artigo equina 24 jul ago-2009

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Terra para pastagem é um ativo financeiro? Roberto Arruda de Souza Lima Engenheiro agrônomo, Doutor em Economia Aplicada, Prof. da ESALQ/USP, Pesquisador do CEPEA [email protected] Um dos grandes desafios para economistas rurais tem sido, há muito tempo, identificar o que determina o preço da terra. Adicionalmente, observa-se, ainda hoje, que muitos proprietários realizam a análise de seus in- vestimentos considerando aterra como item diferenci- ado, que sempre se valorizaria, ao menos, manteria seu valor atrelado à taxa de inflação. Neste artigo será dis- cutida, a partir da evolução do preço da terra para pas- tagem no Estado de São Paulo, essa questão. De acordo com a teoria econômica, deveria se es- perar que o preço da terra refletisse o valor presente do fluxo de caixa produzido pelo seu uso mais atraente. Ou seja, em momentos que a atividade agropecuária se apresentar bem, com bons preços e boa produção, o preço da terra se elevaria. Inversamente, quando a ati- vidade agropecuária estiver pouco atrativa, com pre- ços baixos e queda na produção, o preço da terra se reduziria. No entanto, diversos estudos mostraram que, em diferentes momentos, outros fatores foram de gran- de importância para formação do preço da terra. A partir da década 1970, quando a inflação apre- sentou forte crescimento e a oferta de crédito rural sub- sidiado foi intensa, variáveis macroeconômicas foram fundamentais na precificação da terra. Taxa de infla- ção, infra-estrutura na região, oferta e acesso ao crédi- to rural passaram a explicar as flutuações de preços. Assim, a terra deixava de ser exclusivamente um fator de produção e assumiu outros papéis, como, entre outros, o de reserva de valor (proteção contra a infla- ção). Embora este artigo faça referência ao preço da terra para pastagem, deve ser ressaltado que o comporta- mento de preços é similar entre os diversos usos da terra. Rahal (2003), em sua dissertação de mestrado, mostrou que, no período de 1969 a 2001, os determi- nantes para o preço da terra foram: poder de compra do agricultor (relação entre preços pagos e preços recebi- dos pelo produtor); volume de subsídio de crédito con- cedido (crédito rural); taxa de inflação, infra-estrutura governamental (medida pela extensão das rodovias federais, estaduais e municipais) e hiato de produto (diferença entre o produto potencial e PIB efetivo, re- fletindo a capacidade ociosa), além da taxa de juros real (taxa Selic descontada a taxa de inflação). O mesmo estudo evidencia que os preços das ter- ras relacionam-se tanto a demanda por terras com a finalidade do uso agropecuário quanto com a deman- da por terra para fins especulativos. A demanda para uso agropecuário sofre variações a medida em que as erras mais férteis tornam-se escassas e, também, com o surgimento de inovações tecnológicas que tornem o cultivo ou criação mais atrativos. A demanda especu- lativa ganhou importância nos anos de alta inflação, em que mercados financeiros imperfeitos e incerteza quanto aos resultados de diversos planos econômi- cos levaram muitos agentes econômicos, inclusive aqueles sem envolvimento na agropecuária, a buscar terras com a finalidade de reserva de valor. O estudo de Rahal (2003) mostrou que a variável que mais afeta o preço da terra é o poder de compra do agropecuarista. Uma elevação de 10% no poder de compra do agropecuarista elevou, em média, 6,44% o preço da terra para pastagem. A inflação foi o segundo fator mais importante: uma elevação de 10% no taxa de inflação elevou, em média, 5,51% o preço da terra para pastagem. Observa-se que são muitos os fatores que deter- minam o preço da terra, implicando no fato da evolu- ção dos preços das pastagens não necessariamente acompanharem a taxa de inflação. Assim, em muitos momentos a terra para pastagem não apresenta a ca- racterística de reserva de valor, ao contrário do que muitos, tanto agropecuaristas quanto especuladores, imaginavam. A Figura 1 apresenta a evolução do pre- ço médio do hectare para pastagem no Estado de São Paulo deflacionado pelo IGP-DI para valores expres- sos em reais de junho de 2008. Observa-se que a recu- peração de preços ocorrida a partir do atual século não foi suficiente para trazer os preços nos níveis que se encontrava no início do Plano Real. Deve-se ressal- tar que os preços da terra para pastagem evoluiram de forma diferenciada em cada uma das regiões do Esta- do de São Paulo (Tabela 1). É interessante observar que muitas regiões em que a criação de equinos possui destaque – como Soroca- ba, Itapetinga e Campinas – estão entre os locais em que a queda no preço da terra para pastagem foi mais significativa, conforme ilustrado pela Figura 2. Em Ita- petininga, o preço de terra para pastagem em junho de Figura 1: Estado de São Paulo: evolução do preço real da terra para pastagem, em reais de junho de 2008 deflacionado pelo IGP-DI FONTE: ELABORADO A PARTIR DE DADOS DO IEA.

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Page 1: Artigo equina 24 jul ago-2009

Terra para pastagem é um ativofinanceiro?

Roberto Arruda deSouza Lima

Engenheiro agrônomo,Doutor em

Economia Aplicada,Prof. da ESALQ/USP,

Pesquisador do [email protected]

Um dos grandes desafios para economistas ruraistem sido, há muito tempo, identificar o que determina opreço da terra. Adicionalmente, observa-se, ainda hoje,que muitos proprietários realizam a análise de seus in-vestimentos considerando aterra como item diferenci-ado, que sempre se valorizaria, ao menos, manteria seuvalor atrelado à taxa de inflação. Neste artigo será dis-cutida, a partir da evolução do preço da terra para pas-tagem no Estado de São Paulo, essa questão.

De acordo com a teoria econômica, deveria se es-perar que o preço da terra refletisse o valor presente dofluxo de caixa produzido pelo seu uso mais atraente.Ou seja, em momentos que a atividade agropecuária seapresentar bem, com bons preços e boa produção, opreço da terra se elevaria. Inversamente, quando a ati-vidade agropecuária estiver pouco atrativa, com pre-ços baixos e queda na produção, o preço da terra sereduziria. No entanto, diversos estudos mostraram que,em diferentes momentos, outros fatores foram de gran-de importância para formação do preço da terra.

A partir da década 1970, quando a inflação apre-sentou forte crescimento e a oferta de crédito rural sub-sidiado foi intensa, variáveis macroeconômicas foramfundamentais na precificação da terra. Taxa de infla-ção, infra-estrutura na região, oferta e acesso ao crédi-to rural passaram a explicar as flutuações de preços.Assim, a terra deixava de ser exclusivamente um fatorde produção e assumiu outros papéis, como, entreoutros, o de reserva de valor (proteção contra a infla-ção).

Embora este artigo faça referência ao preço da terrapara pastagem, deve ser ressaltado que o comporta-mento de preços é similar entre os diversos usos daterra. Rahal (2003), em sua dissertação de mestrado,mostrou que, no período de 1969 a 2001, os determi-nantes para o preço da terra foram: poder de compra do

agricultor (relação entre preços pagos e preços recebi-dos pelo produtor); volume de subsídio de crédito con-cedido (crédito rural); taxa de inflação, infra-estruturagovernamental (medida pela extensão das rodoviasfederais, estaduais e municipais) e hiato de produto(diferença entre o produto potencial e PIB efetivo, re-fletindo a capacidade ociosa), além da taxa de jurosreal (taxa Selic descontada a taxa de inflação).

O mesmo estudo evidencia que os preços das ter-ras relacionam-se tanto a demanda por terras com afinalidade do uso agropecuário quanto com a deman-da por terra para fins especulativos. A demanda parauso agropecuário sofre variações a medida em que aserras mais férteis tornam-se escassas e, também, como surgimento de inovações tecnológicas que tornem ocultivo ou criação mais atrativos. A demanda especu-lativa ganhou importância nos anos de alta inflação,em que mercados financeiros imperfeitos e incertezaquanto aos resultados de diversos planos econômi-cos levaram muitos agentes econômicos, inclusiveaqueles sem envolvimento na agropecuária, a buscarterras com a finalidade de reserva de valor.

O estudo de Rahal (2003) mostrou que a variávelque mais afeta o preço da terra é o poder de compra doagropecuarista. Uma elevação de 10% no poder decompra do agropecuarista elevou, em média, 6,44% opreço da terra para pastagem. A inflação foi o segundofator mais importante: uma elevação de 10% no taxade inflação elevou, em média, 5,51% o preço da terrapara pastagem.

Observa-se que são muitos os fatores que deter-minam o preço da terra, implicando no fato da evolu-ção dos preços das pastagens não necessariamenteacompanharem a taxa de inflação. Assim, em muitosmomentos a terra para pastagem não apresenta a ca-racterística de reserva de valor, ao contrário do quemuitos, tanto agropecuaristas quanto especuladores,imaginavam. A Figura 1 apresenta a evolução do pre-ço médio do hectare para pastagem no Estado de SãoPaulo deflacionado pelo IGP-DI para valores expres-sos em reais de junho de 2008. Observa-se que a recu-peração de preços ocorrida a partir do atual séculonão foi suficiente para trazer os preços nos níveis quese encontrava no início do Plano Real. Deve-se ressal-tar que os preços da terra para pastagem evoluiram deforma diferenciada em cada uma das regiões do Esta-do de São Paulo (Tabela 1).

É interessante observar que muitas regiões em quea criação de equinos possui destaque – como Soroca-ba, Itapetinga e Campinas – estão entre os locais emque a queda no preço da terra para pastagem foi maissignificativa, conforme ilustrado pela Figura 2. Em Ita-petininga, o preço de terra para pastagem em junho de

Figura 1: Estado de São Paulo: evolução do preço real da terra parapastagem, em reais de junho de 2008 deflacionado pelo IGP-DI

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2008 representava 64,3% do valor que possuía em fe-vereiro de 1995 (na região de São Paulo, maior redução,o preço reduziu para 19,3% do que era no início doperíodo analisado).

A constatação anterior não permite, e nem se deve,afirmar que os equinos estão concentrados em regi-ões que sofreram desvalorização no preço da terra. Aocontrário, observa-se que importantes regiões na cria-ção de equinos também se destacaram entre os locaisem que a elevação no preço da terra para pastagem foimais significativa – como em Bauru e Botucatu (Figu-ra 3).

Este artigo mostrou que, afetado por diversas vari-áveis, o preço da terra para pastagem apresenta diver-sas oscilações em termos reais, ou seja, não necessari-amente há valorização da terra devido à inflação. Destaforma, a visão de que a terra representa reserva devalor, ainda presente nos dias atuais, deve ser supera-da. As análises de investimento e viabilidade de negó-cios devem considerar o ativo terra nas suas diversascaracterísticas, sujeito a diversos determinantes na suavalorização, e não apenas à taxa de inflação.

Figura 2: Estado de São Paulo: Maiores reduções no preço real da terra parapastagem, em reais de junho de 2008 deflacionado pelo IGP-DI, entre feverei-ro 1995 e junho de 2008 FO

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Figura 3: Estado de São Paulo: Maiores crescimentos no preço real da terrapara pastagem, em reais de junho de 2008 deflacionado pelo IGP-DI, entrefevereiro 1995 e junho de 2008

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Tabela 1: Estado de São Paulo: preço daterra para pastagem, em reais de junho de 2008

deflacionado pelo IGP-DI

Andradina 7.975,01 8.650,14 5.143,41

Araçatuba 8.943,96 9.727,96 6.188,51

Araraquara 16.583,59 11.294,77 7.643,57

Assis 10.658,23 8.023,42 6.722,49

Avaré 9.689,28 8.999,08 5.754,30

Barretos 15.153,11 14.703,86 8.390,31

Bauru 7.474,59 7.570,84 4.704,33

Botucatu 9.018,48 11.157,02 6.416,97

Bragança Paulista 18.940,12 8.910,12 9.449,18

Campinas 22.732,17 12.672,18 16.983,27

Catanduva 15.701,61 11.186,54 8.493,63

Dracena 8.599,23 2.625,26 2.904,83

Fernandópolis 9.282,73 10.371,90 6.678,62

Franca 10.869,40 10.894,06 6.680,31

General Salgado 8.828,01 8.842,98 6.188,43

Guaratinguetá 4.565,16 3.751,15 2.775,28

Itapetininga 11.695,93 7.520,66 6.422,18

Itapeva 3.686,00 6.615,70 3.451,98

Jaboticabal 20.869,21 14.462,81 11.233,45

Jales 10.533,99 8.940,65 6.651,95

Jaú 14.409,70 10.950,41 7.722,39

Limeira 16.231,61 12.580,35 8.755,31

Lins 9.453,25 10.203,43 5.945,61

Marilia 6.583,75 6.508,26 4.292,90

Mogi das Cruzes 11.829,87 8.220,39 8.504,04

Mogi-Mirim 23.850,54 18.250,69 13.680,31

Orlândia 14.267,75 12.603,31 9.421,42

Ourinhos 8.657,28 8.842,98 6.000,10

Pindamonhangaba 6.897,84 7.548,21 5.211,69

Piracicaba 14.103,94 12.698,66 8.226,28

Presid. Prudente 8.080,92 2.892,56 2.753,89

Presid. Venceslau 6.625,16 1.990,36 1.988,44

Registro 2.826,03 1.555,56 1.763,69

Ribeirão Preto 14.981,11 12.327,82 8.745,20

S.J. Boa Vista 13.873,78 10.457,72 6.767,93

S.J. Rio Preto 11.439,19 10.881,54 6.674,55

São Paulo 25.551,60 4.922,52 16.513,89

Sorocaba 19.005,91 11.776,86 10.917,07

Tupã 8.571,28 3.407,50 3.260,08

Votuporanga 9.606,45 9.958,68 6.428,62

Média Estado 11.966,17 9.137,47 7.062,86

EDR Média noperíodo

Junho2008

Fevereiro1995