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ARTIGO o CONCEITO DE COMPETITIVIDADE DA , , EMPRESA: UMA ANALISE CRITICA "Alguns cometem o erro inveterado de considerar as condições físicas de uma região como as mais importantes para os seus habitantes; ao passo que não pode ser questionado, penso eu, que a natureza dos outros habitantes, com os quais cada um tem que competir, é geralmente um elemento bem mais importante de sucesso." Darwin, Da Origem das Espécies (1859). • Fábio L Mariotto Professor Titular do Departamento de Informática e Métodos Quantitativos da EAESP/FG\I, pesquisador e ex-diretor do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPl). * RESUMO: O termo "compeiitioidade", aplicado tanto às nações como às empresas, está em voga, devido às mu- danças no cenário mundial. As idéias de economistas he- terodoxos, como Schumpeier, ajudam-nos a compreender o papel da diversificação e da inovação na tentativa das empresas de evitar a concorrência direta. Na teoria da es- tratégia empresarial, o papel da concorrência tornou-se central com os livros de Michael Porter. Ele caracteriza claramente as forças da concorrência e as formas de en- frentá-la. A aplicação desses conceitos ao caso da pro- dução de microcomputadores no Brasil evidencia a pouca viabilidade de esse segmento da informática nacional tornar-se competitivo no mercado mundial. * PALAVRAS-CHAVE: Concorrência, competitividade, indústria nacional de microcomputadores. * ABSTRACT: The term "compeiitiueness", as applied both to nations and firms, became fashionable, because of the changes in the world economic scene. The ideas of het- erodox economists, like Schumpeier, help us understand the role of diversification and innovation in the attempt by firms to avoid direct competition. In the theory of busi- ness strategy, the role of competition became central with Michael Porter's books. He clearly characterizes the forces of competition and the ways to face them. The application of these concepts to the case of microcomputer production in Brazil discloses the little feasibility of this segment of the national information technology industry becoming competitive in the world market. * KEY WORDS: Competition, competitiveness, Brazil- ian microcomputer industry. Revista de Administração de Empresas São Paulo, 31 (2) 37-52 37 Abr./Jun. 1991

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ARTIGO

o CONCEITO DE COMPETITIVIDADE DA, ,EMPRESA: UMA ANALISE CRITICA

"Alguns cometem o erro inveterado de consideraras condições físicas de uma região como as maisimportantes para os seus habitantes; ao passo quenão pode ser questionado, penso eu, que a naturezados outros habitantes, com os quais cada um tem quecompetir, é geralmente um elemento bem maisimportante de sucesso."Darwin, Da Origem das Espécies (1859).

• Fábio L MariottoProfessor Titular do Departamento de Informática eMétodos Quantitativos da EAESP/FG\I, pesquisador eex-diretor do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPl).

* RESUMO: O termo "compeiitioidade", aplicado tantoàs nações como às empresas, está em voga, devido às mu-danças no cenário mundial. As idéias de economistas he-terodoxos, como Schumpeier, ajudam-nos a compreendero papel da diversificação e da inovação na tentativa dasempresas de evitar a concorrência direta. Na teoria da es-tratégia empresarial, o papel da concorrência tornou-secentral com os livros de Michael Porter. Ele caracterizaclaramente as forças da concorrência e as formas de en-frentá-la. A aplicação desses conceitos ao caso da pro-dução de microcomputadores no Brasil evidencia a poucaviabilidade de esse segmento da informática nacionaltornar-se competitivo no mercado mundial.

* PALAVRAS-CHAVE: Concorrência, competitividade,indústria nacional de microcomputadores.

* ABSTRACT: The term "compeiitiueness", as appliedboth to nations and firms, became fashionable, because ofthe changes in the world economic scene. The ideas of het-erodox economists, like Schumpeier, help us understandthe role of diversification and innovation in the attemptby firms to avoid direct competition. In the theory of busi-ness strategy, the role of competition became central withMichael Porter's books. He clearly characterizes the forcesof competition and the ways to face them. The applicationof these concepts to the case of microcomputer productionin Brazil discloses the little feasibility of this segment ofthe national information technology industry becomingcompetitive in the world market.

* KEY WORDS: Competition, competitiveness, Brazil-ian microcomputer industry.

Revista de Administração de Empresas São Paulo, 31 (2) 37-52 37Abr./Jun. 1991

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o CONCEITO DE COMPETITIVIDADE DA EMPRESA RAE

1. PRESIDENT'S Comissionon Industrial Competitive-ness. Global Competítion:The New Reality, Washing-ton, D.C., U.S. GovernmentPrinting Office, 1985.

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INTRODUÇÃO

COmpetitividade é um dos termos maisem voga entre empresários, consultorese representantes do governo. E des-

necessário darmos exemplos da popularidadedesse termo na mídia de negócios, nas reu-niões de empresários e nas declarações do go-verno, já que ela é evidente.

Essa popularidade tem, é claro, razões deser. A primeira é a preocupação dos EstadosUnidos com o declínio do seu poderio comer-cial no mundo, que se manifesta principal-mente na participação decrescente dos produ-tos americanos no mercado mundial, inclu-sive no próprio mercado americano, mas tam-bém na desaceleração do crescimento da pro-dutividade, na estagnação dos salários reais enos enormes déficits comerciais daquele país.Uma comissão sobre competitividade indus-trial, nomeada pelo presidente Reagan', iden-tificou quatro causas do declínio da competi-tividade americana:

1) malogro em desenvolver recursos hu-manos tanto quanto outras nações;

2) incentivos insuficientes para poupança einvestimento;

3) políticas comerciais que não atentampara as novas realidades do comércio interna-cional; e

4) deficiências na comercialização de novatecnologia.

A preocupação dos Estados Unidos comessa situação levou outros países, como oBrasil, a terem preocupação semelhante.

A segunda razão da popularidade danoção de competitividade decorre das novasrealidades do comércio internacional apon-tadas pela comissão: a emergência do Japãocomo potência comercial, assim como a dos"tigres asiáticos"; a unificação econômica daEuropa; a liberalização da União Soviética edo Leste Europeu; e a drástica redução da aju-da internacional ao Terceiro Mundo. Todosesses acontecimentos tiveram profundo im-pacto na percepção que as nações e as empre-sas têm do seu papel no mercado mundial.

Uma terceira razão restringe-se ao Brasil.Aascensão de um governo de orientação liberaltrouxe à tona a defesa do livre mercado e dolaissez-faire como modelos para a sociedadebrasileira.

O termo "competitividade" é aplicado tan-to para nações como para empresas . Um dosobjetivos do presente artigo é esclarecer essesdois usos e a relação entre eles, embora nossaatenção se vá concentrar mais na competitivi-dade da empresa. Entendendo a competitivi-

dade de uma empresa como a sua capacidadede ser bem-sucedida em mercados em queexiste concorrência, levanta-se uma série deperguntas: A ênfase dada a esse conceito naformulação da estratégia de empresas brasi-leiras é justificada? No que consiste a compe-titividade ,e o que faz uma empresa ser com-petitiva? E indispensável a uma empresa sercompetitiva para sobreviver? Quais são aspossibilidades de a empresa brasileira compe-tir no mercado mundial?

Na tentativa de dar respostas a essas per-guntas, examinaremos, a seguir, os funda-mentos desse conceito, hoje tão corrente.

O QUE NOS DIZ A TEORIA ECON6MICA

Os economistas pouco se têm dedicado àcompetitividade das empresas, isto é, àanálise das condições que levam uma empre-sa a ser bem-sucedida na concorrência com ri-vais. A preocupação do economista é, via deregra, de natureza pública: ele examina emque condições uma economia como um todopode operar melhor ou pior, no sentido dedistribuir os seus recursos de forma adequa-da. Por essa razão, sua atenção se volta maispara a análise das estruturas de mercado, ouseja, das formas de concorrência, com o intui-to de avaliar seu efeito na eficiência geral daeconomia como um todo, do que para ascondições que a empresa precisa ter paracompetir.

Os economistas reconhecem três formasbásicas de estrutura de mercado: o monopólio,mercado dominado por um único vendedor; omercado de concorrência pura, tambémchamado de concorrência perfeita, no qualuma infinidade de pequenas empresas vendeexatamente o mesmo produto; e o oligopólio,mercado no qual um pequeno número degrandes produtores vende o mesmo produtoou produtos muito assemelhados.

A atenção dedicada pelos economistas aessas três estruturas de mercado tem sidomuito desigual e até mesmo paradoxal. Comefeito, o modelo de estrutura de mercadomais freqüentemente utilizado nas análisesdos economistas é indiscutivelmente o daconcorrência perfeita. Mesmo hoje em dia, osteoremas mais admiráveis da teoria econômi-ca exigem o pressuposto da concorrência per-feita.

A preferência dos economistas por essemodelo, em análises tanto descritivas comopreditivas, é quase que absoluta. No entanto,a estrutura de mercado mais freqüentementeencontrada, na realidade, não é a da concor-rência perfeita, mas a do oligopólio. Não sóisso, nenhum mercado real satisfaz as

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condições da concorrência perfeita e, com ex-ceção de alguns segmentos da agricultura, damineração e dos serviços, nenhum mercadoreal sequer se aproxima dessas condições.

Um rápido exame desse paradoxo nos aju-dará a compreender melhor a questão da con-corrência e da competitividade. No modelode concorrência perfeita, há uma infinidadede vendedores e compradores, não se formamconluios, todos vendem exatamente o mesmoproduto, que é divisível, a entrada e a saídade vendedores no mercado é livre e todos osparticipantes têm informação perfeita e gra-tuita sobre os produtos e seus preços.

As razões da predileção dos economistaspor esse modelo parecem ser basicamenteduas. Em primeiro lugar, apesar das nu-merosas suposições, o modelo é simples, oque o torna especialmente atraente quando seconsidera que os modelos alternativos ouapresentam problemas teóricos ainda não re-solvidos, ou, então, referem-se a casos muitoespeciais. Em segundo lugar, a teoria econô-mica ortodoxa mostra que um mercado deconcorrência perfeita leva a uma distribuiçãoeficiente dos recursos da economia, num sen-tido que os economistas definem precisa eclaramente, embora seja dispensável fazê-loaqui.

Essa segunda razão é a mais importante.Com efeito, se o modelo de concorrência per-feita leva, de fato, a uma distribuição eficientedos recursos da economia, não só se justifica ouso do modelo para fins de análise econômi-ca, como, muito mais importante, se justificaadotá-lo como padrão exemplar a ser implan-tado na realidade. Nesse caso, poder-se-ia ar-gumentar que o oligopólio, apesar de suaprevalência no mundo real, é uma estruturamenos desejável do que a de concorrênciaperfeita e deveria ser feito um esforço públicopara implementar, de forma mais prevalente,mercados de concorrência perfeita. Esta é, porsinal, a posição de muitos economistas.

Infelizmente, porém, tanto a noção deconcorrência perfeita como o critério de efi-ciência utilizados na teoria ortodoxa são res-tritivos demais para poderem servir comofundamentos úteis na análise de uma políticapública para a concorrência.

O modelo de concorrência perfeita descar-ta quase todos os aspectos do comportamentoreal das empresas com os quais a políticaeconômica teria que se preocupar (tais como arivalidade na fixação de preços, a inovaçãoem produtos e processos e a propaganda),além de ignorar os ganhos que poderiam re-sultar de um esforço para melhorar algumasempresas através de uma melhor organizaçãointerna",

Merece menção especial a ambigüidade domodelo de concorrência perfeita com relaçãoà fixação do preço. O modelo postula, por umlado, que cada vendedor é tão pequeno queele não consegue exercer nenhuma influênciaperceptível no preço. Por outro lado, a açãoconjunta, coletiva, dos vendedores, afeta deci-didamente o preço. O modelo não especificade que forma o comportamento de cada em-presa se harmoniza com o comportamento co-letivo. Isto faz com que os economistas ora serefiram à concorrência perfeita como umasituação em que os vendedores concorrem ex-clusivamente através do preço (e não atravésda diferenciação dos produtos), ora se refiramà concorrência perfeita como um mercado im-pessoal, no qual há uma completa ausência deconcorrência direta entre os vendedores',

Mas não é somente a noção de concorrên-cia perfeita que apresenta problemas de inter-pretação prática. Também a noção de eficiên-cia, utilizada na teoria ortodoxa, apresenta di-ficuldades. Os resultados teóricos referem-sea uma economia em estado de equilíbrio es-tático e sem inovações em produtos ou pro-cessos, isto é, sem progresso técnico. Ora, éplausível que, ao menos em certos casos, oprocesso competitivo, tal como representadopelo modelo de concorrência perfeita, possanão ser o melhor meio de se buscar o bem-es-tar da economia como um todo, o que noslevaria a ter que considerar também outrasestruturas de mercado. E, de fato, algunseconomistas não ortodoxos, notadamenteSchumpeter', sustentaram que o crescimentoeconômico e o progresso técnico são ocasiona-dos, não pela concorrência, através do preço,entre pequenas empresas, mas através dasgrandes empresas e pela esquiva da concor-rência pelo preço. De acordo com essa visão, abusca do monopólio tem sua origem na ne-cessidade das empresas de se protegerem dorisco inerente à introdução de novos produ-tos, novas técnicas de produção e novas técni-cas de comercialização. As empresas gigantesnão concorrem através do preço, mas simatravés da inovação e esse tipo de concorrên-cia mostrou-se mais eficaz para o progressoeconômico do que a concorrência de preçodescrita nos livros didáticos ortodoxos.

Uma importância especial para esta dis-cussão asssume a chamada "hipótese deSchumpeter". Ele afirmou que uma estruturade mercado envolvendo grandes empresas,com grau considerável de poder de mercado,é o preço que a sociedade precisa pagar paraconseguir avanço tecnológico rápido".

A tentativa de algumas empresas de cria-rem monopólios para si próprias através deinovação resulta na formação de "oligopólios

2. HUGHES, Alan. "Compe-tition Policy". In EATWELL,J.; MILGATE, M. & NEW-MAN, P. (orgs.). The NewPalgrave: A Dictionary ofEconomics, 1, London, TheMacMillan Press, 1987, p.551.3. FERGUSON, C. E. Mi-croeconomic Theory. Home-wood, lIIinois, Richard D.lewin, 1966, p.192.

4. SCHUMPETER, J.A. TheTheory of Economic Devel-opment. Cambridge, Mass.,Harvard University Press,1934; e SCHUMPETER, J.A.Capitalism, Socialism andDemocracy, 2ª ed., NewYork, Harper and Brothers,1947.

5. SCHUMPETER, J.A. Cap-italism, Socialism andDemocracy. Op. cit.

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6. SYLOS-LABINI, Paolo."Oligopoly". In: EATWELL,J.; MILGATE, M. & NEW-MAN, P. (orgs.) The Newla/grave: A Dicttonary ofEconomics, 3, op.cit.,pp.701-5.

7. Idem, ibidem.

8. Idem, ibidem, p.704.

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diferenciados", ou seja, mercados em que al-gumas grandes empresas vendem produtosque se assemelham e se substituem, cada em-presa concorrendo através da diferenciaçãodo seu produto.

O economista Sylos-Labini",um estudiosodos oligopólios, nos ensina que, neste século,especialmente depois da Segunda GrandeGuerra, a estrutura de oligopólio tornou-seimportante na realidade econômica, e isto co-mo resultado de dois processos de mudançaeconômica: o de concentração e o de diferen-ciação. O processo de concentração ocorreuem setores como siderurgia, produtos quími-cos, cimento e eletricidade, caracterizando-sepor produtos homogêneos e economias de es-cala, enquanto que a diferenciação ocorreuprincipalmente em setores de bens de con-sumo não duráveis, como tecidos, pneus, en-latados, bebidas e cigarros, caracterizando-sepor produtos diferenciados e economias deespecialização. Em ambos os casos, diz Sylos-Labini, a inovação tecnológica teve um papelcentral; num caso, reduzindo custos atravésde escala, no outro caso, aumentando a atra-tividade dos produtos.

Assim, o oligopólio tornou-se a estruturadominante nos setores industriais e deserviços, permanecendo os setores primários(agricultura e mineração) e os serviços comestruturas mais próximas do modelo de con-corrência perfeita'.

Sylos-Labíni assinala, também, que, recen-temente, o processo de diferenciação setornou mais importante que o de concen-tração e as economias de especialização pare-cem ter-se tornado mais importantes do queas economias de escala. Ele indentifica trêscausas para essa evolução:

1) o crescimento da indústria eletrônica esetores relacionados a ela;

2) a reação de massas crescentes de traba-lhadores, em países avançados, contra amonotonia de linhas de montagem e outrosmétodos de produção em massa; e

3) a crescente diferenciação nas preferên-cias dos consumidores, decorrente do aumen-to da renda per capita.

Além disso, nota, a diferenciação semprefoi importante em serviços e estes estão setornando o setor mais importante das so-ciedades avançadas. Sylos-Labini conclui queessa mudança tende a aumentar a rigidez dospreços, uma vez que a concorrência tende a serealizar cada vez mais pela diferenciação e ca-da vez menos pelo preço".

Neste ponto, levanta-se novamente aquestão: Mas se a estrutura de oligopólio é

tão prevalecente e se há argumentos pon-deráveis segundo os quais ela parece ser efi-caz para o progresso econômico, por que en-tão os economistas não se utilizam mais demodelos de oligopólio nas suas análises for-mais?

A razão é a falta de uma teoria geral dooligopólio, o que, por sua vez, se deve à difi-culdade de se modelar essa estrutura de mer-cado. Há dezenas de teorias especiais,aplicáveis a casos particulares, mas não háuma estrutura teórica unificada e organizado-ra, que possa fornecer conclusões, testáveis naprática, sobre o comportamento das empresase o desempenho dos mercados oligopolistasem geral. Ao que tudo indica, isto se deve àextrema dificuldade de se representar o com-portamento complexo, variado, dinâmico ediferenciado de várias empresas num modelosuficientemente geral e que seja tratável.

Concluindo, podemos dizer que a teoriaeconômica ortodoxa tem pouco a contribuirpara a compreensão do processo de concor-rência, uma vez que seu modelo de mercadofavorito, o da concorrência perfeita, tem pou-ca aplicabilidade prática.

Por outro lado, os estudos empíricos eteóricos de economistas não ortodoxos têmevidenciado que a estrutura de oligopóliodiferenciado, em que poucas empresasgrandes vendem produtos semelhantes e con-correm através da inovação tecnológica e dadiferenciação de produtos, não só é a estrutu-ra dominante na realidade, como parece seruma estrutura benéfica e desejável para o pro-gresso econômico.

Nas últimas décadas, o estudo de estru-turas de mercado reais tem-se tornado o obje-to de um ramo da teoria econômica, denomi-nado Organização Industrial. (Esse nome, emportuguês, pode sugerir, enganosamente,tratar-se da organização interna das empre-sas, quando o termo "organização" é aquiusado no sentido de forma de estruturação domercado.)

Apesar dos progressos feitos nos últimosanos nesse campo, a teoria econômica aindanão conseguiu chegar a resultados incon-testáveis que indiquem as formas de organi-zação do mercado mais adequadas, do pontode vista do interesse público.

A COMPETITMDADE NA TEORIADE ESTRATÉGIA EMPRESARIAL

Os estudiosos de estratégia empresarialtradicionalmente supõem a empresa atuandonum oligopólio diferenciado, embora não ex-plicitem essa suposição. Dentro desse quadro,a . concorrência aproxima-se do modelo

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Schumpeteriano: as empresas competematravés da inovação.

O autor mundialmente mais respeitado emestratégia empresarial é, provavelmente, IgorAnsoff. De acordo com ele, "vantagem com-petitiva" é um dos cinco componentes deuma estratégia empresarial", Portanto, Ansoffatribui à análise da concorrência um papelparcial na formulação da estratégia da empre-sa. A quase totalidade dos demais autoresnessa área faz o mesmo.

Nesse sentido, Michael Porter rompe como padrão, passando a considerar a concorrên-cia como o aspecto fundamental da estratégiaempresarial. Nos seus três livros mais conhe-cidos, Competitive Strategy, Competitive Advan-tage e The Competitive Advantage of Nations",Porter considera o meio ambiente onde a em-presa opera como uma arena de competição,onde a empresa está sujeita às forças da con-corrência e tem que lidar com elas para sobre-viver. Ele analisa os efeitos que a concorrênciatem sobre as empresas e as formas como estaspodem enfrentá-la.

Um fato pouco conhecido pelos leitoresdesses livros é que Porter, antes de começar alecionar estratégia empresarial na escola denegócios de Harvard, era professor de econo-mia da mesma universidade, especializadoem organização industrial, exatamente aqueleramo da economia que se dedica ao estudo daestrutura de mercados e das formas de con-corrência. Ele havia publicado muitos traba-lhos eruditos sobre esse assunto, escritos emlinguagem pouco acessível a leigos.

Será útil fazermos uma síntese das idéiasde Porter nos seus três livros mais conheci-dos, para que possamos melhor compreendera sua concepção de concorrência e competi-tividade.

Em Competitive Strategy, Porter propõe ummétodo de análise do ramo de negócios" emque a empresa atua, com o objetivo de desen-volver uma estratégia para a empresa. Ométodo concentra-se na concorrência exis-tente no ramo em que a empresa atua. A con-cepção de concorrência de Porter não se res-tringe à consideração das empresas que, numdado momento, concorrem num dado ramo ede seu comportamento, mas é muito mais am-pla, abrangendo a estrutura econômica e ins-titucional dentro da qual a concorrência sedesenvolve naquele ramo de negócios.

O principal instrumento do método deanálise de Porter é um modelo que representaa estrutura da concorrrência existente numdado ramo de negócios através de cincoforças atuantes sobre a empresa:

1) ameaça de entrada de novos concor-

rentes no ramo;2) ameaça de substitutos, ou seja, produtos

ou serviços de outros ramos que possamsubstituir o produto ou serviço do ramo con-siderado;

3) poder de negociação dos compradores;4) poder de negociação dos fornecedores; e5) rivalidade entre as empresas existentes.

Segundo esse modelo, clientes, fornece-dores, substitutos e potenciais entrantes, as-sim como os concorrentes propriamente ditos,todos exercem pressões sobre a empresa, asquais serão maiores ou menores, de acordocom cada caso. Nesse sentido, assinala Porter,concorrência poderia ser definida como riva-lidade ampliada",

Além da caracterização da concorrênciaatravés do modelo das cinco forças, oprimeiro besi-seller de Porter apresenta, ainda,uma tipologia das estratégias que a empresapode usar para enfrentar com sucesso as cin-.co forças da concorrência, as quais ele deno-mina "estratégias competitivas". Ele identifi-ca, inicialmente, três estratégias genéricas: li-derança no custo total, diferenciação e en-foque. A primeira consiste em atingir o custototal mais baixo em um determinado ramo,através de um conjunto de políticas da em-presa orientadas para esse objetivo. Umaposição de baixo custo produz para a empre-sa retornos acima da média em seu ramo denegócios, apesar da presença de intensasforças competitivas, e, por isso, a empresaainda pode obter lucro depois que seus con-correntes tenham consumido seus lucros naconcorrência.

A segunda estratégia genérica, a diferen-ciação, é criar algo de novo no produto ouserviço oferecido pela empresa, de modo queele se tome especial, diferenciado, no âmbitodo seu ramo. Dessa forma, o comprador podepreferir esse produto aos concorrentes e podeaté estar disposto a pagar mais por ele.

Finalmente, a terceira estratégia genéricadescrita por Porter, a de enfoque, consiste emidentificar um grupo de compradores, umsegmento de linha de produto, ou um merca-do geográfico, e dedicar-se a atender esse mer-cado-alvo melhor do que seus concorrentes.Aqui, novamente, a empresa terá duas opções:competir no custo ou através da diferenciação,porém, somente no segmento escolhido.

A partir desses elementos básicos, o modelodas cinco forças e a identificação das três es-tratégias genencas, Porter desenvolve orestante do livro, dedicando-se ao detalhamen-to da análise do mercado e de concorrência, aoestudo de estratégias especiais para setores emdiferentes estágios de desenvolvimento, e à

9. ANSOFF, H. Igor. Corpo-rate Strategy. New York,McGraw-Hill, 1965, espe-cialmente capítulos 6, 8 e 9.

10. PORTER, Michael E.Competitive Strategy. NewYork, The Free Press, 1980;PORTER, Michael E. Com-petitive Advantage. NewYork, The Free Press, 1985;PORTER, Michael E. TheCompetitive Advantage ofNations. New York, The FreePress, 1990. As traduçõesem português são: Estraté-gia Competitiva, Rio deJaneiro, Editora Campus,1985 e Vantagem Competi-tiva, Rio de Janeiro, EditoraCampus, 1989.

11. Em todo este artigo usa-remos o termo "ramo denegócios" (tradução de in-dustry) para significar ogrupo de empresas oter-tantes de produtos que sãosubstitutos bastante próxi-mos entre si. As traduçõespara o portuguêS das obrasde Porter usam o termo "in-dústria", que nos pareceambíguo.

12. PORTER, Michael E. Es-tratégia Competitiva. Op.cit.,p.24.

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13. Idem, ibidem, p.15.

14. A principal diferença éQue, em mercados fragmen-tados, os produtos podemser diferenciados e ate acen-tuadamente diferenciados.

15. MILES, L.D. Techniquesot Va/ue Ana/ysis and Engi-neering, New York, Mc-Graw-Hill,1961.

16. PRESIDENT'S Comis-sion on IndustrialCompetitiveness. Qp. cit.

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análise de algumas decisões estratégicas espe-ciais: integração vertical, grande expansão dacapacidade e entrada em novos negócios.

A ótica de Porter, nesse primeiro livro, é ada empresa que quer ser bem-sucedida nomercado. Digamos que ele adota a atitude deum consultor da empresa. A metodologiaapresentada no seu livro, diz ele, visa a "auxi-liar uma empresa a analisar sua indústria comoum todo e a prever a futura evolução da indústria,compreender a concorrência e a sua própriaposição e traduzir essa análise em uma estratégiacompetitiva para um determinado ramo de negó-cios"13. Portanto, nesse livro ele não discute sea concorrência é boa ou má para a economiacomo um todo. A concorrência é vista comoum dado da realidade, um fato da vida, e eleensina como melhor enfrentá-la, e até comotirar proveito dela.

A esse respeito, é muito esclarecedor oCapítulo 9, "Estratégia Competitiva em In-dústrias Fragmentadas". Um mercado frag-mentado assemelha-se ao modelo teórico dalivre concorrrência, no sentido de se caracteri-zar por um grande número de empresas con-correntes, pelo pouco poder de cada uma de-las, e pela intensidade das forças competi-tivas",

A recomendação de Porter para uma em-presa que opere num mercado fragmentado éa seguinte: a empresa deve analisar as causasde fragmentação e verificar se é possível su-perá-las, de forma que possa desencadear umprocesso de mudança de toda a estrutura domercado, que resulte na sua consolidação, embenefício da empresa. Porter examina algunsmétodos comumente usados para provocar aconsolidação de um mercado fragmentado.Caso a análise revele que a fragmentação éinevitável, por ser inerente àquele ramo denegócios, então a empresa deverá utilizar umaestratégia para enfrentar o ambiente fragmen-tado com sucesso. Para esse caso, Porter tam-bém sugere uma série de alternativas. Essetratamento esclarece que a recomendação dePorter à empresa é de, quando possível, tentarevitar a concorrência, até mesmo modificandoa estrutura do mercado em que atua.

Competitive Advantage (1985),o segundo best-seller de Porter, propõe-se a complementar Com-petitive Strategy. Se o primeiro livro mostra co-mo analisar ramos de negócios e formular es-tratégias competitivas, o segundo tenta ensinarcomo colocá-las em prática, ou seja, propõe-se atraduzir uma estratégia competitiva geral nasações específicas que são necessárias para seobter vantagem competitiva.

Convém esclarecer, para nossa discussão, osignificado que Porter dá ao termo "van-tagem competitiva", uma vez que ele não ti-

nha usado esse termo no primeiro livro e nemo define explicitamente no segundo. Um exa-me cuidadoso do contexto em que aparece es-sa expressão nos permite concluir que "van-tagem competitiva" e "posição competitivafavorável" são sinônimos para Porter e sig-nificam "uma posição sustentável da empresapara enfrentar as forças da concorrência num dadoramo de negócios, de forma a superar seus rivaisem termos de rentabilidade a longo prazo".

Nesse segundo livro, Porter introduz o con-ceito de "cadeia de valor" da empresa. Asoperações de qualquer empresa podem ser di-vididas numa série de atividades tais comooperários trabalhando na produção, vende-dores fazendo visitas a clientes, técnicos fazen-do consertos de produtos já vendidos, espe-cialistas projetando novos produtos, tesou-reiros levantando recursos financeiros, e assimpor diante. As empresas criam valor para seusclientes, desempenhando todas essas ativi-dades. Para ganhar vantagem competitiva so-bre seus rivais, uma empresa tem que oufornecer valor comparável aos clientes, masdesempenhando essas atividades mais eficien-temente do que seus concorrentes (customenor), ou desempenhar essas atividades deuma forma diferenciada, que crie um valormaior para o cliente é posssa, assim, justificarum preço mais alto (diferenciação).

A "cadeia de valores" é uma representaçãodetalhada e sistemática das atividades deuma empresa, que ajuda a identificar a con-tribuição de cada atividade para o valor que ocliente atribui ao produto. O livro é dedicadoà utilização desse instrumento na especifi-cação e na implantação da estratégia da em-presa. A idéia é útil mas não inteiramnte no-va, dada a sua semelhança com as já antigastécnicas da "engenharia de valor?" e com out-ras noções já conhecidas de marketing.

A principal inovação do livro é inserir es-ses conceitos dentro de uma estratégia orien-tada para enfrentar a concorrência. O conheci-mento adquirido pelo uso da "cadeia de valo-res" é útil à empresa para compreender comoos concorrentes diferem entre si e onde a em-presa pode reduzir custos ou criar valor adi-cional para obter vantagem competitiva.

The Competitive Advantage of Nations (1990)representa uma mudança na obra de Porter.Tendo participado, no governo Reagan, da jámencionada comissão incumbida de estudar acompetitividade industrial dos EstadosUnidos", Porter passou a olhar a competitivi-dade do ponto de vista de uma política indus-trial nacional. O livro assume esse ponto devista, propondo-se a investigar quais são osatributos de uma nação que promovem van-tagem competitiva em empresas nela sediadas.

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Um estudo ambicioso e extenso, dirigidopor Porter e realizado em dez países, forneceuos elementos para a elaboração do livro. Umaanálise abrangente dessa obra não é possívelneste artigo. Vamos nos limitar, neste ponto, acomentar as implicações que Porter tira do es-tudo para a estratégia de empresas quequeiram competir em mercados globais. Maisadiante, examinaremos brevemente a questãoda competitividade das nações. No entanto,para podermos compreender as conclusões erecomendações que Porter faz às empresas,temos que adiantar aqui os achados centraisdo estudo com relação à competitividade dasnações.

Nenhuma nação é competitiva em todos osramos de negócios. (Por exemplo, o Japão nãoé forte em produtos químicos, aviões comer-ciais, serviços em geral etc.) Cada nação écompetitiva em alguns ramos de negócios eexistem características nacionais que explicamessa vantagem competitiva.

Entre essas características, o estudo identifi-ca alguns fatores reconhecidos de vantagemcompetitiva, tais como disponibilidade de mão-de-obra qualificada e infra-estrutura física.

Mas o estudo também aponta fatoresmenos reconhecidos, tais como a presença decompradores exigentes e sofisticados, a pre-sença de rivalidade entre as empresas doramo de negócios em questão, a qualidade daestratégia e organização das empresas e a pre-sença de outros ramos de negócios, intima-mente relacionados com o ramo em questão, eque também sejam competitivos.

Vejamos as implicações que Porter tira doestudo para a estratégia de empresas quequeiram atuar em mercados globais. Ele assi-nala que uma empresa tem que compreenderquais são os fatores, existentes no seu país,que determinam sua capacidade, ou incapaci-dade, de criar e manter vantagem competitivaem âmbito internacional". (Isso é expandidono Capitulo 11do livro.)

Por mais favoráveis que sejam as circuns-tâncias nacionais, o sucesso não é garantidoàs empresas daquela nação. As fontes de van-tagem nacional têm que ser buscadas e explo-radas ativamente pelas empresas. A van-tagem competitiva, em última análise, resultade uma combinação eficaz de circunstânciasnacionais e estratégia da empresa",

O estudo dirigido por Porter incluiu umexame detalhado das histórias de mais deuma centena de ramos de negócios. As es-tratégias específicas empregadas pelas empre-sas bem-sucedidas desses .ramos diferiammuito entre si. Entretanto, elas tinham quali-dades comuns, identificadas no estudo. Algu-mas dessas qualidades são: A vantagem com-

petitiva desenvolve-se fundamentalmente apartir da inovação e da mudança; as fontes devantagem têm que ser continuamente apri-moradas; a vantagem competitiva envolve to-da a cadeia de valores; e assim por diante.

Dessas constatações, Porter deriva re-comendações para aumentar a competitivi-dade, tais como: procurar vender para oscompradores mais sofisticados e exigentes;procurar compradores com as necessidadesmais difíceis; estabelecer diretrizes de superaras exigências das normas técnicas e da legis-lação; comprar dos fornecedores mais avança-dos e internacionais do país; tratar seus em-pregados como permanentes; escolher con-correntes extraordinários para servir de moti-vadores para sua empresa.

Seguem-se outras recomendações. Maisimportante, porém, é que Porter recomendaàs empresas não só aproveitarem da melhorforma as características do meio ambiente na-cional, mas também trabalharem ativamentepara melhorar esse ambiente. Assim, eleaconselha a empresa a complementar afunção do governo de treinar mão-de-obra edifundir informação, a estimular a criação eaprimoramento de fornecedores e produtoresde produtos e serviços complementares nopaís, a procurar escala através de expansãointernacional em vez de fundir com concor-rentes locais, e assim por diante. Em suma, acompetitividade internacional de uma empre-sa é aumentada se ela aceita e aprimora aconcorrência local, em vez de evitá-la.

Essas recomendações são evidentementebastante polêmicas e discutíveis. O relevante,para nossa análise, é reconhecer que a atitudedo Porter de 1980 (Competitive Strategy) édiferente da atitude do Porter de 1990. Nolivro de 1980, como vimos, o autor assume oponto de vista da empresa. Se ela opera nummercado caracterizado pela concorrência edeseja rentabilidade a longo prazo, a formade consegui-la é através da vantagem com-petitiva. Mas como vimos, também, a empre-sa pode alternativamente manipular o merca-do para tentar alterar a intensidade da con-corrência em benefício próprio.

No livro de 1990, agora com uma ótica depolítica industrial nacional, Porter prega asvirtudes dos ambientes competitivos na-cionais para forjar empresas capazes de en-frentar, com sucesso, mercados globais. Se omercado competitivo é desejável do ponto devista da nação, não resta à empresa senãoaceitar as regras do jogo e procurar atuar damaneira mais hábil possível.

Em suma, no livro de 1980, a vantagemcompetitiva da empresa é uma qualidadeque permite à empresa rentabilidade a longo

17. PORTER, Michael E. TheCompetítíve Advantage ofNations. Op. cit., p.2.18. Idem, ibidem, p.578.

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o CONCEITO DE COMPETITIVIDADE DA EMPRESA RAE

19. HAGNENAUER, Lia.Competitividade: Conceitose Medidas. Uma Resenha daEJjbliografia Recente comEnfase no Caso Brasileiro.Texto para Discussão nº211. Rio de Janeiro, Institu-to de Economia Industrial,UFRJ, agosto/1989.

20. RICARDO, David. Prin-cipies of Political Economyand Texation. London, JohnMurray,1817.

21. Vide, por exemplo,KINDLEBERGEN, C.P. Inter-national Economics. 4ª ed.,Homewood, lIIinois, RichardD. Irwin, 1968.

22. OFFlCE of TechnologyAsessment. InternationalCompetitiveness in Elec-tronics. Washington, D.C.,U.S. Government PrintingOffice, novembro, 1983,pp.164-5.

23. OHUN, G. Interregionaland International Trade.Cambridge, Mass., HarvardUniversity Press, 1933.

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prazo em mercados caracterizados pela con-corrência. No livro de 1990,a competitividadeda empresa é uma disciplina desejável doponto de vista do interesse da nação.

Concluindo a análise da idéia de competi-tividade na obra de Porter, podemos dizerque a ênfase que ele atribui à concorrência e àcompetitividade dá a sua obra um caráter, aomesmo tempo, distorcido e oportuno. De fato,como orientação às empresas para a elabo-ração de estratégias, seus ensinamentos con-centram-se demais nos mecanismos da con-corrência, em detrimento de outros mecanis-mos, por exemplo, de cooperação entre as em-presas. Por outro lado, sua obra é oportuna,especialmente nos Estados Unidos, obcecadoscom o declínio de sua competitividade nospróprios mercados internos e em busca defórmulas para reverterem o processo.

A contribuição maior de Porter está, a meuver, no seu primeiro livro, CompetitiveStrategy. O modelo que ele apresenta das cin-co forças de concorrência é uma inovação útile relevante e, se a empresa souber relativizara importância dessas considerações, poderáformular estratégias mais bem fundamen-tadas.

COMPETITMDADE DAS NAÇÕES

"Competitividade das nações" é um termonovo. Os estudiosos do assunto empregam-nocom diferentes conceituações. Em resenha re-cente, Hagenauer" examinou criticamentevárias dessas conceituações.

Como o tema deste artigo é a competitivi-dade no nível da empresa, faremos aqui ape-nas um rápido apanhado do conceito quandoaplicado às nações.

A competitividade das nações é, na ver-dade, uma versão atualizada da teoria davantagem comparativa, enunciada peloeconomista clássico David Ricardo, em 18172°.As proposições de Ricardo foram posterior-mente desenvolvidas por Mill e outros. Háversões simplificadas dessa teoria em todosos textos introdutórios de comércio interna-cíonal".

Ricardo demonstrou o resultado, aparente-mente paradoxal, segundo o qual mesmo queuma nação fosse mais eficiente do que outrana produção de qualquer bem, ainda assimseria vantajoso para ambas que cada uma seespecializasse na produção dos bens em que émais eficiente e suprisse suas necessidadesdos demais bens através de troca com o outropaís.

No argumento de Ricardo, a nação A podeexportar vantajosamente para a nação B umproduto em cuja produção ela gasta mais re-

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cursos do que B. Essa ineficiência em relaçãoao outro país não é relevante. O que importa éque a produção daquele produto em A sejaeficiente em relação à produção de outrosprodutos em A. O que interessa, portanto, é aeficiência com que o bem é produzido em re-lação aos demais bens produzidos no própriopaís.

Esse princípio pode ser generalizado parao conjunto de bens produzidos numa nação.A avaliação da competitividade dos produtosdos vários segmentos produtivos vaidepender de como os diferentes segmentosda nação se relacionam uns com os outros emtermos de eficiência no uso de recursos. Ideal-mente, essa comparação permitiria fazer-seuma ordenação dos segmentos, segundo a efi-ciência de cada um. Tudo o mais permanecen-do igual, deve-se esperar que cada nação ex-porte os produtos do topo da sua lista de efi-ciência e importe os produtos da parte infe-rior da lista. Isto não depende de como essaseficiências se comparam com as eficiênciasdos respectivos segmentos em outros países.Depende somente da posição relativa dos seg-mentos dentro do país. Portanto, os segmen-tos do topo da lista podem ter níveis de efi-ciência abaixo do dos segmentos correspon-dentes no exterior e, ainda assim, exportar".

A noção de que um país pode ser menoseficiente do que outro na produção de qual-quer bem e, ainda assim, conseguir exportarpara ele parece contrária à razão. Afinal, qualé a vantagem em ser eficiente? Note-se, no en-tanto, que estamos apenas tratando das con-veniências de trocas entre nações. A naçãomenos eficiente em tudo terá, como conse-qüência inexorável, um padrão de vida maisbaixo para seus habitantes.

Ricardo não se preocupou em explicar asrazões por que as nações têm eficiências dife-rentes na produção de um mesmo bem e nempor que as eficiências relativas na produçãode diferentes bens também diferem de umpaís para outro.

Já neste século, os economistas suecosHeckster e Ohlin" propuseram-se a identificaros fatores que explicam as diferenças de efi-ciência ou produtividade, entre as nações. Deacordo com sua teoria, as posições de van-tagem comparativa decorrem principalmentede diferenças na dotação de fatores produtivosde cada nação: terra, mão-de-obra e capital.

A aceitação da teoria da vantagem compa-rativa implica na defesa do livre comércio en-tre as nações, da especialização de cada naçãona exportação de bens cuja produção requeruso intenso dos recursos localmente maisabundantes, e da limitação do governo ao pa-pel de árbitro e regulador.

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RAE o CONCEITO DE COMPETITIVIDADE DA EMPRESA

Essa teoria, no entanto, tem recebido críti-cas crescentes. Os países em desenvolvimentotendem a considerar que a teoria favorece asnações ricas e poderosas e seria uma desculpadesses países para a manutenção do status-quo. Mas, além disso, a teoria tem sido critica-da com base em inescapável evidência em-pírica: O Japão e os "tigres asiáticos" segui-ram estratégias nacionais que contrariam ateoria da vantagem comparativa e tiveramenorme sucesso.

As limitações da teoria são sumarizadaspor Scott", Algumas das suposições simplifi-cadoras da teoria são, por si só, questionáveis,como por exemplo: pleno emprego, contascorrentes nacionais equilibradas, mobilidadede fatores dentro de cada nação e outras. Mashá outras abstrações que representam dis-torções mais aberrantes e comprometedoras.

Uma é a de que os recursos produtivos são"encontrados" e não criados, prevalecendo alei dos retornos decrescentes: o custo de uti-lização dos recursos aumenta à medida quesão usados mais intensamente.

Outra é a de que as nações buscam resulta-dos no curto prazo e em situações de equi-líbrio estático.

Uma terceira abstração é a de que, ao se es-pecializarem, as nações auferem benefíciossimétricos. Assim, uma nação que se especia-lizasse num ramo de baixo crescimento ou

com pouca inovação tecnológica seria tãobeneficiada pela especialização quanto outraque se especializasse num ramo em rápida ex-pansão e com intenso ritmo de inovação.

Uma das contribuições cruciais da expe-riência dos países do leste asiático é uma teo-ria revisada da vantagem comparativa.

A nova teoria leva em conta as oportu-nidades, e não só os recursos, e mostra comouma nação pode mobilizar seus recursos,mesmo limitados, para aproveitar as oportu-nidades.

Uma conclusão tirada por Scott é a de que,num mundo de mudança tecnológica, dediferentes taxas de crescimento e de aumentode produtividade nos distintos ramos denegócios e de custos descrescentes, os paísesem desenvolvimento deveriam escolherramos de rápido crescimento e usar a forçados seus governos para auxiliá-los a entrarnesses mercados e participar deles.

Esses países devem pensar em termos deadquirir ou criar competência em setorespromissores em vez de simplesmente aceitara sua dotação presente de recursos.

O livro de Porter sobre a competitividadedas nações", já comentado, também é umaversão atualizada da teoria da vantagem com-parativa.

Assim como aquela nova versão, Porterdescarta a idéia de "nação competitiva" e con-

24. SCOTT, Bruce R. "Na-tional -5trategies: A Key toInternational Competition".In: SCOTT, B.R. & LODGE,G.C. (orgs.) U.S. Competi-tiveness in the World Econo-my, Boston, Harvard Busi-ness School Press, 1985.

25. PORTER, Michael E. TheCompetitive Advantage ofNations. Op. cit.

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o CONCEITO DE COMPETITIVIDADE DA EMPRESA RAE

26. INSTITUTO de Pesqui-sas Tecnológicas, Programade Atualização TecnológicaIndustrial-PATI/Estudos Se-toriais: Informática, Termode Referência IPT/DES-AP-AT, nQ 28658/90, São Paulo,outubro, 1990.

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centra a atenção em segmentos produtivos,ou ramos de negócios, em que uma nação écompetitiva. Aliás, ele vai um passo além: co-mo as empresas de um mesmo ramo diferemna sua eficiência e competitividade, são asempresas, e não as nações, que competem nosmercados internacionais. Mas o estudo quePorter conduziu mostra que a tendência atualà globalização dos mercados não diminui aimportância da nação como promotora devantagem competitiva. O estudo das deznações escolhidas e das empresas e segmen-tos mais competitivos no mercado mundialmostra que cada nação tem certas característi-cas que ajudam as empresas a tornarem-seaptas a inovar rapidamente na tecnologia enos métodos, na direção certa. A nação é o lu-gar onde se forja a capacidade de uma empre-sa de concorrer no mercado mundial numramo específico.

Porter identifica os atributos de uma naçãoque moldam o ambiente no qual empresas lo-cais concorrem e que promovem ou impedema criação de vantagem competitiva. Ele chamaesses atributos de "determinantes da van-tagem nacional". São os seguintes:

1. Condições de Fatores, ou a capacidadeda nação de transformar seus recursos bási-cos, como recursos naturais, educação e infra-estrutura, em vantagem especializada. Aqui,a visão de Porter diferencia-se em relação àteoria da vantagem comparativa. De fato,para Porter as condições de fatores não decor-rem tanto da dotação dos recursos básicos denação, mas principalmente da forma comoeles são utilizados, desenvolvidos e até cria-dos. Por exemplo, a Suíça é líder em chocolateapesar de não produzir cacau; a Holanda élíder na produção comercial de flores, apesardo clima desfavorável.

2. Condições de demanda, ou seja, onúmero e, mais importante, a sofisticação dosconsumidores domésticos dos produtosdaquele ramo. Por exemplo, os consumidoresjaponeses são muito meticulosos e exigentes eisto estimula os produtores locais a ofere-cerem produtos de melhor qualidade.

3. Ramos de negócios relacionados ou deapoio. Para que as empresas de uma naçãoatinjam competitividade num dado ramo denegócios, é importante que os fornecedoresdesse ramo também sejam competitivos e queoutros ramos relacionados tenham, igual-mente, padrão internacional. Por exemplo, oprogresso alemão em máquinas para impri-mir foi acompanhado por avanços paralelosna fabricação de papel.

4. Estratégia, estrutura e rivalidade dasempresas; as condições que regem a criação, aorganização e a gestão das empresas de umanação, assim como a natureza da concorrênciadoméstica. A intensa rivalidade entre as em-presas japonesas tem sido a chave do sucessodaquela nação.

A lição que se depreende dos resultados doestudo, diz Porter, é que a "vida mansa" é uminimigo da competitividade. As empresas seaperfeiçoam quando são forçadas a vencer osaltos custos de mão-de-obra, ou a falta de re-cursos naturais, quando seus clientes domés-ticos não aceitam produtos inferiores ou ul-trapassados, quando a concorrência local éacirrada e quando os governos estabelecemregulamentos e padrões exigentes.

A posição de Porter com relação ao papeldo governo na competitividade de uma naçãoé intermediária entre a implicação de laissez-faire da teoria clássica de vantagem compara-tiva e a posição dos defensores das estratégiasnacionais, como Scott.

Segundo Porter, seu estudo não apóia avisão de que o governo deveria simplesmenteobservar as forças do mercado agindo. Masseu papel deve ser parcial. Sem a presença defatores como os apontados acima, as melhorespolíticas governamentais fracassarão.

Porter acredita que o papel do governo de-va ser o de incentivar a produtividade cres-cente dos recursos de nação. Isto pode serfeito através de educação e treinamento, deestímulo à pesquisa e desenvolvimento, de in-fra-estrutura etc.

Mas também pode ser conseguido atravésde compras do governo em casos especiais,de estímulo à formação de pólos industriaisetc.

COMPETITIVlDADE DOSMICROCOMPUTADORES NACIONAIS

Para poder examinar com mais realismo aquestão da competitividade, vamos avaliar acompetitividade de um produto nacional queestá hoje em evidência: o microcomputador.A análise apresentada a seguir baseia-se numestudo realizado pelo Instituto de PesquisasTecnológicas,em 199026

Inicialmente devemos esclarecer que nosdedicaremos à análise da competitividade ex-terna desse produto nacional, isto é, da possi-bilidade da venda desse produto em merca-dos externos. A competitividade interna, ouseja, a capacidade de enfrentar a concorrênciade similares importados no mercado nacional,ainda que problemática, é menos difícil de seratingida.

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RAE o CONCEITO DE COMPETITIVIDADE DA EMPRESA

o segmento de microcomputadores pes-soais" representou, em 1990,vendas de 36 bi-lhões de dólares nos Estados Unidos, Europae Japão, correspondendo a cerca de 27% domercado de computadores desses países. Ataxa de crescimento desse segmento em 1990foi de 11%, mas ela foimuito diferente nos Es-tados Unidos (9,5%)e no Japão (28,0%).

O mercado de micros é relativamente re-cente. Os primeiros produtos surgiram emmeados da década dos setenta (o maisfamoso, o Apple IT,foi lançado em 1977) epropiciaram o surgimento e rápido cresci-mento de muitas empresas novas. Mas, já em1981,a IBM entrou nesse segmento com seuIBM PC, que se tornou um padrão no seg-mento. Outras grandes corporações multina-cionais também ingressaram no mercado. Aspioneiras, comoApple e Compaq, hoje solida-mente estabelecidas, disputam a liderança domercado com grandes corporações tradi-cionais, como a IBM,a NEC e a Olivetti.

As vendas dos dez maiores fabricantesmundiais de microcomputadores em 1989aparecem na tabela 1.Elas representaram 70%do mercado em 1989. A IBM sozinha con-seguiu 22,5%das vendas totais do segmento eas cinco maiores abocanharam a metade domercado.

Tabela 1: Vendas dos dez maiores fabricantes demicrocomputadores do mundo em 1989

COlocação EmpresasVendas de rnrcros(US$ milhões)

1 IBM 8.343,0

2 Apple 3.574,2

3 NEC 3.116,5~

4 Compaq 2.876,1

5 Groupe Buli 1.681,0r

6 Olívetti 1.523,4

7 Toshiba 1.340,8

8 Tandy 1.330,0

9 Unisys 1.300,0

10 Fujitsu 869,7

Fonte: Dalamafion, June 15,1990.

A partir de 1989, analistas de mercadocomeçaram a detectar sinais de maturidadeno mercado de micros. O crescimento dasvendas estava se desacelerando e a concor-

rência tornou-se mais acirrada, o que afetouadversamente muitas empresas, levando al-gumas a dispensarem pessoal e outras aserem absorvidas ou a cessarem suas ativi-dades. Como a diferenciação através da ino-vação tecnológica tem sido a forma predomi-nante de concorrência nesse segmento, o rit-mo das inovações acelerou-se e a duração dociclo de vida dos produtos caiu de cinco parapouco mais de dois anos.

Os fabricantes gastam grandes somas empesquisa e desenvolvimento. Em 1989,a Ap-ple sozinha gastou, em P&D416,4milhões dedólares, mais do que o total de vendas demicros no Brasilno mesmo ano.

A estrutura e os padrões de concorrênciano mercado mundial de microcomputadorespodem ser analisados mais detalhadamentecom ajuda do modelo das cinco forças dePorter. Os fornecedores do segmento são osfabricantes de semicondutores e os fabri-cantes de outros componentes (monitores devídeo, unidade de disco flexível, unidade dedisco rígido, teclado, impressora, placas decircuito impresso etc.). Os primeiros são pou-cas empresas de grande porte, elevado con-teúdo tecnológico, que exploram economiasde escala em seu processo de produção. Asprincipais tendências observadas no mercadode sernicondutores, nos últimos anos, são oaumento do grau de concentração do capital,a concorrência acirrada entre empresas ameri-canas e japonesas e a queda contínua na re-laçãopreço/ desempenho dos produtos.

Dessa forma, a negociação entre fornece-dores de semicondutores e fabricantes de mi-crocomputadores se dá entre grupos de em-presas oligopolizadas de grande poderio fi-nanceiro, restando pouca margem para os pe-quenos fabricantes discutirem o preço dessescomponentes. Além disso, as economias deescala conduzem a consideráveis descontosno preço unitário dos semicondutoresadquiridos por grandes compradores.

Quanto aos fornecedores de outros compo-nentes, o seu grau de concentração é menor eexistem mumeros pequenos fabricantesoperando no mercado. A produção dessescomponentes não exige escalas elevadas. Opoder de negociação do fabricante de micro-computadores com relação a esses fornece-dores é bem maior do que com relação aosfornecedores de semicondutores. Essa situa-ção, no entanto, tende a se alterar, com o au-mento da importância da escala de produção.

Vejamos o poder de negociação dosclientes dos fabricantes de micros. A comer-cialização de microcomputadores se processade formas variadas, diferentemente dos com-putadores maiores que o fabricante vende di-

27. Excluem-se as estaçõesde trabalho e os rnultipro-cessadores.

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o CONCEITO DE COMPETITIVIDADE DA EMPRESA RAE

retamente ao cliente, através de seus própriosvendedores. Podem ser distinguidos doisusos dos micros: o empresarial e o doméstico.Os fabricantes vendem, em geral, diretamenteàs grandes empresas, que compram emgrandes quantidades. A Tandy vendeu, em1989, 50000 PCs para a American Airlines.Usuários empresariais também compram deintegradoras de sistemas, que vendem os mi-cros como parte de um pacote que inclui,além do micro e de outros componentes dehardware, também o software e serviços de im-plantação e apoio. Empresas menores e indi-víduos são supridos através de distribuidorese revendedores. Os distribuidores fornecem aestabelecimentos do varejo, como lojas espe-cializadas ou magazines.

Os revendedores vendem diretamente aosclientes, às vezes acrescentando periféricos eoutros componentes adicionais aos micros.

Alguns fabricantes possuem suas própriasoperações de distribuição e de varejo, àsvezes na forma de subsidiárias.

Durante a década dos oitenta, a estruturade vendas de varejo de micros sofreu umatransformação, que reduziu a participaçãodas lojas independentes e aumentou a dascadeias de lojas, algumas de propriedade defabricantes.

Um terceiro tipo de intermediário são osOEMs (Original Equipment Manufacturers),grandes e conhecidas corporações de infor-mática que, mediante acordo com o fabri-cante, revendem os micros com a sua própriamarca. Por exemplo, tanto a DigitalEquipment como a Matsushita (Japão) ven-dem micros fabricados pela Tandy.

Esses intermediários, ao mesmo tempo quealiviam os fabricantes de micros das ativi-dades de comercialização, reduzem bastanteo seu poder de negociação na venda dos pro-dutos, uma vez que são grandes com-pradores.

Para os fabricantes menores e desconheci-dos do usuário final, esses intermediáriosoferecem a oportunidade de acesso a novosmercados, mas a margem de negociação dofabricante é extremamente reduzida, e suaatuação restringe-se a oferecer qualidade pré-especificada ao menor preço. Ao mesmo tem-po, as grandes corporações americanas, japo-nesas e coreanas que fabricam micros, em vir-tude dos grandes volumes com que operam,da experiência que muitas delas têm, adivin-da da comercialização em escala mundial deoutros produtos eletrônicos de consumoduráveis, e das marcas de prestígio que de-têm, têm um poder de negociação considerá-vel junto aos intermediários.

Os fabricantes estabelecidos de micros

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sofrem permanentemente a ameaça de novosentrantes no mercado, dado o fato que o pro-duto predominante no segmento, o "IBM-compatível", tem arquitetura aberta e sistemaoperacional padronizado, de forma que a en-trada não é dificultada pelas barreiras técni-cas que caracterizam os mercados de outrostipos de computadores.

No entanto, o ingresso e a participação denovas pequenas empresas no mercado, atravésde produtos inovadores, tenderão a enfrentarbarreiras crescentes, por várias razões. Emprimeiro lugar, está havendo uma padroniza-ção crescente dos produtos neste mercado, oque dificulta o ingresso com um produto tecno-logicamente inovador. Uma segunda razão é acrescente automação e verticalização da pro-dução, tendência atualmente mais intensa nosegmento de portáteis (laptops), que deverá sealastrar para os segmentos mais convencionais.Em terceiro lugar, os canais de distribuição demicros, nos Estados Unidos, estão sofrendouma concentração, com o gradual desapareci-mento da loja independente e uma presençacrescente de grandes cadeias e poderosos dis-tribuidores. Essas empresas tendem a lidar comum número restrito de produtos.

Essas crescentes barreiras à entrada deve-rão levar à concentração do mercado nasgrandes empresas já estabelecidas.

O segmento de micros quase não sofreameaça de produtos substitutos. Ao con-trário, graças ao contínuo aumento das ca-pacidades de processamento e memória doscircuitos integrados, cada vez mais os microsameaçam substituir minicomputadores e atémainframes em certas aplicações. (Conside-ramos os laptops como microcomputadoresdiferenciados e não como potenciais substitu-tos.) Os micros têm substituído inclusive ou-tros equipamentos de escritório, como máqui-nas de escrever e copiadoras.

Um potencial substituto do microcomputa-dor é o terminal inteligente, de baixo custo,para uso em redes locais. Dada a expansãoexplosiva do uso de redes, este substituto po-tencial poderia abocanhar uma parcela con-siderável do mercado de micros.

Quanto ao grau de rivalidade interna en-tre os fabricantes de micros, nota-se que, em-bora o mercado seja disputado por umgrande número de empresas de vários tama-nhos, ele é dominado por grandes corpo-rações multinacionais. Como vimos, as dezmaiores empresas detêm 70%do mercado. Seo segmento, de fato, caminha para a maturi-dade, com taxas declinantes de crescimentodas vendas, então o grau de rivalidade inter-na continuará a aumentar. Embora algumasempresas tenham optado por concorrer

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RAE o CONCEITO DE COMPETITIVIDADE DA EMPRESA

através de redução de preços, é provável queeste comportamento seja temporário e que amaioria das empresas passe a competiratravés da diferenciação no produto. Algunsespecialistas acreditam, no entanto, que adiferenciação se fará menos ao ritmo dosavanços tecnológicos e mais ao ritmo das ne-cessidades dos usuários, que serão auscul-tadas com maior empenho.

Ao lado da análise da estrutura do merca-do de micros e dos seus padrões de concor-rência, será útil examinarmos também astendências tecnológicas dos produtos, dado opapel central que a inovação tecnológica de-sempenha nesse mercado.

O contínuo aumento do desempenho dosmicroprocessadores e das memórias de semi-condutores é ainda a grande tendência nosegmento, na década dos noventa. Os micro-processadores atuais, de 7 Mips (milhões deinstruções por segundo), evoluirão para pro-cessadores de 2000 Mips no fim da década.Essa tendência levará à fusão do segmento demicros high-enâ com o de estações de trabalholoui-end.

Uma segunda tendência é a expansão douso de redes interligando microcomputadoresentre si e estes com computadores maiores.As novas possibilidades que derivam daconectividade são muitas e podem revolu-cionar a maneira como os microcomputa-dores são utilizados. Essa tendência propicioua emergência de um novo segmento no mer-cado de micros, o de micros para serem usa-dos como servidores de redes locais. Esse usopermite uma diferenciação do produto e amaioria dos fabricantes de micros servidoressão empresas novas e pequenas, financiadaspelo oenture capital. Mas as grandes, comoIBM, DEC e Cornpaq, também estão no páreo.

Uma terceira tendência é a padronização dasarquiteturas em torno de dois padrões alterna-tivos: a MCA (Micro Channel Architecturc), da113M, e a EISA (Extended Industry Standard Ar-chitecture), de um grupo de nove empresas,lideradas pela Compaq. I Ip, NEC e Olivetti.Apesar de a MCA ter largado na frente, em1986, as previsões são de que a EISA, lançadaem 1990, vá emparelhar com a rival em meadosda década, por ser uma arquitetura aberta.

Uma quarta tendência no segmento de mi-cros é a miniaturização. O rápido crescimentodos iaptope e a recente entrada dos noiebookssão evidências desse fenômeno. A miniaturi-zação é viabilizada por avanços tecnológicosem circuitos integrados, monitores de vídeo,unidades de discos rígidos, e baterias. Atual-mente, os avanços técnicos nos subsegmentosde laptops e noiebooks são muito rápidos e osubsegmento expande-se rapidamente, de-

vendo representar cerca de 15% do mercadode micros em meados da década.

No entanto, para concorrer com os atuaislíderes desse mercado é necessário enfrentarelevadas barreiras à entrada: automação naprodução, verticalização da produção e eleva-da dependência de fornecedores de compo-nentes críticos, como telas de cristal líquido,unidades de disco compactas e baterias efi-cientes, com os quais os fabricantes deportáteis devem fazer verdadeiras alianças es-tratégicas. Um novo entrante teria dificuldadeem achar fornecedores que dessem priori-dade a suas relações com o entrante.

Outras tendências assinaláveis são os mi-cros multimedia, capazes de trabalhar com tex-tos e imagens estáticas e dinâmicas, e avançosna interface homem-máquina, incluindo re-conhecimento de voz e de texto manuscrito.As grandes empresas de informática estão seposicionando para capturar o segmento emer-gente de micros muliimedia.

Com base nessas considerações, vamosagora examinar a competitividade dos micro-computadores nacionais. Os fabricantes na-cionais têm, até agora, vendido apenas para omercado interno, protegido pela reserva. Em1989, esse mercado foi de cerca de 250 mi-lhões de dólares. Este é o mercado legal. Sesomarmos a ele o mercado de micros contra-bandeados, poderemos chegar a 500 milhõesde dólares, ou mais. As vendas dos dezmaiores fabricantes nacionais de micros de 16bits, em 1988, figuram na tabela 2.

Tabela 2: Vendas dos dez maiores fabricantes demicrocomputadores no Brasil em 1988

Fonte: SEI, valores convertidos para dólares.* Valor estimado

49

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() CONe/c/IV UI: CO,l;ll'IJITl1/JLlAL)j' DA FMI'[,ES;1.- ._------_.- ---- -----------_._------_ ..,- -~_._-----,---------------_._---_ .._-----RAE

Tabela 3: Comparação de preços de microcomputadores nacionais e importados no mercado interno

3.757 957

3~~_S~_~1-.M-b)-_,.-_ ..+._.- _-7~2t1.955 i--_6_,1_07_

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III 13,949 5,696 I

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486DX (4 Mb)

Importado"(8)

3.162

1,20

17.303 0,81

* Inclui taxas de frete, seguros, armazenagem, imposto de importação (alíquota de 50%), IPI, ICMS,e outras taxas cabíveis,Fontes: Abicomp, International Data Corporation, O Estado de São Psulo. 15/12/90.

A estratégia de produto dos fabricantes na-cionais tem-se limitado à imitação de produ-tos de arquitetura aberta vendidos no exte-rior, com adaptações para o mercado local. Aimposição de alto nível de nacionalização depeças e componentes e a inexistência de cem-corrência com produtos importados levaramos produtos locais a apresentarem um custoelevado em relação a produtos equivalentesproduzidos no exterior. Esse custo, aliado àaltíssima tributação (cerca de 427; do preço fi-nal) leva o produto nacional a apresentar umpreço ao comprador final significativamentemais alto do que no exterior (vide tabela 3).

A tabela 4 apresenta a composição típicado preço dos micros nacionais, Nota-se, emprimeiro lugar, a pesadíssima carga tributáriaque incide sobre o produto vendido no mer-cado nacional. Mas () alto percentual repre-sentado pelos impostos apenas encobre o pe-so dos materiais e componentes, sobre osquais o fabricante nacional tem pouco con-trole. Assim, se fizermos o exercício de, nacomposição do preço de tabela 4, consideraruma redução de 50';{, nos salários, encargos eoutras despesas (supondo um drástico au-mento de produtividade) e a total isenção deimpostos, no caso de exportação, ainda assim,os preços dos produtos nacionais da tabela 3seriam superiores ao preço FOB nos EstadosUnidos de produtos disponíveis naquele mer-cado. (Nesse exercício, supusemos estruturasde preços similares para os vários modelos.)

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Tabela 4: Composição típica do preço demicrocomputadores nacionais

100.0%Total

Fonte: Estimativa do IPT.

As possibilidades que se apresentam aofabricante nacional de micros, 810 menos nosegmento de micros convencionais, são, por-tanto, ínfimas. Por um lado, o mercado cami-nha para a maturidade e globalização, o queexigiria, de qualquer entrante, pesados inves-timentos e uma estratégia de longo prazo. Poroutro lado, a estrutura de custos dos microsnacionais é desvantajosa e pouco alterável.

As possibilidades não são melhores nossegmentos emergentes do mercado. No seg-mento de portáteis, as barreiras à entrada sãoaltas: necessidade de automação de produçãoe de verticalização das operações e forte de-

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RAE o CONCEITO DE COMPETITIVIDADE DA EMPRESA

pendência dos fornecedores de componentesnão verticalizáveis.

No segmento de servidores para redes lo-cais, as barreiras à entrada são mais baixas,mas permanece a estrutura desfavorável decusto do micro nacional. A produção de ter-minais inteligentes apresenta um quadrosemelhante.

Quanto ao micros multimedia, as possibili-dades para os fabricantes nacionais depende-riam de descobrirem aplicações de conside-rável demanda para este produto no mercadobrasileiro, pois não seria viável tentar pene-trar no mercado mundial sem prévia expe-riência no mercado local. A distância dosfornecedores de componentes cruciais seria,de qualquer forma, uma dificuldade.

As possibilidades são, portanto, muito re-duzidas. Algumas estratégias engenhosas têmsido propostas para os fabricantes nacionais.Uma é a de atuar como seguidor, lançandoprodutos com tecnologia defasada de uma ouduas gerações e competindo no preço ou bus-cando nichos especializados. Esses produtosaproveitariam a "cauda de demanda" re-manescente no mercado mundial, após a in-trodução de um novo produto, a qual é geral-mente desprezada pelos líderes do mercado.

Empresas como a MicroExpress e a Sanyo,por exemplo, optaram por este caminho nosegmento de laptops. No entanto, a empresanacional que seguisse essa estratégia dificil-mente conseguiria ter uma estrutura de cus-tos mais vantajosa que outras empresas domercado mundial que seguissem a mesma es-tratégia e operassem mais próximas dos for-necedores de componentes.

Outra estratégia que tem sido sugeridapara os fabricantes de micros é a de uma inte-gração para a frente, no sentido de venderserviços de integração de sistemas, que in-cluam os micros no pacote. Esta estratégiaaproveitaria a alta taxa de crescimento dessesserviços no nível mundial (mais de 20% aoano) e o fato de que os sistemas integrados in-corporariam muito mais valor no país do queos micros isolados, principalmente na formade engenharia brasileira, que é competitiva.

Essa estratégia só seria viável para venderem países sem concorrentes fortes locais, jáque a distância com relação ao cliente e a difi-culdade de gerenciamento dos projetos no ex-terior seriam sérias desvantagens competiti-vas em mercados com concorrentes locais.

Note-se, também, que o fabricante nacionalde micros que se dedicasse à integração desistemas no exterior logo se convenceria deque seria mais barato usar micros es-trangeiros nos seus sistemas do que os na-cionais. A integração de sistemas é uma opor-

tunidade para as empresas nacionais incorpo-rarem software, não hardware.

Nas atuais condições, a competitividadedos fabricantes nacionais de micros é, portan-to, baixa. Mas a maior parte dos segmentosprodutivos nacionais encontra-se em situaçãosemelhante ou pior. A indústria nacional deinformática acabou ficando na berlinda e ela éacusada de praticar preços altos e oferecerprodutos tecnologicamente defasados. Isto éinjusto, não porque as acusações não sejamverdadeiras, mas porque quase todos os de-mais setores produtivos do país têm desem-penho pior e ninguém se queixa. O exemplonotório é a indústria automobilística nacional,dominada por um cartel de multinacionais,que produz veículos caros e tecnologicamentedefasados.

O fato é, porém, que os microcomputa-dores dificilmente se tornarão competitivos.Melhores oportunidades para a indústria in-formática brasileira parecem estar em produ-tos e serviços customizados (sob medida paraas necessidades específicas do cliente), queexploram a diversificação e as economias deespecialização. Os mercados mundiais sãocrescentes para esses segmentos e, por isso,não parece aconselhável ao Brasil insistir naprodução de produtos padronizados, do tipocommodities, como microcomputadores.

CONSlDERAÇ6ES FINAIS

A competitividade de uma empresa podeser compreendida como a capacidade da em-presa de explorar, em seu proveito, a estrutu-ra e os padrões de concorrência do mercadoem que atua (ou quer atuar) e, assim, con-seguir rentabilidade a longo prazo.

Para atingir esse objetivo de rentabilidadea longo prazo, no entanto, não basta saberaproveitar a estrutura e padrões de concor-rência do mercado. São necessárias muitasoutras competências, nos âmbitos de pro-dução, vendas, gestão de recursos humanosetc., que uma análise muito centrada na con-corrência pode negligenciar.

A atual popularidade da noção de compe-titividade é útil e oportuna, mas a empresanão deve desmerecer outras considerações es-tratégicas, por exemplo, na linha de Ansoff",

A teoria econômica ortodoxa, como vimos,não só contribui pouco para a compreensãoda competitividade, como leva a uma con-cepção destorcida da concorrência: no nívelda firma e do mercado, preconiza a concor-rência perfeita, regime que impede a inovaçãoe o progresso técnico; no nível da nação e docomércio internacional, preconiza o livrecomércio e o laissez-faire, o que condena as 28. ANSOFF, H. Igor. Op. cit.

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o CONCEITO DE COMPETITNIDADE DA EMPRESA RAE

29. FÉLIX, Antônio. "Pes-quisa mostra os pontos fra-cos da indústria no País", OEstado de São Paulo,09.12.1990, Caderno deEconomia.

3D. Idem, ibidem.

31. FIORAVANTI, Carlos."Um retrato autêntico, semretoques". GazetaMercantil,23 e 25/02/1991, p. 13.

32. LANDAU, Ralph &ROSENBERG, Nathan (orgs.)The Positive Sum Strategy.National Academy Press,1986.

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nações menos desenvolvidas ao atraso e à es-tagnação.

As visões de economistas heterodoxos, co-mo Schumpeter, Sylos-Labini e Scott, entremuitos outros, oferecem perspectivas maisotimistas para as nações em desenvolvimen-to e as empresas nelas instaladas: a concor-rência através da inovação e das economiasde especialização não só é cada vez maisprevalecente nos mercados mundiais, como éa que oferece as melhores oportunidades parapaíses como o Brasil.

Não são as nações que competem no mer-cado mundial, são as empresas. Mas asnações têm o papel crucial de fornecer umambiente propício dentro do qual se forjamempresas competitivas.

O papel do governo deve ser o de estimu-lar essas condições ambientais, que incluem aformação de recursos humanos, a infra-estru-tura, o estímulo à concorrência e a informaçãoe educação dos compradores. Aqui se consta-ta com tristeza que o Brasil tem sofrido umasevera deterioração da sua infra-estrutura edemais condições determinantes de vanta-gens competitivas. Quanto ao governo, temtido uma atuação errática e cada vez menoseficaz.

Um estudo feito pela Ernst & Young para aCâmara Americana de Comércio" compara odesempenho de uma amostra de empresasbrasileiras com padrões internacionais. Osachados do estudo são alarmantes: em algunsíndices de desempenho, as empresas na-cionais chegam a ser 100 vezes piores do queo padrão mundial. Por exemplo, o número depeças rejeitadas pelo controle de qualidade,medido em rejeições por milhão, é de cerca de26.000 no Brasil, enquanto o padrão mundialé 200. O custo do produto nacional é, em mé-dia, 14% acima do principal concorrente inter-nacional, enquanto que, para o produto sercompetitivo, o custo teria que ser 10% abaixo.Vários outros índices patenteiam a desvan-tagem dos produtos nacionais. Conclui o es-tudo: "Se o Brasil espera maior integração de seusetor manufatureiro na economia global, é precisouma melhora radical dos níveis de desempenho">.

Outro estudo, realizado em 1990 por umaequipe da UNICAMP (Universidade Estadualde Campinas), para a Secretaria de Ciência,Tecnologia e Desenvolvimento Econômico deSão Paul031, chega a conclusões igualmenteassustadoras: o setor produtivo nacional está,em média, defasado de dez a quinze anos emrelação aos países industrializados. No entan-to, o estudo revela também algumas poucasexceções, segmentos em que o Brasil con-seguiu manter-se competitivo, como é o casodos fabricantes de papel e celulose e o dos

fabricantes de alumínio.O caso dos microcomputadores nacionais

analisado acima traz muitos ensinamentos. Eum segmento surgido dentro de uma políticade substituição de importações, que nunca sepreocupou com a competitividade, ao con-trário da política seguida por países como aCoréia e Taiwan para os micros. Não é de ad-mirar, portanto, que o produto nacional nãose mostre competitivo.

A noção de competitividade tem forte ins-piração no paradigma evolucionista de Dar-win, que postula a sobrevivência dos mais ap-tos na disputa pelos escassos recursos natu-rais de subsistência.

Embora a analogia biológica forneçamuitos subsídios para a compreensão da con-corrência, ela padece de uma importante limi-tação: os recursos da natureza são constantese a rivalidade entre organismos vivos é, viade regra, um jogo de soma nula, isto é, o queum ganha, o outro necessariamente perde.Embora haja, na natureza, exemplos de coo-peração entre indivíduos e espécies, eles nãosão freqüentes. Na economia, pelo contrário,a riqueza está continuamente crescendo,graças ao progresso técnico e à acumulaçãodo capital. A interação entre os agenteseconômicos freqüentemente caracteriza-se co-mo um jogo de soma positiva", onde a coope-ração assume uma importância tão grandequanto a competição. Assim, iniciativas comopesquisa cooperativa, joint-ventures, coopera-ção entre fornecedores e fabricantes etc. sãoextremamente importantes para o sucesso dasempresas e das nações na busca do crescimen-to econômico.

O Brasil precisa urgentemente aumentar asua produtividade, única forma de aumentaro padrão de vida de sua população. Nestesentido, a atual celeuma em tomo da compe-titividade tem a virtude de trazer à tona da-dos que revelam a baixíssima produtividadegeneralizada do País.

Mas a busca acrítica da competitividadeenvolve dois riscos: por um lado, pode exa-cerbar ainda mais o individualismo, o corpo-rativismo e o comportamento anti-social doscidadãos e das empresas nacionais, cada umno afã de superar seus rivais, seja por quemeios for, quando estes comportamentos são,em grande parte, causas da nossa improdu-tividade. E, por outro lado, pode levar àadoção de políticas excessivamente liberais,calcadas em modelos econômicos já ultrapas-sados, nos quais mesmo os países industria-lizados não mais acreditam, se é que algumavez já acreditaram. Tais políticas, ao se pro-porem a curar o adoecido setor produtivo na-cional, podem, em vez disso, matá-lo. O