas taxas de mortalidade infantil

Os negros, trazidos da África para serem escravos, nãotinham direito e só foram adquirir alguns depois da "LeiÁurea". A partir de então, iniciaram um processo deentrosamento numa sociedade da qual não faziam parte.Iniciaram em desvantagem, não podendo se organizarcomo cidadãos numa sociedade ainda racista, apesar damudança ocorrida. Durante muito tempo, continuaram àmargem da sociedade, e ainda continuam assim como sevê pela grande população de negros e mestiços nas favelas.

O aspecto racial em si não tem nenhuma influência naTMI. O fato é que a população negra por exemplo, é aque vive na maior miséria, sendo obviamente, por estemotivo, a mais atingida.

Page 10: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

No Brasil o negro ainda é influenciado pela sua situaçãohistórica, mesmo que a nossa Constituição reze a não-discriminação racial

A formação histórica do Brasil sempre nos levou a ver onegro e o indígena como seres próprios para trabalhosbraçais, logo inferiores ao branco. Não foi dada a estesdois grupos étnicos a oportunidade de desenvolveremsuas capacidades intelectuais, o que sempre os levou parauma camada social inferior.

Além do Brasil, o país mais identificado com práticasracistas pelos candidatos foram os Estados Unidos, sendo aÁfrica do Sul mencionada uma única vez.

A raça em si não é fator de mortalidade infantil, mas ospreconceitos que possam existir com relação a qualqueruma delas. . . Em certas partes, como, por exemplo, aÁfrica do Sul, é conhecido o problema do negro peloapartheid.

Geralmente, como acontece nos EUA, os negros são osque possuem rendas menores. Por isto, moram em luga-res afastados dos grandes centros, em situações precáriasde saúde, educação, alimentação e moradia, fazendo comque a TMI seja maior nessas áreas de concentração.

Os aspectos raciais influenciam na TMI, pois, nos EUA,onde há o racismo, os negros são as pessoas de baixarenda, gerando com isto falta de saneamento ou sanea-mento inadequado, habitações inadequadas, baixa nopoder aquisitivo, insuficiente assistência médica.

Se a raça negra nos Estados Unidos, por exemplo, é aque vive em maiores condições de miséria, logicamenteentre eles será maior a TMI.

Do conjunto de candidatos, 18 (10%) não responderamespecificamente a esta pergunta, omitindo qualquer comen-tário a respeito. Tal percentual pode estar refletindo as difi-culdades da discussão do tema, sendo um possível indicadordos obstáculos em abordar a questão do racismo em nossasociedade.

O grupo restante de 175 candidatos (78%) caracteriza-sepor um denominador comum, qual seja a ausência em suasrespostas da negação sobre qualquer influência de fatoresraciais na mortalidade infantil, ainda que os matizes assumi-dos por esta postura sejam variados.

Um grupo numericamente elevado de respostas encontrana variável sócio-econômica o elemento explicativo primor-dial dos diferenciais de mortalidade infantil, sem apresentarcontudo um claro posicionamento sobre a questão colocadados fatores raciais.

Page 11: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

No Brasil, se formos separar a TMI por raça, ela será bemmaior na raça negra; o mesmo se repete nos EUA; nospaíses nórdicos, se formos fazer esta separação, talvezencontremos um número bastante significativo do grupode emigrantes do Sul da Europa (Portugal, Espanha eregião da Sicília).

Portanto, ao se analisarem as teses de mortalidade infan-til, o problema é muito mais econômico-social do quepuramente genético.O grupo restante de respostas caracteriza-se por diferen-

tes níveis de expressão do pensamento racista, em aborda-gens que procuram consubstanciar uma racionalidade a qualjustifique a postura expressa. Em outras palavras, buscamtambém obter uma cientificidade para a análise realizada.

O primeiro grupo pode ser identificado pela visão antro-pológica da questão, identificando na cultura e na educaçãoos elementos primordiais das diferenças encontradas; éimportante observar que, da mesma forma que Gobineau,estes não tratam de diferenças culturais historicamenteconstruídas entre grupos étnicos, mas sim distinções ineren-tes ao conceito da raça.

Existem algumas raças que perpetuam através dos sécu-los, costumes alimentares e religiosos que muitas dasvezes é quase impossível ministrar-se noções de higiene,sendo difícil a instalação de Programas Nacionais deEducação.

Os aspectos raciais parecem influenciar a TMI devidoà educação de cada raça.

Os aspectos raciais parecem estar ligados mais a fatoressócio-econômicos, em um país onde a própria culturafavoreceu a dominação da raça branca sobre outras raças.

Cada raça possui seu processo cultural. A cultura de umpovo rege suas atitudes. Determinadas raças tiveram seusprocessos de aculturamento anterior a outras, por isto,se concentram em um nível social mais elevado. Estenível social leva a maior preocupação com fatores ligadosà saúde e isto leva esta determinada raça a ter mais recur-sos para a saúde. Com atenção especial para a infância,as TMI reduzem-se cada vez mais, e esta redução é oespelho da socialização evolutiva de uma raça.Cada grupo étnico traz consigo uma cultura, certospadrões de vida, certa forma de organização social. Tantoos fatores biológicos — ou seja, os fatores de heredita-riedade que carregam consigo -, como os sociais, têminfluência na maneira como estes grupos, de uma maneirageral, reagem a certos estímulos. Portanto, o fator raçanão é o principal componente, mas é um fator que deveser considerado.

Page 12: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

Através, por exemplo, dos costumes que são passadospara as futuras gerações.

Quanto mais desenvolvida uma raça, melhores as condi-ções de vida, portanto maiores as chances de sobrevivên-cia infantil, menor a TMI. Dois dos fatores mais impor-tantes para a diminuição da TMI são a educação e a infor-mação.Acredito que os aspectos raciais influenciem na TMIdevido à educação de base, isto é, através do conheci-mento sócio-cultural.

Influenciam em vários aspectos como por exemplo: hábi-tos culturais, religião, hábitos alimentares, sociais, etc.De acordo com cada cultura, ter-se-á um padrão de saúdecaracterístico.

Têm uma certa importância os fatores raciais, mas nãotêm importância efetiva, maciça. Existe maior importân-cia nos valores culturais, tomando-se que por racial vemosmais o aspecto genético.

Têm alguma influência, nosso povo é miscigenação deportugueses, índios e negros, e, mais tarde, outros povos,Índio se tratava com as ervas, através de seus curandeiros,os negros, com sua crendice, influenciaram muito. Atéhoje, várias pessoas deixam de ir ao médico para se tratarem centro espírita e tomar ervas, etc.

Quando estão ligados à baixa condição de vida, tabus,crendices e preconceitos.

Outro conjunto quantitativamente importante de respos-tas concentra nas leis de Mendel a solução para suas pergun-tas, reforçando a postura de "objetividade científica" emsuas afirmações, numa surpreendente identidade com osdarwinistas sociais.

Os aspectos raciais podem influenciar na TMI, e explica-ções para este fato buscaremos inicialmente na genética,onde sabemos estão os segredos da reprodução humana,vistas no seu lado físico e químico, e as gerações raciais,pelos seus próprios hábitos alimentares e capacidade deviver em seu "nicho ecológico", adquirem maior oumenor capacidade de adaptação ambiental, constituiçãoou mesmo defesas frente aos agentes agressores do indi-víduo. Portanto, raças diferentes, com hábitos, alimen-tação, educação, constituições, sociabilidade diferentes,portavam-se frente à saúde de modo diferente, logo comTMI também diferenciadas,

O que acontece é que todos os fatores juntos levamum povo, ou uma raça, a melhorar seu padrão de vida e,

Page 13: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

desta forma, as gerações vindas de gerações "apuradas"serão melhores. E isso acontece com todo o reino animale vegetal.

No meu modo de ver, os aspectos raciais parecem influen-ciar a TMI no sentido de que uma raça que tem atençãomédica de qualidade, uma melhor educação da futuramãe, um bem-estar econômico social, tudo isso e maisalgumas coisas se transmitiriam lentamente e genetica-mente, e, após um bom tempo, seria cada vez melhor asaúde dos nascidos. Seria interessante, apenas a título deelocubração, implantar essas benfeitorias sociais emoutros povos para se ter dados mais concretos e defini-tivos se realmente é uma questão de raça.Mesmo em uma sociedade mista como aquela em quevivemos, as diferentes raças apresentam determinadasinfluências na TMI. Tais influências podem ser causadaspela variação genética que possuem.

O aspecto racial envolve hereditariedade. À medida emque um povo tem seu padrão de vida elevado, isto influen-ciará a qualidade de saúde de seus descendentes. E, comrespeito a esse aspecto, o Brasil tem importantes motivospara preocupação, com referência aos filhos do Nordeste.A seca que perdura há quase uma década e que provocaum nível de vida precário e muitas vezes subhumanona população daquela região certamente trará conseqüên-cias negativas aos seus descendentes.

Na determinação do estado saúde-doença tem-se que levarem consideração os fatores internos e externos. O fatorinterno compreende o genótipo e tem uma carga de vitalimportância . . O aspecto cultural de um povo, atravésda atenção de saúde a gerações e gerações no seu desen-volvimento, prevenindo a perpetuação desses fatoresinternos, contribui inevitavelmente na redução dessamortalidade.

As pessoas que vivem num meio carente, sujeitas às doen-ças, sem conscientização sobre métodos sanitários, e semchances e oportunidades de se livrarem disso, têm proba-bilidade cada vez maior de transmitirem essas carênciashereditariamente.

Acredito que, na origem, as raças possuem característicasdiferentes, umas até são mais resistentes, outras são maisinteligentes, outras são mais trabalhadoras .

Os aspectos raciais influenciam na TMI, talvez pelos ante-passados de cada raça, suas crenças, condições sócio-eco-nômicas.

Quando se procura estabelecer parâmetro entre caracte-

Page 14: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

rísticas raciais e TMI, é preciso, antes de qualquer con-sideração, destacar o contexto no qual será feita a aná-lise. Quanto aos países nórdicos, é preciso mencionar ofato de que os mesmos possuem uma homogeneidaderacial, ligada ao processo de formação histórica .

Prossegue a busca de fatores explicativos que, apesar deincongruentes, são apresentados como verdades absolutasdo conhecimento de todos, no melhor estilo de Gumplowicz:

Praticamente não há uma influência racial, há, isso sim,determinadas raças suscetíveis a certas doenças. Temoscomo exemplo: Preto-Tuberculose; Amarelo-Hanseníase;Vermelha-Doenças Venéreas.

Essa questão depende do tipo de comunidade formada.Nós sabemos que a raça negra é mais susceptível a certasinfecções que a branca.Há fatores biológico-sociais que influenciam a TMI. Háfatores genéticos e congênitos que expõem uma popula-ção a um maior risco (suscetibilidade). Aliado a estes,temos os fatores sócio-culturais, a etnia, as crenças, ofatalismo entre nascer/morrer, os aspectos educacionais.Frisemos que o conceito de doença é mutável e peculiara cada raça, a cada classe.

Os aspectos raciais influenciam a TMI porque cada raçatem sua cultura e seu modo típico de viver. . E, levan-do-se em conta que certas raças são mais propensas aadquirir certas doenças, é de grande importância conhe-cermos os aspectos raciais de uma comunidade para, apartir daí, trabalharmos nas deficiências e necessidades.

Determinadas raças têm menos imunidade que outras aalgumas doenças, podendo levar a um aumento de índicede mortalidade.

Podemos aceitar, é claro, os fatores mórbidos mais carac-terísticos a cada raça, aqueles que incidem com mais fre-qüência em cada uma delas.

Atendo-nos às características genético-ambientais daspopulações, verificamos diferenças nas diversas raçasquanto à suscetibilidade maior ou menor às doenças,conseqüentemente variações específicas nos índices desobrevivência e longevidade.

Os aspectos raciais influem de uma maneira biológicaonde, por exemplo, a raça negra tem menos predisposi-ção para certos tipos de doenças.

Através de fatores genéticos que podem estar associadosa este ou aquele tipo racial, determinando maior oumenor capacidade dos indivíduos ou a superação de con-dições adversas do meio ambiente.

Page 15: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

Na mesma linha de pensamento, outros fatores causais,tais como os geográficos e "históricos" também são toma-dos em consideração:

Os aspectos raciais parecem influenciar na TMI devido àqualidade do clima que dificulta o aparecimento de doen-ças infecto-contagiosas.

Em toda a nossa história, sempre vemos que um povo ésubmisso a outro, por isso a distiinção racial, a meu ver,é um fator de subdesenvolvimento social

Os aspectos raciais influenciam a TMI através das doen-ças hereditárias ligadas à raça ou a regiões do mundo .

Os aspectos raciais influenciam na TMI, na medida emque os povos são mais organizados, conscientes e deter-minados na política de saúde.

Finalmente, o conjutno de respostas em que o discursoracista surge de forma cristalina, despojado de qualquerveleidades na sua manifestação.

As famílias de baixa renda são, na sua maioria, pessoasmulatas, negras, etc. Vivem em confronto com a reali-dade econômica do país.

Os aspectos raciais parecem influenciar no setor saúdepelos seus costumes. . O nível sócio-econômico é dife-rente nas diversas raças: os amarelos têm um poder aqui-sitivo maior, a raça negra já não o tem em seus países e,aqui no Brasil, também é assim, a raça negra é mais mar-ginalizada, mais inculta, mais sem educação, e isto não éculpa do governo ou da sociedade, é culpa da própriaraça que é comodista, não menos inteligente, o que tornabaixo o seu Q. I. .

Existem as raças mais favorecidas ou que tiveram maisêxito. Estas não sofreram tanto o problema como anegra, por exemplo. Quem ocupa regiões do submundo,vivendo à margem do normal? São eles mesmos, ao menosaqui no Rio de Janeiro.

O fator de importância também, nestes países (nórdicos),é a ausência de misturas raciais, uma sociedade homogê-nea, sem problemas de discriminação racial e outros fato-res que dificultam a integração social, facilitando umaorganização da sociedade no sentido de melhor aprovei-tamento de seus recursos.

Na medida em que, desde os primordios, houve uma sepa-ração nítida da população em puros (brancos) e impuros(negros, amarelos, híbridos). Às raças marginalizadas,foram dadas menores chances de projeção social, culturale econômica; isto significa que as raças "impuras"se tor-

Page 16: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

*O ópulo, o onanismo e a prosti-tuição. Tese à Faculdade de Medi-cina do Rio de Janeiro, 18456.

**Memória sobre a amamentaçãoe as amas de leite. Anais da Medi-cina Brasileira, 1889-706.

***Ensaio sobre a Higiene da Es-cravatura. Tese à Faculdade deMedicina do Rio de Janeiro,18496.

naram as mais pobres, e reforça, inclusive, o conceito deque realmente a saúde anda de braços dados com o desen-volvimento econômico.

Determinadas raças sofrem o preconceito, assim comoa negra, a mais marcada, talvez . . . Então, uma vez quenão lhes são dadas oportunidades de melhoria de vida, enão conhecem a parte profilática, por exemplo, o pré-nupcial e o pré-natal que têm como objetivo a eugenia,os filhos das mulheres desta raça, em sua maioria, nas-cem desprovidos de condições para sobreviverem. Dei-xando o preconceito à parte, têm raças que provêm dedescendentes com uma resistência física .

CONCLUSÃO

A leitura e análise sistemática do conjunto de respostasaqui apresentadas, conduz à reflexão sobre algumas cons-tatações.

A primeira consiste em revelar que, a despeito de qual-quer juízo de valor, um grande número de trabalhadores dosetor saúde expressa hoje os valores considerados comocientíficos há pelo menos um século, na sociedade em gerale na atenção à saúde, marcadamente racistas. O pensamentomédico, estando vinculado aos setores dominantes numaformação social com tais características, era, ele mesmo,palco da elaboração e fortalecimento deste discurso:

Sórdidas escravas, devassas de organização, contamina-das pelos vícios sifilíticos bobáticos, etc, são as encarre-gadas da saúde e futuro das infelizes crianças, que, como leite, bebem peçonha que há de envenenar a vida,augurando-lhes um futuro de moléstias e dores. *

Pela amamentação láctea podem ser transmitidas certasdisposições hereditárias que terão mais tarde de manifes-tar os seus funestos efeitos sobre a economia dos peque-nos entes.**Não se infira que pretendamos nem de leve sequer aboliro castigo dos pretos, antes os aprovamos, mas aplicadoscom moderação e dentro da esfera das leis da humani-dade.***

Observa-se, assim, a grande identidade do discurso apre-sentado na atualidade e o senso comum, entendido como oconjunto de "caracteres difusos e dispersos de um pensa-mento genérico de certa época" surgindo como "amálgamade diversas ideologias tradicionais e da ideologia da classedirigente7".

Em outras palavras, a ser representativa a amostra deidéias aqui analisadas, temos hoje no país um grupo expres-sivo de técnicos de saúde difundindo um pensamento racista

Page 17: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

anacrônico, mas profundamente organizado. Na medida emque este incorpore diferentes fatores descritivos para expli-car as diferenças sociais (de natureza cultural, geográfica,biológica, etc), tenta viabilizar sua aceitação e, desta maneira,a própria manutenção das relações sociais existentes.

A segunda constatação diz respeito aos resultados dosistema educacional vigente na área de saúde, bem comosuas implicações; ao equipararem seres humanos a ervilhas,ou ao incluí-los enquanto meros componentes passivos danatureza, os vários exemplos aqui citados permitem visuali-zar a falência do processo de formação científica daquelesque detêm papéis socialmente delegados quanto a sua ela-boração e difusão. Mais que isto, reforça o papel represen-tado hoje pela Universidade, na medida em que esta passaa fornecer um instrumental teórico, o qual tenta reapresen-tar o senso comum através de nova vestimenta, a Ciência,ou o que se acredita ela represente.

Desta maneira, observa-se a organicidade conferida pelopensamento racista na área da saúde a um dado projeto dehegemonia: através da utilização de uma conceituação res-paldada ou não cientificamente, tenta tornar-se compreen-sível e aceitável o processo de dominação das classes subal-ternas.

À guisa de encerramento, as questões aqui apresentadasindicam que as discussões sobre o Direito à Cidadania, apon-tado como passo fundamental para a redemocratização dopaís na VIII Conferência Nacional de Saúde, não podemcontinuar proteladas. Numa sociedade em que a discrimi-nação encontrou formas próprias, mascaradas e, portanto,aceitáveis para sua existência, não haverá democratizaçãodo setor saúde nem da sociedade como um todo, enquantopersistam cidadãos de segunda classe, em que os mecanis-mos ideológicos que consubstanciam o racismo prossigamprofundamente enraizados, sem serem questionados.

Entre outros fatores, a unificação do Setor Saúde e aReforma Sanitária dependem também deste debate, pois asbarreiras à sua execução não encontram-se, apenas, nos seto-res conservadores e privatizantes do país, mas tambémencrustadas em nosso próprio meio, através da ideologiade nossos quadros técnicos. Abrir o debate hoje contra oracismo é lutar também pela elevação de qualidade da aten-ção, a universalização do cuidado e pela igualdade de acesso,enfim, pela Reforma Sanitária.

Page 18: ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde...ARTIGO Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde Sérgio Koifman* Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de

This paper analyses general ideas concerned about racismin a historical approach, and discusses the frameworkabout it at present on health personnel belief asappointed on the text.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. GRAMSCI, A. Los intelectuales y la organización de la cultura.Buenos Aires, Nueva Visión, 1972. p. 9.

2. GRAMSCI, A. El materialismo histórico y la filosofia de Bene-deto Croce. Buenos Aires, Nueva Visión, 1971. p. 157-8.

3 . JORNAL DO BRASIL, 12 de março de 1984.

4. LOWI, M. Objetividad y punto de vista de clase en las cienciassociales. In: ______. Sobre el método. México, Grijalbo, 1974.p. 18.

5. LUKÁCS, G. El darwinismo social, el racismo y el facismo.In:______.El asalto a la razón. México, Grijalbo, 1968. p. 538-64.

6. MACHADO, R.; LOUREIRO, A.; LUZ, R. & MURICY, K. Onegro no pensamento médico. In: ______. Danação da norma;medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. Rio deJaneiro, Graal, 1978, p. 353-72.

7. PORTELLI, H. Gramsci y el bloque histórico. 3. ed. México,Siglo Veintiuno, 1973. p. 21-2.