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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ANA CRISTINA SANTOS LIMEIRA ARTESÃS PROFISSIONAIS: estudo das relações entre os saberes da cultura artesanal e os saberes tecnológicos nas histórias de vida de egressas do Curso Técnico de Artesanato / PROEJA do Instituto Federal de Ciências e Tecnologia de Alagoas IFAL DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO SÃO PAULO 2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

ANA CRISTINA SANTOS LIMEIRA

ARTESÃS PROFISSIONAIS: estudo das relações entre os saberes da

cultura artesanal e os saberes tecnológicos nas histórias de vida de egressas

do Curso Técnico de Artesanato / PROEJA do Instituto Federal de Ciências

e Tecnologia de Alagoas – IFAL

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

SÃO PAULO

2015

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

ANA CRISTINA SANTOS LIMEIRA

ARTESÃS PROFISSIONAIS: relações entre os saberes da cultura

artesanal e os saberes tecnológicos nas histórias de vida de egressas do

Curso Técnico de Artesanato / PROEJA do Instituto Federal de Ciências e

Tecnologia de Alagoas – IFAL

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência

parcial para a obtenção do título de Doutora em

Educação: Currículo, sob a orientação do Prof. Dr.

Alípio Márcio Dias Casali.

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

SÃO PAULO

2015

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________

Prof. Dr. Alípio Márcio Dias Casali - Orientador

__________________________________________________________

Prof.ª Dra. Edla Eggert - UNISINOS

____________________________________________________________________

Prof.ª Dra. Marinês Viana de Souza - UFAM

____________________________________________________________________

Prof.ª Dra. Nádia Dumara Ruiz Silveira – PUCSP

_________________________________________________________________

Prof. Dra Maria Stela Santos Graciani - PUCSP

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof. Dr. Alípio Casali, pela amizade, orientação e incentivo nos

momentos necessários desta pesquisa.

Às Prof.as Dra. Edla Ergget, Dra. Marinês Viana Souza, Dra. Nádia Dumara Ruiz Silveira,

pelas valiosas contribuições dadas na Banca de Qualificação.

À Prof.ª Dra. Maria Stela Santos Graciani, por sua participação nesta Banca de Defesa.

Ao Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na pessoa

da Prof.ª Branca Jurema Ponce, o agradecimento a todos os docentes pelos momentos

enriquecedores para minha formação.

À Prof.ª Dra. Laura Cristina Vieira Pizzi, o especial agradecimento pela amizade, apoio e

incentivo à minha vida acadêmica.

Às artesãs, egressas do curso técnico de artesanato do Instituto Federal de Alagoas, pela

disponibilidade, acolhida e confiança ao longo da pesquisa.

Aos docentes do curso técnico de artesanato, pela disponibilidade e acolhimento.

Ao Instituto Federal de Alagoas, pelo apoio institucional e por autorizar a pesquisa, bem

como aos colegas de trabalho, pela força constante e imprescindível na caminhada.

Às amigas do doutorado Eulina Nogueira e Daniela Ando, pelos momentos de partilha,

amizade e convivência, importantes para superar a saudade da família na estadia em São

Paulo.

Às amizades construídas em São Paulo e, sendo inviável citar todas, concentro na família

Barboza, que me acolheu nesta cidade, o agradecimento a todos/as os/as amigos/as.

Aos meus familiares em nome de Nazaré Alves, Celso Giória e Selme, a minha gratidão pelo

colo amigo quando necessitei de acolhida e incentivo.

Às amigas, que sempre se fizeram presentes, Mary Selma Ramalho e Cláudia Albuquerque, a

certeza de que a amizade é imprescindível em qualquer etapa da vida.

E não poderia deixar de expressar gratidão à minha irmã Salete Limeira e a meus irmãos

Assis, Lineu, Limeirinha e Arnon, como também aos/as sobrinhos/as, por compreenderem os

momentos nos quais me distanciei para o doutorado; minha gratidão pela paciência e carinho

para com a conclusão desta etapa tão importante em minha vida acadêmica.

LIMEIRA, Ana Cristina Santos. Artesãs profissionais: relações entre os saberes da cultura

artesanal e os saberes tecnológicos nas histórias de vida de egressas do Curso Técnico de

Artesanato / PROEJA do Instituto Federal de Ciências e Tecnologia de Alagoas – IFAL

RESUMO

A presente pesquisa analisa os impactos da formação das artesãs egressas do Curso

Técnico de Artesanato - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a

Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos / PROEJA na sua

reinserção no mercado de trabalho artesanal após uma formação técnica profissionalizante,

que foi realizada no período 2008-2010, no Instituto Federal de Ciências e Tecnologia de

Alagoas – IFAL. Através das histórias de vida das artesãs foi possível compreender os

impactos do processo da formação das mulheres artesãs nesse curso, suas experiências e

expectativas sociais na produção artesanal viabilizadas por meio de práticas curriculares para

a Educação de Jovens e Adultos que reconhecem e valorizam o valor da cultura artesanal, a

criação e a produção artesanal na educação profissionalizante de artesãs. Ao investigar o

retorno ao mercado artesanal após a formação, foi possível, com as narrativas das histórias de

vida das artesãs, investigar como se deu o crescimento pessoal através de sua percepção

profissional como artesã, seu lugar na família e na sua comunidade. O problema da tese é o

desconhecimento de como as artesãs egressas e os docentes do curso técnico em artesanato do

IFAL percebem o reconhecimento, a valorização e a visibilidade social do trabalho artesanal a

partir da formação oferecida no curso. A opção metodológica é de cunho qualitativo com uso

de pesquisa narrativa e abordagem em História de Vida. Tem como referenciais teóricos

Nóvoa (2010), Josso (2004), Ferrarotti (2010), Clandinin (2011). Esses autores trazem um

viés de uma relação direta com a identidade dos sujeitos desta pesquisa, considerando que o

método biográfico permite que seja concedido um grande respeito pelo processo dos adultos

que se formam, ao resgatar não somente o contexto de sua vida pessoal, profissional e social,

como também a trajetória de sua formação aliada ao valor cultural, político e ético. Os

resultados deste estudo podem contribuir para: enriquecer o valor cultural, social e

econômico que gera emprego para as mulheres em Alagoas, valorizar o reconhecimento do

IFAL enquanto espaço de formação para artesãos/ãs e trazer novos referenciais para a teoria e

práticas curriculares na relação entre currículo, conhecimento e cultura.

Palavras-Chave: Currículo. Artesãs. Profissionalização. Histórias de vida.

LIMEIRA, Ana Cristina Santos. Professional artisan: relationship between the knowledge of

handicraft culture and the technological knowledge from the life stories Curso Técnico de

Artesanato / PROEJA do Instituto Federal de Ciências e Tecnologia de Alagoas – IFAL

attendees.

ABSTRACT

The current research analyses the training impacts of the “Curso Técnico de

Artesanato - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação

Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos / PROEJA” attendees in the

handicraft labour market after a technical training program, which was realized in the period

of 2008-2010, in the Instituto Federal de Ciências e Tecnologia de Alagoas – IFAL. Through

the histories of craftswomen lives it was possible to understand the impacts of the formation

process in this course, their experiences and social expectations in the handicraft production

made viable through curricular practices to the education of young people and adults who

recognize and value handicraft culture, the creation and handicraft production in the

professional education of craftswomen. By investigating the handicraft marketplace after

training, it was possible, with the craftswomen life stories in hand, to investigate how

personal growth developed through their professional perception as craftswoman, their place

in the family and their community. The problem with the thesis is the lack of knowledge in

how the attendee craftswomen and the IFAL handicraft technical course docents realize the

recognition, the valuation and social visibility of handicraft work from the formation offered

in the course. The methodological option is qualitative with narrative research and life history

approach. It has as references the theories Nóvoa (2010), Josso (2004), Ferrarotti (2010),

Clandinin (2011). These authors bring a direct relation bias with the identity of the subjects in

this research, considering that the biographical method allows to be granted a great respect for

the adult training process, by rescuing not only their personal, professional and social lives

context but their training trajectory allied to cultural, political and ethical values. The results

of this study can contribute to: enrich culture, social and economical values which creates jobs

to the women in Alagoas, value the IFAL recognition as training spot for craftsmen and

craftswomen, and bring new references to the theory and curricular practices in the relation

between curriculum, knowledge and cultures.

Keywords: Curriculum. Craftswomen. Professionalizing. Life Stories.

LISTA DE TABELAS

Tabela 01: Distribuição do eleitorado de Alagoas por grau de instrução............. 21

Tabela 02:

Classificação por faixa etária da Escola de Aprendizes de Artífices

de Alagoas/1911..................................................................................

26

Tabela 03:

Demonstrativo do censo de artesãos por estado / 2014......................

37

LISTA DE QUADROS

Quadro 01 Taxa de escolarização bruta e líquida no ensino fundamental e

ensino médio em Alagoas: 1980/2009 (%).......................................

23

Quadro 02

Matrícula inicial por dependência administrativa na modalidade da

educação de jovens e adultos (presencial) em Alagoas 1999/2010...

24

Quadro 03

Demonstrativo de matrícula da primeira turma por ofício na Escola

de Aprendizes de Artífices em Alagoas ...........................................

26

Quadro 04

A expansão do IF em Alagoas...........................................................

28

Quadro 05

Demonstrativos de oferta dos cursos do campus Maceió/2013........

28

Quadro 06

Demonstrativos de oferta do curso técnico de artesanato no IFAL

2008 /2014.........................................................................................

29

Quadro 07 Distribuição dos módulos na organização curricular integrada ........ 32

Quadro 08 Organização Curricular do Módulo I ................................................ 32

Quadro 09 Categorização dos estudos centrada nas histórias de vida dos.......... 57

Quadro 10 Contexto Histórico e Social das Artesãs em sua trajetória de

formação ...........................................................................................

58

Quadro 11 Identificação das artesãs do Curso Técnico Artesanato .................... 67

Quadro 12 Perfil das Artesãs da primeira turma matriculada em Curso

Técnico de Artesanato/2008 .............................................................

69

Quadro 13 Quantitativo das participantes da Pesquisa, 2014..............................

70

Quadro 14 Escolaridade do Ensino Fundamental / Curso Técnico de

Artesanato .........................................................................................

73

Quadro 15 Escolaridade do Ensino Fundamental / Curso Técnico de

Artesanato .........................................................................................

73

LISTA DE FIGURAS

Figura 01 Mapa de Alagoas com os municípios da Costa litorânea do norte ao

sul do estado, Sertão e Agreste ...........................................................

38

Figura 02 O tear e o processo de criação do filé.................................................. 39

Figura 03 A cultura do bordado “Rendendê”: mãos, agulha e o bastidor............ 40

Figura 04 O trançado da palha do Ouricuri e a tradição indígena....................... 41

Figura 05 “Mulheres de Fibra": mulheres artesãs no assentamento agrário em

Maragogi/AL........................................................................................

42

Figura 06 Arte em cerâmica: Quilombola: Serra da Barriga/ União dos

Palmares – AL......................................................................................

43

Figura 07 A singeleza do bordado filé ...........................................................

91

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................... 11

CAPÍTULO I - A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E O PROEJA EM ALAGOAS

21

1.1 Contexto educacional de Alagoas................................................................. 21

1.2 O PROEJA: a gênese de um programa social no IFAL................................ 25

1.3 A profissionalização das artesãs em Alagoas................................................ 30

1.3.1 Os desafios para a integração curricular....................................................... 31

1.4 A dimensão e o lugar que o artesanato ocupa em Alagoas........................... 35

CAPÌTULO II - AS ARTESÃS E A CULTURA POPULAR ................................

46

2.1 O processo de produção da cultura artesanal................................................ 46

2.2.1 A importância da arte e a criação artística.................................................... 49

2.2.2 A indústria cultural e o mercado de trabalho artesanal................................. 52

2.2.3 A (in)visibilidade da mulher na produção artesanal..................................... 54

2.2 Territórios e fronteiras da formação.............................................................. 56

2.3 Base conceitual: o artesanato e a arte popular.............................................. 61

CAPÍTULO III - AS ARTESÃS NARRADORAS E SUAS HISTÓRIAS DE

VIDA ENTRETECIDAS NO ARTESANATO: currículo, vivências e experiências

66

3.1 O caminho da pesquisa e suas trilhas investigativas..................................... 75

3.2 O contexto histórico e social das artesãs em sua trajetória de formação...... 78

3.2.1 As trajetórias de vida e os fios que entrelaçam ao artesanato....................... 80

3.2.2 O artesanato como ofício e o processo de criação artesanal......................... 84

3.2.3 Os Impactos do processo de formação: da profissionalização ao mercado

de trabalho artesanal......................................................................................

86

CAPÍTULO IV – TENSIONAMENTO DO CURRÍCULO AO PROCESSO DE

CRIAÇÃO: reflexões docentes ..................................................................................

91

4.1 O diálogo de saberes e práticas para o processo de criação e produção

artesanal......................................................................................................

92

4.2 Os conhecimentos da cultura do saber artesanal validados como eixos

norteadores do currículo................................................................................

96

4.3 Limites pedagógicos: malha conceitual de pensar o curso........................... 97

4.4 Os embates da formação e o mercado artesanal............................................ 100

4.5 Traçando novos caminhos para outras narrativas......................................... 108

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................

110

REFERÊNCIAS........................................................................................................

APÊNDICES............................................................................................................. 114

121

ANEXO...................................................................................................................... 129

11

INTRODUÇÃO

A trilha investigativa desta tese de doutorado está relacionada diretamente com o

entrelaçamento da minha relação de trabalho com a educação profissional em Alagoas, desde

o ano de 2002, no Instituto Tecnológico do estado, quando atuei na Coordenação Pedagógica

dos cursos técnicos na capital. Isso impulsionou a minha trajetória acadêmica, influenciando o

objeto de pesquisa desde o mestrado, quando foi investigado o currículo do curso técnico de

artesanato na modalidade da educação de jovens e adultos no âmbito do PROEJA no Instituto

de Educação, Ciências e Tecnologia – IFAL1. Essa investigação culminou na dissertação

(2010): Currículo integrado do Proeja: um estudo dos (des)encontros de várias práticas e

saberes - PPGE/ UFAL.

Os desdobramentos da pesquisa, por meio das análises da integração de saberes

tradicionais, possibilitaram observar as inter-relações entre os saberes profissionais e

tecnológicos, próprios dos currículos de cursos técnicos, e os saberes tradicionais, dos ofícios

artesanais.

O curso técnico em artesanato ofertado no Instituto Federal de Ciências e Tecnologia

de Alagoas – IFAL, no período 2008/2010, trouxe inquietações que não se esgotaram na

pesquisa de mestrado (2010), pela sua pertinência e relevância para os estudos no campo

curricular. Daí a razão de, agora, uma pesquisa em nível de doutorado.

A pesquisa realizada no curso técnico de artesanato, em 2008, possibilitou à

investigação uma experiência inovadora na época, uma formação técnica profissionalizante

em nível médio para artesãs com uma proposta curricular idealizada e estruturada para essa

categoria de profissionais, valorizando a cultura e os saberes práticos advindos de uma

tradição artesanal.

As questões centrais da discussão desta pesquisa junto ao curso técnico de artesanato

estão estruturadas em práticas de um currículo integrado, que foi pensado e planejado para

uma clientela específica: as artesãs de Alagoas, cujo saber está incorporado na cultura

popular, a qual se mantém constituída de saberes perpetuados através de seus ofícios, tradição

de uma cultura artesanal.

1 Peço licença aos homens artesãos de Maceió e aos alunos da primeira turma de artesanato/IFAL para que se

sintam incluídos na flexão plural feminina da palavra “artesãs”. É que, em nosso trabalho, todas as entrevistadas

foram mulheres. É relevante destacar que, no censo do artesão em Alagoas, 86% são mulheres; portanto, são

“artesãs”. E, se a regra é pela lógica de uma minoria, democraticamente, quando temos uma maioria de

mulheres, a linguagem pode ser toda no feminino. Eis, pois, uma forma de posicionar-se politicamente na

visibilidade das mulheres em Alagoas e no mundo.

12

Nossa pesquisa do mestrado (2010) possibilitou compreender que a vertente desta

organização curricular não se constrói e/ou se estabelece apenas por materializar-se em uma

confluência de níveis e modalidades da educação básica com os saberes artesanais e

científicos. Essa integração curricular também se propôs a superar a dualidade clássica entre o

ensino profissional e a formação geral, tendo a modalidade da educação de jovens e adultos

como centro do processo de aprendizagem e exigindo “novos redimensionamentos” aos

docentes para atender a especificidade da proposta pedagógica do curso.

A complexidade da proposta do PROEJA está contida nas relações que se tecem em

uma proposta de integração curricular para artesãos e artesãs nesse curso. E o diferencial da

proposta pedagógica se deu a partir da interação e reconhecimento dos sujeitos da educação

de jovens e adultos, trazendo para dentro do currículo a cultura do artesanato e a valorização

da cultura popular.

O reconhecimento da arte e da cultura especificamente nesse curso técnico

profissionalizante para artesãs, ademais, tem respaldo, como direito cultural, na Constituição

de 1988, que estabeleceu em seus artigos 215 e 216 o exercício dos direitos culturais e o

acesso às fontes de cultura nacional, ao valorizar e incentivar a produção cultural e difusão

das manifestações culturais.

A Ementa Constitucional nº 71, de 2012, ao acrescentar o art. 216-A à Constituição

Federal, institui o Sistema Nacional de Cultura, que consiste em um movimento de

reconhecimento de uma política nacional de cultura, a saber:

§ 1º O Sistema Nacional de Cultura fundamenta-se na política nacional de

cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e

rege-se pelos seguintes princípios:

I - diversidade das expressões culturais;

II - universalização do acesso aos bens e serviços culturais;

III - fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens

culturais;

IV - cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados

atuantes na área cultural;

V - integração e interação na execução das políticas, programas, projetos e

ações desenvolvidas;

VI - complementaridade nos papéis dos agentes culturais;

VII - transversalidade das políticas culturais;

VIII - autonomia dos entes federados e das instituições da sociedade civil;

IX - transparência e compartilhamento das informações;

X - democratização dos processos decisórios com participação e controle

social;

XI - descentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das

ações;

XII - ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos

para a cultura. (BRASIL, 2012)

13

O Sistema Nacional de Cultura consiste, portanto, em uma política do governo federal

para implementar uma articulação entre o Estado e a sociedade com a proposição de

organicidade, racionalidade e estabilidade às políticas públicas de cultura, através de ações

integradas nos estados e municípios brasileiros, buscar promover a diversidade cultural,

fomentar a produção e circulação de bens culturais como direito cultural, como direito do

cidadão à cultura.

Segundo dados da pesquisa de Informações do Perfil dos Municípios Brasileiros

(MUNIC, 2006/ p. 42), dos 5.564 municípios existentes no País, apenas 33,9% aderiram ao

Sistema Nacional de Cultura, enquanto 42,1% ainda não têm uma política cultural formulada,

o que denota uma fragilidade na institucionalização da adesão dos municípios ao aludido

Sistema. Atualizando esses indicadores por meio do Ministério da Cultura, os dados

estatísticos do acordo de cooperação federativo do SNC, pelo menos até 01/04/2015,

apresentam um percentual de 34,9%, ou seja, 1% de adesão dos municípios em 09 anos.

Quanto aos tipos de ações de cultura existentes nos municípios brasileiros, os dados da

mesma pesquisa (MUNIC, 2006, p.80) apontam uma notável diversificação das atividades

culturais existentes nos municípios. Os mais importantes destaques são as exposições de

artesanato (57,7%), as feiras de artes e artesanato (55,6%), os festivais de manifestação

tradicional popular (49,2%), os festivais de música (38,7%), os eventos de dança (35,5%), os

concursos de dança (34,8%) e os de música (31,9%).

Levando em conta os 16 diferentes tipos de atividades artísticas presentes nos

municípios, observa-se que 64,3% dos municípios brasileiros possuem algum tipo de

produção artesanal, liderando o percentual das manifestações esculturais identificadas na

pesquisa.

Em Alagoas, o censo do artesão realizado pela Secretaria de Estado do Planejamento e

do Desenvolvimento Econômico de Alagoas, entre 2008/2010, cadastrou 7.918 artesãos e,

apesar de 86% terem o artesanato como principal fonte ativa de renda, 90% não possuem

vínculo empregatício, apenas 6% estão inseridos em alguma associação e apenas 1% em

cooperativas. É importante destacar que o censo não faz nenhuma referência à escolaridade

dos artesãos em Alagoas, o que seria um dado relevante, de suma importância para fomentar

políticas públicas para a categoria.

Em pesquisa realizada sobre a oferta de cursos de artesanato nos Institutos Federais,

foi possível identificar que ela existe na modalidade PROEJA nos seguintes Institutos

Federais (IF):

14

1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília - Campus

Taquatinga, com a oferta do curso técnico integrado de jovens e adultos em artesanato. Eixo

tecnológico: produção cultural e design. Carga horária: 2.400 horas, cujo início se deu em

2013, segundo consta da proposta do plano de curso (www.ifb.edu.br).

2. O Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia de Goiás – Campus

Cidade de Goiás, com a oferta do curso técnico em artesanato integrado ao ensino médio, no

período noturno. Eis um curso na modalidade da educação de jovens e adultos, com carga

horária de 2.460 horas, ofertado no período noturno (www.ifg.edu.br).

3. O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão, no Centro

Histórico, oferta o curso técnico em artesanato, com a proposta de criação e desenvolvimento

de produtos artesanais, utilitários ou decorativos, a partir de materiais, técnicas e processos

variados, além de gestar organizações referentes à produção artesanal. Modalidade: integrado

e PROEJA (www.ifma.edu.br).

São cursos técnicos profissionalizantes em artesanato, todos ofertados dentro da

proposta do PROEJA, visando atender a modalidade EJA em nível médio de ensino integrado

à educação profissional. A iniciativa ainda é, porém, incipiente no âmbito federal, apesar de

os cursos serem estruturados de acordo com a proposta pedagógica de cada um deles, com

suas especificidades próprias e com as demandas sociais de cada região onde são ofertados.

São propostas curriculares diferenciadas, todas voltadas para formar artesãos.

Também se insere nesse contexto o Programa Nacional de Acesso ao Ensino

Técnico e Emprego/PRONATEC. Teve início em 2011, é considerado como programa

prioritário da agenda do governo federal e visa a ampliar a formação do profissional,

principalmente trabalhadores e beneficiários de programas de transferência de renda.

Inicialmente ofertado pelo IF, as redes estaduais e municipais de educação e as instituições do

Sistema S (SENAI, SESI, SENAC, SESC) também ofertam. E essa demanda foi ampliada em

2013 com a oferta das instituições privadas.

Esse modelo tem uma forte relação com os outros programas, como o Plano Nacional

de Qualificação do Trabalhador/PLANFOR, implantado em 1996, no governo de Fernando

Henrique Cardoso. Ali se efetivou por meio de ações do Ministério do Trabalho e Emprego/

MTE e foi expandido para todas as regiões do país com financiamento de recursos do Fundo

de Amparo ao Trabalhador/FAT. Já a oferta se deu por ONGs, associações, comunidades,

instituições de ensino da rede pública, etc. As grandes questões que perpassaram esse formato

de programa, que visa a democratizar o acesso dos trabalhadores à qualificação profissional, é

a ausência de vinculação com a escolaridade, ou seja, não trazer em sua proposta o itinerário

15

formativo para esses trabalhadores, reafirmando, dessa forma, a inserção imediata de mão de

obra para atender a demanda de mercado.

A oferta e a expansão dos atuais programas de qualificação traz uma conotação que o

investimento do governo federal em implementar a qualificação e inserção de trabalhadores

através de cursos de formação continuada, em novos programas, visando à inserção de forma

mais imediata/restrita ao mercado de trabalho, não tem impulsionado a politica do PROEJA

no âmbito da rede federal, como afirma Franzoi, 2013:

O “esquecimento” do PROEJA diante do PRONATEC pode pôr a perder os

ganhos que esse programa trouxe ao público da EJA, tanto em qualidade

quanto em acesso às escolas federais onde antes não tinham vez nem lugar.

A intencionalidade de oferecer o PROEJA dentro do PRONATEC é outra

perspectiva que preocupa, com o agravante de que esta possibilidade pode

condená-lo ao seu fim, tendo em vista que o PRONATEC possui caráter

emergencial e pode ser substituído a qualquer tempo por um novo programa

de governo para formação aligeirada de trabalhadores (FRANZOI, 2013, on-

line).

A inserção da proposta do PROEJA no IF, mesmo que ainda tenha sido efetivada com

resistências para institucionalizar a modalidade EJA em seu plano de desenvolvimento

institucional, trouxe avanços, considerando a dívida social do governo federal para com a

formação de trabalhadores, uma conquista que tem sintonia com a LDBEN e o Plano

Nacional de Educação/PNE (2014-2024). A questão central está na descontinuidade de

propostas que não trazem um caráter formativo social para os trabalhadores.

PROBLEMA, OBJETO e OBJETIVO DA PESQUISA

A pesquisa exige que o pesquisador adote procedimentos teóricos e metodológicos

para nortear o planejamento, seja para encontrar o fio condutor que irá tecer o próprio

trabalho, seja para refinar o problema a ser investigado, o objeto e os objetivos. Essa

construção do caminho metodológico nos remete a escolhas que delimitaram a abrangência da

pesquisa, o que não é uma tarefa tão fácil para o pesquisador; é desafiante e provocadora.

Consideramos que a definição do problema da tese é um dos momentos mais

inquietantes da elaboração do projeto de pesquisa; pois, ao mesmo tempo que requer decisão

para responder o que e para que esse problema, também traz implícita a questão da relevância

social da pesquisa, que trata do conhecimento que será ampliado, interpretado, socializado. A

pesquisa está contida no brilho do olhar do pesquisador, no desejo de investigação que o

16

seduz para que o conhecimento por ele produzido possa ser validado pela comunidade

acadêmica.

A pesquisa nesta tese é oriunda do desdobramento das investigações do mestrado e

das inquietações ao conhecer a organização curricular do curso técnico de artesanato, o locus

onde se deu o curso, o Instituto Federal de Educação de Alagoas/IFAL, que tem tradição

centenária na oferta da educação profissional no estado. Além disso, são relevantes neste

trabalho a importância da cultura que envolve os seus sujeitos, a relação da pesquisadora que

se estabeleceu com os atores da pesquisa e, principalmente, a relevância de investigar uma

política pública para a formação das artesãs de Alagoas.

O Instituto Federal de Alagoas / IFAL, uma entidade formadora com tradição em

produzir conhecimentos tecnológicos de ponta, conhecimentos estes que são articulados entre

a ciência e o mundo produtivo, tem como um dos princípios norteadores atender as demandas

do setor de produção da região. Foi nesse instituto, onde os saberes tecnológicos possuem

uma dinâmica própria, altamente valorizada com a oferta do ensino tecnológico, que se

instituiu a oferta do curso técnico de artesanato, em 2008, como uma das ações de

implantação do PROEJA.

Dessa forma, é importante compreender o que representa a formação em artesanato

para o fortalecimento da identidade cultural do estado de Alagoas. Considerando que o

artesanato em Maceió é um segmento “profissional” importantíssimo e que tem, em sua arte

de fazer, o trabalho feminino, ele possui valor cultural de arte popular e, não bastasse, resiste

à indústria cultural, empreendendo um segmento econômico importante, pois gera emprego

com efeitos culturais. A artesã é uma categoria profissional desvalorizada por diversos

fatores, mas um deles é o fato de ainda não haver a regulamentação da profissão, apesar da

tramitação na Câmara dos Deputados do Decreto para o reconhecimento da profissão.

Portanto, o problema central em discussão é o desconhecimento de como as artesãs

egressas e os docentes do curso técnico em artesanato do IFAL percebem o reconhecimento, a

valorização e a visibilidade social do trabalho artesanal a partir da formação oferecida no

curso.

Os saberes de seus ofícios, passados de geração para geração, foram importantes como

ponto de partida desse processo de aprendizagem. Ao serem reconhecidos e valorizados no

currículo do curso do PROEJA/IFAL, há uma tendência de valorização também das

profissionais portadoras desses saberes. As artesãs egressas do curso sentiam-se valorizadas

pelo saber prático que trouxeram de seus ofícios. Isso ficou evidente durante a pesquisa do

mestrado.

17

No entanto, há outro fator importante, que diz respeito à forma como atuam, ainda de

maneira muito precária, em Alagoas, e que diz respeito à luta pelos direitos sociais das

artesãs: o movimento de uma categoria pela aprovação do Projeto de Lei2 para a

regulamentação do ofício do artesão no país.

Apesar de existir um apoio institucional do Programa do Artesanato Brasileiro / PAB,

através da Secretaria da Indústria e Comércio de Alagoas, as vendas dos produtos artesanais

são realizadas em feiras livres de artesanato, em mercados de artesanato ou mesmo de “porta

em porta” nos bairros da cidade, diretamente ao cliente. Na cidade de Maceió, mesmo com

seu potencial turístico, nem todas as artesãs têm acesso a pontos de venda do artesanato, nem

todas têm trabalhos reconhecidos e consolidados que garantam a sobrevivência econômica

exclusivamente do artesanato.

Poucas são as artesãs que conseguem ser reconhecidas e/ou valorizadas como artistas e

viver exclusivamente de sua profissão, pois em sua maioria o trabalho artesanal é uma

segunda fonte de renda. É um percentual pequeno das artesãs que possuem barracas em

espaço público; algumas só conseguem participar de exposição em feiras de artesanato ou em

pontos turísticos da cidade, em determinados períodos, dependendo do fluxo do turismo, da

alta temporada.

É perceptível que nas feiras há um artesanato massificado, a exemplo da jangadinha

em madeira que existe em todas as regiões do nordeste do Brasil, identificando a cidade em

sua vela: “Estive em Maceió, lembrei de você”, por exemplo. Esses produtos são

comercializados por atravessadores que dividem os espaços de venda com as artesãs.

Quanto aos ateliês das artesãs, na sua maioria, são espaços improvisados em suas

residências, sem infraestrutura de trabalho, pois lhes faltam recursos para investir na

produção, na matéria-prima, nos instrumentos de trabalho para o processo de criação,

experimentação e elaboração dos produtos.

É imprescindível considerar a diversidade cultural existente no país, a relevância do

artesanato como fortalecimento do resgate cultural e de definição de políticas para o fomento

da cultura e, em especial, para a profissionalização e visibilidade social das mulheres artesãs.

2 Projeto de Lei nº 7.755/2010, que visa a definir a atividade profissional do artesão. Eis um tema que tramita nas

esferas legislativa, judiciária e executiva; no entanto, apesar da política de implementação de um Sistema

Nacional de Cultura (CF/1988 e EC nº 71, de 2012), a Comissão de Educação (2013) não estabeleceu nenhum

diálogo quanto ao projeto, ou seja, o tema “cultura” não dialoga com o “educativo”. A relatora da Comissão de

Cultura, deputada Luciana Santos, ressalta o quanto o artesanato brasileiro muito tem lutado pelo

reconhecimento legal como atividade econômica. Em 25/03/2015, o PL foi encaminhado à Comissão de

Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio.

18

Dessa forma, pretende-se desenvolver uma pesquisa cujo objetivo geral consiste em

analisar em que medida os conhecimentos, as experiências e as vivências produzidos através

de uma organização curricular integradora do curso de artesanato do PROEJA/IFAL

viabilizaram a reinserção das artesãs, com mais autonomia, no mercado de trabalho após a

formação profissionalizante.

Como desdobramento, teremos os seguintes objetivos específicos:

a. Identificar as mudanças das práticas e as transformações na cultura das artesãs após

a formação técnica e suas implicações na sua inserção no mercado de trabalho;

b. Identificar a incorporação dos conhecimentos tecnológicos aos saberes tradicionais

na produção artesanal;

c. Analisar em que medida o entrelaçamento das práticas e saberes reconhecidos e

ampliados que se estabeleceram na organização curricular deste curso possibilitou a

autonomia das artesãs no processo de criação do artesanato;

d. Apresentar como se dá a implementação da política de fomento para o artesanato

em Alagoas;

A relevância desta pesquisa reside em contribuir para um debate na educação de

jovens e adultos, na formação profissional das mulheres no artesanato e no campo curricular,

através do processo de formação continuada de mulheres artesãs. Dialogar com a instituição

escolar, através dessa pesquisa, para validar e ampliar as experiências sistematizadas e

vivenciadas que teceram pelas mãos das artesãs egressas na aprendizagem e no processo

laboral.

Como também, no processo de criação, da produção artesanal e na sua inserção no

mercado artesanal, o que revela respeito ao processo de quem se forma – Artesãs Narradoras,

e, através de suas histórias de vida, respeito à identidade cultural, da autonomia econômica e,

sobretudo, da visibilidade social do trabalho dessas mulheres.

Para o desenvolvimento deste estudo, foi empregada a pesquisa narrativa, como

enfoque metodológico para a análise das narrativas das histórias de vida das artesãs egressas

do curso técnico em artesanato (primeira turma, que concluiu em 2010).

A opção metodológica pela pesquisa narrativa se dá nessa tessitura sobre o formar -

como se constrói o processo de formação (antes da escola no processo de autoformação x

espaço formal) no caso específico dessas mulheres, que trazem saberes vindos da cultura

popular. E, ainda, enquanto proposta pedagógica reconhecer o formar-se – permitir ao sujeito

refletir sobre a integralidade de sua formação (o valor cultural, ético, político), para que possa,

através de práticas pedagógicas dialogar com os seus saberes no exercício da produção e da

19

criação, para assim validar o currículo no qual ela se forma. Uma proposta é apresentada por

Nóvoa (2010), que também nos guia nessas reflexões:

A questão central continuou se formar (Como? Quando? Onde?) e não

formar-se (o que é formador na vida de cada um?); continuou a refletir-se (e

a trabalhar-se) fundamentalmente em torno de uma formação

institucionalizada. [...] Mas faltou uma interrogação epistemológica sobre

o processo de formação [...] (grifos do autor) (NÓVOA; FINGER, 2010, p.

23).

Nessa perspectiva, Nóvoa; Finger (2010) trata da necessidade de uma interrogação

epistemológica para o processo de formação de adultos, o que está subtendido numa crítica

sobre uma “visão desenvolvimentista” de educação, visando, com isso, através da pesquisa

narrativa, a favorecer o indivíduo para “pensar-se na ação”.

O método biográfico permite que seja concedida uma atenção muito

particular e um grande respeito pelos processos das pessoas que se formam:

nisso reside uma das principais qualidades, que o distinguem, aliás, da maior

parte das outras metodologias de investigação em ciências sociais.

Respeitando a natureza processual da formação, o método biográfico

constitui uma abordagem que possibilita ir mais longe na investigação e na

compreensão dos processos de formação e dos subprocessos que o compõem

(NÓVOA; FINGER, 2010, p. 23).

E, para a pesquisa com os docentes, optamos pela entrevista e grupo de discussão, para

trazer suas análises e reflexões sobre o curso, pois fazem parte desse processo, são os

mediadores dessa formação e têm contribuições significativas para o processo de formação

dessas mulheres. Weller (2013), apresenta uma abordagem desenvolvido por grupos de

discussão na Alemanha, destacando a importância do aporte teórico metodológico desse

procedimento como um método de investigação.

Após a breve contextualização, apresentamos a estrutura da tese, composta em quatro

capítulos assim organizados e definidos:

No primeiro capítulo, definido como A educação profissional e o PROEJA em

Alagoas, apresentamos reflexões sobre o contexto educacional de Alagoas e a política de

profissionalização na qual se efetivou a formação da primeira turma do curso técnico de

artesanato do Instituto Federal de Alagoas/IFAL, inserido em um programa que se encontra

sobreposto pela política do PRONATEC, ainda tratado como programa e sem o

reconhecimento institucional, apesar do valor social da formação de artesãs. Houve retomada

de análises da organização curricular do curso, da formação inicial das artesãs, da avaliação e

da criação laboral do artesanato, análises estas que se deram no processo de formação das

egressas.

20

No segundo capítulo, definido As artesãs e a cultura popular, buscamos analisar o

processo de produção da cultura artesanal, retomando a importância da arte e da criação

artística, a indústria cultural e o mercado de trabalho artesanal, além da (in)visibilidade da

mulher na produção artesanal e dos “embates” do território e fronteiras de formação.

No terceiro capítulo, denominado As artesãs e suas histórias de vida entretecidas no

artesanato: currículo, saberes, vivências e experiências, foi estudado o entrelaçamento

trazendo o currículo como campo onde se deu o diálogo dos saberes aliados às experiências

que as artesãs trazem de seus ofícios, que resgatamos das narrativas das histórias de vida das

mulheres no exercício de seus ofícios, na cultura popular.

No quarto capítulo, Tensionamento do currículo ao processo de criação: reflexões

docentes, é discutido o tensionamento do curso a partir da visão formadora de quem o

planeja, de quem esteve no cotidiano da sala de aula e vivenciou, durante três anos, a

experiência da organização curricular integrada para formar mulheres artesãs, resgatando suas

histórias e seus conhecimentos em um curso que reconhece seus saberes e ofícios artesanais.

Isso deveras tem, nesses sete anos de implantação do curso, contribuído com a formação das

artesãs em Alagoas.

E, para finalização da presente tese, nas Considerações finais, retomamos as tramas

que envolveram o curso, numa perspectiva de contribuir com as práticas curriculares de uma

organização que reconhece a identidade cultural dos atores sociais, na modalidade da

educação de jovens e adultos, cuja relevância está em trazer para a academia um tema pouco

valorizado – o processo de aprender e ensinar a cultura artesanal, a partir das narrativas das

histórias de vida de mulheres que lutam pela visibilidade e pelo reconhecimento do trabalho

artesanal em Alagoas.

21

CAPÍTULO I – A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E O PROEJA EM ALAGOAS

Neste capítulo abordaremos a educação em Alagoas tomando como base o perfil do

eleitorado de 2008/2012 e as taxas de escolarização da educação básica de 1980/2009. A

tarefa é refletir sobre a dimensão do PROEJA para a formação de mulheres artesãs e

considerar o valor cultural e econômico da cultura para o estado de Alagoas. É, pois, uma

análise que se propõe a discutir o papel social do Instituto Federal de Alagoas, ao ofertar

curso de formação de artesãos/ãs.

1.1 Contexto educacional de Alagoas

Analisar os indicadores sociais do estado de Alagoas nos possibilita compreender as

variáveis presentes nas relações intersubjetivas que permeiam o processo formativo em

Alagoas, pois são indicadores que retratam o contexto social, político e educacional. Nesta

pesquisa, a proposta inicial foi redimensioná-los para a escolaridade dos ensinos fundamental

e médio, visando a investigar como se deram os processos da escolaridade das artesãs.

Enfatizamos que, muito mais que retratar dados estatísticos para quantificar o

diagnóstico desses indicadores, a ideia é repensar o processo educacional em Alagoas, tendo

como base o perfil de escolaridade dos eleitores, cujos indicadores sociais, ao retratar o grau

de instrução da população, revelam também o perfil do eleitor jovem, de 16 anos, que é a

idade mínima exigida pelo Tribunal Superior Eleitoral, apesar de não demarcá-los nos

percentuais divulgados pelo site.

Através do relatório do TSE de 2008/2012, foi possível conhecer os percentuais da

eleição de 2012 e a escolaridade dos eleitores alagoanos, conforme apresentamos na tabela 01,

para uma posterior análise do que representam os índices para o estado de Alagoas:

Tabela 01: Distribuição do eleitorado de Alagoas por grau de instrução

Grau de Instrução 2008 % 2010 % 2012 %

Não Informado 1.663 0,0084 1.438 0,0071 2 0,000

Analfabeto 332.791 16,835 325.009 15,976 248.433 13,335

Lê e escreve 489.681 24,771 472.014 23,202 312.238 16,760

E. Fund. Incompleto 631.774 31,959 651.018 32,002 506.010 27,161

E. Fund. Completo 89.667 4,536 90.178 4,433 86.800 4,659

E. Médio Incompleto 235.016 11,888 265.775 13,065 197.247 10,587

E. Médio Completo 138.147 6,988 160.309 7,880 322.125 17,290

Superior Incompleto 23.988 1,213 29.522 1,451 76.269 4,094

Superior Completo 34.109 1,725 39.063 1,920 113.905 6,114

Total 1.976.836 2.032.888 1.863.029

Fonte: TSE/2014.

22

Destacamos inicialmente o índice de analfabetos dos que leem e escrevem, cujo

percentual em 2012 foi de 30% dos eleitores alagoanos. Outro aspecto a considerar refere-se

aos eleitores que possuem o ensino fundamental incompleto ou completo, perfazendo um total

de 31%, o que significa dizer que 61% dos eleitores de Alagoas possuem baixo índice de

escolaridade. Apenas 17% dos eleitores têm o ensino médio completo. É relevante refletir

acerca desses indicadores, pois os dados expressam a desigualdade social da população

alagoana, que, consequentemente, não possui uma qualificação elevada para o trabalho. Para

Carvalho (2007), esses indicadores retratam as consequências diretas da combinação entre

pobreza, concentração de renda e baixa escolaridade.

Segundo os indicadores sociais (IBGE 2012), entre as regiões que concentram a maior

parcela de trabalhadores informais, o Nordeste apresenta a menor média de anos de estudo.

Tal resultado é reflexo, por um lado, da maior oferta de empregos precários e, por outro, da

baixa qualificação da população; ou seja, quanto menor é o nível de escolaridade, maior é o

índice de pessoas que atuam na informalidade: eis a relação capital humano e trabalho.

Quanto à educação superior em Alagoas, podemos considerar qualitativamente o

avanço dos índices de 3% para 10% dos eleitores que obtiveram o acesso ao nível superior no

período 2008/2012, o que pode ser atribuído à expansão e à interiorização da educação

superior, tanto na esfera pública quanto na privada.

A análise dos indicadores do TSE requer uma interpretação que favoreça a

compreensão das causas e/ou consequências desses entraves que permeiam o sistema

educacional em Alagoas, em especial na educação básica, redimensionando o olhar sobre a

educação de adultos.

Uma das hipóteses sobre a baixa escolarização da população de Alagoas está nas

distorções entre a idade cronológica e o ano cursado. Os indicadores apresentados no Anuário

Estatístico (2010) da Secretaria de Educação de Alagoas retratam como a distorção foi

acentuada desde a década de 1980 até 2009, principalmente no ensino fundamental.

Considere-se que a matrícula bruta é a razão do número total de estudantes que

frequentam determinado curso independentemente da idade, enquanto a matrícula líquida é o

percentual de pessoas com faixa etária apropriada para frequentar determinado curso,

consoante estipula a legislação educacional vigente.

No quadro 01, apresentamos um panorama das matrículas do ensino fundamental e

ensino médio de Alagoas. Com esses dados, será possível tecer análises das décadas de 1980,

1990 e 2000, precisamente até 2009:

23

Ano Ensino

Fundamental

Ensino Médio

Bruta Líquida Bruta Líquida

1980 74,5 59,5 19,5 5,6

1991 93,4 72,4 24,6 8,5

1998 132,4 86,3 34,7 11,5

2000 134,5 89,3 44,5 11,5

2009 115,3 89,3 67,4 33,3

Quadro 1: Taxa de escolarização bruta e líquida no ensino fundamental e ensino médio de Alagoas: 1980/2009

(%)

Fonte: Anuário Estatístico da Educação de Alagoas/2010

A educação em Alagoas, segundo o PEE/AL 2006/2015, sofre nos anos finais de 80 os

impactos das mudanças econômicas no cenário nacional e, nos anos 90, as demandas

provocadas pelas demissões de servidores públicos e professores (plano de demissão

voluntária/PDV), o que implicou esvaziamento de servidores nas instituições públicas e nas

escolas.

No final dos anos 90, tanto a rede pública estadual, como as redes

municipais, com raríssimas exceções, indicavam grandes lacunas no acesso

escolar e na qualidade do ensino, expressas pela inexistência de uma política

educacional pensada para o estado com um todo, que tratasse de forma

integrada e com financiamento adequado, as dimensões da matricula, das

condições de educação de uma linha de ação pedagógica construída,

assumida e avaliada coletivamente, bem como de uma previsão realista de

financiamento ( PEE/AL, 2006, p.15).

Considerando que, quanto maior é a matrícula bruta, maior será a defasagem entre a

idade cronológica dos estudantes e o ano cursado, a distorção idade-série é um dos fatores

predominantes para abandono e reprovação. Esse quantitativo é muito mais expressivo no

ensino fundamental. Entre 2000 e 2009, em nada avançou, reafirmando as desigualdades

sociais e as condições de acesso da população alagoana à educação, como retrataram os

índices da escolaridade apresentados pelo Tribunal Superior Eleitoral.

A dimensão de políticas públicas para a educação básica está no bojo do Plano

Nacional de Educação (PNE 2014/2024), em suas metas 2 e 3, que visam a garantir o acesso e

a conclusão na idade certa, o que representa grande desafio aos estados e municípios, assim

como à União, porquanto devem garantir políticas públicas para a educação básica – não só o

direito à educação como também condições de garantir o acesso com qualidade de

aprendizagem.

A meta 2, por exemplo, visa a universalizar o ensino fundamental de 9 (nove) anos

para a população de 6 a 14 anos, além de garantir que pelo menos 95% dos alunos concluam

essa etapa na idade recomendada. São implicações que perpassam o ingresso da criança na

24

instituição a partir dos 06 anos de idade e que predominam nas classes populares que não

tiveram direito à pré-escola. São questões que direcionam para o fator tempo de permanência

na escola e condições de permanência, de aprendizagem, de sucesso escolar, entre outros

fatores, que envolvem também políticas públicas de formação e valorização do trabalho

docente, essencialmente na esfera municipal, responsável pela oferta do ensino fundamental.

Já a meta 3, que propõe universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a

população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos e elevar a taxa líquida de matrículas no ensino

médio para 85% (oitenta e cinco por cento), atinge diretamente a universalização do ensino

médio, que requer mais investimentos da esfera estadual, com políticas para garantir a

ampliação da demanda e abranger as áreas urbana e rural.

Considerados os dados da realidade de Alagoas, são muitos os desafios à rede pública

para o cumprimento dessas metas, para conter a demanda de jovens fora da faixa etária, que

aumentam gradativamente as matrículas da modalidade de jovens e adultos. Um contingente

plural e heterogêneo de jovens, adultos/as e mulheres predominantemente marcados/as pelo

insucesso em suas trajetórias escolares, de ingresso e (re)ingresso, continuidade e

(des)continuidade, torna-se público-alvo de programas de qualificação para aligeiramento e

inserção mais imediata no mercado de trabalho.

A LDBEN, ao tratar dos princípios e fins da educação no art. 3º, inciso I, sobre a

igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, garante o direito institucional.

No entanto, o acesso à educação tem uma defasagem histórica, e vários fatores determinam

essa desigualdade de oportunidades.

Segundo dados do IBGE (2012), o Norte e o Nordeste são as regiões com maior

quantitativo de pessoas de 15 anos ou mais que frequentam cursos de educação de jovens e

adultos ou o supletivo nos ensinos fundamental e médio. Esses dados agravam-se quando

retratamos a realidade das matrículas na modalidade de jovens e adultos em Alagoas, nas

esferas pública e privada, conforme apresentamos:

Ano Total Federal Estadual Municipal Particular

1999 46.697 - 25.756 18.652 2.289

2000 48.660 - 20.948 23.935 3.777

2005 103.926 - 31.082 70.460 2.384

2008 103.272 139 32.626 68.098 2.409

2009 112.037 217 32.214 77.427 2.179

2010 97.178 370 21.968 72.978 1.862

Quadro 02: Matrícula inicial por dependência administrativa na modalidade da educação de jovens e adultos

(presencial) – Alagoas 1999/2010

Fonte: Anuário Estatístico da Educação de Alagoas/2010

25

O quadro 02 acima nos possibilita realizar algumas análises do diagnóstico da

modalidade da educação de jovens e adultos nas esferas pública e privada em Alagoas.

Destacamos a esfera federal, quando em 2008 teve início à oferta da modalidade PROEJA no

IF de Alagoas. Uma política de profissionalização para adultos, homologada pelo Decreto nº

5.840/2006, que instituiu o PROEJA na rede federal e que se efetivou em um campo de

resistência pelos docentes por considerar como imposição do governo federal a inserção de

programa para jovens e adultos, por meio de decreto, no âmbito da rede Federal. Resistências

estas que não ampliaram a oferta de cursos para o PROEJA e não se institucionaliza no IFAL

enquanto política de profissionalização.

1.2 PROEJA: a gênese de um programa social no IFAL

Para compreender a dimensão da atual política da rede federal de educação

profissional, é importante retomar brevemente, em uma linha de tempo, como se consolidou a

educação profissional no Brasil, que teve a sua origem com a formação dos artífices em 1909,

com as 19 escolas de artes e ofícios, por Nilo Peçanha, em cada uma das capitais dos estados

da República. O IFAL comemorou 105 anos de implantação da rede federal, a primeira

instituição a ofertar o ensino técnico no estado.

Segundo Manfredi (2002), a definição da localização das escolas obedeceu mais a um

critério político do que econômico, pois na época havia poucas capitais com parque industrial

desenvolvido, como foi o caso de Alagoas.

A escola de aprendizes de Alagoas foi inaugurada em 10 de janeiro de 1910, instalada

em Maceió em local cedido pelo governo do estado, na rua Conselheiro Lourenço de

Albuquerque. Foi necessário passar por adaptações em sua estrutura por não ter os requisitos

necessários para satisfazer as necessidades da escola. Posteriormente, o governo a transferiu

para outras instalações, em prédio próprio (BONAN, 2010), onde se encontra até hoje.

De acordo como o Decreto nº 7566/1909, que trata da criação, a proposta das escolas

de aprendizes artífices tinha por objetivo “[...] não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da

fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de

trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime” (BRASIL, 1909).

Essas escolas de aprendizes de artífices tinham um sistema escolar próprio desde sua

criação, autonomia para definir o currículo e metodologia cujas finalidades se diferenciavam

das demais escolas da época, como afirma Manfredi (2002):

26

A finalidade educacional das escolas de aprendizes era a formação de

operários e contramestres, por meio do ensino prático e de conhecimentos

técnicos transmitidos em ofícios de trabalhos manuais ou mecânicos mais

convenientes e necessários ao Estado da Federação que a escola funcionasse,

consultando, quando possível, as especialidades da indústria local

(MANFREDI, 2002, p. 83).

Conforme o Decreto de sua criação, a escola deveria ofertar até cinco oficinas de

trabalhos manuais ou mecânicos, de acordo com a estrutura e a capacidade da escola, e

atender as especialidades das indústrias locais. Considerando que a economia de Alagoas era

mais agrária que industrial, as primeiras oficinas criadas tiveram origem com um trabalho

manual, com o intuito de formar menores com ofício de operário e contramestre, consoante

apresentamos na tabela 02:

Tabela 02: Classificação por faixa etária da escola de aprendizes artífices de

Alagoas/1911

FAIXA ETÁRIA ALUNOS (%)

10 a 11 anos 38 41

12 a 13 anos 55 59

TOTAL 93 100

Fonte: Bonan (2010).

Essa tabela retrata o perfil dos alunos das primeiras oficinas, todos menores,

atendendo a determinação da legislação do ensino profissionalizante à época, cujos requisitos

visavam a atender aos desfavorecidos de fortuna com idade mínima de 10 anos e máxima de

13 anos, na sua maioria, analfabetos.

Para ensinar os ofícios, foram contratados mestres em marcenaria, funilaria, sapataria,

carpintaria, ferraria e serralharia, além de uma professora, para oferta de curso primário

obrigatório para alunos que não soubessem ler, escrever e contar. Segundo Bonan (2010),

constava do relatório do diretor da escola uma curiosidade: à época, para a divulgação dos

cursos, foram distribuídos 2.500 folhetos à comunidade, contudo não houve demanda. Foram

realizadas 93 matrículas, e apenas 60 alunos frequentaram os cursos, conforme apresentamos

no quadro 03 a distribuição por oficinas na primeira turma:

OFICINAS MATRÍCULA FREQUÊNCIA DOS CURSOS

Aprendiz de marceneiro 15

60 alunos Aprendiz de sapateiro 23

Aprendiz de serralheiro 27

Aprendiz de carpinteiro 12

Aprendiz de funileiro 16

Total 93

Quadro 03: Demonstrativo de matrícula na escola de aprendizes de artífices em Alagoas/ 1911

Fonte: Bonan (2010).

27

Por que retomamos a constituição dessas escolas, uma história de 105 anos de oferta

do ensino profissional em Alagoas? Porque esse percurso remete à origem da criação de

oficinas com o trabalho manual, o trabalho artesanal, constituído de um saber prático do

ofício de seus mestres, da experiência e da tradição de produção artesanal, em que aprender

ofícios era um requisito mínimo para obter a escolaridade.

Em 1937, em função do processo de desenvolvimento do país, que foi outro marco

para o ensino profissional em Alagoas, a transformação das escolas de aprendizes de artífices

em liceus profissionais configurou novos rumos para a educação profissional, por causa do

processo de desenvolvimento industrial do Brasil: em 1942, escolas industriais e técnicas; em

1959, escolas técnicas; em 1978, surgem os Centros Federais de Educação Tecnológica –

CEFET, que mais recentemente foram transformados nos atuais Institutos Federais de

Educação, Ciência e Tecnologia – IF.

Dessa forma, um século depois há um retorno à oferta de um curso artesanal com a

oferta de curso técnico em artesanato, trazendo outro viés, não mais o da escola de aprendizes

artífices, dos desafortunados da sorte; estamos, agora, no século XXI, com a exigência de

saberes tecnológicos, com as transformações no modo de produção, o que exige um

redimensionamento do ensino profissional e tecnológico, com mudanças determinantes na

oferta do ensino profissionalizante em Alagoas.

Atualmente, o Instituto de Educação Profissional tem tido avanços significativos no

cenário da educação com a oferta do ensino profissionalizante em Alagoas, mudanças estas

que não aconteceram espontaneamente; são, em verdade, transformações históricas ao longo

de 105 anos. Hoje, essa expansão traz um redimensionamento com a interiorização dos

institutos federais em 11 municípios, conforme o quadro 04:

28

Institutos Federais Cidades

Campus

Maceió

Marechal Deodoro

Palmeira dos Índios

Satuba

Expansão

Arapiraca

Maragogi

Murici

Penedo

Piranhas

Santana do Ipanema

São Miguel dos Campos

Em Projetos

Batalha

Coruripe

Rio Largo

União dos Palmares

Quadro 04: A expansão do IF em Alagoas, 2014.

Fonte: http://www.mec.gov.br

A dimensão da oferta dos cursos, enquanto Instituto de Educação, Ciência e

Tecnologia, retrata as demandas do estado de Alagoas, com a expansão de sua economia e o

desenvolvimento econômico, em especial, do campus Maceió, no qual iremos focalizar, tendo

em vista o objeto da pesquisa. No quadro 05 apresentamos sua atual estrutura de oferta dos

cursos:

CAMPUS MACEIÓ

CURSOS TÉCNICOS

Técnicos Integrados Edificações / Eletrônica/ Eletrotécnica/ Estradas /

Informática / Mecânica / Química

Técnicos Subsequentes Eletrônica / Eletrotécnica / Mecânica/ Química /

Segurança do Trabalho

Técnicos Subsequentes em EAD Secretaria Escolar / Infraestrutura Escolar

Proeja Artesanato

CURSOS

SUPERIORES

Tecnológicos Alimentos / Construção de Edifícios / Design de

Interiores / Gestão de Turismo / Hotelaria

Bacharelado Sistema de Informação

Licenciatura Ciências Biológicas / Letras / Matemática / Química

Superior EAD Administração Pública / Ciências Biológicas /

Letras/ Português

Lato Sensu Pós-Graduação em Educação de Jovens e Adultos

Especialização em Gestão Municipal a distância

Quadro 05: Demonstrativos de oferta dos cursos do campus Maceió/2013

Fonte: http://www2.ifal.edu.br

O PROEJA se insere entre os cursos ofertados na instituição; mesmo objetivando se

efetivar como diretriz do Ministério de Educação, não ampliou a oferta de cursos no campus

Maceió. Vários fatores foram determinantes, principalmente por se tratar de um programa

29

para jovens e adultos, e a resistência em reconhecer o instituto federal como locus para oferta

dessa modalidade.

O quadro 06 apresenta a oferta do curso técnico de artesanato no campus Maceió

(2008/2014):

Turma I Módulos Matricula Inicial Aprovados Retidos Evadidos

2008

I 31 25 6

15

II 23 14 9

III 22 19 3

IV

V 19 18 1

VI 18 16 2

Total Aprovados 16

Turma II Módulos Matricula Inicial Aprovados Retidos Evadidos

2009

I 27 21 6

14

II

III 20 18 2

IV 22 20 2

V 19 19 0

VI 19 13 3

Total Aprovados 13

Turma III Módulos Matricula Inicial Aprovados Retidos Evadidos

2011

I 22 17 4

5

II 20 17 3

III 20 15 5

IV 18 17 1

V 17 - 17

VI 17 17 -

Total Aprovados 17

Turma IV Módulos Matricula Inicial Aprovados Retidos Evadidos

2012

I, II, III,IV 15

Curso em Andamento

Turma V Módulos Matricula Inicial Aprovados Retidos Evadidos

2014

I 25

Curso em Andamento

Quadro 06: Demonstrativo da oferta do curso técnico de artesanato no IFAL 2008 /2014

Fonte: Arquivo da Coordenação do Curso Técnico em Artesanato – PROEJA/ IFAL, 2014

Com esses dados podemos observar a oferta das vagas do curso técnico em artesanato

no período de 2008/2014. Essas ofertas são de 05 turmas, perfazendo um total de 120

alunos/as. Desse total, 03 turmas já concluíram, englobando 80 alunos/as; no entanto, apenas

46 alunos concluíram o curso, o que equivale a 57,5 % de aprovação, com uma evasão de

42,5%. Em 2010 a instituição não abriu vagas para matrículas.

O objeto dessa pesquisa se insere nesse contexto, o que representa a oferta do curso

técnico em artesanato para o estado de Alagoas, considerando o seu potencial cultural,

turístico, a riqueza do folclore com sua tradição, como também a importância da oferta do

curso técnico em artesanato pelo Instituto Federal de Alagoas.

30

A dimensão da política de profissionalização dessa pesquisa está voltada para as

camadas populares em um processo de formação continuada de adultos - o PROEJA, e

pautada em uma organização curricular integrada. A temática alicerça-se em um tripé que

envolve o campo do currículo, da cultura artesanal e da formação para o trabalho, cuja

relevância aos estudos contribui para um debate com um tema que é pouco investigado na

área da educação, ao trazer a formação de mulheres no processo artesanal, o processo de

ensinar e aprender que se constitui na cultura do artesanato brasileiro.

1.3 A profissionalização das artesãs em Alagoas

Ao investigar as transformações que se deram no campo profissional das artesãs

egressas do curso técnico de artesanato, é imprescindível retomar o percurso da trajetória da

formação profissionalizante dessas mulheres, tendo como ponto de partida a natureza

específica do curso: a integração curricular e os saberes e ofícios das artesãs através de suas

experiências. Uma organização curricular que valoriza os saberes oriundos da cultura

artesanal por meio de uma linearidade com os saberes tecnológicos, um diálogo sobre o

pensar e fazer artesanal com design.

Nesse contexto, que fez parte do nosso mestrado, Limeira (2010), o resgate irá

favorecer o estudo desta tese sobre as histórias de vida dessas mulheres, compreender o

crescimento da participação das mulheres no processo de produção artesanal e suas formas de

organização profissional e social no mercado de trabalho.

Na proposta do curso do IFAL, estão presentes elementos centrais para nortear a

pesquisa: um currículo que propõe novos arranjos voltados efetivamente para artesãs -

valorização dos conhecimentos dos saberes, práticas, técnicas, tecnologias e dos saberes

oriundos da cultura popular, como também a valorização das experiências e vivências, o que

foi o diferencial desta proposta, o reconhecimento das experiências das artesãs para o

currículo.

Com a pesquisa realizada no mestrado, percebemos que foi no campo curricular que se

deram as mudanças de paradigmas nestas relações, os fios que teceram ao artesanato ao longo

do curso. Foram questões desafiadoras aos docentes e às artesãs, pois exigiu uma

compreensão sobre o currículo, a integração de saberes, a interdisciplinaridade e a

profissionalização.

31

A dinâmica do processo pedagógico do curso trouxe elementos na sua metodologia

que romperam com uma estrutura e uma organização curricular tradicional centrada nas

disciplinas escolares, além de trazer para o centro desse currículo proposições à cultura

artesanal, como eixo articulador do processo de aprendizagem.

1.3.1 Os desafios para a integração curricular

É de fundamental importância apresentar como foi a metodologia de avaliação do

curso, que teve um diferencial nessa organização curricular, pois foi considerada por alunas e

professores como elemento impulsionador para o processo de criação das peças artesanais.

Para tanto, retomo a pesquisa de mestrado (2010) para, em alguns momentos, fundamentar a

atual pesquisa de doutorado e com ela dialogar. Eis uma análise das alunas e docentes que é

possível hoje, tendo como parâmetro o distanciamento da primeira turma do curso, hoje como

egressas.

A proposta de avaliação por Banca foi uma metodologia impulsionadora para

promover a integração curricular, foi considerada por docentes e artesãs um processo

desafiador. Uma metodologia de avaliação que se propôs a superar modelos de avaliação

tradicional, fragmentada, cujo desafio consistiu em redimensionar em um único momento de

avaliação todas as disciplinas para avaliação do módulo a cada semestre.

Trata-se, portanto, de uma metodologia que possibilitou o diálogo entre os saberes

trazidos pelas artesãs através dos seus ofícios, suas experiências aliadas aos novos

conhecimentos. Ao apresentar os produtos artesanais que foram criados em cada módulo, sob

a orientação dos docentes, apresentavam seus projetos e defendiam a criação da peça por elas

elaborada e, consequentemente, toda a metodologia do seu processo artesanal.

Na organização curricular do curso, as disciplinas foram pensadas para dialogar com o

eixo norteador, “Fases da Produção do Artesanato”. A consideração como eixos se justifica

porque são os princípios norteadores de cada módulo, conforme quadro 07 a seguir:

32

Módulos C/ H Eixos Disciplinas Projeto

Módulo I 400h/a Fundamentação Projeto de Composição Plástica

Módulo II 400h/a Instrumentação Filosofia e Projeto de Valor Estético

Módulo III 400h/a Identidade Cultural Projeto de Valor Cultural

Módulo IV 400h/a Composição Projeto de Composição de Referências

Módulo V 400h/a Produção Projeto de Responsabilidade Social

Módulo VI 400h/a Veiculação -

Quadro 07: Distribuição dos módulos na organização curricular integrada

Fonte: Limeira//2010.

A distribuição dos componentes curriculares foi alinhada à formação geral e à

profissional, além de distribuídos homogeneamente com carga horária de 400h em cada

módulo. Os eixos foram considerados como princípios norteadores na disciplina-projeto, por

serem o elemento que dimensiona a proposta do módulo a cada semestre. Apresentamos a

seguir o módulo I, para exemplificar como se deu essa organização curricular:

Módulo I

Eixo Tema Gerador Disciplinas

Fundamentação

Moda3

Língua Portuguesa

História Geral da Humanidade

Matemática

Projeto de Composição Plástica

Desenho Aplicado

Introdução ao Design

Quadro 08: Organização Curricular do Módulo I

Fonte: Limeira/2010.

No módulo I, a temática “moda” era norteadora dos projetos, para criação de peças

artesanais e projeto de composição plástica. Foi a disciplina mediadora para fomentar a

interdisciplinaridade com os demais componentes curriculares e promover a ação da Banca de

avaliação.

A Banca foi considerada como elemento desafiador para as artesãs, pois a integração

dos saberes e ofícios agregados aos novos conhecimentos era imprescindível para a criação do

produto artesanal, para fazer pesquisa sobre a origem da peça, para o estudo das cores, para

elaborar cálculos dos custos, para elaborar croquis e, enfim, para apresentar o produto final.

A Banca propôs estabelecer parcerias em dupla e/ou em grupo, de acordo com a as

tipologias, apesar de haver a resistência pela dificuldade de passar para o outro a sua técnica,

3 Tema Gerador: uma proposição da Banca que desafia as artesãs a criarem produtos artesanais alinhados à

moda, tendo como ponto de partida seus saberes artesanais, pois já produziam produtos artesanais voltados para

moda; o diferencial consistiu em ter uma autoria para desenvolver novos produtos, tendo como ponto de partidas

os saberes de seus ofícios agregados ao conhecimento do design, ao conhecimento tecnológico.

33

pois para elas a colega era vista como concorrente (impera a sobrevivência econômica do

trabalho). Depois, as dificuldades para aceitar novas metodologias de trabalho, a resistência

em agregar outras ideias, novos elementos ao seu produto. Foram momentos que exigiram dos

docentes outras formas de organização, e as parcerias foram sendo formadas por afinidades,

confiança e, para outros, a opção por trabalhar individualmente.

Por último, o momento da defesa perante as Bancas: o emocional das artesãs para

defender o projeto do produto artesanal, pois a maioria sentia-se despreparada para enfrentar

uma apresentação, já que estava há 15, 20, 25 anos fora da sala de aula. Mas essa dinâmica e

o fato de estudar no IFAL trouxeram autoestima, de modo que foram, gradativamente,

sentindo mais confiança e autonomia na feitura do seu artesanato.

É importante ressaltar que a preparação para a Banca exigiu toda uma reorganização

da metodologia dos docentes, desde a elaboração de material didático em função da natureza

do curso, até a formação dos grupos, das relações do coletivo. Também exigiu um

redimensionamento da metodologia de trabalho; apesar de trazer, desde 2001, essa

experiência das Bancas do curso tecnológico de design de interiores, houve uma reestruturada

devido ao perfil dos sujeitos da educação de jovens e adultos.

A pesquisa atual se propõe a trazer as narrativas das artesãs, não mais alunas do curso,

mas em outra etapa de sua vida profissional; agora, na condição de EGRESSAS, para

conhecer as suas reflexões a respeito dessas experiências vividas a partir do curso.

Compreender o sentido que essa formação trouxe à vida profissional. Essa pesquisa gira em

torno de eixos que visa a compreender os sentidos existentes: a experiência na vida dessas

mulheres, o retorno à sala de aula, o olhar crítico das artesãs sobre o caminhar da formação,

compreendendo que as narrativas são essências para compreender as mudanças que se deram

na vida profissional e social dessas mulheres.

Que sentidos o curso proporcionou para a formação dessas mulheres? Que análises

fazem dessa formação na sua aprendizagem? Eis os depoimentos posteriores à formação; eis

como analisam o formar-se:

Eu tive algumas dificuldades, como sempre, em Matemática. Os professores

que eu tive, eles foram a cara do PROEJA mesmo, sabe, de entender as

nossas dificuldades, de entender até onde podíamos ir: aí eles não vão mais,

tem que esperar aquele momento que eles aprendam e comecem a entender

que possam ir mais adiante. (Cita o nome de professores.) Eu não posso

dizer que teve um, em que eu possa dizer que não tivesse o esforço deles

para nos ensinar. Então a participação deles nesse conforto meu, estou aqui e

não vou me desesperar, porque esse professor sabe até onde eu posso ir.

Então foi tranquilo. Então, tinha aquela cobrança que a gente tinha na

34

adolescência, de certa forma tinha a cobrança, que tinha que ter, mas não que

a gente se desesperasse (CARMEM, 2014).

E, ao indagar que aspecto do curso considerou mais importante na sua formação de

artesã, ressalta:

As disciplinas de projetos, a parte técnica: foi mostrado como fazer as

etiquetas, como embalar meus produtos, como dá uma cara nova para eles,

tudo foi interessante de aprender. Assim, eu acredito que só não vai adiante

quem realmente quiser fazer uma pincelada no fazer, mas a forma de fazer

vai ser o diferencial dos outros. Quem seguiu o projeto do produto, de

etiquetas, embalagem, tudo foi muito interessante de fazer (CARMEM,

2014).

Ao questionar as mudanças que se deram também no âmbito pessoal, afirma:

As mudanças se deram em todos os aspectos. Eu morria de medo de ir para

frente, ficar na frente, falar sobre um trabalho, nossa, eu tremia toda, parecia

mais um papel. Então, nas bancas que eu apresentava lá no IFAL o professor

pensava que eu iria desmaiar de tanto nervosa que eu estava. Através dessas

técnicas, eu fiz até apresentação em palco. Está vendo como eu estou

segura? Me apresentei, fiz peça no teatro Marista, fiz peça no IFAL, fiz

reportagem para o programa do AL TV Escola (reportagem local da TV

Gazeta de Alagoas). Foi sobre os trabalhos que a gente fez sobre

reaproveitamento de lixo (PAULA, 2014).

Um dos maiores desafios no processo de preparação para Banca teve início quando foi

proposto às artesãs romper com a cultura de elaborar peças artesanais, reproduzindo modelos

de revistas, ou mesmo de modelos preestabelecidos pelo artesanato local. A proposta da

Banca visou a romper a cultura de cópia e reprodução de produtos massificados pelo mercado

artesanal, desafiando-as a criar peças com as experiências de que dispunham, sem deixar,

porém, de agregar o design ao artesanato. Para a Paula, o curso proporcionou a teoria, porque

o ofício, o fazer, ela já o dominava, como afirmou: "É um curso que ele dá a prática, não é?

Não, é a teoria. Ele dá a teoria porque a prática a gente já leva no sangue [...] (PAULA,

2014)".

Os docentes também trazem essa experiência de forma muito intensa; por meio da

entrevista realizada, foi possível conhecer suas reflexões, principalmente como se deu a

experiência de trabalhar com adultos, considerando a proposta do curso, o déficit de

aprendizagem e o desafio de inserir a disciplina na prática do fazer artesanal:

35

As dificuldades, principalmente nós que somos da área de exatas, geralmente

existe muitas. Matemática é passada como aquela disciplina, aquele campo

do conhecimento que nem todos tem habilidade para prosseguir, não é

assim? Mas, em função já da maturidade deles, eu acredito que essa questão

traz um pouco da responsabilidade deles, que ajudou bastante para que eles

conseguissem superar em grande parte dessas dificuldades. Por outro lado o

que aliciou também foi à matemática aplicada nas atividades que eles já

vinham desenvolvendo, e isso gerou uma motivação muito maior para

aprender algo mais naquilo que aqueles já conseguiam fazer que fosse a

prática do artesanato (DOCENTE 1, 2014).

Como as mudanças foram acontecendo e se efetivando a partir desse curso na prática

do fazer artesanal, no processo de criação e na autoria? Foram criados momentos que

conduzissem as artesãs a pensar como pesquisadoras, momentos que as autorizassem a

construir conhecimentos? São indagações que trazem um olhar reflexivo sobre a proposta do

curso, fazendo uma relação com a atuação no mercado artesanal.

Eu diria que as dificuldades não se deram apenas no âmbito pedagógico. É

um curso que embora a gente tenha se preparado durante dois anos, nos

ensaios pedagógicos4, que apesar de já ter passado três turmas por nós

docentes, a gente vem melhorando a forma de passar as técnicas, de mostrar

formas de criação, a gente vem alterando esse processo. [...] E hoje,

refletindo, há algo que está na relação cultural que eles/as tinham com o

produto delas. E, fazendo a reflexão os alunos/as que tiveram mudanças nos

seus produtos, eles quiseram, eles passaram a olhar com outros olhos os

produtos deles. (DOCENTE 2, 2014)

Portanto, as análises serão retomadas no capítulo III, que trata da relação dos saberes

da cultura artesanal com os conhecimentos tecnológicos, de agregar um valor à peça artesanal,

de inserir o design. Além disso, conhecer como os docentes analisam os efeitos da

profissionalização após a formação, no capitulo IV; afinal, estamos tratando da primeira

turma, mas já concluíram mais três turmas e há outras sendo ofertadas.

1.4 A dimensão e o lugar que o artesanato ocupa em Alagoas

Propusemos destacar uma questão imprescindível: identificar o perfil das artesãs, cujas

atividades artísticas estão subordinadas à lógica do mercado e que são fatores determinantes

quanto se trata da valorização e reconhecimento dessa categoria de trabalhadoras. Trazemos,

4 “Ensaios pedagógicos”, assim denominados pelos docentes, foram os encontros pedagógicos para discutir a

proposta curricular e promover a interdisciplinaridade entre os componentes curriculares. Foi um ano de

preparação entre os docentes que antecedeu e preparou o início de curso.

36

assim, um questionamento sobre a importância da formação das artesãs para o artesanato de

Alagoas.

Ao nos reportarmos ao trabalho das artesãs, mesmo no período atual, não temos ainda

como estabelecer uma relação com outras categorias sociais, por vários fatores: primeiro

porque é um trabalho que, por sua natureza, atua na informalidade, de modo que há nessa

relação uma questão relevante a tratar do mercado da arte, que requer alguns questionamentos

acerca do valor da arte e do valor do artesanato.

O segundo fator diz respeito à regulamentação da profissão do artesão/ã5 como

mecanismo de garantir políticas públicas para sua formação e, consequentemente,

financiamento para o fomento do artesanato. É uma questão que está diretamente vinculada à

garantia de um direito do/ã artesão/ã, a sustentabilidade, condição efetiva para garantir a

autonomia econômica dele/a, que como todo trabalhador paga tributos, gera rendas, mas não é

valorizado na condição de categoria.

O desenvolvimento turístico do estado de Alagoas é um fator determinante que poderá

justificar o potencial do estado com o artesanato, sua importância para o desenvolvimento

econômico como geração de renda. O valor cultural do artesanato e o reconhecimento de uma

identidade cultural produzidos por sujeitos econômicos, no exercício de uma função essencial

para a sociedade, dizem respeito à cultura, de tal sorte que são necessárias as condições

mínimas para criar o seu artesanato, além de espaços públicos para expor e vender seus

produtos artesanais. São questões imprescindíveis como direito social.

É importante ressaltar que Alagoas ocupa o segundo lugar no “Censo do Artesão”,

segundo dados do Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro - Sicab/2014,

dados obtidos através da Secretaria como também o potencial dos estados do Nordeste com os

primeiros lugares em números de artesãos cadastrados.

5Aprovado no Senado Federal, em 05/05/2014, o Projeto de Lei nº 7.755/2010, que regulamenta a profissão de

artesão e estabelece que deverá haver políticas públicas de apoio, crédito e aperfeiçoamento do setor.

37

Tabela 03: Demonstrativo do Censo de Artesãos por Estado /2014

Classificação ESTADOS ARTESÃOS TRABALHADOR MANUAL

1º BAHIA 10.984 0

2º ALAGOAS 10.901 575

3º CEARA 9.424 0

4º PERNAMBUCO 7.825 714

5º ESPIRITO SANTO 6.086 1020

6º DISTRITO FEDERAL 6.041 1187

7º MATO GROSSO 4.915 572

8º RIO DE JANEIRO 4.671 2

9º RIO GRANDE DO SUL 3.665 0

10º RIO GRANDE DO NORTE 2.702 2368

11º MATO GROSSO DO SUL 2.258 549

12º PARAIBA 2.285 1802

13º MINAS GERAIS 1.951 14

14º SERGIPE 1.947 0

15º PARA 1.898 359

16º AMAZONAS 865 64

17º PIAUI 861 188

18º GOIAS 604 414

19º AMAPA 524 76

20º ACRE 505 328

21º SÃO PAULO 489 81

22º TOCANTINS 590 0

23º SANTA CATARINA 352 7

24º PARANA 347 761

25º RONDONIA 282 1

26º MARANHÃO 220 6

27º RORAIMA 169 13

TOTAL 83.361 11.101

Fonte: Arquivo da Diretoria de Design de Artesanato - Secretaria de Estado do Planejamento e

Desenvolvimento econômico/ Seplande, 2014.

O artesanato tem um papel relevante na economia do Nordeste. Destacamos na tabela

03 os estados da Bahia, Alagoas, Ceará e Pernambuco pela tradição cultural, como também

pela riqueza do folclore. A cultura e a regionalidade demarcam a região pelo potencial

turístico, e os artesãos imprimem seu estilo influenciados pela cultura local.

Outra questão diz respeito à forma de organização do trabalho das artesãs, como estão

inseridas atualmente, as formas de organização de trabalho. Esses são fatores determinantes

na relação com o mercado do artesanato, ou seja, se produzem individualmente e/ou em

associações, se têm acesso a exposições de artesanato (em shoppings da cidade, eventos,

congressos, feiras em municípios circunvizinhos, entre outros), como também as condições

financeiras para alugar e/ou comprar pontos de artesanato em feiras6.

6 Atualmente, em Maceió, há espaços permanentes de artesanatos em pontos turísticos e feiras de artesanato em

períodos de alta temporada do turismo. Destacam-se a tradicional feira de Artesanato da Pajuçara, com

aproximadamente 200 lojas, que expõem o artesanato local e regional; o Mercado de Artesanato, com uma

média de 250 lojinhas; e o Núcleo de Artesanato do Pontal da Barra, à margem da lagoa Mundaú, que possui

cerca de 280 lojas (os espaços de venda são nas próprias residências).

38

São, portanto, fatores que determinam a organização da produção artesanal na região,

a sustentabilidade econômica das artesãs, a inserção e visibilidade do artesanato, condições

imprescindíveis para serem absorvidas pelo mercado artesanal da região, como também a sua

sobrevivência econômica como artesãs. Quando não se enquadram nesses parâmetros, ficam à

margem da produção artesanal e, por conseguinte, estão fora do circuito das vendas do

artesanato no município, restando-lhes as vendas “porta a porta”, nos bairros da cidade, ou

então trabalhos por encomenda de clientes.

O artesanato em Alagoas tem um grande potencial como atividade econômica nos

municípios, nas mais diversas comunidades que preservam a cultura artesanal. O mapa de

Alagoas a seguir apresenta os municípios da Costa litorânea e de regiões que têm grande

potencial turístico e tradição na cultura de trabalhos artesanais.

Figura 01: Mapa de Alagoas com os Municípios da Costa litorânea, do norte ao sul do estado, Sertão e Agreste.

Fonte: http://www.blogtimberland.com.br/viagens/beleza-e-historia-no-litoral-sul-de-alagoas/

É de grande importância apresentar o potencial do artesanato de Alagoas, não com

objetivo de mero marketing, mas sim para justificar, nesta pesquisa, o valor cultural que tem o

estado e também o valor econômico, de modo que essa categoria de artesãs precisa ser

cuidada, necessita de definição de políticas públicas para fortalecer o potencial cultural da

região, criar mecanismo que fortaleça o processo artesanal e a visibilidade social das artesãs.

Portanto, apresentamos nas figuras a seguir algumas das tipologias do artesanato em

Alagoas que sobressaem pela tradição no estado: o bordado filé, o bordado rendendê, o

trançado de palha de ouricuri, o trançado da palha de bananeira, a cerâmica etc.

LEGENDA:

Bairros de Maceió

Municípios Alagoanos

39

Figura 02: O tear e o processo de criação do filé

Fonte: http://www.articulacaosocial.al.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/artesaos-alagoanos-participam-de-

exposicao-internacional-em-belo-horizonte

O bordado filé é um dos ícones da cultura de Alagoas, reconhecido atualmente como

principal técnica do artesanato alagoano. Destaca-se pela variedade de cores e tons e pela

identidade cultural que representa. Sua origem vem do período da colonização, tem como

base uma rede de pesca presa a um tear de madeira, um trabalho totalmente manual realizado

pelas rendeiras, como também por homens (em minoria) que trabalham no anonimato, por ser

o bordado considerado um trabalho do gênero feminino. Alagoas possui duas comunidades

que têm o filé como principal fonte de renda: Pontal da Barra (bairro em Maceió, tradicional

pelo filé e artesanato) e a cidade histórica de Marechal Deodoro, a 35 km da capital.

Como também, 70% dos nove mil artesãos inscritos no Sistema de Cadastramento do

Artesanato Brasileiro (Sicab) trabalham com o filé em Alagoas. Esse bordado, pela sua

tradição, está em processo de reconhecimento como patrimônio cultural do estado, para

receber um selo de origem geográfica, que garantirá a valorização e exclusividade do estado

de Alagoas. (SEPLANDE, 2014)

40

Figura 03: A cultura do bordado Rendendê: Mãos, agulha e o bastidor, uma tradição de mãe para filha.

Fonte: http://artesanato.culturamix.com

O bordado rendendê, um trabalho manual desenvolvido por mulheres bordadeiras,

conforme figura 03, realizado tradicionalmente em bastidor7, consiste em compor os pontos

com linhas, por meio de habilidosas mãos trabalhando com tecidos de cambraia e linho. É

tradição do município de Piranhas, em Alagoas, que fica à margem do rio São Francisco,

entre Alagoas e Sergipe, onde são conhecidas como as famosas bordadeiras de rendendê de

“Entremontes”.

As bordadeiras do rendendê mantém uma tradição do bordado, cuja habilidade foi

herdada de suas mães e avós, com desenhos variados que trazem a cultura e a tradição,

deixando a marca e o estilo ao compor os diversos pontos: olho de pombo, carocinho de arroz,

bolachinha, casinha de aranha e estrela. Seus trabalhos se destacam pela produção de toalhas

para bandejas, serviços americanos, toalhas de chá e jantar, guardanapos e cortinas, entre

outros produtos.

7 É uma ferramenta de bordar composta por dois círculos de madeira fina e flexível que se encaixam firmemente

um dentro do outro, prendendo o tecido enquanto é realizado o bordado.

41

Figura 04: O trançado da palha do Ouricuri: Artesãs de Feliz Deserto

Fonte: http://www.revistaturismoenegocios.com/materia.php?c=208

Outra tradição, os trançados de palha de Ouricuri, é um artesanato que explora a

biodiversidade, associado ao processo de desenvolvimento sustentável, mediante a palha do

ouricuri, uma espécie de palmeira, cultivada no litoral sul de Alagoas, que se destaca em

Pontal do Coruripe, a 80 km da capital. O manuseio de recursos naturais, segundo o Sebrae

(2014), no qual 90% da comunidade fazem o artesanato, é na Associação dos Artesãos de

Pontal de Coruripe, que desenvolve um trabalho para melhor atender as demandas do

mercado artesanal, assim como as Artesãs de Feliz Deserto. São associações composta por

mulheres, cujo manuseio de recursos naturais da região é realizado por mulheres da região

que produzem artigos com trançado do Ouricuri, valendo destacar: bolsas, mandalas, chapéus,

cestarias, porta-joias, abajures, jogos americanos, entre outros produtos. (SEBRAE, 2014).

O trançado com fibra e palha também existe em outros municípios de Alagoas, com

outras características da região: Água Branca, Feliz Deserto, Girau do Ponciano, Palmeira dos

Índios, Paripueira, Piaçabuçu e Taquarana.

42

Figura 05: “Mulheres de Fibra": mulheres artesãs no Assentamento Agrário em Maragogi/Al

Fonte: http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2014

Explorando a agricultura regional, a arte de transformar a fibra de bananeira em

peças de decoração é uma técnica artesanal desenvolvida pelas artesãs no litoral norte de

Alagoas, região onde predomina o cultivo da bananeira e onde mulheres artesãs transformam

a palha, como matéria-prima, no trançado, produzindo então o artesanato. É um trabalho

extremamente artesanal, passa por um processo de preparação da fibra de bananeira, o que

exige uma técnica de secagem ao sol até deixar no ponto de fibra para a tecelagem; só

posteriormente, com criatividade e com conhecimento da técnica artesanal, transformam em

peças, que trazem a identidade da cultura da região.

Atualmente, já vêm sendo desenvolvidos trabalhos na região que agregam novos

conhecimentos utilizando a técnica do filé e do tear, substituindo o colorido da linha de

algodão pela fibra de bananeira. É um trabalho com novos conhecimento e um outro valor ao

produto da região, apresentado na figura 05.

Para finalizar, os trabalhos em cerâmica, uma tradição da comunidade de

remanescentes quilombolas no povoado de Muquém, aos pés da Serra da Barriga, em União

dos Palmares, mantêm uma história na produção de peças de barro. O talento de várias

gerações com a argila, cujas expressões da tradição da cultura são feitas artesanalmente pelas

43

mãos de quilombolas, expressa a tradição de seu povo através de trabalho com rostos de

barro.

Figura 06: Arte em cerâmica: Quilombola: Serra da Barriga/ União dos Palmares -AL.

Fonte: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil

Essas tipologias apresentam a expressão da cultura alagoana, pela tradição, como

também a identidade cultural nos trançados das fibras, na singeleza e cores dos bordados, no

moldar da cerâmica, revelando a singularidade de uma tradição dos quilombolas. O traço

predominante impresso que demarca a regionalidade da cultura local em suas técnicas

conserva saberes e experiências de várias gerações presentes na composição que mantém a

riqueza de detalhes em cada peça produzida.

Na constituição desse cenário que enriquece o valor cultural do estado, estão as

artesãs, que em sua maioria vivem no anonimato do trabalho artesanal, do trabalho invisível,

enquanto preservam uma tradição, e poucos conseguem sobreviver economicamente do

trabalho artesanato como principal renda familiar.

Mas existem ainda outros municípios em Alagoas que trazem a diversidade do

artesanato: em São Sebastião, a renda de bilro, uma tradição há mais de 60 anos; em Porto

Real do Colégio, o bordado rendendê; em Pão de Açúcar, o bordado “boa noite”, bordado

feito no tecido de linho e na cambraia há 03 gerações; em Feliz Deserto, a tradição do

trançado de taboa, fibra natural da taboa, planta aquática; em Água Branca, a delicadeza do

bordado singeleza, desenvolvido no município há mais de 30 anos, como também o trançado

com palha de Ouricuri e cipó, há mais de 05 gerações; e em Cajueiro, a tradição do trabalho

com retalhos de tecidos.

44

Portanto, há questões que são cruciais para essa pesquisa e que perpassam todo o

trabalho das artesãs: a valorização do trabalho artesanal, a sustentabilidade e o mercado do

artesanato, além do valor econômico que a arte tem para o estado. A cultura artesanal se

diferencia em Alagoas pela sua riqueza e diversidade. As regiões listadas, em sua maioria, já

possuem uma estrutura mais consolidada do artesanato, por se tornarem referências naquelas

comunidades, com trabalhos consagrados.

No entanto, é importante ressaltar que as artesãs do curso técnico de artesanato não se

inserem nesse contexto, não possuem trabalhos reconhecidos, não estão envolvidas com

trabalhos de cooperativa ou associação; em verdade, poucas conseguem ter espaços fixos para

venda de produtos, de sorte que não conseguem sobreviver exclusivamente do artesanato.

Iremos posteriormente apresentar onde e como se inserem hoje as artesãs após a formação

profissionalizante.

Entender a heterogeneidade do artesanato é fundamental para compreender suas

dimensões socioculturais e econômicas. Para Lima, essa classificação traduz uma divisão das

classes sociais, pois os ofícios de uma camada social, ou seja, o fazer artístico, estão

atrelados ao designer de joias, que vem da ação das elites, de um conhecimento superior,

portanto são artistas. Já o fazer artesanal, destinado às camadas populares, não é capaz de

criar, de pensar, de expressar a arte: eis os artesãos. É visível, pois, a separação de classes pela

tipologia.

Tomada em sua acepção original, a palavra artesanato significa um fazer ou

o objeto que tem por origem o fazer ser eminentemente manual. Isto é, são

as mãos que executam o trabalho. São elas o principal, senão o único,

instrumento que o homem utiliza na confecção do objeto. O uso de

ferramentas, inclusive máquinas, quando e se ocorre, se dá de forma apenas

auxiliar, como um apêndice ou extensão das mãos, sem ameaçar sua

predominância. (LIMA, s/d; s /p.)

O autor considera que não são os instrumentos que definem o processo, seja o pincel, a

agulha, um martelo em torno da olaria ou um tear de tecelagem, pois o que importa no

processo do artesanato é o fazer com as mãos, o diferencial consiste no fazer manual.

Ademais, é o gesto humano que determina o ritmo da produção. É nessa relação que o artesão

impõe sua marca sobre o produto, diferentemente do fazer mecânico, no qual a interferência

humana é mínima.

Portanto, o artesanato é uma maneira de fazer objetos, existente há milênios.

Toda a Antiguidade foi assim construída e até a Idade Média europeia essa

foi à forma pela qual a humanidade se fez. E porque durante muito tempo

essa foi a única maneira de confeccionar objetos, não havendo uma outra que

45

com ela convivesse ou mesmo a ela se opusesse, quando nos referimos a

esse longo período de hegemonia do artesanato, o termo não é enfatizado. O

termo artesanato é mais empregado ao nos referirmos ao período pós-

Revolução Industrial, quando o objeto criado pela indústria passa a ser

oposição ao hand made (LIMA , s/d., s/p.).

O autor nos proporciona compreender isso através de alguns personagens fictícios, por

ele criados, para apresentar as classificações sobre a arte e o artesanato aos que são tidos

como artesãos e aos que são reconhecidos como artistas. Não considera, porém, que sejam

critérios adotados de uma forma simplista:

Assim, alguns dizem que a louceira e a tecelã fazem arte folclórica ou

artesanato tradicional ou artesanato cultural ou artesanato de raiz. Se

Benita se aventura um pouco mais e, deixando de lado a produção de louça

utilitária, modela alguns boizinhos, cavalos, patos e galinhas para brinquedo

dos filhos, alguns dirão que ela faz arte popular; muitos consideram que a

professora aposentada participa deste primeiro grupo quando costura

bonequinhas de pano mas que, já ao se dedicar à confecção de panos de

prato, junta-se à vendedora do shopping fazendo trabalhos manuais ou

manualidades. Para outros, porque ao confeccionar os ímãs de porcelana

fria esta última utiliza moldes e produz objetos em série, o termo que melhor

se aplicaria seria industrianato, isto é, misto de indústria e artesanato; já o

expositor da praça, segundo alguns, faz artesanato hippie, o joalheiro

produz design contemporâneo e o pintor e a escultora produzem arte

erudita ou arte contemporânea ou a verdadeira arte, ou simplesmente

arte, separados de todos os demais. Quantos termos, quantas classificações!

(LIMA, s/d., s/p.).

Essa heterogeneidade do artesanato brasileiro, apesar da riqueza de sua diversidade,

não traz o reconhecimento a quem o produz. Segundo Bartra (2008): “El arte popular es

considerado de segunda, elaborado por gente también de segunda. Este arte hecho por las

mujeres es tan invisible como el trabajo doméstico, muchas de las actividades creativas de las

mujeres han quedado agazapadas detrás de esas invisibles labores del hogar y el arte popular

es una más de ellas” (p. 12).

Como reverter essa realidade de mulheres que buscam, na escola, possibilidades de

sair da invisibilidade de sua arte, para que suas criações sejam reconhecidas em sua cultura,

em sua identidade? Ao retomar a pesquisa e trazer as vozes dessas mulheres para a academia,

cria-se uma forma de lutar por essa categoria, de validar projetos que reconheçam os atores

sociais em propostas de inclusão formativa para mulheres, para artesãs.

46

CAPÍTULO II – AS ARTESÃS E A CULTURA POPULAR

2.1 O processo de produção da cultura artesanal

Ao buscar compreender a origem da cultura, respaldamo-nos na interpretação de

cunho filosófico de Álvaro Vieira Pinto (1979), cujos pensamentos ganharam repercussão no

cenário nacional a partir dos anos 50 e meados dos anos 60 do século XX.

Baseamo-nos inicialmente na premissa de Pinto (1979) de que a cultura tem uma

dupla realidade, que se apresenta em uma dupla face: por uma, materializa-se em

"instrumentos, objetos manufaturados e produtos de uso corrente"; por outra, constitui-se de

"ideias abstratas, concepções da realidade, conhecimentos dos fenômenos e criações da

imaginação artística". Para o autor, ambas as faces estão correlacionadas pelas respectivas

técnicas, e essa compreensão muitas vezes conduz o pesquisador a uma interpretação ingênua

por não ter uma visão de sua gênese.

Nesse sentido, há uma advertência do autor quando assevera que tanto a cultura como

bem de consumo quanto à cultura como bem de produção estão intrinsecamente ligadas: “[...]

É um bem de consumo, que a sociedade obrigatoriamente, mediante a educação distribui a

seus membros”. No entanto, pondera que, em certos tipos de sociedade, esse bem não é

distribuído igualitariamente (PINTO, 1979, p. 124).

A gênese da cultura desde os primórdios se manifesta por dois componentes: através

dos instrumentos artificiais, que o homem [mulher] cria e que são fabricados para prolongar e

reforçar a ação dos instrumentos orgânicos de que o corpo é dotado, a fim de opor-se à

hostilidade do meio; e por meio das ideias, que correspondem à preparação intencional,

sempre social, e à antevisão dos resultados de tal ação. Para que se materialize, há os

componentes que promovem essa ligação: a técnica, o elemento que consiste na preparação

intencional do instrumento, e a codificação para uso eficiente. Dessa forma, permite-nos

compreender que o homem materializa instrumentos e técnicas, e através delas constrói

objetos que expressam a criação cultural, ou seja, uma transformação:

A cultura constitui-se por efeito da relação produtiva que o homem em

surgimento exerce sobre a realidade ambiente. Com esse conceito

aprendemos a noção culminante da teoria da cultura: a que nos mostra a

cultura indissociável do processo de produção, entendido este, em sentido

supremo, como produção da existência geral (PINTO, 1979, p. 123).

47

Justifica o autor que nessa relação da cultura se estabelecem as desigualdades: de um

lado, um grupo minoritário, os considerados cultos, por terem o privilégio de conceber as

finalidades sociais, ou seja, são detentores da cultura, enquanto bem de produção; em lado

oposto, a classe dita inculta, “as massas”, que manejam os instrumentos, os bens de produção,

nos quais se dá o processo cultural e que, escassamente, se apropria dos bens de consumo.

O homem [e as mulheres] produz cultura por uma necessidade existencial, para se

apropriar dela, pois é assim que chega a postular as finalidades da sua ação.

A raiz da separação de classes, como consequência da posição do indivíduo

no processo social da produção de bens, está na natureza dual da cultura,

que, em suas manifestações, materiais e objetivas, é simultaneamente bem de

consumo e bem de produção (PINTO, 1979, p. 127).

A distribuição da cultura dá ênfase à desigualdade na apropriação do conhecimento,

isto é, à medida que o saber possibilita a produção da manufatura e objetos de consumo,

inicia-se um processo de especialização na criação e, consequentemente, na apropriação da

cultura.

Revela-se, nesse sentido, uma desigualdade na apropriação do conhecimento, pois a

distribuição da cultura não deveria significar uma discriminação dos grupos sociais, mas

historicamente essas diferenças de classes estão marcadas. Os bens culturais sofrem uma

divisão de classe: um grupo minoritário da coletividade detém a produção da cultura e,

depois, a torna igualitária por se apropriar desses bens culturais, essencialmente pelo valor

suntuário.

Pinto (1979) considera que, quando se dá essa divisão, a cultura deixa de ser um bem

igualitário nos dois aspectos, pois a vinculação ao ato de produzir bens de consumo e

conhecimento, particularmente as técnicas de fabricação, assim como os instrumentos de

operação, desnorteia o processo, ou seja, quem produz os bens de consumo não será o

consumidor desse bem cultural, e sim outro grupo, detentor da propriedade cultural.

Há, portanto, uma questão que faz a divisão dos bens culturais, considerados como

dois fenômenos por representar nitidamente o poder que se estabelece no acesso ao acervo

cultural. Nessa separação estão presentes duas classes, aqueles que se julgam “incultos”, as

grandes massas, de modo que a estas é destinado o trabalho produtivo, o uso das técnicas, das

ferramentas, as operações manuais, enquanto a outros, que se julgam “cultos”, são destinadas

as ideias e as criações artísticas e ideológicas, com as quais são favorecidos.

48

Existe uma distinção, pois há o grupo dos que trabalham, pouco desfrutam a cultura

que produzem, quase nada consomem, como afirma Pinto (1979), pois especializam-se no

manejo dos instrumentos materiais, das técnicas produtivas, perdem contato com o outro lado

da cultura, das ideias, o saber, a ciência, pois as ferramentas ficam nas mãos dos

trabalhadores.

Essa divisão das classes revela a relação de poder que determina a criação da cultura, a

definição da finalidade das ideias:

Chega-se, assim, à cisão da sociedade entre dois grupos desiguais, que,

ambos, manejam produtos da cultura, com a diferença de que um, o

minoritário e dominante, se reserva a parte de criação da cultura, enquanto a

imensa maioria se vê forçada a apenas operar com os produtos materiais da

cultura (PINTO, 1979, p. 129).

Assim sendo, eis a manutenção da propriedade, ou seja, os bens materiais produzidos

pelos que operam com os produtos lhes são arrebatados, enquanto o grupo minoritário e

dominante detém os valores ideais da cultura. É uma diferenciação que possui uma

significação histórica. A apropriação do aspecto subjetivo da cultura por uma classe que a

torna dona das ideias e finalidades a que se destina, ou seja:

Terá por função o conhecimento “puro”, a descoberta e a combinação das

ideias, o estudo dos processos de sua criação, dos modos em que são

pensadas, concatenadas, delas resultando outras, novas. As teorias científicas

são um dos produtos específicos de tal classe (PINTO, 1979, p. 130).

Enquanto à outra classe são destinados os instrumentos em função dos trabalhos que

executa, considerando-se incapacitada de criar e definir a que se destina o que produz, vale

dizer:

[...] A classe trabalhadora permanece incapacitada para engendrar ideias

porque se acha privada de definir a finalidade, de dar destinação das coisas

que produz. Encontramos aqui a divisão histórica do trabalho nas formas

intelectual e manual, que se projeta objetivamente numa divisão entre

camadas sociais [...] (PINTO, 1979, p.131).

Há nessa relação uma divisão entre as classes, a valorização dos bens culturais em

função do consumo por essa minoria dominante, que coloca as massas a seu serviço, um

estigma em função do trabalho manual, da instrumentalização, deixando de ser a cultura um

bem igualitário.

49

Essa separação das classes expressa de certa forma uma superioridade daqueles que

pensam e idealizam sobre aqueles que produzem. Há uma desvalorização do trabalho manual,

que a classe trabalhadora não vê reconhecido como expressão da cultura e das ideias que

elaboram:

[...] Seus produtos artísticos são classificados apenas como pitorescos,

artesanato, folclore, e somente despertam transitória e divertida curiosidade,

enquanto os dos grupos dirigentes revestem suas obras da qualidade de sérias

e eruditas [...] (PINTO, 1979, p. 131).

Com isso, formaliza-se uma distinção valorativa no campo da cultura, a classe

produtora assume o trabalho manual, instrumental, feito à mão, ficando ainda sob o olhar de

vigilância da classe que tem o saber abstrato, que exalta o trabalho intelectual e que

estigmatiza o trabalho manual, produzido com ferramentas.

2.2.1 A importância da arte e a criação artística

A função da arte para a humanidade, expressa nessa relação homem-mundo [e as

mulheres], está intimamente relacionada às suas origens, que (de)marcam historicamente

como se deram as modificações, as relações que se estabeleceram na sociedade e que novas

funções vão surgindo para a arte.

A palavra “arte” vem do latim ars, artis, que significa “maneira de ser ou agir”,

técnica, habilidade, talento e, em um aspecto mais geral, um conjunto de regras que

conduzem a atividade humana.

A arte, segundo Vázquez (2011), é uma forma de práxis que se estabelece na relação

matéria-criação. O homem e a mulher transformam a matéria através da ação consciente do

sujeito ativo no processo prático, e essa transformação se dá em diferentes níveis da práxis,

envolvendo o grau de consciência que o sujeito tem do processo de transformação, ou seja, da

atividade prática. Essa conceituação é adotada em dois critérios niveladores: de um lado, a

práxis criadora e, de outro, a chamada práxis reiterativa.

A criatividade tem graus até chegar ao produto novo e seu caráter unitário,

indissolúvel, pois só abstratamente podemos separar o interior e o exterior, o subjetivo e o

objetivo.

Ainda que a criação sempre pressuponha a práxis reiterativa, não basta repetir uma

solução construtiva fora dos limites de sua validade. Cedo ou tarde devem ser encontradas

50

outras soluções que geraram novas necessidades, as quais imporão novas exigências. A

criatividade aproxima a práxis espontânea e a reflexiva.

Como processo prático, a criação tem principio e fim. No começo, é apenas

uma forma ou projeto inicial, e uma materia disposta a ser operada. Ao final,

encontamos: a) a forma origina já materizada após ter perdido sua

originariedade; b) o conteúdo já formado, e c) a matéria que, vencida sua

resitencia, se apresenta já formada. Mas achamos tudo isso em unidade

indissóluvel, nesse produto já acabado que é a obra de arte. (VAZQUEZ,

2011, p. 274)

Essa distinção de níveis proposta pelo autor não elimina os vínculos que se

estabelecem entre uma e outra práxis; apesar de haver a distinção, esses níveis são

determinados pelas relações sociais.

Esses níveis na práxis, segundo Vázquez (2011), têm uma relação com o contexto

social no qual o sujeito se insere e que são determinantes segundo estes critérios niveladores:

a) o grau de consciência que o sujeito revela no processo prático, b) o grau de criação que o

produto de sua atividade demonstra. São elementos que expressam os vínculos presentes na

prática criadora ou na práxis reiterativa, ou seja, o que se considera como práxis espontânea

não está isento de elementos de criação, e o reflexivo pode estar a serviço de uma práxis

reiterativa.

Nesse processo da transformação da matéria, está presente a relação da subjetividade

sobre a objetividade, que se estabelece no grau de consciência que o sujeito ativo revela no

processo prático, no qual está presente a reflexão da ação.

Vázquez (2011) traduz como se estabelece a tensão dialética no processo de criação,

no qual o homem é um ser que tem necessidades de estar inventando ou criando novas

situações:

[...] O homem não vive em um constante estado criador. Ele só cria por

necessidade, isto é, para adaptar-se a novas situações, ou satisfazer novas

necessidades. Repete, portanto, enquanto não se vê obrigado a criar. Porém,

criar é para ele a primeira e mais vital necessidade humana, porque só

criando, transformando o mundo, o homem – como Hegel e Marx,

destacaram a partir de diferentes enfoques filosóficos - faz um mundo

humano e se faz a si próprio. Assim, a atividade pratica fundamental do

homem tem um caráter criador; mas, junto a ela, temos também - como

atividade relativa, transitória, sempre aberta à possibilidade e necessidade de

ser substituída - a repetição (VÁZQUEZ, 2011, p. 269).

O processo de criação surge quando o ser humano sente-se desafiado ao novo, a criar

situações inovadoras, deseja mudanças aliadas às suas necessidades; quando não mais lhe é

51

exigido, ou não mais o desafia, remete-se à repetição de sua ação, esvaziando o processo de

criação. Isso difere da práxis imitativa:

(...) A práxis imitativa ou reiterativa tem por base uma práxis criadora já

existente, da qual toma a lei que a rege. É uma práxis de segunda mão que

não produz uma nova realidade; não provoca uma mudança qualitativa na

realidade presente, não transforma “criadoramente”, ainda que contribua

para ampliar a área do criado, e, portanto, para multiplicar quantitativamente

uma mudança qualitativa já produzida. Não cria; não faz emergir uma nova

realidade humana, e nisso reside sua limitação, sua inferioridade com

respeito a práxis criadora (VAZQUEZ, 2011, p. 277).

A práxis imitativa, enquanto práxis de segunda mão, por reproduzir quantitativamente

criação sem a aura da criação, ou seja, não transforma criadoramente, pois massifica um

processo de repetição que rompe a criatividade.

A criação artística, pela sua natureza, não tolera a separação entre o interior e o

exterior, pois enquanto criação insere-se na sua essência de arte, de modo que não se acabe a

distinção, pelo fato de a criação já ser unidade.

“A criação artística é, também, um processo incerto e imprevisível” (VÁZQUEZ,

2011, p. 275). A relação do artista com sua criação é algo incerto e imprevisível, parte de um

projeto inicial, mas o modelo da criação vai tomando forma e só se torna preciso no próprio

curso de sua realização, ou seja, é só ao final que irá desaparecer o que lhe parece incerteza. O

autor considera que essa atividade artística tem algo de aventura. Não há uma previsão exata

da criação, porquanto no terreno da arte se dá a ventura, o risco e a incerteza.

Portando, considera-se que a verdadeira criação supõe uma elevação da consciência e

que sua materialização exige a íntima relação do interior e do exterior, do subjetivo e do

objetivo (VÁZQUEZ, 2011).

Vê-se que a criação artística, apesar de toda incerteza que envolve o processo de

criação, está na elevação da consciência e na autonomia para criar, para que se dê o processo

de autoria, de criação. Poderíamos trazer, para ampliar a reflexão sobre a relação do criador e

da criação, as mãos, a verdadeira mão humana, ou seja, a mão que forma e se deforma para

formar melhor:

Pelas mãos, o homem está em contato com as coisas, e lhes dá forma:

graças a elas, a matéria não estabelece com o homem uma relação

exterior. Com as mãos, o homem torna suas – isto é, humaniza – as

coisas; e ele próprio, deixando-se tocar, adaptando-se à forma delas,

abrindo-se as coisas, consuma essa relação propriamente humana. [...]

Assim é a verdadeira mão humana, isto é, a mão que não é pura e

exclusivamente parte do corpo, e sim uma mão que forma e deforma

52

para formar melhor. Mão que não se move cegamente, de modo

natural ou mecânico, porque seus movimentos são ditados pela

inteligência [...] (VÁZQUEZ, 2011, p. 287).

Há uma questão central que está na história das mulheres, no trabalho invisível das

atividades domésticas, não valorizado e não remunerado. Segundo Perrot (2007), as

sociedades jamais poderiam ter vivido, se reproduzido e desenvolvido sem o trabalho

doméstico das mulheres, que é invisível (p. 109). Uma questão central no curso é

proporcionar às artesãs que elas percebam o potencial dos seus ofícios, que se sintam

autorizadas a criar, a pensar com autonomia sobre a criatividade, a sair da invisibilidade dos

trabalhos sem rosto, sem nome.

2.2.2 A indústria cultural e o mercado de trabalho artesanal

Walter Benjamim, no clássico A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica,

sem dúvida seu texto mais influente, traz o surgimento da reprodução técnica, sua discussão

sobre arte e modernidade.

É importante frisar que Walter Benjamin, um dos principais representante da Escola

de Frankfurt, o texto no qual o autor analisa as alterações provocadas pelas novas técnicas de

produção artística na esfera da cultura e desenvolve, como elemento principal, a tese da

reprodutibilidade técnica, provocando a superação da aura pela obra de arte.

Os gregos conheciam dois processos de reprodução técnica: a fundição e a cunhagem

(bronze, terracota e moedas), um processo que podia ser fabricado por eles em massa.

Com a xilogravura, a arte gráfica se tornou reprodutível, juntando-se, no decorrer da

Idade Média, à gravura em metal e água-forte com a litografia, no início do século XIX, o que

estabelece um estágio novo em função da técnica da reprodução que permitiu à arte gráfica

não só levar suas produções, pela primeira vez, como também novas formas de produções.

(BENJAMIN, 2012)

Com o advento da fotografia e do cinema, as transformações proporcionadas pela

técnica desencadearam mudanças nesses dois campos. Aliás, com a fotografia, a mão foi

desencarregada do processo de reprodução de imagens, como afirma Benjamin, considerada

como uma das mais importantes incumbências artísticas, que cabia unicamente ao olho. A

reprodução técnica começa não só a transformar a totalidade das obras tradicionais, singulares

53

e autênticas, mas também a interferir no status da obra de arte, pois a obra moderna é

tecnicamente reprodutível.

À obra de arte na era da reprodutividade técnica, portanto, anuncia as mudanças

operadas pela modernidade, entre as quais destacamos os conceitos considerados essenciais

para a reflexão, são eles: a autenticidade, sua existência única, e a aura, uma teia singular, o

valor da unicidade.

A reprodução, por mais perfeita que seja, afirma o autor, carece de um elemento: o

aqui e agora da obra de arte. Aí se insere o conceito sobre o original que está relacionado à

esfera da autenticidade da obra, em decorrência das mudanças que ela sofreu ao longo do

tempo, preservando, porém, uma representação de uma tradição. O autor considera que:

A autenticidade de uma coisa e a quintessência de tudo aquilo que nela é

transmissível desde a origem, de sua duração material até seu testemunho

histórico. Na medida em que este se funda naquela, então, na reprodução,

quando a duração material se subtrai aos homens, também o testemunho

histórico da coisa é abalado. De certo, somente isso, mas o que desse modo é

abalado é a autoridade da coisa, mas seu peso tradicional (BENJAMIN,

2012, p. 21).

Para Benjamin, o que faz com que uma “coisa”, a obra, seja autêntica é tudo o que ela

contém de originalmente transmissível, uma relação que se estabelece desde sua duração até o

seu poder de testemunho histórico, pois considera que a técnica da reprodução em massa

interfere com mais intensidade na própria autoria, ou seja, promove um abalo da tradição. E,

afirma, o que vai desaparecer na época da reprodutibilidade será a sua aura. Garante, ainda,

que a decadência da aura baseia-se em duas circunstâncias, ambas relacionadas com o

crescimento das massas e com a intensidade de seus movimentos.

À medida que as obras se tornam mais acessíveis, através da reprodutividade técnica,

isso afeta também a própria qualidade da natureza da arte:

Levar em conta essas relações é indispensável para uma investigação que

tem a ver com a obra de arte na época de sua reprodutividade técnica, pois

preparam o conhecimento do que é decisivo aqui: a reprodutividade técnica

da obra de arte emancipa esta, pela primeira vez na história universal, de sua

existência de parasitária no ritual. A obra de arte reproduzida torna-se cada

vez mais a reprodução de uma obra de arte voltada para a reprodutividade

[...] (BENJAMIN, 2012, p.35).

O que muda nessa passagem é o critério da autenticidade, porquanto esta não se aplica

mais à produção artística; toda a função social da arte se transforma, ou seja, deixa de fundar-

se no ritual e se funda em outra práxis: na política.

54

2.2.3 A (in)visibilidade da mulher na produção artesanal

Em meio à diversificação dos espaços de trabalho, está o processo de flexibilização

nos anos de 1980, que trouxe formas de organização do trabalho e da produção. Inicialmente,

referir-se às mudanças nessa lógica de produção de trabalho remete à “fábrica flexível” e,

posteriormente, à lógica do mercado de trabalho, ou seja, à flexibilidade do empego. São

mudanças na relação de trabalho que tratam da degradação das condições de trabalho, o que

influenciou fortemente políticas econômicas e direitos trabalhistas. Como afirma Hirata

(2007):

[...] A palavra “flexibilidade” tem conotação ideológica, mascarando sob um

termo neutro ou mesmo de conotação positiva (adaptabilidade,

maleabilidade, repartição mais adequada) práticas de gestão da mão-de-obra

em que a flexibilidade e precariedade andam frequentemente juntas no

âmbito no mercado de trabalho. A degradação importante das condições de

trabalho, de salários e da proteção social seria, assim, disfarçada por um

termo positivo. [...] (HIRATA, 2007, p. 91)

“Trabalho domiciliar, trabalho a distância e tele trabalho, trabalho em empresas

terceirizadas”, segundo a autora, consistem na diversificação e multiplicação dos espaços de

trabalho que concorrem para o desenvolvimento da produção “flexível”, e, nesse cenário, se

dá a divisão sexual do trabalho como precondição dentro da lógica de organização de

produção e da precarização das relações de trabalho, presente na heterogeneidade das

situações de trabalho.

Os efeitos da globalização trazem mudanças na relação de trabalho, processo de

internacionalização do capital que traz um novo cenário mundial e que, segundo Hirata

(2002), é considerado por economistas críticos como um fenômeno que expõe a ideia de

ruptura de limites e fronteiras. Ou seja, observa-se uma reorganização do mercado nacional,

sua interdependência visando “a constituição de um mercado mundial unificado”, imposta em

função da nova ordem internacional de acumulação capitalista. Segundo Harvey (2011):

O capital é o sangue que corre através do corpo político de todas as

sociedades que chamamos de capitalistas, espalhando-se, às vezes como um

filete e outras vezes como uma inundação, em cada canto e recanto do

mundo habitado (HARVEY, 2011, p.7).

No que concerne aos homens, o emprego regrediu, há um crescimento de participação

das mulheres no mercado de trabalho e essa atuação da atividade feminina, segundo a autora,

foi uma evolução da categoria, cuja ampliação de trabalho se deu em polos opostos: de um

55

lado, a “profissão executiva e intelectual”; do outro, as atividades do setor de serviços, o que

gerou impactos:

A atividade feminina continua concentrada em setores como serviços

pessoais, saúde e educação. Contudo, a tendência a uma diversificação das

funções mostra hoje um quadro de bipolarização: num extremo, profissionais

altamente qualificadas, com salários relativamente bons no conjunto da mão-

de-obra feminina (engenheiras, arquitetas, médicas, professoras, gerentes,

advogadas, magistradas, juízas etc.), e, no outro extremo, trabalhadoras ditas

de “baixa qualificação”, com baixos salários e tarefas sem reconhecimento

nem valorização social. Essa bipolarização não surge apenas nos países

europeus desenvolvidos, mas também em países semi-industrializados como

o Brasil (HIRATA, 2001, p. 148).

Segundo Hirata (2007), a flexibilidade do trabalho feminino trouxe também outra

legitimação, que é a social para o emprego das mulheres, com a jornada de trabalho mais

curta e atrelada ao discurso de conciliação entre a vida familiar e a vida profissional.

Consequentemente, o uso do emprego e dos salários para as mulheres, dentro dessa lógica, é

tido como renda “complementar”, embora a atuação das mulheres seja crescente no mundo do

trabalho (p. 104).

Podemos ressaltar alguns dos direitos constitucionais, frutos do movimento das

mulheres na Constituição de 1988, apesar da ausência da uma representatividade expressiva

da bancada feminina no período de 1986-1990, período do processo da Constituinte, quando

foram eleitas apenas 26 mulheres, o que representou, segundo Pinto (2003), um percentual de

5,7% da Casa Legislativa. Eis conquistas que estão contempladas na CF/1988, no Título II,

que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais:

“homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta

Constituição” (Art. 5º, I).

“proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos

específicos, nos termos da lei”(Art, 7º, XX)

“proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de

admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”(idem XXX)

“igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício

permanente e o trabalhador avulso” (idem, XXXIV)

“São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos

previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII,

XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as

condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento

das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de

trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII,

XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social” (Redação

dada pela Emenda Constitucional nº 72, de 2013) (Idem, parágrafo único)

(BRASIL, 1998)

56

Ressalta Pinto (2003) que a representatividade das mulheres à época, no movimento

político, ocorreu dentro dos moldes clássicos; o recrutamento dessas mulheres se efetivou

através de suas relações com famílias de políticos, popularidade que conquistaram por meio

da comunicação ou pelos vínculos partidários, e não pelos movimentos partidários. No

entanto, mesmo com essas características, as mulheres eleitas tiveram uma trajetória

surpreendente, superaram as extrações partidárias e se autodenominaram como “bancada

feminina”; dentro desse universo, privilegiadamente masculino, houve um movimento

feminista que construiu a identidade e a representatividade em prol dos direitos sociais das

mulheres como cidadãs, conquistas sociais homologadas na Constituição de 1988.

São questões reveladoras, pois, de que a história das mulheres não é fácil. Invisível

durante séculos, somente nos anos 1980 há a partidarização e a institucionalização do

movimento feminista no Brasil. Já a questão da violência da mulher é tratada em outros rumos

a partir de 1985, com a criação da primeira delegacia especializada, uma conquista que

garante o direito da mulher e assegura uma política pública de combate à violência da mulher,

de modo que esta possa ser atendida sem hostilização e agressão. (PINTO, 2003)

Outro movimento foi em defesa da saúde da mulher, um tema considerado sensível e

controvertido pela abrangência, e que exige do Estado uma política pública no atendimento e

assistência às mulheres, com três temas polemizados: planejamento familiar, sexualidade e

aborto. Há todo um movimento de articulação que envolve as mulheres das camadas

populares e da classe média no planejamento familiar, por esse tema estar vinculado ao debate

sobre o controle da natalidade nas camadas menos abastadas. Isso, indubitavelmente, faz o

movimento das mulheres feministas ter um papel relevante na elaboração de projetos de

planejamento familiar. (PINTO, 2003)

O tema, finalmente, emergiu como um campo definido de pesquisa para os

historiadores: o lugar da mulher e da narrativa feminina, narrativa que tradicionalmente os

homens tem ocupado.

2.2 Territórios e fronteiras da formação

Baseamo-nos na relevância e nos estudos das abordagens (auto)biográficas no âmbito

da profissão docente de Nóvoa (2007), no qual sua pesquisa retrata um conhecimento mais

próximo da realidade educativa e do cotidiano dos professores. E nos baseamos nas

contribuições da sua obra, “Vida de professores”, para ser norteadora para esta pesquisa sobre

57

a “Vida de artesãs profissionais”, uma analogia que nos possibilite compreender o formar-se,

conhecer quem são esses sujeitos, como aprendem.

Nesse sentido, é preciso assumir todas as perplexidades das abordagens

(auto)biográficas, não incentivando uma atitude defensiva que as fecharia no

interior de fronteiras disciplinares. De facto, a qualidade heurística destas

abordagens, bem como as perspectivas de mudanças de que são portadoras,

residem em grande medida na possiblidade de conjugar diversos olhares

disciplinares, de construir uma compreensão multifacetada e de produzir um

conhecimento que se situa na encruzilhada de vários saberes (NÓVOA,

2007, p. 20).

Ao tratar das dificuldades de categorização dos estudos em histórias de vida, Nóvoa

(2007) considera que a diversidade dificulta categorizar, pois cada estudo tem uma

configuração própria, e nela estão contidas as preocupações da investigação, ação e formação.

Nesse sentido, frente às dificuldades em separar analiticamente as abordagens, considera

como possibilidade a categorização baseada nos objectivos e nas dimensões, o que justifica o

quanto é difícil separar o eu pessoal do eu profissional, numa profissão que é fortemente

impregnada de valores e ideais – no caso, refere-se ao docente, e propusemos estender para

compreender a formação das artesãs, conforme apresentamos no quadro 09:

Objetivos/

Dimensões

Objetivos essencialmente

teóricos/relacionados com a

investigação

Objetivos essencialmente

práticos/relacionados

com a formação

Objetivos essencialmente

emancipatórios, relacionados

com a investigação-formação

Pessoa (do

professor)

Práticas (dos

professores)

Profissão do

Professor)

Quadro nº 09: Categorização dos estudos centrada nas histórias de vida dos professores

Fonte: Vida de Professores, Nóvoa (2007).

Baseando-se nesses princípios teóricos, práticos e emancipatórios, propusemos fazer

uma analogia em “Vidas de Professores”, de Nóvoa (2007), para categorizar a “Vida das

Artesãs”, como norte para esta pesquisa. Nesse sentido, fez-se a categorização da dimensão

pessoal e social das artesãs, restaurando o território e fronteira da formação - acreditamos ser

possível recuperar, através da narrativa de suas histórias de vida, como teve início o vínculo

com o artesanato.

Essas propostas nortearam os questionários e os roteiros das entrevistas para a

narrativa da história de vida das artesãs, conforme consta do quadro nº 10, que denominamos

de “Contexto Histórico e Social das Artesãs em sua trajetória de formação”, entrelaçada nas

histórias de vidas das artesãs em Alagoas.

58

Quadro nº 10: Contexto Histórico e Social das Artesãs em sua trajetória de formação

Fonte: Elaboração da pesquisadora, 2014.

A Tradição, o Conhecimento e a Profissão serão as categorias de análise como forma

de compreender os aspectos que se deram entre o território e a fronteira da formação das

artesãs:

A Tradição – o resgate de uma tradição cultural através das artesãs narradoras, os

vínculos que foram sendo alinhavados e costurados artesanalmente nesse percurso, a

possibilidade de mapear essas trilhas proporcionando às artesãs a recuperação de sua memória

para trazer pontos de reflexão sobre o caminhar para si, o projeto de vida, as diferentes

identidades, suas representações e projeções, como proposto por Josso (2004). Isso remete à

história das artesãs e, consequentemente, tem um valor para os processos de formação.

Através da formação profissionalizante, reflete-se sobre os Conhecimentos que se

estabeleceram nessa tessitura entre a tradição e o design inovador, a busca das artesãs pela

profissionalização e os impactos na aprendizagem após um processo descontínuo de

escolaridade. Além disso, reflete-se sobre o percurso de aprendizagem, um processo de

criação e produção artesanal, a importância de planejar, como se apropriam desses novos

conhecimentos para a criação, autoria e reinserção na produção artesanal.

Dimensões:

Pessoal e Social

Território e Fronteiras da Formação

TRADIÇÃO CONHECIMENTO PROFISSÃO

Sujeitos da

pesquisa

Ponto de partida na

relação com a cultura

artesanal

Identificação, Gênero,

Perfil Socioeconômico;

Formal /Informal

Trajetória/caminho

s da autoformação

como artesã

Origem dos vínculos com

o artesanato

Memória e o Vínculo da

relação com o artesanato

Experiências e Vivências

Sentido que o artesanato

traz em suas vidas;

Escolaridade

(espaço formal)

Tempo percorrido para a

escolarização formal: onde

e como se deu?

Continuidade/descontinuidade

da escolaridade;

Expectativas iniciais e

finais do curso.

Formação do

Curso Técnico de

Artesanato

Entrelaçamento das

relações entre os saberes

na formação técnica

(formal e não formal);

Senso comum e o tecnológico:

avanços, limites e entraves;

Impactos do processo da

aprendizagem no

percurso da formação;

Práticas artesanais

e suas

complexidades

Trajetórias da

aprendizagem no universo

(fazer) artesanal;

Tessituras das práticas: antes e

após os conhecimentos

tecnológicos;

Processo de

criação/inovação

artesanal após o curso;

Mercado de

Trabalho

A (re)inserção na

produção artesanal

Conhecimento do mercado

artesanal antes e após o curso:

mudanças desencadeadas

Mercado formal e

informal:

Associativismo

Mudanças

proporcionadas

pelo curso

Crescimento pessoal, seu

lugar na família e na

comunidade;

Percepção atual da profissão

de artesã;

Mudanças desencadeadas

na relação com o

mercado artesanal

Projetos Nível Pessoal e Satisfação Perspectivas com o mercado

Artesanal

Resultados esperados

59

E, compondo essas categorias, está a Profissão, cujo sentido etimológico vem do latin

professio,õnis, “ação de declarar, ação de professar, de ensinar, profissão, mister”

(HOUAISS; VILLAR, 2009). Eis a profissionalização das artesãs, que se instituiu através da

formação do curso de técnico de artesanato, um curso com práticas interdisciplinaridades e

metodologias pedagógicas que desafiam docentes a dialogar com a cultura popular.

Acerca das tensões existentes entre os saberes de ofícios e os saberes tecnológicos, o

tensionamento na produção do artesanato para inserção no mercado artesanal, o que muda

e/ou amplia o conhecimento das artesãs para a produção artesanal com a incorporação do

saber tecnológico.

O pensamento de Pinto (2005) possibilita discutir a natureza do conhecimento

tecnológico dentro do campo pedagógico, compreender a dimensão da “era tecnológica”:

O conceito de “era tecnológica” constitui importantíssima arma do arsenal

dos poderes supremos, empenhados em obter estes dois inapreciáveis

resultados: (a) revesti-lo de valor ético positivo; (b) manejá-lo na qualidade

de instrumento para silenciar as manifestações da consciência política das

massas, e muito particularmente das nações subdesenvolvidas. (PINTO,

2005, p.43)

A relação do homem com a tecnologia, segundo Viera Pinto (2005), deve ser vista de

duas maneiras: o maravilhamento e a dominação tecnológica; o que distingue o maravilhar-se

atual do antigo é que o homem não mais se maravilha diante da natureza, mas diante de suas

próprias obras. Pois considera que, em outra civilização, que denomina de “tecnicamente

atrasada”, o homem só podia maravilhar-se com aquilo que encontrava feito, ao passo que,

agora, com a “civilização tecnológica”, maravilha-se com o que faz e com o que produz.

Para Pinto, é necessário estudar em profundidade o significado do conceito de “era

tecnológica”, a forma como é usado para explicar os tempos atuais.

[...] Hoje a técnica necessita revestir-se de valor moral, na verdade o valor

que os grupos dirigentes e promotores do progresso desejam se adjudicar. O

saber que antes, repetindo o conhecido aforisma, apenas significava poder,

agora significa também valer. Com isso, a ciência e a técnica aparecem com

uma benemerência pelo valor moral que outorgam aos seus cultores, e, muito

naturalmente, e com mais forte razão, aos patrocinadores. O laboratório de

pesquisa, anexo à gigantesca fábrica, tem o mesmo significado ético da

capelinha outrora obrigatoriamente erigida ao lado dos nossos engenhos

rurais (PINTO, 2005, p. 42).

Para compreender onde e como se constroem essas relações, existe o Território, no

qual visamos a resgatar a proposta de Claude Raffestin, em 1993, em seu livro “Por uma

60

geografia do poder”. Ali, ao tratar das relações em um sistema territorial, propõe conhecer as

estruturas que as cercam, as imbricações de poder estabelecidas no território:

Quando um geógrafo é posto diante de um sistema territorial, ele descobre

uma produção já elaborada, já realizada. Produção suscetível de mudanças,

contudo suficientemente fixa para ser analisada. Mas toda análise supõe uma

linguagem. Sem linguagem, não há leitura possível, não há interpretação e,

portanto, nenhum conhecimento sobre a prática que produziu o território.

(RAFFESTIN, 1993, p. 153)

A origem dos saberes e experiências do processo artesanal será nosso objetivo,

conhecer sua linguagem, suas vivências. Através das narrativas, pretende-se resgatar os

vínculos de uma cultura, da tradição de um processo artesanal.

As Fronteiras geograficamente estão presentes nestas relações de poder, segundo a

demarcação dos espaços. Como afirma Raffestin (1993, p. 153), que toda tessitura implica a

noção de limite. Para conhecer como se constituíram esses limites, como e onde se deram a

formação formal e a não formal, apropriamo-nos de questionário e entrevistas como

instrumentos que possibilitam compreender como se deram os espaços na relação familiar,

pessoal e profissional das artesãs.

Retomar essas vozes através das narrativas das histórias das artesãs possibilita uma

visibilidade do território e das fronteiras da formação dessas mulheres artesãs, através de suas

experiências, práticas e saberes da cultura poular. É como se estivéssemos costurando uma

“colcha”, cujos retalhos irão compor os traços e a identidade cultural que cada uma dessas

histórias de vida traz com sua subjetividade. E essa composição não se dá apenas e

exclusivamente com a voz, mas se compõe também de outros elos, como afirma Benjamin

(2012):

A alma, o olhar e a mão estão assim inscritos num mesmo contexto.

Interagindo, eles definem uma prática. Essa prática deixou de nos ser

familiar. O papel da mão no trabalho produtivo tornou-se mais modesto, e o

lugar que ele ocupava durante a narração está agora vazio. (Pois a narração,

em seu aspecto sensível, não é de modo algum o produto exclusivo da voz.

Na verdadeira narração, a mão intervém decisivamente, com seus gestos,

aprendida nas experiências do trabalho, que sustentam de cem maneiras o

fluxo do que é dito). A antiga coordenação da alma, do olho e da mão, que

transparece nas palavras de Valéry, é típica do artesão, e é ela que

encontramos sempre, onde quer que a arte de narrar seja praticada [...]

(BENJAMIN, 2012, p. 239).

O movimento das mãos, silenciosamente, num processo dinâmico, singular do trabalho do/

artesão/ã.

61

2.3 Base conceitual: o artesanato e arte popular

É fundamental trazer alguns conceitos sobre o artesanato, conceitos esses que

expressam a heterogeneidade do artesanato e as suas dimensões socioculturais e econômicas,

conforme consta do documento que trata da Base Conceitual do Artesanato Brasileiro, 2012.

O artesanato é uma das mais ricas formas de expressão da cultura e do poder

criativo de um povo. Na maioria das vezes, é a representação da história de

sua comunidade e a reafirmação da sua autoestima. Nos últimos tempos,

tem-se agregado a esse caráter cultural o viés econômico, com impacto

crescente na inclusão social, geração de trabalho e renda e potencialização

de vocações regionais (BRASIL, 2012, p. 2).

Esse documento faz parte do Programa Brasileiro de Artesanato/PAB, responsável

pela elaboração de políticas públicas em nível nacional, coordenado pelo Ministério do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em parceria com o governo federal, com as

coordenações estaduais do artesanato e com o apoio dos municípios. Criado por meio do

Decreto nº 1.508, de 31 de maio de1995, eis o art. 1º:

O programa do Artesanato Brasileiro, instituído com a finalidade de

coordenar e desenvolver atividades que visem valorizar o artesão brasileiro,

elevando o seu nível cultural, profissional, social e econômico, bem assim

desenvolver e promover o artesanato e a empresa artesanal passa a

subordinar-se ao Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo

(BRASIL, 1995).

A Portaria nº 38, de 01 de agosto de 2013, regulamenta as competências do Núcleo de

apoio ao artesanato, que fica subordinado à Secretaria Executiva da Micro e Pequena

Empresa da Presidência da República, conforme se vê no art. 2º:

Art. 2º - Ao Núcleo de Apoio ao Artesanato compete subsidiar o Secretário-

Executivo no apoio ao Ministro de Estado no exercício das competências: I -

na formulação, coordenação e articulação de:

a) politicas e diretrizes para o apoio ao artesanato;

b) programas e ações de qualificação voltadas ao artesanato; e

II - na articulação e incentivo à participação do artesanato nas exportações

brasileiras de bens e serviços e sua internacionalização (BRASIL, 2013).

Os eixos de atuação do PAB possuem ações em âmbito nacional que visam a atender:

1. Gestão: visa a promover a integração de iniciativas relacionadas ao

artesanato e a troca de experiências e aprimoramento na gestão de processos

e produtos artesanais.

2. Desenvolvimento do Artesanato: tem o objetivo de promover medidas

para a melhoria da competitividade do produto artesanal e da capacidade

62

empreendedora para maior inserção do artesanato brasileiro nos mercados

nacionais e internacionais.

3. Promoção Comercial: o foco é a identificação de espaços

mercadológicos adequados à divulgação e comercialização dos produtos

artesanais, a participação em feiras, mostras e eventos nacionais e

internacionais.

4. Sistema de Informação Cadastrais do Artesanato Brasileiro (SICAB):

visa a conhecer e mapear o setor por meio de estudos técnicos e do cadastro

do artesão no Sistema, com vistas à elaboração de políticas públicas para o

segmento.

5. Estruturação de núcleos para o artesanato: busca apoiar o artesão

formalizado em associações e cooperativas, ou o microempreendedor

individual envolvido em projetos ou esforços para a melhoria de gestão do

processo da cadeia produtiva do artesanato por meio da construção ou

reforma de espaços físicos gerenciados pelos estados e municípios

(BRASIL, 2012, p. 10)

As questões que se destacam nessa proposta de organização do mercado artesanal, é o

acesso a essas ações que são desenvolvidas por órgão público. A luta dessas mulheres pelos

espaços de comercialização. São elas, artesãs “anônimas”, que não tem trabalhos

reconhecidos, cujas criações de seus trabalhos estão invisibilzados pela dificuldade que

enfrentam na relação do comércio artesanal. Segundo suas narrativas, a falta de critérios para

a comercialização de artesanato nas feiras, pois dividem com os comerciantes atravessadores

os espaços do mercado artesanal.

No entanto, apesar de o artesanato ter um valor cultural, um valor econômico para a

cultura local, há uma questão que Keller (2011) aponta ao tratar da relação do/a artesão/ã com

o mercado; muitas vezes, prega-se que a/o artesã/artesão brasileiro não tem competência por

não dominar o mercado, e que é necessário formá-lo/a para esse mercado. Sobre isso,

posiciona-se:

[...] proponho sempre que temos de formar o mercado para objeto artesanal,

o mercado é que tem que perceber que esses objetos não são mera

mercadoria, que há uma cultura embutida neles [...] Que existe uma

bordadeira no nordeste que é feliz quando executa os bordados que gosta.

Então esse é o nosso papel como antropólogos voltados para o campo do

artesanato. Eu me considero, como diria Roberto Cardoso de Oliveira, “um

antropólogo da ação”, que está voltado pra intervir na realidade e brigar

pelos valores culturais dos próprios artesãos/artesãs e por uma estética nativa

e pelo respeito que se tem que ter com essas formas culturais que não podem

estar sujeitas às regras do mercado somente. (KELLER, 2011, p 193)

O Documento Base Conceitual do Artesanato Brasileiro (2012) traz conceitos

importantes que nos possibilitam conhecer o/a artesão/ã brasileiro/a. São conceitos que trazem

a dimensão cultural, a riqueza do artesanato brasileiro e a diversidade do fazer artesanal, tudo

63

executado pelas mãos de mais de 84.000 artesãos/ãs no Brasil, segundo números do Cadastro

dos/as Artesãos/as Brasileiros/as (SICAB/2014).

Artesão/Artesã: é o/a trabalhador/a que de forma individual exerce um

ofício manual, transformando a matéria-prima bruta ou manufaturada em

produto acabado. Tem o domínio técnico de materiais, ferramentas e

processos de produção artesanal na sua especialidade, criando ou produzindo

trabalhos que tenham dimensão cultural; para tanto, utiliza técnica

predominantemente manual, podendo contar com o auxílio de equipamentos,

desde que não sejam automáticos ou duplicadores de peças (BRASIL, 2012,

p. 11)

Mestre/a Artesão/ã: indivíduo que se notabilizou em seu ofício, legitimado

pela comunidade que representa e/ou reconhecido pela academia,

destacando-se através do repasse de conhecimentos fundamentais da sua

atividade para novas gerações (BRASIL, 2012, p. 11).

Outras definições são importantes porque expressam a heterogeneidade da cultura

artesanal no país:

Artesanato: compreende toda a produção resultante da transformação de

matérias-primas, com predominância manual, por indivíduo que detenha o

domínio integral de uma ou mais técnicas, aliando criatividade, habilidade e

valor cultural (possui valor simbólico e identidade cultural) e podendo, no

processo de sua atividade, ocorrer o auxílio limitado de máquinas,

ferramentas, artefatos e utensílios. (BRASIL, 2012, p.12)

Arte Popular: conjunto de atividades poéticas, musicais, plásticas, dentre

outras expressivas, que configuram o modo de ser e viver do povo de um

lugar. A arte popular diferencia-se do artesanato a partir do propósito de

ambas as atividades. Enquanto o artista popular tem profundo compromisso

com a originalidade, para o artesão essa é uma situação meramente eventual.

O artista necessita dominar a matéria-prima como o faz o artesão, mas está

livre da ação repetitiva frente a um modelo ou protótipo escolhido, partindo

sempre para fazer algo que seja de sua própria criação. Já o artesão, quando

encontra e elege um modelo que o satisfaz quanto à solução e forma, inicia

um processo de reprodução a partir da matriz original, obedecendo a um

padrão de trabalho que é a afirmação de sua capacidade de expressão. A obra

de arte é peça única que pode, em algumas situações, ser tomada como

referência e ser reproduzida como artesanato (BRASIL, 2012, p.12).

Paulo Keller, em entrevista realizada com o antropólogo Ricardo Gomes Lima (2011),

pesquisador do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNHCP/ IPHAN/Ministério

da Cultura), traz importantes reflexões sobre o artesanato brasileiro, suas análises sobre a

riqueza, a heterogeneidade e a diversidade do artesanato no país, como também as relações do

artesanato com o mercado:

São muitas técnicas, muitas matérias primas, como falei, e ao mesmo tempo

muitos campos de significado, muitos contextos em que esses objetos estão

inseridos. Por que se faz ou para que se faz um objeto artesanal? Vai desde a

necessidade mais imediata de sobrevivência, desde o instrumento que é feito

64

para o trabalho ou para o conforto: como um prato, uma colher, uma cama,

até objetos de significados muito mais amplos, como a imagem de um

sobrenatural, de um santo, um objeto religioso. Tudo isso reflete uma

diversidade muito grande e no Brasil esse campo também é extremamente

rico (KELLER, 2011, p. 189).

Eis a grande diversidade do artesanato do país, a riqueza das manualidades e de

trabalhos que guardam uma tradição cultural, a identidades das artesãs. Ricardo Lima aborda

essa questão trazendo a experiência das rendeiras de Florianópolis, Maranhão e Piauí, fazendo

as rendas de bilro no Mercado Brasil de Artesanato Tradicional, realizado no Palácio do

Catete, cada uma com suas almofadas de bilro, trabalhando uma ao lado da outra.

Destaca como as rendeiras ficaram surpreendidas com o diferencial das técnicas. A

rendeira de Santa Catarina, por exemplo, tinha um tipo de renda que se chama “tramoia”,

diferente da renda do Maranhão e do Piauí. Segundo Keller (2001), nós apreciamos a beleza

de uma renda, a singeleza, “mas elas faziam rendas de bilro que guardavam especificidades e

também, ao mesmo tempo, construíam suas identidades” (p. 190). Podemos complementar

que trazem em suas mãos habilidosas a singularidade de uma tradição de trabalho manual que

tem uma identidade local, que o valoriza e o torna universal.

Enfim, é a riqueza das rendas no Brasil que, quando é de bilro, é muito

diversa, e também tem a renascença, a irlandesa, o filé, o labirinto, a

singeleza, e tantas outras modalidades que são, ao mesmo tempo, tudo igual

– são rendas – e, ao mesmo tempo é muito muito diferente. Então, essa

riqueza está dada. [...] (KELLER, 2011, p. 190).

São necessárias ações que valorizem experiências como essas para que as rendeiras, as

bordadeiras e as artesãs possam vivenciar experiências que visibilizem a cultura, a troca de

conhecimentos. Ademais, conhece-se a tradição do artesanato de outras regiões como forma

de valorização do trabalho artesanal, dos conhecimentos que tem uma tradição na cultura

popular.

Em Alagoas, as ações do Programa Brasileiro de Artesanato/PAB desenvolvem

atividades visando a proporcionar aos/às artesãos/ãs atividades em nível cultural, profissional,

social e econômico, desenvolvendo ações de formação, promoção de inserção em feiras e

exposições de artesanato, além de núcleos produtivos, segundo a Coordenação da Secretaria

do Planejamento e do Desenvolvimento Econômico/ SEPLANDE.

A Coordenação Design e Artesanato/SEPLANDE, é responsável pelo cadastro dos

artesãos em Alagoas, assim como o censo do/a artesão/ã. É uma ação que viabiliza um

cadastro nacional dos/as artesãos/ãs para que a categoria tenha acesso a direitos sociais, tais

65

como: isenção do ICMS na emissão de notas fiscais avulsas, aquisição de maquineta para

venda com cartão de crédito, acesso a financiamento com juros reduzidos, contribuição para o

INSS com valor diferenciado do autônomo e cadastro para participar de feiras, eventos de

artesanato, exposição e capacitações.

Segundo dados do Portal Brasil/2015, o Sicab tem realizado modificações que

almejam aprimorar a emissão da Carteira Nacional do/a Artesão/ã, para que se efetive como

identidade formal do/a artesão/ã brasileiro/a. Apenas para se ter uma ideia, mais de 96 mil

artesãos e trabalhadores manuais participam do Programa do Artesanato Brasileiro - PAB.

Nesse sentido, a definição de políticas públicas para os/as artesãos/as se efetivará com

a homologação do Plano de Lei nº 7.755/2010, que regulamenta a profissão dessa categoria e

fixa diretrizes básicas da política nacional para o artesanato, uma conquista social, no âmbito

dos direitos sociais, para a valorização do/a artesão/ã brasileiro/a. No entanto, ao ser aprovado

pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos

Deputados, em 27/05/2015, suprimiu-se a necessidade de se criar a Escola Técnica Federal do

Artesanato, por acreditar que a expansão da rede de ensino tecnológico já contempla os

objetivos de qualificação do artesão. Com essa prerrogativa, reafirma a rede federal, através

dos Institutos Federais, a necessidade de institucionalizar uma política para a formação dos/as

artesãos no país. A grande questão, porém: os Institutos Federais de Educação se reconhecem

como lócus de formação para o/a artesão/ã brasileiro/a?

66

CAPITULO III – AS ARTESÃS NARRADORAS E SUAS HISTÓRIAS DE VIDA

ENTRETECIDAS NO ARTESANATO: CURRÍCULO, VIVÊNCIAS E

EXPERIÊNCIAS

Esta pesquisa busca contribuir com a história das mulheres, apresentando uma

experiência de escolarização para mulheres no contexto da educação formal especificamente

voltada para o artesanato brasileiro, através de um curso profissionalizante para as

trabalhadoras que vivem no anonimato da arte popular em Alagoas.

Para o desenvolvimento da pesquisa, uma das principais decisões consiste em definir o

caminho metodológico, para conhecer a trajetória que melhor retrata as histórias das

mulheres, com seus trabalhos voltados para a arte popular, cujas experiências são adquiridas

em espaço não formal, sem visibilidade e, consequentemente, sem valorização: “Siempre se

tiene un gran sentimiento de culpa cuando se habla sólo de mujeres”, afirma Eli Bartra (2008)

em suas reflexões em Mujeres y Arte popular, sobre não existir uma relação harmoniosa entre

arte popular e feminismo:

El arte popular ha sido una noción utilizada em América Latina para

referirse al arte de las clases subalternas para separarlo y diferenciarlo

claramente del arte de las elites, de aquellas creaciones artísticas a las que se

atribuye el concepto de arte a secas. Pero, dicho esto, hay que hacer unas

cuantas precisiones al respecto. (BARTRA, 2008, p. 10)

As relações estabelecidas no processo de formação da profissionalização das artesãs8

serão imprescindíveis para que possamos retomar o plano do curso técnico de artesanato,

analisar os objetivos propostos (2008) e retomar as expectativas iniciais das alunas9. São

dados significativos e relevantes que favorecem uma triangulação com a realidade dessas

egressas, cujas informações coletadas através do questionário e das entrevistas nos

possibilitam ter parâmetros da trajetória de sua formação - do processo inicial de

aprendizagem à conclusão do curso e aos impactos dessa profissionalização no processo de

produção, criação e inserção no mercado de trabalho.

A coleta de dados através do questionário foi estruturada buscando ter uma visão do

curso em vários aspectos, proporcionando uma análise que possibilite momentos de reflexão,

de (re)visitação dos lugares e espaços formativos, como forma de compreender a formação,

8 LIMEIRA, 2010: Currículo integrado do PROEJA: um estudo dos (des)encontros de várias práticas e saberes -

PPGE/UFAL, 2010. 9 Arquivo das entrevistas realizadas por LIMEIRA (2010).

67

sob a ótica das artesãs, no processo de aprendizagem. Ademais, a dimensão do currículo e a

relação docente contribuem para compreender: 1) o que foi planejado enquanto proposta

pedagógica para subsidiar o processo de aprendizagem, se atendeu as expectativas da

formação das artesãs; 2) o olhar, na condição de egressas, refletindo sobre o processo de

produção e criação e sua relação com o mercado artesanal; 3) o itinerário formativo e social,

do crescimento na vida profissional e social dessas mulheres.

É nesse cenário que foi realizada a pesquisa. Pretendemos apresentar os efeitos da

profissionalização na vida das artesãs da primeira turma, que se iniciou em 2008, com 30

alunos/as, e que possibilitou um levantamento preliminar para identificar onde e como estão

inseridas profissionalmente após a conclusão; enfim, conhecer o itinerário formativo e social

das artesãs.

Definidos os critérios e considerado o perfil dos sujeitos da pesquisa, fizemos uma

escolha fictícia de nomes (Paula, Rosa, Carmem e Angélica) para preservar a identidade das

artesãs

Artesãs

Idade

Escolaridade

antes iniciar o

curso

Artesanato

que produz

Tempo

exerce

artesanato

Comercialização

do artesanato

Renda do

artesanato

(S/ M)

Vinculação

Cooperativa/

Associação

PAULA 43 anos Ensino Médio Crochê,

Bordados em

sandálias,

Bonecos de

pano.

10 a 15

anos

Loja de artesanato 01 SM Não

ROSA 64 anos Magistério Crochê, Filé,

Bijuteria,

Macramê,

Pintura.

15 a 20

anos

Feira de

artesanato, Loja

de artesanato.

03 a 04

SM

(alta

temporada)

Sim

CARMEM 44 anos Ensino Médio Escultura,

Macramê,

Pintura,

Bordados

05 a 10

anos

Loja de

artesanato, e

vendas direta ao

cliente

01 a 02

SM

Não

ANGELICA 58 anos Superior Ponto Cruz,

Fibras,

Esculturas em

argila, papel

machê,

papietagem e

fibras

25 ANOS Feiras de

artesanato

03 a 04

SM

Não

Quadro 11: Identificação das artesãs do Curso Técnico Artesanato/2015

Fonte: Elaborado pela autora

Como também compreender os sentidos que o curso trouxe à prática docente, que diz

respeito tanto ao aspecto institucional, dentro de uma estrutura de um programa, quanto aos

desafios em desenvolver propostas pedagógicas em um campo do conhecimento considerado

complexo, que consiste em pensar os sujeitos da EJA e trabalhar com e na diversidade. Ou

68

seja, entender os sujeitos e suas expectativas e necessidades, de modo que possam ser

entendidas, compreendidas.

Conhecer os entrelaçamentos que constituíram, de 2008 para cá, a superação e os

desafios do PROEJA desde a implantação no âmbito do IF, como também o desafio de

constituir um curso dentro de um tema que é pouco valorizado pela academia, o artesanato

brasileiro. Isso se dá em uma proposta curricular que desafiam docentes a pensar a

escolarização de mulheres artesãs, valorizando os processos de aprender e ensinar o processo

artesanal no âmbito da escola e agregando aos conhecimentos tecnológicos do design.

Foram estruturados momentos de entrevistas com os docentes; eles serão apresentados

no capítulo IV, no qual pretendemos trazer reflexões acerca dos tensionamentos dessas

relações que se estabelecem por meio de uma organização curricular integrada, que construiu

um movimento para encontrar diferentes possibilidades de inserir a cultura da arte popular na

escola, um conhecimento pouco valorizado – o não formal, produzido por mulheres das

classes populares que vivem da produção artesanal, expondo seus trabalhos em feiras de

artesanato, de vendas no porta a porta.

As artesãs visualizam no curso possibilidades de sair do anonimato, de não ficarem

condicionadas ao trabalho doméstico. Como rever essa realidade? Bartra (2008) sugere:

Se ha dado un proceso de doble marginación intelectual que es preciso

revertir. El arte popular es considerado de segunda, elaborado por gente

también de segunda. Este arte hecho por las mujeres es tan invisible como el

trabajo doméstico, muchas de las actividades creativas de las mujeres han

quedado agazapadas detrás de esas invisibles labores del hogar y el arte

popular es una más de ellas (BARTRA, 2008, p. 2).

Para o resgate desse processo através das narrativas das artesãs, conhecer suas

experiências de saberes - não formal, como se estabeleceu o diálogo com o espaço formal

escolar, foram utilizadas as seguintes técnicas: conversa informal; aplicação de questionários;

entrevistas em profundidade; observação direta no ambiente de trabalho das artesãs; e análise

documental.

Através da pesquisa no Departamento de Assuntos estudantis do IFAL, foi realizado o

levantamento das fichas de matrícula da primeira turma: composta de 25 mulheres e 05

homens. Traçar esse perfil nos permite conhecer o nível de maturidade que trouxeram à escola

através de suas experiências de vida, pois trata-se de uma faixa etária que destoava do perfil

de jovens matriculados no IFAL, razão pela qual no início houve discriminação por parte de

alunos/as de outros cursos. Mas que souberam superar a descriminação, superar barreiras e

servir de exemplo para filhos/as, familiares e amigos, como relataram em seus depoimentos.

69

Ano Nascimento Faixa Etária Artesãs/os 1950-1959 56 a 55 07

1960 – 1969 46 a 55 anos 10 1970 – 1979 36 a 45 anos 05 1980 – 1989 26 a 35anos 06

Não informou ------ 01

Total ------- 30 Quadro 12: Perfil das Artesãs da primeira turma matriculada em Curso Técnico de Artesanato/2008

Fonte: Arquivo do Departamento de Assuntos Estudantis/ IFAL, 2014.

Havia uma ambiguidade; pois, ao mesmo tempo em que sentiam orgulho de serem

alunas do IFAL, não se sentiam acolhidas pelos “jovens alunos”, sendo discriminadas. Foi um

período de adaptação, de relações de afirmação e de conquistas em luta por uma escola que

resgate a formação, independentemente de classe social e faixa etária.

As narrativas revelam como se sentiram e como se apoiaram entre elas para superar a

discriminação:

Há algo que foi muito pesado e difícil para as minhas colegas, ouvir: ei

vovó, você não devia estar no IFAL. Foi muito complicado, porque a gente

passava e sentia o gracejo [...]. Eu passava a dizer às colegas que vai ter

sempre uma etapa em nossas vidas que vão ter aqueles que vão nos criticar e

o que vão nos apoiar, e aqueles que vão achar ridículo. E, não somos

(CARMEM, 2014).

Obstáculos que foram vencidos e que hoje as novas turmas customizam seu

fardamento, usam como forma de serem notadas por seus pares e pela comunidade. Houve

também uma inserção dos cursos do PRONATEC, entre eles o programa “mulheres mil”, que

ampliou os espaços para as mulheres na instituição e, de certa forma, abriu uma “linha de

frente” de inclusão social através da expansão das políticas de profissionalização.

Com os dados coletados na coordenação do PROEJA e no DAA do campus Maceió, e

com a aplicação dos questionários, foi possível traçar um panorama dos resultados de

aprovação, reprovação e evasão da primeira turma, que apresentamos, e nos serviu como

orientação para definição das entrevistas.

A turma teve em 2008 uma matrícula inicial de 31 alunos/as, um percentual de

alunos/as que, com os déficits de aprendizagem ao longo dos módulos, foi sendo retido, o que

trouxe uma evasão de 50% dos matriculados. As dificuldades foram relatadas em suas

entrevistas: dificuldades de ordem familiar, por serem donas de casa e o curso ser ofertado no

turno matutino; problemas de saúde; dificuldades de aprendizagem; propostas de trabalho.

70

Turma I Matriculados Evadidos Aprovados Responderam

questionários

Participaram das

entrevistas

2008 31 15 16 10 04

Quadro 13: Quantitativo das participantes da Pesquisa, 2014.

Fonte: Elaborado pela autora

A primeira etapa da realização da pesquisa teve início com a aplicação dos

questionários com a participação de 10 (dez) artesãs, fato que nos possibilitou traçar um perfil

da turma, com os seguintes aspectos:

1) a atual situação ocupacional; 2) a formação profissional e a atuação com o

mercado artesanal; 3) o processo de aprendizagem, o crescimento pessoal e profissional

através do itinerário formativo social dessas mulheres.

O questionário nos permitiu conhecer a situação ocupacional das 10 artesãs,

visualizando o momento profissional atual, como apresentamos a seguir:

1. Quanto à situação ocupacional das artesãs:

a) 03 (três) possuem outra atividade profissional e 01 (uma) tem vínculo com

associação;

b) 04 (quatro) têm o artesanato como principal fonte de renda, sendo que 03 tem

loja de artesanato;

c) Das 10 artesãs entrevistadas, 07 (sete) não têm ateliê para produzir o artesanato

– trabalham na própria residência;

d) Todas são unânimes quando afirmam a sazonalidade para comercializar: a alta

temporada do turismo local, apenas 04 (três) expõem em feiras e eventos;

e) São as artesãs que comercializam seus produtos, apenas 01 conta com ajuda

familiar.

2. Quanto à formação profissional:

2.1 O início da relação com o artesanato:

a) Por um gosto seu, um talento próprio: 03 (três);

b) Por uma tradição familiar: 05 (cinco);

c) Por casualidade, apenas buscando fonte de renda: 02 (duas).

71

2.2 Sobre as mudanças havidas no processo de produção após o curso, 09 (nove)

artesãs responderam:

a) mudanças na postura; b) mudança na forma de elaborar os produtos, pois antes

não havia planejamento; c) evolução na área de relacionamento com as pessoas,

pois consideram que estão mais fluentes; d) modificação na apresentação do

produto, na relação com os clientes, na elaboração da peça; e) na escolha da cor do

produto, composição das cores, além de mais firmeza para criar as peças, em

calcular o valor de cada uma delas; f) as peças estão mais caras, pois têm um custo

maior, são mais elaboradas, feitas com mais segurança, de modo que respondem

pela garantia da peça.

2.3 As mudanças que se deram na vida profissional, em vários aspectos:

Todas afirmam que o curso trouxe mudanças na vida profissional, o conhecimento

da origem do artesanato, sendo que 03 (três) justificaram os aspectos dessas

mudanças:

a) no aspecto social;

b) que vendiam menos e o curso melhorou o jeito de fazer os produtos, otimizando

as vendas;

c) mudanças em todos os aspectos: social e econômico;

d) adquiriu mais confiança, pois ampliaram os conhecimentos;

3. Quanto à atuação no mercado artesanal:

3.1 A avaliação da produção artesanal após a formação:

a) Motivou-se o processo de criação de novos produtos: 05 (cinco) artesãs;

b) Não se alterou o modo de fazer o artesanato, trabalho baseado na experiência

pessoal:

02 (duas) artesãs;

c) Tem-se mais objetividade, desde o planejamento do artesanato até o produto

final: 02 (duas) artesãs;

d) Estão sendo criados mais produtos artesanais e há mais objetividade: 01 (uma)

artesã.

72

3.2 O curso motivou a produzir um artesanato regionalizado, valorizou a

cultura.

Todas foram unânimes em afirmar que houve mudança para envolver a

regionalidade. Uma artesã acrescentou que tem um trabalho diferenciado por

trabalhar com a cultura popular.

3.3 O curso diversificou as ofertas dos produtos:

NÃO: 04 (quatro);

SIM: 05 (cinco).

4. Todas as entrevistadas afirmaram que houve melhora na qualidade do produto

e na apresentação, e que agora o produto se diferencia no mercado de

artesanato.

Com os dados acima, foi possível conhecer a percepção das artesãs sobre os

impactos que a formação trouxe na vida profissional dessas mulheres, a clareza

como expressam a relação com os novos conhecimentos e de que forma eles foram

sendo incorporados na vida social e profissional. São mudanças que trouxeram

mudanças na forma de organização da produção, no planejamento, na relação com

o cliente, na apresentação do produto, entre outros.

Com a realização da entrevista em profundidade, foi possível trazer outros pontos

que serão discutidos posteriormente.

Na escolaridade das artesãs, ao iniciar o curso, foi interessante perceber que não

predominou uma descontinuidade da trajetória do ensino fundamental, entre 1ª/4ª série e 5ª/8ª

série, conforme pesquisa realizada nos históricos escolares. O que trouxe um maior impacto

consistiu no distanciamento da escola para ingressar no ensino profissionalizante, no IFAL,

após 15, 20, 25 anos, ou mais, sem estudar, como afirmaram nas entrevistas.

Notou-se que 51% da turma já haviam concluído o ensino médio, um perfil

considerado diferencial entre as demais turmas que ingressaram no PROEJA em outros anos.

Eis os quadros 14 e 15:

73

Ensino Fundamental

1ª a 4ª série 5ª a 8ª série

Ano da escolarização alunas Ano da escolarização alunas

1960-1970 02 1965-1970 03

1971 – 1980 05 1971-1980 05

1981-1990 04 1981-1990 08

1991-2000 03 1991-2000 02

Não informou 16 2001-2006 03

Supletivo/Não informou ano 02

Quadro 14: Escolaridade do Ensino Fundamental / Curso Técnico de Artesanato

Fonte: Arquivo do Departamento Assuntos Estudantis – pesquisa realizada nos Históricos Escolares / IFAL

2014.

Ensino Médio

Ano de Escolarização Alunas

1970-1980 06

1981-1990 02

1991-2000 04

2001-2005 04

Total 16 Quadro 15: Escolaridade: Ensino Médio concluído / Curso Técnico de Artesanato

Fonte: Arquivo do Departamento Assuntos Estudantis – pesquisa realizada nos Históricos Escolares / IFAL

2014.

Os dados acima foram importantes para compreender o processo de adaptação das

artesãs ao IFAL e para a elaboração do questionário que norteou a triagem na segunda etapa

da pesquisa, quando da coleta de narrativas das histórias de vida, através das entrevistas em

profundidade; momentos de conversa e observação direta, no ambiente de trabalho das

artesãs, nas barracas onde expõem os artesanatos; e na instituição onde se encontravam

estudando (que consiste em outro momento da vida profissional)

Nessa segunda etapa da pesquisa com as artesãs, foi possível contar com o

envolvimento da participação de 04 artesãs, ouvindo suas narrativas, que falavam do percurso

da formação, resgate de suas histórias de vida e a relação familiar com a cultura artesanal.

Uma conversa que foi pausada por reflexões importantes para conhecer a sua trajetória.

A metodologia da pesquisa exigiu critérios para a definição da seleção das artesãs que

seriam as entrevistadas, critérios estes considerados fundamentais para a investigação da

pesquisa, a saber:

1) ter concluído o curso; 2) atuação no mercado artesanal; 3) prosseguimento dos

estudos; 4) experiência de trabalho em associação e/ou cooperativa; 5) inserção na pesquisa

de uma artesã que não concluiu o curso, visando a identificar as causas de desistência e/ou

evasão do curso.

74

A partir dos critérios definidos, foi possível identificar o perfil das artesãs que seguiriam

envolvidas com a pesquisa; apesar de algumas terem pontos comuns, suas histórias trazem

marcas de sua identidade e individualidade: a singularidade das histórias de vida:

a) PAULA: inserida no mercado artesanal da cidade com ponto comercial fixo para

expor seus trabalhos. O artesanato é hoje sua segunda fonte de renda, pois necessita de

atividade profissional formal para conquistar a autonomia financeira e continuar a

produzir o artesanato;

b) ROSA: associada à cooperativa de artesanato, possui ponto comercial fixo para expor

o trabalho, encontra-se exclusivamente voltada para a cooperativa de mulheres artesãs

relacionadas com o filé; o artesanato é sua segunda fonte de renda;

c) CARMEM: inserida no mercado artesanal, aluna com itinerário formativo na

educação superior, tem um ateliê em sua residência para lecionar e produzir o

artesanato e uma loja para expor os produtos;

d) ANGÉLICA: não concluiu o curso técnico de artesanato, é mestre em artesanato,

atualmente no mercado artesanal.

A triangulação da pesquisa possibilita analisar o cenário onde teve início a formação

das artesãs, o campo de atuação delas, a inserção no mercado artesanal e o itinerário

formativo e social. As narrativas das histórias de vida nos trazem uma contribuição para

compreender o território e as fronteiras - a educação não-formal trazida pelas experiências e

vivências das mulheres artesãs, os saberes dos ofícios oriundos da tradição artesanal, de várias

gerações, a educação formal, a descontinuidade da escolaridade e os projetos de vida das

artesãs, o crescimento no âmbito pessoal e profissional.

Essa opção metodológica traz desafios à investigação que consistem em compreender

a abrangência da formação no campo do currículo: a formação das artesãs, seus saberes

tradicionais, vivências e experiências, como também a cultura artesanal. Analisar como essa

organização curricular favoreceu o diálogo dos saberes plurais entre a cultura artesanal e os

saberes tecnológicos, proporcionando a qualificação às artesãs.

Para o início da pesquisa, foi formalizado o pedido de autorização junto à Direção do

Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia – IFAL, campus Maceió/AL. Para as

artesãs foi apresentado o convite à pesquisa, esclarecendo os objetivos e fornecendo

orientações para a participação. Previamente, foram orientadas quanto ao Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido/TCLC, no qual apresentaram-se os objetivos da pesquisa e

o uso posterior das informações e dados colhidos e registrados, além da gravação de

depoimentos com pleno consentimento e de bom grado.

75

3.1 O caminho da pesquisa e suas trilhas investigativas

Considerando que a estratégia de investigação proposta para a presente pesquisa tem

influências marcantes dos procedimentos, a opção por trabalhar a metodologia da pesquisa

narrativa traz um viés de relação direta com a identidade dos sujeitos desta proposta de

pesquisa: a visibilidade do processo e formação de mulheres artesãs, como afirma Perrot

(2007):

Porque são pouco vistas, pouco se fala delas. E esta é uma segunda razão do

silêncio: o silêncio das fontes. As mulheres deixam poucos vestígios diretos,

escritos ou materiais. Seu acesso à escrita foi tardio. Suas produções

domésticas são rapidamente consumidas, ou mais facilmente dispersas. São

elas mesmo que destroem, apagam esses vestígios porque os julgam sem

interesse. Afinal, elas são apenas mulheres, cuja vida não conta muito. Existe

até um pudor feminino que se estende à memória. Uma desvalorização da

mulher por sim mesmo. [...] (PERROT, 2007, p. 17).

É o que nos revela romper o silêncio das fontes, conhecer as fronteiras onde se deram

as experiências, as dificuldades enfrentadas, os significados que a vida cotidiana revela. A

proposta de Christine Josso (2010), ao tratar das histórias dos aprendizes e da sua relação com

o saber, pelo singular, pelo sujeito: Da formação do sujeito... ao sujeito da formação, aponta

questões que poderão ser norteadores nesse artigo do qual nos apropriamos da possibilidade

de compreender a formação do ponto de vista do sujeito, ou seja, do ponto de vista das

artesãs, para entender como elas aprendem e as representações que trazem para a instituição

escolar.

Considerando a complexidade para a realização da proposta metodológica de

abordagem narrativa sobre História de Vida, faz-se necessária, para quem pesquisa, a

elaboração de um roteiro, um planejamento, visando a uma sistematização das etapas que

serão desenvolvidas ao longo do trabalho, sem perder a finalidade que deve ser de um diálogo

não apenas e tão somente com os sujeitos da pesquisa, mas também uma análise de quem lê o

texto.

A sistematização consiste em elaborar o plano de trabalho, distribuindo-o em várias

etapas, de tal forma que isso possibilite uma construção lógica para imergir na pesquisa, que

se insere na especificidade do método biográfico. Assim sendo, o planejamento nesta pesquisa

segue a proposta de Ferrarotti (2010), dividindo os materiais que serão investigados em dois

grandes grupos:

76

1. Levantamento dos materiais biográficos primários: narrativas autobiográficas,

observação, entrevistas, questionários, que consideram como interação primária

(face to face): há uma relação e envolvimento direto do investigador.

2. Levantamento materiais biográficos secundários: considerados como os

documentos biográficos de toda espécie, e que nesta pesquisa consiste em: 1)

projeto pedagógico do curso; 2) matrícula inicial e final das artesãs no curso técnico

de artesanato; 3) alunas aprovadas e reprovadas, desistentes e evadidas;

E, para a coleta de informações: a) transcrição dos dados coletados; b) categorização

dos dados; c) análise dos dados.

Há, pois, um interesse particular que dialoga com a proposição de Ferrarotti (2010),

que reside em abandonar o privilégio concedido aos materiais biográficos secundários e

retomar ao coração do método biográfico através dos materiais primários, pelos quais são

entendidos as narrativas de fatos e os acontecimentos. Ademais, considera-se que, através dos

relatos (auto)biográficos, se encontra a (chamada) subjetividade explosiva.

Para o autor, mais do que a valorização dos materiais primários, está presente a inter-

relação (entre o pesquisador e o narrador), que denomina de pregnância subjetiva, ou seja,

essa pesquisa remete à valorização da narrativa pessoal, através da história de vida da artesã,

do reconhecimento da singularidade onde se deu o processo de formação e autoformação, o

qual é o coração da pesquisa.

Há um questionamento de Clandinin e Connelly (2011, p. 84), muito oportuno a essa

metodologia de pesquisa: o que fazem os pesquisadores narrativos? Consideramos uma

provocação por nos possibilitar compreender não apenas o campo, o itinerário, os sujeitos,

mas como o autor propõe compreender a definição e a delimitação de investigações

narrativas. Eis as direções que apontam para a investigação:

77

As quatro direções de qualquer investigação: introspectivo, extrospectivo,

retrospectivo, prospectivo. Por introspectivo, queremos dizer em direção às

condições internas, tais como sentimentos, esperanças, reações estéticas e

disposições morais. Por extrospectivo, referimo-nos a condições existenciais,

isto é, o meio ambiente. Por retrospectivo e prospectivo, referimo-nos à

temporalidade – passado, presente e futuro. Escrevemos que experienciar

uma experiência - isto é, pesquisar sobre uma experiência – é experiênciá-la

simultaneamente nessas quatro direções, fazendo perguntas que apontem par

cada um desses caminhos. Assim, quando se posiciona em um desses

espaços bidimensionais em qualquer investigação, elaboram-se perguntas,

coletam-se notas de campo, derivam-se interpretações e escreve-se um texto

de pesquisa que atenda tanto a questões pessoais quanto sociais, olhando-se

interna e externamente, abordando questões temporais olhando não apenas

para o evento, mas para seu passado e seu futuro (CLANDININ;

CONNELLY, 2011, p. 85).

Assim, pretendemos construir uma pesquisa que seja embasada na perspectiva da

narrativa que contempla dimensão pessoal e social, paralela com o território e as fronteiras da

formação das artesãs, pois são elas que irão nortear os questionários, as entrevistas e o roteiro

para as histórias de vida.

Nesse bojo, a opção pela história de vida através do registro da vida das artesãs visa a

identificar as trajetórias dos saberes tradicionais, como esses saberes foram sendo

ressignificados a partir da formação profissional. É uma proposta que busca compreender os

elementos significativos presentes na singularidade desta pesquisa, como afirma Monteagudo

(2011):

Atualmente sob uma perspectiva mais específica e também mais

especializada, as histórias de vida – métodos biográficos, enfoques

autobiográficos, narrativas pessoais e relatos de vida- são, segundo a

Associação Internacionale des Histories de Vie em Formation, práticas de

investigação, formação e intervenção, guiadas por um objetivo inovador e

emancipado, que pretendem registrar o trabalho individual do sujeito

narrador de sua vida com a dimensão coletiva própria do ser humano

(MONTEAGUDO, 2011, p. 62).

A escolha deste método se justifica com os sujeitos da pesquisa, as artesãs, egressas do

curso técnico de artesanato. Segundo Chizzotti (2009):

A história de vida é um instrumento de pesquisa que privilegia a coleta de

informação contidas na vida pessoal de um ou vários informantes. Pode ser a

forma literária biográfica tradicional como memórias, crônicas ou retratos de

homens ilustres que, por si mesmo ou por encomenda própria ou de

terceiros, relatam os feitos vividos pela pessoa. As formas novas valorizam a

oralidade, as vidas ocultas, o testemunho vivo de épocas ou períodos

históricos (CHIZZOTTI, 2009, p. 95).

78

Trazer as narrativas das histórias de vida de mulheres de classes populares entretecidas

no trabalho artesanal possibilita refletir sobre os processos de aprendizagem que se

construíram nessa relação de conhecimento e formação. Os encontros para as entrevistas

possibilitaram um (re)visitar do caminho da formação para compreender como se forma e

como se reconhece o valor das experiências, além de tomar consciência de como esses

processos vão se constituindo ao longo da vida profissional. É caminhar para si, um processo

de autoconhecimento, como afirma Josso (2004):

O processo do caminhar para si apresenta-se, assim, como um projeto a ser

construído no decorrer de uma vida, cuja atualização consciente passa, em

primeiro lugar, pelo projeto de conhecimento daquilo que somos, pensamos,

fazemos, valorizamos e desejamos na nossa relação conosco, com os outros

e com o ambiente humano e natural. (JOSSO, 2004, p. 59)

O “caminhar para si” foi vivenciado no processo da pesquisa como um momento

reflexivo também para a pesquisadora, quanto ao respeito às narrativas das histórias de vidas

das artesãs, que trazem significados expressivos de uma caminhada de superação, de

dificuldades familiares, de formas de organização, como mulheres, para ter um ofício, para ter

uma atividade com o artesanato. É um exercício de autorreflexão por se permitir entender que

há uma história que pode ser relatada através de uma pesquisa para contribuir com a formação

de adultos, de mulheres, de artesãs.

3.2 O contexto histórico e social das artesãs em sua trajetória de formação

Estudar a trajetória de formação de mulheres no curso técnico em artesanato tem

possibilitado refletir sobre várias dimensões da arte popular e do feminismo, do currículo

integrado e da educação de adultos, das políticas públicas e da profissionalização. São eixos

que se entrelaçam, de tal sorte que a pesquisa nos permite demonstrar a relevância dos

processos formativos no âmbito escolar, além da profissionalização e da articulação

promovidas em várias áreas do conhecimento, por criar espaços que justificam a importância

do processo escolar.

Pensar a formação a partir das reflexões de Pierre Dominicé (2010), de seu interesse

de pesquisa nas histórias de vida como instrumento de investigação-formação, considerando

que: “A Educação dos adultos, tomada no sentido lato de um campo diversificado de práticas

79

dirigidas a populações de idade pós-escolar, foi objeto de poucos trabalhos de investigação

[...]” (p. 194).

É relevante compreender os sentidos que a formação profissionalizante trouxe à vida

das artesãs, através do relato de suas narrativas, entrelaçadas em processos autoformadores,

com subsídios para reflexões de metodologias pedagógicas para a educação popular no campo

escolar da educação de adultos e no âmbito da educação profissional, enquanto um curso de

natureza profissionalizante.

São narrativas que, além das experiências das artesãs, retratam a condição de

mulheres, donas de casa, mães, mantenedoras do lar e da educação dos/as filhos/as, e que

estão no anonimato do processo de produção e criação artesanal. São relações diferentes que

se entrelaçam em contextos diferenciados e sem visibilidade:

Em cambio, al llmarlo arte popular se busca reivindicar su caráter diferente,

porque es diferente su origen social, como también su processo de creación,

su distribuicion y su consumo; aunque las funciones a veces san similares a

las de las bellas artes, es decir, unicamente proporcionar goce o placer al

contemplarlo. De modo que la clase social de las personas que elaboran el

arte popular tiende a ser más baja que la de las dedicadas a las artes

visuales de élite; en general, no realizan estudios formales em academias y

el aprendizaje se da com frecuencia entre familiares, se transmite de padres

o madres a hijas/os; su distribución es em mercados y tiendas, no tanto em

galerías – aunque todas las personas que crean pueden vender su arte al

público diretamente (BARTRA; ELIAS, 2015, p. 22)

A complexidade que envolve a cultura artesanal, a identidade local, as experiências

significativas que, ao serem reconhecidas e valorizadas, trazem outras formas de pensar o

currículo e o processo escolar para a educação de adultos, em especial para mulheres artesãs:

A questão básica por trás de qualquer planejamento ou proposta curricular é

sempre quais experiências educacionais vale a pena proporcionar em nossas

instituições educacionais. No entanto, essa pergunta e a forma na qual nos

propomos a respondê-las estão cheias de questões implícitas, de

pressupostos que operam em nosso pensamento sobre como são esses

lugares que chamamos de instituições educacionais e como elas realizam

suas atividades. (DOMINGO, 2013, p. 459)

Alguns significados advêm dessa compreensão, o enfrentamento na vida social das

mulheres artesãs e que consequentemente trouxeram mudanças nos âmbitos profissional e

social, nos quais buscamos compreender suas narrativas: 1) as trajetórias de vida e os fios

que entrelaçam o artesanato; 2) o artesanato como ofício e o processo de criação

artesanal; 3) impactos do processo da aprendizagem no percurso da formação, o

itinerário formativo: da profissionalização à vida social. Que serão analisados.

80

3.2 1 As trajetórias de vida e os fios que entrelaçam ao artesanato

Foram muitos os desafios no início do curso, tanto para os docentes quanto para as

artesãs. Também para a pesquisadora, a sensibilidade para fazer a investigação de um curso

que nascia lado a lado com a pesquisa, relações muito imbricadas entre os envolvidos.

Vivenciar a implantação da proposta do curso à medida que acompanhava os movimentos

iniciais que se deram na organização curricular, o que possibilitou conhecer as expectativas

iniciais, as incertezas e os “medos” das artesãs de voltar a estudar, o receio de não conseguir

acompanhar as disciplinas. Além do mais, os sentidos que a dinâmica do curso trazia para a

prática docente, os receios e dúvidas por trabalhar com adultos, planejar e (re)planejar as

atividades de sala de aula, a falta de livro didático que atendesse a proposta do curso foram

algumas das questões dignamente enfrentadas. Essa convivência durou meses de pesquisa

para o mestrado (2010), possibilitando estabelecer uma relação de confiança e harmonia entre

as artesãs e os docentes.

Ao retornar nesse outro momento, uma nova pesquisa, agora noutro estágio,

reencontrar as alunas, não mais nas salas de aula do IFAL, porém. Encontrar as artesãs, todas

egressas, ouvir as narrativas de suas histórias de vida. Ao pensar no então projeto da tese,

elaboramos várias hipóteses sobre onde e como estariam as egressas após a profissionalização,

que perspectivas profissionais o curso ofertou à vida dessas mulheres após a superação dos

desafios de retornar à escola e concluir mais uma etapa profissional.

A expectativa de reencontrá-las e saber qual seria a receptividade dessas mulheres

para fazer parte de outra pesquisa. Não nos referimos ao sentido de haver ou não

disponibilidade, do acesso às artesãs, mas sim, sobretudo, de encontrá-las receptivas, abertas

para falar de suas experiências de vida, dos conhecimentos que adquiriram nos seus ofícios,

dos (des)encontros da sua formação, da inserção profissional como artesãs após a

profissionalização e de seus projetos de vida.

Onde e como estariam após a conclusão do curso? Houve a superação dos “medos” de

não concluir o curso, sabendo que nem todas o concluíram? A expectativa para ouvi-las, não

apenas para confirmar ou negar suas trajetórias, mas sobretudo contribuir para validar suas

experiências, o reconhecimento da formação para mulheres, valorizar a arte popular que

produzem, reconhecer um curso que trabalha a complexidade da formação de adultos.

Foram vários agendamentos para nos encontrarmos, para possibilitar o resgate de

histórias de vida singulares, que envolvem fios que tecem toda uma trajetória de formação de

mulheres que, na fase adulta, buscam o reconhecimento de um trabalho por viverem no

81

anonimato da cultura local, como também a autoafirmação econômica com a arte de um

trabalho que possui uma tradição cultural e que ainda não é o suficiente para a sobrevivência

econômica. Em Alagoas, apesar de estarmos na segunda posição do país em artesãos/as

cadastrados, trabalha-se para a arte, mas não se consegue viver exclusivamente da arte quando

não se tem um nome consagrado no mercado artesanal.

Diante dessa apresentação de pesquisar a formação, baseamo-nos na proposta de

Nóvoa (2010) para fundamentar a metodologia que investiga a formação de adultos, que

discute o tempo da formação, dissociado do tempo da ação. São possibilidades de construir

uma proposta que permita refletir sobre os sentidos da formação no processo da ação.

A Abordagem biográfica reforça o princípio segundo o qual é sempre a

pessoa que se forma e forma-se à medida que elabora uma compreensão

sobre seu percurso de vida: a implantação do sujeito no seu próprio processo

de formação torna-se assim inevitável. Desse modo, a abordagem

biográfica deve ser entendida como uma tentativa de encontrar uma

estratégia que permita ao indivíduo-sujeito tornar-se ator do seu processo de

formação, por meio da apropriação retrospectiva do seu percurso de vida

(NÓVOA, 2010, p.168).

A importância de um curso que dialogue com seus atores sociais e com a

complexidade de saberes que trazem vários sentidos à aprendizagem. É um trabalho

complexo, pois desmonta metodologias tradicionais, hegemônicas, e desafia os docentes a

encontrar propostas pedagógicas. Além disso, desafia a instituição a trabalhar a diversidade, a

pensar em projetos voltados para a identidade dos seus atores sociais.

As entrevistas foram envolvidas pelo brilho dos olhos das artesãs quando narravam

suas lembranças com trabalho artesanal, suas histórias construídas com dificuldade para

manter a sobrevivência econômica familiar. Suas falas revelavam como se deram as

descobertas de suas habilidades para o fazer artesanal, os vínculos que vinham da avó, da

mãe, das tias, como os conhecimentos vieram de uma geração familiar.

Como pesquisadora, foi possível perceber a importância que o artesanato na vida

dessas mulheres, através de seus depoimentos, e resgatar como se deu essa origem:

Antes eu trabalhava numa boutique, trabalhei três anos. Ai, fui demitida

porque, na época de 92, quem tivesse muitos anos de trabalho eles botavam

para fora para não pagar os impostos, então procurei trabalho e não

consegui. Então comecei a pegar os retalhos de tecido e tentar fazer bonecos

de pano. Consegui fazer uma bonequinha, estava assim “meio feinha”, mas

mesmo assim fui fazendo. Coloquei uma estantezinha na sala, na casa onde

eu morava, abri a janela, tinha medo de abrir as portas para alguma coisa não

acontecer, e as pessoas passavam, ficava olhando as bonecas que eu fazia

pela janela. Ai eu abria a porta, elas entravam, escolhiam as bonecas e

82

compravam. Aquilo foi me dando autoestima e eu comecei a fazer bonecas e

não parei mais (PAULA, 2014).

Pesquisadora: como você aprendeu a fazer as bonecas de pano?

Foi por mim mesmo, eu pegava um jornal, fazia o modelo no papel para não

perder o tecido, pois estava desempregada e não tinha como comprar tecido,

e minha mãe, ela trabalhava com costura, então aqueles retalhos que ela não

utilizava mais eu aproveitava para fazer (PAULA, 2014).

Há também uma relação que se estabeleceu como necessidade de superação de

conflitos familiares, e o artesanato significou para ela uma possibilidade de recuperar sua

autoestima e buscar firmar-se economicamente com suas habilidades manuais.

Foi devido ao fracasso no meu casamento. Fiquei muito deprimida e

comecei a procurar curso, não precisava do curso, assim da técnica do

crochê, do tricô, da aplicação, decoração, porque eu já sabia. Tive que cair

em campo como mulher para assumir meus filhos. Então fui procurar cursos,

tirar carteira de artesã. Pensei que precisava fazer curso, mas não, só a minha

experiência. Então fui adquirir a lojinha aqui, no mercado de artesanato e

cair em campo. Depois fui fazer o curso do IFAL, fiz a entrevista, e passei.

Afinal, foram 03 anos de batalha, de sair, e cada vez mais o curso me atraía

(ROSA, 2014).

Comecei nessa história, porque não tinha condições e melhorar minha renda

familiar. Não tinha condições, tendo filhos, filhos, não trabalhava em canto

nenhum. Eu nunca fui mulher para ficar quieta esperando que os outros me

dessem as coisas para minha sobrevivência. Com isso fui fazendo algo para

aumentar a renda familiar e sustentar minha família. Acho que está no

sangue, minha mãe era bordadeira, minha avó costurava e bordava também

(ANGÉLICA, 2014).

Os vínculos com o artesanato vêm de uma relação familiar, a questão de gênero

demarcada fortemente no contexto artesanal, a luta por um espaço na sociedade como

mulheres produtivas, capazes de superar desigualdades sociais. Um vínculo que se constrói

como uma forma de superação de mulher que exerce apenas afazeres ligados ao mundo

doméstico.

[...] de certa forma eu sempre gostei das manualidades, então eu gostava de

customizar as roupas, achava o máximo. Ganhava as roupas das senhoras e

para ficar do meu porte tinha que recortar, tinha que botar fitilhos, tinha que

botar um monte de coisas e quem fazia era eu, então minha mãe só me

ensinou algumas coisas de costura. E aí, fui fazendo isso e fui me

identificando com manualidades, colagem, costuras e bordados. Então, tinha

uma senhora que era da prefeitura que ensinava gratuitamente, mas eu nunca

conseguia vagas porque era distância da minha casa e quando eu chegava já

estava completa a turma. Aí, eu sentava junto para ver como ela ensinava o

bordado. Chegava em casa e refazia todo bordado. Minha mãe também

ensinava bordado, minha avó, então foi uma coisa assim, que foi crescendo.

Então, não se tinha como artesanato, tinha aquelas meninas que tinham que

83

aprender a bordar, costurar, porque ia ser dona de casa e ela precisava saber

cozinhar e tudo, veio assim (CARMEM, 2014).

Carmem considera que a identidade cultural é algo que já tinha antes do curso, e que

este possibilitou ampliar o conhecimento sobre a cultura, sendo importante como diferencial

no artesanato: a identidade local, a regionalidade, a cultura do estado. É um vínculo que traz a

afetividade, não é algo que se rompe por uma relação para atender o mercado; existe, de fato,

uma identidade vinculada à afetividade, a uma tradição. "A relação com a cultura vem antes

do curso. Sempre gostei muito de cultura. Sempre gostei de ver o que vem da geração de

minha avó. Isso é de família mesmo (CARMEM, 2014)".

Aqui há uma relação de onde vieram os vínculos da tradição cultural, quais

afetividades são estabelecidas, quais não se rompem e se há como compreender a importância

trazida ao processo artesanal. "O curso disse assim: você pode usar a cultura na arte, você

pode usar o que você acha interessante, único, na sua arte. O curso fez essa ligação, o

conhecimento que eu tinha podia ser utilizado (CARMEM, 2014)".

À medida que ouvia o relato dos depoimentos, foi possível tecer reflexões sobre como

o artesanato trouxe marcas de relações afetivas, a busca da autonomia das mulheres através de

seus ofícios para além de ocupações domésticas como forma de construir sua identidade, que

Bartra; Elias, 2015, nos permite compreender:

Tan importante es saber a que classe social pertencen los sujetos creadores

como su género. Tener conocimiento de lo que las mujeres han creado y

crean hoy em día ayuda sustancialmente a entender mejor al grupo social;

saber em qué medida su processo de criación es igual o diferente al de los

hombres puede contribuir tanto a la formacin de una identidade feminina

más integral como a cambiar las condiciones de su existência, em la

identidade feminina más integral como a cambiar las condiciones de su

existência, em la medida en que revolarar el trabajo creativo feminino

significa la recuperacion de uma história ignorada y el reconhecimiento de

una parte de la cultura presente les es própia (BARTRA; ELIAS, 2015, p 23)

O fio condutor que une a relação ao artesanato tem pontos de singularidade entre suas

histórias de vida; o artesanato entra na vida dessas mulheres como alternativa de

sobrevivência econômica, desempregadas que estão e sem uma qualificação profissional que

dê condições para a competitividade do mundo do trabalho.

A busca por um trabalho que garantisse a sobrevivência econômica foi o ponto

motivador que revelou as habilidades manuais e os vínculos que trazem da família (costureira,

bordadeira, entre outros). Vínculos que trazem sentidos afetivos e que não são rompidos.

84

Seus depoimentos resgatam como essa relação e o orgulho de suas experiências foram sendo

construídos.

3.2.2 O artesanato como ofício e o processo de criação artesanal

Eu sou uma artesã, sabe por quê? Porque eu não preciso “está” copiando, o

que vem na minha mente eu consigo desenvolver. Assim, (explica): uma

senhora me pediu para fazer um boneco grande, só que ela queria um

dentista (com um pau enfiado por dentro) porque o filho dela ia se formar

para odontologia e ela queria aparecer quando ele fosse receber o diploma,

ela queria aparecer com o boneco representando ele. E eu consegui fazer.

Então eu me considero uma artesã. Por que o povo traz no papel para eu

desenvolver aquela peça eu consigo desenvolver, por isso que eu me

considero uma artesã. (PAULA, 2014)

Foi um momento da entrevista em que a artesã trouxe muita ênfase à narrativa, quando

falou de seu trabalho, de sua técnica, e quando indaguei o que a fazia afirmar que era uma

artesã. Fala das dificuldades familiares, que a fizeram ficar muito tempo fora da sala de aula;

até tentou seguir com o Telecurso, mas “não se sentia feliz”, o curso era muito rápido e se

sentia muito fraca nos estudos. Já “através do IFAL eu me senti mais segura” (PAULA,

2014).

Em outros momentos da entrevista, foi possível perceber a compreensão das artesãs

sobre a cultura, a regionalidade, a identidade cultural no processo de criação artesanal,

considerando a importância da dimensão de um trabalho de autoria dialogando com a cultura

local, o que poderia representar um diferencial no trabalho que desenvolvem.

Eu gosto de fazer que alguém sempre identifique a cultura, mesmo que não

entendesse antes, e vejo que meu traço é diferente, como a gente ver no

desenho, o meu traço está ali, identificado. O meu bordado pode alguém

fazer parecido, mas eu tento fazer a diferenciação, eu dou um ponto a mais,

umas três voltas a mais, sempre tento fazer algo mais, com mais esmero,

mais cuidado. Alguém diz assim: ah, é artesanato, vou fazer de qualquer

jeito, picota assim, e amarra assim e é artesanato. Que não seja

industrializado, mas que tenha mais qualidade. (CARMEM, 2014).

A satisfação que o artesanato traz para a vida profissional dessas mulheres é algo

revelador e está muito imbricado e se fortalece com a formação do curso:

Ah, Isso até me emociona em falar, não quero saber mais de outra profissão.

Eu sou professora, o meu diploma tá lá, até eu morrer, mas não quero

exercer. Eu quero é exercer o artesanato, porque é muito bom, é uma terapia

que você faz quando você coloca lá o seu amor, o seu carinho nos produtos

que está fazendo, tem que ter certo carinho, tem que ter o planejamento,

85

começa a pensar, vai planejar e o pensamento voa. Surgem cores, a natureza

abastece isso, então nós partimos para quê? Para o esboço, para planejar, aí

vai desenvolvendo com certo carinho até chegar o quê? As vitrines, você não

vai colocar o produto de qualquer jeito, e fazer o diferente (ROSA, 2014)

Como elas percebem os efeitos da formação na prática profissional, no cotidiano do

trabalho artesanal, e a importância desses conhecimentos para o exercício de saber planejar,

executar o produto, mas sobretudo como esses conhecimentos trouxeram significados para a

vida dessas mulheres, autonomia para criar e defender os produtos na competitividade do

mercado:

Ele me deu chance de cair no mercado, que é o que mais eu queria que é a

comercialização. Eu estragava muita linha, estragava muito material, a partir

do curso eu não gasto um pedacinho de material, eu aproveito tudo. Quando

eu trabalhava, que cortava, aprendi, aprendi a apanhar todos os fiozinhos e

guardá-los porque ali vai me servi, é o reaproveitamento de material. Foi

muito bom, muito bom (enfatiza) Aprendi obre as cores, a qualidade do

produto, a comercialização. [...] Eu não tinha voz, a voz que eu queria falar

chegava até aqui e voltava. Hoje eu sou um “papagaio” porque falo, eu quero

mesmo falar, porque falo com conhecimento, porque quando a gente tá numa

área que tem conhecimento é tudo, sabia? É tudo nessa vida. (ROSA, 2014).

Sobre planejar, elaborar, como o curso contribuiu nesse fazer prático do processo de

pensar a peça e quais resultados esse conhecimento trouxe para a prática profissional?

Quando vim para o PROEJA, eu aprendi: pensar e organizar todo o meu

pensamento, colocar no papel, fazer pesquisas e pesquisas de cores e tudo. E

aí eu disse: isso demora muito tempo, mas aí quando a gente vai praticando,

vai vendo que esse tempo é suficiente. É o que tinha que ser feito para que a

peça ficasse muito mais bonita. Então, não tenho gasto de material, perdi

dinheiro e todo esse trabalho, mesmo que demorado, mais quando vou fazer

o croqui, vou fazer toda a peça, nesse pensar é que vou ver. E, quando vou

para a peça, já está tudo esquematizado. (CARMEM 3, 2014)

Há identificação no trabalho dessas mulheres para ser um diferencial na

competitividade do mercado artesanal, considerando que a maioria delas não tem um espaço

com condição de inserir-se no artesanato de Alagoas; muitas enxergaram no curso uma

possibilidade de ter mais autonomia profissional, uma melhor inserção na competitividade do

mercado artesanal. Como discute Barta; Elías (2015): “trata-se de um arte sin nombre, porque

su criación se piensa como anônima, com excepción del realizado por las y los grandes

maestros que tienen nombre próprio y rosto” (p. 22).

86

Eu gosto de fazer que alguém sempre identifique a cultura, mesmo que não

entendesse antes, e vejo que meu traço é diferente, como a gente ver no

desenho, o meu traço está ali, identificado. O meu bordado pode alguém

fazer parecido, mas eu tento fazer a diferenciação, eu dou um ponto a mais,

umas três voltas a mais, sempre tento fazer algo mais, com mais esmero,

mais cuidado. Alguém diz assim: ah, é artesanato, vou fazer de qualquer

jeito, picota assim, e amarra assim e é artesanato. Que não seja

industrializado, mas que tenha mais qualidade (CARMEM, 2014)

Eu digo muito que o artesanato são produtos da sua região, é uma identidade

que nós temos na verdade desde a infância. Porque eu trabalho muito com a

cultura popular. Sou alagoana, desde pequena moro em Maceió. Sou

discípula do Mestre Pedro Teixeira, Mestra Áurea (que faleceu

recentemente), sou admiradora de Renilson França. São essas pessoas que

convivi. Artesanato é isso, são produtos de sua região, produto que identifica

sua localidade, sua regionalidade. Isso eu tenho desde pequena

(ANGÉLICA, 2014)

E percebem que o trabalho que realiza tem um diferencial, pois trazem na peça que

criam a sua identidade cultural.

3.2.3 Os impactos do processo da formação: da profissionalização ao mercado artesanal.

Faz-se necessário conhecer como se deram as dificuldades e como elas foram

superadas nas condições de estrutura do curso, além das implicações que refletiram no curso,

segundo a ótica das artesãs:

A ausência de um laboratório para o curso:

Eu acredito que na questão física. O PROEJA precisava de um lugar, de um

laboratório, onde a gente pudesse fazer as pesquisas, que a gente pudesse ver

se os produtos davam certo, de fazer algumas experiências. Então acho que

isso falhou muito, pois era só quadro, mesa, e acho que a gente precisava de

algo para gente mexer. Apesar da gente trazer o material para fazer em sala,

nós não tínhamos um ambiente adequado para aprender. Como em design

tem a sala de plástica, e a gente se sente bem ali, de fazer o material, de

cortar e tudo, e que o PROEJA não tinha (CARMEM, 2014).

A necessidade de um/a mestre artesão/ã no quadro docente para o curso:

Eu acho assim, o curso ficou a desejar para mim a parte prática, pois todo o

curso de artesanato deveria ter um mestre artesão. O curso tem professores,

tem um nível muito alto de conhecimento, mas tem muita coisa que eles não

sabem. Posso até dá um exemplo: trabalhar com palha, cipó, e tinha

professor que não sabia, não conhecia a matéria-prima. Eu fiz até um

mostruário, com pedacinho de cada fibra falando dos tipos, onde

encontravam. Tem outra coisa, eles exigem metodologia cientifica essas

pessoas não tinham condições de trabalhar metodologia científica, eles não

87

deram metodologia científica, como podiam exigir? Agora esse ano, uma

aluna minha estava passando por isso mesmo no curso (ANGÉLICA, 2014)

A falta de professores no curso:

A falta de professores no final do curso, os professores eram engajados com

o curso, mas, no final, nós percebemos a ausência de professores, suas faltas

nos prejudicaram. [...]. (ROSA, 2014)

A sazonalidade da venda artesanal:

É meio complicado aqui em Alagoas, inclusive a gente pediu feiras, eventos

que acontecesse. A alta temporada é maravilhosa, a gente está no Café com

Arte, tá no shopping, os eventos agora estão colocando o artesanato. Essa

administração da prefeitura de Maceió, não digo a do estado, eles estão

colocando o artesão/ã em todos os eventos, no domingo na praia da Ponta

Verde, estão abrindo espaço para o artesão, para o artesanato.

Periodicamente sim, mas a gente não queira que seja só fase de alta

temporada queria um espaço permanente que não tem (ANGÉLICA, 2014).

De dezembro até o mês de março é bonzinho, porque são os meses

considerados de alta temporada, vem muito turista. Depois de março vai

caindo, caindo e tem dia que não vende um real. Isso atrapalha muito?

Demais, só viver do artesanato não dá. E dá sim, se você tiver assim,

conhecimentos que você leve os produtos e vá oferecendo, se não for assim,

não dá não (PAULA, 2014).

A baixa temporada dificulta muito as nossas vidas. Agora estamos vivendo a

alta temporada. O tempo agora tá mudando muito, antes começava em

novembro, agora está começando em outubro ou setembro. Hoje a gente

trabalha com uma planilha: café com artesanato nos hotéis, que vai até 31 de

janeiro, mas já soube que vai até Abril e maio. Depois, quando acaba, nós

vamos sentar e trabalhar como formiguinhas na cooperativa (CARMEM,

2014)

Falta de apoio dos órgãos públicos para com as artesãs e o artesanato:

Acho que falta dos órgãos públicos que faça divulgação. O artesão não tem

divulgação dos produtos dele, de ir para fora. Não tem um espaço para que

divulgue para fora. Se tivesse um espaço para ir para fora, para gente

divulgar. Aqui a gente não tem (PAULA, 2014)

Gestão pública. O entrave hoje é isso, Gestão pública. Você chega na

feirinha de artesanato na Pajuçara, se encontrar cinco artesãos/ãs produtor é

muito, a maioria são atravessadores, a maioria daqueles produtos não é

nosso. Vem de fora: Caruaru, Fortaleza e aí por diante (ANGELICA, 2014).

Gestão pública para o artesanato:

Tornei a dizer essa semana na diretoria do PAB. Porque assim, você não tem

que trabalhar não só com o artesão/â que já tem nome, você tem que

trabalhar com artesão que não teve sua vez de mostrar seu produto. E isso é

o que está faltando, uma forma diferenciada de olhar os artesão/ãs, porque só

88

tem chance de participar de feiras, de encontros, de tudo isso, aquele

artesão/artesã que tem seu nome feito. [...] A minha briga maior é para dá

espaço realmente para os artesão/ã produtor/a, e dá vez também a eles/as

exporem em vários cantos como os outros têm. Pois, para o que já tem nome

não precisa ninguém está levando, pois eles já são convidados. Agente

precisa que o PAB seja para apoiar o artesão/ã produtor/a e não os

atravessadores (ANGÉLICA, 2014).

Há as dificuldades para formar cooperativas e associações, que estão fortemente

vinculadas a quem vai assumir os encargos, e não ao trabalho de um grupo que divide

despesas, que trabalha em conjunto, que se lança no mercado artesanal como grupo e trabalha

com o coletivo. Eis narrativas com duas experiências:

As despesas são muito altas, vêm os impostos, você precisa para você abrir

uma associação tem que ter advogado, tem que contador, aí vem aluguel de

sede, vem tudo isso. E tudo isso são custos para o artesão/ã. O/a artesão/ã

hoje não sobrevive com sua arte (ANGÉLICA, 2014).

Aqui mesmo, não tem divulgação [o mercado de artesanato], a maioria

acomodou, aqui está totalmente comércio, muitos são aposentados federais,

o artesão não quer mais sentar para trabalhar, por quê? Individual, duas

mãozinhas. Eles não entendem o que é trabalhar em grupo, o mais difícil é

partilha. (ROSA, 2014)

Nas duas experiências, apesar de haver posições diferenciadas sobre cooperativa, está

contida a realidade perversa dos/as artesãos/ãs em Alagoas que trabalham individualmente,

sem visibilidade. Buscam, na profissionalização do artesanato, possibilidades, brechas para

sair dessa invisibilidade, sair da atividade do mundo doméstico, como mulheres do lar. É o

desejo de não mais ter o artesanato como complemento de renda, mas sim como trabalho que

lhes traga a independência financeira, a autonomia. A artesã Rosa afirma que o/a artesão/a

não quer mais trabalhar e faz à crítica, eles/elas estão trabalhando no individual – duas

mãozinhas, porque não entendem o que é um trabalho coletivo, um trabalho de grupo, e

reafirma por vivenciar hoje um trabalho em cooperativa, que o sentido de grupo é o sentido de

PARTILHA.

Não se trata, portanto, de uma questão simples de orientações para formar

cooperativas, mas pensar em possibilitar as artesã pesquisar sobre, vivenciar o que representa

um trabalho coletivo, promover na escola o debate. Uma pesquisa de Ergget (2008) sobre

artesãs em cooperativas de tecelagens nos permite entender as experiências dessas mulheres:

[...] As brechas conquistadas para a saída do mundo doméstico tiveram na

docência e na pobreza formas diferentes de fazer com que as mulheres

ocupassem postos de trabalho relacionados com os afazeres domésticos e, de

preferência perto das suas casas. A proximidade ao lar auxiliava no controle

89

das lides domésticas. Assim como muitas professoras lecionam apenas num

turno para que no outro possam realizar as tarefas domésticas, as tecelãs

optam por trabalhos em cooperativas de trabalho artesanal próximo das suas

casas a fim de cuidarem melhor dos seus filhos e filhas. Trabalhos

invisíveis, criações invisíveis e imaginários imperceptíveis sobre essas

ações. Não há tempo para pensar sobre essas atividades. Elas se descolam do

dia a dia dando a impressão de que nada foi feito. A não ser o salário no final

do mês que lembra a precariedade dos trabalhos que se instalam como

alternativa de “auxilio” no orçamento que na maior parte das vezes passa a

ser a base principal da economia doméstica quando elas são chefe de família

(ERGGET, 2008, p.11, grifo nosso).

Essas falas são importantes para que possamos compreender os obstáculos vivenciados

por essas mulheres, pois evidenciam a necessidade de pensar sobre essas questões de forma

institucional, política e mercadológica. É preciso considerar que foi a primeira experiência da

primeira turma, que de certa forma vivenciou todos os impactos que geralmente acometem os

pioneiros, aqueles que estão na linha de frente.

Há contribuições também por serem os primeiros, mas muitas vezes os limites que se

enfrentam não são transponíveis por não haver o tempo necessário às mudanças, que não

dependem exclusivamente de uma definição da equipe pedagógica, ou do docente, mas

envolvem definições institucionais.

A pesquisa foi revelando as semelhanças nos depoimentos das artes, quanto o curso

trouxe mudanças em sua forma de pensar e criar o artesanato, formas de organizar e expor

seus produtos, de modo que vão trazendo seus sonhos, o desejo de mudanças que se deu

durante todo o processo.

Mudou-se a forma de apresentar a loja de artesanato, o espaço que expõe seu trabalho,

que comercializa e que possibilita viver do seu trabalho, de ter reconhecimento pelo que

produz e a luta pela independência econômica:

Porque antes ela era uma loja feiaaaa (enfatiza), horrível, horrível (repete

com ênfase). E hoje ela está linda. Está mesmo, linda, afirmo. Porque antes

eu não tinha esse diferencial que tenho hoje. Pra eu deixar ela assim, eu

estudei a cor da parede, os móveis, porque eu queria uma coisa que, quando

eu colocasse as minhas peças, ela chamasse a atenção do cliente, e hoje eu

sei que chama. Por que você considera que sua loja era tão feia? (indago).

Horrível, horrível, horrível. Porque eu colocava umas tábuas. Não tinha

aquela atenção do cliente. Era umas tábuas, uma mesa aqui na frente, e hoje

não, é tudo só estantes que chamam a atenção do cliente (PAULA, 2014)

O curso possibilitou o crescimento pessoal, trabalhou a autoestima dessas mulheres,

mudanças que se deram no processo artesanal, na apresentação do produto. No entanto, as

dificuldades que enfrentam na relação com o mercado, por atuarem de forma individual, a

90

maneira que produz e como produz, têm um diferencial quando se organizam de forma

coletiva. É o depoimento de quem atua em cooperativa:

É tanta coisa, o meu crescimento, através do meu conhecimento, quando

associou a parte científica, vi que era totalmente necessária à artesã. Um

precisa do outro. Aprendi muita coisa. (ROSA, 2014)

Para mim fez muita diferença. Qualquer peça que faço, quando eu mostro, a

pessoa diz: eu quero, que coisa linda, não tenho dinheiro agora, mas eu

quero. Diferença de quando você aborda a pessoa de uma situação e de outra

situação. Não tenho peças paradas. Encontrei uma colega do curso, disse já

tirei tudo, destruí tudo, não vendi. Diferente de mim, porque eu chego lá e

querem. Não tem como ficar parada (CARMEM, 2014).

Das 10 artesãs que responderam ao questionário, foi possível trazer as seguintes

análises: a) apenas quatro artesãs estão hoje em dia envolvidas diretamente com o artesanato;

apesar de terem loja, não conseguem a autonomia econômica para viver exclusivamente do

artesanato, necessitando de outra atividade profissional; b) as demais trabalham quando existe

encomenda, ou se enquadram no período da sazonalidade, que está ligado ao fluxo turístico, e

fazem as vendas no porta a porta, ou mesmo quando conseguem espaços em feira ou

exposição de artesanato; c) atuam de forma individual e sentem-se fragilizadas para enfrentar

o mercado artesanal sem a condição econômica de investir na produção, apenas 01 tem

vinculo com associação.

Percebe-se que, com essa realidade competitiva do mercado artesanal, sem um projeto

de gestão para pensar em grupo, as mulheres não consegue enfrentar de forma individual a

perversa competitividade, a competição com os comerciantes atravessadores, em função da

ausência de uma política de incentivo às artesãs que não tem espaços de comercialização.

91

CAPÍTULO IV – TENSIONAMENTO DO CURRÍCULO AO PROCESSO DE

CRIAÇÃO: REFLEXÕES DOCENTES

Para discutir as dimensões da formação de mulheres artesãs nesse curso, faremos uma

analogia de pensar as relações que se constroem na escola e em especial nas relações que se

deram nesse currículo a partir de um tear onde se trabalham as tramas do filé10, sem pensar

nesse momento qual é a forma desse tear, mas sim sobre suas múltiplas possibilidades de

criação. É um instrumento que tem como base dois elementos: a rede de pesca e um tear de

madeira, com os quais as belas tramas do filé são elaboradas.

Figura 07: A singeleza do bordado filé

Fonte: http://neideartesa.com.br/info/

Pensar sobre as tramas que envolvem o filé e que relação tem com a escola, uma

dinâmica que envolve a formação dessas mulheres, as tramas interdisciplinares do currículo

para produzir conhecimento, o planejamento para a inserção, a busca da autonomia

10 Filé: Bordado feito em tear, um dos ícones da cultura e do artesanato alagoano. Segundo o SEBRAE, o filé já

é reconhecido com Patrimônio Imaterial do Estado, e está em fase de um reconhecimento a conquista do selo de

Indicação Geográfica (IG) do Bordado Filé, ou seja, a certificação indica a procedência, a local da origem da

produção, consequentemente a referência da identidade da cultura local (SEBRAE, 2015).

Um tear e as habilidades das mãos que permitem que as linhas se cruzem

numa ordem graciosa de composição de cores para compor um arranjo

singular.

92

econômica para se manterem no mercado artesanal, pensar em formas de organização dentro

do coletivo, tudo é um desafio nesta pesquisa.

4.1 O diálogo de saberes e práticas para o processo de criação e produção artesanal

Para realizar o movimento da trama no filé, as mãos e os fios, numa integração e

sintonia harmoniosa para preencher cada cantinho desse tear a partir do que foi planejado

enquanto criação por essas artesãs, com suas idas e vindas, une-se, fazendo a composição das

cores, no ritmo silencioso do tear para criar as formas. Por isso é necessária uma interação

entre a ação, o fazer, o pensar, para compreender a dinâmica desse processo artesanal.

Um processo de criação que envolve muitas definições para a criação e elaboração das

figuras geométricas11 que são desenvolvidas em várias etapas interligadas. Na escolha e/ou

opção de qual peça será trabalhada, define-se a escolha do tear para saber o tamanho da rede

que será adequada ao tear. Em seguida a escolha das linhas para a composição das cores

harmoniosa que vai colorindo e dando forma com seus movimentos, preenchendo a rede do

tear e elaborando as figuras geométricas, que compõem a peça artesanal do filé.

E, ao final desse processo, tem início o matame, que é a fase de acabamento do

trabalho para a montagem final, para posteriormente a peça ir para pré-lavagem, para engomar

o produto final para sua melhor apresentação e exposição para a venda do produto.

Nesse contexto, para nos fundamentar sobre a “relação das mãos com o tear”,

podemos trazer Vázquez (2011) com a “Grandeza e Decadência das Mãos”, que considero

um poema pela sua sutileza e a forma como descreve a importância das mãos para a criação,

para arte. Apesar da linguagem trazer o homem como referência, ressaltamos que nessa

relação com as mãos existe a produção cultural das mulheres artesãs, que precisa também ser

visibilizada. Com as mãos, o homem e a mulher aprenderam a vencer a resistência das coisas.

Com as mãos o homem aprendeu a vencer a resistência das coisas, e com

elas começou a dominá-las. Com as mãos, o homem começou a imprimir sua

marca na natureza, e seu uso, como primeiro instrumento ou ferramenta, já

mostra também a existência de uma relação propriamente humana entre o

homem e as coisas. As mãos não só formam, vencendo a resistência das

coisas, como também tocam, exploram e, desse modo, por seu contanto com

elas, as coisas adquirem um significado humano. Porém, as mãos não só

estabelecem uma relação peculiar entre o homem e as coisas, mas também

11 A técnica do filé consiste em bordado com figuras geométricas que é trabalhado em uma rede de pesca presa a

um tear de madeira. Diferente de outros tipos de rendas, o filé não depende de riscos, o preenchimento é

realizado pela tradição e habilidade das filezeiras.

93

entre os próprios homens. Acariciam ou aproximam os homens no aperto de

mãos; mas os homens não só se acariciam ou cumprimentam, como também

brigam, isto é, expressam de um modo sensível e concreto as relações

humanas, sejam entre indivíduos ou entre grupos sociais. Essa capacidade da

mão de demonstrar os sentimentos mais opostos tem como base sua estreita

vinculação com a consciência (VAZQUEZ, 2011, p. 287).

Ao trazer essa analogia sobre o tear, trazendo na figura 07 para pensar na dinâmica da

instituição escola, da ação pedagógica, das causas da invasão, os impactos da formação, e

consequentemente, a inserção no mercado artesanal. Assim como esse tear, existe toda uma

dinâmica que exige que cada um desses elementos estejam articulados e entrelaçados para

compreensão do processo, das dificuldades, para buscar propostas que atendam a organização

pedagógica, ao currículo, ao trabalho docente, aos seus atores sociais.

Ampliamos o caminho metodológico da pesquisa, além das histórias de vida das

artesãs, de suas narrativas, buscamos trazer a reflexão docentes para possibilitar refletir sobre

a prática pedagógica, o currículo, a instituição. Trazê-los para essa pesquisa com suas

experiências em atuar com o curso:

[...] Para cientistas sociais, e consequentemente para nós, experiência é uma

palavra-chave. Educação e estudos em Educação são formas de

experiência. Para nós, narrativa é o melhor modo de representar e

entender a experiência. Experiência é o que estudamos, e estudamos a

experiência de forma narrativa porque o pensamento narrativo é uma forma-

chave de experiência e um modo-chave de escrever e pensar sobre ela. Cabe

dizer que método narrativo é uma parte ou aspecto do fenômeno narrativo.

Assim, dizemos que o método narrativo é o fenômeno e também o método

das ciências sociais (CLANDININ; CONNELY, 2011, p. 48, grifo nosso).

Partindo do princípio da pesquisa narrativa, como uma forma de experiência, e que

como tal, há também um termo chave que deve estar inserido nessa perspectiva: a

temporalidade. A “experiência é temporal”, pois traz sentidos diferentes em cada contexto que

precisa ser também ser analisada dentro da narrativa:

[...] O que podemos ser capazes de dizer agora sobre uma pessoa ou uma

escola ou outros é um sentido construído em termos de um contexto mais

amplo e esse sentido muda com o passar do tempo (CLANDININ;

CONNELY, 2011, p. 50).

É importante situar a temporalidade. Os sentidos que as experiências trouxeram em

cada momento, em especial para a instituição escola, para a educação de jovens e adultos

trabalhadores. E, com essas considerações, o sentido que as experiências trouxeram também

aos docentes nessa trajetória da formação do curso técnico de artesanato, considerando que se

94

passaram sete anos, o trabalho que realizou com 05 turmas, com suas histórias de vida, as

experiências que trouxeram. É um sentido construído historicamente, dentro de cada contexto.

Fez-se necessário entender a dimensão da organização curricular para a formação das

artesãs, as implicações que se deram nas inter-relações para estruturar a composição dessa

matriz curricular na interlocução entre os saberes tecnológicos com as experiências de seus

atores oriundos da cultura artesanal, ou seja, a integração curricular e experiências e saberes,

que apresentamos no início desse trabalho.

Como também foi apresentado no capítulo I dessa pesquisa o víeis que fundamentou

inicialmente os argumentos da organização curricular, a proposta dos eixos norteadores

fundamentados nas Fases da Produção do Artesanato, que foi pensada desde a sua concepção

a partir da identidade profissional das artesãs.

E a dinâmica das propostas das avaliações por Banca a cada módulo que impulsionou

e a metodologia do curso e que foi considerado o eixo norteador nessa organização curricular.

Foram momentos que resgatamos da minha pesquisa que foram importantes para

compreender o processo do como se forma, e dá visibilidade as experiências pedagógicas no

âmbito escolar de formação de mulheres no processo artesanal.

E, nesse contexto, as entrevistas com docentes e a roda de conversa através do grupo

de discussão, que se propõe trazer as reflexões docentes de uma trajetória que teve início

desde 2007, um exercício pedagógico de construção e (des)construção de práticas para

atender ao perfil da turma, metodologias que valorizaram a construção dos saberes e ofícios

das artesãs. Um processo de ressignificação da ação-reflexão-ação para dialogar com as áreas

do conhecimento, de integração e articulação entre as disciplinas e práticas pedagógicas.

Visando a compreender como os conhecimentos produzidos por organização

curricular que tratam da cultura artesanal, possibilitou a essas mulheres, em seu processo de

formação, identificar possibilidade de inserção do mercado de trabalho, a importância de

pensar sobre o itinerário formativo considerando as embates da relação com o mercado

artesanal, a criticidade sobre as condições de trabalho das mulheres que atuam no artesanato

em Alagoas, considerando as finalidades sociais do curso. Pontos do qual o currículo do curso

não pode se omitir.

São reflexões que consideramos importantes nessa pesquisa, que em alguns momentos

fazem relação com as narrativas das artesãs, e que, as reflexões dos docentes possam

contribuir para uma análise de criticidade sobre possíveis lagunas que o curso não atendeu,

considerando a evasão e as dificuldades das artesãs em se manterem com a produção

artesanal, seja por uma “resistência” ao associativismo e/ou cooperativismo, ou por não

95

compreender como fortalecimento de um coletivo e autonomia enquanto grupo para o

enfrentamento das relações com o mercado artesanal.

Considerando que a proposta desse curso está intimamente relacionada à identidade

cultural das artesãs, cujas histórias de vidas demonstram as trajetórias da formação de

mulheres, na busca da (re)inserção da produção artesanal, pois já eram artesãs antes do curso.

Como também, considerando as dimensões que trazem os conflitos que se manifestam nesse

curso, sua relevância em trazer para a pesquisa, visando contribuir com o campo do currículo,

experiências como essas que trazem os processos de ensinar e aprender o artesanato, um

conhecimento pouco valorizado e pesquisado pela academia.

A identidade cultural das artesãs foi o elemento significativo na concepção curricular

desse curso, como também o grande desafio, pela sua singularidade, ao mesmo tempo em que

possibilitou a escola reorganizar seus conhecimentos com o olhar sobre os atores sociais do

currículo, entrelaçando outros saberes: os conhecimentos dos ofícios e das práticas, as

experiências advindas de uma tradição da cultura artesanal que atravessam gerações, além dos

conhecimentos tecnológicos.

Santos (2010) considera que quanto à importância do conhecimento científico para a

vida das sociedades contemporâneas não há contestação. E, historicamente, as formas de

conhecimento foram objeto de debates, sobre sua natureza, sua potencialidade, os seus limites

como também as contribuições para sociedade, em cada momento histórico.

Portanto, destaca-se nesse sentido para o fato de que o conhecimento confere

privilégios extracognitivos (sociais, políticos, culturais) a quem o detém, o que evidencia o

impacto desse conhecimento na sociedade, em função da comprovação de que não há uma

equidade na distribuição dos conhecimentos para essa mesma sociedade:

Por outro lado, o conhecimento, em suas múltiplas formas, não está

equitativamente distribuído na sociedade e tende a estar tanto menos quanto

maior é o seu privilégio epistemológico. Quaisquer que sejam as relações

entre o privilégio epistemológico e o privilégio sociológico de uma dada

forma de conhecimento – certamente complexas e, elas próprias, parte do

debate –, a verdade é que os dois privilégios tendem a convergir na mesma

forma de conhecimento. Esta convergência faz com que a justificação ou

contestação de uma dada forma de conhecimento envolvam sempre, de uma

maneira mais ou menos explicita, a justificação ou contestação do eu

impacto social (SANTOS, 2010, p. 137).

Santos (2010) nos possibilita dialogar com a proposta desse curso, ao tratar sobre a

interdisciplinaridade que é o centro dessa organização curricular, que considera como “[...]

uma forma de colaboração que pressupõe um respeito pelas fronteiras entre disciplinas tais

96

como elas existem.” (p. 147). E, são essas fronteiras que nos desafiam a procurar

compreende-las, contribuir como docente e pesquisadora, não no sentido de desmistificar,

mas de aproximação, para abrangê-la enquanto experiência.

4.2 Os conhecimentos da cultura do saber artesanal validado como eixos norteadores do

currículo:

As relações intrínsecas na organização do conhecimento escolar no curso técnico de

artesanato se configuraram em uma linha tênue que envolveu o artesanato, a cultura, o

trabalho e o gênero, no processo artesanal.

A riqueza do artesanato brasileiro tem uma relação fortemente imbricada com a

regionalidade do país, uma diversidade de tipologias cuja singularidade nas tessituras das

técnicas expressa a identidade da cultura local das mais diversas regiões brasileiras,

demarcando seus estilos, suas cores e a singeleza de um trabalho artesanal, tudo oriundo da

cultura tradicional.

É nessa relação que “nasce” a criação artística, que, segundo Vázquez (2011), a arte é

a expressão da capacidade criadora do homem [e da mulher], pois considera que a criação

artística tem um caráter unitário, ou seja, é no processo da criação que o artista através da

abstração estabelece uma relação que permite separar entre o interior e exterior, o subjetivo e

o objeto, o conteúdo como fato psíquico e a forma que se dá a esse conteúdo.

Nesse contexto, o autor destaca a tarefa do artista, que consiste em formar um duplo

sentido, ou seja, através da criação ele dá forma a um conteúdo, mas essa criação acontece

através do processo formativo que só se cumpre ao transformar a matéria. Essa relação de

criação para Vázquez está presente na subjetividade, não existe como modelo pré-existente,

não consiste na duplicação de um produto da consciência. É transformação do conteúdo, a

relação psíquica, como também de uma matéria. Como afirma:

Como processo prático, a criação artística tem princípio e fim. No começo, é

apenas uma forma, ou projeto inicial e uma matéria disposta a ser operada.

No final, encontramos: a) a forma original já materializada depois de ter

perdido sua forma anterior; b) o conteúdo já formado; e c) a matéria que,

vencida sua resistência, se apresenta já formada. Mas encontramos tudo isso

em unidade indissolúvel, nesse produto já acabado que é a obra de arte (VÁZQUEZ, 2011, p. 255).

97

A criação artística apresenta-se para o artista como um processo de incerteza e

imprevisibilidade, mesmo tendo um ponto de partida inicial que foi planejado para a criação

de sua arte, ela vai tomando forma e se torna preciso no próprio curso de sua realização. Para

o autor, o resultado de sua criação se apresenta ao artista como incerto e indeterminado,

considera esse processo como uma aventura, no qual há riscos, e afirma que o ato de criar é

uma incerteza que atormenta o artista. São desafios que traduzem a dimensão da arte e o valor

cultural:

Pelas mãos, o homem [a mulher] está em contato com as coisas e lhes dá

forma: graças à mão a matéria não estabelece com o homem uma relação

exterior. Com as mãos o homem torna suas, humaniza as coisas, e ele

próprio, deixando-se tocar, adaptando-se à forma que elas têm, abrindo-se

para as coisas, consuma essa relação propriamente humana (VÁZQUEZ,

2011, p. 272).

As mãos tem um valor significativo para a arte, não apenas com um órgão na execução

do produto do trabalho, a sua grandeza e superioridade na relação como os outros órgãos vêm

de sua vinculação com a consciência. A agilidade e a sutileza com que as mãos possibilitam

criar, tecer, bordar, amassar a argila, trançar as palhas, as linhas, usar os pinceis, entre outras

atribuições.

4.3 Limites pedagógicos: malha conceitual de pensar o curso

O sentido que esse curso trouxe à vida profissional das artesãs foi analisado através

das narrativas delas, carregadas de reflexões que nos remetem ao currículo do curso, à prática

docente, à gestão institucional, à definição de políticas para o artesanato no país.

Nessa perspectiva, ao trazer análises de outros atores nesse processo: os docentes, que

descortina possibilidades de entender questões que estão presentes no curso e que não são,

digamos assim, estejam tão visíveis. Trazer suas análises e reflexões nos possibilita

compreender como a ação docente se efetivou no curso, as dificuldades enfrentadas, as

implicações que se deram na caminhada da formação dessa turma, como também conhecer se

houveram mudanças no curso com oferta de outras turmas, afinal são sete anos atuando com o

curso de artesanato na instituição.

Compreender os sentidos que o curso trouxe à ação docente, assim como as reflexões

que trazem sobre a experiência da primeira turma, considerando os embates de trabalhar com

a modalidade de jovens e adultos, as experiências que teve início desde o pensar em trazer a

98

metodologia das bancas para o proeja, a dinâmica da disciplina de projetos, aos resultados que

trazem desse trabalho, atualmente com turmas egressas.

A pesquisa com os docentes foi realizada em dois momentos, incialmente uma

entrevista com dois docentes, da formação geral e outro da formação técnica, visando

conhecer: a) o processo de criação e a relação com o mercado artesanal; b) as conquistas

alcançadas na trajetória da primeira turma; c) os limites e avanços pedagógicos da prática

pedagógica, da ação docente.

No segundo momento o grupo de discursão, como uma forma de obter as

representações do grupo de docentes, através da roda de conversa possibilitando uma

discussão coletiva, de pensar no que representou a ação pedagógica do curso, os desafios, se

debruçar fazendo reflexões sobre o currículo, e, de certa forma, propiciar uma avalição desse

processo.

Segundo Weller, 2013, mesmo guardando as semelhanças com grupos focais, os

grupos de discussão tem procedimento distinto, no que se refere ao papel do pesquisador

quanto aos objetivos que se deseja alcançar:

[...] Portanto, os grupos de discursão representam um instrumento através do

qual o pesquisador estabelece uma via de acesso que permite a reconstrução

dos diferentes meios sociais e do habitus coletivo do grupo. O objetivo

principal é análise dos epifenômenos (subproduto ocasional de outro)

relacionados ao meio social, ao contexto escolar e extraescolar, às

experiências de discriminação e de exclusão social, entre outros. A análise

do discurso dos sujeitos, tanto do ponto de vista organizacional como

dramatúrgico, é fundamental e auxiliará na identificação da importância

coletiva de um determinado tema (WELLER, 2013, p. 56).

Da primeira turma do curso aos dias atuais, existe uma linha de tempo, uma linha

tênue, que nos permite tecer algumas análises para reflexão tempo/espaço da ação dos

docentes, considerando a estrutura do curso enquanto programa; sua implantação nos

Institutos Federais por força de Decreto-Lei trouxe implicações pela relação institucional com

o curso.

Eu observei algumas dificuldades principalmente começando pela própria,

vamos dizer assim, estrutura da instituição que não conseguiu fazer com que

alguns profissionais / professores da própria instituição abraçasse o curso da

educação de jovens e adultos. Começo a colocar isso pelas dificuldades que

observei já na coordenação que fazia parte na época, eu cheguei da outra

unidade, e quando cheguei aqui, o grupo de professores da matemática

ninguém queria dar aula na educação de jovens e adultos, não digo nem só

na questão de dá aula, nem sequer participar da construção dos planos de

curso (DOCENTE 1, 2014)

99

As resistências que se deram inicialmente na implantação do PROEJA no IFAL, o

sentimento do não-pertencimento ao PROEJA parte de alguns docentes, enquanto modalidade

de ensino no Instituto Federal. É uma questão que perpassa pelo princípio da inclusão social

como direito a educação dos trabalhadores. Destacamos a importância do Plano de

Desenvolvimento Institucional - PDI/ IFAL (2014-2018), no qual destacamos a importância

das metas e princípios de um Plano de Ação, considerando a dimensão que ocupa o IF com a

política de expansão em nível nacional e em Alagoas.

Na gestão de qualquer instituição, o planejamento é uma poderosa

ferramenta, pois oportuniza um momento de reflexão sobre o que vem sendo

feito e sobre o que ainda deve ser realizado. Na gestão de uma Instituição de

educação pública, estruturada em onze campus – como o IFAL – essa

ferramenta é indispensável. Desta consciência nasceu este Plano de

Desenvolvimento Institucional (PDI). Não se trata, pois, do cumprimento de

uma formalidade demandada pelo Ministério da Educação. Este PDI

representa um intenso movimento de reflexão e de auto avaliação de toda a

comunidade do IFAL, em busca de respostas a duas questões essenciais: o

que desejamos para a 16 nossa Instituição nos próximos cinco anos? De que

maneira podemos a alcançar este futuro pretendido? (ALAGOAS, 2013, p.

15).

Dentre as ações do Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI: 2014 /2018

destacamos três finalidades da Educação Profissional e Tecnológica no item 2.2.3 que trata do

papel do Instituto Federal no que concerne a inclusão social:

As ações que devem viabilizar os princípios norteadores da educação

tecnológica e profissional que o IFAL almeja para todos os níveis de ensino,

etapas e modalidades educativas são: 1. Melhorar os resultados da

aprendizagem, reduzindo as desigualdades educacionais no interior da

instituição. 2. Reduzir o índice de retenção e de evasão escolar. 3. Sanar as

desigualdades nas condições de acesso dos discentes aos cursos do IFAL [...]

(ALAGOAS, 2014, p. 57).

Portanto, as ações do Plano de Desenvolvimento Institucional se inserem dentre os

objetivos da Lei nº 11.892 de 29 de dezembro de 2008 que institui a Rede Federal de

Educação Profissional e cria os Institutos Federais de Educação, Ciências e Tecnologia,

garantindo no Art. 7º, a educação profissional, nas formas de articulação, a Educação de

Jovens e Adultos:

Art. 7o: Observadas as finalidades e características definidas no art. 6o desta

Lei, são objetivos dos Institutos Federais: I - ministrar educação profissional

técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para

os concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de

jovens e adultos; II - ministrar cursos de formação inicial e continuada de

100

trabalhadores, objetivando a capacitação, o aperfeiçoamento, a

especialização e a atualização de profissionais, em todos os níveis de

escolaridade, nas áreas da educação profissional e tecnológica. (BRASIL,

2008)

Como também, dentre os objetivos dos Institutos Federais, está à oferta da educação

para adultos, que significa um passo significativo na restauração da educação tecnológica de

nível médio, que ao diversificar as formas em integrada, concomitante e subsequente,

consequentemente reafirma a necessidade da horizontalidade de ações entre os demais cursos

ofertados pela instituição.

4.4 Os embates da formação e o mercado artesanal

Os relatos das entrevistas realizadas com os docentes nos permitiram refletir sobre as

mudanças desencadeadas pelo curso no processo de criação, a busca de autonomia das artesãs

para a (re)inserção no mercado artesanal, como também tecer análises sobre a proposta do

curso. O olhar de avaliação da ação docente entre o que foi pensado, planejado no currículo,

as práticas pedagógicas e os resultados dessa ação, que implicações tudo isso trouxe ao

currículo:

O que a gente nota é que com o passar do tempo elas começam adquirir

práticas novas, isso também é valido no espaço do curso. Falando de uma

questão prática de sala, também é proposto pelos professores, porque a gente

quer provocar para eles tentarem e buscarem novas alternativas dentro do já

tem dentro da sala de aula. Por exemplo, alguém faz filé e o outro quer

aprender, quer fazer uma peça que está relacionada ao filé, ao bordado, eles

buscam essa informação, buscam essa outra técnica, aprendem, eles ampliam

na verdade os saberes deles dentro da sala de aula. Isso é bastante valido,

além deles melhorarem o olhar com relação às peças, porque também

começam a ver de outra forma, o eles produzem, que não é mais uma

simples cópia, eles fazem a partir de uma criação. É um exercício que se

pratica na sala de aula, mas, além disso, eles começam a fazer outras

técnicas que eles nem imaginavam que iriam fazer. Os homens mesmo

tentam bordar, entende? Eles tentam e muitas vezes começam a fazer coisas

muito interessante e bem interessante isso (DOCENTE, 4, 2015).

A gente imaginou que elas teriam um avanço como artesãs, de

independência. Pelo que a gente tem de informação não foi exatamente isso

que aconteceu. A gente acha também que faltou uma coisa: uma articulação

com o mercado, tipo pontos de vendas, feiras, uma coisa mais organizada

como o Sebrae faz com os artesãos dela. A gente não tem essa situação. Isso

afeta inclusive para nossa avaliação (DOCENTE 2, 2014).

101

O que podemos refletir sobre os relatos dos docentes, que o curso trouxe metodologias

que promovem a articulação do processo de criação com o trabalho artesanal, valorizando a

aprendizagem dos saberes e ofícios que trazem de uma tradição cultural, que estimulam

vivenciar outras técnicas de artesanato e de manualidades. No entanto há uma questão que

perpassa e que diz respeito à autonomia dessas mulheres, que a docente 2 afirma não “ter uma

avanço como artesãs, de independência”.

A necessidade do curso, segundo os docentes, é ter espaço na instituição adequado e

com infraestrutura, para trabalhar em sala, equipados com material de consumo para que os

produtos artesanais criados pelas ser produzidos pelas artesãs na instituição, sob orientação e

acompanhamento dos docentes para serem vendidos e testados pelas feiras, como uma

possibilidade de avaliar o processo de criação e de inserção de um novo produto ao mercado

artesanal.

Nessas circunstâncias visualizamos que existem lacunas no currículo do curso, que diz

respeito à inserção das artesãs, a busca da autonomia por meio do trabalho artesanal, no qual o

currículo poderá proporcionar a essas mulheres a construção de itinerários formativos,

conhecendo experiências de outras mulheres na relação com a produção artesanal, que tragam

elementos para subsidiar refletirem sobre formas de organização coletiva em vez de imergir

na competitividade individual. Socializando suas experiências para criar estratégias para

pensar um trabalho coletivo que viabilize a autonomia econômica, considera-se a trajetória de

aprendizagem que o curso tem proporcionado. Sair da invisibilidade, do artesanato como uma

atividade complementar das atividades domésticas, da exclusão social para uma formação

política proporcionada pela vivência em cooperativa:

A experiência coletiva proporcionada pelo cooperativismo tem feito com que

o artesanato produzido pelas mulheres cooperadas saia dos seus espaços

privados de produção e ‘circule’ em espaços públicos. Essa passagem do

provado para o público tem papel fundamental quando se pensa no

artesanato como possibilidade emancipatória, não apenas no aspecto

econômico (enquanto produtos artesanais que passam a ‘circular’ no

mercado de produção e consumo), mas também enquanto formação política

para as artesãs, em função da experiência vivenciada na cooperativa.

(SILVA; ERGGERT, 2011, p. 56)

Mas não se conseguiu ter essa experiência laboral como foi pensada na proposta do

curso. Houve alguns momentos de participação nas feiras pela instituição, mas não na

dimensão que se desejava, ou seja, de produzir as peças na instituição e vivenciar a aceitação

do mercado dos produtos elaborados nas bancas:

102

Quando há uma feira, ninguém olha esse produto da nota. Eles são

descartados pelos/as alunos/as, e eles retornam com os mesmos produtos que

eles faziam antes e vão para feira com os mesmos produtos que eles faziam

antes. Entende onde/como eu descobri que a coisa estava desandando?

Tinha alguma coisa que estava fora de compasso. Porque se eles se

apropriassem e acreditassem no que eles tinham feito para nota, eles

replicariam esse e levariam esses para a feira. Se eles não conseguem

enxergar essas peças como produto e vê isso só como nota, como uma peça

para nota, eles não se apropriaram disso e não acreditaram a peça.

(DOCENTE 2, 2014)

E o currículo, a ação docente desse curso, o processo da criação das artesãs? Como os

docentes avaliam a trajetória da ação docente. No grupo de discussão que realizamos com os

docentes, foi possível observar como avaliam essa caminhada no exercício docente com a

formação das artesãs, Há nessa roda de conversa análises que vem de uma maturidade

profissional que possibilita a auto avalição de processo:

Se eu puder fazer um resumo eu diria - que em termos relação turma, o

curso, professor - para mim foi o sentido inverso. Tivemos a primeira turma-

com o perfil profissional, eu diria bem próximo do que a gente tinha

proposto e nós com pouca proximidade com o saber fazer, o lidar com o

perfil Proeja. A turma estava bem mais calibrada e a gente até por ser novo,

estava com pouco mais de dificuldades, no dia a dia. Isso para o perfil da

turma. Depois, pelo que percebo a gente não conseguiu ter turmas com o

perfil que a gente precisava mesmo. Eu diria que não eram pessoas tão

próximas ao artesanato, tinham habilidades, tinham manualidades, mas eu

notava que não eram todos que tinham essa proximidade. Inversamente,

fomos crescendo e tendo mais experiências em saber como lidar com as

turmas. Hoje me acho, falando na primeira pessoa, falando das impressões,

estou mais capaz para lidar com as turmas, hoje, eu já me acho, é a minha

impressão – mas capaz de lidar com as disciplinas do curso, afinal são sete

anos. E a gente tenta evoluir. Em contrapartida a gente tem o aluno que não

tem o perfil na expectativa que a gente tinha. Vou dá um exemplo da última

turma, por mais esforço nosso, de todos, os alunos não vieram com o

artesanato tão aflorado, tão vivo como da primeira turma. [...]

Particularmente, eu sinto dificuldades quando vou fazer o planejamento do

semestre, pelo o perfil que estamos vendo dos alunos, se vai conseguir dá a

resposta que nós estamos esperando. E nós, se fizermos uma evolução nossa,

do nosso fazer, que hoje me sinto extremamente à vontade e seguro de estar

incluído nessa turma de artesanato [..] (DOCENTE 1, 2015)

A meu ver no decorrer do tempo à gente vai adquirindo experiências, e isso

com certeza traz muita vantagem. De fato, no início, particularmente, a gente

fica sem saber como trabalhar o interdisciplinar, com o tempo o dialogo vai

avançando, as metodologias de certa forma vão mudando e isso traz de certa

forma traz maturidade para trabalhar com o aluno Vejo assim, algumas

estratégias que a gente colocou no decorrer do tempo. Por exemplo, a

viagem a um determinado lugar, que antes não tinha e que hoje tem. A gente

observa muitas vantagens em relação a isso, contextualizar determinada

103

cidade, um determinado produto e uma ideia que os professores constroem

junto com os alunos para chegar a alguns objetivos. Então vejo assim,

pedagogicamente mudou para melhor. E, a gente tem tido assim, a alegria

de certa forma manter um grupo de professores por um tempo, quem vai

chegando vai somando, a experiência tem nos ajudado muito no decorrer

desse tempo. Pedagogicamente o curso está com mais qualidade

(DOCENTE, 3, 2015).

As reflexões dos docentes nos permite compreender que suas análises perpassam por

vários estágios desse curso, um deles, diz respeito ao ingresso de turmas, no qual a partir da

segunda seleção de ingresso foi retirado do edital o requisito de ser artesão/ã, desconsiderando

que o curso em sua proposta não ensina fazer o artesanato. E, essa questão causou problemas,

entre eles a evasão, pelo fato de não ser artesão/ã e não se identificar a proposta do curso.

Mudou o perfil da turma, exigindo novas metodologias para atender a realidade das turmas.

A primeira turma, todos/as eram artesãos/ã, a maioria já trazia os saberes e ofícios do

processo artesanal, experiência com o mercado artesanal. No entanto, apesar desse perfil,

existiu uma evasão considerável, no qual consideramos importante investigar considerando

como nós nessa trama, para que possamos analisar e contribuir com a formação desse curso.

Outro aspecto que é importante a considerar, é o fato de 50% da turma ter a

escolaridade em nível médio, ou seja: dez artesãs com formação no antigo 2º grau e ensino

médio; quatro com magistério e uma com técnico em contabilidade. A procura pelo curso por

parte da turma foi motivada pela formação profissionalizante no artesanato e não

especificamente pela formação em nível médio na modalidade EJA. A valorização do

trabalho, uma perspectiva de profissionalização no processo artesanal.

A pesquisa de Ergget (2011) sobre processos educativos no fazer artesanal, com

mulheres das classes populares em um atelier de tecelagem no Município de Alvorada, em

Porto Alegre, nos permite compreender como os processos de aprendizagem de um lugar não-

escolar trazem implicações pedagógicas que estão imbricadas no trabalho têxtil artesanal

dessas mulheres, que na sua maioria abandonaram a escola em diferentes estágios, com ensino

fundamental incompleto. E, devido ao ritmo de trabalho intenso em atelier, e a necessidade de

conciliar com trabalhos domésticos, não conseguem voltar para os cursos da EJA, e as que

tentearam não conseguiram permanecer na escola.

Nessa perspectiva, estamos trazendo análises a partir de uma experiência que se

efetivou em ambiente escolar, uma experiência de curso profissionalizante para mulheres

artesãs, uma proposta para a educação de adultos, para pensar que estamos tratando de um

percurso de formação que tem implicações para subsidiar um currículo que sofre os impactos

104

da lógica de mercado de mulheres no processo artesanal, que incide dentro de uma

modalidade de ensino na EJA, de uma organização curricular integrada.

Quais são os nós para serem percebidos e destacados pelo sistema de EJA?

Onde está o tensionamento dessa trama? Entendo que o desafio está na

escola poder enxergar o mundo do trabalho das mulheres a fim de agilizar

políticas de uma ação pedagógica sensível às experiências que formam essas

mulheres nos seus cotidianos. Parece-nos que isso é ter a dimensão dos

estudos feministas e de gênero presentes a ação pedagógica em salas de EJA.

Para tanto vários modos de visibilizar isso são necessários. A narrativa

proposta nesse texto é uma delas (ERGGET, 2008, p.11).

Os depoimentos dos docentes nos permite entender os desafios da experiência inicial

para trabalhar com a alunos/as da EJA, de dialogar a cultura artesanal com as disciplinas, o

interdisciplinar em uma dinâmica processual entre os docentes da formação geral e da

formação técnica. Os déficits que as artesãs trouxeram pelo tempo que estiveram ausentes da

escola, e que foi um desafio constante, a cada módulo trabalhar metodologias sem material

didático específico, pois não existia, e também se tornaram como desafios a prática

pedagógica, elaborar material didático para o curso.

E, dentro das limitações do curso, a ausência de quadro permanente de docentes para

trabalhar o Proeja, tornou-se um problema, pois interfere na horizontalidade das decisões para

atender a proposta da organização curricular, que exige um alinhamento das áreas do

conhecimento para manter a dinâmica do curso, consequentemente, que necessita de um

grupo de docentes afinados com a metodologia proposta e com disponibilidade de tempo que

o curso exige.

Em consequência, as dificuldades para trabalhar currículo interdisciplinar, digamos,

por existir uma bifurcação, de um lado a resistência por parte de alguns docentes em resistir

trabalhar com alunos/as da EJA, e de outro, a indisponibilidade dos docentes que atuam no

curso de não puder conciliar com as atividades pedagógicas, com as viagens dos projetos do

curso, por estarem também envolvidos em outras coordenação de cursos que também

lecionam.

São questões conflituosas, são definições institucionais, que traz implicações a

proposta do curso, consequentemente fragilidades a proposta pedagógica. Assim como

revelam os docentes em seus depoimentos:

Eu observei algumas dificuldades principalmente começando pela própria,

vamos dizer assim, estrutura da instituição que não conseguiu fazer com que

alguns profissionais / professores da própria instituição abraçasse o curso da

educação de jovens e adultos. Começo a colocar isso pelas dificuldades que

105

observei já na coordenação que fazia parte na época, eu cheguei da outra

unidade, e quando cheguei aqui, o grupo de professores da (minha área),

ninguém queria dar aula na educação de jovens e adultos, não digo nem só

na questão de dá aula, nem sequer participar da construção dos planos de

curso (DOCENTE, 5, 2014)

Embora a gente tenha no pedagógico um grupo de professores mais

alinhado, mais atentos, a gente não conseguiu manter o mesmo quadro de

professores, isso continua oscilando, tendo falta de professores. Mesmo com

os sete anos, a gente tem o mesmo grupo que vem desde o início, que estão

ali, segurando. Mas a gente não consegue a participação de todos em

reuniões, em contribuições. Mas isso se deve muito a própria instituição que

continua ignorando o Proeja. O PROEJA continua numa situação que está

presente por uma determinação, mas não por uma opção. Continuo vendo

dessa forma, sem apoio necessário ao curso [...]. (DOCENTE, 2, 2015)

Há, portanto, questões que dizem respeito à gestão institucional trazendo implicações

ao trabalho docente e consequentemente interferem na ação docente, como também no

desenvolvimento do currículo do curso. São nós entre as tramas que interferem na ação

docente e que necessitam ser revistos e/ou desfeitos à medida que interferem no processo da

aprendizagem do curso, como afirmam os docentes:

Parece-me que para a gente ter a nossa proposta do curso, pleno resultado,

todos nós, deveríamos respirar interdisciplinaridade, pois fazer

interdisciplinaridade por pedaços, por setores, me parece que não é o

razoável, não é interdisciplinaridade. [...] No semestre, todos os professores

envolvidos deveriam participar de todas as atividades, quer seja

propedêutico, ou seja, da formação técnica, e pegando o exemplo da

professora (,,) uma viagem comum para uma cidade, para que todos nós

visitemos, e tudo vai ser discutido e elaborado e pensado a partir desse

evento. Se uma disciplina ou um professor, por conta de outra atividade da

instituição não puder ir isso rompe com todo esse esforço, mas a escola não

se apercebe percebe disso, que nós precisamos ser interdisciplinares todos,

plenos (DOCENTE 1, 2015).

Mas, sobretudo há também questões que estão no currículo, no qual não pode se omitir

de vivenciar, que envolvem questões sociais, que requer dimensões mais para ampla para a

formação das artesãs, a inclusão formativa dessas mulheres, considerando que se inserem em

contexto no qual há desvalorização das profissionais que vivem da arte popular. Como afirma

Bartra (2008), “[...] El arte popular es considerado de segunda, elaborado por gente tambien

de segunda” (p. 05). Envolve uma dimensão política para possibilitar essas mulheres sair das

produções invisíveis e conquistar os direitos sociais.

A compreensão por trabalho em cooperativa é uma possibilidade de inserir essas

mulheres para gerir negócios, pensar em uma organização de produção coletiva. É uma

discussão que perpassa pela identidade cultural no país, na América Latina, do

106

reconhecimento do trabalho artesanal e do lugar que a mulher ocupa nesse espaço de criação

artesanal.

Há também outra realidade. Apesar de o curso proporcionar a produção de um

artesanato diferenciado, a artesã não consegue enfrentar sozinha a competitividade,

permanece na venda de porta em porta ou trabalhando por encomendas, sem trazer mudanças

na sua situação econômica; consequentemente, retomam as atividades domésticas. No

entanto, não podemos desconsiderar as conquistas no âmbito social dessas mulheres, como

afirmam os docentes:

A gente percebe uma evolução dos alunos. Às vezes continuam na produção

antiga que eles tinham, mas pessoalmente você consegue ver uma evolução

em termos de postura, evolução em termos de argumentos, eles apresentam

uma mudança. O aluno que a gente teve no primeiro período e que chegou

ao sexto, como a gente os acompanha em todos os semestres, consegue

perceber que ele mudou, mudou de atitude. Isso já é um ganho ao final,

quando você vê o aluno preocupado porque ele quer continuar estudando,

isso foi um ganho que a gente conseguiu, porque esse aluno está fora da sala

de aula há 10 anos, 15 anos, e na hora que eles tomam o gosto que é bom

aprender, é bom crescer, é bom evoluir. E eles continuam buscando cursos,

capacitações, para não se distanciar, ou para não esquecer de novo que é um

indivíduo e que pode produzir. Principalmente no caso das mulheres, que

para elas é quase um grito de alforria quando elas veem e começam o curso a

duras penas, com relação ao marido e filhos, e elas conseguem concluir o

curso. A gente fica tendo notícias constantes: agora estou dando curso, ou

que está se capacitando em outro ou que entraram na universidade. Então

isso, mesmo que a gente não tenha conseguido uma evolução plena em

relação ao produto em termos de inovação, novos mercados. Mas, como

indivíduo nós fizemos uma diferença, não nos trinta alunos, mas pelo menos

em cinco, ou em três, que seja, faz diferença. (DOCENTE, 1, 2015)

Até porque a gente já identificou que está na hora de mudar a matriz, o que a

gente percebeu foi que está na hora fazer alguns casamentos interessantes de

forma interdisciplinar. Vimos que alguns casamentos entre disciplinas por

semestre deram certo, mas vimos que algumas disciplinas estão deslocadas,

alguns conteúdos estão deslocados, que poderiam estar distribuídas de

melhor forma. Já se passaram 03 turmas, e a gente já vem conversando que

há necessidade de uma revisão na matriz curricular, até porque os

professores que estavam na formação da primeira matriz não são os

mesmos. (DOCENTE 2, 2015)

Para nos oportunizar refletir essas questões que se apresenta nessa pesquisa sobre as

egressas, apresentamos uma experiência com a Educação de adultos realizada em uma

comunidade Maia na Guatemala, com mulheres de uma comunidade indígena, que trabalham

com produtos artesanais têxteis enquanto atividade tradicional. É uma experiência de

pesquisa-intervenção que se propôs criar espaços formativos para desenvolver estratégias e

107

ações de superação de exclusão das mulheres maias, e combater a invisibilidade das mulheres

Maia. (GALEOTTI, 2015)

A pesquisa com as Mulheres Maia tem como ponto de partida o reconhecimento das

trajetórias de exclusão sofrida por essas mulheres na Guatemala, reflexões que remetem a

proposta de uma educação inclusiva a uma inclusão formativa (trabalhando a dimensão

política, econômica, cultural) como caminho para combater as múltiplas formas de

marginalização, precariedade e exclusão da sociedade do conhecimento.

A autora apresenta dados do Relatório Mundial sobre a condição das mulheres no

mundo, no qual as mulheres na Guatemala representam 51% da população total do pais, no

entanto, a maioria das mulheres permanecem analfabetas, excluídas do mercado do mercado

de trabalho formal.

A pesquisa com as Mulheres Maias (15 mulheres de uma comunidade rural de

Santiago Atitlán) nos possibilitar refletir sobre uma experiência na educação de adultos, na

produção têxtil, a relevância de problematização das condições de trabalho como mecanismo

de vivenciarem suas práticas e pensar nas possiblidades de diversificar suas atividades, fazer

emergir suas dificuldades a partir de suas experiências e encontrar estratégias para enfrentar

as dificuldades do trabalho informal, sem desconsiderar as questões que expressam as

limitações sociais dessas mulheres, a posição subalterna do trabalho que exercem, em função

das altas taxas de analfabetismo que as excluem do trabalho formal:

A valorização educativa dos saberes das mulheres Maias reconhece na

experiência cotidiana o terreno no qual recuperar os saberes úteis para gerir a

complexidade da contemporaneidade e o projeto existencial. Este tipo de

trabalho educativo se desenvolve a partir da relação entre sujeito e prática de

vida e trabalho, que se torna objeto de reflexão orientada a fazer emergir o

conhecimento informal e tácito presentes na vida cotidiana, para promover a

mudança produto do encontro destes com o saber formal, através de uma

transformação negociada em conjunto (GALEOTTI, 2015, p. 21)

Essa experiência ressalta o reconhecimento dos saberes das Mulheres Maias, como

possibilidade de criar uma relação entre sujeito, prática de vida e trabalho, a relação entre o

conhecimento informal e tácito para promover as mudanças – que a autora denomina como

transformação negociada em conjunto. Ou seja, pensar a inclusão formativa dialogando com a

atividade educativa, que vem com a pergunta: “O que sabemos fazer?”. (GALEOTTI, 2015)

O eixo central na pesquisa consistiu em criar oportunidades de emancipação social e

econômica das mulheres Maias, em sua comunidade local, redefinindo oportunidades

ocupacionais levando em consideração o modo como organizam o trabalho, a partir da

108

realidade que vivem, considerando a tradição e suas dificuldades de inserção, ajudando-as a

identificar áreas ocupacionais alternativas, a pensar sobre as possibilidades de pensar e

projetar o itinerário formativo.

As múltiplas possibilidades de vivenciar experiências de mulheres no processo

artesanal, trazendo a singularidade da vida de mulheres artesãs, cujas experiências nos ajudam

a olhar para o artesanato para além de um objeto, olhar para a arte, a criatividade, a

sensibilidade que envolve sua criação e que a academia precisa discutir e que nos propomos

ao narrar as histórias das artesãs egressas do Curso Técnico de Artesanato pelo que valor

cultural que representa o artesanato em Alagoas.

4.5 Traçando novos caminhos para outras narrativas

É importante registrar que os docentes do curso técnico de artesanato têm

desenvolvido o Projeto de Ler a Cidade12, que nasceu em 2013 e trouxe uma nova proposta

embasada nos pressupostos da Educação Patrimonial, através do olhar da cidade, que envolve

alunos/as do curso técnico e do curso de design de interiores (tecnológico), com proposta de

visita técnica às cidades alagoanas para pensar o artesanato a partir da cidade, da cultura.

A inserção dessa nova forma de trabalhar, levando os alunos para as cidades

do interior de Alagoas foi uma forma de aprender, buscando essa forma de

aprender. Ter uma experiência dessa forma, em vivenciar uma cidade,

mesmo que por um dia, por alguns momentos, mas para que você conheça

elementos fundamentais dessa cidade, conhecer o lugar onde você mora e

que essas referências possam servir como fonte de inspiração para você

como criador e executor dos seus produtos (DOCENTE 4, 2015)

É uma nova proposta que surge subsidiando pensar o currículo do curso, que poderá

abrir novos debates sobre a formação, considerando as experiências que esses docentes trazem

nessa caminhada e considerando que o projeto de olhar a cidade possa também fazer pensar o

itinerário formativo dessas mulheres e os impactos que sofrem ao se distanciarem do curso.

Que sentido traz escutar as vozes das egressas, senão para compreender que sua

formação se encontra entre a singularidade do trabalho artesanal e o trabalho silenciado de

12 O Projeto de Ler a Cidade foi apresentado no II Colóquio Mulheres, Feminismo, artesanato e arte popular:

saberes de ofícios, nas “Instalação Científico-Artesanal”: que consistiu na apresentação de estudos que envolvam

mulheres na produção do” Ofício do fazer-pensar” em arte popular /artesanato. Os docentes fizeram a exposição

dos trabalhos realizados pelas artesãs referente a cidade Histórica de Penedo, e, as cidade de União dos Palmares

e Arapiraca.

109

mulheres que apesar de terem o talento para produzir suas peças artesanais não conseguem se

inserir na competitividade da globalização, de produção em massa.

Buscamos pensar em possibilidades de contribuir para a viabilização do processo de

formação escolar, processos de aprendizagem aliada as condições de autonomia dessas

mulheres para superar a evasão no curso e sua efetiva condição de competitividade de forma

planejada, coletiva. Criar possibilidades que se dê ao longo do curso, possibilitando a essas

mulheres pesquisarem, autonomia para produzir conhecimentos e simultaneamente pensar em

projetos de gestão para planejar sua independência econômica.

São possibilidades que caminham lado a lado ao processo de criação e produção

artesanal, promovendo pesquisa sobre outras histórias de mulheres no processo da cultura

popular, refletindo sobre a realidade do artesanato em Alagoas, à medida que tem um “olhar

sobre a cidade”, olham para a história que outras mulheres escreveram, e assim como elas

estão fazendo história na formação para o artesanato em Alagoas;

Portanto, a emancipação social e econômica dessas mulheres é uma questão social e

política e, como tal, o currículo desse curso não pode se omitir, envolve a ação docente,

envolve os atores sociais – as artesãs, a gestão institucional, assim como a rede do tear, que

requer harmonia para criar, desafia o campo curricular a pensar possibilidades de trazer

práticas sociais que oportunizem superar e exclusão social de mulheres, e que através da

profissionalização no artesanato escrevem suas histórias de vida.

110

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa nos proporcionou investigar as narrativas da história de vida das artesãs

egressas do curso técnico de artesanato em Alagoas. Objetivou-se contribuir com a história

das mulheres que vivem em espaços sem visibilidade de produção artesanal, no anonimato de

um trabalho que, apesar da diversidade cultural que representa, da identidade cultural tecida

em suas mãos talentosas, traz a marca de uma tradição nem sempre valorizada.

Esta pesquisa também objetivou analisar em que medida os conhecimentos,

experiências e vivências produzidos através de uma organização curricular integradora do

curso de artesanato do Proeja/IFAL viabilizaram a reinserção das artesãs com mais autonomia

no mercado de trabalho, após a formação profissionalizante, na educação de mulheres e na

modalidade de jovens e adultos, a partir das narrativas das histórias de vida das artesãs e das

reflexões da ação docente.

O capítulo I proporcionou refletir sobre o contexto educacional de Alagoas, através

dos índices que retratam a realidade defasada da educação básica. Destacamos o locus da

formação, o Instituto Federal de Alagoas, no qual se efetivou o curso, apresentando a gênese

de um programa social - o PROEJA, no campus Maceió. Situou-se a proposta pedagógica do

curso técnico de artesanato, as dificuldades e os desafios enfrentados por uma organização

curricular integrada para profissionalização das artesãs. Nesse sentido, foram feitas análises

sobre a importância desse curso, considerando que o estado de Alagoas, segundo o Censo do

Artesão Brasileiro (2014), é o segundo no ranking brasileiro com artesãos/ãs cadastros/as pelo

Programa Brasileiro de Artesanato/PAB, no qual apresentamos o valor cultural e econômico

do trabalho artesanal para o estado.

Em prosseguimento a essas análises, no capítulo II desenvolvemos uma discussão

teórica sobre o processo da produção cultural, a gênese da cultura e como se dá essa

distribuição pela sociedade, o que revela as desigualdades na produção do conhecimento e,

consequentemente, nos bens culturais. Analisa-se a importância da arte para a humanidade e a

criação artística, além de como se estabelece o processo de criação, a relação com o

homem/mulher, o valor da criação para o criador, a autonomia que envolve o processo de

criação e o lugar das mulheres no processo artesanal.

E, nessa perspectiva e indústria cultural, a obra de arte na era da reprodutividade

técnica de Benjamin, apresenta as mudanças operadas pela modernidade, o desenvolvimento

da indústria cultural e os impactos que trouxe para a cultura – o conceito de autenticidade,

enquanto existência única, e a aura, o valor da unicidade. É nesse cenário que se aborda a

111

invisibilidade da mulher na produção cultural, trazendo conceitos de flexibilidade do trabalho

feminino na história das mulheres e avanços da representatividade na Constituinte, o que

resultou em conquista de direitos sociais. Além disso, as bases conceituais sobre o artesanato

e arte popular nos remetem a compreender a heterogeneidade e a diversidade do artesanato

brasileiro, em especial, de Alagoas.

As histórias de vida das artesãs, por meio das narrativas no capítulo III, tiveram como

proposta trazer as vozes delas para conhecer e validar a trajetória da educação não formal da

cultura artesanal e dos impactos desses conhecimentos aliados aos conhecimentos

tecnológicos na criação e no processo artesanal, na instituição escolar. Buscou-se, ainda,

conhecer onde e como estão essas mulheres após a profissionalização, os avanços e projetos

no âmbito pessoal e social dessas mulheres.

O tensionamento do currículo ao processo de criação forneceu reflexões docentes

como possibilidade de nos permitir ter uma visão formadora de quem planeja o curso, de

quem esteve no cotidiano da sala de aula. Uma análise refletindo as experiências de um

percurso que se consolida com a oferta de cinco turmas numa caminhada que se deu entre

2008/2015, construção e (des)construção de um exercício de ação pedagógica.

Nesse contexto se inseriu esta pesquisa, partindo dos desafios que se deram com a

implantação da primeira turma do curso técnico em artesanato, da formação enquanto

perspectiva de uma inclusão social que trouxe à tona todo um cenário no qual esse curso foi

ofertado: a dimensão de uma organização curricular que reconhece seus atores sociais e sua

cultura, o lócus da formação e sua tradição tecnológica, os impactos para o trabalho docente e

a proposição de contribuir com a história das artesãs de Alagoas, representadas pelas egressas,

que buscam através da profissionalização sair da invisibilidade do trabalho doméstico e

projetar-se como artesãs, como mulheres.

A organização curricular tem articulação interdisciplinar para atender seus atores

sociais e sua cultura; foi o ponto de partida para o curso. É, também, o currículo que une cada

um dos fios condutores dessa formação, promovendo o diálogo entre as áreas do

conhecimento através de metodologias que envolvem a cultura popular como norteadora para

uma aprendizagem significativa nesse curso.

Uma proposta curricular que atendeu inicialmente as expectativas do curso e que hoje

os docentes percebem a necessidade de fazer mudanças no currículo, de ouvir seus atores

sociais, de estabelecer outros movimentos para novas composições para o curso, mudanças na

organização da matriz curricular.

112

As narrativas das alunas revelaram como o curso proporcionou o crescimento pessoal,

e profissional, ademais a elevação da autoestima. O retorno à sala de aula e a

profissionalização ampliaram as possibilidades da formação dessas mulheres, de ingressar na

educação superior, de ser mestre do artesanato, de se inserir em outras atividades profissionais

para além do artesanato, como, por exemplo, atividades de serviços em trabalho com

comércio, a conquista de um trabalho formal, de carteira assinada, que tanto almejam.

Mas também é relevante considerar que houve uma evasão de 50% da turma, além de

um percentual de alunos/as que não estão inseridos/as diretamente no artesanato após a

formação. É preciso considerar que a busca do curso esteve relacionada ao desejo de ampliar

os conhecimentos sobre o processo artesanal, e que isso proporcionou um diferencial na

formação dessas mulheres, que vivenciaram os vários estágios da produção, desde criar peças

até apresentar e defender o produto perante seus clientes. Registre-se que, mesmo com esse

referencial, houve as lacunas da evasão.

Nessa perspectiva, deparamo-nos com a realidade da inserção dessas mulheres,

entendemos que há vários desafios para que o currículo do curso possibilite a construção de

práticas pedagógicas que envolvam as artesãs a vivenciar outras experiências sobre o trabalho

artesanal em espaços coletivos, nas feiras, de fazer pesquisa, produzir conhecimentos como

instrumento de uma integração social.

Foi perceptível entender que o curso é bem estruturado, o trabalho que os docentes

desenvolvem tem todo um diferencial, por atender as necessidades e reconhecer a

singularidade dessas mulheres e por considerar os déficits que trazem de aprendizagem. É um

trabalho que reconhece e valoriza a identidade de seus sujeitos.

Pelas análises dos dados, foi possível perceber a necessidade de pensar na perspectiva

de incentivar essas mulheres para planejarem projetos que possibilitem capacitá-las para a

produção de um trabalho coletivo, considerando que as análises de suas narrativas revelam

que a competitividade individual as fragiliza e as impossibilitam de ampliarem espaços para

viverem do artesanato em Alagoas.

O mercado artesanal é competitivo, apesar de o curso ter um diferencial em sua

proposta, que incentiva as habilidades para a criação, a identidade cultural, as manualidades.

No entanto, sofrem os impactos quando retornam e voltam a comercializarem

individualmente. O fato de não terem trabalhos reconhecidos, com um nome no mercado, de

tal sorte que voltam a ser excluídas. É a realidade da invisibilidade da arte popular na América

Latina, como afirma Bartra (2008).

113

Há outra questão, que se refere aos vínculos afetivos com o trabalho artesanal, com

suas técnicas. As mudanças do processo de criação proposto pela escola, pelo curso, não são

incorporadas na íntegra por todos. Elaboram-se novos produtos para o curso, eles são

avaliados e, no entanto, ao produzirem para o mercado artesanal, não investem nesse novo

produto, voltando para suas técnicas (embora com mais planejamento, o que aprenderam no

curso). O fato é que o produto final permanece com a técnica que aprenderam de uma

tradição, incorporando novos conhecimentos.

São questões amplas e que precisam ser discutidas pelo currículo, são temas que

consideramos imprescindíveis para nortear o curso: criação e autoria, tradição artesanal e

design, produção individual e trabalho cooperativo, talento individual e trabalho em

cooperativa. Eis temas que trazem uma complexidade e que podem ser norteadores para

pensar, subsidiando as práticas pedagógicas para que possam desenvolver pesquisas,

proporcionar às alunas vivenciarem novas experiências e possibilitar projetos para

instrumentalizar os itinerários formativos, para além da criação do processo artesanal.

Esta pesquisa permitiu concluir que os referencias pautados por esse trabalho

possibilitaram compreender que é impossível discutir sobre a cultura e o processo artesanal

sem o reconhecimento da importância do trabalho das mulheres para o artesanato brasileiro, a

singularidade de um trabalho que traz a identidade e a riqueza do trabalho feminino. É um

trabalho que necessita da valorização e reconhecimento pelo seu valor cultural.

Tampouco se pode omitir o papel social do Instituto Federal para com a oferta desse

curso para jovens e adultos, considerando-se o ranking de Alagoas como o segundo estado em

artesãos cadastrados. A relevância da proposta pedagógica que o curso tem desenvolvido e o

redimensionamento de sua organização curricular que irão trazer avanços significativos ao

trabalho das artesãs, no qual os referenciais teóricos desta pesquisa foram norteadores no

diálogo com as narrativas das histórias de vida delas e com as contribuições das reflexões dos

docentes.

São propostas que visam contribuir com o curso, com a gestão institucional, para que

as propostas desenvolvidas alcancem a visibilidade e reconhecimento de um trabalho que

envolve o comprometimento de uma equipe pedagógica, que reconhece a Escola, como lugar

de formação de mulheres no processo de criação e de propostas pedagógicas que validam a

cultura popular, a produção do artesanato de Alagoas, e, consequentemente contribui com o

artesanato brasileiro.

114

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121

[

APÊNDICES

APÊNDICE A: Convite para Questionário - Artesãs

Convite para participar da pesquisa:

Meu nome é Ana Cristina Limeira, tivemos a oportunidade de nos conhecer no Instituto

Federal de Educação, Ciências e Tecnologia de Alagoas – IFAL durante a pesquisa que

realizei no Mestrado (2007/2010) pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL onde

investiguei o currículo integrado do Curso Técnico de Artesanato/PROEJA, do qual você

cursou.

Atualmente sou aluna do Doutorado no Programa Educação: Currículo da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo – PUCSP e participo como membro do grupo de pesquisa

Currículo, Conhecimento, Cultura sob a orientação do Profº. Dr. Alípio Márcio Dias Casali.

Você está sendo convidado(a) a participar da pesquisa em que investigarei as implicações da

formação profissionalizante do artesão na reinserção ao mercado do trabalho. Sua

participação é voluntária, seus dados serão mantidos em sigilo e serão utilizados de forma

agregada para fins de pesquisa acadêmica. Caso deseje mais esclarecimentos a respeito dessa

pesquisa, isso poderá ser através do e-mail: [email protected] ou pelo telefone de

contato (82) 9982-4274.

Agradeço antecipadamente a sua colaboração.

Ana Cristina S. Limeira

122

APÊNDICE B: QUESTIONÁRIO

Data:_____/______/2013

1.Perfil da Artesã

Nome:_________________________________________________Idade:_______________

Endereço:___________________________________________________________________

Bairro:___________________________ Telefone:__________________________________

Cidade:_____________________________________________Estado: _________________

1. Gênero: M ( ) F ( )

2.Estado civil:

( ) solteiro/a ( ) casado/a ( ) divorciado/a ( ) viúvo/a ( ) outro

3. Escolaridade:

Ensino Fundamental:

1ª a 4ª série: ano que iniciou ____________________ano que concluiu _________________

5ª a 8ª série: ano que iniciou ____________________ano que concluiu _________________

4.Atualmente está fazendo outro curso?

( ) Sim ( ) Não Qual? ___________________________________________________

Qual instituição? _____________________________________________________________

5.Você possui registro como artesã do Estado de Alagoas? ( ) sim ( ) não

Qual o órgão emissor: _________________________________________________________

Ano:______________

6. Como artesã você participa de algum programa do governo do Estado?

( ) sim ( ) não

7.Você participa ou participou recentemente de algum programa seja no âmbito Federal,

Estadual ou Municipal?

( ) sim ( ) não

Qual?__________________________________________________________________

8.Que benefícios o Estado de Alagoas oferece aos artesãos cadastrados?

______________________________________________________________________

9.Você já foi contemplado com algum beneficio (empréstimos, cursos, entre outros) para o

seu trabalho de artesã?

( ) sim ( ) não

Qual ______________________________________________________________________

123

II. Situação Ocupacional:

1.Há quanto tempo exerce a atividade de artesão(ã):

( ) menos de 05 anos

( ) 05 a 10 anos

( ) 15 a 20 anos

( ) 20 a 25

( ) 25 anos ou mais

2.Você tem algum vínculo com associações, cooperativas, empresas etc., para desenvolver e

comercializar artesanato?

( ) sim ( ) não

Essa associação se deu após o curso: ( )sim ( )não

Caso participe de alguma associação, informe em qual atua:

___________________________________________________________________________

3.O artesanato é a sua fonte principal de renda?

( ) sim ( ) não

4.Quantos salários você obtém com a venda do artesanato:

( ) menos de 1(um) salário mínimo (SM)

( ) 1(um) SM

( ) 1(um) a 2(dois) SM

( ) 3(três) a 4 (quatro) SM

( ) acima de 5 (cinco) SM

5. Você possui outro trabalho além da atividade do artesanato:

( ) sim ( ) não

Qual? ______________________________________________________________________

6.Como artesã você tem direito a alguma linha de financiamento para produção do artesanato?

( ) sim ( ) Não

7.Você já teve acesso a financiamento voltado para o artesanato?

( ) sim ( ) Não

8.Você possui um espaço (atelier, oficina) para confeccionar o artesanato?

( ) sim ( ) não

Onde funciona: ______________________________________________________________

Espaço próprio ( ) sim ( ) não

9.Onde você expõe/comercializa seus trabalhos?

( ) Feiras de artesanato

( ) Loja de artesanato

( ) Comércio

( ) Associação

( ) outro.

Qual_______________________________________________________________________

124

10.Informe o(s) endereço(s) atuais (feiras de artesanato, loja, associação etc.) onde

expõe/vende o artesanato:

End.1:_____________________________________________________________________

Dias: ______________________________________________________________________

Em que horário: ______________________________________________________________

11.Você expõe seus produtos para venda em outro Município ou em outro Estado?

( ) Sim ( ) Não

Qual? ______________________________________________________________________

12. As vendas do artesanato são atividades permanentes: ( ) sim ( ) não

Em que períodos você mais vende seus produtos:_______________________________

13.Você mesmo comercializa seus produtos?

( ) sim ( ) não

Há outras pessoas que vendem o artesanato para você? ( )sim ( ) não

Há outras pessoas envolvidas na produção do artesanato? ( ) sim ( ) não

III. Formação Profissional:

1.Como teve início sua relação com o artesanato?

( ) por uma tradição familiar

( ) como fonte de renda

( ) através de cursos realizados para o artesanato

( ) Outra alternativa__________________________________________________________

2. Que artesanato que você produz atualmente?

( ) Crochê ( ) Filé ( ) Ponto Cruz ( ) Bijuteria ( ) Pedrarias

( ) Redendê ( ) Escultura ( ) Singeleza ( ) Renda de Bilro ( ) Macramê

Outro(s) ___________________________________________________________________

3.Estes produtos são os mesmos que você fazia antes do curso?

( ) sim ( ) não

4.Houve mudanças / inovação na produção de suas peças após o curso?

( ) sim ( ) não

Em que aspecto? _____________________________________________________________

5. O curso proporcionou mudança na sua formação profissional como artesão (ã)?

( ) sim ( ) não

Se houve mudança, você pode destacar a que considera mais relevante, e por quê?

___________________________________________________________________________

125

6.Você teve dificuldades de aprendizagem durante o curso?

( ) sim ( ) não

Caso tenha havido alguma dificuldade você poderia relatar a que considerou mais importante?

___________________________________________________________________________

IV. Atuação no Mercado de Trabalho Artesanal 1. Como você avalia sua produção artesanal após a sua formação profissionalizante?

Houve mudanças na qualidade do produto após o curso?

( ) sim ( ) não

Se houve, em que aspectos se deu essa inovação?

___________________________________________________________________________

2. Quanto à sua atuação com o mercado artesanal após o curso, como você avalia sua

formação como Técnico em Artesanato:

Mudou sua forma de trabalho ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente

Melhorou a qualidade do seu artesanato ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente

Melhorou a apresentação do seu artesanato ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente

Diversificou as ofertas do produto ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente

Proporcionou no processo de inovação das peças artesanais ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente

Melhorou sua relação com o cliente ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente

Este espaço fica em aberto caso deseje explicar algum dos aspectos da sua atuação descrito

acima:

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

126

APÊNDICE C: Roteiro para a Entrevista Biográfica

DATA: _______/______/2013

(Quando autorizado as entrevistas serão gravadas)

1.Como surgiu o seu interesse em aprender sobre o artesanato? Quando teve inicio sua

relação com o processo artesanal?

2. Que cursos de formação para artesanato você participou antes do Curso Técnico de

Artesanato/IFAL? Que importância tiveram esses cursos para sua prática artesanal?

3. Que técnica de artesanato você realiza atualmente? É a mesma técnica que você produzia

antes do curso? Que mudanças tiveram?

4. Como se constituiu o trajeto da sua escolaridade antes de ingressar no Curso Técnico de

Artesanato?

5. O que o (a) motivou a você a fazer o Curso Técnico em Artesanato? O fato desse curso ser

ofertado pelo IFAL fez alguma diferença para você? Qual?

6.Qual o destaque que você daria sobre a sua formação como artesão após o curso?

7.Teve algum aspecto em relação a sua formação como artesão que considere que o curso não

atendeu? Qual seria?

8. As disciplinas do curso contribuíram na sua aprendizagem com o artesanato? Fale sobre

esse processo de aprendizagem durante o curso.

9.Você poderia relatar como você percebe atualmente a sua prática de produção artesanal, na

sua formação após a profissionalização, levando em consideração os seguintes aspectos:

a.Quanto ao modo de planejar, criar e produzir o artesanato ocorreram mudanças na sua

forma de elaborar as peças? Quais foram essas transformações?

b.Quanto ao artesanato que você produz atualmente, que conhecimentos você considera que o

curso proporcionou que diferencia na sua produção artesanal antes do curso:

c. Quanto ao seu produto, o que o diferencia hoje no mercado artesanal? Você consegue

inovar, em que aspectos e por quê?

d.. Quanto a comercialização da produção artesanal, há mais vendas do produto que produz

atualmente? O que mudou nessa relação produção x comercialização?

10.Você estabeleceu alguma parceria para a produção e comercialização do artesanato com

algum colega de turma (artesão/ã) após o curso?

O que o (a) levou a essa parceria?

127

11. O que você destacaria que o Curso Técnico de Artesanato lhe proporcionou:

a. Em relação a sua formação como artesã:

b. Com relação ao mercado de trabalho, a sua produção:

c. Na relação com a sua comunidade:

d. No seu crescimento pessoal:

12. O que você avalia que o curso não conseguiu proporcionar a sua formação?

13. O que o (a) motiva a ser uma artesã?

14.Você se considera reconhecido com o trabalho que realiza?

15. O que você considera que falta a sua formação como artesã? E ao mercado de trabalho

artesanal no Estado de Alagoas?

128

APÊNDICE D: Roteiro para Entrevista com Professores do Curso

1.Fale da sua experiência como professor desse curso cuja origem se deu na instituição sob

um clima de resistência dos docentes em aceitar trabalhar com a política voltada para a

modalidade da Educação de Jovens e Adultos, no caso específico o PROEJA?

2.Esse foi o primeiro curso a ser implantado nesse programa no IFAL, o que motivou a

coordenadoria de Design a ofertar um curso técnico para artesãos?

3.O que você poderia descrever sobre o curso nos seguintes aspectos:

a. Que considerou como um desafio maior no curso:

b. As dificuldades que se deram durante a trajetória curso:

c. As conquistas alcançadas:

d. Os limites pedagógicos que se deram em relação aos docentes;

e. Limites da aprendizagem dos alunos;

4. Qual a avaliação que você faz do curso, trazendo uma linha do tempo, a primeira turma do

Curso Técnico de Artesanato (objeto dessa pesquisa)?

Quais foram as expectativas da instituição quanto ao retorno dos artesãos ao mercado de

trabalho após a formação profissionalizante?

5. Como professor(a) qual a avaliação que faz do curso, existe algum aspecto que considere

que não foi atendido nos seus objetivos? Em que?

6. O que esse curso poderá servir como orientador em sua proposta para as demais turmas que

a instituição continua a ofertar?

129

ANEXO - Matriz Curricular do Curso Técnico de Artesanato – PROEJA/IFAL, 2007

Componentes Curriculares (semestral) Carga Horária

Nº Módulo I. Fundamentação (h/a) (h/r)

1 Língua Portuguesa 96 80

2 História Geral da Humanidade 72 60

3 Matemática 72 60

4 Projeto de Composição Plástica 96 80

5 Desenho Aplicado 96 80

6 Introdução ao Desenho 48 40

Totall 480 400

Módulo II. Instrumentação

7 Matemática 48 40

8 Física 48 40

9 Biologia 72 60

10 Química 72 60

11 Filosofia e Projeto de Valor Estético 96 80

12 Artesanato 48 40

13 Materiais Artesanais 48 40

14 Cor do Produto 48 40

Totall 480 400

Módulo III. Identidade Cultural

15 Língua Portuguesa 48 40

16 História do Brasil 72 60

17 Geografia 96 80

18 Ed. Física 24 20

19 Antropologia e Projeto de Valor Cultural 96 80

20 Metodologia Projetual 96 80

21 Cultura Popular no Brasil e em Alagoas 48 40

Totall 480 400

Módulo IV. Composição

22 Língua Portuguesa 48 40

23 Matemática 72 60

24 Física 48 40

24 Ed. Física 48 40

25 Psicologia e Projeto de Composição de Referências 96 80

26 Qualidade do Produto 72 60

27 Ergonomia Aplicada 96 80

Total 480 400

Módulo V. Produção

28 Física 48 40

29 Biologia 72 60

30 Química 72 60

31 Sociologia e Projeto de Responsabilidade Social 96 80

32 Design Sustentável 96 80

33 Processo Produtivo 96 80

Total 480 400

Módulo VI. Veiculação

34 Língua Portuguesa 48 40

35 Língua Estrangeira 72 60

36 Matemática 72 60

37 Geografia 48 40

38 Empreendedorismo 96 80

39 Marketing e Logística 96 80

40 Apresentação do Produto 48 40

Total 480 400

Total Geral 2880 2400