artigo jornalistico5[1]

2

Click here to load reader

Upload: jozelena

Post on 05-Jun-2015

113 views

Category:

News & Politics


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Artigo Jornalistico5[1]

São Paulo, 23/03/2008

Jornalismo em ano eleitoral

Por Carlos Alberto Di Franco

Estamos em ano eleitoral. Campanhas milionárias, promessas irrealizáveis e imagens produzidas

farão parte, mais uma vez, do marketing de alguns candidatos. Assistiremos, diariamente, a um

show de efeitos especiais capazes de seduzir o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo

e carente de seriedade. O marketing, ferramenta importante para a transmissão da verdade, pode,

infelizmente, ser transformado em instrumento de mistificação. Estamos assistindo à morte da

política e ao advento da era da inconsistência. Os programas eleitorais vendem uma bela

embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das idéias. Nós jornalistas somos (ou

deveríamos ser) o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e

desnudar os candidatos. Só nós, estou certo, podemos minorar os efeitos perniciosos de um

espetáculo audiovisual que, certamente, não contribui para o fortalecimento de uma democracia

verdadeira e amadurecida.

Por isso, uma cobertura de qualidade será, antes de mais nada, uma questão de foco. É preciso

declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. Não

basta um painel dos candidatos, mas é preciso cobrir a fundo as questões que influenciam o dia-

a-dia das pessoas. É importante fixar a atenção não nos marqueteiros e em suas estratégias de

imagem, mas na consistência dos programas de governo. É necessário resgatar o inventário das

promessas e cobrar coerência. O drama das cidades (segurança, educação, saúde, saneamento

básico, iluminação, qualidade da pavimentação das ruas, transporte público de qualidade, entre

outros), não pode ficar refém de slogans populistas e de receitas irrealizáveis. Os candidatos

deverão mostrar capacidade de gestão, ousadia e criatividade.

O nosso papel é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas carências e cobrar

soluções dos candidatos. Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos

definam o que deve ou não ser coberto. O centro do debate tem de ser o cidadão, as políticas

públicas, não mais o político, tampouco a própria imprensa. O jornalismo de registro, pobre e

simplificador, repercute a nação oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real.

Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e

didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório

Outros desvios éticos podem comprometer a qualidade da cobertura eleitoral. Sobressai, entre

eles, o perigoso jornalismo de dossiê. Os riscos de instrumentalização da imprensa são evidentes.

Os protagonistas do teatro político não medirão esforços para fazer com que a mídia, à sua

revelia, destile veneno nos seus adversários. Por isso, é preciso revalorizar, e muito, as clássicas

perguntas que devem ser feitas a qualquer repórter que cumpre uma pauta investigativa: Checou?

Tem provas? A quem interessa essa informação? Trata-se de eficiente terapia no combate ao

vírus da leviandade.

O esforço de isenção, no entanto, não se confunde com a omissão. O leitor espera uma imprensa

combativa, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia. O leitor quer um quadro

claro, talvez um bom infográfico, que lhe permita formar um perfil dos candidatos: seus

antecedentes, sua evolução patrimonial, seu desempenho em cargos atuais e anteriores, etc.

Impõe-se, também, um bom levantamento das promessas de campanha. É preciso mostrar os

Page 2: Artigo Jornalistico5[1]

eventuais descompassos entre o discurso e a realidade. Trata-se, no fundo, de levar adiante um

bom jornalismo de serviço.

Os políticos, pródigos em soluções de palanque, não costumam perder o sono com o rotineiro

descumprimento da palavra empenhada. Afinal, para muitos, infelizmente, a política é a arte do

engodo. Além disso, contam com a amnésia coletiva. O jornalismo de qualidade deve assumir o

papel de memória da cidadania. Precisamos falar dos planos e do futuro. Mas devemos também

falar do passado, das coerências e das ambigüidades.

Armação da imprensa. Distorção da mídia. Patrulhamento de jornalista. Quantas vezes, amigo

leitor, você registrou essas reações nas páginas dos jornais? Inúmeras, estou certo. Irritam-se os

políticos apanhados com a boca na botija. Inconformados, se referem à imprensa que

desencadeia a pressão popular contra homens públicos aéticos, comparando-a, com cinismo, à

“ditadura”. Tais declarações, marca registrada desses homens de palha, não nos devem

preocupar. Afinal, todos, independentemente do seu colorido ideológico, procuram o bode

expiatório para justificar seus deslizes éticos e morais. A culpa é da imprensa! O grito é uma

manifestação vergonhosa de desprezo pela verdade.

Personalidades públicas, inúmeras, têm procurado usar a mídia. Afirmam e depois, cinicamente,

desmentem o que afirmaram. Nós não podemos ficar reféns desse jogo. Os meios de

comunicação existem para incomodar. Um jornalismo cortesão do poder é o antijornalismo. A

imprensa, sem injustos prejulgamentos, tem o dever de desempenhar importante papel na

recuperação da ética na vida pública. Nosso compromisso não é com os políticos, mas com a

verdade, com a informação bem apurada e com os leitores.

Transparência nos negócios públicos, ética, qualificação e competência são as principais

demandas da sociedade. E são também as pautas de uma boa cobertura eleitoral. Deixemos de

lado a pirotecnia do marketing e não nos deixemos aprisionar pelas necessárias pesquisas

eleitorais. Nosso papel, único e intransferível, é ir mais fundo. A pergunta inteligente faz a

diferença. E é o que o leitor espera.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em

Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia

de Mídia. E-mail: [email protected]. O presente artigo é publicado em O Estado de S. Paulo

e mais 13 jornais brasileiros.

Fonte: http://www.masteremjornalismo.org.br/opiniao_view.php?id=88