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Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão
de Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
PROGRAMA INTEGRADO DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTIFICA
Artigo Final
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação
Permanente em meio urbano na área de expansão de Belém (PA): estudo para a bacia do
Igarapé Mata Fomei
Thales Barroso Mirandaii
Roberta Menezes Rodriguesiii
(Universidade Federal do Pará)
RESUMO
Neste trabalho, buscou-se caracterizar os assentamentos precários relacionados à presença de
cursos d'água em Belém, especificamente caracterizando as áreas de “Baixada” em Áreas de
Preservação Permanente (APPs) existentes na área de expansão do município, de forma a
promover discussões sobre parâmetros de projeto de qualificação urbana e recuperação ambiental
na bacia hidrográfica do Igarapé Mata Fome. Partindo das premissas que expõem conflitos de
questões ambientais e urbanas de assentamentos precários em APPs, analisou-se brevemente a
forma de tratamento das APPs urbanas na porção central de Belém, de modo a identificar e
caracterizar estas áreas inseridas na bacia estudada. Considerando-se que a referida bacia
apresenta baixos índices de cobertura das redes de infraestrutura e de serviços urbanos e, também,
os processos de ocupação irregular das matas ciliares dos cursos d’água e consequente
adensamento da região da bacia, ilustra-se aqui que as intervenções necessárias dentro das áreas de
APP urbana devem ser diferentes daquelas na porção central do município. Os projetos de
urbanização devem ter ações complementares que possam refletir em propostas mais sensíveis ao
meio natural, promovendo a integridade física e social das pessoas que habitam os assentamentos
precários em APPs.
Palavras-chave: Assentamentos Precários em Belém; Áreas de Proteção Permanentes; Bacia
Hidrográfica do Igarapé Mata Fome.
ABSTRACT
In this paper, we sought to characterize the slum interconnected with the presence of waterways in
Belém, Brazil, specifically characterizing “Baixadas” areas in Permanent Preservation Areas
(PPAs) in the city's expansion area, in order to promote discussions on parameters of urban
qualification and environmental recovery in the basin of "Igarapé Mata Fome". Starting from the
premise that expose conflicts of environmental and urban issues of slum in PPAs, it was briefly
analyzed the form of treatment of urban PPAs in the central area of Belém in order to identify and
characterize these PPA'S in the studied watershed considering that the watershed has low rates of
coverage of network infrastructure and urban services, and also, the irregular occupation
processes of riparian forests of streams and consequent the density of the watershed region, we
show here that the interventions needed in these spaces are different from the ones in the county.
The urbanization projects must have additional actions that may reflect more sensitive proposals to
the natural environment, promoting physical and social integrity of the people who inhabit the
slums in PPAs.
Keywords: Slums in Belém; Permanent Preservation Areas; Igarapé Mata Fome watershed.
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão
de Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
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A questão habitacional, atualmente, é um dos
maiores problemas sociais das cidades brasileiras. A
limitação do acesso à moradia aflora da necessidade
da população de acesso efetivo à cidade. Acrescenta-
se ainda a forma de ocupação da população de menor
renda em áreas ambientalmente frágeis, suscitando no
conflito entre a moradia e a preservação ambiental.
A dificuldade acesso à moradia formal, ou seja,
aquela que possui acesso efetivo à cidade sob a forma
de terra urbanizada e regula, resulta no surgimento
dos assentamentos precários caracterizados pela
precariedade física, ambiental e social – que se
configuram como manifesto evidente da desigualdade
social existente no país.
Os assentamentos precários, segundo o Ministério
das Cidades (2010), são um conjunto de
assentamentos urbanos inadequados ocupados por
moradores de baixa renda, tais como loteamentos
irregulares de periferia, favelas1, baixadas e
assemelhados, bem como os conjuntos habitacionais
que se acham degradados. Eles se caracterizam pela
precariedade das condições de moradia; inadequações
de irregularidade fundiária; ausência de infraestrutura
e saneamento ambiental; localização em áreas mal
servidas por sistema de transporte e equipamentos
sociais; terrenos alagadiços e deficiências
construtivas da unidade habitacional.
As políticas habitacionais estruturam-se como
políticas em 1964 com a ditadura civil militar, que
buscavam a implementação da produção em massa de
novas habitações, contudo, essa nova produção não
foi suficiente para subverter a produção informal de
habitação nas cidades.
Com crise do petróleo de 1973, surgiram vários
programas alternativos de urbanização de favelas,
como o PROMORAR – Programa de Erradicação da
Sub-Habitação. Segundo Bueno (1998) o
PROMORAR foi o primeiro programa habitacional
promovido pelo Governo Federal que admitiu
consolidar a ocupação do tipo favela, deixando os
moradores na mesma área, mediante financiamento
para substituição do barraco por casas de alvenaria.
Nessa perspectiva, altera-se a forma de intervir nos
1 As Favelas podem ser caracterizadas pelo processo de ocupação
irregular de terras públicas ou privadas, seguidas de compra e
venda informal de lotes, resultantes da subdivisão informal de
gleba em dois ou mais lotes, resultando em traçado desordenado
e com predominância de vias estreitas e para pedestres, com
ausência ou precariedade de infraestrutura urbana básica. A
localização das Favelas é relativa, podendo estar localizada em
áreas centrais ou periféricas. É ainda característica das favelas a
produção habitacional através da autoconstrução empregando-se
materiais e técnicas inadequados (MINISTÉRIO DAS
CIDADES, 2010)
assentamentos precários promovendo a urbanização
destas áreas.
A maioria das prefeituras, no entanto, devido ao
limite financeiro passaram a desenvolver ações
pontuais de urbanização, em prol da infraestrutura e
de equipamentos públicos, não conseguindo ampliar
a escala de intervenção e enfrentando dificuldades
para realizar a recuperação urbanística e ambiental
adequada (DENALDI, 2003; CARDOSO, 2007;
MISTERIO DAS CIDADES, 2008).
Assim como em outras cidades brasileiras, o
crescimento urbano de Belém se deu em torno das
áreas desvalorizadas, de modo que as ocupações se
consolidassem de forma irregular e autoconstruída.
As ocupações se localizavam nas áreas alagadas da
cidade, ocupando áreas sensíveis como as margens
dos rios e igarapés (MOREIRA, 1966).
A partir da década de 1980, o Estado implantou o
Projeto de Saneamento para Recuperação das áreas
alagadas de Belém de modo a solucionar os
problemas sanitários e tratar os rios da cidade com
obras pontuais de urbanização nas principais bacias
hidrográficas. No entanto, segundo Ponte (2010), o
principal objetivo do projeto se tornou a micro e
macrodrenagem, para permitir as funcionalidades do
que seria uma cidade moderna. Essas transformações
seguiram as tendências de retificação dos cursos dos
rios, mudando a paisagem urbana e o uso dos cursos
d’água.
Dessa forma, as intervenções já realizadas não
resolveram completamente a questão dos
assentamentos precários na área central de Belém,
tendo um efeito limitado na estruturação urbana e
deixando de qualificar o espaço urbano em uma
escala maior, tampouco viabilizaram a recuperação
das áreas ambientalmente frágeis. (Rodrigues et al,
2013).
Diversa da ocupação e expansão urbana próxima
ao centro de Belém, a área de expansão da cidade,
coloca-se como uma fronteira para novas
possibilidades para a forma de tratar os rios urbanos e
as áreas de APP. Diferentemente dos rios do centro
da cidade, os cursos d’água da área de expansão
ainda mantêm seus leitos naturais e é possível
identificar áreas de mata ciliar. Neste contexto da
produção precária de habitação em áreas alagadas na
nova área de expansão da cidade se insere a Bacia
Hidrográfica do Igarapé Mata Fome.
De forma a promover indagações na forma de
tratamento dos rios e as condições de moradias e
infraestrutura das áreas ambientalmente sensíveis, o
presente trabalho tem como foco as Áreas de
Preservação Permanente em meio urbano ao longo de
cursos d'água. Pretende-se discutir parâmetros de
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão de
Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
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urbanização de assentamentos precários em Áreas de
Preservação Permanente inseridas na área de
expansão da cidade de Belém, visando destacar os
problemas socioambientais decorrentes do processo
de ocupação precário com foco na Bacia Hidrográfica
do Igarapé Mata Fome.
1. A problemática dos Assentamentos Precários
em APPs
A ausência de programas eficazes para a
população de baixa renda acentuou a precariedade
habitacional, aumentando os assentamentos precários
nas cidades brasileiras. Ao longo do tempo a
população buscou alternativas de moradia, ocupando
encosta de morros, beira de rios e áreas
ambientalmente sensíveis.
Essa forma de ocupação acaba por degradar o
ambiental natural, uma vez que as margens dos
cursos d’águas são ocupadas e não há nenhuma
medida para minimizar os impactos, produzindo
alteração de toda a vegetação, o que compromete os
ecossistemas e os recursos necessários à
sobrevivência do próprio homem (OLIVEIRA,
2009).
Ocorre também a implicação do
comprometimento físico e social das pessoas que
habitam os assentamentos precários, especialmente
junto aos cursos d’água. Segundo Bueno (2005), as
pessoas ficam expostas ao contato direto com esgotos
e outros vetores de doenças, há dificuldades e mesmo
impossibilidade de limpeza e manutenção periódica
de córrego e outros dispositivos de drenagem sem a
remoção de moradores.
A degradação dessas áreas ambientalmente
sensíveis levou a criação das áreas de proteção
permanentes (APPs) como forma de mitigar os
impactos antropomórficos e a preservação da fauna,
flora, rios, nascentes, lagos, garantido a
sobrevivência de ecossistemas. As Áreas de
Preservação Permanente foram definidas pelo Código
Florestal Lei Federal Nº 12651/12, que determina o
resguardo de matas e demais formas de vegetação
natural, ao longo de rios e cursos d'água, áreas de
encostas, lagos, lagoas, nascentes, topos de morro,
montes, montanhas e serras, restingas, dunas,
mangues, tabuleiros ou chapadas.
Os assentamentos precários em APPs expõem
conflitos de questões ambientais e urbanas,
principalmente pela falta de articulação entre leis que
visam atender o morador de baixa renda
remanescente das áreas de APPs urbana e a
preservação de áreas ambientalmente sensíveis, o que
contrapõem os discursos de proteção ambiental e de
direito ao acesso à moradia.
O Código Florestal, que surgiu com a necessidade
de regular o ambiente rural, em 1965, também se
aplica acerca das questões ambientais urbanas.
Assim, tanto no meio rural quanto no urbano as APPs
de qualquer curso d’água devem ser protegidas com
áreas referentes à largura dos rios, no entanto, não se
leva em consideração as peculiaridades de cada
ambiente.
A problemática da APP urbana é um tema que
suscita muita discussão sobre princípios norteadores
para o planejamento, a intervenção e a gestão
continuada das áreas urbanas, comprometidas com a
sua dimensão ambiental. As APPs urbanas estão
submetidas aos efeitos do processo de urbanização
sem planejamento, como a ocupação irregular, o uso
indevido dessas áreas, enchentes, assoreamento de
rios, poluição do ar, solo, rios e aquíferos superficiais
e subterrâneos.
As APPs urbanas em cursos d’água sofreram
intervenções que alteraram a paisagem urbana e a
forma de uso da rede hídrica. Belém, assim como
outras cidades brasileiras, apresenta projetos de
urbanização que se baseavam na canalização e
geometrização dos rios, tornando-os parte do sistema
de macrodrenagem da cidade (BUENO, 2005).
2. A Cidade de Belém
A Cidade de Belém está situada no vértice do
estuário Guajarino, no ponto de influências marítimas
e fluviais, dentro de uma paisagem natural na qual é
dominada pela presença de vários cursos d’água. O
seu território é contornado pelo Rio Guamá e pelo
Rio Pará, onde se localiza a Baía do Guajará,
consequentemente, a cidade apresentou duas
tendências que determinavam o crescimento da
cidade, com vetores em direção ao rio e ao mar
(PENTEADO, 1968); (SUDAM/DNOS/GOVERNO
DO ESTADO DO PARÁ, 1976).
A morfologia do sítio urbano da cidade é típica da
região amazônica, constituída de várzea, Igapó e a
Terra Firme, no entanto isso não significa a
uniformidade do relevo. Pelo contrário, a morfologia
do sítio urbano é fundamental para compreender as
condições do relevo da cidade, que devido a sua
posição altimétricas, diferenciam-se uma das outras
(PENTEADO, 1968); (SUDAM/DNOS/GOVERNO
DO ESTADO DO PARÁ, 1976).
Desde a sua fundação em 1616, a cidade cresceu,
ocupando as cotas mais altas da cidade e contornando
as cotas mais baixas, sem habitá-las. Com isso, a
malha urbana começava a apresentar um perfil
irregular, com grandes áreas desocupadas, que
correspondem aos terrenos de cotas baixas. A partir
do século XVIII Belém iniciou seu processo de
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Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
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interiorização e adensamento, e as áreas de cotas
baixas que foram gradativamente ocupadas
(ARAUJO ET AL, 2013).
No final do século XIX, com a exploração da
borracha na Amazônia, o Engenheiro Nina Ribeiro
propôs um plano de expansão da cidade que
propunha um modelo de parcelamento do solo da
malha viária da Primeira Légua Patrimonial de
Belém2, com o objetivo de racionalizar o traçado e o
parcelamento da cidade no intuito de modernizá-la
(ver Figura 01). Contudo, em relação aos cursos
d’água e as áreas mais baixas da cidade, prevalecia a
retitude às condições topográficas do sítio,
preferindo-se secar, aterrar ou contornar os cursos.
Dessa forma, as áreas mais baixas da cidade foram
assimiladas de maneira diferente do restante da
cidade, pois o plano não pode ser implantado nessas
áreas, em virtudes dos diversos cursos d’água
existentes. (ARAUJO et al, 2013); (RODRIGUES et
al, 2013).
Figura 01: Plano da expansão da cidade, 1883-86
Fonte: Belém, 1905
2 O território do município de Belém foi formado
inicialmente através da destinação de terras pela Coroa
Portuguesa em 1627, por meio da doação de uma légua de
terra (cerca de 6.600m em linha reta do núcleo de origem
da cidade) através de uma Carta de Doação e Sesmarias
em favor do antigo conselho da Câmara. A chamada
“Primeira Légua Patrimonial” de Belém corresponde
atualmente à porção mais central e de ocupação mais
antiga do município, onde anteriormente vigia o regime
enfitêutico de gestão de tal patrimônio (PMB, 2000).
A definição das baixadas se deu a partir do
relatório técnico Monografia das Baixadas de Belém
(SUDAM/DNOS/GOVERNO DO ESTADO DO
PARÁ, 1976), que promoveu o critério das terras
alagáveis situadas abaixo da cota altimétrica de 4,00
m ou 4,50 m, para caracterizar as áreas de baixadas.
Segundo o mesmo relatório, uma parte de cidade que
foi edificada entre as cotas altimétricas de 4,00 e 15,0
metros acima da maré. A outra parte da cidade foi
edificada nas cotas altimétricas abaixo de 4,00 m ou
4,50 m, com terras provindas dos depósitos dos rios
amazônicos, nas quais são comumente chamadas de
baixadas. Não obstante, o relatório referiu-se às
bacias hidrográficas da Primeira Légua Patrimonial
de Belém. Consequentemente, ele não expõe todas as
situações dos assentamentos precários próximos aos
cursos d’água sujeitos aos alagamentos no território
de Belém (RODRIGUES et al, 2013).
Figura 02: Visualização completa da cidade de Belém,
com a demarcação da primeira légua patrimonial e
identificação da área de expansão de Belém
Fonte: IBGE, 2010. Elaboração: Gonzaga, 2013
Rodrigues et al (2013) demonstra que o conceito
de baixada definido pela Monografia das Baixadas
de Belém não se aplica à Segunda Légua patrimonial
de Belém3, uma vez que há áreas com altimetria
3Em 1899 foi doada pelo governo do estado uma “Segunda
Légua Patrimonial”, que nunca foi definitivamente
demarcada, e que hoje correspondem à área de expansão
de Belém, atualmente a principal frente de valorização
imobiliária no município (GONZAGA, 2013).
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superior à 4,00 e 4,50 metros sujeitas aos
alagamentos. A baixada tornou-se um termo utilizado
de forma genérica para caracterizar locais com
problemas de saneamento, ocupados pela população
de menor renda e não exclusivamente abaixo da cota
altimétrica de 4,00 ou 4,50 metros.
As intervenções que sucederam na Primeira
Légua Patrimonial de Belém, segundo Rodrigues et
al (2012) seguiram as diretrizes do Plano Nacional de
Saneamento (PLANASA), que consolidou padrões de
intervenções que orientavam projetos para a
canalização e geometrização de cursos d’água.
Os projetos de intervenção em rios urbanos
de Belém se limitaram a execução de obras de
drenagem urbana e saneamento, apresentando
diversos problemas em relação à urbanização,
infraestrutura e articulação com o sistema viário.
Pode-se afirmar ainda que, mesmo tendo o foco
sanitarista, as soluções executadas no que se refere à
coleta e tratamento dos esgotos não foram resolvidas,
pois o esgoto sanitário não é tratado e ainda é lançado
sem tratamento nos canais “in natura” (RODRIGUES
et al, 2012).
Bueno (2005) explica que os cursos d’água foram
se tornando elementos de uma rede técnica, parte de
um sistema de escoamento de micro e
macrodrenagem, presenciando-se a mudança do rio
para o canal. Isto colaborou para que os cursos
d’água passassem a ser reconhecidos pela população
como canal de escoamento de esgoto, e não mais
como elemento natural e de parte constituinte da
paisagem.
Bueno (2005) explica, ainda que, esse padrão
convencional de intervenções em rios urbanos
favorece a aceleração e o aumento da vazão dos
canais de drenagem, sobretudo através da retificação
e canalização dos cursos d’água, o que causa a
transferência do pico de cheia para jusante, o que
segundo Ponte (2010) provoca violentas descargas
em cotas mais baixas, em geral coincidentes com
ocupações precárias e altas densidades, o que tende a
agravar enchentes e a problemática da ocupação
urbana. Dessa forma, as intervenções de saneamento
em rios urbanos em Belém consolidaram-se a partir
da utilização das faixas de domínio como vias
marginais estreitas, pavimentadas, de tamanho
suficiente para a manutenção dos canais como parte
da operação do sistema de macrodrenagem da cidade,
juntamente com diques e comportas para controle de
inundações, de forma que as faixas de domínio
existentes não correspondem às exigidas pela
legislação e não cumprem a função de recuperação
ambiental.
O projeto de Macrodrenagem da Bacia
Hidrográfica do Una é um dos exemplos de
intervenção em rios urbanos em Belém. O projeto,
inicialmente, denominava-se Projeto de Saneamento
para a Recuperação das Baixadas e consistia em
solucionar os problemas sanitários tratando os rios
urbanos com obras de macrodrenegem nas principais
bacias hidrográficas de Belém. No entanto, devido ao
alto custo das obras, o projeto foi desmembrado
dando ênfase na maior bacia hidrográfica de Belém, a
Bacia Hidrográfica do Una (SILVA, 2004).
No Projeto da Bacia do Una, os cursos
d´água foram utilizados como canais de escoamento
de esgoto sanitário e as soluções de tratamento de
esgoto foram insuficientes. As faixas de domínio,
independente da largura dos córregos, possuem entre
5,00 e 7,00 metros sendo utilizadas como vias
marginais pavimentadas, de tamanho suficiente para
a operação do sistema de macrodrenagem da cidade.
Contudo, estas dimensões se contrapõem ao Código
Florestal que dispõe distancias mínimas às faixas de
domínio de acordo com a largura de cada rio.
Figura 03: Intervenção em rio urbano na Bacia do Una.
Passagem Samaritana, no bairro da Marambaia.
Fonte: Google Street View, 2015
A área de expansão de Belém, não dispôs de um
plano de parcelamento do solo e das redes de
infraestrutura articulado como o da Primeira Légua
Patrimonial de Belém. Há um comprometimento das
APPs, uma vez que estas têm sido ocupadas por
diversas tipologias, como condomínios habitacionais,
condomínios de médio e alto padrão e as baixadas.
No caso da Bacia do Igarapé Mata Fome a tipologia
mais recorrente nas faixas de APP são as baixadas.
3. A área de expansão de Belém e as novas
possibilidades de intervenção nos cursos d’água
da cidade.
Paralelo à consolidação da ocupação de várzea da
Primeira Légua Matrimonial de Belém, ocorreu à
produção dos conjuntos habitacionais do BNH nas
áreas distantes da cidade, na área de expansão,
correspondente à Segunda Légua Matrimonial de
Belém. Estas, ao contrário do que foi realizado na
Primeira Légua Matrimonial, não contaram com o
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plano de alinhamento e controle urbanístico da
ocupação das terras (CARDOSO et al, 2013).
A Segunda Légua Matrimonial de Belém era
estruturada pelo percurso de um ramal da antiga
estrada de ferro Belém- Bragança, que conectava a
cidade à vila de Icoaraci. Esse ramal de ferrovia foi
substituído pela Rodovia Augusto Montenegro, que
teve a maior parte de seus lotes reservada à
construção de muitos conjuntos habitacionais até os
anos 1980 sob financiamento do BNH, como o
Conjunto Maguari, Pedro Teixeira, Satélite e outros
(VENTURA NETO, 2012); (CARDOSO et al, 2013).
A partir da década de 1990 e início dos anos
2000, as terras lindeiras à Rodovia Augusto
Montenegro foram ocupadas por condomínios
fechados horizontais de médio e alto padrão, que
introduziram um modelo de loteamento isolado
baseado na segregação sócio espacial (CARDOSO et
al, 2013).
Os bairros que compõem a área de expansão de
Belém podem ser caracterizados a partir do que
Maricato (2011) afirma sobre as periferias das
grandes cidades brasileiras. A autora esclarece que é
possível encontrar, nas áreas periféricas, bairros
pobres sem urbanização, ao lado de loteamentos ou
condomínios fechados, que lembram os subúrbios
americanos. Além disso, Maricato (2011) afirma
ainda que vem ocorrendo um espraiamento das
indústrias, serviços (grandes shoppings, depósitos,
etc.) e condomínios residenciais em direção aos
bairros periféricos. Estes novos usos se apoiam no
transporte por automóvel e disputam o espaço que
inicialmente foi ocupado apenas pela população
excluída do centro urbanizado.
De fato, os novos usos apoiados no transporte de
automóveis têm modificado o espaço urbano da área
de expansão. Segundo Ventura Neto (2012), nos
últimos anos, houve uma mudança de estratégia com
o intuito de constituir novas centralidades, associados
aos novos equipamentos aos condomínios, como os
grandes shopping centers e hipermercados
distribuídos ao longo da Rodovia Augusto
Montenegro, resultaram na formação de uma nova
frente de expansão imobiliária pelo setor privado que
se auto intitulou “Nova Belém”.
O acelerado crescimento urbano em direção à área
de expansão de Belém tem modificado o espaço em
torno da Rodovia Augusto Montenegro. A formação
do tecido urbano diferente da área central da cidade
tem produzido diferentes agentes modeladores do
espaço ao longo do processo de ocupação e de
diferentes tipologias de assentamentos, incluindo a
ocupação de assentamentos precários em Áreas de
Preservação Permanente em cursos d’água.
4. Área de estudo: A Bacia do Igarapé Mata
Fome4
A Bacia do Igarapé Mata Fome é uma das Bacias
Hidrográficas que compõem a área de expansão de
Belém. O seu território possui 5,7 km² de extensão e
é formada parcialmente pelos bairros do Parque
Verde, Tapanã, São Clemente e Pratinha. O acesso à
área pode ser feito pela Rodovia Augusto
Montenegro, Rodovia do Tapanã e pela Rodovia
Arthur Bernardes (GONZAGA, 2013).
Figura 04: Bacia Hidrográfica do Igarapé Mata Fome
Fonte: Google Earth, 2014. Elaboração: Thales Miranda,
2015
A Bacia é constituída pelo Igarapé Mata Fome,
principal curso d’água, e por seus afluentes, um ao
norte e outro ao sul. A extensão do principal curso
d’água é 3,5 km da área de nascente, próximo à
Rodovia Augusto Montenegro, até a Rodovia Arthur
Bernardes, onde desemborca na Baia do Guajará.
A Bacia estudada apresenta cursos d’água típicos
de várzea amazônica, com terrenos baixos e planos,
com extensas áreas de alagamento devido à
influência da maré e a diferença de precipitação das
chuvas no decorrer do ano. A declividade5 do Igarapé
Mata Fome apresenta baixos índices percentuais, uma
4No presente trabalho, optou-se pelo termo Igarapé por se
tratar de um curso d'água amazônico de primeira ou em
terceira ordem, constituído por um braço longo de rio ou
canal. Existe em pequeno número na Bacia amazônica,
caracterizados por pouca profundidade e por correrem
quase no interior da mata (IPAM). 5Declividade é a divisão entre a diferença da altura entre dois
pontos e a distância horizontal entre esses pontos (IBGE, 2010).
Declividade de 0 a 3% é considerada plana. De 3 a 8% suave
ondulado; de 8 a 20% ondulado; de 20 a 45% forte ondulado; de
45 a 75% montanhoso e maior que 75% escarpado (CPRM,
2010).
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vez que a declividade longitudinal média é de 0,93 %
e a declividade vertical média é de 2,008 %.
Figura 05: Mancha de alagamento da Bacia do Igarapé
Mata Fome
Fonte: CODEM, 2000. Elaboração: Thales Miranda, 2015.
A ocupação da Bacia do Igarapé Mata Fome
iniciou-se na década de 1980, pela população de
baixa renda, oriunda dos municípios do interior do
estado do Pará e também de outros bairros periféricos
de Belém. Posteriormente na década de 1990,
instalaram-se na área conjuntos habitacionais, como
Tapajós, Cordeiro de Farias e Antônio Gueiros, que
contribuíram para o adensamento populacional na
área. Em 2005, a instalação de condomínios fechados
de médio e alto padrão na área, como Jardim Espanha
e o Cidade Jardim I, colaboraram para o aumento
populacional e à segregação sócio espacial, visto que
os condomínios apresentam toda a infraestrutura
urbana necessária e as áreas ao redor não dispõem de
toda a infraestrutura (ARAÚJO, 2007).
A Bacia do Igarapé Mata Fome é
predominantemente formada pelos aglomerados
subnormais6 e também por outras tipologias urbanas,
como os conjuntos habitacionais e os condomínios,
como demostrado na Tabela 01.
Os dados dos setores censitários7 do IBGE de
2000 e 2010 demonstram que a população do Igarapé
Mata Fome aumentou, como demonstrado no
QuadroQuadro 01. O aumento populacional da bacia
estudada se deu de forma precária. Segundo Araújo
6 É o conjunto constituído por 51 ou mais unidades habitacionais
caracterizadas por: ausência de título de propriedade;
irregularidade das vias de circulação e do tamanho e forma dos
lotes e carência de serviços públicos essenciais (como coleta de
lixo, rede de esgoto, rede de água, energia elétrica e iluminação
pública) (IBGE, 2011). 7 Setor Censitário é unidade territorial de coleta das operações
censitárias, definido pelo IBGE, com limites físicos identificados,
em áreas contínuas. A delimitação da bacia hidrográfica pelos
setores não é exata, uma vez que os setores censitários não são
definidos por bacias hidrográficas.
(2007), o aumento populacional proveniente do
elevado número de ocupações e loteamentos, trouxe a
degradação dos recursos naturais da área,
principalmente em relação ao curso principal, o
Igarapé Mata Fome, que teve suas margens ocupadas
indevidamente, águas contaminadas e poluídas,
afetando profundamente a qualidade de vida da
população.
Quadro 01: Número de Domicílios e Moradores da Bacia
do Igarapé Mata Fome, em Belém em 2000 e 2010 - IBGE
VARIÁVEL ANO
2000 2010
Número de domicílios 12.242 18.847
Número de moradores 52.152 72.188
Fonte: Censo IBGE 2000 e 2010. Elaboração: LABCAM –
FAU – UFPA, 2015.
Figura 06: Tipologias Urbanas na Bacia do Igarapé Mata
Fome
Fonte: IBGE, 2010. Elaboração: Thales Miranda, 2015.
A falta de infraestrutura básica nos assentamentos
precários faz com que a população utilize os cursos
d’água como forma de abastecimento de água e
escoamento do esgoto sanitário de suas moradias,
poluindo toda a rede hídrica da bacia.
É fundamental observar que o que caracteriza,
também, as ocupações nas áreas de várzea são a
forma de ocupação das habitações, principalmente
por meio de palafita, que vão sendo construídas sem
que haja uma delimitação dos lotes.
No presente trabalho foram feitas análises das
áreas de preservação permanentes ao longo do
Igarapé Mata Fome e da infraestrutura da Bacia,
como forma de compreender a ocupação e o
adensamento ao longo dos rios.
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão de
Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
8
4.1. ANÁLISE DAS ÁREAS DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTES NA BACIA
DO IGARAPÉ MATA FOME
No presente trabalho considerou-se a faixa de
proteção non aedificandi, determinada pela lei n°
6766/79 de uso do solo que corresponde a 15 metros
de extensão ao longo dos rios e a faixa mínima
estabelecida pelo Código Florestal, Lei de n°
12651/12, que define 30 metros de faixas de domínio
para rios de até 10 metros de largura.
As duas faixas de proteção foram utilizadas para
analisar os tipos de ocupação nas APPs. Para isto,
foram utilizados seis recortes territoriais da Bacia do
Igarapé Mata Fome comparando as imagens de
satélite do Google Earth datadas em 2009 e em 2014,
para tentar identificar a variação dos seguintes
elementos: presença de cobertura vegetal, de áreas
permeáveis, de edificações e aterros de significativos
dos cursos d’água.
Os recortes se dividem de acordo com o grau de
adensamento ao longo do Igarapé Mata Fome
fazendo a comparação de uma mesma área em
períodos diferentes.
Figura 07: Localização dos recortes na Bacia do Igarapé Mata Fome, em Belém.
Fonte: Google Earth, 2014. Elaboração: Thales Miranda, 2015
Os recortes escolhidos localizam-se na
parte mais adensada da bacia, onde há maior
concentração de infraestrutura e o melhor
acesso viário (ver
Figura 07). O intuito da comparação temporal
na parte mais adensada da bacia é compreender a
forma de ocupação e o adensamento ao longo dos
rios na área de estudo. Os Recortes A do ano de 2009
e 2014 fazem referência ao maior grau de
adensamento. Os Recortes B do ano de 2009 e 2014
referem-se ao médio adensamento e os Recortes C do
ano de 2009 e 2014, referem-se ao menor grau de
adensamento.
Observa-se na comparação dos recortes A que no
ano de 2009 as faixas de APPs de 15 metros
apresentam menor área permeável e possui áreas
densamente ocupadas, acentuando-se na
desembocadura do Igarapé, devido às atividades
econômicas da orla. O mesmo ocorre na faixa de 30
metros que são bastante adensadas, há menos área
permeável e menor grau de cobertura verde.
Em 2014, observa-se que as faixas de 15 metros e
de 30 metros não ocorrem mudanças significativas,
uma vez que à área já está consolidada pelas
habitações. Portanto, ocorre apenas o aumento
pontual de algumas habitações, principalmente
próximas aos cursos d’água, o que contribui para a
diminuição das matas ciliares.
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão de
Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
9
Figura 08 e 09: Recorte A do Ano de 2009 e Recorte A do Ano de 2014, respectivamente.
Fonte: Google Earth, 2009 e 2014. Elaboração: Thales Miranda, 2015
Figura 10 e 11: Recorte B do Ano de 2009 e Recorte B do Ano de 2014, respectivamente.
Fonte: Google Earth, 2009 e 2014. Elaboração: Thales Miranda, 2015.
Figura 12 e 13: Recorte C do Ano de 2009 e Recorte C do Ano de 2014, respectivamente.
Fonte: Google Earth, 2009 e 2014. Elaboração: Thales Miranda, 2015.
No recorte B do ano de 2009, de médio
adensamento, observa que a cobertura vegetal é mais
frequente, tanto na área de 15 metros quanto na de 30
metros. Nota-se que ainda existem habitações na
margem do rio, mas em menor proporção que o
recorte A do ano de 2009.
No recorte B de 2014, em comparação ao recorte
B de 2009, observa-se que houve apenas aumento
pontual das ocupações de cunho habitacional nas
APPs, principalmente na faixa de 15 metros.
No recorte C do ano de 2009, observa-se que as
APPs são pouco adensadas. Nas faixas de 15 e 30
metros a ocupação por meio das habitações se dá de
forma pontual, tendo predominância da cobertura
vegetal. No recorte C do ano de 2014, identificou-se
que houve um aumento das ocupações ao longo do
curso d’água, principalmente quando o Igarapé está
localizado a uma via importante, como a Rua São
Clemente.
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão de
Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
10
As ocupações são mais visíveis no recorte C, tanto
de 2009 quanto de 2014, pois há maior quantidade de
áreas verdes onde as duas faixas de APPs ainda se
encontram pouco adensadas. A área equivalente ao
recorte C é uma das poucas onde o Igarapé Mata
Fome possui mata ciliar de forma contínua.
A partir das análises comparativas, observou-se
que em cinco anos a população está ocupando as
matas ciliares e adentrando a Bacia, no sentindo
contrário ao fluxo do Igarapé, da desembocadura à
nascente. A cobertura vegetal do Igarapé Mata Fome
começa a ser ocupada pela população de forma
precária, sem infraestrutura e comprometendo o
Igarapé, assim como toda a rede hídrica.
Tabela 2: Síntese dos recortes territoriais na Bacia do Igarap Mata Fome analisados
RECORTES
ANO
FAIXA DE APP DE 15 METROS
FAIXA DE APP DE 30 METROS
A
2009
Densa e possuía menor área permeável. Bastante densa, possuía menor área permeável e
menor cobertura vegetal.
2014
Ocorreu aumento pontual de algumas habitações,
reduzindo a cobertura vegetal.
Quase não houve mudanças significativas
devido ao adensamento.
B
2009
Adensamento construtivo médio, apresentava mais
cobertura vegetal e presença de áreas permeáveis que
o recorte A em 2009.
Presença de edificações de pequeno porte e
possuía relativa cobertura vegetal.
2014
Aumento pontual das edificações, nas margens dos
cursos d’água e diminuição da cobertura vegetal em
comparação a 2009
Ocorreu aumento pontual de algumas
edificações, reduzindo a cobertura vegetal.
C
2009
Adensamento construtivo baixo, possuía significativa
permeabilidade do solo e cobertura vegetal.
Possuía significativa permeabilidade do solo e
cobertura vegetal. A presença de edificações era
de forma pontual.
2014
Aumento de edificações de pequeno porte ao longo
do curso d’água e ao longo da Rua São Clemente.
Aumento pontual de algumas edificações de
pequeno porte. Possuía significativa cobertura
vegetal e permeabilidade do solo
Elaboração: Thales Miranda, 2015.
Na figura 14, nota-se que mesmo com o avanço
das moradias em relação ao rio, ainda há cobertura
vegetal significativa na margem do igarapé.
Figura 14: Habitações ocupando a mata ciliar do igarapé.
Fonte: Thales Miranda, 2015.
Na visita de campo observou-se que não há
aterros significativos na bacia, o que ocorre são
pequenas contenções nos terrenos que estão próximos
ou no leito dos cursos d’água.
4.2. ANÁLISE DA INFRAESTRUTURA DA
BACIA DO IGARAPÉ MATA FOME.
A Bacia do Mata Fome apresenta baixos índices
de cobertura das redes de infraestrutura e de serviços
urbanos de Belém. Segundo o Censo Populacional do
IBGE (2010) os dados referentes ao abastecimento de
água na escala da bacia estudada apresentam baixa
cobertura da distribuição formal de água8, conforme
demonstrado na Figura 155, observando-se que a
cobertura se faz presente nos conjuntos habitacionais
e condomínios fechados. As áreas ocupadas de forma
precária não são abastecidas pela distribuição formal
de água e concentram-se nas proximidades dos cursos
d’água.
Em razão da carência da cobertura
formal de água, o abastecimento se dá
pela utilização de poços, nascentes e
outras formas de abastecimento,
conforme demonstrado nas Figura 17 e
8Quando o domicílio é servido por água proveniente de uma rede
geral de distribuição, canalizada para o domicílio ou, pelo menos,
para o terreno ou propriedade onde se situa (IBGE, 2010).
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão de
Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
11
Figura 16. Essas outras formas de abastecimento
são proporcionadas pela utilização das águas dos
cursos d’água por parte da população. Estes cursos
d’água geralmente se encontram poluídos e
impróprios para consumo, fato que é ocasionado pela
falta de saneamento básico do entorno.
Figura 15: Domicílios abastecidos pela rede de distribuição
de água
Fonte: IBGE, 2010. Elaboração: LABCAM - FAU –
UFPA, 2015
Figura 166: Domicílio abastecido com água provinda de
poços
Foto: Thales Miranda, 2015.
Figura 177: Número de domicílios abastecidos com água
provinda de poços ou nascentes
Fonte: IBGE, 2010. Elaboração: LABCAM - FAU –
UFPA, 2015
Gaspar (2001) ressalta ainda que a população não
servida pela distribuição formal de água utiliza
ligações clandestinas com um sistema de distribuição
bastante precário, onde os canos ficam no nível do
solo, muitas vezes apresentando vazamentos, os quais
facilitam a entrada de água contaminada na rede (ver
Figura 18).
Figura 18: Área ocupada de forma precária no Igarapé
Mata Fome, com tubulação de água exposta.
Fotoe: Thales Miranda, 2015
Segundo dados Censo Demográfico do IBGE
(2010), uma parte dos domicílios utiliza fossa séptica,
os demais utilizam fossa rudimentar ou apenas
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão de
Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
12
depositam os dejetos nos cursos d’água via
esgotamento sanitário por meio de valas,
contribuindo para a contaminação das águas
subterrâneas e, consequentemente, os poços de água.
Figura 19: Percentual de domicílios ligados à rede de
esgoto em setores censitários localizados na Bacia do
Igarapé Mata Fome, Belém. Censo IBGE 2010.
Fonte: IBGE, 2010. Elaboração: LABCAM - FAU –
UFPA, 2015
Os problemas advindos da ausência de uma rede
coletora de esgoto adequada também fazem com que
a população utilize o escoamento das águas pluviais
como escoamento de esgoto sanitário de suas
habitações (ver Figura 20).
Figura 20: O entorno da bacia do Igarapé Mata Fome.
Destaque para o esgoto sanitário presente na via.
Fonte: Thales Miranda, 2015
A precariedade do esgotamento sanitário
associado à falta de abastecimento de água ocasiona
diversos problemas de saúde para a população e
contamina toda a rede hídrica, uma vez que as
habitações mais precárias – que se localizam perto do
igarapé - não possuem rede coletora de esgoto,
abastecimento de água, sistema de drenagem, e
assim, os dejetos, as águas servidas e o lixo são
lançados diretamente no solo e no curso d’água.
De fato, segundo o Censo Populacional do IBGE
(2010) as áreas mais precárias da bacia estudada
coincidem com o alto grau de densidade
populacional, conforme demonstrado na Figura 211.
Esta densidade está relacionada ao igarapé, o que
evidencia que a população utiliza os cursos d’água
como alternativa ao abastecimento de água e esgoto
sanitário.
Figura 21: Densidade populacional em setores censitários
localizados na Bacia do Igarapé Mata Fome, Belém. Censo
IBGE 2010.
Fonte: IBGE, 2010. Elaboração: LABCAM - FAU –
UFPA, 2015
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão de
Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
13
5. Análise do Projeto dos Sistemas de
Macrodrenagem, Microdrenagem, Viário, Sistema
Urbanístico e Paisagístico para a Bacia
Hidrográfica do Igarapé Mata Fome da Prefeitura
Municipal de Belém.
O Projeto dos Sistemas de Macrodrenagem,
Microdrenagem, Viário, Sistema Urbanístico e
Paisagístico para a Bacia Hidrográfica do Igarapé
Mata Fome elaborado pela Secretaria Municipal de
Saneamento (SESAN9) evidencia em seu memorial
descritivo que grande parte da Bacia Hidrográfica do
Igarapé Mata Fome possui o relevo muito plano, com
desníveis inferiores a 4 metros. Afirma-se ainda que a
região do projeto possui baixa altitude e está sujeita a
inundações provocadas pelas cheias do igarapé e
principalmente pelas subidas das marés.
A solução adotada foi similar as obras anteriores
de macrodrenagem dos rios urbanos da área central
de Belém, que consiste na retificação da calha do
canal com seções trapezoidais de maior largura na
jusante do rio e de menor largura no montante do rio
(ver Figura 22).
9 A Secretaria Municipal de Saneamento (SESAN) é
responsável pela coleta de lixo, macrodrenagem e
microdrenagem e pavimentação no município. A
Companhia de Saneamento do Pará (COSANPA) é
responsável pelo abastecimento de água e esgotamento
sanitário em todo o estado. Entre as duas esferas não
existem uma articulação no objetivo de conseguir soluções
conjuntas.
Na jusante o projeto prevê a impermeabilização
do rio e o aumento da largura em torno de 70 metros.
No montante, somente os taludes serão revestidos, o
fundo do rio será permeável.
O projeto prevê o reordenamento espacial ao
longo do Igarapé Mata Fome, com a remoção dos
moradores da sua margem e com a utilização das
faixas de domínio como vias marginais
pavimentadas, de tamanho suficiente para a
manutenção dos canais como parte da operação do
sistema de macrodrenagem. Contudo, não há
informações sobre o reassentamento dos moradores e
não há nenhuma informação sobre qualquer projeto
habitacional para aqueles que serão afetados.
O projeto prevê a criação de áreas públicas
destinadas ao lazer e a recreação, implementando três
áreas de uso comum. Estas áreas se localizam onde a
cota altimétrica é inferior a 4,00 metros e onde as
habitações são precárias, geralmente de madeira,
como demonstrado na Figura 23. Não há
informações sobre o número de casas que serão
removidas para a implantação dessas áreas. Na
análise do projeto, constatou-se também que não há
informação acerca da solução do sistema de esgoto
sanitário (fossa séptica e outros).
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão de
Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
14
Figura 22: Projeto dos Sistemas de Macrodrenagem para a Bacia Hidrográfica do Igarapé Mata Fome
Fonte: SESAN, 2013. Elaboração: LABCAM - FAU – UFPA, 2015
Figura 23: Local que foi destinado para servir de área
pública
Fonte: Thales Miranda, 2015.
A proposta de intervenção da Prefeitura Municipal
de Belém para o Igarapé Mata Fome limita-se a
execução de obras de drenagem urbana, uma vez que
o foco é a macrodrenagem. A proposta não resolve os
problemas dos assentamentos precários na Bacia do
Igarapé Mata Fome, como a moradia precária, a
regularidade fundiária e a ausência de infraestrutura
básica, visto que não articula ações de urbanização
para complementar a intervenção no curso d’água
principal, que assim como os projetos de intervenção
de cursos d’água urbanos na área central de Belém
não possuem ações integradas que consigam dar
conta da dimensão das diferentes necessidades que os
assentamentos precários apresentam. Pelo contrário,
os projetos são ações pontuais de drenagem urbana
que colaboram para que não ocorra uma melhoria das
condições sócio ambientais da bacia, não resolvendo
os problemas de esgotamento sanitário e dando
ênfase em soluções voltadas para o acesso de
automóveis nas faixas marginais dos cursos d’água
através de vias marginais.
O objetivo dessa pesquisa é entender a lógica de
ocupação e a relação com as APPs em cursos d´água,
tendo em face a proposta da prefeitura de Belém
(SESAN), com a finalidade de discutir possíveis
parâmetros de urbanização de assentamentos
precários de forma integrada e não apenas com foco
na drenagem urbana, ainda obras de macrodrenagem
sejam estruturantes na escala de bacia hidrográfica
.
6. Parâmetros de Projeto de Urbanização de
Assentamentos Precários em Área de Proteção
Ambiental.
Ao analisar parâmetros de urbanização
relacionados com o processo de urbanização de
assentamentos precários em áreas ambientalmente
frágeis, precisa-se levar em consideração uma série
de aspectos relacionados à integração desses
assentamentos à cidade, à complementação da
infraestrutura urbana na bacia hidrográfica com
soluções técnicas que contribuam na recuperação
ambiental da bacia.
Os parâmetros devem apontar soluções que
articulem a melhoria das condições de
habitabilidade10 dos moradores dos assentamentos
10 Segundo Vilaça (2004), o conceito de habitabilidade,
que não se limita apenas às condições físicas da unidade
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão de
Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
15
precários existentes na bacia, e a possibilidade de
recuperação e manutenção das condições naturais da
mesma, havendo assim uma convergência de
objetivos.
Sob essa perspectiva serão analisados os seguintes
parâmetros:
Integração dos Assentamentos Precários à
Cidade e Acessibilidade;
Circulação nos assentamentos;
Abastecimento de Água e Esgotamento
Sanitário;
Micro e Macrodrenagem;
Soluções Habitacionais;
Arborização e Áreas livres.
I. INTEGRAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS
PRECÁRIOS À CIDADE E ACESSIBILIDADE
Os assentamentos precários em áreas de APP de
cursos d’água geralmente possuem faixas de terras
estreitas que se conectam ao longo de cursos d’água.
Torna-se necessária articulação dessas áreas com o
restante da cidade, através da conexão da malha
urbana ao restante da cidade.
Os serviços urbanos e o padrão de acessibilidade
urbana dependem do sistema viário do assentamento
precário. É importante que as vias suportem os
serviços públicos, mas também que garantam o
acesso às habitações.
A área de entorno do Igarapé Mata Fome possui
certa regularidade no macro parcelamento, com
quadras ortogonais e regulares. No entanto, nas faixas
de APP a estrutura viária se torna mais sinuosa,
irregular e desarticulada com o bairro e,
consequentemente, com a cidade.
A circulação interna nas faixas de APP na bacia
estudada é constituída a partir de estivas, que são
pontes de madeira que servem de acesso às
residências substituindo ruas e calçadas. As estivas
demostram o caráter regional de estratégias de
ocupação de certos grupos na Amazônia. Segundo
Rodrigues et al (2013), as conexões feitas pela
população a partir das estivas contribuem para outras
formas de territorialização urbana diferente das
malhas ortogonais e esquema geométrico que
ocorrem na Primeira Légua Matrimonial de Belém.
habitacional em si, mas a partir de uma visão ampla e
integrada de suas várias dimensões e componentes, inclui a
segurança da posse da terra, o traçado e a morfologia do
assentamento, a infraestrutura, os serviços públicos e
equipamentos comunitários, e as condições de acesso e
mobilidade.
Figura 24: Área de entorno do Igarapé Mata Fome.
Destaque para a estrutura viária que se torna mais sinuosa
próxima ao curso d'água
Fonte: Google Street View, 2014
Figura 25: Estiva no Igarapé Mata Fome
Fonte: Thales Miranda, 2015.
No restante das vias no entorno do Igarapé Mata
Fome há insuficiência de calçadas para a locomoção
dos pedestres, pois na maioria das vezes ela é
precária ou encontra-se obstruída por uma edificação.
Figura 26: Via no entorno do Igarapé Mata Fome.
Fonte: Google Street View, 2015.
Essa integração deve ser feita em conjunto com a
implantação das redes de infraestrutura urbana, como
de esgoto e de abastecimento de água. Dessa forma
poderá ser viabilizada a integração de outros
serviços, como a coleta de lixo, a iluminação pública
e o transporte público. Em suma, a conexão da malha
urbana em conjunto com as redes de infraestrutura
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão de
Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
16
permite que outros serviços sejam atendidos na escala
da bacia e integrando os assentamentos, o que
permite que a população não fique isolada ou tenha
que se deslocar por longas distâncias para conseguir
acessar alguns serviços como transporte público.
Recomenda-se ainda que as calçadas e as vias
sejam planejadas de acordo com o fluxo de pessoas.
Em uma via local onde há pouco tráfego de veículos,
pode-se implantar vias de pedestre, que são mais
econômicas que as convencionais.
As soluções de hierarquia viária devem dar mais
ênfase à circulação de pessoas do que ao transporte
automotivo, uma vez que elas se adéquam mais as
soluções para áreas ambientalmente sensíveis.
II. ABASTECIMENTO DE ÁGUA E
ESGOTAMENTO SANITÁRIO
A coleta e tratamento do esgoto sanitário em
assentamentos em APPs de curso d’água tem como
objetivo a descontaminação do rio e do solo. Oliveira
(2011) ressalta os problemas ocasionados pela
solução tradicional de coleta e tratamento dos esgotos
sanitários, como custo operacional, dificuldade de
gerenciamento e os impactos ambientais em
decorrência da poluição dos rios que compromete a
qualidade da água e a reprodução da fauna aquática.
Convenciona-se que as redes de esgoto sanitário
das cidades sejam ampliadas utilizando o mesmo
padrão técnico. Em Belém, a ausência de solução
técnica adequada para as redes de esgoto sanitário,
faz com que a rede de drenagem urbana tenha,
também, a finalidade de escoamento de esgoto. A
população se conecta à rede de drenagem e joga o
esgoto advindo das fossas de suas moradias
diretamente na rede pluvial ou mesmo despeja o
esgoto diretamente nos cursos d’água, o que,
consequentemente, os contamina.
Tendo em face o déficit de abastecimento de água
e de redes coletora e de tratamento de esgoto
sanitário na Bacia do Igarapé Mata Fome, propõem-
se alguns parâmetros:
Adoção de sistemas alternativos como a
adoção de wetlands, para a coleta e tratamento
parcial do esgoto sanitário, contribuindo para
descontaminar os cursos d’água e pontos de
contaminação do lençol freático, uma vez que
uma parte da população se abastece de poços
superficiais (OLIVEIRA, 2009);
Utilização de sistema condominial de esgoto
sanitário;
Figura 27: Wetlands
Fonte: Wetlands no Kenosha County11.
Nessa perspectiva são necessárias algumas
soluções articuladas com o abastecimento de água e a
rede de esgoto sanitário, para evitar a contaminação
dos cursos d’água e a proliferação de doenças.
III. MICRODRENAGEM
Partindo do pressuposto que os problemas de
abastecimento de água e esgoto sanitário foram
minimizados, as soluções de microdrenagem passam
a desempenhar somente funções de infiltração de
água e escoamento das águas pluviais, ou seja,
passam a ter apenas a função de microdrenagem, com
a capacidade de impacto positivo em relação à bacia.
Segundo Oliveira (2009) as técnicas de drenagem
urbana sustentável têm como objetivo melhorar a
capacidade de infiltração de águas pluviais no solo
reduzindo o escoamento.
Propõem-se técnicas de microdrenagem que
permitem a permeabilidade do solo, a partir das
técnicas de drenagem urbana sustentáveis, evitando
enchentes e diminuindo os riscos caudados por
inundações. Algumas técnicas capazes de melhorar o
fluxo das águas são:
Canaletas gramadas: valas vegetadas abertas
no terreno que funcionam como pequenos canais
onde o escoamento pluvial é desacelerado e infiltrado
durante o percurso;
Figura 28: Canaleta gramada
Fonte: KOBAYASHI et al, 200812.
11 Disponível em: <http://www.co.kenosha.wi.us/index.aspx?NID
=687> Acesso em agosto 2015.
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão de
Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
17
Reservatórios de infiltração: um reservatório
preenchido por pedras de tamanhos diferentes que
retêm águas pluviais e as infiltram no solo;
Pisos drenantes: pisos porosos que absorvem
uma boa parte da água pluvial, pois a base/sub-base
do piso é formada por materiais granulares que criam
vazios para a passagem de água, evitando o
empoçamento de água e minimizando as enchentes.
Os pisos drenantes são mais caros que os
convencionais, no entanto, são alternativas mais
sustentáveis que os pavimentos intertravados de
blocos de concreto impermeáveis – bloquetes. Devido
ao seu custo, é recomendável utilizá-los em áreas de
uso comum.
Figura 29: Exemplo de Piso Drenante
Fonte: Piso Drenante no Conte Pisos13.
IV. MACRODRENAGEM
Tendo em face que os problemas relacionados à
malha urbana e infraestrutura foram viabilizados,
abrem-se oportunidades à preservação do leito
natural dos rios urbanos, reintegrando o curso d’água
à paisagem da cidade.
Em Belém, os projetos consolidados na área
central não condizem com o objetivo da drenagem
urbana sustentável, pois como forma de escoar
rapidamente a água do centro da cidade (jusante), são
construídos canais impermeabilizados, o que
ocasiona enchentes no montante.
A Bacia Hidrográfica do Igarapé Mata Fome,
como mostrado anteriormente, apresenta cursos
d’água de várzea amazônica, com terrenos baixos e
uma extensa área de alagamento, onde a declividade
do principal curso d’água é baixa, o que dificulta a
velocidade de escoamento das águas. Dessa forma,
levando em consideração as características da bacia,
o curso principal não dará conta desse escoamento,
portanto, as soluções de macrodrenagem estão
12 KOBAYASHI et al. Drenagem Urbana Sustentável. Escola
Politécnica – USP, 2008. São Paulo. Disponível em: <
http://www.pha.poli.usp.br/LeArq.aspx?id_arq=3039> Acesso
em agosto 2015. 13 Disponível em: <http://contepisos.com.br/image/banner3.jpg>
Acesso em agosto 2015.
conectadas as soluções de microdrenagem, para
viabilizar o escoamento da água rapidamente.
Alguns exemplos de soluções de macrodrenagem
são:
Uso de reservatório de detenção: o objetivo é
amortecer as vazões de cheias e reduzir os riscos
de inundações a jusante. Ou seja, o reservatório
teria a capacidade de armazenar as águas até que
acontecessem condições de deságue por
comportas quando as marés permitissem.
Uso de elementos para retardar o
escoamento: intervenções na margem do curso
d’água para reduzir a velocidade de escoamento,
reduzindo os pontos de inundação.
V. SOLUÇÕES HABITACIONAIS
Os parâmetros para soluções habitacionais devem
ser incorporados nos programas de recuperação
urbana e ambiental dos assentamentos precários, pois
segundo Oliveira (2009) deve ser considerada como
parte integrante da recuperação urbana e ambiental
das áreas, ou seja, não apenas as áreas públicas e de
convívio de todos devem atender os critérios de
sustentabilidade, mas também é necessário que a
unidade habitacional, propriamente dita, seja
incorporada ao ambiente urbano.
Como visto, as habitações, nas faixas de APP do
Igarapé Mata Fome carecem de serviços básicos,
como banheiro, abastecimento de água, esgoto
sanitário. São precárias construtivamente e
localizam-se no leito dos cursos d’água. Dessa forma,
seria necessária uma significativa remoção dos
moradores, principalmente a montante do igarapé,
que são as áreas mais ocupadas. Nesse processo seria
importante o cuidado com alguns parâmetros
habitacionais para definir soluções, tais como:
Destinar uma área específica para a produção
de moradias dos antigos moradores no próprio local
de intervenção;
Construir as unidades habitacionais acabadas
para conter o adensamento da região;
Não propor moradias com fundo de lote para o
curso d’água;
Prever nos projetos habitacionais uma
proporção para unidades de uso misto.
Em Manaus, no projeto PROSAMIM, as
habitações que foram afetadas pelas obras de
urbanização, foram remanejadas para áreas próximas
ao local de intervenção. Em tipologias de 3 e 4
andares. A maioria das habitações se localizava
próxima ao curso d’água e os lotes eram voltados
para frente dos cursos d’água.
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão de
Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
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Figura 30: Projeto PROSAMIM em Manaus. Destaque às
tipologias de 3 andares próximas ao curso d'água
Fonte: Google Street View, 2015
VI. ARBORIZAÇÃO E ÁREAS LIVRES
Tendo em vista que as faixas de APPs foram
delimitadas, as soluções habitacionais e de
infraestrutura foram sanadas, pode ser possível a
previsão de implantação de áreas livres para
diferentes usos. Os assentamentos precários em APP
são carentes de áreas de lazer e de uso comum,
portanto, é possível articular soluções técnicas que
potencializem a perspectiva de recuperação da APP,
como:
Previsão de arborização em grande escala nas
calçadas, vias, equipamentos públicos;
Ampliação das áreas verdes nas áreas de uso
comum para garantir a permeabilidade do solo.
Em algumas áreas de proteção permanentes que
necessitam de recuperação ambiental, é importante
adotar medidas mitigatórias e reparatórias, como:
Expor nascentes inserindo-as em áreas
públicas; plantio de vegetação nativa;
Tratar as áreas contaminadas por despejos de
resíduos sólidos (esgoto sanitário); e
Adotar tratamento paisagístico associado ao
sistema de áreas verdes.
Medidas pontuais não são suficientes para
resolver os problemas ambientais dos assentamentos
precários em áreas de preservação permanente e nem
evitam a construção de novas habitações
(OLIVEIRA, 2009).
Conclusões
Historicamente, a cidade de Belém sempre esteve
relacionada às condicionantes da rede hidrográfica.
As variadas formas territoriais que acompanharam o
processo histórico de urbanização expõem as relações
dos assentamentos urbanos e dos cursos d’água
urbanos.
A experiência de Belém em relação ao modo de
tratamentos das APPs ao longo dos cursos d’água
urbanos tem se mostrado conflituosa, pois exibe
intervenções que seguem a lógica da drenagem
urbana, afastando o esgoto sanitário da área central,
impermeabilizando o solo, retificando os rios e
modificando a paisagem urbana, utilizando as faixas
de domínio como vias de automóveis. De forma
geral, as intervenções tentam alterar a paisagem
urbana amazônica de rio-igapó-várzea-terra firme
em áreas urbanas, cujo objetivo é racionalizar o
traçado, afastando-se da produção do habitar
ribeirinho (PONTE, 2010).
A área de expansão de Belém apresenta
oportunidades de tratamentos dos cursos d’água
diferente do tratamento da área central da cidade. Na
bacia estudada, apesar dos baixos índices de
infraestrutura, serviços urbanos e, ainda, da utilização
dos cursos d’água como escoamento de esgoto
sanitário, apresenta significativos potenciais de
recuperação ambiental, uma vez que as APP dos
cursos d’água do igarapé ainda apresentam
consideráveis índices de áreas permeáveis e cobertura
vegetal. Entretanto, o estudo comparativo das faixas
de APPs do igarapé demonstrou que a população está
ocupando as áreas permeáveis e as matas ciliares dos
cursos d’água, contribuindo para o aumento da
densidade populacional da bacia, o que pode
futuramente influenciar na potencialidade de
recuperação ambiental do Igarapé Mata Fome.
As intervenções na bacia devem articular a
melhoria das condições de habitabilidade em relação
à presença de infraestrutura, acessibilidade, conexão
viária, acesso aos serviços e a possibilidade da
manutenção da característica existente na bacia,
como a presença de vegetação e a manutenção do
curso natural do rio.
Portanto, a bacia do Igarapé Mata Fome apresenta
um alto potencial de recuperação, que deve ser
articulado com as necessidades de macrodrenagem da
bacia e da complementação dos assentamentos. Nesse
sentido, há a possibilidade de se usar parâmetros para
proceder tanto à urbanização quanto o tratamento dos
cursos d’água, esses parâmetros devem ser
articulados para que as APPs tenham a função
ambiental e, também, que produzam um novo padrão
de urbanização mais sensível com o ambiente natural
e de caráter regional amazônico.
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão de
Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
19
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NOTAS DE FIM
i Trabalho desenvolvido com o apoio do Programa
PIBIC/UFPA. ii Graduando do curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Pará. Bolsista PIBIC/UFPA –
AF. E-mail: [email protected] iii Docente da FAU/ITEC, Universidade Federal do Pará.
E-mail: [email protected]
Parâmetros de urbanização de assentamentos precários em Áreas de Preservação Permanente em meio urbano na área de expansão de
Belém (PA): estudo para a bacia do Igarapé Mata Fome
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Parecer da Orientadora
O aluno Thales Barroso Miranda desenvolveu
suas atividades a contento, além de ter participado
das atividades de formação desenvolvidas pelo
Laboratório de Cidades da Amazônia – LABCAM -
FAU, onde a pesquisa de Iniciação Científica foi
desenvolvida.
O tema da pesquisa faz parte de uma pesquisa
mais ampla que está em desenvolvimento e que
permitiu que o aluno dialogasse com outros
pesquisadores que fazem parte da equipe de pesquisa,
possibilitando a troca de dados e informações, o que
foi positivo para a sua formação acadêmica,
incluindo pesquisa de campo na área de estudo,
elaboração de relatório e participação em reuniões. O
bolsista apresentou amadurecimento teórico e de
método de trabalho durante o desenvolvimento da
pesquisa e recebeu treinamento em
geoprocessamento (QuantumGis) e tratamento de
dados censitários do Censo Populacional do IBGE de
2000 e 2010.
Cabe destacar a dedicação e empenho do aluno,
bem como sua capacidade e habilidade na produção
de textos, o que contribuiu para a elaboração do
artigo final da pesquisa. Deste modo, considero o
aproveitamento do bolsista Excelente.
Belém, 09 de agosto de 2015.
_________________________________________
Profª. Drª. Roberta Menezes Rodrigues (Orientadora) FAU/ITEC/UFPA
_________________________________
Bolsista PIBIC – FAU ITEC - UFPA