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PROJETO DE MELHORIA HABITACIONAL METODOLOGIA DE TRABALHO EM URBANIZAÇÃO DE ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS MARINA BARRIO PEREIRA TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

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Page 1: Projeto de Melhoria Habitacional: metodologia de trabalho em urbanização de assentamentos precários

p r o J e ToD em e L H o r i a H a b i Ta C i o n a Lm e To D o L o G i aD eT r a b a L H oe mU r b a n i Z a Ç Ã oD ea S S e n Ta m e n To Sp r e C Á r i o S

m a r i n a b a r r i o p e r e i r aT r a b a L H o F i n a L D e G r a D U a Ç Ã oT

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Trabalho Final de Graduação

Marina barrio Pereira

orienTação

ProF.ª dr.ª Karina oliveira leiTão

banca

ProF.ª dr.ª Karina oliveira leiTão

ProF.ª dr.ª Maria de lourdes ZuquiM

ProF. dr. caio sanTo aMore de carvalho

Faculdade de arquiTeTura e urbanisMo

universidade de são Paulo

Junho de 2013

P R O J E TO D E M E L H O R I A H A B I TA C I O N A LM E T O D O L O G I A D E T R A B A L H O E M U R B A N I Z A Ç Ã O D E A S S E N TA M E N T O S P R E C Á R I O S

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A G R A D E C I M E N T O S

À toda minha família, em especial aos meus pais, Ismael e Maria Del Carmen, e meu irmão, Daniel, pelo valor dado aos meus estudos e pelos esforços e apoio que fizeram possível a minha formação.

À minha orientadora Karina, que sempre esteve aber-ta para o diálogo e disposta à investigação. Espero que este seja somente o começo de uma relação de amizade.

Aos meus amigos, pelos sorrisos, alegria e compa-nheirismo em todos os momentos.

Aos colegas da FAU, em especial aqueles que ingres-saram comigo em 2007 e aqueles que concluem o curso em junho de 2013, pelo compartilhamento de alegrias e difi-culdades. Em especial os amigos do epa! pela dedicação em fazer possível aos colegas, futuros arquitetos e urbanistas, o aprendizado a partir da ação em nossa realidade concreta.

À Ana Cristina Takeda, Daniela Perre e João Busko, com quem mais de perto compartilhei os rumos dados a mi-nha graduação.

Àqueles que colaboraram na produção desse trabalho: Ana Takeda, Leonardo Klis, Felipe Chodin, Pedro Botton, Heloisa Rezende, e toda equipe do LabHab envolvida com a pesquisa da FINEP no bairro do Alvarenga.

Às equipes das assessorias técnicas Fábrica Urbana e Peabiru TCA, que me permitiram, através do estágio, uma aproximação à prática profissional voltada às demandas po-pulares e à atuação junto aos movimentos de moradia.

Em especial à equipe da Peabiru pelos importantes encontros durante o período final do tfg, e também pelo ensinamento de que a prática profissional vem acompanhada da reflexão e da crítica sobre o trabalho produzido.

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Í N D I C E

R E F L E XÕ E S I N I C I A I S

B R E v E H I S T ó R I A E PA N O R A M A AT U A L D A P R E C A R I E D A D E H A B I TA C I O N A L N O B R A S I L

Q U A D R O P O L Í T I C O R E C E N T E PA R A I N T E R v E N Ç Ã O E M A S S E N TA M E N T O S P R E C Á R I O S : U M O L H A R A PA R T I R D O S N Í v E I S F E D E R A L E M U N I C I PA L

O C O M P O N E N T E D E M E L H O R I A H A B I TA C I O N A L N O P R O G R A M A D E U R B A N I Z A Ç Ã O I N T E G R A D A D E A S S E N TA M E N T O S P R E C Á R I O S D O PA C 2

P O T E N C I A L P E D A G ó G I C O E M P R O C E S S O S D E U R B A N I Z A Ç Ã O D E A S S E N TA M E N T O S P R E C Á R I O S

E X E R C Í C I O P R O J E T U A L : I N T E R v E N Ç Ã O N A C A S A D E A N T ô N I A

R E F L E XÕ E S F I N A I S

R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

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Parque para Brincar e Pensar, 2012. Fonte: Marina Barrio

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R E F L E X Õ E S I N I C I A I S

A proposta para esse trabalho final sucede minha experiência durante a graduação com trabalhos que discutiram questões relacionadas ao espaço junto a comunidades da periferia e de favelas. Na faculdade, estive envolvida em trabalhos realiza-dos de forma independente por grupos de estudantes articu-lados em torno de um espaço comum, o epa! espaço projeto e ação, cuja proposta era experimentar por meio da ação direta dos estudantes junto a comunidades organizadas a possibili-dade de transformações espaciais e sociais na realidade con-creta da cidade. A esses trabalhos somaram-se atividades das quais participei como estagiária em dois projetos de urbani-zação de favelas, junto à assessoria técnica Peabiru Trabalhos Comunitários e Ambientais. A presença da precariedade e da informalidade habitacional e urbana nos diferentes espa-ços com os quais tomei contato através dessas experiências compôs o suporte para as reflexões que me acompanharam

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durante o período da graduação, principalmente em relação às dinâmicas que conformam os espaços das cidades e a in-cidência desses espaços sobre a vida cotidiana de seus habi-tantes. Também, durante todas essas experiências, a questão da comunicação entre técnicos e população foi de constante reflexão e experimentação. Nessa etapa de conclusão, a elabo-ração desse trabalho se dá como momento de sistematização dessas reflexões e experimentações, a partir de pesquisa bi-bliográfica sobre intervenções em assentamentos precários e da elaboração de exercício projetual de intervenção em uma habitação precária.

Meu primeiro contato com uma comunidade cujo as-sentamento passaria por processo de urbanização aconteceu em 2008, durante meu segundo ano como estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo, na favela Jardim Corombé na Brasilândia, zona oeste de São Paulo. A comunidade ocupa-va um terreno da CDHU, órgão que desenvolvia projeto de urbanização para a área. Tratava-se de uma ocupação densa, com casas de madeira ou de alvenaria precária, e vielas estrei-tas. Possuía uma área livre, onde estava um campo de futebol. A favela fazia fronteira com outros assentamentos precários, dos quais se diferenciava principalmente pela maior preca-riedade das suas construções e pela ausência de serviços de infraestrutura. A energia elétrica era estendida do assenta-mento vizinho e o esgoto proveniente das casas era despejado num córrego que cruzava a ocupação. A área também fazia li-mite com uma extensa área verde, para onde a ocupação dava indícios de se estender, e com alguns conjuntos habitacionais promovidos pelo poder público.

Um grupo de estudantes se organizou para acompa-nhar as reuniões da associação de moradores da favela e as assembléias da comunidade por aproximadamente um ano.

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Faziam parte do grupo estudantes dos cursos de Arquitetu-ra e Urbanismo, Direito, Relações Internacionais e Ciências Sociais. As reuniões da associação aconteciam a cada 15 dias e os representantes presentes discutiam as negociações em andamento com o poder público, a maioria sobre o atendi-mento habitacional a famílias removidas. Nas assembléias de moradores, a presença do nosso grupo mostrava apoio aos encaminhamentos dados pela associação no processo. Nos-so diálogo foi sempre com membros da associação e outras lideranças locais e nunca tivemos a oportunidade de conver-sar com técnicos do poder público. Assim, as informações que tínhamos sobre o andamento do projeto estavam sempre sujeitas à interpretação desses moradores e ao modo como eles as colocavam na reunião. A experiência mostrou que a comunicação entre poder público e moradores não aconte-cia de forma transparente, já que os representantes nunca se mostravam esclarecidos em relação às propostas da CDHU. O grupo buscou trabalhar no esclarecimento tanto das pos-sibilidades de atendimento às famílias removidas quanto a outras demandas mostradas nas reuniões, enfatizando as re-lações entre essas demandas dentro do processo de urbaniza-ção como um todo, de forma que a associação de moradores pudesse melhor negociar os interesses da comunidade com a CDHU. As dificuldades de diálogo entre os estudantes e os representantes se davam principalmente pela expectativa dos moradores em relação aos nossos conhecimentos, situa-ção criada por certo distanciamento que se fazia entre as duas partes.

Nos anos de 2009 e 2010, junto com outros colegas do curso de Arquitetura e Urbanismo, estive envolvida num gru-po de trabalho que promoveu junto com coletivos do bairro do Jardim Miriam, na zona sul de São Paulo, atividades de

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discussão sobre os espaços públicos da região. As discussões se iniciaram no momento em que começou a construção de uma base policial na principal praça do bairro, a Praça do Miriam, e procuravam colocar para debate os interesses na ocupação dos espaços públicos na periferia. Num primeiro momento as discussões foram realizadas num ponto de cul-tura da região, o Jardim Miriam Arte Clube ( JAMAC), com coletivos do bairro ligados as áreas da arte e da cultura. Após realizar essas primeiras articulações, as atividades foram transferidas para a própria Praça do Miriam, no formato de roda de conversa, com o apoio do coletivo Rádio Poste, que já realizava intervenções nesse espaço através de discursos fei-tos num megafone ligado a uma caixa de som. As atividades aconteciam aos domingos, dia em que acontecia também a feira livre nas ruas adjacentes à praça e em que, por esse moti-vo, se concentrava nesses espaços grande número de pessoas. Após algumas atividades, percebeu-se que o formato de roda de conversa não era satisfatório para trazer ao debate pessoas de fora dos coletivos já articulados, e passou-se a pensar em métodos de diálogo diferentes. Foi articulado com um cole-tivo vinculado ao Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais (VAI)¹ um dia de cultura na Praça do Miriam, com atividades culturais diversas, no qual o grupo de estudantes contribuiu com uma atividade focada na discussão da base policial construída na praça. A proposta era de que se levan-tassem possíveis usos para aquela construção, através de dese-nhos realizados sobre uma base produzida pelo grupo, e que depois esses desenhos fossem expostos num varal pendurado na praça. Atividades de teatro, música e dança possibilitaram que bastante moradores do bairro olhassem para a possibili-dade de se ocupar o espaço da Praça do Miriam com ativida-des de interesse da comunidade. Quanto à atividade proposta

¹ O VAI é um programa da Prefeitura de São Paulo que tem por fina-lidade apoiar financeira-mente atividades artís-tico-culturais propostas por jovens de baixa renda em regiões do município desprovidas de equipa-mentos culturais.

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pelo grupo de estudantes, seu alcance limitou-se basicamente a crianças no momento da reflexão a parir do desenho, sendo poucos os jovens e adultos que se interessaram por participar, mas o varal foi apreciado por pessoas de diferentes idades.

Mais a frente, no ano de 2011, ainda em articulação com os coletivos culturais do Jardim Miriam, esse mesmo grupo de estudantes foi convidado a participar de um pro-jeto proposto pelo coletivo Contrafilé em parceria com o JAMAC, de construção de um parquinho infantil² na Fa-vela Brás de Abreu, localizada no bairro. Foram seis meses de trabalho de mutirão, realizado nos finais de semana pelos moradores e pelos grupos colaboradores do projeto. Durante esse período, construiu-se uma relação de proximidade muito forte entre moradores e colaboradores, principalmente devi-do ao vínculo criado com as crianças. Ao final da construção do parquinho, os moradores da favela demonstraram inte-resse em formar uma associação de moradores e o grupo de estudantes acolheu essa demanda. Assim, algumas reuniões

² O processo de constru-ção do parque pode ser visto no site parqueparabrincarepen-sar.blogspot.com.br

Desenho feito por moradora do Jd. Miriam durante o dia de cultura na Praça do Miriam, em novembro de 2010. Fonte: Marina Barrio

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foram realizadas com os moradores interessados, a fim de se definirem as pautas dessa associação e as possíveis maneiras da sua articulação. Para formalização dessas conversas, uma atividade foi realizada através de uma dinâmica em que fo-ram esclarecidos quais eram os pontos de interesse coletivo e que, portanto, deveriam ser levados a diante por aquele grupo, e quais eram os pontos de interesse individual que deveriam buscar outros meios de se realizar. Ainda, foi possível uma primeira aproximação à discussão dos possíveis interlocuto-res da futura associação.

Essas experiências foram importantes momentos de aprendizado, sobre dinâmicas e relações presentes na prática do arquiteto e urbanista, que dentro do currículo formal do curso seriam impossíveis de se ter contato. As práticas pro-postas pelos grupos de estudantes foram um primeiro con-tato com o reconhecimento de demandas e a apresentação de propostas de trabalho a comunidades excluídas da cidade formal, na procura de desenvolver diálogos sobre questões

Atividade no Parque para Brincar e Pensar, em maio de 2012. Fonte: Marina Barrio

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tidas como técnicas. Essas práticas, baseadas na experiência concreta das pessoas sobre o espaço, não estavam vinculadas a um entendimento instrumental e técnico da arquitetura e do urbanismo, mas sim na colaboração e a troca de saberes, essenciais para a produção de um conhecimento comum a todos os agentes envolvidos.

Como estagiária na Peabiru, participei da elaboração de dois projetos de urbanização de assentamentos precários, Capelinha e Batistini, ambos no município de São Bernardo do Campo, próximos a Represa Billings. Durante as etapas de levantamento, diagnóstico e projeto, além do trabalho de-senvolvido no escritório, acompanhei diferentes espaços de diálogos entre a equipe técnica e os moradores dos assenta-mentos. Eram, em sua maioria, espaços propostos pela pre-feitura, agente com o qual a assessoria compartilhava a elabo-ração das metodologias utilizadas. Uma maior, mas não total, autonomia da assessoria aconteceu nos cadastros, oficinas e plantões de dúvida. As assembléias, momentos de apresen-tação para a comunidade dos trabalhos desenvolvidos pelos técnicos e das próximas etapas do processo, possuía caráter de “prestação de contas” da prefeitura, sendo assim o controle sobre o seu formato mais rígido por parte da secretaria da habitação.

O cadastro das famílias beneficiadas pelos projetos foi feito a partir de levantamento realizado em campo, no qual cada unidade habitacional era visitada por um técnico (arqui-teto, engenheiro, técnico social ou estagiário), com o intuito de fazer uma pesquisa socioeconômica sobre seus moradores e uma pesquisa física sobre as condições de habitabilidade das construções. Muitas vezes era o primeiro contato da fa-mília com o projeto, pois muitas pessoas não haviam par-ticipado da assembléia inicial. O fato de todas as unidades

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serem visitadas garantiu que todas as famílias habitantes do assentamento tivessem contato com um técnico envolvido no projeto, disponível para, além de fazer o cadastro, esclarecer qualquer dúvida que o morador apresentasse.

Durante a elaboração do estudo preliminar do projeto de urbanização do assentamento Batistini, a Peabiru propôs três oficinas de projeto com os moradores da área: a primei-ra sobre o tema da remoção e do reassentamento, a segunda sobre espaços livres, e a terceira sobre questões ambientais relacionadas ao córrego que corta o assentamento. A partir da experiência dos moradores na área, foram discutidos proble-mas e resoluções possíveis dentro do projeto. As oficinas fo-ram momentos de formação e informação simultaneamente, onde buscou-se conscientizar a população para a construção das diretrizes de projeto, compartilhar e esclarecer as ques-tões técnicas para que a população tivesse subsídio necessário a participar nas próximas etapas de projeto e sensibilizar para a educação ambiental e patrimonial. Pretendeu-se discu-tir nessas oficinas como as melhorias coletivas conquistadas com o projeto de urbanização dependem de negociações com os interesses particulares de cada morador. As atividades fo-ram realizadas no espaço de uma UBS recém-inaugurada no núcleo, e contaram sempre com o acompanhamento de um técnico da prefeitura.

Os plantões de dúvida foram montados após as as-sembléias realizadas, sendo o plantão posterior à apresenta-ção da planta de remoções o momento que mobilizou o maior número de moradores. Nesse espaço, cada técnico atendia um morador (ou família) por vez, com esclarecimentos sobre a apresentação feita anteriormente. No plantão sobre remoção e atendimento, através do número de cadastro, o técnico con-firmava se a situação da família era de consolidação da mora-

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dia ou de remoção e atendimento. Além dessa confirmação, o técnico apresentava a justificativa da situação e esclarecia as próximas etapas do processo, até a etapa de atendimento habitacional e regularização. Ainda, havia um espaço onde estavam expostos os projetos de urbanismo e de arquitetura das unidades habitacionais realizados pela assessoria, no qual um técnico estava disponível para tirar dúvidas coletivas dos moradores.

Além desses espaços promovidos pela prefeitura e pela assessoria, vale ressaltar que alguns moradores procura-ram a secretaria de habitação com reivindicações ou pedidos de esclarecimento, de forma individual e coletiva, e que esses espaços não institucionalizados de participação devem tam-bém ser valorizados.

As experiências relatadas me aproximaram tanto da temática dos assentamentos precários e da segregação só-cio-espacial, quanto da interação entre técnicos (mais espe-cificamente arquitetos e urbanistas) e populações excluídas.

Oficina proposta pela Peabiru dentro do pro-jeto de urbanização do assentamento Batistini, em setembro de 2012. Fonte: Peabiru

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São esses temas que pretendi desenvolver no trabalho final de graduação, a partir de pesquisa bibliográfica e também de um exercício prático. A pesquisa se iniciou com uma investigação dos direitos adquiridos pela população moradora de assenta-mentos precários, a partir de um histórico sobre a constituição desses assentamentos e dos tipos de intervenção realizados sobre eles. Partindo da minha experiência durante o período de graduação, me centrei na problemática dos assentamen-tos típicos de áreas metropolitanas brasileiras, caracterizados por suas grandes dimensões e por sua localização periférica nas cidades. A reflexão sobre os direitos levantados na inves-tigação levou ao entendimento de que o posicionamento mais adequado frente a intervenções de urbanização de favelas é o que associa a superação da precariedade habitacional e urbana à remoção mínima e ao respeito às estruturas pré-existentes. Essas estruturas, mesmo que precárias e autoconstruídas por seus moradores, são espaços que ao mesmo tempo contém e dão forma às relações sociais presentes nos assentamentos. Assim, entendo que em projetos de urbanização deve-se tra-balhar com o existente, em todas as escalas, incidindo de for-ma a eliminar a precariedade e qualificar as potencialidades que apresentam as estruturas pré-existentes.

Parque para Brincar e Pensar após finalização do multirão, em junho de 2011. Fonte: Marina Barrio

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Os componentes de melhoria habitacional, dentro dos programas de urbanização de assentamentos precários, têm por objetivo a intervenção em unidades habitacionais pré- existentes que apresentam condições de superar sua situação de precariedade através de ações de reforma ou ampliação. Mostra-se assim como elemento final e síntese do enten-dimento descrito anteriormente, já que pode ser entendido como um contraponto à remoção ao mesmo tempo que ele-mento de superação da precariedade habitacional.

O desenvolvimento nesse trabalho da reflexão sobre a interação entre arquiteto e morador de assentamento em processo de urbanização foi possível através da realização de exercício projetual prático. Assim, após a pesquisa bibliográ-fica e a reflexão em cima dela, foi também feito um projeto de melhoria habitacional para uma casa autoconstruída em assentamento precário, localizado em área de manancial no município de São Bernardo do Campo. O assentamento já recebeu algumas melhorias de urbanização, mas não conta com projeto de urbanização integrada.

Cabe ressaltar aqui que toda a discussão sobre melho-ria habitacional presente neste trabalho, insere-se na discus-são de projetos de urbanização de assentamentos precários e ou irregulares. O histórico de programas de urbanização de assentamentos no país demonstra que as ações de melhoria habitacional ainda são componentes raros, pouco explorados e com pequena dotação orçamentária (Urushibata, 2013). É justamente defendendo a necessidade de que esse compo-nente seja ampliado nos programas de urbanização de assen-tamentos precários, e considerando a importância do envol-vimento e do aprendizado dos arquitetos sobre o tema, que este trabalho se insere. A formação do arquiteto precisa tam-bém encarar o desafio do exercício projetual que não é aquele

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eminentemente autoral, que parte do zero. Aos arquitetos é necessário também conferir qualidade às unidades habitacio-nais autoconstruídas, e para isso existe um longo caminho de aprendizado a ser percorrido. Já tendo uma trajetória iniciada no campo da urbanização de favelas, conforme mencionado, optei pela entrada na questão da melhoria habitacional, como forma de aprofundamento na questão da habitabilidade em assentamentos precários. O objetivo final do trabalho é ex-plorar uma metodologia de trabalho para componentes de melhoria habitacional, dentro de processos de urbanização de favelas, com ênfase na fase de projeto.

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Favela da Rocinha, 2009. Fonte: Scott Hadfield, in flickr.com/hadsie

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B R E v E H I S Tó R I A E PA N O R A M A AT U A L DA P R E C A R I E D A D E H A B I TA C I O N A L N O B R A S I L

No Brasil atual, as favelas estão concentrados nas metrópoles, contexto no qual foco minha reflexão, mas crescem nas cida-des médias e pequenas. Segundo Denaldi (2003), as favelas crescem e se adensam nas periferias metropolitanas, de acordo com o padrão periférico de crescimento das cidades brasilei-ras, fenômeno que se observa desde a década de 1970.

A maioria da população de favelas vive em re-giões metropolitanas, fato que leva à afirmação de que o fenômeno favela é metropolitano. No Brasil, 78% dos domicílios em favela estão lo-calizados em nove regiões metropolitanas do país; no Estado de São Paulo, 75,4% estão na RMSP; no estado do Rio de Janeiro, 92,3% na RMRJ.¹

¹ TASCHENER, 1999 apud DENALDI, 2003, p.42

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De acordo com estudo do Centro de Estudos da Me-trópole (2007), a região metropolitana brasileira que apre-senta o maior número relativo de domicílios precários é a de Belém, com 50% do total de domicílios. Em seguida es-tão as regiões metropolitanas de São Luís (27,7%), Fortaleza (24,3%) e Salvador (23,1%). Já as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo apresentam, res-pectivamente, as taxas de 19,6%, 17,0% e 13,4%. Contudo, são as regiões com os maiores números absolutos de domi-cílios precários: 662.137 em São Paulo, 630.530 no Rio de Janeiro e 214.091 em Belo Horizonte. Considerando todos os municípios analisados no estudo, 3.165.086 domicílios (13%) foram classificados como subnormais ou como setores precários.

O crescimento da população moradora de favela é observado principalmente nos municípios periféricos das re-giões metropolitanas.2 Esse crescimento se dá não só com o surgimento de novas favelas, mas principalmente com o aumento da extensão e com o adensamento de favelas já exis-tentes. O principal gerador desse crescimento não é a migra-ção, mas sim a impossibilidade de acesso à moradia na cidade formal pela camada mais pobre, dado o alto preço da terra e o empobrecimento da população. As favelas vão se tornando cada vez mais periféricas e espraidas, e seu crescimento leva à conurbação e à formação de grandes aglomerados pobres.

Esse crescimento vem acompanhado por uma mudan-ça na imagem da favela, que deixa de ser reconhecida apenas como uma nova ocupaçãos de barracos de materiais provisó-rios, e passa a ser reconhecida também pelo adensamento e verticalização de casas predominantemente construídas em alvenaria. “A imagem do barraco é substituída pelos tijolos aparentes”.³ Apesar da melhoria no padrão das habitações,

² DENALDI, 2003

³ op. cit. p.44

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agora construídas com material durável e com instalações sa-nitárias, estas continuam em situação extremamente precá-ria, principalmente devido ao adensamento excessivo de seus cômodos e às suas más condições de iluminação e ventilação natural. Essa nova imagem da favela revela não somente a consolidação dos seus espaços através de construções agora duradouras, mas também a consolidação do posicionamento do poder público frente à questão da habitação popular nes-sas cidades.

As favelas são os bairros formados por população po-bre, que na impossibilidade de se incorporar à cidade formal, constrói seus próprios espaços, segregados, mas dos quais nossos núcleos urbanos são totalmente dependentes.

O papel dos assentamentos informais é funda-mental em vez de marginal: a economia urba-na é altamente subsidiada pela sua existência e não pode funcionar – muito menos ser compe-titiva – sem esse subsídio.4

Estão na raiz da construção desses espaços o alto pre-ço da terra e a oferta insuficiente de políticas habitacionais para as classes mais baixas. Esses espaços refletem e ao mes-mo tempo constroem os modos de vida e as relações sociais não só de seus habitantes, mas também da população em ge-ral dos núcleos urbanos onde se encontram.

Mas as cidades não são apenas reflexos do que se passa na sociedade. São bem mais que um mero cenário passivo, onde os conflitos, a cultura se expressam. Os espaços urbanos não se limitam também a ser locais ou palcos da

4 BERNER, 2000 apud SAMORA, 2009, p.39

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produção industrial, da troca de mercadorias, ou lugares onde os trabalhadores vivem. (...) A cidade é objeto e também agente ativo das relações sociais. A dominação social se dá tam-bém através do espaço urbano, em especial a dominação ideológica, aquela que se oculta ao olhar do dominado.5

No contexto da cidade esses bairros são tidos como barreiras, territórios hostis que impedem o trânsito livre da-queles que não os habitam. Dada a precariedade das cons-truções, aos seus moradores é atribuída responsabilidade pela degradação ambiental que atinge toda a cidade, tanto devido à falta de saneamento e coleta de lixo quanto em relação a ocu-pação de áreas de preservação ambiental e de interesse pai-sagístico. São também tidas como barreiras à expansão imo-biliária, seja por dificultarem a comercialização no mercado formal das áreas que ocupam, seja por sua influência negativa no preço dos imóveis vizinhos. Apesar das favelas serem es-paços desconhecidos pelas classes dominantes, o mesmo não acontece com seus moradores. Eles são os trabalhadores que se relacionam com essa classe em diferentes esferas da vida na cidade, prestando-lhe serviços de todos os tipos, no trabalho, comércio, transporte e dentro de suas casas.

A paisagem de segregação que enxergamos nas me-trópoles brasileiras hoje tem raízes no tratamento dado à questão habitacional da classe trabalhadora desde o início do século XX, quando o fim do trabalho escravo e o crescimento das atividades industriais compunham o cenário das crescen-tes migrações do campo para as cidades. Vilas operárias, pro-movidas pelos empregadores industriais próximas aos locais de trabalho, e cortiços nas regiões centrais, foram as primei-

5 MARICATO, 1997, p.24

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ras opções habitacionais para o trabalhador. Com o aumento da migração, e por conseqüência da

oferta de mão-de-obra, os industriais deixaram de produzir as vilas habitacionais e transferiram para o trabalhador a res-ponsabilidade da sua habitação. Bonduki (2002) descreve a atuação do Estado frente à problemática habitacional nesse período, a partir do caso da cidade de São Paulo.

Frente à expansão da cidade [de São Paulo], o poder público encontrou dificuldades – além de desinteresse, no caso dos bairros populares – para atender a tantas solicitações. Os pro-blemas que mais preocupavam as autoridades eram os que agravavam as condições higiêni-cas das habitações, dado que no final do sécu-lo foram inúmeros os surtos epidêmicos que atingiram as cidades brasileiras. Essa questão passou a receber tratamento prioritário do Es-tado e pode-se dizer que a ação estatal sobre a habitação popular se origina e permanece na Primeira República voltada quase que apenas a esse problema.6

Vila Maria Zélia, São Paulo, 1917. Fonte: saopauloantiga.com.br/vilamariazelia

6 BONDUKI, 2002, p.20

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No entanto, as ações do Estado, que nesse momento se limitavam a proposição de medidas de caráter legislativo, somente se deram no sentido de beneficiar o mercado de lo-cação, através da isenção fiscal.

A preocupação com a precariedade das condi-ções habitacionais resultava quase sempre em medidas favoráveis ao setor rentista, como a isenção de impostos para a construção de mo-radias, adotadas em todos os níveis de governo. Essas iniciativas só aumentavam os ganhos dos proprietários pois, em um mercado de oferta escassa, regulado pela lei da oferta e da pro-cura, o subsídio sob a forma de isenção fiscal acabava sendo transferido para o inquilino.7

Com salários que não são suficientes para que a família

7 BONDUKI, 2002, p.77

Cortiço no Centro do Rio de Janeiro, em 1906. Fonte: flickr.com/cario-ca_da_gema

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arque com todas as suas necessidades básicas, a compra ou aluguel da moradia entre elas, sem condições financeiras de participar no mercado formal de habitação e sem políticas públicas apropriadas para o seu atendimento, a classe traba-lhadora, para se reproduzir na cidade, não teve outra opção a não ser a autoconstrução de suas casas.8 Para o Estado, dis-tante de um planejamento que considerasse o atendimento habitacional dessa população nas crescentes cidades, o traba-lhador havia encontrado o seu espaço, sem que o orçamento público fosse comprometido.

Trata-se de um gigantesco movimento de cons-trução de cidade, necessário para o assentamento residencial dessa população bem como de suas necessidades de trabalho, abastecimento, trans-portes, saúde, energia, água, etc. Ainda que o rumo tomado pelo crescimento urbano não te-nha respondido satisfatoriamente a todas essas necessidades, o território foi ocupado e foram construídas as condições para viver nesse espaço.9

Assim, o morar e viver na cidade para os mais po-bres foi possível através da autoconstrução, de forma ilegal, de suas casas e bairros. Segundo Maricato (1997), a legisla-ção instituída possuía exigências para a edificação legalizada com as quais os trabalhadores não podiam arcar, entre elas a posse real da terra, capital financeiro e conhecimento técni-co. A casa é construída pelo trabalhador, a partir de trabalho não pago, nas suas folgas, com a ajuda de familiares e vizi-nhos. Corresponde a um pequeno capital que dá segurança financeira à família. A situação é apoiada pelo Estado, que ao permitir a autoconstrução das moradias e de bairros inteiros,

8 MARICATO, 1982

9 MARICATO, 2001, p.16

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contribui para a exploração da classe trabalhadora ao pactuar com os baixos salários pagos.

A industrialização baseada em baixos salários determinou muito do ambiente a ser constru-ído. Ao lado do grande contingente de traba-lhadores que permaneceu na informalidade, os operários empregados no setor industrial não tiveram seus salários regulados pelas necessi-dades de sua reprodução, com a inclusão dos gastos com moradia, por exemplo. A cidade ilegal e precária é um subproduto dessa com-plexidade verificada no mercado de trabalho e da forma como se processou a industrializa-ção.10

Num primeiro momento, as casas são construídas em sua maior parte em loteamentos irregulares, promovidos pela iniciativa privada. São loteamentos irregulares tanto no as-pecto da posse da terra, visto que em muitos casos são feitos em terras griladas; do parcelamento, por não respeitarem ta-manhos mínimos de lotes, restrições quanto a declividade ou mesmo por não destinarem áreas a usos outros que não o da habitação; quanto da infra-estrutura, por serem vendidos sem a provisão de redes de água, de esgoto ou de luz. Estão comu-mente localizados em áreas distantes dos centros de trabalho, e sua promoção significou uma mudança quanto à dinâmica espacial anteriormente vista nas cidades. Agora as residências das classes mais pobres estão distantes dos locais de trabalho, segregadas das áreas ocupadas pelos mais ricos. Os loteamen-tos serviram, ainda, à especulação imobiliária, pois seus lotes foram vendidos (a preços acessíveis de certa forma a parte

10 MARICATO, 2001, p.41

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significativa da classe trabalhadora) antes de serem ocupadas as áreas que estão entre eles e as áreas consolidadas da cidade.

Assim, na medida em que o Estado dota-os de infraestru-tura pública o faz também às áreas mais próximas do centro (o exemplo mais visível de como isso acontece é a criação de novas linhas de ônibus), de forma a produzir localizações que agora podem ser vendidas a preços mais altos.11 É assim construída então a paisagem das nossas metrópoles, marcada pelas gigantes periferias autoconstruídas, pobres em infra-es-trutura e serviços urbanos, e centros cujos potenciais de ocu-pação não são totalmente aproveitados, um reflexo espacial da segregação social e da exploração do trabalhador.

Nesse contexto, as favelas são ocupações realizadas por quem não possui condições de arcar sequer com a com-pra de um lote irregular ou com os altos custos do transporte para o local de trabalho. Comumente seus moradores não são migrantes recém chegados, mas pessoas que já tiveram ou-

Loteamento Kibon, em Santo André, 2008. Fonte: Claudinei Plaza, in flickr.com/cplaza

11 Também como forma de especulação imo-biliária, foram deixados vazios edifícios inteiros nos centros das cidades. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, o número de unidades vazias nos centros chega próximo ao déficit habitacional desses municípios.

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tros locais de moradia na cidade, como cortiços ou casas de parentes. Buscam na favela a possibilidade de construir a casa própria, já que não possuem condições de arcar com o custo mensal do aluguel. Ainda, a casa própria pode significar in-dependência ao seu morador, que muitas vezes encontrava-se submisso a quem de favor o deixava morar.

Sem a figura do loteador, responsável pelo parcela-mento e venda dos lotes nos loteamentos irregulares, essas ocupações se dão de forma mais ou menos espontânea, em áreas públicas ou privadas, normalmente em busca de boas localizações em relação ao emprego. É essa mesma locali-zação que coloca as comunidades em maior vulnerabilidade quanto a sua permanência no local, junto com a irregulari-dade de sua ocupação, dado que ocupam áreas cada vez mais valorizadas no mercado imobiliário.

São destruídas, quer para dar lugar às obras que a cidade necessita para se expandir, quer, quan-do pela sua mera presença impedem a valori-zação dos imóveis próximos. Quando o terreno

Favela em área central do Rio de Janeiro. Fonte: Adam Jones, in commons.wikimedia.org

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em que estão situadas é de propriedade parti-cular, que o caso de 60% dos aglomerados da Capital [de São Paulo], os favelados são ime-diatamente expulsos. No caso do terreno ser público, ocorrem as famosas remoções: quando não conseguem escapar da vigilância da prefei-tura, mudando-se para outros aglomerados, os habitantes dos barracos são transferidos para as Vilas de Habitação Provisórias que, além de estarem longe dos locais de emprego, pois es-tão situados nas ‘periferias’ extremas da cidade, em nada se diferenciam das favelas.12

A população das favelas vai sendo assim empurrada cada vez mais para longe dos centros, e vão se aumentando nossas periferias segregadas. A segregação espacial ao mes-mo tempo é produto que confirma e realidade que atua na segregação social, de forma a contribuir com as associações e estigmas que comumente se faz em torno das favelas e de sua população. Desconhecidos pela classe dominante, os espaços das favelas (e por conseqüência a sua população) normal-mente são associados à insegurança, à violência, ao crime, à precariedade e à insalubridade. A informalidade desses espa-ços, ou seja, nenhum cumprimento das regulamentações de ocupação e construção, está na base da relação que se faz en-tre a população que neles vive e o crime (são “invasores fora da lei”). A partir da associação do favelado com o criminoso começa a justificativa da privação de seus direitos sociais, que continua, como descrito por Kowarick (1979), na estreita re-lação existente entre garantia de direitos somente a quem é proprietário de terras.

12 KOWARICK, 1979, p.79

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(...) o fato de ser favelado tem desqualificado o indivíduo da condição de habitante urbano, pois retira-lhe a possibilidade de exercício de uma defesa que se processa em torno da ques-tão da moradia. Ocupante de terra alheia, o fa-velado passa a ser definido por sua situação de ilegalidade, e sobre ele desaba o império draco-niano dos direitos fundamentais da sociedade, centrados na propriedade privada, cuja contra-partida necessária é a anulação de suas prerro-gativas enquanto morador. Assim, nem neste aspecto mínimo o favelado tem aparecido en-quanto cidadão urbano, surgindo, aos olhos da sociedade, como um usurpador que pode ser destituído sem a possibilidade de defesa, pois contra ele paira o reino da legalidade em que se acenta o direito de expulsá-lo.13

Os bairros autoconstruídos, sejam a partir de lotea-mentos irregulares ou de favelas, são marcados pela precarie-dade e pela insegurança, tanto em relação à garantia de di-reitos quanto ao espaço construído. Na construção das casas, a precariedade se mostra na estrutura, na falta de ventilação e iluminação, no adensamento excessivo dentro das unidades e na falta de infraestrutura de água, esgoto e energia elétrica. Nos bairros, faltam serviços públicos como transporte, ilumi-nação, segurança, lazer, educação e saúde. São também bair-ros onde falta trabalho, opções de comércio e serviços. Ainda, as famílias encontram-se inseguras quanto à permanência em suas casas, dada a falta de posse da terra.

13 KOWARICK, 1979, p.91

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Nessas cidades [municípios de médio e grande porte e nas metrópoles] se produz e reproduz as desigualdades sociais, através de um inten-so processo de precarização das condições de vida, com o crescimento do desemprego e do trabalho informal (sem seguridade social), a presença da violência e do crime organizado, a fragilização dos vínculos sociais, que somados à maneira como as cidades foram construídas, expõem as famílias e indivíduos a situações de risco e vulnerabilidade sociais.14

A precariedade à que está sujeita a classe trabalhado-ra, em relação a sua moradia e ao acesso a equipamentos e serviços urbanos, não pode ser confundida com um “estilo de vida popular” ou com “resquícios de um modo de vida rural”. Essa população é privada daquilo que a atrai à cidade, a pró-pria condição urbana, como é explicado por Kowarick (1979) através do conceito de espoliação urbana.

14 SECRETARIA NACIONAL DE HABITAÇÃO, 2010, p.12

Favela em Porto Alegre, 2012. Fonte: Ricardo Frantz, in commons.wikimedia.org

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Assim, o chamado ‘problema’ habitacional deve ser equacionado tendo em vista dois processos interligados. O primeiro refere-se às condições de exploração do trabalho propriamente ditas, ou mais precisamente às condições de paupe-rização absoluta ou relativa a que estão sujeitos os diversos segmentos da classe trabalhadora. O segundo processo, que decorre do anterior e que só pode ser plenamente entendido quando analisado em razão dos movimentos contradi-tórios da acumulação do capital, pode ser no-meado de espoliação urbana: é o somatório de extorsões que se opera através da inexistência ou precariedade de serviços de consumo cole-tivos que se apresentam como socialmente ne-cessários em relação aos níveis de subsistência e que agudizam ainda mais a dilapidação que se realiza no âmbito das relações de trabalho.1515 KOWARICK, 1979,

p.59

Favela do Moinho, São Paulo, 2011. Fonte: Milton Jung, in commons.wikimedia.org

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A ausência do Estado nesses locais abre espaços para uma maior influência do poder alternativo, que pode se mos-trar tanto na figura de associações de moradores, que colabo-ram para o fortalecimento da vida em comunidade, quanto do tráfico de drogas, que não raramente se torna o poder pa-ralelo no controle de alguns assentamentos.

As reivindicações da população moradora de favelas começam pela permanência no local, o direito a localização que ocupam, por ser o local que organiza suas vidas, em re-lação ao emprego, à escola, às relações sociais, etc. A perma-nência requer intervenções de forma a superar a precariedade a que estão sujeitas as famílias, sejam elas físicas ou de regu-larização fundiária. A consolidação de uma comunidade em determinada área pode acontecer de diferentes formas, com remoção (total ou parcial) das casas e relocação das famílias no mesmo terreno, ou com a regularização das casas originais e dotação das infra-estruturas necessárias.

O fato das favelas serem ocupações ilegais dificulta a distribuição de serviços públicos, mas o Estado (princi-palmente na esfera dos municípios) buscou alternativas, na maioria das vezes precárias e provisórias (como bicas de água e as comissões de luz16) para a manutenção desses espaços. Dessa maneira, as favelas deixam de ser tratadas como solu-ção ou como problema habitacional, e passam a ser a realida-de com a qual o arquiteto urbanista deve trabalhar.

Esta realidade impõe ao profissional que trabalhe com espaços já construídos e habitados, e não mais em planos e projetos de novos bairros ou cidades utópicas. Nesse senti-do, os programas governamentais de urbanização de favelas ganham importância e vão sendo construídos a partir de ex-periências pioneiras pontuais, principalmente a partir dos anos 80. Segundo Samora (2009), com a desarticulação do

16 As comissões de luz foram montadas em1965, para disciplinar a distri-buição de energia elétrica nas favelas do Rio de Janeiro. À CEE cabia instalar a rede, enquanto a uma comissão de mora-dores cabia arrecadar o dinheiro necessário para a execução do projeto.

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BNH, e sem uma política de habitação clara por parte do go-verno federal, os municípios passaram a urbanizar favelas, em oposição ao modelo de construção de grandes conjuntos ha-bitacionais, que desagradava a população. Hoje, considerando o número de famílias beneficiadas, pode-se dizer que as po-líticas públicas de habitação no Brasil focam-se na urbaniza-ção de assentamentos precários, e não mais na aquisição de terras para produção de novos conjuntos habitacionais.

Para a elaboração da Política Nacional de Habita-ção realizada pelo Ministério das Cidades foram adotados o conceito e os dados de déficit habitacional produzidos pela Fundação João Pinheiro (FJP). Nesse estudo, o déficit ha-bitacional considera as deficiências do estoque de moradia e pode ser compreendido como déficit por reposição e incre-mento de estoque, ou seja, o déficit inclui habitações consi-deradas precárias (e cuja substituição completa é inevitável), famílias que vivem em coabitação forçada, famílias de baixa renda com dificuldade de pagar o aluguel, famílias que vivem em residências alugadas com grande densidade e famílias que vivem em imóveis cujo fim não é residencial.

No universo dos 2.066 milhões de domicí-lios situados em aglomerados subnormais em 2008, 254 mil são classificados como déficit, o que corresponde a 12,3% das moradias dessas áreas e a 5,5% do déficit habitacional urbano. Do total em déficit, 179 mil unidades locali-zam-se nas regiões metropolitanas.17

Imóveis que não mostram condições desejáveis de habitação mas podem, apenas com reparos em sua estrutura física, continuar a ser habitados não estão incluídos no déficit.

17 FJP, 2011, p.40

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Em 1995, a Fundação João Pinheiro apresen-tou uma nova concepção de déficit habitacio-nal, que distinguia as diferentes condições de habitabilidade do nosso estoque habitacional e introduzia a noção de um déficit não só de unidades, mas de habitabilidade de uma uni-dade existente. O “ovo de Colombo” sabia-mente colocado por este estudo é que nem toda habitação executada (fora do mercado capitalista) sobre loteamentos irregulares, ter-ra invadida ou por autoconstrução deveria ser demolida e reposta, devendo-se optar, em boa parte dos casos, pela criação de outros tipos de atendimento visando melhorar as condições de habitabilidade destas unidades.18

O conceito e a metodologia de contagem de “mora-dias inadequadas” abarcam os seguintes casos:

o adensamento excessivo de moradores em do-micílios próprios, quando o número médio de pessoas ultrapassa três pessoas por dormitório;

a carência de pelo menos um dos serviços e de infraestrutura: energia elétrica, abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo;

a inadequação fundiária urbana;

a inexistência de unidade sanitária domiciliar exclusiva para o morador;

18 BUENO, 2000, p.35

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a cobertura inadequada: telhados de madeira aproveitada, de zinco, de lata ou de palha.

Esses aspectos não são excludentes e portanto seus números não podem ser somados, o que configuraria múl-tipla contagem. Os dados são de grande importância para o conhecimento das condições de precariedade habitacional no Brasil, e sua análise deve contribuir para a elaboração e para a avaliação das políticas públicas de habitação. Urushibata (2013) apresenta os seguintes números levantados no ano de 2008 pela FJP, em cima de dados básicos do IBGE, sobre os critérios de inadequação dos domicílios urbanos duráveis no Brasil:

inadequação fundiária: 1.692.516 domicílios; 3,4% do total

adensamento excessivo: 1.434.113 domicílios; 2,9% do total

domicílios sem banheiro: 800.418 domicílios; 1,6% do total

carência de infraestrutura: 10.948.684 domicílios; 22,3% do total

cobertura inadequada: 600.584 domicílios; 1,2% do total

A análise dos dados referentes aos anos de 2000, 2005 e 2008 demonstra aumento nos números referentes à inade-quação fundiária e à carência de infraestrutura entre 2000 e

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2005. Já a comparação entre 2005 e 2008 apresenta queda em todos os critérios analisados. Urushibata (2013) associa essa diminuição da inadequação à implantação de programas de urbanização de favelas, em todo o país.

Apesar de o critério com maior número de moradias inadequadas, em 2008, ser o de ca-rência de infraestrutura, observa-se que esse aspecto é relativamente menor nas regiões me-tropolitanas, que têm 13,6% de seus domicílios nessa situação, ao passo que nas demais áreas o percentual chega a 27,0% dos domicílios. O critério que soma o maior número de domicí-lios, em áreas metropolitanas, é o de inadequa-ção fundiária.19

Afim de subsidiar a elaboração de políticas públicas de habitação, o Ministério das Cidades também se baseou no estudo “Assentamentos Precários no Brasil Urbano”, de-senvolvido pelo Centro de Estudos da Metrópole (2007). A publicação em que é apresentado o estudo mostra pesquisa realizada em municípios brasileiros integrantes de regiões metropolitanas, assim como municípios com mais de 150 mil habitantes no ano de 2000 e outros 6 municípios de menor porte que receberiam significativos investimentos do Pro-grama de Aceleração do Crescimento (PAC). Os 561 mu-nicípios analisados englobam cerca de 98% dos setores cen-sitários classificados como subnormais pelo IBGE20, o que demonstra a concentração dos assentamentos precários nas metrópoles e nos maiores municípios do país. Ainda, além dos 7.701 setores subnormais classificados no Censo Demo-gráfico do IBGE em 2000, a pesquisa demarcou mais 6.907

19 FJP, 2011, p.60

20 Grupo de no mínimo 51 domicílios, em terra alheia, dispostos de forma desordenada e densa, e ca-rentes de serviços públicos.

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assentamentos dentro da categoria criada como “setor pre-cário” (setores com presença de população classificada como moradora de setores comuns do IBGE, mas que apresenta características socioeconômicas, demográficas e habitacio-nais semelhantes às de populações e domicílios em setores subnormais), totalizando um total de 14.608 assentamentos precários dentro da amostra estudada, quase o dobro da clas-sificação original. Esse número representa 3.165.086 de do-micílios e 12.415.831 pessoas em assentamentos precários no ano de 2000.

Como colocado anteriormente, o estudo ressalta a maior presença do fenômeno da precariedade urbana, em números absolutos de domicílios e população, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro (que juntas somam 1.292.667 domicílios e 4.860.499 pessoas em áreas precárias), mas tam-bém enxerga sua relevância especialmente nas cidades de Be-lém, Fortaleza, Salvador e Recife.

Na pesquisa “Demanda Habitacional no Brasil”, ela-borada pela CAIXA em 2011, adota-se o conceito de de-manda habitacional, entendido por:

(...) a necessidade dos indivíduos residirem em local adequado, sob o aspecto demográfico das relações sociais e econômicas da popula-ção com o meio urbano. A demanda pode ser potencial, se no cálculo forem considerados os indivíduos caracterizados como demandantes, sem levar em conta a sua capacidade econô-mica e financeira para aquisição do ‘bem ha-bitação’, ou efetiva quando esse aspecto é ve-rificado.2121 CAIXA, 2011, p.22

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22 Segundo definição do IBGE, domicílios improvisados são aqueles localizados em unidades não residenciais que não tem dependências desti-nadas exclusivamente à moradia.

A Demanda Habitacional é formada pela Demanda Habitacional Demográfica (DHDE) – pessoas capazes de constituir um novo arranjo domiciliar – e Demanda Habita-cional Domiciliar (DHDO) – pessoas que necessitam subs-tituir um domicílio inadequado. No cálculo da DHDO são considerados domicílios improvisados22, cômodos e domicí-lios que não possuem banheiro ou vaso sanitário. Sua con-centração, na escala nacional, aparece nas camadas de menor renda. A Demanda Habitacional urbana no Brasil, no ano de 2009, é de 6.859.255 domicílios, sendo que 6.112.380 desses compõem a DHDE e 746.875 compõem a DHDO.

Cabe ressaltar a imprecisão dos dados estatísticos re-ferentes a aspectos da informalidade, dada a dificuldade em se levantar (mensurar e localizar) essa realidade, o que acaba por subestimar situações precárias.

É em função da dimensão do déficit e da inadequa-ção habitacional apresentada que a urbanização de favelas mostra-se como interessante alternativa para a questão ha-bitacional no Brasil. Seus programas e projetos, diferente do atendimento habitacional tradicional em novos conjuntos de edifícios residenciais, ao mesmo tempo de experimentar e desenvolver técnicas de intervenção num espaço que tem suas especificidades construtivas, diferentes do que se encon-tra na cidade formal, devem também levar em consideração a já existente relações das pessoas como o espaço da habita-ção e do bairro. A complexidade da intervenção é maior, mas mostra caminhos para a superação dos espaços segregados e sem identidade construídos pelos conjuntos habitacionais nas periferias de nossas cidades.

Por outro lado, não se pode ignorar que a urbanização de favelas possui caráter intrinsecamente violento e autori-tário na medida em que age, através das mudanças espaciais

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que propõe, nas relações sociais daqueles que habitam os es-paços afetados pelos projetos. A falta de informação pode tornar esse processo ainda mais violento para a comunidade afetada, em dois aspectos principalmente. O primeiro deles é que sem o conhecimento de seus direitos no processo, ou dos espaços que permitam a reivindicação e participação, a população é por vezes impedida de fazer valer esses direitos. Remoções forçadas, remoções sem atendimento habitacional definitivo, a não regularização fundiária e um projeto que não atenda as necessidades específicas daquela comunidade são exemplos da violência nesse aspecto. O segundo é que a in-segurança quanto à permanência no local, dada pela falta de informação a respeito de etapas e prazos de projeto, impede o investimento em melhores condições habitacionais e o apro-fundamento de relações sociais e de trabalho, prolongando assim a situação de precariedade das famílias. O Observa-tório de Remoções, montado pelos laboratórios LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade) e LabHab (Laboratório de Habitação e Assentamento Humanos) da FAU-USP, é uma ferramenta de mapeamento que expõe esse caráter violento das intervenções em favelas. Seu intuito é divulgar informações sobre remoções forçadas de favelas na cidade de São Paulo, relacionando-as a projetos urbanísticos desenvolvidos pela prefeitura. Funciona como rede, ao agre-gar informações de diferentes comunidades e possibilitar a troca entre elas, evidenciando que não se tratam de casos iso-lados de remoção, mas da política urbana colocada em ação pelo poder público.

A participação dos moradores no processo de urbani-zação é imprescindível, em atividades de acompanhamento do projeto e das obras, que visem não só o esclarecimento da intervenção, mas a construção de uma relação de diálogo en-

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tre os agentes envolvidos: poder público, técnicos contratados e comunidade. O processo de urbanização se abre assim em processo pedagógico, na possibilidade de desenvolvimento de práticas relacionadas à formação comunitária e de construção da cidadania. Essas práticas podem ser exploradas conforme as etapas ou os distintos aspectos do processo. A elaboração do projeto de melhoria habitacional, por ser um componen-te da urbanização de assentamentos precários, pode também colaborar com a construção da cidadania nessa mesma pers-pectiva emancipatória, aberta no momento em que se quebra o personalismo das lideranças e que todos os moradores se vêem como sujeitos no processo.

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Teleférico do Complexo do Alemão, Rio de Janeiro, 2011. Fonte: Divulgação PAC, in flickr.com/pacgov

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Q U A D R O P O L Í T I C O R E C E N T E PA R A I N T E R v E N Ç Õ E S E M A S S E N TA M E N T O S P R E C Á R I O S : U M O L H A R A PA R T I R D O S N Í v E I S F E D E R A L E M U N I C I PA L

Os diversos tipos de intervenções em favelas praticados pelo estado no Brasil estão relacionados a uma evolução histórica dos programas governamentais, o que não exclui a simulta-neidade com que ainda ocorrem. Bueno (2000) propõe uma classificação desses tipos de intervenção, apresentada a seguir.

O primeiro tipo de intervenção colocado é o desfave-lamento, no qual a favela é inteiramente removida ou erra-dicada. Esse foi o primeiro posicionamento ativo do Estado diante da questão da favela, que já nos anos 30 e 40 demons-trava uma tentativa de eliminar os espaços de pobreza e mar-ginalidade dos centros urbanos.

O desfavelamento tem um sentido duplo, de lim-peza da cidade de antros de vadios e marginais e, ao mesmo tempo, de reintegração social dos po-bres e mal educados para uma nova vida urbana.22 22 BUENO, 2000, p.163

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O desfavelamento vem acompanhado de uma política de construção de novas unidades habitacionais, que dificil-mente atendem todas as famílias removidas das favelas. Essas novas unidades são normalmente construídas em loteamen-tos irregulares, em áreas onde o preço da terra é mais baixo, distantes do local onde moravam as famílias, criando gran-des espaços de segregação social. O desfavelamento mos-tra-se prática comum quando se quer liberar áreas da cidade de interesse para o mercado imobiliário. Sua promoção não impede a formação de novas favelas, tanto por que nem to-das as famílias removidas são atendidas com novas unidades, quanto pela dificuldade das famílias em se manter nos novos conjuntos habitacionais, dado seu custo de manutenção e sua distância dos serviços e empregos.

Segundo Denaldi (2003), o desfavelamento é abando-nado enquanto postura oficial de intervenção em favelas na década de 80, salvo casos em que a comunidade ocupa área de risco, está sob rede de alta tensão ou sobre aterros sanitá-rios. Essa década é marcada pela abertura democrática e pela maior autonomia política conferida aos estados e municípios, o que possibilitou a experimentação de outros tipos de inter-venções, pioneiras, em favelas. Também, a década é significa-tiva para a politização da questão urbana, com o surgimento de movimentos de moradia nas cidades, na luta por políticas públicas e recursos para habitação.

Apesar de não ser a postura oficial, o desfavelamento continua a ser praticado pelo poder público em favor de in-teresses do setor imobiliário. Um exemplo é o caso das fave-las localizadas na região da Avenida Águas Espraiadas (atu-al Avenida Roberto Marinho) na zona sul de São Paulo, relatado por Mariana Fix no livro “Parceiros da Exclusão” (2001). Desde a década de 90, com o início da Operação

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Urbana Águas Espraiadas, as favelas ao longo do eixo da ave-nida têm sido removidas para liberar a comercialização de terrenos privados. Segundo Fix (2001), o Relatório de Im-pacto Ambiental feito para a obra afirma que 5% dessas fa-mílias estavam indo para alojamentos provisórios e o destino dos outros favelados era desconhecido. O “destino desconhe-cido” dessas famílias são outras favelas, principalmente as lo-calizadas em áreas de mananciais junto às Represas Billings e Guarapiranga, na região sul de São Paulo.

Mais de dez anos depois do lançamento do livro, o que se vê às margens da avenida são dezenas de canteiros de obras produzindo edifícios comerciais e habitacionais de altíssimo padrão, em terrenos valorizados pelas obras de infraestrutura realizadas dentro da operação urbana, entre elas a ponte es-taiada Octávio Frias de Oliveira e a linha 17-Ouro do Metrô.

Edifícios de alto padrão vizinhos às obras da linha 17-Ouro do Metrô, ao longo da Av. Jornalista Roberto Marinho, em São Paulo, 2012. Fonte: saopauloskyline.com

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Seguindo o mesmo processo de desfavelamento, em setembro de 2012 a Favela do Piolho, localizada à margem da Avenida Roberto Marinho desde o ano de 1956 (anterior a construção da avenida), sofreu um incêndio que deixou quase 300 famílias desabrigadas. Em 2012, foram 38 incêndios em favelas em São Paulo23, mais do que no ano anterior, segundo o corpo de bombeiros. A maioria desses incêndios ocorreu em áreas de interesse do mercado imobiliário ou próximas a grandes obras públicas. O Ministério Público de São Paulo investiga se esses incêndios são criminais, com o intuito de liberar áreas para o mercado imobiliário. Depois dos incên-dios as famílias que residiam nas favelas não têm nenhuma segurança de que poderão voltar para o local. Como perdem quase todo seu patrimônio no incêndio, se vêem na mão da prefeitura, que oferece indenização de valor muito baixo ou auxílio aluguel por tempo indeterminado.

Uma notícia do site UOL de 29 de novembro de 2012 diz que o Ministério Público investiga o atendimento às fa-mílias removidas das favelas da região.

Favela do Piolho após incêncio em 2012.Fonte: brasildefato.com.br

23 O site Fogo no Barraco faz um mapeamento desses incêndios, de forma a relacioná-los com áreas de operação urbana, de valorização imobiliária e remoções forçadas.

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De acordo com o promotor José Carlos Frei-tas, o Ministério Público apura se as famílias removidas, supostamente em função de in-teresse imobiliário, estão sendo levadas para habitações sociais perto de onde moravam, conforme previsto. (...) ’Pela lei que a criou, a operação urbana precisa prover essas ha-bitações às famílias removidas dentro da sua área de abrangência. O que verificamos é que o poder público está tentando tirar famílias que moram em favelas de todo o entorno da Chucri Zaidan para jogá-las em outro extremo desse perímetro, no Jabaquara’, disse Freitas, em entrevista ao UOL.24

A impossibilidade de acesso à habitação formal, seja pelo mercado ou por programas habitacionais, somada ao sentimento de pertencimento ao lugar, exige que a população moradora de favelas reivindique sua permanência no local. É o risco constante de remoção que organiza essa população politicamente em luta pelo seu território.

O segundo tipo de intervenção descrito por Bueno (2000) é a reurbanização:

Aceitação da favela enquanto fenômeno urba-no, mas não aceitação da forma e da tipologia urbanística e habitacional que ela revelava, le-vando à demolição da favela e a reconstituição de tudo no mesmo lugar.25

Essas intervenções acontecem em locais onde a maio-ria das unidades habitacionais é extremamente precária, de

24 UOL Notícias, 2012 (cf. link nas referências bibliográficas)

25 BUENO, 2000 p.162

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madeira ou outros materiais improvisados, e procuram re-produzir o padrão urbanístico da cidade formal, repetindo padrões de lotes e tipologias habitacionais.

Exemplos de intervenções com esse caráter são as implantações de tipologias verticalizadas, com unidades ha-bitacionais mínimas, em áreas anteriormente ocupadas por favelas, como o Projeto Cingapura e as intervenções na fa-vela Heliópolis, ambos em São Paulo. Nesses casos, a opção pela verticalização possibilitou a manutenção de um número significativo de famílias em áreas bem localizadas da cidade. Como colocado por Bueno (2000) a casa, unidade habitacio-nal horizontal precária, é vista como lembrança do ambien-te rural, decadente e, em contraposto, o apartamento é tido como solução mais adequada, por que mais moderna.

A implantação e imposição dessa tipologia às famílias é também a imposição de um novo modo de vida a elas, já que não leva em conta a relação que essas pessoas possuíam com o espaço de morar antes da intervenção. Algumas difi-culdades encontradas pelas famílias frente à nova realidade são o desmanche de laços de vizinhança existentes anterior-mente, a necessidade de organização condominial e a impos-sibilidade de articular o espaço de moradia com atividades de geração de renda (comércio ou serviços). A dificuldade de organização condominial e a não identificação das famílias com os espaços dificultam a sua manutenção, principalmente daqueles de uso coletivo, e os conjuntos se deterioram com o tempo, o que segrega e estigmatiza novamente seus mo-radores. Pratica-se a descontextualização, como descrita por Holston (1999).

Sua premissa central de transformação é que a nova arquitetura/planejamento urbano cria-

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ria, no interior das cidades existentes, peças subversivas que iriam regenerar todo o tecido circundante de vida social desnaturada. (...) É uma noção viral de revolução, uma teoria de descontextualização na qual as qualidades ra-dicais de alguma coisa totalmente fora de con-texto infestam e colonizam o que circunda. (...) supõe-se que o fragmento radical crie novas formas de experiência social, associação cole-tiva, percepção e hábitos pessoais. Ao mesmo tempo, supõe-se que impossibilita a existência daquelas formas consideradas indesejáveis ao negar as expectativas sociais e arquitetônicas anteriores sobre a vida urbana.26

Nesses casos, a implantação das novas habitações não se diferencia, pela especificidade de ser destinada a favelas, do que tradicionalmente se constrói em habitação social no Brasil. Segundo Samora (2009), a habitação social para am-bientes favelados é um tema pouco explorado na arquitetura contemporânea e são pouco conhecidos os exemplos onde a qualidade é um diferencial substancial. Por não se diferenciar da produção classicamente destinada à população de baixa renda, acaba por repetir seus problemas típicos, relacionados a sobreposição de critérios econômicos às reais necessidades dos moradores. A construção de moradias mínimas e padro-nizadas por todo país, em projetos de urbanização, está des-colada das realidades das favela, heterogêneas, e das neces-sidades de seus moradores. Samora (2009) levanta aspectos possíveis de serem explorados para garantir maior qualidade a projetos com essa especificidade, nas escalas do assentamento, unidade de vizinhança, edifício, unidade habitacional e seus

26 HOLSTON, 1999, p.41-42

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ambientes e compartimentos. Entre eles estão a participação popular na elaboração do projeto, a variação de implantações e de tipologias de edifícios e unidades habitacionais, a busca de alternativas em relação à posse da terra (como o aluguel social) e padrões construtivos específicos que considerem as dificuldades normalmente encontradas em terrenos onde se localizam as favelas.

Outros exemplos de reurbanização de favela são os projetos em áreas alagáveis, de risco geológico ou com aden-samento excessivo. Um exemplo é a experiência do município de Diadema na década de 80, descrita por Bueno (2000) e Denaldi (2003), que abriu espaço para a experimentação de novos padrões de ocupação, como lotes menores e viário mais estreito do que o que se encontra na cidade formal. Nessses casos, as áreas recebem obras de movimentação de terra, ins-talação de infraestrutura, reparcelamento e, por último, são construídas as casas pelo órgão público ou pelos próprios moradores.

Segundo Denaldi (2003), em Diadema foram defini-dos padrões urbanísticos específicos para as áreas ocupadas pelas favelas reurbanizadas, com adoção de lote mínimo de 44m² e vielas com 4 metros ou menos de largura. Nessa épo-ca, era expressiva a reivindicação da população pela demar-cação de lotes.

(...) a escolha do partido urbanístico reurbani-zação, associa-se, entre outros fatores, à impor-tância dada pela população e governo munici-pal à garantia da posse de uma fração ideal de terra (lote) aproximadamente igual para todos moradores, o que implicava promover um re-parcelamento da área.2727 DENALDI, 2003, p.50

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O último tipo de intervenção na classificação de Bue-no (2000) é a urbanização:

(...) dotação de infraestrutura, serviços e equi-pamentos urbanos nas favelas, mantendo-se as características do parcelamento do solo e as unidades habitacionais, postura que tem sido adotada, mais amplamente a partir do começo dos anos 80.28

Com o crescimento das favelas, a partir dos anos 70, algumas obras pontuais passam a ser executadas pelos pró-prios moradores, com ou sem acompanhamento da prefei-tura, de forma a diminuir a precariedade de infraestrutura existente e consolidar cada vez mais as ocupações. É o caso da construção de bicas de água, redes de esgoto e escadarias, entre outros. Essas experiências são importantes para o desenvol-vimento de técnicas de intervenção específicas para esse tipo de ocupação, e mostraram a possibilidade de se consolidar esses espaços com qualidade urbanística. Um dos exemplos

Projeto habitacional na favela de Heliópolis, em São Paulo. Fonte: Paulo Pampolim, in Folha de São Paulo, 11/08/2010

28 BUENO, 2000, p.162

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mais conhecidos de sistemas desenvolvidos especialmente para favelas são as peças pré-moldadas em argamassa arma-da, desenvolvidas pelo arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé), que compõem sistemas de drenagem e contenção de terra. As soluções específicas, entretanto, podem dificultar a integração da favela com a cidade, como apontado por Bueno (2000).

Entretanto, tem-se que reconhecer que, ao dei-xar de assumir o sistema de esgotamento sepa-rador absoluto em sua concepção, a escadaria drenante torna-se um obstáculo à integração da favela à cidade, pois estará comprometendo

Escada em argamassa armada, construída a partir de projeto de Lelé. Fonte: Margarete Silva, in POLIZZI, 2013

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os córregos urbanos quanto às condições sa-nitárias, de poluição do ar, da água e da pai-sagem. Criou-se um padrão diferenciado e de resultado ambiental inferior para a favela, ape-sar de todos os outros ganhos.29

Denaldi (2003) aponta que com a redemocratização e a descentralização consagrada pela constituição de 1988, essas experiências pioneiras ganham força na elaboração de programas municipais.

Já na década de 1980, os municípios passam a ser os responsáveis pelas maiores parcelas do investimento na área habitacional. A par-ticipação federal nos gastos com programas habitacionais caiu de 61% em 1980 para 20% em 1990, enquanto a participação dos estados aumentou de 9% para 17% e a dos municípios, de 30% para 64%.30

Muitos desses programas focam na integração da fa-vela com a cidade, como é o caso do programa Favela-Bairro, que teve início no ano de 1993 no município do Rio Janeiro com financiamento do Banco Interamericano de Desenvol-vimento (BID). Desde que o programa foi lançado, a política habitacional oficial da prefeitura do Rio de Janeiro é a de urbanizar as favelas do município, restringindo o reassenta-mento somente aos casos de risco ou à necessidade de aber-tura de áreas para construção de equipamentos ou melhorias no sistema viário.

O programa buscava a integração da favela à cidade através de obras de infraestrutura e de construção de equipa-

30 MEDICE & MACIEL apud DENALDI, 2003, p.103

29 BUENO, 2000, p.190

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mentos, com o mínimo de intervenção nas habitações exis-tentes. A integração se dá pela disponibilidade dos mesmos serviços encontrados na cidade formal: acesso viário, rede de água e esgoto, rede elétrica, educação, saúde, limpeza urbana, segurança. É destacada a importância dos equipamentos pú-blicos na integração da favela com o bairro, dispostos entre esses dois territórios de forma a amenizar as fronteiras exis-tentes. A arquitetura desses equipamentos também colabora com a integração dos assentamentos, ao trazer elementos que anteriormente só eram encontrados na cidade formal para dentro dessas áreas.

No programa Favela-Bairro, como parte da inter-venção, é implantado no território da favela urbanizada o POUSO (Posto de Orientação Urbanística e Social). O equipamento tem a função de fiscalizar e assessorar as novas construções nas favelas, segundo uma legislação urbanística específica que é definida durante o projeto de urbanização. Tem o objetivo também de impedir novas ocupações nos es-paços públicos.

A integração da favela à cidade é atualmente a política que o Ministério das Cidades defende e recomenda aos mu-nicípios, junto com o reconhecimento das especificidades de cada área e população residente.

As obras de urbanização não devem ser in-tervenções pontuais. Devem se integrar nos projetos de um conjunto de intervenções nos bairros, buscando uma integração física e so-cial com o entorno. O equacionamento das demandas por equipamentos e serviços de la-zer, esportes, educação e saúde para favelas em

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processo de urbanização, deve ser realizado a partir de planos de bairro. (...) Especialmen-te por muitas estarem próximas a córregos, os planos de intervenção têm de considerar a glo-balidade da sub-bacia e do fundo de vale.31

A participação da comunidade em todas as etapas do processo também é incentivada e sua importância para a futu-ra apropriação dos espaços individuais e coletivos projetados é reconhecida. Também se entende que o envolvimento da população desde o início do projeto funciona como controle social para o cumprimento das metas e prazos estabelecidos pelos órgãos envolvidos.

A política integrada de urbanização de favelas tem seu início na esfera federal com o programa Habitar Brasil, em 1993. Apesar das várias limitações do programa, as expe-riências realizadas por diversas prefeituras na sua implanta-ção foram de grande contribuição para a formulação de uma política federal de urbanização de favelas, reconhecidamente aquelas das prefeituras do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Santo André (Leitão, 2012). O programa possuía dois eixos principais, um voltado para o desenvolvimento e fortalecimento institucional das secretarias de habitação mu-nicipais e outro voltado para as intervenções de urbanização de favelas. Também, enfatizava a relevância do componente do trabalho social como um aspecto essencial para o sucesso das intervenções. Em 1999 o programa passou a contar com a parceria do BID, passando-se a chamar Habitar Brasil BID (HBB-BID). A parceria aumentou a quantidade de recursos e possibilitou o maior alcance das intervenções, viabilizando experiências pioneiras que mais tarde serviriam de reflexão para o aprimoramento da política federal de intervenção em

31 BUENO & FREITAS, 2009, p.253

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favelas. Isso não sem gargalos, nem dificuldades de enquadra-mento das prefeituras à lógica imposta pelo banco.

A partir de 2003, com a criação do Ministério das Ci-dades, e com a aprovação da Política Nacional de Habitação em 2004, há um aumento significativo de investimentos em urbanização de favelas por parte do governo federal (Leitão, 2012). A fim de estruturar a Política Nacional de Habitação são criados o Sistema Nacional de Habitação – dividido entre Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e Sistema de Habitação de Mercado – e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), que articulam ações integradas nos três níveis de governo. Para acessar os recursos federais os municípios e estados precisam aderir ao sistema federal. Num primeiro momento é criado dentro do Sistema o programa Urbanização, Regularização e Integração de As-sentamentos Precários, cujas diretrizes foram influenciadas pelas intervenções realizadas no programa HBB. Nesse mo-mento, os projetos do HBB em andamento passam a operar dentro do novo programa.

Em 2007 é criado pelo governo federal o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em reação à crise finan-ceira internacional. Nesse momento, os projetos existentes nos ministérios federais passaram a operar dentro do PAC (Leitão, 2009). O programa, que procura dinamizar seto-res da economia considerados estratégicos ao alocar grande quantidade de recursos federais nas áreas de energia e logís-tica, conta também com um eixo de urbanização, o programa PAC Urbanização.

Trata-se de um novo conceito de investimento em infra-estrutura no Brasil, que visa ‘romper barreiras e superar limites’, por ser um indutor

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de transformações nas cidades, que busca esgo-tar, com investimentos, o déficit de saneamen-to, da habitação e de urbanização nas favelas.32

O eixo é criado a partir do programa de Urbanização, Regularização e Intervenção em Assentamentos Precários, e caracteriza a maior oferta de recursos para a modalidade de urbanização de favelas na história do país.

Relevantes críticas foram feitas em relação ao PAC, especialmente no que se refere ao seu contexto geral de in-vestimentos e aos projetos ligados à energia e à logística. Par-tidos da oposição e a academia criticaram o governo federal por lançar uma carteira de investimentos que não chega a ser um plano de desenvolvimento territorial, e alguns arti-gos na imprensa criticam o uso do PAC para fins eleitorais (Leitão, 2012).

No que se refere ao eixo de urbanização, Leitão (2012) destaca a importância da iniciativa federal em investir grande quantidade de recursos em desenvolvimento urbano, embora reconheça também a necessidade de uma aproximação mais radical e integrada ao se tratar da questão das favelas no Bra-sil, de modo a promover o direito à cidade, a garantia da posse da terra urbana e o acesso a localização, serviços sociais, equi-pamentos e unidades habitacionais de qualidade.

Os recursos destinados pelo PAC Urbanização divi-dem-se em dois grupos, o primeiro de recursos do Orçamento Geral da União – OGU, com caráter não oneroso, e o segun-do de recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS ou do Fundo de Amparo ao Trabalho – FAT, com caráter oneroso, sob forma de financiamentos, mediante as-sinatura de contratos com a CAIXA ou com o BNDES. Nos projetos de intervenção, somam-se ainda recursos oferecidos

32 CAIXA, 2011, p.10

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de contrapartida pelas prefeituras e governos estaduais, que variam de 2% a 20% do custo total da intervenção. A primei-ra fase do PAC Urbanização (PAC1, de 2007 a 2010) contou com 759 intervenções de urbanização de favelas em todo o país, beneficiando 1.62 milhões de famílias, com o aporte de R$ 23.36 bilhões. A segunda fase do programa (PAC2, de 2011 a 2014) planeja um investimento de R$ 30.5 bilhões de reais.33

Em sua primeira fase, reconhecendo a localização da demanda habitacional no país, o PAC1 selecionou Projetos Prioritários de Investimento (PPI), localizados em municí-pios integrantes de regiões metropolitanas, capitais estaduais e municípios com mais de 150 mil habitantes. Como dito em publicação do Ministério das Cidades (2010) essas eram as intervenções que exigiam maior volume de recursos (investi-mentos superiores a R$ 10 milhões) e grande complexidade de execução. Dentre os objetivos dessa priorização estavam a erradicação de palafitas e de ocupações em áreas de ris-co, e a recuperação ambiental de áreas de preservação aos mananciais. Expondo a relação do eixo de urbanização com os outros eixos do PAC, nesse momento foram priorizadas também intervenções com objetivo de eliminar gargalos na infraestrutura logística do país e a mitigação de impacto de-corrente de grandes instalações de infraestrutura nacional. A seguir, a seleção anual do programa focou em assentamentos localizados em áreas de risco ou insalubres, áreas sob legisla-ção que proíbe o uso habitacional, e ocupações de pelo menos cinco anos e com pelo menos 60% da população com renda de 0 a 3 salários mínimos.

Tendo atendido esses casos mais urgentes, a segunda fase do programa, PAC2, se abriu para três grupos de muni-cípios: 1. municípios integrantes de regiões metropolitanas,

33 LEITÃO, 2012

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capitais estaduais e municípios com mais de 70 mil habitan-tes (nas regiões norte, nordeste e centro-oeste) e com mais de 100 mil habitantes (nas regiões sul e sudeste); 2. municípios com população entre 50 e 70 mil habitantes (nas regiões nor-te, nordeste e centro-oeste) e entre 70 e 100 mil habitantes (nas regiões sul e sudeste); e 3. municípios com população menor do que 50 mil habitantes. Segundo Leitão (2012) essa mudança na priorização aumentou o escopo do programa, antes restrito ao contexto metropolitano, ao mesmo tempo em que trouxe dificuldades a sua implantação, dadas as dife-renças de contexto urbano e social dos municípios menores.

Formular as abordagens conceituais, técnicas e meto-dológicas da política habitacional em relação à urbanização de favelas exigiu do Ministério das Cidades o desenvolvi-mentos de discussões públicas, um freqüente diálogo com a academia e também o desenvolvimento de estudos urbanos que ajudaram no entendimento do real problema habitacio-nal brasileiro, subestimado nos dados produzidos pelo censo. No entanto, o desenho do programa não contou mecanismos de participação popular.

Segundo publicação do Ministério das Cidades (2010), o órgão estabeleceu as diretrizes de forma a garantir uma abor-dagem integrada dentro das intervenções realizadas pelo PAC Urbanização, exigindo dos agentes executivos o desenvolvi-mento de planos de trabalho nos campos social, ambiental, urbanístico, da habitação e da regularização fundiária. Ainda, o texto publicado mostra que o ministério reconhece que a mo-radia digna compreende, além da edificação, a qualidade am-biental do meio e a inserção e integração com a cidade através da disponibilidade de infra-estrutura urbana e de acessibilida-de ao mercado de trabalho e aos equipamentos públicos.

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O principal objetivo do PAC Urbanização, segundo discurso oficial do Ministério das Cidades (2010) é imple-mentar uma política nacional de urbanização de favelas, re-forçando a articulação federativa – através da participação de municípios e estados – e o trabalho social, de forma a lidar com os problemas habitacionais em assentamentos precários através da perspectiva da integração intersetorial. As inter-venções de urbanização de favelas são projetadas e executadas pelos municípios e estados, enquanto o governo federal se responsabiliza pela elaboração das diretrizes do programa e pelo apoio financeiro necessário, assim como pelo monitora-mento e avaliação das intervenções executadas.

Os agentes do programa têm os seguintes papéis es-pecíficos: ao Ministério das Cidades cabe a responsabilidade por planejar, regular e gerir a aplicação dos recursos investi-dos, selecionar os projetos de intervenção propostos e coor-denar, acompanhar e avaliar a execução e os resultados das intervenções; à CAIXA cabe a responsabilidade por operar o programa, ou seja, estabelecer os termos de compromisso e receber os documentos pertinentes dos proponentes, analisar os projetos de intervenção física, de trabalho social e de aqui-sição da terra, acompanhar a execução da intervenção para assegurar se a obra está sendo realizado conforme o termo de compromisso e se há necessidade de revisões contratuais, e também a responsabilidade pelos procedimentos financeiros e de reembolsos dentro do programa; aos entes federativos cabe a responsabilidade tanto de apresentar as propostas téc-nicas e o plano de trabalho para as intervenções, de acordo com o manual do programa, com as demandas sociais e com as diretrizes da política nacional de habitação, como também de estimular a participação dos beneficiários finais do progra-ma durante todos as etapas do processo. A execução dos pro-

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jetos e da obra é feita por empresas privadas, tanto da área da construção quanto da área social, que, segundo Leitão (2012), a partir do desenvolvimento do programa tiveram significati-vo crescimento, principalmente aquelas de pequeno e médio porte. As intervenções viabilizadas pelo programa, juntamen-te com aquelas realizadas pelo programa Minha Casa Minha Vida34, tiveram grande impacto no setor da construção civil, na criação de trabalhos formais, e em conseqüência no cres-cimento da economia nacional.

O manual do PAC exige a criação de Unidades Exe-cutivas Locais (UEL) a fim de gerir a implantação das in-tervenções. Essas unidades executivas estão subordinadas ao órgão municipal responsável pelas intervenções do PAC Urbanização e devem ser compostas por uma equipe técnica (que inclui arquitetos, engenheiros, assistentes sociais, advo-gados), uma coordenação geral, bem como coordenações de engenharia, trabalho social e regularização fundiária.

Apesar das diretrizes serem federais, a gestão dos componentes da intervenção a nível local é realizada pelos municípios, de forma que varia conforme as metodologias e experiências em urbanização de favelas desenvolvidas pelas suas secretarias responsáveis. Isso quer dizer que seu reper-tório interfere no trabalho social, no projeto ambiental e nas intervenções urbanísticas e habitacionais. Essa interferência acontece especialmente no envolvimento da população em cada fase de implantação da intervenção, e, segundo Leitão (2012), a participação da comunidade depende muito das políticas urbana e habitacional locais. Se os governos locais incluem canais de participação em suas agendas políticas, as intervenções do PAC Urbanização tendem a incorporar o envolvimento da comunidade local nas várias fases de sua implantação.

34 O Programa Minha Casa Minha Vida foi concebido pelo Governo Federal para manter o ritmo de crescimento econômico do país atra-vés de investimentos na construção civil, articu-lando Governo Federal, estados, municípios e iniciativa privada. Apesar de ser um programa elaborado com objetivos econômicos, tem grande impacto urbanístico e social.

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O programa financia projetos de urbanização que in-cluem: implantação de infra-estrutura urbana e saneamen-to básico, regularização fundiária, melhorias habitacionais e aquisição ou construção de unidades habitacionais. Também inclui o trabalho social, o projeto de equipamentos públicos, intervenções de caráter ambiental, e ações complementares como atividades de geração de renda. Na segunda fase do programa passou-se a financiar também o projeto das inter-venções, percebido a dificuldade das prefeituras em arcar com esta despesa. Também se passou a financiar além dos serviços básicos, a construção de equipamentos de educação, saúde, lazer, esporte e cultura. As mudanças são recorrentes das di-ficuldades encontradas pelos agentes executores e da disposi-ção do governo federal em atender a essas demandas, mais do que das críticas realizadas pela oposição ou pela academia.35

Segundo o Ministério das Cidades (2010), priorizam-se intervenções que minimizam as remoções, e em conse-qüência o remanejamento e reassentamento das famílias. As remoções devem ocorrer somente em casos em que as fa-mílias ocupam áreas de risco ou insalubres, ou quando ne-cessário para implantação de infra-estrutura ou readequação do sistema viário. Nesses casos as famílias devem ser prio-ritariamente remanejadas para outros locais dentro da área de intervenção, sendo o reassentamento em outras áreas a última opção a ser considerada. Mesmo sendo esse o discurso oficial e a diretriz do programa, os critérios de remoção são adaptados para cada intervenção, segundo a interpretação das equipes técnicas responsáveis.

35 LEITÃO, 2012

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C O N C U R S O S PA R A U R B A N I Z A Ç Ã O

As duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, organizaram nos últimos anos, através de suas Secretarias da Habitação e do Instituto dos Arquitetos do Brasil, concursos públicos de projetos de urbanização de assentamentos precá-rios. Os concursos permitiram uma rica conversa entre arqui-tetos e urbanistas sobre as nossas cidades, e através deles as secretarias demonstraram o entendimento de que a política habitacional atual deve se focar na integração de assentamen-tos precários à cidade formal. Permitiram também trocas de experiências projetuais e metodológicas para o enfrentamen-to da questão e, ainda, abriram um espaço de discussão pú-blico, por meio de notícias e divulgação na imprensa, sobre o caráter das intervenções que as secretarias vinham realizando em seus programas.

O concurso de arquitetura e urbanismo Renova SP foi realizado pela Secretaria Municipal da Habitação de São Paulo em 2011 e selecionou 24 propostas (17 primeiros lu-gares, 5 segundos colocados e duas menções honrosas) para as áreas denominadas ‘Perímetro de Ação Integrada – PAI’, para a Reaqualificação Urbana e Habitação de Interesse So-cial.

Com o objetivo de urbanizar assentamentos precários, sendo estes loteamentos irregulares e favelas existentes no Município de São Pau-lo, o presente Concurso consiste na seleção das melhores Propostas de Arquitetura e Urbanis-mo para cada uma das 22 (vinte e duas) áreas denominadas “Perímetros de Ação Integrada – PAI”, tendo como finalidade a contratação

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de equipes multidisciplinares, coordenadas por arquitetos, para a consolidação das propostas premiadas em primeiro lugar em cada lote, consistindo na elaboração de Plano Urbanísti-co, Estudo Preliminar, Projeto Básico, Projeto Executivo e Projeto Legal, a serem aplicadas no Programa de Urbanização e Regularização de Assentamentos da Secretaria Municipal de Habitação – SEHAB.

(...) tem por objetivo a regularização urbanísti-ca e fundiária de áreas territorialmente defini-das por meio da ação integrada de qualificação habitacional e urbana, transformando esses assentamentos em áreas integradas à cidade, dotadas de infraestrutura, serviços urbanos e equipamentos comunitários.36

No total são 248 PAIs (Perímetros de Ação Integra-da) que compõem o Plano Municipal de Habitação de São Paulo, sendo que aqueles que foram objeto desse concurso são os que incluem os assentamentos precários em situação mais crítica, segundo o plano, e que portanto tem priorida-de de intervenção. Esses perímetros são delimitados segundo as sub-bacias hidrográficas da cidade, e foram determinados como unidade de intervenção no PMH em função das exi-gências de uma atuação integrada no território e também, como conseqüência das necessidades estabelecidas no Plano Municipal de Saneamento (SEHAB-SP, 2011). No concur-so, coube às equipes coordenadas por arquitetos proporem tanto intervenções nos assentamentos existentes, relacionan-do-os com todo território do PAI, como a implantação de

36 SEHAB-SP, 2011, p.01

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edifícios habitacionais em três lotes atualmente desocupados, para provisão habitacional a famílias removidas.

Assim, os projetos foram realizados em escala de bairro, assentamento, lote, edifício e unidade habitacional. A oportunidade de pensar todas essas escalas conjuntamente confere aos edifícios projetados inserção urbana de qualida-de, pois são projetados ao mesmo tempo em que acessos e equipamentos públicos, levando em conta a organização ter-ritorial existente do perímetro de intervenção. O conteúdo programático e as benfeitorias para essa escala deveriam ser determinados conforme diagnóstico realizado por cada equi-pe.

Dentro dos assentamentos as propostas deveriam in-cluir tanto os espaços públicos quanto o atendimento habita-cional, seja ele em construções existentes consolidadas ou na remoção com atendimento em novos edifícios. A orientação dada no edital do concurso pela secretaria quanto às remo-ções foi de que fossem reduzidas ao menor número possível, mas que ocorressem sempre em áreas de risco, de preservação ambiental ou quando houvesse necessidade conforme o pro-jeto urbanístico. Também, de que o atendimento habitacional das famílias fosse preferencialmente dentro dos assentamen-tos a serem urbanizados, ou em três terrenos apresentados no edital, para os quais as equipes deveriam obrigatoriamente desenvolver propostas.

Dentro dos assentamentos, os novos edifícios propos-tos, na maioria dos projetos selecionados no concurso, for-mam conjuntos onde o que é lote privado e o que é espaço li-vre público não têm definição clara. Já nos lotes para provisão habitacional fora dos assentamentos, na maioria das vezes os edifícios formam conjuntos recuados em lotes fechados. Há propostas que se diferenciam, como é o caso de lotes abertos,

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com cruzamentos públicos no térreo. No entanto, nesses ca-sos não há definições ou propostas para o funcionamento dos espaços. Isso ocorre pois os projetos são estudos preliminares de intervenção, e muitas dessas indefinições que acontecem no campo do público/privado, que a principio podem parecer propostas inovadoras, ao confrontar-se com o detalhamento e a realidade acabam por repetir soluções antes tidas como conservadoras.

Apesar do ganho com o entendimento por parte do poder público da importância dos projetos específicos para cada área, deixando de lado o “carimbo” realizado no Pro-jeto Cingapura, foram premiados no concurso projetos que interferem no tecido da favela descartando as características específicas dessa tipologia urbanística. A ênfase está no edi-fício habitacional, que pouco se baseia na relação das famí-lias com suas moradias anteriores, e cuja implantação busca reproduzir o padrão existente na cidade formal ou implantar um futuro, sem bases na realidade, almejado pelos arquitetos. Pode-se dizer que as propostas selecionadas reforçam o as práticas modernistas de descontextualização e colonização descritas por Holston (1999).

Imagem de projeto selecionado no concurso Renova SP para o lote 11, Cabuçu de Cima 8. Fonte: SEHAB-SP, 2011

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Na escala da unidade habitacional os projetos sele-cionados não apresentam grandes diferenças no programa e no tamanho em relação a outros projetos de habitação de interesse social. São unidades para quatro pessoas, com dois dormitórios, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. Não propõem portanto mudanças num programa tradicional, re-corrente em projetos brasileiros de habitação social há déca-das, associados ou não à intervenções em favelas.

Quanto aos critérios para premiação das equipes, o edital do concurso diz considerar: implantação e sua relação com a vizinhança; criatividade e valorização arquitetônica/construtiva, na qualidade dos conjuntos habitacionais e de-mais edificações; valorização da acessibilidade e dos espaços públicos e respeito às preexistências; soluções que privilegiem a futura manutenção dos empreendimentos habitacionais; compatibilidade da proposta com a legislação urbanística municipal vigente e os custos de obras de urbanização e edifi-cação; custos paramétricos das obras; respeitos aos conceitos estabelecidos no Plano Municipal de Habitação – documen-to para debate público – setembro de 2010 e no Plano Mu-nicipal de Saneamento Básico de São Paulo – Volumes I e II. E ainda criatividade, exeqüibilidade, viabilidade econômica, compatibilização dos diversos sistemas de infraestrutura, ra-cionalidade construtiva e futura manutenção.

O concurso Renova SP foi um concurso de arquite-tura e urbanismo para uma intervenção que está longe de se limitar a uma só disciplina. Sabe-se que as intervenções em favelas também abordam temáticas dos campos das ciências sociais, da assistência social, da saúde, do direito, do meio ambiente, da engenharia, entre muitos outros. No concurso, abre-se a possibilidade de as equipes de trabalho serem mul-tidisciplinares, mas em nenhum momento aparecem no edi-

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tal, nas propostas vencedoras ou nas atribuições posteriores à contratação das equipes, como as disciplinas trabalhariam juntas. Essa distância da arquitetura e do urbanismo com ou-tros campos é vista principalmente em relação às disciplinas que não trabalham diretamente com o espaço, como é o caso do social e do direito. Tal fato demonstra o entendimento, por parte da secretária, da intervenção não como um pro-cesso que alcança a vida das pessoas em diferentes esferas, e que portanto deveria tê-las participando como sujeitos, mas como a entrega às comunidades de produtos acabados que são a casa, o bairro e a cidade.

Há um esforço da secretaria para que os produtos casa, bairro e cidade sejam entregues com inovação em relação ao que tradicionalmente se construiu na cidade. Essa inovação é estritamente relacionada à “capacidade criativa” do arquiteto. São valorizadas as soluções que formalmente (nas represen-tações gráficas de espaços e edifícios apresentadas ao concur-so) se contrapõem às imagens que temos da habitação social monótona e construída com poucos recursos financeiros.

Ricardo Pereira Leite, secretário municipal da habi-tação na gestão em que foi realizado o concurso, em texto que abre a publicação “Renova SP: concurso de projetos de arquitetura e urbanismo” compara as propostas habitacionais premiadas a produtos de design (aqueles que têm “beleza, es-tilo, personalidade, conceito”) que sempre foram valorizados por consumidores de alta renda. Diz que o acesso das classes mais pobres a habitações que agora podem estar dentro do grupo de produtos de design é uma forma de integrar co-munidades de diferentes rendas. A habitação é vista como produto de consumo e não como direito básico, e a integra-ção das famílias à sociedade não acontece pelo cumprimento dos seus direitos, mas pela sua entrada no mercado de con-

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sumo antes restrito a classes mais ricas. Além disso, refere-se às comunidades atendidas como clientes, excluindo qualquer identificação dessas com sujeitos ativos durante o processo de urbanização.

O Concurso Morar Carioca, instituído em 2010 pela Secretaria Municipal da Habitação da Cidade do Rio de Ja-neiro e pelo Departamento do Rio de Janeiro do Instituto de Arquitetos do Brasil, selecionou 40 equipes multidisciplina-res coordenadas por arquitetos urbanistas com a finalidade de montar um cadastro técnico e contratá-las, dentro de um período de dois anos (prorrogáveis por igual período), para elaborar projetos de urbanização de favelas para o município. O concurso está dentro do Programa Municipal de Integra-ção de Assentamentos Precários Informais – Morar Carioca, que faz parte do legado da prefeitura para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016, e pretende investir 8 bilhões de reais na urbanização, regularização e provisão de moradias nas favelas do Rio de Janeiro. O concurso em questão foi um primeiro momento de montagem de cadastro técnico para futura elaboração de 40 projetos de urbanização de favelas, dentro de um programa que pretende urbanizar 253 favelas ou conjuntos de favelas, todas as do Rio de Janeiro, até 2020.

A avaliação dos trabalhos concorrentes se pautará pelo conteúdo das propostas formula-das, considerando-se em especial os aspectos de criatividade, de viabilidade econômica e financeira, de adequação dos sistemas de in-fra-estrutura, de racionalidade construtiva, de facilidade de conservação e manutenção, das melhorias urbanas e habitacionais apresenta-das, da adequabilidade ao meio ambiente lo-

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cal e do entorno e de outras particularidades, eventualmente, incluídas nos trabalhos apre-sentados. Além dos aspectos inerentes a cada trabalho, também será feita a análise compa-rativa do conjunto de trabalhos apresentados.37

No regulamento do concurso (SMH-RJ, 2010) é apresentada uma base conceitual para esclarecer os objeti-vos preconizados e os parâmetros metodológicos que devem nortear as propostas das equipes. O conceito principal é o da integração, estando dentro dele o entendimento da segrega-ção espacial e seus fatores, com implicação na necessidade de provisão de infra-estrutura e de equipamentos comunitários às áreas, assim como de melhorias nas unidades habitacio-nais, e do atendimento habitacional, em caso de remoções, dentro da própria comunidade ou em local próximo. Tam-bém, de continuidade dos programas de caráter social e de apoio à urbanização. Além disso, entende-se que a integração da favela à cidade formal se dá também pelo tecido urbano, e que limites espaciais entre os dois devem ser evitados.

As favelas são divididas, no programa, em quatro tipos: comunidade urbanizada (favela que atingiu um fator satisfa-tório de urbanização através de outros programas de ou por esforço próprio dos moradores); favela parcialmente urbani-zada (aquela que já passou por intervenção de urbanização mas ainda necessita de complementação dessa intervenção); favela urbanizável (aquela que nunca passou por intervenção de urbanização mas tem condições de ser integrada a cidade formal) e pequeno assentamento (grupo de moradias precá-rias com menos de 100 domicílios). A tipologia urbanística da favela é reconhecida e aceita como mais uma possibilidade dentro do tecido da cidade, mas sua consolidação depende da

37 SMH-RJ, 2010

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integração com a cidade formal, principalmente do ponto de vista dos acessos viários.

Diferente do Concurso Renova SP, as equipes partici-pantes do Concurso Morar Carioca não realizaram propostas para áreas específicas, mas trabalharam em cima de princí-pios, métodos e propostas de abordagens genéricas, para três perfis tipológicos de favelas diferentes, obrigatoriamente: complexo de favelas, favelas isoladas em morros e encostas, e favelas isoladas em áreas planas. O regulamento do edital apresentou os aspectos a serem abordados nas propostas apre-sentadas pelas equipes. Três deles foram obrigatórios, para os três perfis tipológicos de favelas: acessibilidade e mobilidade, saneamento básico (redes de água, esgoto, drenagem e coleta de lixo) e habitação (desadensamento, remanejamento e me-lhorias habitacionais). Os outros aspectos apresentados, não obrigatórios, foram: inserção urbana, meio ambiente natural e urbano, espaços e equipamentos comunitários, tecnologias e sistemas construtivos, uso do solo e legislação edilícia e questões fundiárias.

As equipes concorrentes no concurso deveriam apre-sentar uma metodologia de diagnóstico das condições exis-tentes e de suas respectivas demandas, assim como uma me-todologia para elaboração de projetos que considerassem as necessidades específicas de cada comunidade. O texto do re-gulamento valoriza a presença dos profissionais envolvidos nos projetos de urbanização na área de intervenção, princi-palmente para interação destes com as lideranças comunitá-rias locais, e reconhece que tal aproximação confere ao proje-to maior consistência se respaldado pela comunidade.

O Concurso Morar Carioca foi o inicio de um novo programa de urbanização, de mesmo nome, dentro da Se-cretaria Municipal da Habitação do Município do Rio de

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Janeiro. O programa, que pretende urbanizar todas as favelas da cidade em dez anos, conta com recursos da ordem dos 8 bilhões de reais (Leitão & Delecave, s.d.). O programa prevê, entre outros, a implantação de infraestrutura urbana e acesso a equipamentos públicos em assentamentos precários conso-lidados; a produção de unidades habitacionais dentro ou no entorno da área dos assentamentos; a eliminação das áreas de risco com reassentamento dos moradores; a regularização urbanística e fundiária dos assentamentos urbanizados; e a implementação de programa de monitoramento e controle de expansão de ocupações irregulares.

Diferente dos programas anteriores realizados na cida-de do Rio de Janeiro para intervenções em favelas (Rio-Cida-de e Favela-Bairro), o Morar Carioca incluiu em seu escopo, além da dotação das áreas com infraestrutura e equipamentos públicos e da construção de novas moradias, intervenções nas unidades habitacionais existentes, com a intenção de garantir a moradia digna através de reformas que visam melhorar a salubridade e a estabilidade dessas construções.

O novo programa se difere também por propor mu-danças espaciais maiores, com intervenções significativas na malha urbana da favela, do que os programas anteriores (Lei-tão & Delecave, s.d). Essas intervenções são principalmente relacionadas a acessibilidade, com a abertura de vias largas e a construção de teleféricos, e ao desadensamento para melho-ria de condições de habitabilidade, com a abertura de espaços de livres e a construção de novas unidades habitacionais, em tipologias menos densas.

[No programa Favela-Bairro] as intervenções eram restritas à qualificação dos espaços públi-cos e melhoria de serviços de infra-estrutura

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nas favelas, além da construção de equipamen-tos comunitários. Essas intervenções, de modo geral, procuravam alterar o mínimo possível a estrutura espacial da favela, sendo as realoca-ções de moradia propostas somente quando se tratava de reassentar famílias que ocupavam áreas de risco ou para viabilizar melhores con-dições de acessibilidade.38

O programa prevê também a instalação, nos assenta-mentos urbanizados, de Posto de Orientação Urbanística e Social – POUSO, gerido pela Secretaria do Desenvolvimen-to Urbano, com a finalidade de manter um contato próximo do poder público com a comunidade após o período de obras. O POUSO é responsável por fazer o controle urbanístico do assentamento, regulando o uso e a ocupação do solo, impe-dindo a ocupação de áreas públicas e limitando o gabarito das construções, por exemplo. Sua equipe pode também prestar auxílio técnico em casos de reformas, ampliações ou novas construções, além de assessoria jurídica e social.

Os primeiros assentamentos a receber intervenção do programa são aqueles de maior interesse para os projetos ur-banísticos decorrentes dos jogos da Copa do Mundo (2014) e das Olimpíadas (2016). A priorização fica, portando, a cargo de uma agenda internacional e evidencia o interesse da cida-de de se enquadrar no conceito de cidade global, como nos termos de Maricato (2001).

Alguns poucos centros onde os destinos do mundo são definidos e que concentram certas características: sedes das grandes corporações empresariais, centros de pesquisa e criação

38 LEITÃO & DELE-CAVE, s.d.

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em informática e comunicação, mão-de-obra qualificada, centros universitários, atividades culturais e artísticas de vanguarda, serviços so-fisticados etc.39

Mesmo após a realização dos jogos, faz-se importante a permanência dos investimentos e a manutenção da agenda dos projetos vinculados ao programa. Nas áreas em que já houve intervenção, a manutenção de programas sociais em conjunto com outras secretarias concretiza a integração da favela à cidade formal.

Um aspecto a ser destaco em relação às intervenções em favelas no Rio de Janeiro é a política de segurança im-plantada pelo governo do estado, que tem nas UPP (Uni-dades de Polícia Pacificadora) seu elemento chave. Leitão e Declave (s.d.) confirmam que efetivamente a ausência do narcotráfico contribui, nos processos de urbanização, para a atuação das equipes técnicas durante as etapas de projeto e de obras, e também para uma autêntica participação comunitá-ria no processo.

Os concursos marcam um momento de expansão eco-nômica do país, no qual se faz possível experimentar a aborda-gem integrada nas intervenções em assentamentos precários graças ao grande aporte de recursos federais disponibilizados para urbanização. Essas intervenções, mesmo estando atrela-das a interesses econômicos do setor da construção civil, mos-tram-se vantajosas para a reflexão sobre o enfrentamento da segregação espacial nas cidades brasileiras. A abordagem inte-grada depende dos recursos disponibilizados pelo governo fe-deral, mas só se concretiza na articulação desses com as políti-cas locais e metodologias de trabalho dos municípios, bastante influenciadas pelas experiências adquiridas anteriormente.

39 MARICATO, 2001, p.57

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Muro de casa no bairro do Alvarenga, São Bernardo do Campo, 2013.Fonte: Marina Barrio

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O C O M P O N E N T E D E M E L H O R I A H A B I TA C I O N A L N O P R O G R A M A D E U R B A N I Z A Ç Ã O I N T E G R A D A D E A S S E N TA M E N T O S P R E C Á R I O S D O PA C 2

A leitura de diferentes publicações do Ministério das Cidades e de manuais de seus programas de urbanização demonstra que a atual política nacional de intervenção em assentamen-tos precários, por sua abordagem integrada, compreende a regularização fundiária, a provisão de infra-estrutura e a me-lhoria do padrão habitacional para todos os seus beneficiários finais. Assim, tanto as famílias atendidas em novas unidades habitacionais quanto aquelas cujas moradias forem consoli-dadas pelos projetos de urbanização devem ser contempladas nesses três aspectos. As famílias cujas casas são removidas no projeto, por estarem em área de risco ou contaminada, ou ainda por necessidade das obras urbanísticas ou de infra-estrutura, devem ser atendidas em moradias definitivas em área totalmente urbanizada, com regularização fundiária. Da mesma forma, as casas consolidadas devem também ter aces-so a todos os serviços de infraestrutura urbana e passar por

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processo de regularização (fundiária e urbanística). Deve ser assegurado também que tenham a mesma qualidade do que as unidades produzidas, em termos estruturais e de habita-bilidade. Para que isso ocorra devem ser objeto de obras de reforma e ampliação, já que por serem produzidas em auto-construção e com poucos recursos, em sua quase totalidade apresentam algum problema de estrutura, ergonomia, ilumi-nação, ventilação ou umidade. O adensamento crescente dos assentamentos tem agravado os problemas citados, em duas escalas distintas.40 A primeira diz respeito à densidade na escala do núcleo, uma vez que a proximidade em que se en-contram essas habitações, principalmente aquelas nos miolos de quadras, não permite a iluminação e ventilação adequada de seus cômodos. A segunda diz respeito a densidade dentro das unidades habitacionais, visto que muitas delas possuem número reduzido de cômodos para abrigar todos os seus mo-radores e as funções por eles desempenhadas.

Os três aspectos – regularização fundiária, urbaniza-ção e habitação de qualidade – devem ser indissociáveis numa intervenção que busque a superação da situação de precarie-dade e a efetivação do direito a moradia digna. A intervenção na favela não deve ser realizada de forma parcial, de maneira que resulte na consolidação da precariedade. Se for feita so-mente a regularização fundiária, apesar de a intervenção as-segurar o direto das famílias em permanecerem na área, será consolidada uma situação de precariedade em relação à ha-bitabilidade das casas e ao acesso aos serviços urbanos essen-ciais. Da mesma forma, se são realizadas apenas intervenções pontuais em relação à infraestrutura, como a canalização de um córrego ou a implantação de sistema de água, as famílias continuam a viver em situação de precariedade em relação à posse (e portanto em constante ameaça de remoção) e à ha-

40 DENALDI, 2003

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bitabilidade de suas casas. O histórico das políticas públicas de intervenção em favelas no país demonstra o entendimen-to da indissociabilidade entre os três aspectos, mesmo que esse entendimento não se reflita em todas as intervenções realizadas no período recente. A maioria das intervenções se limita a provisão de infraestrutura, à produção de novas uni-dades habitacionais e à regularização fundiária, ficando de lado a melhoria habitacional para habitações consolidadas. Sendo parte do discurso oficial do Ministério das Cidades a política da remoção mínima, o número de famílias em ca-sas consolidadas representaria a maior parte dos beneficiários finais dos projetos de urbanização vinculados ao ministério. É de extrema importância, portanto, que seja dada a devida atenção a esses casos na elaboração de políticas públicas e na disponibilização de recursos para projeto e obra, específicos para cada unidade habitacional.

Cabe ressaltar que a consolidação de edificações auto-construídas, ou da tipologia urbanística da favela, não significa a consolidação da precariedade, se realizadas as intervenções necessárias nessas estruturas para assegurar a habitabilidade desde os cômodos da unidade habitacional até a integração do assentamento com a cidade formal. Ainda, a consolidação das estruturas pré-existentes não deve ser entendida somente como respeito aos investimentos, financeiros ou na forma de trabalho, realizados pela população para a edificação das ca-sas e das infraestruturas. Mais além, devem ser consideradas as relações e identificações que os moradores criaram com esses espaços.

Como destaca Moreira (2013), as intervenções reali-zadas dentro da primeira fase do PAC tinham grande ênfase na provisão de infra-estrutura.

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Questões habitacionais foram subordinadas a questões de infra-estrutura, que eram a base para a definição dos recursos para habitação. Com essa ênfase em infra-estrutura, no lugar de produzir novas casas, nesse momento as po-líticas e os fundos habitacionais voltavam-se a melhoria de espaços precários, como as favelas, com foco especialmente naqueles espaços ur-banos com grande potencial para a construção de infraestrutura pesada.41

Já na segunda fase do programa, segundo Moreira (2013), as intervenções passaram a apoiar-se no programa Minha Casa Minha Vida, e a ênfase em infra-estrutura foi dividida com o destaque dado a produção de novas unidades habitacionais.

Observa-se que dentro dos programas de urbaniza-ção de assentamentos precários atuais são privilegiadas in-tervenções de grande porte, que movimentem quantidades significativas de recursos junto às empresas construtoras. Intervenções com esse caráter tendem a reproduzir padrões construtivos prontos, não abrindo espaço para a experimen-tação e para o desenvolvimento de soluções que respondam às especificidades de cada área. Em relação à habitação, a pro-dução de novas unidades é mais vantajosa economicamente para as empresas construtoras do que a intervenção em cons-truções já existentes. Sua lógica é a de projetos e obras que se adéquam com mais facilidade a terrenos vazios e de grandes proporções. A desvantagem econômica em trabalhar sobre as habitações existentes se dá pela especificidade de cada inter-venção e pela necessidade de abertura de maior número de frentes de obra.

41 MOREIRA, 2013, p.03

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Entendo que o maior avanço em relação às interven-ções em assentamentos precários seja a busca pela melhoria do padrão de habitabilidade em conjunto com o reconheci-mento e respeito à tipologia urbanística desses assentamen-tos, através de intervenções que promovem a integração dos serviços urbanos e a garantia da moradia digna com o míni-mo de remoções possível. A melhoria do padrão de habitabi-lidade se dá em diferentes escalas, não devendo ficar restrita a da infraestrutura básica ou dos espaços públicos, mas atingir também a escala da unidade habitacional, seja ela uma unida-de produzida para reassentamento ou uma unidade existente consolidada. O componente de melhoria habitacional confi-gura, nesse contexto, o ponto final desse tipo de intervenção e portanto o respeito último em relação às estruturas pré-exis-tentes do assentamento.

Por serem pouco vantajosas economicamente para as construtoras, as intervenções de melhoria habitacional são raramente efetuadas de maneira satisfatória dentro dos pro-jetos de urbanização. Com pouco ou nenhum recurso para solucionar problemas estruturais ou de habitabilidade, parte

Obra com investimentos do PAC Urbanização no bairro Nossa Senhora da Apresentação, em Natal. Fonte: MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010

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dos projetos de urbanização consolida situações precárias ao não intervir dentro dos espaços das habitações consolidadas. Urushibata (2013) define, a partir dos trabalhos de Bueno (2008) e Samora (2010), uma série de parâmetros de habi-tabilidade, a serem considerados nas intervenções de melho-ria habitacional. São eles: conforto ambiental e salubridade, acessibilidade, dimensionamento adequado dos espaços nas moradias suficientes para a realização das atividades pre-tendidas, risco de injúrias físicas dos ocupantes, e risco de incêndio iminente. Além da melhoria estrutural e de habi-tabilidade, deve-se lembrar que as intervenções nessas cons-truções também colaboram com a integração da favela ao seu entorno, ao aproximá-las do padrão das construções vizinhas. No entanto, as ações não devem ser produtoras apenas de embelezamento, escondendo no interior das habitações situ-ações de precariedade, mas devem promover real melhora de condição habitacional para as famílias.

Interior de habitações precárias no município de Taboão da Serra. Fonte: MOREIRA, 2013

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As intervenções de melhoria em construções existen-tes são uma possibilidade de oposição aos projetos habita-cionais que produzem conjuntos monótonos e repetitivos, de difícil apropriação pelos moradores, ao focarem no reconhe-cimento e respeito às especificidades e modos de morar de cada família, a partir de uma relação direta entre técnicos e população. Poucos são os projetos de produção habitacional em favelas que consideram as relações específicas que seus habitantes têm com esses espaços. Comumente os projetos repetem soluções tipológicas da produção tradicional em habitação popular, que não respondem às reais necessidades dos moradores de favelas. A maioria são projetos padroni-zados, que não consideram diferenças locais em relação ao meio ambiente (repetem-se até mesmo em escala nacional), e também de formas de morar, costumes e tradições das famí-lias que atendem. Freqüentemente são apartamentos ou casas térreas, uniformes, de tamanho reduzido e que não podem ser ampliados.

A possível aproximação e diálogo que se travam no atendimento através da melhoria habitacional, entre técni-co e morador, podem criar melhores condições para que as verdadeiras necessidades em relação ao espaço de morar para população de assentamentos precários sejam atendidas. Além disso, o respeito ao saber popular, no permanente diálogo en-tre técnico, morador e trabalhador da construção, pode con-tribuir para a produção de um conhecimento comum entre esses agentes, que reflete na sua qualificação durante as etapas de projeto e obras.

Atualmente, seis programas habitacionais existentes dentro da Política Nacional de Habitação visam à promoção ou contém dentro do seu escopo componentes de melhoria ha-bitacional. Dois deles são programas de intervenção em assen-

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tamentos precários: Programa Urbanização, Regularização e Integração de Assentamentos Precários; e Projetos Prioritários de Investimentos (Programa de Intervenção em Favelas). Os demais são: Programa Habitação de Interesse Social; Progra-ma Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH); Programa Carta de Crédito Individual; e Programa Crédito Solidário.42

Apesar das ênfases dadas a infra-estrutura e a pro-dução de novas unidades habitacionais, o PAC, através do Programa Urbanização, Regularização e Integração de As-sentamentos Precários, inclui em sua composição de inves-timento itens de melhoria habitacional, com a destinação de recursos para intervenções em casas consolidadas. No PAC2, o Manual de Instruções do Programa Urbanização, Regula-rização e Integração de Assentamentos Precários43 apresenta os seguintes itens com suas definições:

11. RECUPERAÇÃO OU MELHORIAS DE UNIDADES HABITACIONAIS: valor correspondente ao custo de realização das obras de recuperação ou melhorias de unidades habi-tacionais que devem ser vinculadas, exclusiva-mente, a razões de insalubridade e insegurança, inexistência do padrão mínimo de edificação e habitabilidade definido pelas posturas munici-pais, ou inadequação do número de integrantes da família à quantidade de cômodos passíveis de serem utilizados como dormitórios.

12. INSTALAÇÕES HIDRÁULICO- SANITÁRIAS: valor correspondente ao cus-to das obras de construção ou recuperação de instalações hidráulico-sanitárias domiciliares. O

43 SECRETARIA NACIONAL DE HABITAÇÃO, 2010

42 URUSHIBATA, 2013

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módulo hidráulico-sanitário deve ser composto por vaso sanitário, caixa de descarga, lavatório, chuveiro, tanque de lavar roupa, reservatório (quando necessário), ligação de água; e ligado à rede pública de esgotamento sanitário ou à fossa séptica com instalação para disposição final do efluente, podendo ser aceito o padrão utilizado pela Fundação Nacional de Saúde – FUNASA.

28. ASSISTÊNCIA TÉCNICA: valor corres-pondente aos custos de contratação de mão-de-obra para acompanhamento ou execução de obras de melhoria, conclusão ou construção de unidades habitacionais executadas em regime de mutirão, autoconstrução, autogestão ou ad-ministração direta.

Apesar de estarem previstos no manual, os compo-nentes de intervenção em unidades consolidadas são os mais raros em processos de urbanização. Os recursos para os itens de recuperação ou melhorias de unidades habitacionais e de instalações hidráulico-sanitárias não tem valores definidos, mas estão incluídos dentro dos 13.000 reais previstos por unidade para as obras de infra-estrutura. O manual define valor total para o item de assistência técnica, que fica em 2,5% dos recursos do contrato de repasse ou do Termo de Compromisso, no qual estão inclusos recursos para assistên-cia técnica em projeto e obras de melhoria habitacional. Na maioria das vezes, o recurso destinado aos componentes de melhoria habitacional é contrapartida das prefeituras e tem valor baixo.

A maior questão, portanto, na superação da precarie-

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dade das unidades habitacionais consolidadas, não é a previ-são de componentes de melhoria habitacional nos programas de urbanização, mas sim a quantidade de recursos destinados a eles. Com recursos escassos, a maioria das casas não recebe todas as intervenções necessárias, e a sua situação precária acaba sendo consolidada. Soma-se à pouca disponibilidade de recursos a limitada experiência que se tem em interven-ções desse tipo, sendo necessário também o investimento em formação de técnicos e na pesquisa de metodologias de tra-balho.

Dentro de projetos de urbanização, o componente de melhoria habitacional deve ser considerado durante todo o processo, concomitantemente aos outros aspectos da in-tervenção, desde o pré-projeto até a fase de pós-ocupação. Antes do início do projeto em si, na elaboração do edital de licitação, devem ser definidos os pressupostos em relação aos componentes, com as definições de conceitos básicos que se-rão utilizados durante todas as etapas e que servirão de re-ferência para as discussões técnicas. Durante o decorrer do processo, nas etapas de projeto e obras, faz-se indispensável o acompanhamento do projeto físico por trabalho social, de forma a promover espaços de diálogo e negociação entre po-der público e comunidade beneficiada pela intervenção. Ao final, a avaliação das condições de habitabilidade das casas que receberam intervenções é de extrema importância para a aprimoraração da metodologia em experiências futuras.44

Na fase de levantamento serão desenvolvidas as pri-meiras bases descritivas do espaço que receberá a intervenção, como uma “fotografia” do assentamento naquele momento, cuja leitura será o ponto de partida para o desenvolvimento de todo o trabalho técnico. Os desenhos produzidos nessa etapa terão grande influência no projeto urbanístico e de in-

44 URUSHIBATA, 2013

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fraestrutura, e em conseqüência na definição de remoções e consolidações.

O diagnóstico é realizado para que os técnicos conhe-çam em termos gerais o ambiente e a população com que irão trabalhar. Em relação ao componente de melhoria habitacio-nal, o diagnóstico físico se mostra importante para a detecção das principais patologias construtivas presentes no assenta-mento que receberá a intervenção. O diagnóstico social trará informações sobre a renda das famílias, indicador importante para definição da melhor forma de se trabalhar financeira-mente com o componente, por financiamento ou subsídio. Devem ser estudadas as possibilidades de acesso a recursos federais, e as possibilidades de contrapartida do município.

Na fase de projeto, são definidas quais casas serão re-movidas (seja por precariedade, por estarem em área de risco ou por necessidade do projeto urbanístico e de infraestrutu-ra) e quais construções serão mantidas durante a intervenção. Essa é uma definição que precisará ser revista no momento de obra, mas que já dá indícios do número e da condição das casas mantidas, informações importantes para elaboração do orçamento dos componentes de melhoria habitacional. Como a dinâmica de autoconstrução permanece mesmo du-rante o decorrer do processo de urbanização, o projeto para o componente de melhoria habitacional, nessa fase, se restringe a função de orçamento e reserva de recursos. Nessa fase, para a elaboração de orçamento, podem ser definidos problemas típicos a partir do diagnóstico físico realizado, e respectivas soluções típicas. Entretanto, a associação dessas soluções com unidades habitacionais específicas (“serviço de construção de telhado para a casa de cadastro número 0456”) pode levar ao descompasso entre a quantidade de recursos reservada e as reais necessidades observadas no momento da obra, em cada

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casa. O orçamento é feito para garantir recursos ao compo-nente como um todo, para todas as casas consolidadas, dentro do orçamento geral do projeto. Imaginando-se que a prefei-tura do município possui programas específicos de assistência técnica, os recursos reservados podem ser complementados e o trabalho desenvolvido pode ser estendido para além do cronograma do projeto de urbanização.

A distribuição dos recursos orçados pode ser feita en-tre “pacotes de serviços” fixos, que serão combinados e desti-nados conforme a situação da unidade habitacional no mo-mento da obra, ou entre o número de unidades habitacionais que se pretende beneficiar, com um valor fixo e limitado para cada uma. Os dois partidos apresentam aspectos desfavorá-veis, relacionados ao descompasso do levantamento e da obra e à dinâmica permanente de autoconstrução. O primeiro li-mita o número e o os tipos de serviços futuramente prestados ao número de necessidades levantadas (com reserva técnica), e o segundo destina quantidade de recurso que pode não ser suficiente para a melhoria das unidades mais precárias do as-sentamento. Outro problema identificado é a variação dos preços dos materiais de construção e de mão de obra, entre a elaboração do orçamento e a realização da obra.

A fase em que se realizam as obras de caráter urbanís-tico e de infraestrutura no processo de urbanização se mostra o momento mais favorável para realização com precisão do levantamento, diagnóstico e projeto para os componentes de melhoria habitacional, de forma a se garantir a maior proxi-midade entre essas atividades e a intervenção nas constru-ções, atendendo as reais necessidades das famílias. Devem ser analisadas as possibilidades espaciais de implantação de canteiro de obras e estoque de material.

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No momento de se definir o cronograma de obras, destaca-se que os serviços de implanta-ção da melhoria habitacional sejam realizados concomitantes à implantação das vias e redes de infraestrutura, devendo a construtora con-tratada disponibilizar duas frentes de trabalho, evitando-se que as reformas das moradias se-jam deixadas ao acaso propositalmente e ga-rantindo que esses serviços sejam plenamente realizados.45

Deve ser levada em conta a possibilidade de a família permanecer na casa durante as obras, e as condições do órgão municipal em disponibilizar recursos para programas auxílio aluguel. Nessa fase, o contato entre técnico e morador passa a ser mais próximo e freqüente, e fica mais claro aos moradores do assentamento o impacto do processo de urbanização em suas vidas.

Faz-se interessante a implantação na área de inter-venção de um espaço que centralize o atendimento às famí-lias em relação às ações de melhoria habitacional, a exemplo do POUSO, na cidade do Rio de Janeiro, e da experiência relatada mais a frente de intervenção no Jardim Comunitário, assentamento localizado no município de Taboão da Serra.

Mesmo após o período de urbanização e a finalização das obras de melhoria habitacional, o espaço pode ser utili-zado como centro de fiscalização e orientação para futuras obras no assentamento. Esse espaço pode estar junto do es-paço utilizado para organização da equipe técnica em torno das obras de urbanismo e infraestrutura.

A intervenção de melhoria habitacional em casas consolidadas em projetos de urbanização pode ser vista como

45 URUSHIBATA, 2013, p.145

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uma aplicação possível da Lei federal 11.888, conhecida como Lei da Assistência Técnica.

A Lei federal 11.888, sancionada em 2008, é projeto de autoria de engenheiros e arquitetos, articulados através do CREA e do IAB, e reflete o posicionamento desses profissio-nais perante a dinâmica de autoconstrução de moradias nas cidades brasileiras. Este posicionamento é o reconhecimento de que, para o alcance do direito à moradia digna, a atuação profissional do arquiteto, do urbanista e do engenheiro deve dar-se em parceria com a população que produz suas pró-prias casas, no espaço e nas estruturas já construídas. Assim, a lei assegura a famílias com renda mensal de até três salários mínimos, residentes em áreas urbanas ou rurais, o acesso a serviços permanentes de assistência técnica46 pública e gra-tuita nas áreas de arquitetura, urbanismo e engenharia, para o projeto e execução de obras relacionadas às suas moradias. Resulta, portanto, em políticas que priorizam a integração social e espacial a partir da ação em torno de estruturas ur-banas já existentes. A assistência técnica deve reconhecer seu caráter multidisciplinar, e o trabalho dos arquitetos, urbanis-tas e engenheiros deve aliar-se ao trabalho social e à assistên-cia jurídica.

A discussão em torno do direito à assistência técnica acontece no país há décadas, entre profissionais da arquite-tura e da engenharia, nos conselhos profissionais e também nas faculdades através de projetos de extensão. Seu início é relacionado a 1976, ano no qual o Sindicato dos Arqui-tetos do Rio Grande do Sul elaborou a proposta do pro-grama ATME (Assistência Técnica à Moradia Econômica). Nos anos 80, diversas foram as experiências em São Paulo de assistência técnica a coletivos organizados, em projetos de conjuntos habitacionais autogeridos. Durante os anos 90,

46 O termo “assistência” foi adotado por este tra-balho em virtude de seu reconhecimento nacional decorrente da Lei 11.888. Entretanto, vale ressal-tar a existência de uma discussão semântica sobre a utilização dos termos assistência ou assessoria, uma vez que, segundo al-guns profissionais da área, o termo assistência pode ter uma interpretação negativa em decorrência de sua derivação assisten-cialismo.

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alguns municípios elaboraram legislação própria para pro-mover a assistência técnica pública e gratuita, em antecipa-ção à legislação federal.47 O município pioneiro foi Porto Alegre, em 1999, seguido por outras cidades que também elaboraram suas próprias leis para assistência técnica e re-gularização fundiária, entre elas Campo Grande, São Pau-lo, Vitória e Belo Horizonte, visando à disponibilização de serviços públicos de arquitetura, urbanismo e engenharia a população que não possui condições de acessar esses serviços no mercado.48 Em 2001, a aprovação da Lei 10.257, o Esta-tuto da Cidade, criou o instrumento da assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais me-nos favorecidos, em seu artigo 4º, inciso V, letra r. O projeto de lei sobre assistência técnica que resultou na Lei 11.888 foi iniciado pelo ex-deputado e arquiteto Clóviz Ilgenfritz e conduzido pelo deputado e arquiteto Zezéu Ribeiro, e é re-sultado de diversos debates e conferências organizados tanto pelas entidades envolvidas nesse tipo de trabalho, quanto por universidades, conselhos profissionais e por órgãos públicos, realizados principalmente entre os anos de 2005 e 2007.49

Os serviços de que trata a lei são promovidos pelo poder público e buscam a qualificação ou melhoria de edi-ficações existentes. Estão contemplados projeto, acompa-nhamento e execução de obras, serviços profissionais com os quais a população de baixa renda não consegue arcar, e in-cluem a construção, reforma e ampliação de moradias, assim como sua regularização fundiária. Entre os objetivos da as-sistência técnica estão otimizar do uso de materiais de forma a evitar desperdícios, formalizar perante o poder público as obras de que necessita a construção, evitar a ocupação de áre-as de risco ou de interesse ambiental, e propiciar a ocupação do espaço de acordo com a legislação urbanística e ambiental.

47 IAB, 2010

48 CUNHA, ARRUDA & MEDEIROS, 2007

49 CREA-MG, 2009

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Assim, o objetivo final são moradias com boas condições de acessibilidade, salubridade e conforto ambiental, com espaços funcionais, boas condições de iluminação e ventilação e segu-rança estrutural.50

A lei possibilita a remuneração através de financia-mento público do trabalho dos profissionais envolvidos em projetos e obras de assistência técnica a famílias de baixa ren-da. Promove, portanto, um campo de atuação profissional de enorme tamanho, principalmente para arquitetos, urbanistas e engenheiros.

Art. 4º Os serviços de assistência técnica ob-jeto de convênio ou termo de parceria com União, Estado, Distrito Federal ou Município devem ser prestados por profissionais das áre-as de arquitetura, urbanismo e engenharia que atuem como:

I - servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios;

II - integrantes de equipes de organizações não-governamentais sem fins lucrativos;

III - profissionais inscritos em programas de re-sidência acadêmica em arquitetura, urbanismo ou engenharia ou em programas de extensão universitária, por meio de escritórios-modelos ou escritórios públicos com atuação na área;

IV - profissionais autônomos ou integrantes de equipes de pessoas jurídicas, previamente

50 CREA-MG, 2009

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credenciados, selecionados e contratados pela União, Estado, Distrito Federal ou Município.51

A atividade profissional de arquitetos, urbanistas e engenheiros, que se via voltada quase que totalmente para classes de renda alta, encontra a possibilidade de se orientar no sentido da garantia do direito a moradia digna para famí-lias baixa renda, com grande impacto nas cidades.

Ela [a lei] dá início a uma fase onde o direito à habitação de qualidade para as populações mais pobres abre uma nobre oportunidade de prestação de serviços profissionais para ar-quitetos brasileiros, que hoje se aproximam de 100 mil profissionais, assim como para os demais profissionais envolvidos. Trata-se de uma oportunidade de inclusão no mercado de trabalho para os 7 mil profissionais egressos por ano, de mais de 200 escolas de arquitetura brasileiras.52

Ao possibilitar a atuação de residentes e de estudan-tes, acompanhados de professores responsáveis, em projetos de extensão universitária nos serviços de assistência técnica, a lei contribui para a formação desses profissionais e qualifica essa formação ao entender que ela deve acontecer na prática e na realidade concreta. A atuação como profissional autôno-mo encontra perspectiva em municípios pequenos e médios, enquanto nos municípios maiores, dado a maior escala de ne-cessidades e a maior complexidade da situação, a perspectiva é de atuação como servidor público, integrante de organiza-ção não governamental ou cooperativa, ou em convênios com

51 BRASIL, Lei 11.888, 2008

52 IAB, 2010, p.09

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universidades ou entidades das categorias.O direito a assistência técnica é garantido, na lei, atra-

vés de apoio financeiro da União aos estados, distrito federal e municípios, com recursos do FNHIS. Para além dos pro-gramas específicos de assistência técnica, a Lei 11.888 acres-centa ao regulamento do FNHIS um artigo que assegura aos programas de habitação de interesse social beneficiados com recursos desse fundo a participação da assistência técnica gratuita nas áreas de arquitetura, urbanismo e engenharia. A destinação dos recursos deve ser definida por programas ela-borados pelos órgãos responsáveis nas prefeituras e estados, que podem complementá-los com recursos próprios. A per-manência desses programas garante a vinculação de profis-sionais a esses serviços, e abre possibilidade real de trabalho a arquitetos e engenheiros para o alcance do direito a moradia digna.

A maioria das experiências de assistência técnica re-alizadas desde o ano de 1976 até os dias atuais se deram em projetos que envolviam famílias pertencentes a coletivos or-ganizados ou moradores de assentamentos precários e fave-las, não atingindo portanto demandas isoladas, as quais aca-bam por serem deixadas às inacessíveis soluções de mercado. Ainda, as experiências de assistência técnica são inexpressi-vas quando comparadas com outras políticas de habitação, a maioria de construção em larga escala de novos conjuntos e unidades habitacionais. Segundo Urushibata (p145), com base em estudo sobre os municípios de Diadema e Taboão da Serra:

(...) as prefeituras não conseguiram incorporar na política habitacional municipal a assistência técnica gratuita às famílias carentes, quer pela

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falta de funcionários no quadro da prefeitura, quer pela falta de fundos municipais para a com-pra de materiais de construção e contratação de mão de obra, ou pela não adesão de arquitetos e engenheiros, ou mesmo pela falta de conhe-cimento da população acerca de seus direitos.53

Apesar da legislação criada, a assistência técnica en-contra desafios de implantação na maioria dos municípios. Esses desafios passam pela formação de técnicos para tra-balharem nesse campo, pela capacitação dos órgãos públicos em relação a essa política e pela incorporação dos serviços de assistência técnica nos planos locais de habitação.54

Com a finalidade de compreender as possíveis impli-cações da aprovação da Lei 11.888, Urushibata (2013) ana-lisa as mudanças no número de contratos realizados antes e depois da aprovação da lei, dentro da modalidade “Prestação de Serviços de Assistência Técnica” do Programa Habitação de Interesse Social.55 Entre os anos de 2004 e 2007, dentre os 1.907 contratos totais do programa, foram assinados 80 con-tratos para essa modalidade (4%). Já de 2008 a 2012, dentre os 2.069 contratos totais, 296 contemplavam a modalidade (14%). A autora ressalta que além da análise do número de contratos, faz-se importante também a análise qualitativa dessas intervenções.

O IAB em lançou, em 2010, publicação na qual pro-põe um modelo de implantação da assistência técnica pública e gratuita. Esse modelo segue a relação “uma família – um profissional – um projeto – uma obra”. Para sua viabilida-de o instituto indica que os órgãos municipais responsáveis realizem o cadastro de profissionais interessados em prestar assistência técnica, assim como o cadastro das famílias que

53 URUSHIBATA, 2013, p.145

54 CREA-MG, 2009

55 A autora analisa so-mente os contratos desse programa pois foi o úni-co aos cujos dados teve acesso, no site da Caixa Econômica Federal.

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se enquadram no atendimento, conforme a Lei 11.888, in-dependente de que haja algum projeto para o seu local de moradia ou da sua participação em algum coletivo organiza-do. Dessa maneira, universaliza-se a assistência de maneira difusa e pulverizada no território da cidade, qualificando a moradia no bairro em que as famílias já vivem e no qual já têm suas relações sociais e culturais. Sendo a moradia direito social garantido na Constituição Federal, a assistência técnica a projetos e obras de habitação de interesse social é compa-rada na publicação aos serviços públicos gratuitos oferecidos nas áreas da saúde pelo SUS – Sistema Único de Saúde, da educação com o Ensino Público e Gratuito em todos os ní-veis e do direito com os Serviços de Assistência Judiciária Gratuita.

No próximo capítulo desse trabalho, foco na discus-são de metodologias de caráter participativo para serviços de assistência técnica, e destaco a etapa de projeto dos compo-nentes de melhoria habitacional apresentados anteriormente, previstos no Programa de Urbanização Integrada do PAC2. Essa discussão tem base no Artigo 5º da Lei 11.888/2008:

Art. 5º Com o objetivo de capacitar os profis-sionais e a comunidade usuária para a presta-ção dos serviços de assistência técnica previs-tos por esta Lei, podem ser firmados convênios ou termos de parceria entre o ente público res-ponsável e as entidades promotoras de progra-mas de capacitação profissional, residência ou extensão universitária nas áreas de arquitetura, urbanismo ou engenharia.

Parágrafo único. Os convênios ou termos de

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56 BRASIL, Lei 11.888, 2008

parceria previstos no caput deste artigo devem prever a busca de inovação tecnológica, a for-mulação de metodologias de caráter participa-tivo e a democratização do conhecimento.56

Professores e estudantes da FAU-USP têm se esfor-çado no sentido de colocar em debate a implementação de um programa de residência universitária voltado à assistência técnica em habitação popular, visando principalmente à for-mação para a atuação na área. Esse esforço encontrou respal-do no ano de 2009, quando a diretoria da faculdade emitiu uma normativa para pedidos de residência universitária soli-citados por docentes.

Uma proposta de residência universitária em arqui-tetura e urbanismo foi estruturada, com apoio da Professo-ra Ermínia Maricato e do Professor Paulo César Xavier, em parceria com a Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Município de Taboão da Serra, na época coorde-nada pela arquiteta Angela Amaral. Nesse momento, a secre-taria experimentava diferentes ações de assistência técnica, conforme relatado mais a frente.

A proposta de residência previa a aproximação de es-tudantes a profissionais de assessorias técnicas, movimentos sociais de moradia e trabalhadores da construção civil, em ati-vidades teóricas e práticas, durante dois anos. Num primeiro momento, de seis meses de duração, os estudantes desenvol-veriam projetos de habitação popular, na forma de assistên-cia técnica pulverizada ou de conjuntos habitacionais. Num segundo momento, também de seis meses de duração, esses projetos passariam por aprovação nos órgãos competentes. O último momento, de doze meses de duração, compreenderia a fase de obras dos projetos realizados, e permitiria a especia-

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lização dos estudantes em etapas específicas da construção. O vinculo dos estudantes com o programa de residên-

cia seria garantido através de bolsa com recursos provenien-tes do FNHIS, a partir do Programa Habitação de Interesse Social - Ação Prestação de Serviços de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social. As obras também seriam financiadas com recursos do fundo, a partir de programas adequados a cada caso.

A implantação do programa de residência encontrou barreiras com a mudança da gestão da Secretaria de Taboão e com a desarticulação de estudantes e professores dentro da faculdade, e caminha em ritmo lento.

Ao desenvolver esse trabalho final dentro do curso de Arquitetura e Urbanismo da FAU-USP, pretendo contribuir com a discussão sobre a formação de arquitetos junto a de-mandas populares e, ao mesmo tempo, ao trazer a tona tema tão pouco recorrente nessa faculdade, pretendo também fo-mentar um espaço de discussão na academia que contribua para o avanço da implantação da assistência técnica perma-nente, pública e gratuita a famílias de baixa renda.

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B R E v E R E L AT O S O B R E A E X P E R I Ê N C I A D E A S S I S T Ê N C I A T É C N I C A N O M U N I C Í P I O D E TA B O Ã O D A S E R R A

Para entender e exemplificar os reflexos da Lei de Assistên-cia Técnica nas atuações municipais, destaco a experiência do município de Taboão da Serra, situado na Região Metropo-litana de São Paulo (RMSP), através de leitura da disser-tação de mestrado de Carolina Urushibata (2013) e artigo de Renata Moreira (2013). A escolha em apresentar a expe-riência desse município em específico se dá pelo caráter de experimentação que tiveram suas iniciativas, e também pela tentativa de se firmar uma parceria de residência universitá-ria para atuação em assistência técnica pulverizada, entre a sua Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano e a FAU-USP.

O município de Taboão da Serra possui 20km² e 244.528 habitantes, sendo um dos municípios mais densos do estado, com 120,5 hab/ha (Censo 2010). O município não possui área rural e, portanto, é totalmente urbano, fortemente conurbado com os municípios de São Paulo e Embu. A ci-dade é marcada pela presença de indústrias, responsáveis por um terço do PIB do município. Segundo seu Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), o município possui 81 assentamentos precários, os quais estão concentrados na região ao sul da Rodovia Régis Bittencourt, que cruza o mu-nicípio. Esses assentamentos se formaram na década de 60 e até 2005 não havia nenhuma política habitacional de in-tervenção sobre eles, sendo a construção de novos conjuntos habitacionais a política oficial da prefeitura. Além dos novos conjuntos, a prefeitura também promovia a doação de lotes

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sem infra-estrutura mínima (instalada mais tarde) em terre-nos de propriedade do município, em política de caráter as-sistencialista. Como conseqüência, a falta de disponibilidade de assistência técnica para construção de moradias fez com que muitos assentamentos fossem formados, precários tanto em relação à habitabilidade das casas quanto em relação à posse da terra.

Segundo a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Urbano e Habitacional de Taboão da Serra (SEMUDUH), os 81 assentamentos precários do município somavam, em 2009, cerca de 20.861 domicílios. Desses, 14.813 (71%) são considerados domicílios inadequados e exigem intervenções urgentes. Quase metade dos assentamentos está enquadrada no nível mais alto de precariedade segundo a classificação do PLHIS. Assim, a maioria das intervenções necessárias é de caráter complexo, com grande número de remoções, elimina-ção de situações de risco e implantação de infra-estrutura.57

A partir de 2005 a SEMUDUH passou a estruturar-se para acessar os fundos do Sistema Nacional de Habita-ção, com base na elaboração do Plano Diretor Participativo (2006) e da Política e do Plano de Habitação (2009). A ex-periência permitiu a formação de técnicos municipais e a es-truturação dos órgãos competentes para o enfrentamento das necessidades habitacionais do município. A SEMUDUH passou a se articular com programas habitacionais existentes no nível federal e estadual, com o enquadramento de proje-tos no Programa Minha Casa Minha Vida e no Programa de Aceleração do Crescimento. Até setembro de 2009, dos 81 assentamentos precários, dez estavam em processo de ur-banização, com recursos do PAC (antigos projetos dos pro-gramas PROSANEAR e HBB-BID) e FNHIS, e mais oito tinham projetos sendo elaborados para futura intervenção.58

58 op. cit

57 URUSHIBATA, 2013

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(...) 15 assentamentos precários necessitam de algum tipo de intervenção do tipo me-lhoria habitacional. Nestes 15 assentamentos a Prefeitura Municipal de Taboão da Serra – PMTS vem se comprometendo a intervir em 3.120 domicílios, no entanto segundo os dados de inadequação habitacional levantados pela SEMUDUH, em 2009, existiam cerca de 14 mil domicílios que encontram-se inadequados para o habitat.

Ao analisarmos a demanda necessária e quan-tas unidades sofrerão algum tipo de ação de melhoria, este número ainda é inferior à de-manda real de unidades que precisam ser re-formadas, apenas 20% da demanda total.59

Dentro da SEMUDUH as experiências recentes com programas para intervenções de melhoria habitacional são três. Duas delas são promovidas com recursos do PAC: Pro-grama Municipal de Universalização da Assessoria Técnica Pública para Projetos e Obras de Interesse Social e Proje-to de Assistência Técnica ao Programa de Saneamento para Populações em Área de Baixa Renda (PROSANEAR) e ao Projeto Habitar Brasil BID (HBB-BID). A outra, Programa de Subsídio a Habitação (PSH), é promovida com recursos do OGU. Os recursos para os programas são majoritaria-mente de fundos federais, mas há pequena contribuição de recursos por parte do município.

Segundo Urushibata (2013), os dois programas pro-movidos pela Prefeitura Municipal de Taboão da Serra com recursos do PAC não apresentam resultados significativos.

59 op. cit, p.77

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No Projeto de Assistência Técnica ao PROSANEAR e ao HBB-BID, programa já finalizado, foram realizadas inter-venções de melhoria habitacional e regularização fundiária. O Programa Municipal de Universalização da Assessoria Técnica Pública para Projetos e Obras de Interesse Social, ação da prefeitura prevista no Plano Diretor do município, atualmente atende demandas pontuais, já que a prefeitura não possui equipe para execução de obras ou recursos para compra de material de construção que atendam demais so-licitações.

O Projeto de Assistência Técnica ao PROSANEAR e ao HBB-BID englobou cinco áreas em processo de urbani-zação, três delas antigos contratos do programa PROSANE-AR e duas antigos contratos do programa HBB-BID, que a partir de 2007 passaram a operar dentro do PAC. Esses projetos englobavam em seu escopo intervenções de remoção de famílias em áreas de risco e seu reassentamento, a provisão de infra-estrutura e serviços urbanos, a construção de novas unidades habitacionais e obras de melhoria habitacional para famílias que permaneceram em seu local de origem. No en-tanto, segundo Urushibata (2013), havia desentendimentos conceituais entre os técnicos da prefeitura e da Caixa Econô-mica Federal quanto a essas intervenções previstas no escopo do programa.

O método padrão adotado pela prefeitura para realizar os projetos de melhoria habitacional foi o de “pacote de servi-ços”, com pacotes de saneamento e acabamento, por exemplo. Esse método consiste em orçar soluções típicas para proble-mas levantados em campo, e depois destinar a quantidade de recursos orçada para as famílias cujas unidades habitacionais necessitam do serviço. Por exemplo, identificado que um pro-blema recorrente é a umidade e o mofo nas alvenarias das

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casas, um pacote de serviço de revestimento e acabamento é orçado, baseado numa solução típica. No orçamento total da intervenção, o valor do pacote é multiplicado pelo número de unidades identificadas com esse problema específico.

Em uma intervenção dentro desse programa a pre-feitura pôde experimentar a organização de uma equipe res-ponsável exclusivamente pela execução de reformas de me-lhoria habitacional, com a contratação de mestre de obras, pedreiros, ajudantes de pedreiro e uma arquiteta. Destaco a importância dessa experiência, realizada na favela Jardim Co-

Antes e depois de intervenções de melhoria habitacional do PSH, em Taboão da Serra. Fonte: PMTS, in URUSHIBATA, 2013

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munitário entre os anos de 2008 e 2010, pela metodologia de trabalho experimentada pela equipe, conforme relatado em artigo da arquiteta Renata Moreira (2013), apesar de tan-to ela quanto Urushibata (2013) se referirem à experiência como um insucesso.

Segundo Moreira (2013), apesar da proposta de me-lhoria habitacional em casas pré-existentes ser uma impor-tante evolução em projetos e políticas de urbanização de fa-velas, na época da intervenção no Jd. Comunitário não havia metodologias para a sua execução. A experiência foi então pioneira na criação de uma metodologia de intervenção cujo projeto qualificasse espaços e estruturas pré-existentes da fa-vela, ao mesmo tempo em que buscou padrões e aproxima-ções replicáveis para intervenções em outras áreas. Segundo a autora, a área do Jd. Comunitário combina uma morfologia típica de favela com áreas de urbanização incompleta. Nas áreas onde houve desenho de ruas e lotes, não foram seguidas normas urbanísticas ou padrões técnicos em relação a dimen-sões mínimas ou à alta declividade. A área mais precária da favela está localizada ao longo de um córrego, no meio do assentamento, onde o acesso da infra-estrutura é mais difícil. Nessa área a precariedade não é só urbanística, mas também se dá em relação à posse da terra e é esse o local onde estão localizadas as habitações com o maior número de patologias construtivas.

Numa primeira etapa do processo de urbanização do Jd. Comunitário, foi dada ênfase a intervenções de infra-es-trutura de grande escala (como a canalização do córrego), o que deixou de fora do projeto soluções voltadas a problemas de menor escala, principalmente na área considerada mais precária. Assim, numa segunda etapa, devido à falta de in-dicações claras para a intervenção nessa área, o projeto teve

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que ser completamente revisto. A princípio, a implantação do Projeto de Assistência Técnica no Jd. Comunitário tinha o objetivo de viabilizar essa revisão, com um levantamento preciso das unidades habitacionais e dos espaços coletivos, assim como das interfaces entre as unidades e as novas redes de infra-estrutura.60

Um levantamento detalhado das casas localizadas na área foi feito, com base no levantamento e diagnóstico reali-zado pela equipe contratada (na época, Barossi & Nakamura & Dedecca arquitetos associados) para desenvolver o projeto de urbanização de outra área do município, a Favela Santo Onofre. O levantamento continha o layout interno completo das unidades habitacionais, assim como dos espaços livres da favela. Dessa forma, segundo Moreira (2013), o projeto de-senvolvido possuía uma forte avaliação da habitabilidade e das possibilidades de melhoria para as casas do assentamento.

Assim, a equipe decidiu produzir um diagnós-tico detalhado das condições habitacionais, desenhando cada unidade em termos de suas condições de habitabilidade e patologias de construção. Esse diagnóstico físico das cons-truções foi produzido concomitantemente ao

60 MOREIRA, 2013

Habitações precárias no Jd. Comunitário, em Taboão da Serra. Fonte: MOREIRA, 2013

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diagnóstico social, e os dois levantamentos foram reunidos em diversos desenhos. Plantas e cortes do assentamento possibilitaram uma compreensão espacial dos aglomerados de mo-radias da favela Santo Onofre, relacionada à ocupação do solo, à relação espacial entre vizi-nhos e aos acessos e circulações públicas e pri-vadas. (...) As informações sobre as condições de habitabilidade e patologias de construção foram classificadas e transferidas para plantas, nas quais níveis de patologias em cada casa puderam ser identificados por cores, ambiente por ambiente, andar por andar.61

As informações coletadas foram utilizadas para deter-minar quais estruturas deveriam ser removidas, devido a sua

61 MOREIRA, 2013, p.11

Levantamento realizado no Jd. Comunitário, em Taboão da Serra. Fonte: MOREIRA, 2013

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precariedade, e quais poderiam ser mantidas pois apresenta-vam boas condições de salubridade e construção, ou ainda a possibilidade de receber melhorias que as consolidassem com ganho de qualidade espacial. O detalhamento permitiu que a análise fosse feita em escala ainda menor que a da unidade habitacional, cômodo por cômodo.

Moreira (2013) destaca que a favela Santo Onofre era composta por 189 unidades habitacionais, o que facilitou o levantamento, por ser esse considerado um número pequeno tratando-se de um assentamento precário em área metropo-litana. No Jd. Comunitário, o fato de o levantamento ser rea-lizado por uma equipe reduzida, composta apenas pela arqui-teta e por um estagiário, e de seu caráter experimental e sem metodologia comprovada, impossibilitou o levantamento de todas as 758 casas do assentamento. Ainda, os recursos dis-poníveis para melhoria habitacional não contemplavam todas as unidades habitacionais consolidadas, assim a equipe ainda deveria passar por uma etapa de seleção das casas mais pre-cárias do assentamento, que receberiam a intervenção. Essas casas estavam na área onde o levantamento realizado na pri-meira etapa da intervenção possuía menos detalhes. Assim, foi realizado um levantamento detalhado, junto com diag-nóstico, para seleção das casas mais precárias, na área mais precária do assentamento e em seu entorno imediato.

Com a classificação das casas mais precárias, foram feitos projetos de melhoria para serem discutidos com os mo-radores, junto com orçamentos e propostas de procedimentos de obra. Um posto da SEMUDUH foi montado em uma casa alugada na área, onde aconteciam as reuniões das comis-sões formadas no projeto de urbanização. O espaço também servia de apoio à equipe do Projeto de Assistência Técnica, que o utilizou para receber moradores com questões relati-

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vas a problemas construtivos em suas casas. Uma divulgação porta a porta foi realizada para chamar os moradores para reuniões divididas por ruas, nas quais eram discutidas as pro-postas da equipe. Outro mecanismo de acesso aos morado-res experimentado foi baseado na experiência dos agentes do Programa Saúde da Família, com a incorporação na equipe de um morador do Jd. Comunitário para a realização de le-vantamentos.62

Após a divulgação e as discussões realizadas pela equi-pe, foram realizados trabalhos de campo para identificação de casas de madeira e vistorias em casas em áreas de risco. Cada visita levava à analise da unidade habitacional em questão e das unidades vizinhas, a fim de se verificar uma continui-dade da condição de precariedade habitacional. Também foi realizada a compatibilização dos levantamentos detalhados das unidades habitacionais e seu entorno com as propostas de urbanização para a área onde estavam. Cada projeto que resultava das visitas era discutido separadamente com cada uma das famílias. Diferentes alternativas foram produzidas: novas casas isoladas, novos conjuntos de casas e reformas de casas existentes.63

Considerando o tamanho da equipe, a expe-riência revelou que um projeto detalhado em intervenções em favelas não é uma tarefa im-possível. Esse processo pode trazer um impor-tante conhecimento para ser incorporado em futuras políticas urbanas e em futuros projetos de urbanização de favelas: que é possível e até mais eficiente,melhorar a qualidade do espaço dentro do tecido da favela na pequena escala, repensando caso por caso seus usos e densi-

63 op. cit.

62 MOREIRA, 2013

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dade, e incorporar no projeto de urbanização um conhecimento profundamente baseado em dinâmicas do espaço preexistente, a partir das potencialidades internas e situações críticas que precisam de mudança.64

No entanto, o mesmo êxito não foi percebido na fase de obras. Para essa etapa, a prefeitura comprou parte do ma-terial e contratou uma pequena empreiteira, ao contrário da proposta apresentada pela equipe de organização de uma co-operativa de construção formada pelos moradores da área. A contratação da empreiteira levou a adoção de soluções pa-drão, implantadas em poucas casas, precisamente naquelas que possuíam as menores condições de precariedade.65

Segundo Urushibata (2013), até o momento não há resultados significativos das intervenções de melhoria habi-tacional nas áreas urbanizadas pelos projetos que passaram a operar pelo PAC, apensar do componente ser previsto no escopo das intervenções do programa. As maiores dificuldade levantadas pelos técnicos municipais responsáveis pelos pro-jetos são a falta de interesse das construtoras em participarem de licitações desse tipo, por serem serviços pouco lucrativos; a obsolescência dos dados levantados, dada a dinâmica de au-toconstrução das casas; o não apoio dos gestores dos recursos por não entenderem que as melhorias devem ser realizadas também nas habitações, além dos espaços públicos; entraves burocráticos relacionados a repasses de recursos; e a dificul-dade de se trabalhar num espaço ocupado, que muitas vezes faz necessário o auxilio aluguel para que a família deixe a casa na fase de obras.

O terceiro programa de assistência técnica do muni-cípio, Programa de Subsídio a Habitação (PSH), conta com

65 op. cit.

64 op. cit. p.14

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recursos do Orçamento Geral da União (OGU) e contra-partida obrigatória da prefeitura (em recursos ou na doação de terreno), de forma que não onera as famílias atendidas. É realizado em autogestão, através de contratos firmados entre as famílias beneficiarias e instituições bancárias autorizadas pela Caixa Econômica Federal. A essas instituições cabe fa-zer os repasses dos recursos às construtoras contratadas pelas famílias, que são liberados conforme medições realizadas por técnicos municipais responsáveis. Nesse programa são rea-lizadas intervenções de reforma e construção de moradias, com a finalidade de regularização fundiária, em seis áreas do município caracterizadas como loteamentos irregulares, de origem na política assistencialista de doação de lotes anterior a 2005. As casas apresentam problemas estruturais e de habi-tabilidade, recorrentes da autoconstrução (portanto, da falta de assistência técnica) e do desenho dos loteamentos, que por promoverem poucas áreas livres e lotes estreitos não permi-tem iluminação e ventilação natural adequadas aos ambientes das moradias. O programa atende um total de 462 famílias e é considerado o programa de melhoria habitacional mais significativo do município, já que se viabiliza ao não onerar as famílias e ao promover a regularização fundiária.66

A metodologia experimentada pelo PSH começa com a divulgação do programa pela prefeitura, que também fica responsável pela seleção das famílias interessadas em se-rem beneficiadas pelo programa. A seleção é feita através de entrevista entre assistente social da prefeitura e interessado, quando são verificados os pré-requisitos para o atendimento: ter renda familiar inferior a R$ 1.245,00 e morar em área urbanizada de propriedade do município. Todas as famílias interessadas que atendem esses dois requisitos são cadastra-das para participar do programa.6767 op. cit.

66 URUSHIBATA, 2013

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Após o cadastro é feito um relatório fotográfico de cada moradia, para que sejam analisados os problemas mais recorrentes. Urushibata (2013) aponta esses problemas, con-forme descrição realizada pela equipe técnica da prefeitura: requalificação estrutural; revestimento interno e externo; ins-talação de revestimento cerâmico (piso e parede); alvenaria; execução de cobertura (telhado); impermeabilização de áreas suscetíveis à umidade; troca/instalação de esquadrias; insta-lações elétricas e hidrosanitárias; requalificação da fachada; estruturas auxiliares (escadas, etc.); construção de embrião (no caso de casas de madeira ou extremamente precárias); regularização fundiária. Com as informações obtidas nesse primeiro levantamento é possível priorizar as intervenções mais urgentes, e ainda identificar as moradias extremamente precárias, que no lugar de reforma serão contempladas com a construção de uma casa embrião.

A construtora contratada realiza então novo levanta-mento, em cada uma das moradias, para averiguar as necessi-dades dos moradores, realizar o orçamento da reforma (limi-tado ao máximo de R$ 10.000 por casa) e firmar os acordos necessários com os moradores para o início das obras. Após o término das obras, os técnicos municipais realizam as me-dições e fazem um relatório fotográfico que pode ser compa-rado com o relatório anterior. As instituições bancárias tam-bém realizam suas próprias medições, e fazem o pagamento diretamente à construtora.

Urushibata (2013) conclui em seu estudo sobre inter-venções de melhoria habitacional em Taboão da Serra que há problemas na viabilização de ações com esse caráter dentro dos programas de urbanização de assentamentos precários, assim como na incorporação no município da Lei de Assis-tência Técnica promulgada em 2008. A autora associa esses

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problemas à falta de recursos e de infraestrutura para viabili-zar o trabalho, ao desconhecimento dos programas por parte da população e o reduzido número de técnicos qualificados para atuar nesse campo no atual quadro da prefeitura. Entre-tanto, entende a importância das experiências na contribui-ção para o aumento do acervo de experiências relacionadas ao tema.

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Montagem a partir de diafilme do Programa Nacional de Alfabetização (PNA), de 1963.Fonte: Marina Barrio, a partir de imagens de flickr.com/forumeja

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P OT E N C I A L P E D A G ó G I C O E M P R O C E S S O S D E U R B A N I Z A Ç Ã O D E A S S E N TA M E N TO S P R E C Á R I O S

A escolha em trabalhar com assentamentos precários se deu pela existência da tensão que vive sua população entre cons-truir e pertencer à cidade e dela ser continuamente segre-gada, seja pela falta de acesso aos serviços urbanos, seja pela sempre iminente ameaça de remoção de suas casas das áreas que habitam. A tensão explicita a dinâmica social de nossa sociedade, na qual esses espaços, o único acesso possível da população pobre à cidade, não são só produto dos esforços de construção de seus habitantes, mas também sujeitos, de-finindo e configurando as relações entre seus moradores, e entre eles e os habitantes da cidade formal. Vejo o processo de urbanização como potencial momento para a abertura de espaços de reflexão, por parte dos moradores desses assenta-mentos, sobre essa tensão vivida e sua relação com a nossa dinâmica social.

Com o intuito de investigar como nos processos de

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urbanização, em momento de aproximação com o poder pú-blico, a população envolvida nessa construção de cidade cons-trói e reconstrói também os seus direitos, ao mesmo tempo em que são pensadas as alternativas futuras para os espaços onde vivem, organizei um roteiro de conquistas adquiridas historicamente nesses processos. A organização desse rotei-ro foi feita a partir de leituras de teses acadêmicas e textos institucionais sobre a evolução dos tipos de intervenção em assentamentos precários, apresentada na segunda parte des-se trabalho. Contudo, esses direitos estão essencialmente li-gados a experiências vividas por comunidades habitantes de assentamentos precários, em todo país.

Na mesma etapa de leitura, procurei as relações existen-tes entre a conformação e a intervenção em assentamentos pre-cários e a cidadania insurgente, como dita por Holston (1999).

A cidadania muda à medida que novos mem-bros emergem para fazer suas reivindicações, expandindo seu alcance, e em que novas for-mas de segregação e violência se contrapõem a esses avanços, erodindo-a. Os lugares de ci-dadania insurgente são encontrados na inter-secção desses processos de expansão e erosão.68

A evolução no tratamento da questão dos assenta-mentos precários, que vai da erradicação à urbanização in-tegrada, evidencia que a maior reivindicação da população moradora desses assentamentos é a sua permanência no local, o que lhe assegura a manutenção das relações sociais cons-truídas nesses territórios. O roteiro organizado passa por esse e por outros pontos, que aqui destaco a partir das leituras e vivências no tema:

68 HOLSTON, 1999, p.48

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participação: o acompanhamento e aprovação pela população de todas as etapas do processo;

projeto específico: desenvolvimento de projeto específico para a área de intervenção, levando em conta as especificidades locais e as caracte-rísticas e necessidades de sua população, resul-tando em intervenção que melhore a qualidade do habitar desde a escala da unidade habitacio-nal até a integração com a cidade formal;

localização: diminuição da remoção de famílias ao menor número possível e garantia de manu-tenção dos moradores dentro do perímetro de intervenção ou em área de reassentamento em local próximo;

integração e inclusão: integração de redes de saneamento e acesso viário à cidade formal, assim como acesso a equipamentos, serviços e programas sociais;

regularização fundiária: propriedade ou con-cessão de uso do imóvel, seja ele consolidado ou novo, com reconhecimento por parte das concessionárias de água e luz;

regularização urbanística: disponibilidade de recursos e de assessoria técnica para projeto e obras de melhoria habitacional nas casas conso-lidadas, com a posterior regularização do imó-vel frente aos órgãos municipais responsáveis.

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Apesar de os direitos levantados não estarem defini-dos legalmente, já são percebidos como direitos de cidadania por parte dos técnicos e, principalmente, da população en-volvida em processos de intervenção em assentamentos pre-cários. Demonstram uma dinâmica que, como descrito por Holston (1999):

(...) age contra a absorção modernista de ci-dadania num projeto de construção do estado, proporcionando possíveis fontes alternativas para o desenvolvimento de novos tipos de prá-ticas e narrativas sobre o pertencer à sociedade e nela participar. Este “agir contra” define o que chamei de cidadania insurgente, e cuja versão espacial chamei de urbanismo insurgente. Essa insurgência é importante para o projeto de re-pensar o social em planejamento, por que reve-la um domínio do possível que está enraizado na heterogeneidade da experiência vivida, isto é, no presente etnográfico e não em futuros utópicos.69

A participação da população durante todo o proces-so é indispensável para que se façam valer esses direitos. No entanto, a população moradora de assentamentos precários comumente encontra dificuldades na participação, mesmo quando existem espaços institucionalizados com tal fim. Na maioria dos casos as intervenções nesses epaços são propos-tas pelo poder público e não partem da reivindicação de seus moradores. A falta de organização local tende a limitar a par-ticipação da comunidade aos espaços propostos pelas prefei-turas e esta participação fica sujeita aos interesses do agente

69 HOLSTON, 1999, p.53

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municipal. Muitas vezes os espaços que se dizem participati-vos não passam de locais de convencimento ou de aprovação de idéias já prontas, que ocultam os conflitos necessários para a construção coletiva. São espaços nos quais a participação pode se apresentar de maneira abstrata e formal.

A descentralização das políticas públicas, que vem dando margem a processos participativos, com o objetivo de formular políticas mais per-meáveis aos diferentes interesses existentes na sociedade, define critérios em que os sujeitos a serem envolvidos se bastam na chamada ‘so-ciedade civil organizada’ o que, em geral, deixa de fora da arena pública grupos sociais mais desassistidos e comumente menos orgânicos e institucionalizados.70

Ainda, há de se refletir se a pressão popular que essa participação permite fazer tem força frente às pressões de ou-tros agentes, e se esses espaços de participação, baseando-se no discurso do consenso, não estariam ratificando interesses opostos aos interesses populares.

A falta de organização comunitária tende a centralizar os discursos dos moradores em questões aparentemente indi-viduais, e a falta de diálogo entre eles faz com que seja difícil a percepção de que essas questões individuais são comuns a maioria de seus vizinhos. A negociação entre interesses indi-viduais e coletivos também se faz difícil, pois os indivíduos tendem a não reconhecer que as melhorias para o coletivo contemplam também os seus interesses.

Um processo de urbanização que considere a parti-cipação dos moradores da área de intervenção deve prever

70 USINA, p.2003, p.22

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atividades e espaços de diálogo, mas também estar aberto a colocações não previstas da população, sempre reconhecendo a validade dos conflitos existentes. Entendo que arquitetos e outros técnicos envolvidos podem atuar como fomentadores do caráter pedagógico desse processo, cooperando através da crítica e da proposição para atuação dos agentes envolvidos, principalmente da população.

Dentro do processo de urbanização, a fase de projetos é o momento da aproximação do poder público, dos técnicos responsáveis pelo projeto e das famílias, e da construção da parceria entre esses agentes. Se inicia com o contato entre o poder público e a população moradora da área de inter-venção, seja por reivindicação dessa ou por decisão do órgão competente. Também é momento de criação de expectativas e desconfianças. Em um primeiro instante, faz-se importe a troca entre técnicos e moradores daquilo que entendem por urbanização e o que esperam desse processo. Em seguida, a realização de diagnóstico físico e social permitirá aos técni-cos uma compreensão mais profunda das especificidades do local. O diagnóstico trará importantes elementos em cima dos quais além de ser realizado o projeto de intervenção fí-sica, serão encontrados os melhores canais de diálogo com a população.

O sucesso do processo de urbanização de uma favela depende da relação de confiança que se estabeleça entre a instituição responsável, seus agentes executores e a população. A fase de proje-to é fundamental para se estabelecer essa relação, tornando possível à população toda, e não apenas às lideranças, conhecer, concordar e preparar-se para as obras. É preciso, então, fazer um traba-

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lho de construção de uma democracia horizon-tal, com representantes por viela ou quadra, que possam conhecer em detalhe o projeto. Os mo-radores precisam conhecer as razões das obras: porque o esgoto está relacionado a doenças, por-que a favela tem muitos ratos e baratas, para que possam enfrentar as dificuldades que aparecerão. É necessário que os moradores estejam de acordo com a obra e sabendo o que e quando vai aconte-cer. O planejamento da obra deve levar em con-sideração o fato de que as pessoas continuarão morando no local durante os serviços.

A obra em favela traz muita interferência e in-cômodo ao dia a dia dos moradores (remoções provisórias ou definitivas, demolições, trechos intransitáveis, perigo de máquinas e valas para crianças etc.). Por isso, muitas vezes, apesar de anteriormente terem reivindicado as obras, mo-radores oferecem resistência à sua continuidade.71

Um exemplo de espaço de diálogo, referência para o meu trabalho, foi a oficina sobre motivos de remoção reali-zada pela assessoria técnica Peabiru TCA durante o projeto de urbanização do assentamento precário Batistini, em São Bernardo do Campo. A oficina foi momento de formação e informação simultaneamente, no qual se buscou comparti-lhar e esclarecer questões técnicas, de forma a subsidiar a po-pulação para a participação nas etapas seguintes do projeto. Pretendeu-se discutir nessa oficina como as melhorias coleti-vas conquistadas com o projeto de urbanização dependem de negociações com os interesses particulares de cada morador.

71 BUENO, 2000, p.124

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A oficina foi aplicada em diversos encontros, com grupos di-ferentes, um dos quais participei e apresento relato a seguir.

A fase seguinte a do projeto, de obras, é o momen-to de maior interferência no dia-a-dia dos moradores, pois é quando suas vidas passam a sofrer as maiores mudanças decorrentes das mudanças espaciais em curso. As obras que acontecem na porta ou até dentro das casas mudam de forma rápida e intensa o cotidiano das pessoas. Nesse momento a relação entre técnicos e moradores passa a ser mais próxima, visto que novas demandas surgem em ritmo acelerado.

As atividades de levantamento, diagnóstico e proje-to para intervenção de melhoria habitacional, assim como a aproximação a uma família e a sua casa, foram experimenta-das durante o processo de elaboração desse trabalho, e serão apresentadas mais a frente. Para a elaboração metodológi-ca dessas atividades, me baseei na teoria da ação dialógica do educador Paulo Freire, que se fundamenta na interação e na troca, na superação de relações de dominação e na cons-trução conjunta. Assim, a participação dos moradores foi o eixo principal dessa metodologia, elaborada com referência em trabalho desenvolvido na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, apresentado a seguir, e na experiência já relatada de intervenção no Jardim Co-munitário, em Taboão da Serra. Entendo que os espaços de participação, institucionalizados ou não, devem ser espaços nos quais os moradores se reconheçam como sujeitos, trans-formadores de sua realidade. Assim, entende-se a partici-pação não como “uma exigência técnica que, no mais, deve garantir a eficácia da intervenção (...) e sua ‘sustentabilidade’ (...)”, mas como um espaço “donde a relação entre os saberes considerados ‘especializados’ e ‘populares’ possa fazer parte de um processo de superação de hierarquias e sujeições”.72 72 PULHEZ, 2007

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A proposta foi afastar-se da linguagem técnica e aproximar-se da dimensão cotidiana, estimulando a leitura do espaço em que as famílias vivem. No entanto, a aproxima-ção do técnico com o morador não foi encarada meramente como uma tarefa de tradução de um “mundo técnico” para um “mundo popular”, mas pretendeu-se com esse trabalho entrar em contato com a prática do arquiteto que se aproxima das demandas populares e da organização dessas demandas, a partir da construção de uma relação horizontal com indiví-duos de populações de baixa renda.

O exercício projetual foi realizado levando em consi-deração a melhoria habitacional como um componente dentro do escopo de intervenções de urbanização em assentamentos precários. Apesar de compreender que ações de melhoria ha-bitacional em construções existentes podem acontecer em as-sentamentos já urbanizados, na forma de projetos propostos pela prefeitura ou a partir de demandas individuais, o recorte feito nesse trabalho é o de situações em que a intervenção de melhoria habitacional se inicia dentro do projeto de urbani-zação, e apóia-se no potencial pedagógico que esse processo apresenta, como descrito anteriormente. Defende-se, assim, que as intervenções de urbanização, visando à superação da precariedade e ao respeito das estruturas pré-existentes, de-vem abarcar melhorias em todas as escalas, desde o interior da unidade habitacional, passando pelos sistemas de infraes-trutura, pelos equipamentos comunitários e áreas coletivas, até a integração do assentamento com a cidade formal.

O recorte também se faz em relação ao tamanho e nível de precariedade dos assentamentos. Imaginam-se as-sentamentos de grande tamanho, típicos das áreas metropo-litanas brasileiras, que possam ser classificados como “conso-lidáveis” e objeto de projetos de urbanização ou urbanização

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integrada, como descrito por Denaldi (2008).

O núcleo ‘consolidável’ é aquele que apresenta condições favoráveis de recuperação urbanís-tica e ambiental e de reordenamento urbano (abertura ou readequação de sistema viário, implantação de infraestrutura básica, regula-rização urbanística do parcelamento do solo), com ou sem necessidade de remoção de parte das famílias moradoras. A realocação (remo-ção) pode ser necessária para eliminar situa-ções de risco, promover o desadensamento, para executar intervenções urbanas ou, ainda, em função de restrições legais à ocupação.73 73 DENALDI, 2008,

p.108

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O F I C I N A E L A B O R A D A P E L A P E A B I R U T C A S O B R E M O T I v O S D E R E M O Ç Ã O

O material base para o desenvolvimento da oficina constituía de uma maquete em escala 1:200, em isopor e EVA, de um local imaginário em que apareciam situações semelhantes às encontradas no local. Havia uma área de loteamento regular, com casas em lotes de aproximadamente 5x10m e ruas as-faltadas, uma área de ocupação irregular com vielas em seu interior e uma nascente escondida sob as casas, e um pequeno morro com casas em situação de risco.

As casas eram representadas por blocos nas cores roxa e vermelha e eram facilmente destacáveis de sua posição ini-cial. A proposta dos técnicos era de que as casas roxas, em maior quantidade, seriam as habitações consideradas boas e as vermelhas, em menor quantidade, as consideradas precá-rias. Algumas casas estavam sobrepostas, sendo que cada uma delas representava uma família em domicílio independente. Além das casas, haviam árvores colocadas no morro, também facilmente destacáveis.

Além dessas peças, o material para a oficina ainda in-cluía árvores e viário asfaltado extra e peças de cor laranja, que representavam novas unidades habitacionais, cada uma com aproximadamente 50m².

Acompanhei a oficina do dia 22 de setembro, sába-do, que teve início as 9h30, após 30 minutos de espera para a chegada dos participantes. Esperava-se uma quantidade grande de participantes, suficiente para realizar 4 oficinas pa-ralelas, mas apenas seis pessoas compareceram a atividade. Dessa forma, todos os moradores e técnicos (um arquiteto da Secretaria da Habitação de São Bernardo do Campo, três

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arquitetos, uma socióloga e uma estagiária da Peabiru) de-senvolveram o trabalho no mesmo grupo.

A atividade começou com a apresentação dos técnicos e dos moradores. A socióloga Michele Souza conduziu esse primeiro momento, relembrando outros momentos de con-tato entre a assessoria e os moradores, como o levantamen-to das casas e cadastro das famílias e o DRUP (Diagnóstico Rápido Urbano Participativo). Em seguida realizou-se um levantamento dos problemas encontrados no núcleo que po-deriam ser resolvidos no projeto de urbanização, através de falas dos moradores. Foram levantados os seguintes proble-mas: fala de pavimentação das ruas, de iluminação, de redes de água e esgoto, de limpeza, de áreas de lazer e de moradia adequada.

Em seguida o arquiteto Alexandre Hodapp, da Pea-biru, pediu para que os moradores dissessem o que liam na maquete trazida pela assessoria. As falas descreverem, pri-meiramente, a diferença entre as ruas asfaltadas (papel preto) e as vielas (papel branco). Em seguida, as falas mostraram dúvida sobre o objeto que seria o morro, confundindo-o com uma praça. Ao final, acordou-se que se tratava de um “morro como aqueles do Rio de Janeiro”. Em relação às casas, houve uma interessante discussão sobre a diferença entre as casas em roxo e as em vermelho. Primeiramente os moradores, em mais de uma fala, disseram que as casas vermelhas seriam aquelas de melhor qualidade, as casas grandes. Os técnicos perguntaram se haveria outro significado possível para elas, e foi considerado que poderiam ser casas precárias ou estabe-lecimentos comerciais. Ao final, ficou acordado que as casas vermelhas seriam aquelas de melhor qualidade, visto que es-tavam em número menor do que as casas roxas. Esse signifi-cado foi diferente daquele pensado pelos técnicos na elabora-

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ção da oficina, mas isso não foi dito no momento da atividade e manteve-se o acordo feito naquele momento.

Definido o que cada elemento representava na ma-quete, os técnicos orientaram os moradores a imaginar que aquele espaço apresentava os mesmos problemas levantados por eles para o Batistini. Os moradores deveriam intervir na

maquete de forma a resolver esses problemas. A primeira ação foi remover todas as casas que esta-

vam sobre o morro, pois se tratava de risco à vida das famílias que ali moravam. Foram removidas todas as casas, inclusive aquelas tidas como boas (as de cor vermelha) e colocadas so-bre a mesa, ao lado da maquete. Foi levantado por um mo-rador que aquele espaço, se deixado vazio, poderia voltar a ser ocupado e novamente haveria famílias morando em situação

Maquete utilizada de su-porte para a oficina sobre motivos de remoção. Fonte: Peabiru

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de risco. Foram levantadas algumas hipóteses de o que fazer com o local para que isso não acontecesse: remover o morro, ocupar a área com equipamentos de lazer ou ocupá-la com moradias bem construídas. Nesse momento não foi definido o que seria feito com o espaço, decidiu-se aguardar todas as remoções de casas necessárias.

Em seguida, a intervenção proposta pelos moradores foi a de melhorar a qualidade dos acessos, alargando vielas já existentes e ligando-as a ruas de asfalto. Nesse processo percebeu-se que algumas casas teriam de ser removidas e foi procurado um traçado para essas vias que removesse o mí-nimo de casas possível. A equipe técnica questionou se seria necessário que todas as vielas fossem alargadas e a fala de um morador se sobressai dizendo que sim. Esse morador tem sua casa numa das ruas largas e asfaltadas do assentamento. Os outros moradores não respondem a pergunta, mas percebe-se que começam a fazer um paralelo entre a situação das casas da maquete e a situação em que suas casas se encontram den-tro do projeto de urbanização. Um deles diz que é necessário saber se os removidos concordam em ser removidos, pois ele

Oficina sobre motivos de remoção realizada no assentamento Batistini, em setembro de 2012. Fonte: Peabiru

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mesmo não concordaria.O arquiteto Alexandre lembra que o traçado das ruas

é, além do caminho dos automóveis, o caminho das redes de infraestrutura, e que sua abertura resolveria diversos proble-mas levantados pelo grupo, como a falta de rede de água e esgoto, de energia elétrica e de coleta de lixo. No momento de abertura de vias na maquete o grupo encontra uma nascente sob algumas das casas. É consenso que as casas localizadas sobre a nascente devem ser removidas, para preservação am-biental da área.

Após essas ações, foi revisto o levantamento dos proble-mas para assegurar que todos haviam sido resolvidos. Os pro-blemas de infraestrutura foram resolvidos com a abertura das vias, o da falta de lazer com a abertura da área junto à nascente e o dos barracos com a remoção das casas em área de risco.

Os técnicos orientaram o grupo a reassentar todas as famílias das casas removidas no mesmo perímetro, colocando dentro da maquete blocos laranja no mesmo número (30) de blocos que haviam sido retirados. Quando constatado que não havia grandes espaços para implantação de novas mo-radias, os moradores levantaram que a solução seria a cons-trução de “predinhos”. Eles mesmos mostraram desinteresse nessa tipologia, que muito difere do tipo de habitação em que atualmente moram. Os técnicos da Peabiru e da SeHab levantaram outras possibilidades de tipologia, como prédios de até quadro pavimentos ou casas sobrepostas.

A proposta para reassentamento das famílias conside-rou a ocupação do morro com moradias bem construídas. Foi colocada a maioria das novas moradias nesse espaço e outras foram colocadas em espaços abertos no momento da redefi-nição das vias. A análise dessa proposta chegou à conclusão de que o espaço formado pelas novas habitações no morro

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era de má qualidade, pois os prédios ali estavam muito altos e havia pouco espaço livre.

O arquiteto Alexandre faz uma proposta, de abertura de novas áreas de assentamento, mesmo que isso signifique mais remoção de casas e adensamento. Essa nova proposta possibilitou diminuir o número de unidades no morro, que continuava sendo a principal área de reassentamento, e o uso de uma tipologia de três andares, o que agradou mais os mo-radores.

Um dos moradores levanta, nesse momento, a questão de que essas novas tipologias não preveem espaço de gara-gem. O técnico da SeHab discute, através da maquete, que para haver espaço para garagem o numero de novas unidades habitacionais deveria ser menor. Pergunta então para os mo-radores se deveriam privilegiar espaços para automóveis em detrimento de novas habitações, e eles respondem que não. Os técnicos propuseram alternativas para o estacionamento de carros, como a rua ou bolsões espalhados pela área. Um pequeno espaço junto à área liberada com a retirada das casas devido à presença da nascente foi reservado pelos moradores como bolsão de estacionamento.

Michele começa então uma fala de fechamento da oficina. Diz que o exercício mostra as dificuldades do pro-cesso de projeto pelo qual passam os técnicos, que devem amenizar o impacto das remoções, lembrando que estão li-dando com famílias e não só com construções. Lembra que trabalharam com um espaço imaginário, mas que o processo é o mesmo do que o que acontece no Batistini. Os técnicos ainda chamam a atenção para o fato de que no exercício os atendimentos coletivos vieram antes dos particulares, já que se trata de um projeto e de dinheiro públicos.

Durante o momento de fechamento, uma série de

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perguntas foi direcionada aos técnicos. Entre elas, questões sobre os critérios para assentamento das famílias nas unida-des construídas, o financiamento das novas unidades, a regu-larização fundiária e o atendimento no caso de remoção de comércio. Além disso, durante a oficina houve a oportunida-de para uma fala sobre o Plano Local de Habitação de São Bernardo do Campo.

A oficina mostrou que a viabilidade ou inviabilida-de de soluções leva os moradores do assentamento à reflexão sobre a forma de ocupação do núcleo. A sua tipologia ur-banística – o adensamento excessivo e as vielas estreitas em oposição a um loteamento tradicional – mostra-se como a condição que permite que todas as famílias ocupem aquela mesma área.

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M E T O D O L O G I A E X P E R I M E N TA D A P E L O S A R Q U I T E T O S D A FA M Í L I A N A U F M G

Tomei contato com a experiência relatada a seguir através da dissertação de mestrado de Priscilla Nogueira, apresentada à Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2010. Em seu estudo, a arquiteta faz uma crítica à prática convencional da arquitetura, acom-panhada de uma leitura da metodologia desenvolvida pelo arquiteto argentino Rodolfo Livingston para projetos des-tinados a demandas populares. A pesquisa realizada pela ar-quiteta e relatada em sua dissertação incluiu o estudo e a aná-lise da metodologia de Livingston, assim como a aplicação do procedimento a demandas reais, para sua posterior crítica e aperfeiçoamento.

O método do arquiteto argentino pretende viabilizar o trabalho do arquiteto autônomo em serviços para clientes de classe média e, portanto, diferente do conceito de assistên-cia técnica discutido até então nesse trabalho, já que não se trata de um serviço público gratuito voltado à camada mais pobre da população. Além disso, inclui somente as etapas de levantamento e projeto, e não contempla uma metodologia para a execução de obras. Ainda assim, serve de contribuição para o trabalho que desenvolvo por que se dizer participativo, pelo envolvimento do usuário em todas suas etapas, sempre em diálogo e negociação com o arquiteto. A metodologia proposta está dividida em duas etapas. Na primeira está a co-leta de dados, com as atividades 1. pré-entrevista; 2. primeira entrevista; 3. lugar; e 4. cliente. Também nessa etapa se ini-ciam as atividades de projeto, com 5. criatividade; 6. apresen-tação de variantes; e 7. ajuste final. Na segunda etapa está a

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atividade de projeto 8. manual de instruções. A cobrança dos serviços é feita por etapas, seguindo as atividades, de forma que os clientes podem encerrar o processo quando quiserem, sem que os arquitetos sejam prejudicados financeiramente.74

Para sua pesquisa, Nogueira (2010) aplicou o método de Livingston em projetos de reforma de casas autoconstruí-das de classe média baixa. Contou com uma equipe de arqui-tetos e estudantes da universidade para realizar os projetos, que eram cobrados dos clientes a partir de preços fixos, base-ados no valor da hora técnica da equipe. De início, realizou a divulgação dos serviços propostos através de jornais de bairro e panfletos, distribuídos em associações de moradores e lojas de material de construção. Assim, focou nos bairros “cujo pa-drão construtivo e cuja história indicavam ser habitados pelo público procurado”.75

A arquiteta passou a receber telefonemas em resposta aos anúncios, que configuraram a atividade de pré-entrevista e a partir dos quais pôde obter um primeiro contato com as demandas e necessidades de seus clientes. Nessa atividade, o método original foi seguido à risca, com a explicação do siste-ma de trabalho, o levantamento de quantas pessoas moravam no local, o esclarecimento sobre os recursos que as famílias dis-punham para o projeto e quando pretendiam realizar a obra.

74 NOGUEIRA, 2010

75 op. cit. p.90

Quadro explicativo das etapas do método de Livingston. Fonte: NOGUEIRA, 2010

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A próxima atividade proposta pelo método original é a de entrevista, na qual o arquiteto solicita aos moradores que tragam ao seu escritório desenhos feitos por eles mesmos, com propostas para solucionar os problemas de suas casas. Essa primeira entrevista deve contar com a presença de todos os moradores da casa, e cada um deve elaborar o seu próprio projeto para mostrar ao arquiteto. Nesse momento é apresen-tado aos moradores o roteiro de trabalho, com as obrigações e tarefas de ambas as partes nas etapas do processo, assim como seus conteúdos e valores. Para facilitar o diálogo entre clientes e arquitetos é sugerida uma série de exercícios de escuta, nos quais o arquiteto deve interferir o menos possível, priorizando a escuta do relato do morador e o seu registro. O primeiro exercício de escuta é o próprio “projeto do cliente”, no qual cada morador desenha a situação atual e um projeto para a casa, e serve de base para que o arquiteto realize seu desenho, em papel transparente, de forma a compreender o espaço descrito. O segundo é chamado de “mais-menos”, no qual cada morador diz o que mais e que menos gosta no es-paço. O terceiro é o “exercício fiscal”, no qual o morador clas-sifica os aspectos ruins levantados anteriormente em ordem do mais ao menos grave. O quarto exercício é a “casa final desejada”, no qual o morador imagina sua casa dos sonhos, sem preocupações com a situação real, ou seja, sem levar em conta o lote, a construção existente e o seu limite de recursos. Para esse exercício o arquiteto propõe a elaboração de um diagrama de globos, no qual arquiteto e morador escrevem os nomes dos espaços da casa e os agrupam e conectam confor-me o desejo dos clientes. No próximo exercício, os moradores devem contar ao arquiteto a história do local e da família, com ênfase em sua dinâmica atual, a partir de seus hábitos e horários. Para finalizar, o arquiteto deve, a partir da conversa

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com os moradores, anotar nos desenhos informações quanto às construções vizinhas a casa, à presença de árvores, à relação com a rua, entre outros aspectos que julgar importantes.

Sobre a atividade de entrevista, a autora concluiu que os exercícios propostos por Livingston funcionam de forma eficiente, mas que não precisam ser executados na ordem que o arquiteto propõe. A equipe os utilizou como um guia para não se esquecer de tratar de nenhum conteúdo, como auxi-lio para a conversa entre arquitetos e moradores. Ainda, diz que “essa atividade permite que os usuários reflitam sobre os espaços e suas dimensões, sobre detalhes que nunca percebe-ram antes e sobre suas necessidades e hábitos”.76 A equipe de trabalho flexibilizou a entrevista proposta no método origi-nal, criando uma atividade chamada “consulta”, que mistu-rava exercícios de escuta da entrevista com visitas aos locais das obras. Essa atividade procurou responder questões dos clientes com soluções propostas após uma inspeção do local, através de croquis. De acordo com a autora, a consulta foi percebida como um procedimento mais informal do que a entrevista, o que agradou os moradores, que passaram a man-ter contato com a equipe para as próximas etapas do processo com mais freqüência.

A terceira atividade do método original consiste em quatro visitas ao local, nas quais o arquiteto realiza levan-tamento, com as necessárias observações e medições, não somente da construção em questão, mas também de seu entorno imediato. O levantamento deve conter os móveis na disposição de layout utilizada pelos moradores da casa. Também deve conter levantamento das condições físicas e estruturais da construção, e o arquiteto deve percorrê-la es-pontaneamente. Em suas visitas, a equipe da UFMG verifi-cou que a separação da conversa com os moradores, realizada

76 NOGUEIRA, 2010, p.116

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anteriormente no escritório dos arquitetos, da atividade de levantamento, além de contribuir para a qualidade do diálo-go anteriormente realizado, também facilitou o trabalho de campo.

A quarta atividade é um encontro do arquiteto com os moradores, no escritório do arquiteto, para revisão das etapas realizadas até então. Nele é retomado o conteúdo da primeira entrevista e concluída a etapa de coleta de dados.

A etapa de projeto começa com a quinta atividade, a elaboração de variantes pelo arquiteto, para posterior apresen-tação à família de diferentes soluções, abertas. Para sua ela-boração o método original propõe dois recursos. O primeiro consiste na organização das informações coletadas, tanto nas entrevistas (desejos e necessidades da família) quanto nos le-vantamentos de campo (desenhos realizados pelo arquiteto). O segundo é o “exercício da criatividade”, na elaboração de variantes que busquem soluções para as demandas dos mo-radores. Livingston propõem que sejam desenhados primeiro os projetos dos clientes, para depois serem elaboradas e deno-minadas as variantes do arquiteto. Não deve ser buscada uma única solução final, que exclua idéias processuais. Ao contrá-rio, deve ser valorizado o processo e a evolução de idéias. Os desenhos do processo da elaboração de variantes devem ser realizados a mão livre, em papéis transparentes sobrepostos, com informações suficientes para que possam ser lidos sepa-radamente. Os desenhos devem apresentar móveis com de-talhes, assim como pessoas ocupando os espaços. O arquiteto também deve buscar nesse momento resignificar os espaços da casa, propondo a mudança de usos quando achar conve-niente, iniciativa que normalmente não parte dos usuários.

A sexta atividade, a apresentação de variantes, segun-do o método original, é a apresentação à família dos desenhos

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elaborados pelo arquiteto. Não são elaborados desenhos fi-nais de apresentação, mas são mostrados os desenhos pro-cessuais, com pequenos ajustes para melhor visualização. Na sua apresentação, o arquiteto deve fazer uso de instrumentos como trenas para exemplificar medidas e anteparos improvi-sados (panos, papeis de grande tamanho) para exemplificar paredes. A fala deve evitar termos técnicos e abstratos, e deve acontecer de maneira clara e pausada, com intervalos para a reflexão por parte dos moradores.

Na etapa de elaboração de projeto, diferente da prá-tica tradicional de apresentação de um único projeto, final, a equipe da UFMG, seguindo o método de Livingston, elabo-rou e apresentou às famílias diferentes opções de soluções. Dessa forma, o projeto foi entendido como processo, aberto a participação dos clientes. As variantes não são feitas para que o cliente escolha uma entre elas, mas para que possam com-binar soluções presentes nas diferentes opções. As opções de projeto foram apresentadas em desenhos feitos a mão (pois assim tem aspecto processual, e não de solução final), em pa-pel transparente para facilitar a sobreposição, sem símbolos ou convenções técnicas, com textos por extenso e em letras grandes de forma a facilitar a leitura, em escala 1:100 para serem medidos com régua convencional e acompanhados de

Desenho de proposta de reforma elaborada pela equipe da UFMG. Fonte: NOGUEIRA, 2010

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elementos manipuláveis, como recortes de móveis e pessoas em escala.

A última atividade da primeira etapa, o ajuste final, depende da participação dos moradores, que através de críti-cas e opiniões contribuem para a finalização do projeto. Essa participação acontece no mesmo encontro da apresentação de variantes ou, conforme a vontade dos moradores, após le-varem consigo os desenhos para discutir entre si as opções apresentadas, com mais tempo e cuidado. Nesse último caso, num próximo encontro, o arquiteto ouve as propostas dos moradores e atualiza o projeto, definindo o projeto final.

A segunda etapa do método de Livingston é a elabo-ração de uma manual para ser utilizado pelos trabalhadores encarregados da obra. Assim, pressupõe-se que o arquiteto se retira desse momento, não acompanhando a obra e deixan-do-a na mão da família e de quem ela contratar para realizar a intervenção. O manual supostamente confere autonomia

Detalhe de manual de instruções elaborado por Livingston. Fonte: NOGUEIRA, 2010

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para que a intervenção seja realizada sem a presença do ar-quiteto, e para que a família e os encarregados da construção façam as modificações que julgarem oportunas. Para início dessa atividade o arquiteto propõe a definição junto à família dos elementos (caixilhos, revestimentos, cores) a serem uti-lizados na obra. Como muitas famílias, segundo Nogueira (2010), preferem definir sozinhas os elementos a serem uti-lizados conforme o andamento da obra, nessa etapa já ficam claras as informações que o arquiteto deve incluir no manu-al. Segundo o método original, no manual as informações de diferentes projetos (alvenaria, elétrica, hidráulica) devem aparecer juntas, de forma que os impactos da obra sejam ava-liados simultaneamente. O manual é formado por desenhos, textos e uma gravação em áudio. A gravação em áudio explica a obra primeiramente de forma geral, depois ambiente por ambiente, e ao final cita detalhes isolados.

Não se trata, portanto, de dar ordens de ser-viço, mas de um mecanismo de comunicação e transmissão de informações, que deve ser fornecido ao proprietário e repassado ao che-fe da obra num mesmo momento. Livingston não pretende definir como as coisas são cons-truídas. Com o manual, o arquiteto delega aos construtores a responsabilidade do construir, fornecendo a eles instruções básicas baseadas nas premissas espaciais previamente discuti-das, mediantes as possibilidades construtivas de cada local.77

Definido o projeto final, de reforma ou de edificação de uma nova construção, quando foi de interesse do cliente, a

77 NOGUEIRA, 2010, p.87

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equipe da UFMG montou manuais de instruções, separados por assunto e por etapa da obra, para serem discutidos entre clientes e trabalhadores da construção. Esses manuais foram elaborados imediatamente antes ou concomitantemente as obras, de forma a garantir o atendimento às reais necessidades dos moradores e também para que os preços dos materiais se mantivessem atualizados. Para facilitar o entendimento das instruções, os desenhos eram prioritariamente apresentados em perspectiva isométrica e em cores.

A metodologia descrita foi sistematizada pelo arquite-to argentino Rodolfo Livingston, mas apresenta semelhanças com o modo de trabalho de arquitetos brasileiros envolvidos em ações de assistência técnica. Tais semelhanças evidenciam a relação histórica estabelecida entre coletivos de arquitetos latino-americanos atuantes na área da efetivação do direito à moradia digna, especialmente aqueles do Brasil, Argentina e Uruguai. Essa relação caminha em conjunto aos processos excludentes de urbanização das principais cidades desses pa-íses, e é marcada pelo momento histórico de redemocratiza-ção pós regimes militares autoritários na década de 80 e pe-las trajetórias de movimentos de luta por moradia. A prática desses coletivos é conhecida principalmente pelas experiên-cias de construção de conjuntos habitacionais em autogestão ou mutirão, em parceria com movimentos de moradia.

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Parede da casa de Antônia, bairro do Alvarenga, São Bernardo do Campo, 2013.Fonte: Marina Barrio

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E X E R C Í C I O P R O J E T U A L : I N T E R v E N Ç Ã O N A C A S A D E A N T ô N I A

Com o objetivo de entrar em contato com a prática de pro-jeto em intervenções de melhoria habitacional, realizei como parte deste trabalho um exercício projetual de reforma e ampliação de uma casa autoconstruída em assentamento precário. A experiência possibilitou a aproximação tanto às complexidades de se agir sobre estruturas espaciais existen-tes, quanto a questões referentes ao diálogo e interação entre arquiteto e morador. O exercício foi realizado com moradores de loteamentos da região do Baixo Alvarenga, no município de São Bernardo do Campo, que apresenta características tí-picas de loteamentos irregulares da Região Metropolitana de São Paulo. O contato foi feito através do Laboratório de Ha-bitação e Assentamentos Humanos da FAU-USP (LabHab), que desenvolve atualmente projeto junto à comunidade, em rede que discute manejo de águas pluviais em meio urbano, com fomento da FINEP.

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O projeto desenvolvido pelo laboratório tem como estudo seis loteamentos irregulares (Parque dos Químicos, Parque Ideal, Novo Horizonte I e II, Nova América e Ouro Verde) em área de proteção aos mananciais, promovidos no final da década de 1980, próximos a Represa Billings.

Se para grande quantidade dos primeiros com-pradores o lote resolveu o problema habitacio-nal; para proprietários, imobiliárias e imobili-árias travestidas de associações de moradores o interesse era o ganho máximo com a terra, fazendo a divisão de lotes sem a destinação de áreas públicas, verdes e coletivas, sem adequa-ção à topografia gerando ruas íngremes e de difícil mobilidade e acesso às áreas de maior declividade.78

Quando os terrenos desses loteamentos foram ven-didos só haviam sido traçadas as ruas e demarcados os lotes. Logo após a venda, foi aberto processo de embargo pela Se-cretaria do Meio Ambiente e promovida ação civil pública pelo Ministério Público, contra as associações que viabiliza-ram a compra dos lotes. Essas associações, que haviam sido montadas somente com a finalidade de compra e venda dos terrenos, ficaram inativas após a intervenção pública, até que seus espaços foram sendo ocupados por moradores no senti-do da organização e da defesa comunitária. Apesar das pri-meiras notificações, não houve outras medidas de fiscalização ou controle e os loteamentos continuaram a ser ocupados e consolidados.

78 FERRARA, 2011, p.12

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Hoje, mesmo sem a disponibilidade da maioria das redes de infraestrutura pública, o núcleo foi sendo consoli-dado através de intervenções realizadas pelos próprios mo-radores, na autoconstrução de suas casas e da infraestrutura urbana mínima. Após o enquadramento desses assentamen-tos no Plano Emergencial da prefeitura de São Bernardo do Campo, o núcleo passou a ter previsão de atendimento com obras de urbanização, a partir de uma nova política que flexi-biliza a lei de proteção aos mananciais em relação à realização de obras de infraestrutura e de regularização fundiária em loteamentos irregulares.79

Planta do loteamento Nova América. Fonte: Associação Co-munitária Pró-Moradia Repartição do Espaço, in Ferrara, 2013

Fotos aéreas de 1973 e 2012, com destaque para loteamentos do baixo Alvarenga. Fonte: PMSBC e Google Earth in Ferrara, 2013

79 op. cit.

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Atualmente, os moradores desses loteamentos estão organizados em torno de uma associação que tem acúmulo histórico de discussão urbano-ambiental. Como suas pautas passam pela reivindicação de infraestrutura urbana e de regu-larização fundiária, a discussão sobre melhoria habitacional acompanha uma trajetória de luta feita por essa comunidade para a consolidação de seu assentamento.

Vista do núcleo no Baixo Alvarenga, com a Represa Billings ao fundo, em maio de 2013. Fonte: Marina Barrio

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O convite para a participação no desenvolvimento do exercício projetual foi feito às lideranças locais organizadas em torno dessa associação, no final de reunião na qual es-tavam presentes para apresentação do grupo de pesquisa do laboratório. Propus um exercício no qual os moradores me apresentariam suas casas e as reformas que achavam interes-santes para esses espaços, através de desenhos feitos por eles mesmos.

Com base na metodologia sistematizada por Livings-ton e experimentada pela equipe da UFMG, pedi para que, em casa, os moradores fizessem três desenhos: o primeiro, um desenho de como a casa onde moram é; o segundo, o desenho da casa onde moram com as reformas que gostariam de rea-lizar; e o terceiro, o desenho da casa dos sonhos, que não pre-cisava ter relação com a casa onde moram atualmente. Ainda, disse para que se possível pedissem para outros moradores da casa fazerem os seus próprios desenhos também. Nesse momento eu ainda não possuía nenhuma informação sobre a casa dessas pessoas, de forma que meu primeiro contato com as necessidades de reforma seria a partir dos desenhos e das conversas feitas com os moradores. Todas as cinco lideranças presentes (Darci, Raimundo, Ermy, Gustavo e Antônia) acei-taram participar da atividade. Distribui para cada uma delas um kit com as instruções desse exercício, prancheta, nove fo-lhas brancas de tamanho A4 e um estojo com lápis de cor ou canetinhas hidrocor.

Num primeiro retorno, quatro dias depois da reunião inicial, conversei com Darci, Raimundo e Ermy sobre os de-senhos que fizeram. Encontrei com os moradores cada um na sua respectiva casa. Nenhum deles habitava casa que podia ser caracterizada como precária, apesar de todas autoconstru-ídas. Eram todas casas de alvenaria, com cobertura em laje, e

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totalmente revestidas no interior. No exterior, quase todas as paredes estavam revestidas. As reformas pensadas pelos mo-radores foram na disposição dos cômodos, e não em melho-rias de habitabilidade ou estruturais.

No caso específico de Ermy, a proposta feita pela moradora para reforma era a colocação de telhado verde e sistema de captação de água de chuva em sua casa, o que demonstra por sua parte interesse em questões relacionadas à ocupação em área de mananciais. A reforma proposta por Darci era a reorganização dos cômodos dentro da sua casa, de forma que a cozinha ficasse maior, e a ampliação do andar superior com a construção de uma laje sobre o quintal, que seria utilizada como varanda.

Ermy e Darci apresentaram desenhos da casa dos so-nhos. Ambos mostravam uma casa em meio a uma grande área verde, uma espécie de chácara. Ermy nem chegou a de-senhar a parte de dentro da casa, sendo importante somente a sua localização. A situação idealizada é contraposto a rea-lidade onde vivem, pois o assentamento é bastante denso e são poucas as áreas livres próximas. Os desenhos têm uma abordagem ambiental e de inserção urbana da casa, que pode ser relaciona à trajetória de formação e luta dessas pessoas, por direitos urbanos e sócio-ambientais.80

Raimundo me apresentou somente os desenhos da casa como é hoje e de como ela ficaria após uma reforma. Para a reforma, ele prevê a diminuição de todos os cômodos e a abertura de um quintal nos fundos. Apesar de não ser considerada precária, a casa de Raimundo apresenta alguns problemas relevantes, típicos da autoconstrução. São eles a falta de iluminação natural suficiente em alguns cômodos, e a falta de espaços livres e permeáveis dentro do lote.

Realizei um levantamento das casas, para ser utilizado

80 FERRARA, 2011

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de base para a elaboração de projetos de reforma. Fiz dese-nhos em planta para cada um deles, os quais completei com as dimensões dos cômodos, medidos com trena com a ajuda de uma colega.

Num segundo retorno, visitei as casas de Antônia e Gustavo. A casa de Gustavo era semelhante às casas vistas no retorno anterior. Já era consolidada e as propostas de reforma eram na disposição dos ambientes, em virtude da família ter

Desenho feito por Darci, da sua casa dos sonhos. Fonte: Marina Barrio

Desenho feito por Ermy, da sua casa após reforma. Fonte: Marina Barrio

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diminuído com a saída dos filhos de casa. Dorinha, esposa de Gustavo, e sua filha contaram que os serviços de obras na casa são recorrentes.

Já a situação de Antônia mostrou-se diferente da dos outros moradores com que conversei. Sua família é mais jo-vem que as demais, seus filhos ainda moram com os pais, um ainda em idade escolar. A família mora no assentamento há menos tempo que as outras e ainda não teve a oportunidade de reformar a casa comprada, de acordo com as suas neces-sidades.

O caso de Antônia e da sua casa foi escolhido para detalhamento nesse trabalho pois sua família vive a situa-ção mais precária entre as pessoas com as quais conversei. Considerando os parâmetros de habitabilidade elencados por Urushibata (2013), a situação verificada no levantamento de campo possibilitava o trabalho, principalmente, com o di-

Interior da casa de Gustavo e Dorinha. Fonte: Marina Barrio

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mensionamento adequado dos espaços para a realização das atividades pretendidas, o risco de injúrias físicas dos ocupan-tes, e o risco de incêndio iminente. Além disso, a família é a mais jovem dentre todas e seu caso levanta questões comuns ao passado das outras famílias, como a mudança na disposi-ção dos cômodos da casa com o crescimento dos filhos, o fato da familiar ocupar a casa enquanto ela está em construção ou reforma, e a irregularidade das obras. A situação habitacional dessa família apresentou a possibilidade de se trabalhar com diferentes tipos de intervenção: a construção de novos cômo-dos, a construção de novo banheiro e a melhoria de cômodos já existentes.

A seguir, exponho os desenhos realizados pelos mo-radores, em conjunto com uma breve descrição da casa de cada um. Mais a frente, relato o levantamento e apresento o projeto para a casa de Antônia.

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A C A S A D E D A R C I

Darci mora no loteamento Nova América há vinte anos. Hoje, mora com a esposa e uma filha no andar de cima de casa, e aluga os cômodos embaixo dos seus para outra família. É bastante atuante dentro da associação, sendo reconhecido pelos outros moradores como liderança comunitária.

A casa de Darci ocupa um terreno que no leamento original é de esquina. Contudo, uma das duas ruas nunca foi demarcada ou construída. Assim, uma lateral da casa abre para um terreno sem uso definido, que a família se preocupa em realizar a manutenção. Neste terreno há um acesso para a casa de Darci, em meio a um jardim, continuação do espaço da casa. Apesar de o morador prever como ficaria a casa após a construção da rua projetada, demonstra o desejo de que o terreno não seja ocupado, seja por uma nova via, seja por outra casa. Esse desejo pode ser compreendido em paralelo ao desenho da casa dos sonhos realizado por Darci, no qual o espaço de morar não se limita à edificação da casa.

Lateral da casa de Darci que abre para a rua não construída. Fonte: Marina Barrio

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Desenho da casa dos sonhos feito por Darci, em planta e vista.

Desenho feito por Darci, da casa como é hoje, em planta.

Desenho da casa após a reforma, feito por Darci, em planta.

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A C A S A D E R A I M U N D O

Raimundo é liderança histórica no núcleo, e esteve envolvi-do na elaboração da Lei Específica da Billings. Hoje, mora com a esposa e a enteada. Sua casa tem destaque na rua pela presença de grande quantidade de vasos e plantas no portão. Além do trabalho na fachada, Raimundo também realiza a manutenção constante de um lote desocupado na frente do seu, que cultiva de forma a garantir que não seja ocupado irregularmente.

Antes de se mudar para a casa no loteamento Parque dos Químicos, a utilizava como casa de passeio, há 39 anos. Quando seus filhos ficaram adultos, deixou a casa na favela onde morava para eles, e se mudou para a casa atual. Como a família ficou menor, o desejo do morador de diminuir a casa de forma a ter mais espaço livre dentro do lote encontrou a possibilidade de ser realizado.

Fachada da casa de Raimundo Fonte: Marina Barrio

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Desenho da casa atual de Raimundo, feito pela sua enteada.

Desenho feito por Raimundo, da sua casa atual, em planta.

Desenho da feito por Raimundo, da sua casa após reforma, em planta.

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A C A S A D E E R M Y

Ermy mora no loteamento Novo Horizonte I. Atualmente, no lote que ocupa a casa onde mora também estão mais duas casas, de suas filhas, uma delas em construção. Todas as ca-sas compatilham a mesma circulação e cômodos dos fundos, onde estão a área de serviço e um quintal cimentado. Ao lado da casa há uma área de cultivo e de criação de galinhas.

A casa de Ermy está localizada na margem de um cór-rego e por isso parte dos cômodos dos fundos deve ser demo-lida por se encontrar em área de proteção ambiental. Apesar de a demolição significar a reordenação dos cômodos da casa, Ermy entende e concorda com a justificativa técnica dada. A preocupação ambiental também aparece nos desenhos da moradora, que propõe na reforma de sua casa a construção de um telhado verde e de sistema de captação de água de chuva.

Córrego passando por baixo da casa de Ermy. Fonte: Marina Barrio

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Desenho feito por Ermy, do jardim existente em sua casa.

Desenho feito por Ermy, da sua casa como é hoje, em planta.

Desenhos feitos por Ermy, da sua casa após reforma, em planta e vista, e da sua casa dos sonhos.

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A C A S A D E G U S TAv O

Gustavo é presidente da associação de moradores do núcleo. Mora com a esposa Dorinha, no loteamento Novo Horizon-te I, e recebe visita constante dos filhos e netos. A casa foi construída em etapas, num terreno de alta declividade. Atu-almente a família aluga os cômodos dos andares inferiores e ocupa o último andar da construção.

A casa de três dormitórios já passou por reformas quando os filhos do casal deixaram de morar com os pais. A sala de estar foi ampliada com a retirada de um dos quartos, e o espaço ficou mais convidativo às reuniões de família. As reformas previstas pelos moradores e apresentadas nos dese-nhos são no mesmo sentido de readaptação dos espaços para a nova conformação familiar, com a integração do espaço da sala ao da cozinha. Gustavo dá ênfase à reforma do jardim, onde cultiva flores e verduras. Dorinha expande a reforma da área externa até o local onde hoje há uma churrasqueira, junto a uma varada.

Jardim da casa de Gustavo. Fonte: Paula de Oliveira

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Desenho feito por Dorinha, da casa como ela é hoje, em planta.

Desenho feito por Dorinha, da casa após reforma, em planta.

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Antonia durante a visita, em maio de 2013. Fonte: Leonardo Klis

A C A S A D E A N T ô N I A

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Antônia é a moradora mais recente do bairro entre as lide-ranças com as quais conversei. Ela e o marido, Francisco, nasceram no estado do Ceará, mas se conheceram em São Bernardo do Campo, aonde foram morar após a ida dos pais para a cidade. Casaram e moraram por um tempo na casa do pai de Francisco, no bairro Jardim das Orquídeas, em São Bernardo. Com a venda dessa casa, ganharam dele uma casa na região do Grajaú, em São Paulo. Há sete anos, junto com os filhos Diego e Denis voltaram a morar em São Bernardo, pela proximidade da família e dos locais de emprego. Antônia trabalha numa casa localizada no bairro Jardim das Orquíde-as, distante cinco quilômetros da sua residência, e Francisco trabalha como pedreiro autônomo, em obras próximas ao lo-cal onde mora.

Como no restante do bairro, a casa onde moram só possui ligação oficial de rede de água e de energia. O esgoto é encaminhado para uma fossa localizada dentro do terre-no. Recentemente foram realizadas pela prefeitura obras de construção de guia na frente da casa, porém nem a rua nem a calçada foram pavimentadas.

Antonia diz que a família não gosta de receber visitas, pois acha que a casa está muito ruim. Diz que além da minha visita, só costuma receber uma vizinha, que é amiga próxima. Quando fui conhecer a casa, nenhum dos moradores havia feito os desenhos do exercício proposto. Pedi para que Antô-nia fizesse o exercício para que pudéssemos conversar sobre as idéias dos moradores para uma possível reforma, mas ela só os fez depois de um recorrido pela casa, com explicações dela e do marido sobre as mudanças que pensam fazer. Fran-cisco repetiu muitas vezes que não tinha habilidades com o desenho, e que não conseguiria participar dessa maneira. In-sistiu que seu modo de pensar as intervenções na casa não

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passa por nenhum registro, mas que imagina as mudanças para depois realizar as intervenções com as adequações ne-cessárias. A recusa do pedreiro mostrou seu desconforto com uma ferramenta que reconhece como técnica, do arquiteto ou engenheiro, um conhecimento que supostamente não tem. A conversa, nesse momento, me aproximou ao morador mais do que o desenho, mesmo se esse tivesse sido elaborado por ele, por isso não insisti no exercício. A compreensão das propos-tas de reforma foi difícil para mim com explicações somen-te através da fala, evidenciando que a comunicação naquele momento encontrava obstáculos, tanto do sentido técnico – morador (através do desenho) quanto no sentido morador – técnico (através da fala).

O casal, principalmente Francisco, explicou a reforma imaginada para a casa enquanto caminhávamos pelo interior e exterior da construção. Caminhamos por cômodos ocupa-dos, cômodos em reforma, um quintal com material de cons-trução e pelo exterior do lote. Francisco sempre se referia aos níveis, à estrutura e aos acessos da casa reformada.

A construção que existe hoje é térrea, de alvenaria, parte em reforma e parte ocupada. Está num lote de esqui-na, recuada das duas ruas e dos fundos, e encostada em uma construção vizinha em uma das laterais. Na frente (Rua das Oliveiras) há um quintal descoberto que pode ser utilizado como garagem, onde a família guarda o material de constru-ção da reforma em andamento. Na lateral que dá para a outra rua (Rua Araguassu) há um corredor coberto, parte com laje e parte com telha translúcida, separado da rua por um muro. O corredor dá acesso à casa e é onde está localizada a área de serviço.

O casal comprou a casa com cinco cômodos, o mes-mo número que ela tem agora. Segundo os moradores, a casa

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era toda de alvenaria mal construída e cobertura em telha de fibrocimento. Quando se mudou, a família ocupava todos os cômodos da casa, mas como a construção não era boa, Fran-cisco está fazendo obras de reforço estrutural e reconstrução das alvenarias. Com a obra, que acontece aos poucos e já dura três anos, ocupam os dois cômodos dos fundos (quarto e co-zinha) mais o banheiro, enquanto reformam os dois cômodos da frente (sala e cozinha conjugadas). Além da reforma dos cômodos existentes, a família pretende construir mais cômo-dos na parte mais baixa do terreno, e eventualmente em cima dos cômodos em reforma.

A casa de Antônia, na esquina da Rua das Oliveiras com a Rua Araguassu. Fonte: Marina Barrio

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Após o reconhecimento da casa, Antônia fez os de-senhos que pedi: um corte da casa atual, um corte da casa reformada e ampliada, e uma planta da casa dos sonhos. En-quanto Antônia desenhava, conversei com ela sobre a história da família e também sobre os desenhos que iam sendo feitos, aproveitando para tirar dúvidas sobre a explicação de Fran-

Corredor lateral, junto aos cômodos em obras, com cômodos ocupados ao fundo. Fonte: Leonardo Klis

Corredor lateral, junto aos cômodos ocupados. Fonte: Leonardo Klis

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Reforço estrutural e buraco realizados por Francisco na cozinha. Fonte: Marina Barrio

cisco. Enquanto conversava com Antônia, um colega iniciou o levantamento da casa, através de um desenho em planta da disposição dos cômodos existentes e de um corte mostrando como a construção se assenta no terreno em desnível. A seguir medimos os ambientes com a ajuda de Francisco, que sabia algumas das dimensões de cor, e completamos os desenhos.

Os cômodos onde a família vive atualmente estão com as alvenarias já construídas no momento da compra da casa. Elas estão revestidas no interior com argamassa, e no exterior receberam somente chapisco. Todos os cômodos possuem janelas, que abrem para o corredor lateral. Na cozi-nha e no banheiro, a cobertura é de telha de fibrocimento, a fiação elétrica está exposta e o piso é de cimento. O quarto possui cobertura em laje pré-moldada, que está cedendo, e piso de tábuas de madeira sobre um desaterro. Francisco já realizou algumas obras de reforço estrutural nessa parte da casa, intervindo na construção existente com a construção de baldrames e de pilares.

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Cobertura em telha na cozinha da casa. Fonte: Marina Barrio

Antônia diz que quando chove, a água entra na casa pela cobertura, e que se sente insegura com a fiação exposta. Todos os quatro moradores compartilham o mesmo quarto, inseguro devido à situação do piso. Na cozinha, também há um desaterro, parte das obras realizadas por Francisco. Esse buraco está no caminho que leva do quarto ao banheiro, o que expõe os moradores a possíveis acidentes.

Na parte da casa em reforma, novas paredes de alve-naria foram construídas por Francisco ao lado das alvenarias existentes anteriormente, que foram posteriormente retira-das. Além disso, Francisco construiu baldrames e pilares, e também colocou eletrodutos nas paredes novas. Os cômodos já possuem cobertura em laje. Ainda falta a finalização do piso a colocação das esquadrias, e a abertura do acesso que liga esses cômodos aos cômodos que substituirão a área que a família ocupa atualmente. O casal diz que gostaria de janelas grandes, para boa iluminação dos cômodos, mas que a vonta-de pode ser limitada pelo preço das esquadrias.

Francisco e Antônia prevêem a construção, no lugar

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dos cômodos que ocupam atualmente, de cômodos meio nível abaixo e acima do dos cômodos atualmente em reforma. Os cômodos meio nível abaixo seriam um quarto, um banheiro e um salão, com possibilidade de acesso independente pela Rua Araguassu. Estariam no nível dos desaterros realizados por Francisco. Os cômodos meio nível acima seriam dois quartos, para a própria família, um banheiro e uma lavanderia. Para uma próxima fase de obra, pensam na construção de mais cômodos meio nível acima dos quartos, ou seja, em cima dos cômodos em reforma. Toda essa disposição de cômodos foi desenhada por Antônia. Francisco prevê a construção de um banheiro provisório para ser usado durante a obra, com aces-so independente da casa pelo corredor lateral, que mais tarde pode ser utilizado como um banheiro para visitas. Imaginou sua localização no corredor externo da casa, próximo à futura escada que vencerá o desnível entre as novas sala e cozinha e os cômodos que abrem para a Rua Araguassu.

Conversamos sobre a casa dos sonhos de Antônia, que, para a moradora, é diferente da casa onde mora refor-mada, que seria a casa dos sonhos de Francisco. A casa dos sonhos desenhada por Antônia é a casa onde ela trabalha e onde mora sua patroa:

Por que a casa [dos sonhos] dele é essa aqui, né? Não é a minha. A minha não é basicamen-te a escolhida, né? Que a minha mesmo, se fos-se fazer... Seria em outro lugar, ia ser no Or-quídea, que eu queria. Como a casa da minha patroa. Uma casa como fosse a casa dela (...) É uma casa que já existe. Tudo reto, assim, não precisa fazer em cima. E de laje, lógico, né? Por que ela tem a laje lá mas colocou telha. Por que

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82 op. cit.

81 ANTÔNIA, 2013

se eu puder construir em cima, eu quero fazer em cima, pro meu filho com a minha nora. E aqui nos fundos também dá pra construir em cima, do mesmo jeito.81

Segundo Antônia, o que vê de positivo nessa casa é que está construída num lote grande, com outra casa nos fundos, onde poderia morar seu filho mais velho no futuro. Também, a casa está localizada no bairro Jardim das Orquí-deas, onde mora grande parte da sua família. Pela sua fala, percebemos que o sonho é também de uma casa construída de uma só vez, o que evita o desconforto vivido pela família atualmente.

No final de nossa conversa, pergunto a Antônia se o cômodo que pretendem construir na parte baixa do terreno pode ter a mesma função do que a casa dos fundos da casa dos sonhos.

Pode. Então, pode. Como você diz, meu meni-no, alguém, pode ter um quarto de reserva, ter alguém pra dormir, um quarto de visita. E aqui eu tô fazendo a mesma coisa, meu pai vinha do norte pra cá e ele tinha um quarto, mas ele vindo pra cá não tem nem onde botar ele pra dormir. Só com a cachorra ali, não tem jeito! [risos] Então aqui vai demorar e muito, Mari-na, vai demorar isso aqui...82

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Desenho de Antônia, da sua casa quando a comprou, em vista.

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Desenho de Antônia, da sua casa após reforma, em corte.

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Desenho de Antônia, da sua casa dos sonhos, em planta.

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Os desenhos para o projeto da casa de Antônia apre-sentados nesse caderno foram feitos à mão livre em cima de base gerada em AutoCad. Como são os mesmos desenhos que serão apresentados à família em resposta ao diálogo feito durante o levantamento de campo, buscou-se uma lingua-gem que facilitasse esse segundo diálogo, para adaptações e finalização do projeto. Dessa forma, decidiu-se não apresen-tar desenhos gerados por computador para conferir caráter processual à apresentação. Também, a utilização de móveis e escalas humanas, em planta e em corte, foi feita para facilitar o dialogo com a familia sobre as possibilidades de ocupação dos cômodos. As dimensões foram marcadas como indica-tivo para a realização das obras, cujas etapas foram descritas também à mão livre.

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CORTE A escala 1:100

L E VA N TA M E N T O

O levantamento da casa foi realizado através de medições com trena, feitas por mim, um colega e Francisco. As informações foram anotadas em dois desenhos, uma planta e um corte, sem escala, também feitos no local.

Os desenhos realizados em campo foram passados a limpo em AutoCad, para que as dimensões pudessem ser veri-ficadas. Essa etapa foi bastante trabalhosa, pois não haviamos levantado algumas informações, principalmente em relação às alturas. Assim, algumas dimensões foram calculadas através de fotografias.

As imagens do levantamento apresentadas nesse ca-derno são uma leitura do espaço estudado, uma aproximação através do desenho da minha experiência na casa de Antônia. Além das informações quanto às dimensões dos cômodos e níveis do terreno, os desenhos mostram também o modo como a família se apropria dos ambientes, por meio da representação dos principais objetos da casa e das atividades dos moradores dentro dela.

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PLANTA LEvANTAMENTO

escala 1:100

CORTE B

escala 1:100

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P R O J E T O D E M E L H O R I A H A B I TA C I O N A L

O projeto de reforma da casa de Antônia foi elaborado a partir da conversa com a família e dos desenhos feitos pela moradora. Assim, procurou-se resolver os problemas de habitabilidade en-contrados, e ao mesmo tempo aproximar a conformação espa-cial da casa com aquela desejada por Antônia. Foi considerado que a família não deixaria de morar na casa durante as obras, sendo necessário prever a ocupação dos cômodos simultane-amente à intervenção. Dessa forma, o projeto elaborado se dá em etapas, considerando intervenções de reforma, demolição, construção e ampliação.

Chamo de “melhoria habitacional” o primeiro conjunto de etapas do projeto, que se dá de forma a superar a condição de precariedade na qual a família vive, e cuja proposta permite uma futura ampliação dos espaços de acordo com o desejo expresso pelos moradores.

Os cômodos atualmente em obras recebem intervenções de melhoria habitacional, para a finalização da reforma. Novos cômodos são construídos no local onde hoje estão os cômodos que a família ocupa, em nível mais baixo. Ainda, é proposta a construção de um jardim, que garante, além de área permeável, a iluminação e ventilação adequada do cômodo da frente da casa, já que impede a colocação de cobertura no quintal.

Para esse primeiro conjunto de etapas realizei um or-çamento das obras, com o intuito de comparar os custos da intervenção com o custo de construção de uma nova unidade habitacional de interesse social. Também, a partir dos custos da obra, orcei o trabalho de assistência técnica conforme previsto no PAC, para comparação com um orçamento elaborado a par-tir do trabalho que realizei.

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PLANTA ETAPA 1

escala 1:100

PLANTA ETAPA 2

escala 1:100

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PLANTA ETAPA 3

escala 1:100

CORTE B

escala 1:100

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CORTE A escala 1:100

Perspectiva da casa

após melhoria.

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ORÇAMENTO PARA MELHORIA HABITACIONAL

O seguinte orçamento foi elaborado a partir de quantificação feita através de desenhos em AutoCad e com base em valores da SINAPI (Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Ín-dices da Construção Civil) de março de 2013, para o estado de São Paulo, e de sites de venda de material de construção.

Chegou-se ao custo total de R$ 39.855,62 para a reali-zação da obra de melhoria habitacional proposta. Esse valor é mais baixo do que o valor de custo de uma unidade habitacio-nal nova, produzida dentro do Programa Minha Casa Minha Vida, que tem valor estipulado pelo programa de R$ 67.000.

83 Pacote de revestimen-to externo orçado pela Peabiru com base na SINAPI, para casas já parcialmente revestidas.

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A partir do orçamento da obra foi determina-do o custo da assistência técnica relacionada à intervenção (R$ 996,39), conforme determinado no manual do Programa de Urbanização de Assentamentos Precários do PAC (2,5% do valor total da obra). Apesar de o manual definir esse valor para a intervenção de urbanização como um todo, a mesma proporcão foi adotada no caso específico da melhoria habita-cional, para possibilitar a leitura de seus custos. O custo de-finido para o trabalho social (R$ 1.225,39) é de 3% do custo total de obra mais assistência técnica. Chegou-se a essa pro-porção a partir de relato de experiências recentes em projetos desenvolvidos pela Prefeitura de São Bernardo do Campo.

Também foi realizado orçamento de assistência téc-nica a partir da quantidade de horas que dediquei ao projeto, somadas a uma estimativa de horas dedicadas para acompa-nhamento das obras. O valor de hora utilizado é referente ao piso salarial para arquiteto com jornada de trabalho de 8 ho-ras diárias, conforme indicado pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo. Chegou-se a valor 6 vezes maior do que o orçado anteriormente.

unidade quantidade custo unitário custo total TOTAL

LEVANTAMENTO 458,36R$

apresentação horas 6,00 R$ 32,74 R$ 196,44

diálogo com morador horas 4,00 R$ 32,74 R$ 130,96

levantamento técnico da unidade horas 4,00 R$ 32,74 R$ 130,96

PROJETO 1.244,12R$

passar a limpo o levantamento horas 12,00 R$ 32,74 R$ 392,88

projeto preliminar horas 12,00 R$ 32,74 R$ 392,88

orçamento horas 8,00 R$ 32,74 R$ 261,92

apresentação do projeto, com adaptações finais horas 6,00 R$ 32,74 R$ 196,44

ACOMPANHAMENTO DA OBRA 4.190,72R$

duas visitas semanais por dois meses horas 128 R$ 32,74 R$ 4.190,72

total R$ 5.893,20

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A M P L I A Ç Ã O

Esse próximo conjunto de etapas considera a amplia-ção da casa depois das obras de melhoria habitacional descri-tas anteriormente, a partir dos desejos expressos por Antônia nos desenhos da reforma e da casa dos sonhos.

Os cômodos do nível inferior são separados do res-tante da casa, e passam a ter acesso independente pela Rua Araguassu. Apesar de a família não ter já definido o uso para esses cômodos, os moradores apresentaram durante nossa conversa algumas possibilidades para a sua ocupação. A par-tir delas foram elaboradas duas propostas. A primeira é um cômodo com banheiro para receber visitas, com acesso pelo corredor externo da casa principal, e um salão comercial, com acesso pela Rua Araguassu. Durante a conversa com os mo-radores, Antônia mostrou interesse em ter um cômodo para receber a visita do pai, e Francisco citou que gostaria de ter um cômodo para alugar, como forma de complementação da renda familiar. A segunda proposta é uma casa com acesso idependente pela Rua Araguassu, com cozinha, quarto e ba-nheiro, que pode ser ocupada pela futura família do filho mais velho de Antônia. O desejo de uma casa independente apare-ce tanto no desenho de reforma feito pela moradora, quanto no desenho da sua casa dos sonhos. A moradora ratifica esse desejo pela fala, conforme apresentado anteriormente.

A casa principal passa a ter outro nível, em cima dos cômodos agora independentes, com dois quartos e um ba-nheiro, para uso da família de Antônia. O acesso interno ao nível inferior é fechado, e a casa principal passa a ter uma despensa junto à cozinha. O jardim é mantido, para garantir área permeável e iluminação e ventilação ao cômodo da fren-te da casa.

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PLANTA AMPLIAÇÃO - INFERIOR 1

escala 1:100

PLANTA AMPLIAÇÃO - INFERIOR 2

escala 1:100

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CORTE B

escala 1:100

PLANTA AMPLIAÇÃO - SUPERIOR

escala 1:100

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CORTE A escala 1:100

Perspectiva da casa

após ampliação.

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Portão de casa na Favela Brás de Abreu, 2012. Fonte: Marina Barrio

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R E F L E X Õ E S F I N A I S

A elaboração desse trabalho me permitiu uma importante reflexão sobre as intervenções em assentamentos precários e a sua integração com a cidade formal, assim como sobre o posicionamento dos profissionais envolvidos nesse campo, em especial daqueles que estão diretamente em contato com os moradores dos assentamentos.

O momento histórico em que o trabalho foi elabo-rado é caracterizado pelo crescimento econômico do país e pela grande destinação de recursos para urbanização por parte do Governo Federal. Possibilita o investimento das prefeituras municipais na elaboração de políticas e progra-mas de urbanização, assim como em reflexões sobre o caráter das intervenções praticadas e propostas. Também possibilita novas experimentações, no sentido da efetivação dos direitos conquistados pela população moradora desses assentamen-tos. Além dessas oportunidades, o cenário também é marca-

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do pela maior facilidade de acesso por parte da população de baixa renda ao mercado de consumo, incluindo o de materiais de construção. A consolidação dos assentamentos se dá prin-cipalmente pelo investimento de seus moradores nas estru-turas espaciais, sejam elas a própria casa ou as estruturas de uso comum. O acompanhamento e a fiscalização das obras de consolidação se fazem indispensáveis, com técnicos atuando ao lado de moradores, para a consolidação desses assenta-mentos em conjunto com a superação da sua precariedade habitacional, urbanística e fundiária.

As intervenções de melhorias em casas autocons-truídas são indispensáveis para a superação da precarieda-de habitacional nos assentamentos em questão, e devem ter como objetivo final a regularização urbanística associada à regularização fundiária. A urbanização se mostra como o início de um processo de regularização, que pode ter con-tinuidade com serviços de assistência técnica permanentes, voltados para projeto e fiscalização de obras de intervenção nas unidades habitacionais, conforme descrito na Lei Fede-ral 11.888/2008. As obras podem ser executadas tanto pelas construtoras responsáveis pela urbanização do assentamento, quanto por empreiteiras de menor porte ou cooperativas de trabalhadores. Abrem as possibilidades de formalização do trabalho e de geração de emprego na região de intervenção.

As intervenções de melhoria habitacional possibi-litam aos moradores que tenham o controle sobre as deci-sões das obras realizadas em suas residências, agora com o conhecimento técnico e com a reflexão sobre o espaço que a assistência técnica proporciona. O projeto e a fiscalização da obra são de responsabilidade da assistência técnica, seja ela um coletivo de profissionais ou um profissional autônomo. Devem ser destinados os devidos recursos para a realização

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adequada dos trabalhos, o que, como percebido na análise dos orçamentos apresentados, não acontece.

O orçamento apresentado não supôs possíveis eco-nomias de escala, considerando que o profissional quando vinculado a projetos para mais de uma família os executaria mais rapidamente. Mesmo se esse fosse o caso, o trabalho respeitoso e solícito junto a cada família, que este trabalho defende, não permitiria que a economia chegasse a um sexto do valor orçado a partir das horas dedicadas, igualando-se ao valor orçado a partir da obra.

Ficaevidente a escassa quantidade de recursos des-tinados a assistência técnica para intervenções de melhoria habitacional dentro dos programas de urbanização e nas se-cretarias municipais, mesmo com a disponibilidade de recur-sos para a realização de projeto e obras com esse caráter pelo FNHIS. Por serem intervenções de menor visibilidadequan-do comparadas a obras de infraestrutura ou de produção de novas unidades habitacionais, já que acontecem dentro das casas, não se mostram como prioridade de investimento por parte dos órgãos públicos.

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R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

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PRÁTICAS de arquitetura para demandas populares: a experiência dos arquitetos da família. MOM. Morar de Outras Maneiras. Disponivel em: <http://www.mom.arq.ufmg.br>. Acesso em: abril 2013.

BONDUKI, N. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.

BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001: Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.

BRASIL. Lei nº 11.888, de 24 de dezembro de 2008: Assegura às famílias de baixa renda assistência pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social e altera a Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005.

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Este caderno foi composto em Adobe Caslon Pro e Gotham, e impresso em papel pólen 90g.

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