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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ILZA NUNES DA CUNHA POLINI ASSOCIAÇÃO “ARTE DA TERRA”: Das mãos das mulheres artesãs às relações educativas construídas no processo de autogestão do trabalho Cuiabá-MT 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ILZA NUNES DA CUNHA POLINI

ASSOCIAÇÃO “ARTE DA TERRA”:

Das mãos das mulheres artesãs às relações educativas construídas no processo de autogestão do trabalho

Cuiabá-MT

2011

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ILZA NUNES DA CUNHA POLINI

ASSOCIAÇÃO “ARTE DA TERRA”: Das mãos das mulheres artesãs às relações educativas construídas no

processo de autogestão do trabalho

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação, na Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, no Grupo de Estudos e Pesquisa Trabalho e Educação.

Orientador: Prof. Dr. Edson Caetano

Cuiabá-MT

2011

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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.

N972a Polini, Ilza Nunes da Cunha.ASSOCIAÇÃO ARTE DA TERRA: : das mãos das mulheres

artesãs às relações educativas construídas no processo de autogestaodo trabalho / Ilza Nunes da Cunha Polini. -- 2012

120 f. : il. color. ; 30 cm.

Orientadora: Edson Caetano.Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso,

Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,Cuiabá, 2012.

Inclui bibliografia.

1. mulheres artesãs. 2. trabalho e educação. 3. autogestão. I.Título.

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À minha Mãe e meu Pai (IN MEMORIAM) Aos meus irmãos queridos, pelo amor, incentivo e estímulo... A Vidal, pelo amor companheiro, sempre presente, A Vanessa e Paula, filhas amadas, por existirem e fazerem parte do meu todo...

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador Prof. Edson Caetano, pelas contribuições com minha formação.

Aos professores avaliadores, Lia, Graça e Silas.

As mulheres artesãs, que dão sentido a esta pesquisa. A todas as pessoas com as quais convivi e que de alguma forma contribuíram com minha formação, de modo especial: Maria Ivonete de Souza, Jaqueline Pasuch e Leonir Amantino Boff.

Ao Grupo de Estudos e Pesquisa Trabalho e Educação – GEPETE - do qual fazemos parte na sua origem, ao prof. Edson, Camila, Eloísa, Mariana e Líria.

A todos os professores do PPGE em especial a Ártemis e Graça, pelas profícuas discussões sobre Marx e Gramsci. A todos os funcionários da UFMT, e de modo em especial ao PPGE.

A todos os colegas de turma, em especial aos amigos que ficam para uma vida toda: Márcia Pasuch, Leiva Pereira, Patrícia Nogueira, Elismar Bezerra, Adriana Tomazoni e Traudi Hoffman

Ao Grupo GEPDES, Graça, Rose, Patrícia, Grazi, Jack e Manira, pelos estudos, aprendizados e momentos de descontração.

Aos amigos especiais que fazemos na caminhada, e que nos motivam a ‘Ser mais’: Ana Barbosa, Luciane Aita, Mayara, Haya, Romão, Solange, Amábile, Fernanda, Matheus, Helder, Éderson, Gabriela e Luiz.

Ao Tio Ivo e Tia Clarice, pela acolhida de sempre...

A Secretaria de Educação de Sinop, pela possibilidade de na qualificação contribuir com a educação do meu município.

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“O real da beleza não está na saída nem na chegada, ela se dispõe para a gente no meio da travessia”.

Guimarães Rosa (1956)

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RESUMO

No Distrito de Progresso, em Tangará da Serra – MT, seis mulheres artesãs dedicam-se à modelagem do barro, na perspectiva da solidariedade, da divisão do trabalho para a produção e criação de artefatos culturais e peças ornamentais de objetos que representam aspectos característicos do modo de viver e da cultura local. De suas mãos são criadas fontes e jarros d’água, aves como os tuiuiús e os tangarás. Pratos decorativos de paredes, potes e demais peças de cerâmica. No presente texto dissertativo apresentamos o caminho de uma investigação realizada durante o Curso de Mestrado em Educação no período de 2010 e 2011 e que teve como objetivo compreender os fios que tecem as relações entre trabalho e educação. Destacamos as relações produzidas pelas mulheres artesãs, como agentes pedagógicos e os ‘espaços apreendentes’, na experiência de fazer arte com argila. A partir de um ‘estudo de caso’ como perspectiva metodológica percorrida, observamos as mulheres artesãs no processo de produção; participamos da experiência cotidiana de seus afazeres; entrevistamos individualmente cada uma delas, além do Secretário Municipal de Economia Solidária de Tangará da Serra. Assim como, longas e significativas conversas coletivas foram feitas durante a realização de atividades, tais como: feira de produtos artesanais e alimentícios do município, loja de comercialização dos produtos e espaço de criação das peças no ateliê. As anotações foram feitas num ‘Diário de Campo, as entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra, após serem consentidas em ‘Termo de autorização’, bem como as imagens fotográficas. As dimensões do trabalho como “princípio educativo”, a partir do conceito de Gramsci, foram centrais para estabelecer os pontos de encontros entre os processos econômicos e produtivos. Discorremos a respeito das “relações com o saber” construídas pelas mulheres, onde o significado de produção coletiva se expressa na garantia do direito ao controle de suas produções. Em Karl Marx nos ancoramos para compreender as questões do trabalho e seus condicionantes, pois percebíamos que o grupo de mulheres artesãs, através da criação de estratégias e condições que assegurem a melhoria da qualidade de vida e o seu bem estar no mundo, vinculava-se à valorização do trabalho numa perspectiva que aponta para a autogestão. Em Tiriba foi importante perceber a ‘pedagogia da produção associada’, como as seis mulheres se encontram para produzir suas peças, e como compartilham suas aprendizagens. Nossas análises foram realizadas a partir dos estudos destes autores, do percurso metodológico desenvolvido e das reflexões advindas da concepção do materialismo histórico e dialético. Destacamos que o acompanhamento das relações de trabalho e educação do grupo de mulheres artesãs nos fez perceber que elas estão vivendo um processo de disputa por legitimação e validação social desse modo de produção da existência, vinculada à reprodução ampliada da vida. Elas apropriam-se do processo de trabalho e contribuem para a construção de seus mundos. Apontam para o entendimento de que a realidade não é, está sendo e por isso é passível de transformação. É possível dizer que a experiência das mulheres artesãs surge como possibilidade de reivindicar seus direitos, de compreender as relações sociais construídas nos “espaços apreendentes” e a função que nelas desempenham. É, portanto, trabalho educativo. Palavras-Chave: Trabalho e Educação. Mulheres artesãs. Autogestão.

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ABSTRACT

In the District of Progresso in Tangara da Serra-MT, six artisan women dedicate themselves to clay modeling, for solidarity, in the sharing of the work for the production and creation of cultural products and ornamental objects which represent characteristic aspects of their lifestyle and the local culture. Fountains and jugs of water, birds like the wood ibis and the tanagers, decorative wall plates, pots and other pottery pieces are created by their hands. In the present dissertational text we put forward the research which had been carried out during the Master Course in Education during the period of 2010 and 2011, whose objective was to comprehend the threads which weave the relations between work and education. We have highlighted the relation produced by the artisan women as pedagogical agents and the “learning spaces” in their experience to produce arts with clay. From a “study case” as covered methodological perspective, we have observed the artisan women in their production process, we have taken part in the daily experience of their duties, we have individually interviewed each one of them and we have talked to the municipal solidary economy secretary of Tangara da Serra, as well as, long and meaningful collective conversations, while they had been carrying out their activities, such as: at the artisanal products and foods fair in the town, at the commercialization store of their products and at the the workshop for the creation of their pieces. The annotations had been made in a “Field Diary”, the interviews had been recorded and transcribed in full, after they had been authorized, as well as the photographs, through an “Authorization Term”. The work dimensions as “educational principle” from Gramsci’s concept were crucial to establish the meeting points between the economical and the productive processes. We have discoursed about the “knowledge relations” built by women, where the meaning of collective production is expressed in the guarantee of control of their productions. We have based in Karl Marx to understand the work matters and its conditionings, because we had noticed that the artisan women’s group, through the creation of strategies and conditions, which assure the improvement in their lifestyle and well-being in the world had been attached to the increase in value of the work in a perspective which points to the self-management. It has been important to notice in Tiriba the “pedagogy of the associated production” in the way the six women meet to produce their artwork and their knowledge. Our analysis has been carried out from the study of these authors, of the methodological course developed and the reflections resulted from the historical and dialectical materialism. We have highlighted that by following the artisan women’s group we have been able to notice that they have been living a dispute for legitimation and social validation process in the existence production linked to the enhanced life reproduction. They use the work process and contribute to the construction of their worlds. They point to the understanding that the reality isn’t, it is being and therefore is susceptible to transformation. It is possible to say that the artisan women’s experience come up as an opportunity to claim their rights to understand the social relations built in the “learning spaces” and the role they play there. Therefore it is educational work.

Key-Words: Work and Education. Artisan women. Self-management.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11

CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 16

1 O TRABALHO ASSOCIADO: DA MODELAGEM DO BARRO À CONSTITUIÇÃO

DOS SUJEITOS COLETIVOS E SOLIDÁRIOS ............................................................... 17

1.1 O Trabalho Associado ................................................................................................ 21

CAPÍTULO II ......................................................................................................................... 40

2 ENCONTROS DE MULHERES: LOCAIS DA PESQUISA .......................................... 41

2.1 A Associação “Arte da Terra”: o ateliê, a loja e a feira .......................................... 42

2.2 O Ateliê ........................................................................................................................ 46

2.3 O Torno ....................................................................................................................... 49

2.4 O preparo do barro .................................................................................................... 50

2.5 O trato com o fogo ...................................................................................................... 51

2.6 A Loja .......................................................................................................................... 55

2.7 A “Feira de produtos artesanais e alimentícios” do município de Tangará da

Serra-MT” ........................................................................................................................... 56

2.8 O que faziam antes de se associarem? ...................................................................... 58

2.9 Por que produzir juntas? ........................................................................................... 61

2.10 Sonhos solidários ...................................................................................................... 66

2.11 Pelo direito ao controle da produção ...................................................................... 69

2.12 Sobre o horário de trabalho ..................................................................................... 71

2.13 Como é feita a divisão do resultado do trabalho ................................................... 72

2.14 As tensões, contradições e dificuldades de produzir ............................................. 75

2.15 A “intelectual orgânica” ........................................................................................... 80

CAPÍTULO III ....................................................................................................................... 84

3 DAS MÃOS DAS MULHERES ARTESÃS: (RE)PRODUZIR AS PEÇAS, OS

SABERES E A VIDA ............................................................................................................. 85

3.1 Quem separou trabalho e educação? ........................................................................ 89

3.2 Educação Popular ....................................................................................................... 93

3.3 A educação formal e as experiências ......................................................................... 97

3.4 O Ser mulher e a construção de uma “outra economia” ...................................... 100

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 106

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 116

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INTRODUÇÃO

A Dissertação de Mestrado intitulada “Associação ‘Arte da Terra’: das mãos das

mulheres artesãs às relações educativas construídas no processo de autogestão do

trabalho” é fruto das análises provocadas a partir das leituras realizadas no decorrer do curso

de Mestrado em Educação, do Programa de Pós-graduação em Educação, na linha de pesquisa

“Movimentos Sociais, Política e Educação Popular”. Sua vinculação teórico-metodológica foi

construída nas reflexões forjadas pela participação no Grupo de Pesquisa “Trabalho e

Educação”, coordenado pelo orientador da presente dissertação, Professor Doutor Edson

Caetano, da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá – MT.

Tendo como pressuposto fundante a convicção de que os problemas sociais não são

descolados de uma materialidade objetiva e de subjetividades, a construção do conhecimento

nesta perspectiva implica um movimento dialético da realidade e, por isso, é ao mesmo tempo

lugar de conflitos, contradições e tensões. Assim, podemos afirmar que as reflexões realizadas

no decorrer do curso e na escolha da execução de uma pesquisa qualitativa, ancorada na

metodologia “estudo de caso” (YIN, 2004), fundamentaram-se na perspectiva teórico-

metodológica do “materialismo histórico e dialético”, que é além de concepção de mundo, um

método que intenciona revelar a realidade, sem esquecer-se do específico, do particular, do

singular e do histórico.

A experiência na tessitura desta Dissertação de Mestrado tem efeitos significativos na

vida pessoal, profissional e acadêmica desta pesquisadora. Desta maneira, peço licença ao

leitor para puxar alguns fios de memória e, brevemente, relatar como as relações com o

trabalho foram constituídas na minha vida. Sendo a filha caçula de uma família de nove

irmãos, aprendemos precocemente a necessidade de trabalhar para auxiliar no sustento. Foi

uma época em que o trabalho infantil era considerado “natural” e, assim, não contrariava

nenhum direito legal, principalmente o direito de ser criança/adolescente e poder estudar,

brincar, viver a plenitude de um tempo passageiro.

A preocupação com o trabalho como garantia de sobrevivência iniciou aos quatorze

anos de idade, como “empregada doméstica” numa casa de família conhecida e próxima

onde, não raro, trabalhava uma jornada de oito a nove horas por dia. O trabalho doméstico

que se iniciou bem cedo “evoluiu” por conta de um curso de datilografia, que imprimiu em

minhas mãos inúmeras possibilidades, não apenas de trabalho, mas de sonhos com um

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mundo melhor. No teclado daquela máquina, minhas mãos sentiam uma espécie de ascensão

social para outras atividades e a aprendizagem de um universo mais ampliado de “ser

mulher”.

Outros fios foram compondo a minha história com significados igualmente

importantes, como mãe, esposa, professora. Ao longo da história de vida as narrativas de

militância poderiam ser contadas pelos tempos de luta, pela conquista de um “pedaço de

chão”, pela constituição de uma família, pela “verdadeira aventura” na travessia do Paraná

para o Mato Grosso.

A trajetória acadêmica é uma conquista que se fez presente, de certa forma tardia,

como muitas mulheres deste país. Apenas na idade adulta, depois de ter constituído minha

própria família e como forma de acompanhá-las no transporte escolar durante o trajeto da

“Fazenda Juriti” até o centro da cidade de Sinop-MT, local onde residimos atualmente, tive a

oportunidade de cursar o ensino superior e dar início a minha vida profissional. Meus olhares

estiveram focados no aprofundamento da área educacional, especialmente nos estudos da

Educação de Jovens e Adultos, tema pelo qual desenvolvi a pesquisa, parte dos estágios

curriculares e a monografia do Curso de Pedagogia, na UNEMAT/Sinop.

Assim, o ingresso no Curso de Mestrado em Educação, desafiador pelas distâncias,

ausências e saudades da família, se constitui num especial “encontro de mulheres”! Artesãs

de nossas próprias vidas, nos sabores e amores vividos, construídos e partilhados, nos

produzimos e nos dignificamos! Pesquisar o trabalho e seus fios educativos, tema deste

estudo, é muito caro, não apenas pela experiência, pelo histórico de vida pessoal, mas

também por entender que a educação acontece em diversos espaços da vida, em diferentes

contextos de trabalho, igualmente importantes e formadores, tais como os escolhidos para o

desenvolvimento da presente pesquisa.

São sete as mulheres protagonistas desta pesquisa e de suas histórias. Com idades

entre 36 e 65 anos, eu, com 40 anos encontrei as seis artesãs ceramistas: Amélia, Dona Fia,

Orlinda, Penha, Rosane e Valéria, todas autorizando a identificação de seus nomes para a

divulgação da pesquisa. Cinco delas residem no Distrito de Progresso, local onde fica o ateliê

e a feira. Uma delas, Valéria, reside no município de Tangará da Serra- MT, que fica a treze

quilômetros de distância do Distrito de Progresso e onde acontece a Feira de produtos

artesanais e alimentícios. Há dois anos as “mulheres artesãs” encontraram no trabalho

associado e na autogestão uma possibilidade de construir novas formas de produzir a vida

coletivamente, na perspectiva da solidariedade, da divisão do trabalho e da produção com

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cerâmicas: peças artesanais decorativas, pássaros típicos do Pantanal, pratos de paredes e

demais alegorias que nascem de suas mãos e de suas representações.

Essas mulheres com suas propostas de vida e de trabalho, no próprio agir, desejam a

melhoria na qualidade de vida, sua, de seus familiares e demais colegas de trabalho. Elas

parecem acenar para uma capacidade e /ou possibilidade de construir sua hegemonia, pela

elaboração de uma visão própria e autônoma de mundo. Gramsci (1989) nos adverte que é

preciso transformar em liberdade o que é necessidade, e os setores populares devem assumir

de maneira independente e autônoma as atividades que permitam a satisfação de suas

necessidades básicas.

Se toda relação hegemônica é também pedagógica, as mulheres artesãs vivem uma

experiência coletiva de emancipação, do exercício da autonomia no fazer cotidiano e nos

resultados de seus trabalhos. A autonomia é a possibilidade de construir os caminhos para o

processo de transformação; é escolher a atividade e participar ativamente na produção. É ser

guia de si mesmo. Ou como elas mesmas afirmam: “é ser dona do seu próprio nariz”.

No processo de produção artesanal as mulheres produzem novas relações de vida e de

trabalho, e também tecem uma pedagogia que se estende para além do espaço do trabalho.

Esse novo conceito começa nos anseios de construir uma outra forma de (re)produção da

vida, mas vai além dos espaços de suas convivências. Elas produzem a vida produzindo o

trabalho, e vice-versa, e neste processo vemos: “sementes do novo, contém também marcas

do velho” (TIRIBA, 2001, p.29). São maneiras pelas quais as trabalhadoras vêm tentando

construir na prática e, por vezes de forma contraditória, sua pedagogia do trabalho.

Sobre os sentidos da pesquisa, na investigação do processo de produção material e

humano das seis mulheres pesquisadas, identificamos a necessidade de partir do real,

considerar o complexus1 (MORIN 1990). Sendo assim, as ações dessas mulheres, as

interações e acasos que constituem a realidade cotidiana da produção das peças artesanais se

relacionam, e são momentos inseparáveis, apesar de poder ter diferentes intenções,

motivações, interesses e propósitos.

Sabemos que há limites na interpretação do pesquisador, e nosso olhar se encontra na

perspectiva proposta, mas outras perspectivas são possíveis. Apesar do rigor metodológico,

que nos propomos, sabemos da impossibilidade de enxergar toda a realidade, afinal há outras

dimensões e outras compreensões do fenômeno pesquisado.

1 Para Edgar Morin, 1990 “Do que é tecido junto”.

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Nossa intenção é compreender, qual o sentido do trabalho para as artesãs quando elas

tornam-se “donas” dos meios de produção. Quem controla quem? Elas identificam nas suas

ações um protagonismo de vida e de trabalho? Também percorremos a possibilidade de

identificar como a associação popular disciplina e organiza o trabalho coletivo. Quais os

agentes pedagógicos que, na experiência de tirar da argila a arte, possibilita a construção de

uma nova cultura do trabalho, de uma nova economia popular? Quais as perspectivas de se

vislumbrar nesta experiência de autogestão, um novo projeto de sociedade, baseado na

solidariedade e na emancipação do indivíduo, neste caso especial, no indivíduo-MULHER?

Na realização da pesquisa procuramos observar se é possível falar em uma “nova

disciplina do trabalho” (TIRIBA, 2001), nesta experiência do trabalho coletivo e autogerido

daquelas mulheres, aprender quais caminhos percorre o grupo de mulheres, da criação ao

fazer cotidiano, de suas redes, de seus fios invisíveis de produção, mas também de (re)

produção das relações humanas.

Inicialmente tivemos conhecimento de que a associação não era a única fonte de

renda das mulheres artesãs, a retirada mensal na associação não se mostrava suficiente para

gerir a vida coletiva. A inquietação inicial foi tomando forma ao longo dos períodos de

convivência com elas e nos fez questionar em diferentes momentos o como entender porque

essas mulheres continuavam a produzir de forma coletiva e solidária, se como elas mesmas

afirmavam: “Não recebemos o que a gente merece”.

O nosso objetivo ao longo da pesquisa foi de compreender no trabalho coletivo das

mulheres artesãs, a dimensão do trabalho como principio educativo, como atividade humana

e como se tecem os processos econômicos, sociais, produtivos e educativos desse fazer.

Procuramos elencar os saberes presentes nas práticas cotidianas das mulheres artesãs,

captando o princípio educativo dos seus modos de produção, articulando o universo

simbólico deste coletivo.

Esta pesquisa se preocupa em não ter um olhar utópico ou ingênuo, em que se diga

que experiências isoladas podem ser redentoras e responsáveis por mudanças estruturais no

modo de produção, mas, acreditamos que o trabalho coletivo, objeto de nossa pesquisa, surge

como possibilidade da tessitura de outros fios de uma outra lógica de sociedade.

Desta maneira, as observações e participações sistemáticas das atividades realizadas,

os processos vividos na interação como o campo empírico, foram minuciosamente guardados

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em um “Diário de campo2”, além de uma máquina fotográfica para fotos e vídeos, e um

gravador de voz para as entrevistas, bem como as reflexões resultantes dos contatos com os

sujeitos da pesquisa. As entrevistas foram feitas individualmente com cada uma das seis

mulheres e para que suas rotinas não fossem muito alteradas, elas aconteceram no local de

trabalho das mesmas, na loja ou no ateliê, com exceção de Rosane, que foi feita em sua casa

depois do expediente. As entrevistas tiveram a duração média de uma hora, sendo transcritas

na íntegra. A pedido delas seus nomes foram mantidos com as devidas precauções éticas.

Assim, dividimos o texto dissertativo em três capítulos. No Capitulo I, em “O trabalho

Associado: da modelagem do barro à constituição dos sujeitos coletivos e solidários”,

apresentamos um breve relato histórico da concepção do trabalho e do trabalho associado; da

invenção do trabalho familiar e de como homens, mulheres e crianças foram usados pelo

capital para atender as suas demandas históricas de mão de obra.

No capítulo II, “Encontros de mulheres: locais da pesquisa”, tratamos dos fios que

constituem a produção material coletiva propriamente dita das mulheres artesãs e como o

trabalho e a vida se entrecruzam concomitantemente no fazer cotidiano.

No capitulo III, “Das mãos das mulheres artesãs: (re) produzir as peças, os saberes e a

vida”, registramos o resultado das entrevistas feitas com as artesãs. Buscamos subsídios

teórico-metodológicos para refletir sobre a dimensão educativa dos processos de trabalho sob

o controle dos trabalhadores nas experiências das associações populares. Neste capítulo

discutimos os saberes provenientes da experiência das mulheres artesãs e procuramos

entender/analisar como são tecidos os fios que ao produzirem arte e vida, promovem também

o conhecimento; como são difundidos, apreendidos os saberes, e como o trabalho se

apresenta como princípio e fim educativo. E por fim, nas considerações finais, algumas

respostas acerca do trabalho coletivo das mulheres artesãs do Distrito de Progresso, como nos

processos econômicos, sociais e educativos, o trabalho coletivo e solidário é tecido.

2 Diário de Campo: instrumento usado comumente pela antropologia, para registros e anotações das impressões diárias individuais do pesquisador.

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CAPÍTULO I

Transformar em liberdade o que é necessidade.9

Gramsci

Fotografia 1-2-3-4-5-6 – O trabalho das mulheres artesãs no ateliê. Arquivo pessoal da pesquisadora.

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1 O TRABALHO ASSOCIADO: DA MODELAGEM DO BARRO À

CONSTITUIÇÃO DOS SUJEITOS COLETIVOS E SOLIDÁRIOS

“A etimologia da palavra trabalho vem do latim tripaliare, do substantivo tripalium,

aparelho de tortura formada por três paus, ao qual eram atados os condenados e os animais”.

(ARANHA, 1993, p.9). Por esse motivo houve historicamente a vinculação do trabalho ao

sofrimento, à tortura, à pena, à labuta.

Na Idade Moderna, com a ascensão da burguesia oriunda dos antigos servos que

compravam sua liberdade e dedicavam-se ao comércio, surge outra concepção sobre o

trabalho, que começa a ser visto como atividade/ocupação virtuosa. Verifica-se então, um

intenso interesse pelas artes mecânicas e o trabalho em geral. A nova burguesia busca novos

mercados e há a necessidade de estimular as navegações.

Nos séculos XV e XVI surgem alguns inventos que mudariam para sempre a vida das

pessoas, pois impulsionaram o progresso técnico e os avanços da ciência. As grandes

navegações e empreendimentos marítimos culminam com a ‘descoberta’ do Caminho das

Índias e das terras do Novo Mundo. As caravelas ‘tocadas’ pelo vento requerem grande força

de trabalho humano, anteriormente usado nos remos dos navios.

A Revolução Industrial a partir do fim do século XVIII, na Inglaterra, representou uma

série de inovações técnicas que marcaram a transição da produção manufatureira para

industrial moderna. O mundo passa da produção agrícola para a produção industrial, que traz

consigo a ‘modernidade’. Ela transformou a história mundial, e foi responsável por grandes

mudanças/transformações no processo de produção artesanal e manufatureiro para a produção

fabril.

As máquinas a vapor apesar de terem sido responsáveis por grande número de

desempregados, substituindo o trabalho humano, por outro lado revolucionaram o modo de

produção, com o aumento e a aceleração desse processo, além de marcar a transição entre o

feudalismo e o capitalismo.

Com o surgimento da máquina a vapor, a indústria têxtil experimenta grande impulso.

O setor da metalurgia desenvolve-se e no campo presencia-se a Revolução Agrícola.

Trataremos sucintamente o que representou a revolução industrial e o

desenvolvimento/aparecimento do modo de exploração do trabalho pelo capitalismo, com a

“organização familiar do trabalho”. Segundo Nogueira (1990, p.24):

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O modo de trabalho baseado principalmente na habilidade e destreza humana é substituído por uma nova forma de produzir que se assenta sobre o sistema de máquinas (vantagens: rapidez, precisão, regularidade, infatigabilidade). As fontes tradicionais de energia (força humana ou animal) cedem lugar as formas inanimadas (energia hidráulica, a vapor, cuja potência e independência em relação aos acidentes e acasos da natureza constituem-se em fatores de elevação da produtividade.

As transformações que ocorreram na organização do trabalho, na emergência do

sistema fabril, tinham a intenção de concentrar massas de operários assalariados,

invariavelmente mal pagos, trabalhando seguindo rígidas disciplinas externas e sob vigilância

constante, com o objetivo do aumento da produtividade. Na prática trouxe uma nítida

deterioração das condições de trabalho quer seja referente à jornada de trabalho, quer seja no

tocante à “utilização selvagem da força de trabalho de mulheres e crianças”. (NOGUEIRA,

1990, p.24). Marx chama a atenção para a capacidade da indústria de se apossar de elementos

antes à margem desse processo. Assim o trabalho da mulher e do menor:

[...] permite o emprego de trabalhadores sem força muscular ou com desenvolvimento físico incompleto, mas com membros mais flexíveis. Por isso, a primeira preocupação do capitalista ao empregar foi a de utilizar o trabalho das mulheres e das crianças. (1996, p. 449).

É importante lembrar que a classe operária daquela época era composta por mulheres,

crianças e adultos, e cuja remuneração implicava em condições deploráveis e desumanas.

Com o progresso e a simplificação do trabalho, devido à mecanização, houve uma

necessidade cada vez maior de braços juvenis, sendo usado o emprego massivo de crianças,

“os aprendizes”. Como Marx relata:

As crianças se cansam progressivamente e ficam agitadas como pássaros à medida que se aproxima o fim da longa tarefa a que estão aprisionadas, monótona, fatigante para a vista, esgotante pela postura uniforme do corpo. É um verdadeiro trabalho escravo. (1996, p.536).

Eram órfãos, abandonados, indigentes etc., (de 7 até 13, 14 anos) levados para

Workhouses3 paroquiais que ficavam próximos às fábricas. Com a preferência dada à máquina

a vapor em relação à energia hidráulica, gradualmente, as usinas começam a se implantar nas

cidades, onde a mão de obra era farta. A partir desse momento o industrial pôde substituir os

3 Lugar denominado asilos de trabalho, onde ficavam internados crianças e órfãos. (MARX, 1996, p.304).

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workhouse pelo trabalho familiar. Este foi o período de organização familiar do trabalho, em

que pais e filhos trabalhavam em fábricas e, por vezes, na mesma fábrica, contratados pelo

mesmo patrão. Sobre isso Parias relata,

[...] logo as crianças das paróquias não foram suficientes para suprir as necessidades. Os pais que no início encaravam com desconfiança o emprego de seus filhos acabaram por aceitá-lo, e, por vezes até mesmo por sentirem aliviados, pois que a paga das crianças não podia ser desprezada. (PARIAS, 1973, p.319 apud NOGUEIRA 1990, p.39).

Desta forma, era o próprio pai quem levava o filho desde muito cedo para o trabalho,

“antes vendia o trabalhador sua própria força de trabalho, da qual dispunha formalmente

como pessoa livre. Agora vende mulher e filhos. Torna-se traficante de escravos”, como

lemos em Marx (1996, p.451). Uma das razões pelas quais os pais “colocavam” seus filhos no

trabalho - sobretudo os mais necessitados - era pela colaboração financeira que este outro

membro da família poderia oferecer. E Marx (2008a, p.13) completa: “a burguesia rasgou o

véu comovente e sentimental do relacionamento familiar e reduziu a uma relação puramente

monetária”.

Importante lembrar que por falta de condições e na busca pela sobrevivência e/ou

melhores condições, a família mantinha todos trabalhando. Pela necessidade mulheres e

crianças a partir de seis anos de idade, já eram trabalhadores. A guarda das crianças também

representava outra preocupação das famílias, pois uma vez tendo que trabalhar não tinham

com quem deixar seus filhos pequenos. A falta de creches ou o número irrisório disponível de

espaços alternativos onde as crianças pudessem ficar para resolver o problema do “tomar

conta” representaram também motivos para que as famílias levassem (precocemente) seus

filhos consigo à fábrica.

Assim, no século XIX, o ‘progresso’ trouxe em seu bojo as diferenças sociais pela

exploração do trabalho e das péssimas condições de vida (diríamos condições de morte);

jornadas de trabalho de 16-18 horas, sem nenhum direito assistencial, e com a contratação de

mulheres e crianças, que recebiam remuneração menor do que a paga aos homens. As

mulheres e crianças eram alojadas em locais sem nenhuma higiene e pouquíssima iluminação

em condições desumanas e insalubres.

Os relatos de maus tratos a que as crianças eram submetidas fazem parte de um

capítulo real e desumano da história da revolução industrial, mas que aqui abordamos

brevemente, sem com isso diminuir a importância da sua discussão por não ser - a infância - o

foco principal de nossa pesquisa.

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Deste modo, o capitalista se apodera cada vez mais do que é produzido pelo

trabalhador, tornando-se cada vez mais rico, e o trabalhador torna-se um mero executor de

tarefas prescritas e cada vez mais pobre. Para Marx, o trabalho não deve ser instrumento de

exploração, e sim, condição de liberdade quando, o homem trabalha para si, quando pelo

trabalho ele faz a si mesmo homem. Podemos inferir que Marx defendeu o trabalho que

proporciona liberdade, que não aliena, não explora e não acorrenta o trabalhador. Para ele,

O trabalho é, em primeiro lugar, um processo de que participam igualmente o homem e a natureza, e no qual o homem espontaneamente inicia, regula e controla as relações materiais entre si próprio e a natureza. Ele se opõe à natureza como uma de suas próprias forças, pondo em movimento braços e pernas, as forças naturais de seu corpo, a fim de apropriar-se das produções da natureza de forma ajustada a suas próprias necessidades. (1996, p. 197-198).

Sobre o trabalho como liberdade, Hegel faz uma leitura da função do trabalho na

célebre passagem “do senhor e do escravo” 4 em Fenomenologia do Espírito quando se refere

a dois homens, que lutam entre si, e o vencedor tinha o direito de tirar a vida do perdedor. O

vencedor ao invés de matar o vencido decide mantê-lo vivo e o conserva como ‘servo’. O

servo submisso faz tudo para seu senhor, e com o tempo o senhor descobre que não sabe fazer

mais nada, o senhor se descobre dependente de seu servo. O servo aprende a vencer a

natureza e recupera de certa forma a liberdade e “evolui” no interior da própria servidão. É a

liberdade reconquistada através do trabalho.

Neste sentido, pensar as relações humanas na contemporaneidade é pensar o trabalho

como uma ação transformadora e educativa, que faça com que os homens, sujeitos ativos da

história, modifiquem sua maneira de pensar, agir e sentir; faz com que não sejamos os

mesmos ao final de uma atividade produtiva. Sendo o trabalho uma ação transformadora, o

que dizer, então, do homem e da mulher que não encontram uma atividade produtiva que lhes

garanta a sua subsistência e a de seus dependentes?

4 Maria Lúcia de Arruda, Filosofando: introdução à filosofia, São Paulo: Moderna, 1993.

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1.1 O Trabalho Associado

Uma andorinha só não faz verão5.

Rosane, artesã

Quando pensamos no papel social do trabalho temos a tendência de pensá-lo na

sociedade capitalista em que vivemos. Entretanto, no acompanhamento do processo de

constituição do grupo de mulheres artesãs do Distrito de Progresso, de Tangará da Serra-MT,

pudemos testemunhar a tessitura de relações solidárias, produtivas e associadas, numa

tentativa de conviver com outras lógicas de organização e produção econômica.

O desenvolvimento biológico levou os antepassados do homem ao desenvolvimento

do trabalho, inicialmente instintivo e bem mais tarde trabalho humano consciente. De acordo

com diferentes autores e pesquisadores o ponto em comum para este desenvolvimento foi a

necessidade premente. Desenvolveram-se com a atividade laboral, o pensamento e a

linguagem humana, que para Marx (2008b, p. 56) “a linguagem surge como consciência da

incompletude, da necessidade dos intercâmbios com os outros homens. Onde existe uma

relação ela existe para mim”.

Para Marx, (2008b, p.57) diferente do animal, o homem se relaciona com os iguais

pela “consciência da necessidade de estabelecer relações com os indivíduos que o cercam é o

início, para o homem da tomada de consciência de que vive em sociedade”. O autor alerta que

essa “necessidade” do homem se relacionar, a princípio trata-se de simples consciência

gregária, que distingue o homem do animal por conta de que seu instinto é consciente.

Podemos dizer que o trabalho laboral e, por conseguinte, o trabalho coletivo foi o grande

responsável pela formação das relações sociais. Portanto, pode ser o elemento chave para/da

consciência humana.

É sabido que o capital exclui precocemente, e sem nenhum constrangimento, da escola

e do mundo do trabalho, homens e mulheres, que não se ‘enquadram’ às suas exigências de

qualificação e competências. Algumas experiências em unidades econômicas, por agentes

externos como Organizações Internacionais, Governos, Empresários, estão longe de ser

iniciativas populares, e por vezes visam o “combate ao desemprego” e “alívio aos pobres”.

(TIRIBA, 2001, p.30). São iniciativas em que os excluídos, por meio de trabalho precarizado,

5 Dito popular usado por Rosane, uma das artesã sujeitas da pesquisa.

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desenvolvem trabalhos que nada têm de autônomo e criativo ou que tenham surgido de

demandas, afinidades e/ou escolhas de pessoas e de seus grupos.

Neste sentido, as mulheres artesãs conseguem, mesmo que ainda de forma

insatisfatória, como elas dizem, atender algumas necessidades individuais, e por isso optaram

e optam pelo trabalho coletivo e solidário. Nas observações das atividades desenvolvidas

pelas mulheres artesãs, verificamos que elas criam condições para sobreviver dentro de um

sistema econômico excludente, desumano e feroz, que historicamente lhes negou o acesso ao

ensino formal e sua inserção social.

Como já dissemos anteriormente, as mulheres uniram-se pela aptidão do trabalho com

o barro, pelo desejo do convívio, e pela necessidade de ter outra renda. A responsabilidade

pelo coletivo foi conquistada também no coletivo, pelo convencimento, fruto da ‘consciência’

de que essa era a opção, a saída, processo esse que é interno, individual, mas também

coletivo.

Podemos inferir que trabalhar de forma coletiva e cooperada não é tarefa das mais

simples, e acontece em meio a tensões e contradições no/do processo de produção das peças

artesanais, como elas relatam em entrevistas. Em uma sociedade cada vez mais egoísta e

individualista, viver e trabalhar de forma solidária são habilidades que precisam ser

aprendidas. E a produção associada das mulheres artesãs pode apresentar-se como

possibilidade dos trabalhadores recriarem uma ‘nova disciplina do trabalho’ (TIRIBA, 2001)

de dominarem as etapas do trabalho, da concepção a execução, de conquista da autonomia

que efetive seus direitos e dê condições de vida para si e para os seus.

Nas entrevistas com as artesãs, sobre os principais motivos que as levaram ao trabalho

coletivo e solidário, temos: problemas de saúde como depressão, solidão, desejo de ter (mais)

uma renda familiar. A partir dos motivos expostos e dos cursos oferecidos pela prefeitura

municipal, elas, somaram esforços para continuar acreditando que “vai melhorar, que a gente

vai conseguir vender mais”. Podemos dizer que a adesão das trabalhadoras às práticas de

cooperação e reciprocidade se efetiva primordialmente porque as mesmas se veem

convidadas/obrigadas a fazê-las, na expectativa de “vida mais digna”.

Deste modo, nosso objetivo é compreender no caso das mulheres artesãs, a dimensão

do trabalho coletivo como princípio educativo, o que significa dizer que o trabalho de

produzir a vida social é também processo de produção de saberes. Buscamos, também,

elencar os saberes presentes nos processos econômicos, sociais e produtivos vistos nas

práticas cotidianas do trabalho das mulheres artesãs.

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O capital acaba por ‘empurrar’ muitos dos trabalhadores a iniciativas que por vezes

têm a intenção de atenuar os conflitos sociais e acabam por acelerar o processo de

reestruturação produtiva. O trabalhador se vê então, obrigado, nessa nova configuração de

uma sociedade exigente, e de uma economia excludente, a buscar novos caminhos e conceber

novos meios para efetivar o trabalho. As ações coletivas na perspectiva da produção associada

como percebemos na experiência da produção solidária das mulheres, surgem como

possibilidade de trabalho para àqueles que foram excluídos ou que não conseguiram se inserir

no mercado de trabalho, seja por qual motivo for.

Deste modo, o trabalho associado realizado por seis mulheres com idades entre 36 e

65 anos, artesãs ceramistas, acontece há dois anos no Distrito de Progresso. Elas encontraram

no trabalho associado e na autogestão uma possibilidade de construir ‘novas’ formas de

produzir a vida coletivamente, na perspectiva da solidariedade e da divisão do trabalho e do

resultado da produção.

Historicamente, o trabalho coletivo revela estratégias de sobrevivência solidárias entre

pessoas da mesma família, vizinhos, colegas/amigos. No mutirão para a construção do ateliê;

na busca de materiais do “lixão”; na solidariedade das demais mulheres com as companheiras

que perderam seus familiares; na paciência com Amélia; na tolerância quanto ao horário de

trabalho; na divisão igualitária do resultado da produção, mesmo que as horas trabalhadas não

sejam as mesmas, podemos ver formas de resistência às condições de desemprego em que as

mulheres se associam umas às outras, por entender que sozinhas não conseguirão satisfazer

suas necessidades e/ou complementar sua renda familiar. Neste sentido, “o verdadeiro

resultado de suas lutas não é o sucesso imediato, mas a união crescente” (MARX, 2008a, p.

24).

O trabalho autogerido e de forma associativa é estratégia de sobrevivência de vida e de

sociedade. E apesar dele fazer parte e estar subordinado ao capital – e não teria como ser

diferente – “e não passar de pequenos arranhões na superfície do capitalismo” (SECCHI,

2011, p.30), pode ser iniciativa dos setores populares, por apresentar potencialidades e

possibilitar que os trabalhadores recriem novas e velhas relações entre trabalho e capital, mas

especialmente permite a eles repensar o sentido da práxis produtiva.

É difícil pensar em um projeto de sociedade, em que se vislumbra uma nova

hegemonia nesse contexto, onde os grupos econômicos se apoderam e monopolizam os

recursos naturais, as riquezas, as tecnologias, o dinheiro. Onde o lucro é objeto de desejo,

perseguido a qualquer custo e a custa da exploração dos recursos naturais e das péssimas

condições de trabalho e de vida das pessoas.

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Em resposta a esta “ética” do mercado, as organizações de produção associada surgem

como uma alternativa de trabalho para muitos trabalhadores e trabalhadoras que por estarem

desempregados ou que não conseguiram se inserir no mercado, necessitam de uma outra

renda, como é o caso das mulheres artesãs. Referente a isso Gaiger lembra,

O desenvolvimento da organização cooperativista popular, de economia solidária, ressurge como uma nova alternativa ao desemprego a partir de um novo setor econômico, formado por pequenas empresas e trabalhadores por conta própria, composto por (ex) desempregados. Esta pode ocorrer através da “expansão das iniciativas populares de geração de trabalho e renda, baseados na livre associação de trabalhadores e nos princípios de autogestão e cooperação” (1999, p.33).

As mulheres intencionam segundo seus relatos “a melhoria na qualidade de vida de

todo grupo”, portanto, demonstram preocupação com a vida coletiva. E ao dirigir

coletivamente o processo de produção desde o planejamento até a sua execução, elas

participam das decisões, o que possibilita às trabalhadoras uma motivação maior. São grandes

as dificuldades que elas enfrentam na organização do processo de produção e na

administração de suas unidades. E esses momentos são compartilhados com todas, para que se

encontre o melhor caminho.

Sendo assim, o trabalho associado das mulheres pesquisadas é revertido em favor

delas próprias que têm a possibilidade de uma melhoria da qualidade de vida e de sua

satisfação. Diferente de uma economia capitalista, exploratória e desumana, a autogestão traz

potencialmente uma série de vantagens, em especial para esse ‘novo’ setor econômico, e para

as associações que produzem na perspectiva do trabalho coletivo e solidário. Podemos dizer

que as mulheres artesãs, do Distrito de Progresso, praticam a autogestão não apenas na

organização e produção de suas peças artesanais, mas também fazem a autogestão da vida.

Elas se auto-organizam para resolver problemas pessoais, que tomam proporções do coletivo,

o problema de uma passa a ser o problemas de todas.

Apesar de reconhecermos que o aspecto econômico, resultado do trabalho, é um

gerador de interesses e disposições para que sujeitos sociais se organizem em associações ou

grupos sociais, e a partir dessa experiência de produção material; vemos que na experiência da

produção coletiva das mulheres o aspecto econômico não é definidor para que elas continuem

a produzir de forma coletiva e solidária. O resultado de seus trabalhos ainda é insuficiente

para que elas se mantenham, para que se sustentem, a si e a seus familiares. Mesmo assim, as

mulheres artesãs continuam juntas porque acreditam que “as coisas vão melhorar, que nós

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vamos ganhar mais” e no convívio através do trabalho coletivo com as companheiras elas

também dividem as alegrias, tristezas e aflições.

Os espaços onde acontecem o trabalho coletivo e solidário, o ateliê, loja e feira, são

locais onde o processo produtivo e educativo se fundem e se completam influenciando

dimensões afetiva, psicológica, espiritual, ética, política e social dos sujeitos. Para Mance,

Não estamos aqui apresentando a utopia de um mundo a ser realizado em um futuro longínquo. Pelo contrário trata-se de um projeto que pode ser iniciado desde já e em toda parte onde seja possível as pessoas organizarem atividades autônomas de consumo e labor. (1999, p.13).

Corroboramos com Mance quando afirma que a utopia se faz realidade na medida em

que as mulheres artesãs vivem um processo de produção material e de educação mediada

pelas práticas sociais, em que a materialidade da vida faz a mediação pedagógica na

construção do conhecimento, com o objetivo de produzir novos sujeitos e novas relações

sociais. Como afirma Kuenzer, o processo de produção é contraditório, mas é também

educativo,

O homem se educa se faz homem, na produção e nas relações de produção, através de um processo contraditório em que estão sempre presentes e em confronto, momentos de educação e de deseducação, de qualificação e desqualificação e, portanto, de humanização e de desumanização. (1985, p.11).

Ademais, vemos que nas relações de produção do artesanato, as mulheres produzem

além da confecção das peças de barro, outras relações como relações de amizade, de

consciência do coletivo, do cuidado. Mas estas relações não se dão de forma tranquila, como

identificamos, por exemplo, quando questionam o fato do espaço onde funciona o ateliê não

pertencer à associação, ou na desconfiança quanto à correta divisão do fruto de seus trabalhos

ou do cumprimento do horário de trabalho. Ou seja, dá-se frequentemente em meio a

conflitos, assim se constitue o processo de humanização e por esse motivo é educador. Sobre

isso Kuenzer lembra:

Isto implica que a pedagogia do trabalho em suas dimensões contraditórias se constitui em mediação entre o velho e o novo modo de produzir, enquanto, mediante seus intelectuais, faz a crítica ao velho e contribui para a elaboração e veiculação da nova concepção de trabalho a partir das transformações concretas que ocorrem ao nível do processo produtivo. (1985. p.14-15).

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Essa nova concepção do trabalho coletivo e solidário, só fará sentido se for gestada e

construída pelos próprios atores, nas transformações concretas que o fazer diário possibilita,

resultando em uma conquista de independência não somente financeira, mas, em outros

aspectos da vida em sociedade, sem que isso se confunda com individualismo ou egoísmo.

As mulheres desenvolvem seu trabalho no sentido do domínio dos meios de produção

de sua comercialização, de subsistir, em busca de autonomia econômica e emancipadora.

Seria a reinvenção do poder? O poder de controlar o processo de distribuição do resultado

desse trabalho?

Podemos dizer que essas artesãs, trabalhadoras associadas, questionam indiretamente

o capital no que diz respeito ao controle social da produção, que numa economia capitalista

fica por conta do patrão. Ao contrário, elas resistem através da criação da associação às

formas de trabalho propagado pelo taylorismo/fordismo, forma de produção que vigorou na

grande indústria ao longo de praticamente todo século XX, e que se baseava na produção em

massa de mercadorias, que separava planejamento e execução e o trabalhador não dominava

todas as etapas do processo produtivo.

Para Frigotto:

A forma do capital agora é dominantemente de destruição de direitos e obstáculo à liberação de trabalho, já possibilitado em larga escala pelo avanço das forças produtivas, não significa que o sistema capital desapareça automaticamente por suas contradições internas. Os indícios que temos, assinalados por vários autores é que o capital continua agora se afirmando pela destruição. Dados não faltam! (2001, p.15).

Assim, como nesta constatação de Frigotto, pensamos que ao se recuperar

coletivamente os saberes do preparo do barro para a modelagem das peças, ao afirmar o

direito a viver de seu trabalho, as mulheres artesãs do Distrito de Progresso contam com a

possibilidade de uma forma de produzir diferente da vigente; uma economia exploradora que

tem como premissa a qualidade de vida das pessoas.

As associações de trabalhos coletivos como na experiência da produção das mulheres

acabam por oferecer condições para os excluídos do mercado de trabalho em uma sociedade

que exige cada vez mais qualificações específicas das pessoas, seja nas relações com o

mundo do trabalho, como também nas diferentes dimensões da vida. Os avanços

tecnológicos têm exigido maior eficiência e capacidade produtiva por parte dos

trabalhadores, tanto para que se mantenham, como também, para que possam ingressar nos

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“mundos do trabalho, geralmente submersos e dependentes do modo capitalista de produção”

(TIRIBA, 2003, p.1).

Em um sistema capitalista que é especialista em globalizar a fragmentação e a

exclusão da maioria, e que ainda tem a habilidade em convencer e responsabilizar os

excluídos de que eles são os culpados pela sua condição, podemos dizer que apesar de se

tratar de um pequeno grupo de mulheres, a associação de artesãs, acena para uma outra

possibilidade de produzir. Esta experiência, mesmo que em pequena escala, possibilita um

olhar esperançoso de que é possível produzir de modo coletivo e solidário e que “no trabalho

por conta própria”, o horário, a produção e o que produzir pode ser decidido pelo coletivo das

pessoas.

Percebemos que nas últimas décadas, a sociedade contemporânea tem presenciado

profundas mudanças e transformações, que promovem novos comportamentos sociais e

alteram as formas de produzir a vida pelo trabalho. A crise estrutural do (des) emprego, a

flexibilização das relações entre capital e trabalho decorrentes da reestruturação produtiva,

tais como o desemprego, o trabalho precário e a destruição da natureza, entre outros fatores,

têm resultado em mudanças estruturais na organização do mundo do trabalho e na vida das

pessoas. As consequências mais visíveis dessas alterações têm sido o acirramento da

degradação das relações do indivíduo com seus pares, com a sociedade e com a própria

natureza.

Ao mesmo tempo em que se observa o crescimento dos índices de desemprego e

subemprego devido ao fato de as pessoas “não atenderem” as exigências do mercado de

trabalho, cada vez mais competitivo, observa-se por outro lado, “incentivos” ao trabalhador

para que se qualifique. Apesar de, em grande número tratar-se de qualificações parciais e

fragmentadas e de caráter eminentemente prático, a maioria das vezes não valorizam a

apropriação de conhecimentos científicos, tecnológicos. Esses cursos, em sua maioria,

intencionam a “flexibilidade” de seus trabalhadores, levando-os a desempenharem suas

funções com maior competência, atendendo assim, ao mercado e tornado-se empregáveis.

Para os demais, resta a disputa para continuarem empregados, ainda que num trabalho

precarizado. Para esses, basta uma certificação qualquer de escolaridade e/ou de formação

profissional. Deste modo, a “inclusão-excludente”, justifica pela incompetência, a exclusão

de grande número de trabalhadores do mundo do trabalho, dos direitos e das formas dignas

de existência.

A análise feita por Marx (1996), originalmente cada comunidade produzia seu sustento

e o que fosse necessário era adquirido através de relações de troca com as outras

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comunidades. Ao mesmo tempo em que acontecia a ‘especialização’ das comunidades em

seus ramos de produção, intensificava-se a divisão do trabalho.

O modelo/tipo de produção taylorista/fordista aperfeiçoou a divisão do trabalho, e

caracteriza-se pela separação entre concepção e execução. O trabalho é fragmentado e

simplificado, com operações curtas, que por fundamentar-se na linha de montagem acoplada à

esteira rolante, evita deslocamento dos trabalhadores, reduzindo o tempo ocioso, e por

consequência aumentando o lucro, principal intento do proprietário; além de exigir dos

trabalhadores pouco tempo para formação/treinamento. O modelo fordista defendia que os

lucros auferidos através da produtividade deveriam ampliar os investimentos na produção e

aumentar os salários dos trabalhadores dando-lhes assim maior poder de compra.

Os princípios do fordismo, entre outros aspectos, implicavam uma racionalização

taylorista do processo de trabalho. Deste modo, pode-se dizer que o modelo fordista se

caracteriza pela utilização da esteira rolante, com a eliminação do tempo morto, da

ociosidade, pela mecanização, produção em massa e rígido controle do tempo – “o melhor

gesto” (LIPIETZ, 19886) dos trabalhadores.

Em meados dos anos 1960, e início dos anos 1970 após período de acumulação de

capitais e desenvolvimento econômico, o capitalismo começa a dar sinais de exaustão. Os

motivos mais evidentes foram: a queda da taxa de lucro, pelo aumento do preço da força de

trabalho e intensificação das lutas sociais que almejavam o controle social da produção; o

esgotamento do modelo taylorista/fordista, que levado pelo desemprego resultou em retração

do consumo; a crise do Bem Estar Social Welfare State que intencionava regular os conflitos

sociais, entre outros. Nas palavras de Antunes:

Como resposta à sua própria crise, iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan foi expressão mais forte; a isso se seguiu também um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores. (2009, p.33).

Observam-se então mudanças no padrão de acumulação para atender a necessidade de

manter/elevar as taxas de lucratividade, dinamizar o setor produtivo que apresentava sinais de

6 LIPIETZ, Alan O pós-fordismo e o seu espaço. Revista Espaço e Debate, n. 25, 1988, p.13, disponível em: http://lipietz.net/ALPC/REG/REG_1987h-po.pdf, acessado em 19/08/2011.

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falência. O Capital inicia um processo de reorganização de produção, e intenta recuperar a

autonomia nas suas várias formas. Intensifica o processo produtivo mediante incremento

tecnológico com o intuito de aumentar a produtividade, isso implicou na precarização da força

humana e degradação do meio ambiente em nome da produção de mercadorias e do processo

de valorização do capital. A crise do processo produtivo acaba por incentivar a expansão dos

capitais financeiros especulativos.

Conforme Caetano:

A terceirização e as inovações tecnológicas evidenciam um cenário marcado pela crescente precarização das condições de trabalho, no tocante às relações de trabalho, desemprego, salário, jornada de trabalho, intensificação no ritmo de trabalho, contratos de tempo parcial, trabalho temporário etc. (2001, p. 96).

“Esse período caracterizou-se também – e isso é decisivo - por uma ofensiva

generalizada do capital e do Estado contra a classe trabalhadora e contra as condições

vigentes durante a fase de apogeu do fordismo”, como diz Antunes, (2009, p.34). O

trabalhador é desqualificado tecnicamente com o trabalho parcelado e hierarquizado.

Nas últimas duas décadas do século XX, a sociedade presenciou profundas mudanças

e transformações nas formas de organizar o trabalho e a vida social, e as consequências

são/foram a degradação da condição humana e da natureza. A crise estrutural do emprego (ou

a falta dele), a flexibilização7 das relações entre o capital e trabalho decorrentes da

reestruturação produtiva8, da era da acumulação flexível, experimentada pelo capital, entre

tantas consequências, tem resultado em mudanças na organização do mundo do trabalho e

com reflexos diretos na vida das pessoas, frequentemente causando a diminuição da qualidade

de vida. Segundo Caetano,

Nos últimos trinta anos, principalmente nas décadas de 80 e 90, intensifica-se o processo denominado 'reestruturação produtiva', visto que a articulação entre o aumento da produtividade e a redução de custos é considerado a alternativa à subsistência das empresas num cenário

7 A flexibilidade ou flexibilização ocorreu pela necessidade de se manter os postos de trabalho os trabalhadores se sujeitavam a mobilidade de postos de trabalho, maiores responsabilidades, houve a desvalorização do trabalho e principalmente do trabalhador. 8 “A reestruturação produtiva e industrial consiste em um processo que compatibiliza mudanças institucionais e organizacionais nas relações de produção e de trabalho, bem como redefinição de papéis dos estados nacionais e das instituições financeiras, (MIRANDA, 1993), visando a atender às necessidades de garantia de lucratividade. Nesse processo, a introdução das novas tecnologias informatizadas tem desempenhado papel fundamental”. Baumgarten 2002, p.268 apud CATTANI.

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doravante marcado pelo acirramento da concorrência entre as mesmas. A concorrência que até então permanecia, em certa medida, circunscrita aos mercados nacionais, não mais observará as fronteiras regionais, ou seja, a produção, a distribuição e o consumo de bens mundializam-se. (2001, p.94).

O ‘surgimento’ do capitalismo intensificou a procura do lucro, confinando o operário

ao trabalho, ao mesmo tempo em que lhe é retirada a posse do produto. O que ele produz não

lhe pertence e por isso tanto o trabalho quanto o produto do trabalho é estranho para ele. É o

que podemos chamar de desumanização do homem e humanização da mercadoria. O

trabalhador não se reconhece no produto do seu trabalho. Nas palavras de Tavares,

Como decorrência desse grande volume de desempregados, proliferam cooperativas, empresas familiares, trabalho domiciliar, micro e pequenas empresas. [...] A flexibilidade invade a organização da produção, fragmentando e desqualificando o trabalho, promovendo o desemprego e a reemergência de velhas formas de trabalho precarizado [...]. (2004, p.18).

Com a crise do capitalismo, os trabalhadores se viram obrigados a aceitar as regras da

“flexibilização” dos seus direitos e redução dos salários, na tentativa de “resistir às tendências

destrutivas e concentradoras da dinâmica capitalista” (SINGER, 2000, p. 114), e lutar por uma

sociedade mais humana, surgem as organizações ou associações, como alento, possibilidade e

oportunidade de trabalho para uma infinidade de trabalhadores que se encontram relegados a

um exército de reserva, ou vive as mazelas do trabalho precário9. Tanto no campo como na

cidade verifica-se um aumento significativo de trabalhadores em/com dificuldades de

manutenção da própria vida e a dos seus familiares, são os “socialmente excluídos”, de que

fala Adams (2010, p.69).

Para Mészaros (2005), o capital esgotou sua capacidade civilizatória e agora tende a

ser mera destruição de direitos duramente conquistados pela classe trabalhadora. Neste

sentido a economia popular se apresenta como uma possibilidade das pessoas sobreviverem

do próprio trabalho, da efetivação do direito ao acesso às necessidades básicas de

sobrevivência, através de uma atividade em que as relações têm como objetivo principal a

reciprocidade e as práticas cotidianas da vida social e dos seres humanos que dela participam.

Deste modo, os trabalhadores e trabalhadoras das camadas populares, para os quais

não existem políticas públicas que se situem além da assistência social, encontram no

9 “A definição de trabalho precário contempla pelo menos duas dimensões: a ausência ou redução de direitos e garantias do trabalho e a qualidade no exercício as atividade”. (GALEAZZI, 2002, p. 242-243, apud CATTANI, 2002).

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trabalho solidário e na autogestão uma possibilidade de sobrevivência, de manutenção da

vida e de sua integração social.

Entende-se por economia popular a possibilidade da valorização do trabalho e dos

seres humanos. É a possibilidade de homens e mulheres assegurarem o seu estar no mundo

através de estratégias de trabalho que objetivam não apenas a obtenção de excedentes que

possam ser trocados no mercado, mas ações coletivas organizadas que objetivam a reprodução

da vida no âmbito das comunidades.

Um dos aspectos importantes que diferenciam a economia popular solidária das outras

organizações solidárias - que não são necessariamente populares - é que não há emprego de

mão de obra de terceiros, não há contratação ou subcontratação. Como na atividade realizada

pelas mulheres artesãs todo o trabalho é feito por elas mesmas, ou pelo próprio grupo familiar.

Independente do número de trabalhadores ou da capacidade produtiva da unidade

econômica, o que difere dos demais é a negação do uso da força de trabalho como

mercadoria, a negação da relação empregador-empregado. Assim, o trabalho das mulheres

artesãs, do Distrito de Progresso, do início ao fim é pensado e discutido por todas, e isso não

acontece de forma tranquila, pelo contrário, acontece entre tensões. Eis aí um grande

momento de aprendizagem.

Dar homogeneidade à associação das mulheres que se organizam no trabalho

associado, não é apagar as diferenças, pelo contrário, é mesmo nas tensões e contradições,

identificar o que as aproxima nas relações humanas e produtivas. Onde o trabalho e os saberes

não apaguem o indivíduo e o coletivo dessas pessoas, que diferentes se fazem iguais. É a

valorização do trabalho e dos seres humanos.

São, assim, atividades/estratégias que os trabalhadores criam/desenvolvem com o

objetivo de produzir seu trabalho - e pela falta de emprego, ou como outra opção de renda -

condições de sobrevivência. Assim, Economia Popular, para Icaza e Tiriba é:

Tendo os trabalhadores a posse e/ou a propriedade individual ou associativa dos meios de produção, ao invés do emprego da força de trabalho alheio, o princípio é a utilização da própria força de trabalho para garantir não apenas a subsistência imediata como também para produzir excedente que possa ser trocado, no mercado da pequena produção mercantil, por outros valores de uso. Não se caracterizando pelo investimento de capital, mas pelo investimento em força de trabalho, o trabalho se constituiu no principal fator de produção, constituindo-se como a gênese e, ao mesmo tempo, resultado do conjunto dos demais fatores do processo de produção de bens e serviços. (2003, p. 104).

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Na organização social capitalista, onde a força de trabalho tornou-se mercadoria e o

trabalhador não é o dono do produto do seu trabalho, é possível dizer que o trabalho tem o

princípio educativo. A economia popular além de fazer a crítica à cultura imposta pela classe

dominante - pois o capital continua se afirmando pela destruição dos direitos conquistados -

propõe um novo momento histórico, de resistência à exclusão política, cultural e social das

classes trabalhadoras.

Neste contexto, a produção associada se apresenta como possibilidade de as mulheres

tomarem as ‘rédeas da própria vida’. E se retoma as discussões do que se convencionou

chamar de economia solidária10, termo usado também como economia popular solidária,

economia solidária, economia popular, socioeconomia solidária. Sobre o termo Singer

considera que:

Economia solidária é hoje um conceito amplamente utilizado dos dois lados do atlântico, com acepções variadas, mas que giram em torno da idéia da solidariedade, em contraste com o individualismo competitivo que caracteriza o comportamento econômico padrão nas sociedades capitalistas. (2003, p.116).

O que hoje é denominado de economia popular solidária ficou por décadas imersa, e

ainda o é em muitos casos, no que a literatura científica chama de autogestão, cooperativismo

ou economia popular. Uma prova disto é a polêmica, ainda existente, a respeito do atributo

popular acrescido à economia solidária ou ao cooperativismo, denominados, então, de

economia popular solidária, ou cooperativismo popular.

No Brasil, retomou-se a discussão acerca da economia solidária pelas Universidades,

via Incubadoras Universitárias, articulado às inúmeras cooperativas, associações,

empreendimentos populares e movimentos sociais populares, constatando-se que, embora as

experiências de economia popular e solidária existissem dentro dos marcos econômicos

vigentes, tais experiências ganharam visibilidade através das Incubadoras, no segundo

sermetre de 2002. O trabalho realizado pelas Incubadoras tornou-se emblemático na

formação de grupos de economia solidária, na formação da Secretaria Nacional de Economia

Solidária – SENAES, no segundo semestre de 2002.

Razeto compreende a economia popular solidária em cinco tipos de atividades e

empreendimentos, explicitando a diversidade e complexidade que permeiam estas relações:

10 A proposta era de Paul Singer, mas foi Aloísio Mercadante que a batizou com o nome de economia solidária (Singer 2001).

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Soluções assistenciais, como mendicância de rua, subsídios oficiais para indigentes, sistemas organizados de beneficência pública ou privada orientados a setores de extrema pobreza, etc.; atividades ilegais e com pequenos delitos, como prostituição, pequenos furtos, pequenos ponto de venda de drogas e outras atividades consideradas ilícitas ou à margem das normas culturais socialmente aceitas; iniciativas individuais não estabelecidas e informais como comércio ambulante, serviços domésticos de pintura e limpeza, entregadores com locomoção própria, guardadores de automóveis, coletores e vendedores de sucata, etc. – algumas vezes vinculados com o mercado formal; microempresas e pequenas oficinas e negócios de caráter familiar, individual ou de dois ou três sócios como lojas de bairro, oficinas de costura, bares, biroscas, etc. (geralmente dirigidos pelos próprios proprietários, com a colaboração da família; organizações econômicas populares: organização de pequenos grupos para buscar, associativa e solidariamente, a forma de encarar seus problemas econômicos, sociais e culturais mais imediatos (geralmente surgidos de paróquias, comunidades, sindicatos, partidos e outras organizações populares) e solidárias, como as cooperativas.(1993, p. 36-37, apud TIRIBA, 2003, p.3)

Neste sentido, o trabalho associado tem conquistado um lugar, e se apresenta como

uma alternativa para a classe trabalhadora tanto da cidade quanto do campo. Os sujeitos

dessa modalidade de economia popular estão vivendo processos de disputa por legitimação e

validação social desse modo de produção da existência, vinculada à reprodução ampliada da

vida e não do capital.

O trabalhador se vê então, obrigado, nessa nova configuração de uma sociedade

exigente e de uma economia excludente a buscar novos caminhos e conceber novos meios

para efetivar o trabalho. As ações coletivas na perspectiva da produção associada, surgem

como possibilidade de trabalho e renda para aqueles que foram excluídos ou que não

conseguiram se inserir no mercado de trabalho, seja por qual motivo for.

Como já assinalado, o trabalho associado realizado pelos sujeitos sociais de que

tratamos nesta pesquisa é efetivado por seis mulheres com idades entre 36 e 65 anos, artesãs

ceramistas, que há dois anos encontraram no trabalho associado e na autogestão uma

possibilidade de construir ‘novas’ formas de produzir a vida coletivamente, na perspectiva da

solidariedade e da divisão do trabalho e da produção.

Historicamente revela estratégias de sobrevivência solidárias entre pessoas da mesma

família, vizinhos, colegas/amigos. Tanto no cuidado do filho do vizinho, ou no mutirão para

construção ou reforma da casa do colega/amigo, podemos ver formas de resistência às

condições de desemprego ou subemprego em que as pessoas se associam umas às outras, pois

sozinhas não conseguirem satisfazer suas necessidades e/ou complementar sua renda familiar.

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O trabalho autogerido e de forma associativa é estratégia de sobrevivência de vida e de

sociedade. Apesar de fazer parte e estar subordinado ao capital, pode ser iniciativa dos setores

populares. Essa forma de organização apresenta potencialidades e acaba obrigando os

trabalhadores a recriarem novas e velhas relações entre trabalho e capital, mas especialmente

permite a eles repensar o sentido da práxis produtiva.

Cabe lembrar que a adesão dos trabalhadores às práticas de cooperação e

reciprocidade se efetiva primordialmente porque os mesmos se veem ‘convidados’ pela

necessidade a fazê-lo, por verificarem, eles próprios, que desse modo satisfazem os seus

interesses individuais e consequentemente os coletivos. Sobre isso Amélia afirma: “Ah,

porque é um dinheirinho que a gente recebe, mais um dinheirinho extra né, e é uma coisa que

a gente se ‘interte’ também né. Tá tudo junto, conversando e contando piada (risos) e

trabalhando. É ate divertido bem no fim né”.

Neste sentido, a produção coletiva solidária das mulheres artesãs se apresenta como

alternativa para essas trabalhadoras, para produção e reprodução ampliada da vida; uma

alternativa para amenizar de problemas de saúde e/ou da solidão. É a possibilidade dessas

mulheres, unidas por aptidão, e por escolha produzirem para além das mercadorias que podem

ser vendidas, elas objetivam manter os laços de amizade e solidariedade enquanto realizam o

trabalho manual.

Dona Fia nos ajuda a entender: “eu acho bom, eu pra mim eu tenho essas mulheres ai,

eu vejo elas assim, às vezes elas não sabem o que passa no coração da gente, como uma

família, outra família que a gente tem né e é bom ajuda no orçamento...”. É o que Tiriba &

Picanço (2004, p.84) chamam de “uma extensão da própria vida cotidiana dos setores

populares”.

Essas mulheres se organizam por vontade coletiva de definir com quem e para quem

estão produzindo, pela liberdade ou necessidade de poder fazê-lo. Trata-se de uma disciplina

voluntária que elas não se negam a cumprir, porque entendem a nosso ver, que o bem comum

é objetivo de todas. Segundo Marx (2008b, p. 44), “Ao produzirem seus meios de existência,

os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material”.

Na produção material, o ser humano produz a si mesmo como ser humano que faz

parte de uma sociedade, e tem a necessidade do outro para validar sua existência. E para isso é

inegável a importância da disciplina, mas uma disciplina voluntária, que não seja imposta que

se construa em relações dialéticas, onde não deve haver espaço para o autoritarismo. A

formação de uma vontade coletiva e por isso mesmo uma disciplina voluntária, pode

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significar também a construção de uma nova concepção de mundo e de vida que se deseja

constituir.

Assim, a produção coletiva das mulheres, diferente dos princípios taylorista que

pressupõem a disciplina e o controle de mãos e cérebro do trabalhador, tornando-se “gorila

amestrado” (GRAMSCI, 1989a, p.7), possibilita a essas trabalhadoras/artesãs o controle não

só da criação das suas artes, como também de todo o processo administrativo/produtivo.

Neste sentido, Dussel, nos ajuda na reflexão,

A cultura popular, longe de ser uma cultura menor, é o núcleo mais incontaminado e irradiativo de resistência do oprimido contra o opressor. Mas não se deve crer no espontaneísmo. O povo sozinho não pode libertar-se. O sistema lhe introjetou a cultura de massas, o pior do sistema. (1980, p.100 apud ADAMS, 2010, p.114).

Seria a necessidade material e afetiva o que levaria as mulheres artesãs a pensarem

sobre sua condição? Para Gramsci, (1989b, p.21), “a consciência de fazer parte de uma

determinada força hegemônica (isto é a consciência política) é a primeira fase de uma ulterior

e progressiva autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente se unificam”. A

autoconsciência do sujeito se faz no coletivo das relações, e é também no coletivo que

produzem e se identificam os intelectuais, que são sujeitos históricos, protagonistas,

responsáveis, agentes ativos.

A organização é uma forma de articular a sua existência na sociedade e essa cultura

da organização tem forte poder de atração. Segundo Nosella (1996, p.38), “Organizar é um

verbo que admite reflexibilidade; organizar-se, auto-organizar-se, assim pensar a organização

de, para e com, começa pelo trabalho consigo mesmo”. Para tanto, a disciplina não anula ou

não deve anular a personalidade, dela (disciplina) devem surgir sujeitos livres e socialmente

responsáveis e capazes de dar conta dos próprios problemas sociais.

Para se alcançar essa força hegemônica é necessário que o pensamento individual seja

o (mesmo) pensamento coletivo, considerando que as construções arbitrárias são rapidamente

eliminadas por não fazerem sentido no coletivo das pessoas, porque não foram construídas

também pelo coletivo. Ainda que, por vezes, sejam populares, historicamente não se

sustentam.

Entendemos por economia popular solidária as atividades econômicas e práticas

sociais desenvolvidas por sujeitos trabalhadores com o objetivo de assegurar a manutenção da

vida com a utilização da própria força de trabalho e com recursos disponíveis; o lucro não é

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fator fundante, mas sim, a reprodução da unidade doméstica e a valorização dos seres

humanos.

A expressão economia popular a partir das duas últimas décadas vem sendo utilizada

para definir atividades de trabalhadores que foram excluídos ou que não conseguiram se

inserir no mercado de trabalho. E buscam na produção associada, a complementação (por

vezes a única renda) necessária para a manutenção da vida. A economia popular solidária

caracteriza-se pelas relações de trabalho e de distribuição dos recursos oriundos desse

trabalho. Assim, os trabalhadores ocuparam empresas e as mantiveram em funcionamento,

onde o controle era assegurado por eles mesmo. Violaram a disciplina instituída pelo modo de

produção vigente e mostraram que na prática eram capazes de organizar e alterar as relações

sociais de trabalho e de produção.

Apesar da organização dos trabalhadores ter representado uma experiência em que os

trabalhadores desejavam subverter as relações sociais de trabalho, na prática encontrou limites

impossíveis de serem superados. A luta dos trabalhadores, a contestação da organização

taylorista/fordista não ocorreu fora do trabalho, fora da empresa, não se expandiu e não se

tornou um projeto hegemônico de uma sociedade contra o capital. Mas mesmo assim

perturbou seriamente o capitalismo.

Nesta configuração, o desemprego no capitalismo não é apenas o indicativo de

recessão, ou crise econômica e financeira. Ele materializa e efetiva o modelo capitalista de

acumulação; globalização da economia; reestruturação produtiva e flexibilização das relações

entre capital e trabalho. O capital, que antes se utilizava do exército de reserva – empregáveis

– neste modelo de acumulação os desempregados são produtivos para o capital. Segundo

Antunes,

A crise capitalista não é outra coisa senão a ruptura de um padrão de dominação de classe relativamente estável. Aparece como uma crise econômica, que se expressa na queda da taxa de lucro. Seu núcleo, entretanto, é marcado pelo fracasso de um padrão de dominação estabelecido [...]. Para o capital, a crise somente pode encontrar sua resolução através da luta, mediante o estabelecimento da autoridade e através de uma difícil busca de novos padrões de dominação. (2009, p. 33).

Pela necessidade de se manterem nos empregos, cada vez mais raros, os trabalhadores

se sujeitam à mobilidade de postos de trabalho, à maiores responsabilidades, à desvalorização

do trabalho, e consequentemente desvalorização do trabalhador. Desta forma a flexibilização

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das relações entre capital e trabalho resultam em subemprego, trabalho temporário e

terceirizado e por consequência trabalho precarizado.

Tiriba nos adverte, que “vale pontuar que no capitalismo, mesmo com a garantia de

todos os direitos sociais, ao configurar-se como trabalho-mercadoria, o trabalho é trabalho

alienado e, portanto, trabalho precário, vida precária (...)”. (2004, p.4). Ou seja, o trabalho

precário não é simplesmente o trabalho temporário, com subcontrato. O trabalho assalariado é

em si trabalho precário a partir do momento em que ele se torna uma mercadoria.

Assim, ‘estar’, ‘ter’ um emprego dentro de uma economia capitalista não denota

liberdade, pelo contrário, indica que a exploração da força de trabalho se dá marginalizando

os trabalhadores, estando ou não empregados. O que fazer então, se estar ou não empregado

não altera a condição de trabalho e de vida precária?

Sobre o trabalho precário, Marx, em O Capital, (1996) rompe com as ideias de

Ricardo que via o lucro como resíduo, aquilo que sobrava do capital depois de pagos todos os

encargos e os salários dos trabalhadores. Para Marx a mais-valia, diz respeito à duração da

jornada de trabalho estendida, mas com o salário constante, seria a mais-valia absoluta. A

mais-valia relativa é a ampliação da produtividade, pela exploração do trabalho físico, pelo

acréscimo da mecanização, é a forma dos capitalistas aumentarem seus lucros.

Quando pensamos no trabalho das mulheres artesãs do Distrito de Progresso,

identificamos que o trabalho que elas realizam é diferente do realizado em uma organização

capitalista exploradora. Explico: referente à jornada de trabalho, por exemplo, em que o

capitalista a estende com vistas a aumentar a produção (não o salário); no caso das mulheres

são elas que organizam seus próprios horários, são elas também que definem o que, como, e

quando produzir. Elas sonham em ‘melhorar as vendas’ e, consequentemente, melhorar a

retirada mensal de cada uma, mas o horário de seus trabalhos apesar de serem definidos, não

se caracterizam pela rigidez de uma escravidão. Seus horários podem ser alterados por elas

mesmas, de acordo com a necessidade, e sobre isso Amélia diz: “uma atendendo a outra

também né, porque, por exemplo, uma tá doente, não vai, então não vai trabalhar. Fica em

casa né pode deixar por nós”.

Pensar uma economia popular solidária realmente humana e solidária é pensar em

todas as dificuldades pelas quais passam os trabalhadores na organização dos processos

produtivos. E esses momentos devem ser compartilhados com os demais sujeitos envolvidos,

para que se encontre o melhor caminho. Para Razeto, nem toda economia popular é solidária

e nem toda economia solidária é popular. É necessário refletir sobre qual o conceito/prática de

economia popular e solidária que queremos construir. Para Chauí,

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[...] na medida em que a propriedade dos meios de produção é social, a produção é autogerida e o trabalho é livre, deixa de haver aquilo que define nuclearmente o capitalismo, ou seja, a apropriação privada da riqueza social pela exploração do trabalho como mercadoria que produz mercadorias, compradas e vendidas por meio de uma mercadoria universal, o dinheiro. (2008, p.76).

A socialização da produção, a autogestão são características do processo de produção

do trabalho que intenciona a reprodução ampliada da vida, que não intenciona explorar o

trabalho e o trabalhador, e tem o bem comum como objetivo de todos. Assim, a autogestão,

princípio da economia popular solidária, busca na organização coletiva sua principal

premissa, novas relações sociais e de trabalho, que se caracterizam na democratização das

decisões e cooperação nas relações de trabalho. Apesar de não ser uma ideia nova, pode ser

vista hoje como uma radicalização do processo que busca devolver ao trabalhador parte

daquilo que o capitalismo lhe foi tomando ao longo do tempo. Em Singer, temos que:

A autogestão tem como mérito principal não a eficiência econômica (necessária em si), mas o desenvolvimento humano que proporciona aos praticantes. Participar das discussões e decisões do coletivo, ao qual está associado, educa e conscientiza, tornando a pessoa mais realizada, autoconfiante e segura. È para isso que vale a pena se empenhar na economia solidária. (2002, p.21).

Assim, as mulheres mesmo sem entender a definição literal do que é o trabalho

autogerido, elas o fazem, e de forma espontânea, como vemos na fala de Penha (39):

“Ninguém toma decisão sozinha quando vai decidir uma coisa, aí faz a reunião pra

conversar com todo mundo, é o grupo que decide! Se duas ou três não achar que não dá, daí

vai estudar outro jeito”.Sendo assim, ao se recuperar coletivamente o saber produtivo,

historicamente perdido, se está dando um passo na direção de possibilitar aos trabalhadores

gerirem o trabalho e criarem formas coletivas de vida, e quem sabe possam sonhar com outro

modo de produção, e uma outra economia menos desumana e mais solidária. É formar “o

ethos11 individual e coletivo” de que fala Adams (2010, p.73), é criar a identidade social com o

grupo ao qual se está vinculado, e participar do coletivo e produzir resultados concretos para a

vida das pessoas, as relações sociais e, consequentemente, as relações educativas. (FRIGOTO,

2010).

11 Para Dussel, “é a maneira pela qual cada homem e cada cultura vive o ser” (DUSSEL 1977, p. 223 apud ADAMS, 2010, p.33).

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O trabalho pedagógico é um movimento intencional que acontece nas relações sociais

e produtivas e ganha materialidades em vários espaços e atividades, portanto, não está ligado

apenas ao âmbito escolar, sem com isso negar de forma alguma a importância e a

especificidade da escola enquanto lugar do conhecimento historicamente sistematizado.

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CAPÍTULO II

A história é a teu respeito! Marx

Fotografia 7 – Dona Fia e esposo na Feira Municipal de Produtos Artesanais e Alimentícios – Tangará da Serra. Arquivo particular da pesquisadora.

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2 ENCONTROS DE MULHERES: LOCAIS DA PESQUISA

A fotografia utilizada para introduzir o capítulo representa o primeiro contato com a

Associação “Arte da Terra”, local pretendido para a realização da presente pesquisa de

Mestrado. O mesmo aconteceu numa manhã de domingo, no mês de junho de 2010, quando

visitei a “Feira de produtos artesanais e alimentícios de Tangará da Serra – MT”.

Inicialmente, minha intenção era realizar uma aproximação com as mulheres artesãs, como

são conhecidas e denominadas pela população local, pois havia sido informada a respeito dos

trabalhos e da maneira de produção que elas tinham, numa perspectiva solidária de

autogestão. De fato, ao encontrar com uma das mulheres artesãs, a Dona Sebastiana - Dona

Fia, como gosta de ser chamada, e o Sr Dito, seu marido, percebi que expunham e vendiam o

resultado de seus trabalhos de modelagem de argila.

Conversei com o casal por alguns momentos e depois das apresentações expliquei a

Dona Fia a intenção da minha possível pesquisa, a qual demonstrou bastante interesse e

disponibilidade. A pesquisa foi imediatamente aceita, por ela antes de falar com as demais

colegas e naquele mesmo dia de domingo, fui conhecer os espaços do trabalho da associação:

a loja e o ateliê. Minha primeira impressão foi a de que na simplicidade dos lugares, na

pequenez daqueles espaços, as mulheres produziam belíssimas peças artesanais tal como

representada na fotografia inicial.

Após o primeiro encontro com Dona Fia continuamos mantendo contato com ela, com

a Rosane, e com a Valéria, as duas últimas eu ainda não conhecia pessoalmente, apenas via

telefone e internet. Marcamos para outubro a próxima visita para apresentação do projeto de

pesquisa para as demais integrantes da associação. Conforme combinado, embarquei às seis

horas da manhã de Cuiabá com destino ao Distrito de Progresso, num percurso de 220 km.

Chegando lá, fui para a casa de Dona Fia que me aguardava e demonstrava alegria em me

rever. Logo em seguida ela telefonou para Rosane, a coordenadora do grupo para vir ao nosso

encontro. A mesma veio prontamente e fizemos os combinados de uma agenda para organizar

as demais ações de pesquisa.

Em conversa com as duas integrantes do grupo de mulheres tivemos a informação de

que Amélia e Penha estavam em luto, pois há poucos meses haviam perdido familiares. A

filha de Amélia faleceu “sem que a mesma soubesse explicar exatamente as causas” e a Penha

havia perdido o pai de “causas naturais”. Tanto Dona Fia quanto Rosane afirmavam que

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naquele momento o grupo estava muito triste e se mostrava solidário, inclusive

compreendendo algumas faltas ao trabalho.

Da casa da Dona Fia eu e Rosane fomos a pé para o ateliê, pois ficava bem próximo.

Chegando lá, encontramos com Amélia que estava trabalhando com a produção de “réplicas

de pequenas onças”. Acompanhei a retirada das peças que estavam no forno para a “queima”,

por 30 horas. Depois da queima, as peças ficam dentro do forno até que ele esfrie por

completo, evitando assim que as mesmas se quebrem. Para mim, foi uma aprendizagem na

“lida com o barro”. Observei as mãos habilidosas de Amélia, a tristeza visível da lembrança

da perda recente da filha, num exercício de arte e dor.

No final do dia, Rosane me acolheu em sua casa para que ficasse hospedada durante os

dias de acompanhamento dos trabalhos da pesquisa, algo que havia sido discutido e definido

pelo grupo antes mesmo da minha chegada. A família de Rosane também já estava ciente de

minha presença. Ela, o filho Vitor de 10 anos de idade, e o marido que trabalha com um

caminhão há uns 100 quilômetros de sua residência e que só retorna no final de semana

compõem a generosa família.

No dia seguinte, às seis da manhã, Rosane e eu fomos para o ateliê e lá, conheci

Orlinda que a princípio ficou apreensiva com minha presença. Conversamos sobre o que

significava a pesquisa, como seriam as questões que eu faria, e logo ela ficou a vontade para

conversarmos. Desta maneira, cabe ressaltar que a apresentação do projeto de pesquisa foi

acontecendo individualmente, respeitando os horários de trabalho de cada uma e a

disponibilidade das mesmas para realizar as entrevistas. Nos quatro dias em que acompanhei

os trabalhos desenvolvidos na associação das mulheres artesãs, entre os dias 18 e 21 de

outubro de 2010, observei atentamente as criações e produções desenvolvidas por elas, das

sete às dezoito horas. Há um revezamento de horários entre elas, os quais serão melhor

explicitados em capítulo posterior.

2.1 A Associação “Arte da Terra”: o ateliê, a loja e a feira

A Associação “Arte da Terra” localiza-se no Distrito de Progresso, à 15 km de

distância da cidade de Tangará da Serra – MT, onde é realizada, semanalmente, a “Feira de

produtos alimentícios e artesanais”. O ateliê funciona à duas quadras da residência da

“coordenadora” da Associação, num terreno localizado ao lado da residência de seu pai. A

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loja localiza-se às margens da rodovia que dá acesso ao município de Tangará da Serra e

distante do ateliê, aproximadamente, à 500 metros. Assim, os espaços que compõem a

Associação “Arte da Terra” são: o ateliê, a loja e a feira de produtos artesanais e alimentícios,

onde são expostas e comercializadas as peças de cerâmica produzidas pelas mulheres artesãs.

Compõem o grupo de mulheres artesãs: Amélia, Dona Fia, Orlinda, Penha, Rosane e

Valéria. Os nomes foram mantidos porque as mesmas fizeram questão de contribuir com a

pesquisa e com a identificação pessoal como forma de fortalecimento de suas relações de

trabalho. As idades das mulheres variam entre 36 a 65 anos de idade, sendo quatro mulheres

casadas, uma separada e uma viúva. Todas elas são mães, e duas são também avós. Na

perspectiva da produção coletiva e solidária, na divisão do trabalho e da produção, essas

mulheres artesãs dedicam-se, há dois anos, à confecção de peças ornamentais feitas de barro.

Elas fazem pequenas réplicas de animais como tuiuiús, ave típica do pantanal, tangarás, ave

que deu nome a cidade, onças, vasos de vários tamanhos, enfeites, fontes d’água, pratos de

parede, entre outros.

Para melhor conhecer os sujeitos da pesquisa, elaboramos o quadro a seguir, que nos

permite compreender os contextos de vida e de trabalho das mulheres artesãs do Distrito de

Progresso.

 

Quadro I – Sujeitos e contextos

SUJEITOS CONTEXTOS

Orlinda Vinda do Paraná, esta artesã tem 47 anos, e reside há 16 anos no Distrito de Progresso com o marido e dois filhos.

Estudou até a 5 ª série do Ensino Fundamental e se denomina a mais “especuladeira”

Penha Veio do Paraná, é viúva, 39 anos, e reside no Distrito de Progresso com 3 filhos. Concluiu o ensino médio.

Amélia Aposentada, e tem 65 anos, mora há 24 anos no Distrito de Progresso. Atualmente mora sozinha. Teve 5 filhas, 1

delas faleceu no período da pesquisa. Estudou até a 3ª série do Ensino Fundamental.

Rosane Esta catarinense de 36 anos mora no Distrito de Progresso com marido e 1 filho há três anos. Teve depressão logo que

veio de Santa Catarina para o Mato Grosso. Tem 2 º grau incompleto.

Valéria Mato-grossense-do-sul com 37 anos, trabalhava como “padeira registrada”. Reside em Tangará da Serra, com o

marido e 3 filhos. Fez provão e esta terminando o Ensino Médio; sonha com uma faculdade.

Dona Fia Goiana, 56 anos, mora com marido no Distrito de Progresso há 10 anos. Tem 2 filhos. Concluiu o Ensino Médio. É a

mais animada do grupo, e diverte o grupo enquanto trabalham.

Fonte: Tabulação das entrevistas.

A trajetória das mulheres artesãs é importante de ser destacada, pois foi constituinte e

determinante para que o grupo começasse o trabalho numa perspectiva solidária de

autogestão. Elas falam com entusiasmo como se deu o início do trabalho coletivo e,

consequentemente, da associação. Mas, além das falas sobre si, sobre suas vidas, procuramos

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captar informações nas observações dos momentos de trabalho, nos seus afazeres domésticos

e nas produções cotidianas na associação.

Segundo seus relatos, os trabalhos surgiram por interesse das próprias mulheres, e

Valéria confirma: “A gente tava querendo montar a associação e ele (Neuri) veio com a

ajuda técnica, [e ensinou] como fazia, ajudar a documentação, ajudar a escrever a

documentação o regimento”.

Sendo assim, o início da associação se deu a partir de cursos oferecidos pelo SENAR12

e pela Prefeitura, através da SECULTUR13, sendo incentivado pelo professor Neuri Eliezer

Senger, coordenador da Secretaria de Economia Solidária, na Prefeitura de Tangará da Serra.

Elas o identificam como um incentivador do grupo. Em diálogo com o Sr Neuri sobre a

origem da associação das artesãs, ouvimos: “A ideia surgiu das próprias mulheres. A

prefeitura ajudou disponibilizando profissionais para ministrar os cursos e proporcionando

as mulheres visitas a outros artesãos da região”.

Assim, podemos afirmar que a Associação “Arte da terra” surgiu a partir da ação

mobilizadora da prefeitura municipal e do interesse de um grupo de mulheres que se uniram

por aptidões e que, atualmente, expõem seus produtos numa Feira de produtos artesanais e

alimentícios semanalmente. A loja está situada ao longo da rodovia que dá acesso a Tangará

da Serra e compõe um dos núcleos da ASSOARTE14 – Associação dos Artesãos de Tangará

da Serra.

Os primeiros cursos foram oferecidos pela prefeitura municipal aconteceram no

próprio Distrito de Progresso, no Clube dos idosos, e tratavam do manuseio com o barro, cujo

tema era: “bichos do Pantanal”.Os artesãos ensinaram a modelagem de pequenos animais

típicos e técnicas do trabalho com o “torno elétrico”. Os cursos foram desenvolvidos por

profissionais vindos de Tangará da Serra e de Cuiabá. No início o grupo de cursistas era

composto de 30 pessoas, mas apenas as seis mulheres que, posteriormente, formariam a

Associação “Arte da Terra”, continuaram a produzir juntas as peças de cerâmica e o trabalho

no torno elétrico. A este respeito, na entrevista com as mulheres artesãs questionei sobre os

motivos pelos quais as outras pessoas desistiram das atividades e, na opinião delas, deve-se

“a falta de interesse pelo trabalho manual”.

12 SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM RURAL - MT 13 Secretaria de Turismo de Tangará da Serra – MT. 14 A ASSOARTE - Associação dos artesãos de Tangará da Serra é a associação guarda-chuva que abrange três grupos, além do Arte da Terra, com o artesanato com barro, fazem parte o Universo das Artes (artesanato diversos) e os Produtos da Terra, que o grupo vende na BR em tendas improvisadas produtos como: abacaxi, melancia, laranja, poncã, etc.

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Segundo seus relatos, não foi possível continuar os cursos ali no espaço do Clube dos

idosos, pois “a pessoa responsável pela limpeza reclamava da bagunça que a atividade com o

barro fazia”. Desta forma, a convite de Dona Fia, uma senhora de 56 anos de idade, elas

foram trabalhar de forma improvisada e precária na garagem de sua casa. Depois de algum

tempo, o espaço ficou pequeno e se mudaram para casa da Rosane, embaixo de um frondoso

pé de manga. Com a proximidade do período das chuvas15, ficou impossível a produção

improvisada. Assim, Rosane, como era proprietária de um terreno, juntamente com seu pai,

convidou as demais colegas para construir o espaço da atual associação ao lado da residência

do mesmo.

Para a construção do espaço de produção de peças artesanais e o manuseio com o

barro e o trabalho com o forno, as mulheres artesãs buscaram materiais no lixão, pediram

algumas doações e, com a ajuda do marido da Rosane, da Orlinda e da Dona Fia, cobriram um

pequeno espaço com telhas de amianto e o denominaram de “ateliê”. Sobre a história da

construção da Associação “Arte da Terra”, buscamos questioná-las para compreender os

significados da experiência vivida com a organização de uma Associação de mulheres, o que

representa para cada uma e que lembranças são destacadas como mais importantes.

Passamos a relatar fragmentos das entrevistas realizadas, individualmente, no mês de

outubro de 2010. Valéria afirma que: “No início eram trinta pessoas, sobrou acho que oito,

dez, não sobrou muito, menos da metade”. Já Rosane lembra que no início, logo após os

cursos, a produção era individual e em duplas:

Cada uma trabalhava para si, trabalhávamos juntas, mas cada uma ia buscar seu barro, cada uma punha seu barro de molho, cada uma amassava seu barro, cada uma produzia sua peça, no início era assim, só eu e a Valéria que sempre trabalhamos juntas. Uma ia buscar o barro a outra batava de molho, a outra amassava, a outra criava uma peça, a outra dava acabamento a outra, tudo assim. Para fazer a queima era assim: eu e a Valéria fazíamos a queima e elas pagavam uma porcentagem pra nós em cima das peças que a gente enfornava, indiferente se saía inteira ou não, porque a queima, o fogo, o calor tinha ido, o serviço também, e, aí a gente levava as peças delas pra comercializar na feira, nós levava de todo mundo, vendia e passava o dinheiro pra elas, elas só pagavam a queima no forno.

Rosane continua seu relato da seguinte maneira:

15 Período que compreende no Mato Grosso, os meses de setembro a maio.

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[...] a questão é que uma andorinha só não faz verão, e nós duas, [Rosane e Valéria] também no caso da argila, nós não ia muito longe, só nós duas, porque precisava de uma equipe por ser um serviço árduo. Então, o que nós fizemos: chamamos as outras pra colaborar, pra somar! A gente convidou: - Vamos gente, é melhor, porque faz diferença mais gente! Foi o que a gente conseguiu, aos poucos, lapidar. Que cada uma foi vendo que mais um deposita um, e sozinha é mais difícil.

Na fala de Amélia sobre o início dos trabalhos destacamos: “No início começou assim,

cada um fazia suas pecinhas, né? Em casa e queimava junto aqui no forno [...]”. Valéria

reitera a ausência de auxílio do poder público na construção da infraestrutura e afirma que a

cobertura foi feita com reaproveitamento de material coletados no lixão: “Nós mesmo,

ninguém ajudou, um deu uma telha, a outra deu outra, pedimos uma coisa aqui, pedimos

outra ali e foi construído”.

Na leitura de um extrato do texto “A Ideologia Alemã”, escrita em 1848 por Marx e

Engels (2008b, p.112) relacionamos a vivência das mulheres artesãs quando os autores

afirmam: “Só na comunidade com os outros é que cada indivíduo encontra os mecanismos

para desenvolver suas faculdades em todos os aspectos; é apenas na coletividade, portanto,

que a liberdade pessoal se torna possível”. Apontam para uma coletividade efetiva, não mais

ilusória, onde os indivíduos tomam posse de sua liberdade numa relação coletiva, motivada

por interesses comuns, onde deixam de ser indivíduos e tomam posse de sua liberdade na

associação e pela associação.

As mulheres produzem seus meios de existência, produzem indiretamente sua própria

vida material, mas também produzem relações para além do fazer diário. Elas efetivam a

solidariedade em outros momentos da vida, e não apenas nos momentos de produção das

peças.

2.2 O Ateliê

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Fotografia 8 – O espaço do Ateliê no Distrito de Progresso - Arquivo particular da pesquisadora

Fotografia 8 – O espaço do ateliê no Distrito de Progresso – Arquivo particular da pesquisadora.

A matéria-prima principal do ateliê é a preparação do barro. A princípio a modelagem

das peças era feita da “rebarba”, as sobras de telhas e tijolos produzidos em uma cerâmica

próxima ao espaço do ateliê. As mulheres buscavam as rebarbas porque os proprietários não

lhes cobravam pelas sobras. Segundo Rosane “Depois é que eles começaram de cobrar de

nós. Pra ser mais fácil de calcular o valor do barro que a gente pega eles fizeram o preço

calculado por tijolo”. O barro, que a associação antes recebia em doação, agora é adquirido

na forma de tijolos (sem queimar16) de oito furos, ao custo de R$ 0,10 a unidade.

Conforme as observações e as entrevistas individuais realizadas, percebemos que no

ateliê, os tijolos são quebrados e ficam de molho em água por algumas horas, depois são

coados para retirada de pequenas pedras e sujeiras e viram bolas de barro de tamanhos

medianos que ficam ao sol para que sequem e voltem a ser modelados.

A tarefa de buscar o tijolo na cerâmica fica a cargo do marido de Rosane e de Dona

Fia, pois eles dispõem de pequenos caminhões e podem trazer várias peças ao mesmo tempo.

Durante o período de observação acompanhamos as mulheres na tarefa de buscar os tijolos na

cerâmica e as madeiras para alimentar o fogo. A madeira é doação de uma indústria de

compensados também localizada próximo ao ateliê. O proprietário doa as sobras de madeiras

para o grupo, que as busca no local.

Todo o manuseio com o barro acontece no espaço destinado ao ateliê, que fica

aproximadamente a cinco quadras da loja, onde as mulheres comercializam as peças.

Algumas delas comentam, com certo incômodo, o uso do espaço utilizado para suas

atividades. Rosane explica:

16 Trata-se do tijolo que ainda não passou pelo processo de queima, que ainda não foi para o forno.

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No ateliê, no caso, não cobra aluguel porque o terreno é meu. Na época tinha o projeto “Viva o Progresso” e o grupo que desse certo, que fosse avante, teria o seu espaço pela própria prefeitura. Então, como isso não aconteceu deles doar esse terreno [...] não foi possível. Aí eu peguei e disse: não, esperar sabe lá até quando! Então, nosso negócio tinha que ser já, porque era época de chuva, aí eu fiz no meu terreno um coberto. Fiz um forno pequeno, que depois acabou sendo desmanchado. Aí como pelo projeto a prefeitura deveria ou doar um terreno ou a mão de obra para construção do forno, e não aconteceu isso, eles doaram a mão de obra, o material e as prateleiras que tem hoje no ateliê. Aí eu fiz no meu quintal mesmo, não cobro aluguel do grupo a não ser energia do torno. Nós não pagamos água, como é junto no terreno do meu pai, o pai paga água e nós pagamos energia.

O terreno utilizado para o ateliê é dividido com a casa do pai de Rosane. As

instalações são simples e de certa maneira improvisadas, havendo apenas um muro para

proteger as duas laterais da construção onde fica o forno, o torno elétrico, o coador do barro,

as prateleiras, as peças em construção, os materiais de pinturas, tintas, pincéis e demais

materiais utilizados para o acabamento das peças, conforme pode ser observado na fotografia

número dois. As mulheres dizem que “é quase impossível trabalhar nos períodos de chuva”.

Ao observá-las em seus trabalhos pude constatar que a falta de abrigo e as goteiras ameaçam

a queima dentro do forno. Por isso, elas aproveitam o período de estiagem para produzir o

maior número de peças fazendo estoque de mercadorias para o período chuvoso.

O espaço do ateliê é pequeno, mas também abriga os tijolos comprados para serem

transformados em barro, os quais ficam cobertos com lonas para abrigar da chuva e do sol.

Dependendo da necessidade eles vão sendo quebrados, posto de molho num tambor com

água, voltando assim a constituir a matéria-prima para a modelagem das peças. Depois o

barro é coado em uma grande peneira improvisada e adaptada em cima de um quadrado de

madeira. É importante coar o barro para que não fique nenhuma sujeira ou pequenas pedras

que possam danificar as peças no momento em que são moldadas, na mão ou no torno. Bater

o barro é um processo muito importante para a qualidade das peças, pois evita a formação de

bolhas de ar que, no forno, podem provocar sua quebra. São os saberes da experiência,

necessários para o trabalho coletivo no manejo da matéria prima e da produção das peças

artesanais.

Cabe ressaltar que o forno foi construído por um profissional vindo de Cuiabá,

contratado pela prefeitura. Todas as mulheres artesãs dominam o processo de queima das

peças. O “torno elétrico” é manuseado por Valéria, a única que domina a arte e produz as

peças. As demais cerâmicas são produzidas manualmente pelas seis mulheres artesãs. Nas

várias prateleiras de madeira rústica do ateliê ficam armazenadas as peças para secagem e

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para o acabamento. De um lado, as que já foram queimadas e de outro as que ainda precisam

ir para o forno. Conforme vão recebendo acabamento as peças são levadas ao espaço de

comercialização: a loja.

O ateliê é o espaço onde as mulheres associadas mais se encontram e convivem. É o

local onde acontece a criação e a produção das peças. Por isso, é onde acontecem os maiores

diálogos e as trocas de experiências sobre o trabalho e sobre a própria vida.

2.3 O Torno

Os processos de convívio e de trabalho das mulheres artesãs são tecidos em relações

observadas no domínio da técnica do torno elétrico por apenas uma das mulheres. Quando

ofertado pela prefeitura municipal o “curso do torno elétrico”, todas as mulheres que

compõem a Associação “Arte da terra” fizeram. Porém, apenas Valéria deu continuidade e

demonstra domínio da técnica. As demais mulheres, quando questionadas a este respeito,

reconhecem a necessidade de aprenderem a trabalhar com o torno, principalmente para

diminuir a dependência que elas têm de Valéria, por apenas ela ter habilidade para aquele

trabalho.

Orlinda é a que mais claramente fala desta preocupação de dependência em relação ao

manuseio no torno elétrico. Dona Fia afirma que tentou aprender, mas tem dificuldades ainda,

“nós ainda não damos conta de trabalhar que nem a Valéria. É difícil! Às vezes eu dou conta

de fazer uns vasinhos”. Ela reconhece que desenvolveu pouco a habilidade com este

instrumento e demonstra admiração ao domínio que a colega tem. Já Valéria acrescenta:

Por isso eu falo pras meninas, elas tem que sentar ali e aprender, se não tentar aprender, se acontece alguma coisa comigo ou eu tenho que sair, quem é que vai fazer? Nenhuma faz, entendeu, e as peças que vende mais e que tá dando um pouquinho é as peças que é feita no torno.

Fotografia 9 – Valéria no ateliê no trabalho com o torno elétrico. Arquivo particular da pesquisadora

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O trabalho das mulheres é essencialmente coletivo, mas o domínio do torno ainda é

individual. Há uma preocupação de todas, inclusive da própria Valéria, no sentido de que

todas ou pelo menos mais uma delas aprenda. O domínio da técnica dá a ela o ‘poder’ e cria a

dependência das demais pelo seu trabalho, mas não vemos em nenhuma fala (nem dela

mesma) uma postura de superioridade sobre as outras, pelo contrário ela as estimula a

desenvolverem também a habilidade.

O capital classifica o trabalhador pela natureza, ou tipo de trabalho que desempenha,

segundo seus interesses, sendo um trabalho mais ou menos valorizado/qualificado que o

outro. Na lógica capitalista justificar-se-ia a diferença na retirada mensal de Valéria por ela

dominar uma técnica, o que legitimaria a divisão do trabalho e do ‘salário’.

Mas o trabalho é trabalho social, assim, não existe trabalho individual, pois ele é

atividade humana e cujo processo envolve todas as mulheres. Deste modo Valeria detém,

domina esse saber e por isso desempenha um papel importante na associação, mas isso não

aconteceria se o trabalho anterior (de quebrar os tijolos, bater o barro e preparar as porções do

barro) não fosse feito pelo coletivo das mulheres. Isso não a faz melhor que as outras e nem

por isso ela é remunerada de forma diferente. Apesar de saber que sua função é importante, na

produção não identificamos uma postura de superioridade.

O trabalho é princípio e fim educativo, auxilia na formação político-cultural das

trabalhadoras, e desenvolve capacidades de problematizarem a realidade em que vivem, de

decidirem no grupo as questões, as tensões e contradições que surgem durante a prática.

2.4 O preparo do barro

A sequência do trabalho com o preparo do barro enquanto matéria prima essencial

para a produção das peças artesanais é descrita por Rosane em uma de nossas entrevistas:

Antes era de graça, [sobras das telhas] eles doavam, depois começaram a cobrar [...]. Nós que pegamos, [agora tijolos] às vezes vai lá de carro, às vezes vai o esposo da Dona Fia lá buscar, quem tem tempo vai lá e busca, tempo e vontade. Aí depois traz o tijolo e armazena. Em época de chuva tem que por para baixo do telhado. Põe ele de molho num tambor com água todo cobertinho de água, tudo quebradinho, cobertinho de água, depois passa numa peneira aí ele vai estar lá quase que líquido, bem molhadão. Aí a gente passa e faz uma semi-bola, uns montes e põe em cima da mesa pra ir secando e vai virando, vai mexendo

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até ficar com menos água. Depois acontece o processo de bater, armazenar ele em plástico pra ele manter a umidade, e aí depois a gente define, vai fazer peças manual, vai pro torno, coisas assim.

Conforme relato de Rosane é preciso bater o barro porque “Ele fica mais homogêne, a

função de bater o barro é pra tirar o ar porque senão na hora de fazer a peça no torno ela

desanda [...]”. Pergunto se apenas olhando é possível identificar ou perceber quando ele está

pronto para o uso e ela explica:

Mesmo tocando a gente já tem o jeito dele, se bater ele pouco você vai fazer uma peça ele vai esbrugalhar, não vai ter liga e geralmente uma bola daquela a gente bate umas três vezes. Se tiver muito mole a gente bate umas três vezes, deixa secar e vai bater de novo; e se na hora mesmo ele bem batido bem curtido você vai fazer a bola e lá dentro você deixar um ar, ele pode estar há uns dois meses curtindo, ele pode ter batido dez vezes, mas se lá no meio ficar um arzinho, no fazer a bola, na hora do forno, perde a peça.

Durante o período de observação tive a oportunidade de acompanhar os trabalhos das

mulheres artesãs no preparo do barro e foi possível perceber que elas dominam o processo de

fabricação das peças, desde o preparo do barro até o acabamento. Por mais que seja Rosane

quem melhor o descreve, todas conhecem o processo de produção das peças. Esses saberes de

que Rosane fala e que já estão incorporados, apreendidos por todas, já foi testado na prática

pelas próprias mulheres. Não existe conhecimento sistematizado, escrito sobre a importância

de como bater o barro para que não fiquem bolhas, ou da importância de coar o barro para que

não fique nenhuma sujeira ou pedrinha que possa comprometer a feitura da peças no estágio

seguinte. Elas simplesmente aprenderam a fazer fazendo e usam esses conhecimentos na

prática cotidiana.

2.5 O trato com o fogo

O que denominamos de “ciência do fogo”, é a habilidade das mulheres no trato com o

fogo; entender este saber com/na experiência do fazer cerâmica. No processo de tentativa de

erros e acertos esta habilidade foi sendo adquirida, e o controle do fogo foi sendo aprendido

pelo conjunto das mulheres associadas. Elas não utilizam fontes de informação escrita, e não

seguem registros escritos de como o trabalho deva ser executado. Elas vão confirmando ou

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refutando as informações, (que adquiriram em visitas feitas a outros artesãos, como a uma

etnia indígnea do Xingu e a um grupo de artesãos da Chapada dos Guimarães – MT, ou em

pesquisas na internet) que vão virando conhecimentos, saberes construídos . As mulheres

artesãs, deste modo, demonstram que vão construindo saberes necessários para a produção

das suas peças artesanais na prática, testando, refutando ou confirmando-os.

O domínio da técnica do forno é um saber importante para o grupo. Nos cursos

realizados, as mulheres aprenderam que as peças devem ficar no forno durante trinta horas.

Assim, nos dias em que ocorrem as queimas das peças, há muito trabalho, o que envolve o

trabalho coletivo das mulheres artesãs do Distrito de Progresso. Dentro do forno as peças

ficam incandescentes, como brasas vivas e, segundo informações de Rosane, atingem

temperaturas entre 900 e 1100 graus Celsius.

Forno é feito de tijolos e nele são colocadas de duzentas a trezentas peças por vez,

depois ele é vedado com tijolos e cimentado com barro, de maneira que permaneça fechado,

sobrando apenas um “suspiro”, uma pequena fenda por onde as artesãs observam as peças.

Fotografia 10 – A fenda por onde se observa a queima das cerâmicas. Arquivo particular da pesquisadora

Há um minucioso processo de aquecimento do forno. O fogo é iniciado, lentamente,

no chão. Inicia-se com a lenha meio distante e, à medida que o forno se aquece, a lenha vai

sendo colocada com cuidado, de maneira que o fogo fique cada vez mais próximo ao forno,

onde as cerâmicas permanecem em processo de queima durante um período de trinta horas.

Segundo as artesãs “é para que as peças se aqueçam devagar e de forma uniforme, pois, se o

fogo estiver muito forte as peças se quebram”. Quando se aproxima o final do expediente, em

torno das dezoito horas, o fogo deixa de ser alimentado. No dia seguinte é reiniciado o

processo de queima até que se complete o ciclo.

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Fotografia 11 – A preparação do fogo para a queima das peças - Arquivo particular da pesquisadora

Fotografia 12 – O início do fogo “forte” – Arquivo particular da pesquisadora

Um indício de que as peças estão prontas é a cor e a densidade da fumaça que sai da

chaminé. As fotografias 13 e 14 demonstram este momento.

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Fotografia 13 - A fumaça da chaminé no início da queima – Fotografia 14– A fumaça densa depois de trinta horas de fogo - Arquivo particular da pesquisadora

As mulheres artesãs do Distrito de Progresso contam que aprenderam outras formas de

fazer a queima, mas pelas suas experiências e pelos testes, a maneira feita atualmente foi a

que proporcionou melhores resultados, com perdas menores de peças. Rosane explica,

[...] uma pessoa passou pra nós, vocês começam as seis horas da manhã o fogo, daqui a pouco vocês já fazem por etapa de quatro em quatro horas pra vocês chegarem lá dentro do forno com o fogo final, né. Só que estava estourando muito as peças, outra também porque o barro não era batido, ele tinha ar, então se a peça tem uma bolha de ar ela vai estourar no forno, queira ou não ela vai estourar. Ela pode estar seca, ela pode estar úmida, ela pode estar molhada, pode fazer o requente dois dias, na hora de queimar mesmo ela vai estourar. Então, foi tudo assim, aos poucos, que a gente foi aprendendo, ouvindo, pesquisando na internet, procurando. Vinha um professor, vinha outro e a gente se antenava, juntava, se com tal barro deu certo de repente com o nosso vai dar, porque depende de barro pra barro também.

Embora as mulheres artesãs conheçam todo o processo de queima das peças, é Rosane

quem tem assumido esta tarefa devido à proximidade da sua residência e o ateliê. É ela a

primeira que chega e a última que sai no dia destinado a queima das peças.

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2.6 A Loja

Fotografia 15 – A loja localizada as margens da rodovia de acesso ao município de Tangará da Serra, MT - Arquivo particular da pesquisadora.

A loja é constituída por um pequeno espaço, às margens da rodovia que atravessa o

Distrito de Progresso e dá acesso à cidade de Tangará da Serra. Na primeira vez que estive lá,

a loja funcionava num local um pouco maior que o atual. Com o intuito de diminuir os gastos,

as mulheres artesãs mudaram a loja. O aluguel que anteriormente era de R$200,00 passa a ser

de R$150,00. Embora o espaço físico tenha diminuído a qualidade da produção não parece

ter sofrido alteração. Ali as mulheres ainda encontram espaços para expor materiais de outras

artesãs, como tapetes de barbante, flores artificiais, entre outras coisas. Dentro da loja,

também encontramos um freezer com sorvetes, de fabricação local, outra opção de renda para

as mulheres e para abrandar o calor mato-grossense.

Quando as mulheres artesãs alugaram a loja, houve necessidade de uma reforma e ela

foi feita por elas mesmas com a ajuda dos seus maridos. Rosane conta o processo vivido: “a

tinta a gente ganhou, meu esposo deu a tinta e pintou. Outro esposo da outra colega também

ajudou a pintar. Então, a gente com a tinta, a gente se uniu na mão de obra, né!”.

Embora a loja fique em um ponto estratégico, na rodovia, elas reclamam das poucas

vendas mensais e dizem que o período de maior produção das peças acontece no final de ano,

porque sabem que com a circulação dos turistas as vendas aumentam bastante. Atribuem as

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poucas vendas ao fato das pessoas não valorizarem o trabalho artesanal. Orlinda diz: “mas,

esperança é a última que morre. Então, a gente tá com aquela esperança de melhorar, de

vender mais um pouco”.

A loja fica aberta ao público apenas aos sábados, no período vespertino, em função do

pouco movimento. A definição e a escolha de quem atende os clientes na loja é definida por

elas, conforme disponibilidade de cada uma e consensuada entre todas. Quem fica na loja fica

também responsável pelo controle das vendas e, no final do dia, presta conta para quem

naquele mês está responsável pelo livro-caixa.

2.7 A “Feira de produtos artesanais e alimentícios” do município de Tangará da

Serra-MT”

Fotografia 16-17-18 – As peças expostas na Feira - Arquivo particular da pesquisadora

A Feira de produtos artesanais e alimentícios do município de Tangará da Serra - MT

acontece às quartas-feiras e aos domingos no período matutino. Entretanto, as mulheres

artesãs do Distrito de Progresso expõem e comercializam suas produções apenas aos

domingos. Fizeram esta opção devido aos custos do deslocamento do Distrito de Progresso à

Tangará da Serra. Elas pagam uma taxa de aluguel mensal, do espaço na feira, para a

prefeitura municipal, no valor de vinte e cinco reais (R$25,00).

O local destinado para a realização da feira municipal é um grande barracão, onde é

possível encontrar expostos para toda a comunidade produtos alimentícios produzidos por

agricultores locais e outros artesanatos. As mulheres artesãs fazem um revezamento entre

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Rosane, Dona Fia, Orlinda e Valéria para levar as peças para exposição e venda. Sendo assim,

cada uma das responsáveis pelas atividades da feira vai apenas uma vez ao mês à feira. Cabe

destacar que a escolha das quatro mulheres está relacionada à disponibilidade de meios de

locomoção própria.

Orlinda é a única do grupo que faz algum tipo de manifestação em relação a não

participação de todas na atividade da feira. Ela relatou em sua entrevista que: “Aí já tá o erro,

porque todas outras ganham igual e as outras duas já não vai. E a gente tem gasto com

combustível e comida. Eu acho que quem não vai na feira devia contribuir com as outras”.

Sobre este aspecto perguntei as demais a respeito de quem não vai à feira se contribui

de alguma forma, o que Rosane esclarece: “Não, não contribui. A gente não quis pegar assim

porque daí foge um pouco, né? Foi um acordo que a gente fez e todo mundo concordou e

beleza”. Já para Dona Fia sobre as outras colegas não irem a feira ela considera: “A gente

não se importa de mostrar bom senso”.

Identificamos nesta situação algumas tensões no grupo, pois apesar de Orlinda

participar das reuniões, onde esse assunto parece ter sido acordado, ela não demonstra

concordar com o fato de que as colegas que não vão à feira recebam a mesma quantia ao final

do mês. Ela justifica dizendo que quem vai à feira tem gastos com combustível e alimentação.

As outras mulheres não fazem referência a isso e dizem que quem não vai à feira, deve, por

livre opção, fazer algumas horas a mais no ateliê, mas isso não é cobrado por nenhuma delas.

As mulheres da Associação “Arte da Terra”, têm criado práticas sociais de produção

coletiva e solidária que ao olhar do mercado capitalista podem parecer insignificantes, mas

que se constituem em espaços reais de formação, de resistência e articulação das “lutas dos

empobrecidos”. (ADAMS, 2010, p.11).

Neste sentido, Marx (2008a, p.46), afirma que “no lugar da velha sociedade burguesa,

com suas classes e seus antagonismos de classe, surge uma associação em que o livre

desenvolvimento de cada um é pressuposto para o livre desenvolvimento de todos”. São

espaços reais de trabalho coletivo em que todas participam em quase todo processo. Foge da

fragmentação e das especialidades, porque as mesmas estão diretamente envolvidas no

processo de produção, do intelectual ao manual, não havendo separação entre concepção e

execução.

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2.8 O que faziam antes de se associarem?

Não há mudança sem sonho como não há sonho sem esperança. FREIRE, 1992

Com o intuito de compreender melhor os motivos que levaram as mulheres artesãs do

Distrito de Progresso, ao trabalho coletivo e solidário, perguntamos quais eram as atividades

que desenvolviam antes da associação e o que elas fazem hoje concomitante ao trabalho

associado para complementar suas rendas, considerando que o trabalho de artesã ainda não

lhes dá condições de se manterem com os resultados de seus trabalhos, pois a retirada mensal

ainda é pequena.

Destacamos que apenas uma delas, Valéria, diz ter desenvolvido um trabalhado

assalariado, “registrado” como ela orgulhosa conta: “Eu amassava massa de pão, (risos) eu

era padeira”, e continua, “Era dos meus pais, eu era funcionária registrada, (faz questão de

dizer) trabalhei seis anos na padaria”.

Valéria refere-se com orgulho ao fato de ter sido funcionária registrada, em um

trabalho familiar. A valorização do emprego formal e do fato de ter sido uma funcionária

“registrada”, demonstra a eficiência do processo educativo do capital no que diz respeito à

valorização do trabalhador enquanto assalariado. (KUENZER, 1985). No capitalismo o

trabalho assalariado configura-se como trabalho-mercadoria, e assim trabalho alienado,

precário, vida precária, mas Valéria não demonstra perceber isso. Quando pergunto por que

ela deixou o trabalho de padeira, ela explica:

Porque eu me apaixonei pelo barro né, eu ainda acredito que vai melhorar, apesar que pra mim não ta dando muito, mas, eu acredito que vai ficar bom, que vai melhorar a gente vai conseguir vender mais e sobreviver disso.

Ela reclama que o trabalho ainda não produz renda suficiente para suprir as suas

necessidades e a dos seus, ao que parece o trabalho na padaria era mais lucrativo. Necessário

dizer que Valéria, antes morava no Distrito de Progresso, mas precisou se mudar com a

família para o município de Tangará da Serra. Com a intenção de continuar os trabalhos, ela

vem para Progresso para as atividades coletivas com as demais mulheres Quando

conversamos sobre suas rendas familiares, ela relata:

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Ninguém vive dessa renda, todas do grupo tem uma renda fora, ou é viúva, ou já é de idade e é aposentada tem aposentadoria ou é casada e o marido sustenta né. A minha outra fonte de renda é o meu marido que me sustenta, porque se fosse pra eu viver de 150,00, 100,00 por mês. Só pra vim aqui eu gasto 140,00, 150,00, então não dá nem pra gasolina, fora que o grupo me dá todo mês 30,00 de ajuda de gasolina, mas não cobre nem metade do que eu gasto né.

Quando perguntamos a Dona Fia sobre as fontes de renda e o que fazia antes do

trabalho artesanal, ela relata orgulhosa: “Daqui, (da associação), e da costurinha, lavo roupa

pra minha filha, além disso, aprendi vários cursos de bordados, fazer tapete, o companheiro

mesmo fala, que ajuda, ai dá pra comprara umas coisinhas. O companheiro ajuda muito”.

Sobre o que fazia antes do trabalho artesanal com as mulheres Penha diz: “Eu

trabalhava assim de cozinheira em fazenda, hoje eu trabalho, faço as coisas vendo produtos

da Avon, Natura, lingerie, semi-jóia, um monte de coisa”. Amélia conta: “Eu trabalhei uns

tempos numa fazenda de cozinheira, depois daí eu vim morar no Progresso. Antes de fazer

isso eu fazia flor, fazia cesta de jornal, e gostava! (fala com prazer), hoje, eu sou

aposentada”.

Já Rosane, antes do trabalho na associação ela nos conta: “Eu trabalhei no frigorífico,

na cozinha um tempo e daí depois aqui no Progresso não tinha, eu ficava só em casa”. Sobre

as fontes de renda da família, ouvimos:

Do marido, porque nem teria como não ser, porque pelo né, do fato de não ser bem reconhecido, não ter uma cultura em cima disso, não teria jamais como sobreviver com isso, porque nem é por falta de divulgação, divulgação até tem né, é a questão de você fazer o cliente, do cliente saber que você existe. Muitas vezes o povo vai em Cuiabá buscar as peças, não sabendo que a gente ta aqui. Porque a venda ainda é pouca e como é tudo divido, a gente tem loja, tem despesas, tem energia, duas energias pra pagar, tem aluguel da loja, então as vendas ainda são poucas, então, não tem como sobreviver. Tem que ter ajuda do marido sim, tem que ser senão, não tem como.

Como já dissemos anteriormente o trabalho é trabalho social, deste modo, não existe

trabalho puramente individual, é preciso estabelecer algum tipo de associatividade. No

trabalho destas mulheres identificamos a figura importante dos maridos que auxiliam nos

trabalhos de buscar os tijolos, de acompanhar as mulheres na Feira em Tangará da Serra, na

construção e reforma dos espaços do ateliê e da loja. Os maridos são os que denominamos de

oikotrabalhadores ou seja, “pessoas que, unidas por laços sociais de amizade ou de

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parentesco, promovem e estimulam redes de solidariedade, em diferentes níveis e estilos (...)

no sentido de garantir não apenas a manutenção da unidade doméstica, mas também

viabilidade do emprendimento econômico” (TIRIBA, 2003, p.46). Apesar de alguns dos

maridos duvidarem do futuro da associação, são eles que elas contam sempre que precisam.

Reiterando a importância dos maridos, não apenas na ajuda às mulheres na associação,

elas reconhecem que se não fossem os rendimentos advindos deles, de outros trabalhos a

situação financeira seria ainda pior. São eles os grandes responsáveis pelas suas fontes de

renda. Como relata Orlinda,

Depende mais é do marido né, porque se não fosse ele, a renda é muito pouca né. O que ta dando não dá nem pra uma pessoa viver, nem pra um. Então eu pago o INSS né, que é cinqüenta e poucos reais, então esse dinheiro eu já não pego dele né. Mas eu falo a gente espera melhorar mais né, se continuar só assim a gente um dia, um dia ou outro talvez pode até desanimar, se for indo assim.

Podemos dizer que as mulheres, apesar de não dependerem exclusivamente dessa

fonte de renda e o resultado do trabalho que desenvolvem ser ainda muito pequeno, elas

desenvolvem uma nova forma de produzir, porque fazem a distribuição igualitária dos

resultados de seus trabalhos e porque não sendo trabalho assalariado ele não é visto como

mercadoria, não há a relação patrão e empregado, senhor e escravo. Sobre isso Tiriba,

completa,

O atual fenômeno do cooperativismo da “apropriação da fábrica”, não deve ser compreendido, necessariamente, como sintoma da luta pela transformação da sociedade, mas, fundamentalmente, como alternativa para que os trabalhadores garantam seus antigos postos de trabalho e/ou criem outras formas geradoras de trabalho e renda. (2001, p.175).

Desta forma, essas mulheres artesãs do Distrito de Progresso, acreditam em um futuro,

no devir, e por isso continuam a sonhar seus sonhos coletivos. Mesmo a associação não sendo

sua única fonte de renda, é nesse espaço que se percebem como sujeitos da produção social da

vida humana e criam e recriam novas relações, não só econômicas e sociais, mas também

anseiam e lutam para que esse trabalho resulte na garantia do direito à manutenção da própria

vida e dos seus.

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2.9 Por que produzir juntas?

Eu produzi isso aqui! Eu fiz! É meu! Não! Não tem! Rosane, artesã

Porque eu me apaixonei pelo barro né, eu ainda acredito que vai melhorar. Valéria, artesã

Conforme diálogos com as mulheres sobre a história da origem do grupo, elas contam

que a princípio o trabalho era desenvolvido individualmente, ou em duplas. Buscavam o barro

e modelavam as peças, e só a queima no forno era de forma coletiva. Com o passar do tempo,

elas perceberam que “sozinha é mais difícil” e optaram por fazer todo o processo de produção

das peças, de forma coletiva. Assim, quando pergunto por que produzirem juntas? Elas

contam que a opção pelo trabalho coletivo como já foi dito, surgiu a partir de cursos

oferecidos pela Prefeitura Municipal, mas também por necessidades individuais como no caso

de Orlinda e Rosane, que tinham problemas de saúde, como depressão. Orlinda conta: “eu

tinha problema de depressão, agora até a minha saúde melhorou porque eu ficava em casa

pensando bobagem”. Rosane desabafa: “logo que vim do sul para o Mato Grosso, eu nunca

tinha ficado sozinha com o menino (filho) e o marido ficava pra fazenda sempre, além da

dificuldade de dinheiro, e ai vem outros problemas junto, depressão...”.

Para essas duas mulheres da associação, o trabalho na modelagem das peças,

significava a superação para problemas de saúde e de solidão. Por isso, a princípio foi o

fator/elemento de socialização de todo grupo e com pessoas da comunidade, quando por

vontade com incentivo dos cursos, mas por iniciativa própria, elas decidem se unir e produzir

de forma solidária.

As seis mulheres artesãs do Distrito de Progreso buscam na associação a possibilidade

de uma condição de vida melhor, mediante recursos próprios e esforços coletivos e cobram do

poder público sua participação, o que para elas têm acontecido de forma insatisfatória. Na

produção coletiva as mulheres artesãs, elas tecem os fios de solidariedade e de valorização das

pessoas e das atividades que cada uma desenvolve. Elas mobilizam sua própria capacidade de

trabalho e os recursos escassos de que dispõem para produzir e gerar meios os de

sobrevivência. Sobre porque produzir juntas, Rosane diz:

Sozinha é mais difícil ainda, mais nesse serviço cada uma faz sua parte, hoje da pra se dizer que nós somos um grupo tranqüilo. Digo para elas que nós somos um grupo que claro, tem suas diferenças, tem, só que a

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gente resolve ali, já deixa resolvido ali, tudo adulto tudo tranqüilo. Aquela história eu produzi isso aqui! Eu fiz! É meu! Não! Não tem! Cada uma tem a sua parte uma côa barro, a outra busca o barro ou o marido busca, aqui a gente tem muita participação dos esposos também né. Tem que fazer feira não tem como o marido vai junto, não tem como levar outra pessoa, vai marido, tem que buscar barro, vai marido, tem que buscar lenha marido ajuda. Então a gente tem essa colaboração, tem que fazer coisa lá no ateliê tem quem faz também.

As mulheres não produzem apenas ‘coisas’, elas produzem também as relações

sociais. Elas executam um trabalho que conhecem e dominam (quase) todas as etapas, e o

interesse pela atividade se dá por se tratar de um trabalho criativo e artístico do qual elas têm

orgulho em desenvolver. Como afirma Marx “ao cooperar com outros de acordo com um

plano, desfaz-se o trabalhador dos limites de sua individualidade e desenvolve a capacidade

de sua espécie”. (1996, p.378).

As mulheres artesãs segundo Razeto (1994), estabelecem relações de cooperação

porque se organizam coletivamente em uma atividade, dividindo os custos e a riqueza,

produzindo de acordo com os critérios previamente estabelecidos entre elas. Produzir de

forma cooperada é um modo de produzir que vai além das relações de trabalho, é escolha

“livre”. Elas compreendem, depois da experiências de já terem produzido individualmente,

que sozinhas elas não têm condições de produzir, é no coletivo que elas se fortalecem e têm

voz.

Apesar de identificarmos na experiência coletiva das mulheres artesãs, a presença de

solidariedade, o desejo de “liberdade” financeira, isso não significa um processo de

emancipação. Na visão marxista, a emancipação está relacionada à concepção de liberdade,

de luta de classes e a instauração de um modelo social que supere o vigente; seria a superação

de uma condição social. A emancipação não se alcança na individualidade, é um processo

coletivo, portanto, social e difícil de ser atingido; trata-se de um processo histórico e está

ligado a questões culturais. Podemos inferir que identificamos na experiência de produzir as

peças, alguns indícios de que essas mulheres artesãs estão vivendo um processo de

desenvolvimento pessoal e intelectual, mas uma emancipação efetiva, ainda é cedo para

dizer.

No processo de produzir, as mulheres “tiram” do barro as peças que foram

anteriormente pensadas, elas são impressas no ato de modelar as peças, isso é ato criador.

Assim atraídas pelo “conteúdo e método de trabalho”, fluem suas forças físicas e espirituais

na produção efetiva das suas peças. Deste modo, ver no trabalho o principio educativo é

reconhecer que é no próprio processo do trabalho ou seja, na práxis que as mulheres criam e

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recriam sua realidade social, e neste processo elas também se educam e/ou se formam como

seres humanos.

Marx nos lembra,

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho. E isto é tanto mais necessário quanto menos se sinta o trabalhador atraído pelo conteúdo e pelo método de execução de sua tarefa, que lhe oferece por isso menos possibilidade de fruir da aplicação das suas próprias forças físicas e espirituais. (1996, p.202).

As artesãs, tecelãs de suas próprias vidas, diferente da aranha que tece diariamente sua

teia, de modo automático e instintivo, por escolher a atividade que desenvolvem, valorizam a

necessidade de avaliar, planejar e discutir as etapas da produção. Deste modo, o ato do

trabalho implica escolha consciente e livre, diferente dos animais. Elas transformam a

matéria-prima, o barro, além de peças artesanais em possibilidades de uma vida melhor, de

uma vida digna. A peça antes de ser modelada foi pensada, idealizada, já existe em suas

mentes, ela toma a forma e é ‘impressa’ na argila, como diz Marx, é “a possibilidade de fruir

suas próprias forças físicas e espirituais”. É pelo diálogo e pelas trocas que ocorrem entre elas

- no processo de produzir - que estas mulheres constroem novos sentidos e resignificam as

práticas sociais e as relações concretas .

Conforme Aranha (1993), “se não compreendemos o sentido da nossa ação e se o

produto do trabalho não é nosso, é bem difícil dedicarmos com empenho a qualquer tarefa”

(p.14), pensamos que é por esse motivo também que as mulheres desenvolvem seus trabalhos;

elas almejam com suas ações dias melhores. Assim, aumentam as possibilidades de

emancipação social porque comungando dos mesmos objetivos elas unem forças para superar

os desafios que individualmente, talvez fossem incapazes de fazê-los. É a produção material

da vida, que supre as necessidades humanas, e é um fato histórico.

As mulheres, segundo as observações, se envolvem nas tarefas de produção de suas

peças, e nesse processo, como seres humanos, usam as forças naturais de seu corpo a fim de

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apropriar-se e dominar a natureza conforme seus interesses e necessidades. O indivíduo

produz o coletivo e essa produção, produz o indivíduo.

Alguns motivos mobilizam as pessoas a produzir de forma associada, e na

especificidade do grupo de artesãs do Distrito de Progresso, implica o direito do/pelo controle

da produção e a continuidade de um sonho de uma vida melhor. Se elas não se sustentam

sozinhas, dependem dos maridos ou de aposentadoria, então por que continuam juntas? Se a

associação não é determinante financeiramente na vida familiar, podemos dizer que o que as

mantêm unidas há mais de dois anos, seja o desejo de mudança. Se elas desistirem da

associação a vida pouco mudaria, mas na continuidade há uma possibilidade de mudança. As

mulheres vivem e fazem história, e fazer história é produzir os meios de existência de/para

manutenção da própria vida. As necessidades essenciais de comer, vestir, precisam ser

supridas para que possam, a partir daí, alcançar uma consciência política efetiva que assegure

suas liberdades políticas e econômicas.

Para nós, a razão, ou o sentido da organização das artesãs, parte também de

necessidades comuns, onde elas partilham sonhos, vontades e anseios e têm a possibilidade de

se efetivar através das ações do trabalho coletivo e solidário. É a possibilidade de intervenção

na realidade social que modificada beneficia a todas. Apesar das mulheres se organizarem em

um espaço social pequeno se comparado a outros espaços de produção da economia

capitalista, elas valorizam as vivências coletivas e essa experiência oferece a possibilidade de

valorização do trabalho e reconstrução da vida humana.

Podemos dizer que as mulheres artesãs fazem a “recriação da cultura” (ZITKOSKI,

2000, p. 347), e dos saberes a partir de práticas sociais que dão um novo sentido à

convivência entre os seres humanos que buscam sua própria realização a partir da realização

do coletivo. E a cooperação, e a solidariedade tem sido o princípio das relações de produção

coletiva dessas mulheres artesãs e pode ser um impulso para novas práticas organizativas de

vivências partilhadas por pessoas que esperançosas no futuro, estão dispostas a mudar suas

realidades superando as limitações de seu ‘ser mais’.

Quando em conversas com Amélia, pergunto o porquê de produzirem juntas, ela

relata:

É melhor fazer tudo junto, até mais gostoso pra gente trabalhar né. Trabalhar junto uma atendendo a outra, porque, por exemplo, se uma ta doente não vai trabalhar, fica em casa né, pode deixar por nóis. Ah, porque é um dinheirinho que a gente recebe, um dinheirinho extra né, é uma coisa que interte a gente também né, e ta todo mundo junto

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conversando e contando piada (sorri) e trabalhando, é até divertido bem no fim né .

As mulheres valorizam o trabalho que desenvolvem de forma coletiva e solidária, e

dizem: “a gente produz o que nós ‘quer’,eu acho bom, eu tenho essas mulheres ai, como uma

família, outra família que a gente tem, né e é bom ajuda no orçamento...”. Sobre opção em

produzir de forma coletiva, como elas já tiveram a experiência de produzirem ‘cada uma por

si’ elas completam: “Produzir no coletivo é importante porque se fosse cada uma trabalhar

individual não ia dar conta, não ia conseguir”; “É muito trabalho, muita mão-de-obra para

uma pessoa sozinha, não consegue”; “Acaba sendo uma terapia pra gente também ficar

mexendo com esse barro”. Sobre isso, Orlinda expressa:

porque sozinho ninguém é nada né, que adianta abrir uma loja aqui, outra lá? Junto eu acho que nós temos força maior até pra conseguir algum objetivo melhor que a gente precisa, acho que fica mais fácil trabalhar junto em grupo do que separado. [...] surgiu esse curso, até eu não tava tão querendo ir porque eu achava que não era aquilo que eu queria, mexer com o barro, né, mas daí depois eu fui e vi elas (mulheres) trabalhando, gostei né, e achei que era bom da gente mexer, distrair tudo, mexer com o barro, eu tinha problema de coluna e depressão e procurei os cursos como distração.

As artesãs falam da importância do trabalho coletivo, da necessidade de cooperação e

do trabalho compartilhado. Marx (2011, p.378) chama de cooperação “a forma de trabalho em

que muitos trabalham juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou

em processo de produção diferentes, mas conexos”. Sobre produzir junto Valéria relata:

Uma pessoa sozinha não tem tanta força quanto um grupo né. E assim a gente tenta colocar pra todas pensar e ter a mesma visão sempre olhar pro mesmo lado, eu penso “o grupo é bom” mais a fulana, “não, se eu fosse sozinha”, não! Todas tem que pensar igual a gente tem que trabalhar como um grupo, como uma família, em prol de uma idéia só, não cada uma ter uma idéia aqui outra idéia ali. Eu acredito que sim porque individual você não tem força né, porque tudo você tem que fazer sozinha e assim não, uma precisa da outra, uma queima, outra dá acabamento, outra côa, quer dizer o grupo anda que nem uma mão, se você tiver um dedo só ela não tem tanta força, agora com os cinco ela tem pegada né?

Assim, produzir de forma solidária e cooperada faz com que as mulheres

compreendam também suas limitações e das suas companheiras e isso demanda práticas que

tenham por base o diálogo. Assim, as desventuras e os êxitos individuais são compartilhados

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por todas, neles elas identificam a si mesmas e o esforço comum de produzir e de

viver/conviver. Deste modo:

A produção da vida, seja da própria vida pelo trabalho, seja a de outros, pela procriação, nos aparece a partir de agora como dupla relação: de um lado, como relação natural, de outro como relação social – social no sentido em que se compreende por isso a cooperação de vários indivíduos, em quaisquer condições, modo e finalidade. (MARX, 2008b, p.55).

A responsabilidade e/ou comprometimento das artesãs pelo coletivo, foram

conquistados, pelo convencimento de que essa é a opção, a saída para a ‘liberdade’, que é um

processo interno, individual, mas também coletivo e por isso construído em espaços coletivos.

Desta forma, a convivência entre elas, parece ter sido o motivador inicial para que

participassem dos trabalhos e produzissem de forma coletiva e solidária. Tanto nos relatos de

superação de problemas de saúde como a depressão, quanto para ‘distrair’, identificamos a

necessidade de essas mulheres conviverem entre si, mesmo que depois outros motivos tenham

tornado determinantes.

Apesar de no princípio, o encontro das mulheres na produção cotidiana das peças de

barro ter se dado pela necessidade de estarem juntas, elas aprenderam depois, que as relações

humanas são igualmente importantes e formadoras em suas vidas. As experiências de gestão

da vida comunitária, vão para além do trabalho propriamente dito de produzir as peças

artesanais, e se estende numa pedagogia do cuidado, na preocupação com as outras, com as

mais velhas, com os doentes, com as crianças, com suas dores e as alegrias. As mulheres

artesãs ao se tornarem coletivas, percebem que a preocupação de uma é preocupação de todas.

Elas aprendem assim a ser solidárias.

2.10 Sonhos solidários

O sonho é de ‘miorar’ cada vez mais né e que a gente ganhe um pouco mais também. Amélia, artesã.

[...] A esperança é um condimento indispensável à experiência histórica... FREIRE, 2000.

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Nos diálogos com as mulheres artesãs e no acompanhamento das atividades para a

produção das peças artesanais, quando perguntamos sobre os anseios e sonhos, com relação

ao futuro da associação, destacamos alguns bastante significativos: “vontade de vender pra

fora”, de “comprar uma máquina de mexer o barro”. Percebemos nessas falas o desejo de

que a associação cresça e concretize a vontade do trabalho ser (re) “conhecido fora da sua

cidade” e que na “aquisição da máquina de mexer barro”, o trabalho fique mais fácil e

rápido e consequente aumento da produção.

Em que momento podemos inferir que a expressão “vender pra fora” e “aumentar a

produção” pode ser considerado apelos de uma economia capitalista, voraz e desumana?

Como distinguir o que já está incorporado a uma ética capitalista e o que ainda se mantém

como semente de uma nova concepção de trabalho coletivo solidário que intenciona a

reprodução da vida e não do capital?

Importante compreender o protagonismo destas mulheres que mesmo sem saber,

acenam com novas formas de produzir no seio de uma economia capitalista. Falar da sua

potencialidade no sentido de ruptura, para o novo talvez seja prematuro. O que podemos dizer

é que identificamos elementos de resistência e que questionam de alguma forma a ordem

vigente, - que aparenta ser imutável - quem sabe acenam para a possibilidade efetiva de uma

outra hegemonia.

Quando pergunto a elas sobre os sonhos com relação à associação, Rosane relata:

Se a gente tivesse condição de trabalho, máquinas, a gente podia vender mais, desse jeito não dá nem pra atender pedido muito grande. Quando a gente tiver o maquinário, o cilindro, a maromba, ai da pra pensar em vender mais. Nosso sonho é evoluir, é não precisar um dia pagar aluguel da loja, produzir bastante, ter nosso maquinário. Que hoje atrapalha porque faz falta, sobraria mais tempo pra gente fazer mais e melhor. Ter um forno esmaltado porque daí não perde mais peças, porque o esmaltado passa por dois processos de queima, o de 900 a 1.000 e de 1.200 a 1.400 graus. Se você tem uma peça com rachado, depois que você esmalta ela multiplica várias vezes o valor e seria uma peça que você joga fora ou teria que doar pra alguém, ou quebrar entendeu? Nosso sonho é progredir né, vender no Brasil, se for possível pro exterior! Comprar nossas máquinas, ter nossa loja, nosso espaço. Se Deus quiser a gente daqui uns dias vai ter, porque a gente esta buscando, esta batendo. Então nosso sonho é produzir tranquila, poder fazer um catálogo e sair vendendo de porta em porta, de loja em loja.

Valéria reforça dizendo:

É sobreviver com o artesanato, vender e ter lucro. Eu acredito que todas que ta trabalhando tem a vontade que ele realmente dê certo, que venda

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bem, que a gente ganhe mais, porque por enquanto. Porque, a gente tem que ter um ideal, a gente tem uma meta, eu acredito que tem que dar certo, nós temos que chegar lá, não podemos desistir, eu ainda to tentando tem dois anos, eu acredito que vai dar certo, eu não quero desistir, entendeu, eu não vou desistir! Meu sonho é ter uma renda merecida, (repete) porque a gente trabalha tanto e não tem uma renda que acredito que seja merecida, nós não tamo ganhando o que merecemos.

Os sonhos dessas mulheres estão vinculados às condições de produção e

comercialização, elas acreditam que o sucesso das vendas possibilitará a melhoria nas suas

condições de vida. Para Zitkoski, “o resgate do valor do sonho, da esperança, da utopia é a

base de uma concepção de história profundamente dialética e libertadora da vida humana em

sociedade”. (2000, p.193). Neste sentido vemos a importância do sonho e da esperança como

possibilidade de mudança na vida das mulheres, que são inerentes à própria natureza humana.

É pelo sonho e pela esperança que elas vão fazendo a si mesmas na história. “Não há

mudanças sem sonho, como não há sonho sem esperança”. (FREIRE, 1982, p.91). Em Marx:

O homem sufocado pelas preocupações, com muitas necessidades, não tem qualquer sentido para o mais belo espetáculo [...]. Portanto, a objetivação da essência humana, tanto do ponto de vista teórico como prático, é necessária para humanizar os sentidos do homem e criar sensibilidade humana correspondente a toda a riqueza do ser humano natural. (2006, p.144. Grifos do autor).

As mulheres artesãs, na aquisição de máquinas que ajudariam na produção e

facilitariam seus trabalhos, talvez tivessem mais tempo para produzir, ou mesmo para o

descanso, o direito à preguiça de que fala Lafargue (1999), a liberdade de produzir para

satisfazer as necessidades, a liberdade do ‘tempo livre’.

Assim, os sonhos das mulheres artesãs de “ter um forno esmaltado, uma máquina para

bater o barro” poderia ter um sentido limitado de aumentar a produção, o que resultaria na

qualidade do trabalho, mas também poderia como diz Marx criar a sensibilidade humana,

onde, elas tendo diminuída suas preocupações com a produção da vida material, possam

pensar em outros aspectos, igualmente importantes.

Para Tiriba, os trabalhadores associados têm a propriedade dos meios de produção,

mas não têm os segredos da gestão; não têm a ciência que, a vida inteira, o sistema capitalista

negou aos trabalhadores. (2005, p.2). Vemos que as artesãs não demonstram sentir falta ‘dos

segredos da gestão, ou da ciência’, pelo contrário, elas produzem de forma coletiva, sem

demonstrar sentir falta de informações sobre as técnicas de como produzir, ou do

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conhecimento sistematizado historicamente. Elas criam a possibilidade de pensarem suas

ideias, de produzirem novos conhecimentos, de dizer suas palavras e de construir seu mundo,

suas vidas, como seres livres e solidários. Como diz Freire, “que todos se sintam sujeitos de

seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão de mundo, manifestada implícita ou

explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros”. (FREIRE, 1970. p.120).

Por falta de capital que dê garantias para o acesso a financiamentos bancários, elas

buscam junto aos órgãos públicos parcerias que as auxiliem, dando condições para produzir e

sobreviver de seus trabalhos; elas acreditam, e trabalham para isso. O oprimido “Quando

descobre em si o anseio por libertar-se, percebe que este anseio somente se faz concretude na

concretude de outros anseios”. (FREIRE, 1970, p. 16). As mulheres artesãs do Distrito de

Progresso sonham também com o seu ‘progresso’, não individual, egoísta, mas coletivo, de

um pequeno grupo que insiste em sonhar sonhos possíveis.

Desta forma, as ferramentas colocadas à disposição das mulheres artesãs para diminuir

o trabalho ‘pesado’ não podem ser menosprezadas; elas se apresentam como possibilidade de

melhoria nas condições de produzir seus artesanatos, como alívio para os problemas de saúde

como “bursite” e “coluna” de que as artesãs reclamam. Ao desenvolver novas técnicas, se

‘modernizar’, desenvolver novas formas de produzir suas peças, elas talvez não se deixem

‘taylorizar’, e não percam o sentido de sujeitos coletivos. Mas isso só o tempo dirá.

2.11 Pelo direito ao controle da produção

A gente trabalha meio quase que por conta né!

Amélia, artesã

Na produção das peças artesanais no ateliê, o trabalho coletivo é realizado pelas seis

mulheres, não existindo premiação por produtividade. Produz-se pela compreensão de que

elas têm de fazer parte de um grupo, e isso as mantêm corresponsáveis por todo o processo de

produção, da busca dos tijolos na cerâmica à venda dos artesanatos na loja. Deste modo,

como é possível contar com a disciplina no trabalho e com o comprometimento de todas na

produção apesar da remuneração se a remuneração ainda é bem pequena. O que as mobiliza

para este trabalho? Segundo Marx e Engels,

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Da maneira como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem como com o modo como produzem. O que os indivíduos são, por conseguinte, depende das condições materiais de sua produção. (2008b, p.44-45).

As mulheres se identificam com o que produzem e têm orgulho de seus trabalhos. O

produto de seus trabalhos pertencem a elas, ao contrário da análise a que Marx (2006) se

refere , o trabalho não é bizarro e não se contrapõe a elas como poder estranho.

Quando pergunto como elas definem a produção, temos no relato de Dona Fia que: “A

gente produz o que nós quer e produz também por encomenda”. E Valéria completa:

Todo mês a gente se reúne: O que vamos trabalhar esse mês? Vamos fazer o estoque porque vai começar as águas e tal, o que a gente vai produzir, vamos olhar quais as peças que a gente faz as que mais vende, qual a linha que a gente vai seguir, é essa, é essa, é essa, que mais vende? Sim. Então vamos fazer quantas mais ou menos? O que você acha, o que fulana acha, o que que a outra acha? 10 peças, 20 peças? Será que até fevereiro essas peças aqui dá ou tem que fazer umas 30? E assim a gente faz.

Em diálogos sobre como elas definem o quê e como produzir, Amélia nos conta:

Conforme as encomendas né, fazendo umas peças a mais pra ponhar na lojinha, não tem um controle da quantia produzida por dia, por mês. Cada uma já sabe o que fazer, cada uma pega alguma coisa e vai fazer, é aquilo que precisa fazer no dia. Chega e o que tem que fazer vai fazer.

E Rosane explica:

Eu sei o que falta lá, o que tem menos na loja eu já chego e já faço (a lista) ponho lá na prancheta, já deixo ali, daí Valéria já chega também já sabe, ela olha lá: “Hoje eu tenho que fazer isso e isso”. Daí ela vê o que ele esta no melhor dia pra fazer, se são peças muito grandes que ela acha que tem que trabalhar de manhã, porque o torno precisa muita tranquilidade.

As mulheres sabem o que é atribuição de cada uma, quem modela as onças, quem

modela os pássaros, ou se é preciso preparar o barro para as demais. Vemos nas suas falas

que existe uma disciplina do trabalho coletivo, mas ela é ao mesmo tempo autônoma e

espontânea. Mesmo quando uma exige da outra que cumpra os horários de produção, ainda

assim podemos dizer que se trata de uma disciplina que é uma condição de liberdade.

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Quando pergunto quem controla a produção Rosane diz:

Geralmente sobra pra mim pedir, mas eu deixo aberto, olha se vocês querem fazer, tem isso, isso e isso pra fazer, aí você vê se você esta boa pra fazer. Porque se você não estiver boa não adianta pegar no barro que você acaba estragando, ou estraga na hora, ou estoura na hora da queima. Então não adianta, elas já sabem, hoje eu to a fim de coar barro, hoje eu estou a fim de sentar e não querer fazer muita coisa, então arruma uma acabamento, alguma coisa, faz pintura, faz restauração.

Longe de uma imposição de trabalho explorador, o que as mulheres fazem parece ser

uma disciplina consciente, escolha individual e coletiva que tem por objetivo a igualdade dos

seres humanos. “A disciplina é um fator fundamental para tornar viável a organização

econômica e realizar, no chão-da-fábrica, o sonho da autogestão”. (TIRIBA, 2006, p.11).

2.12 Sobre o horário de trabalho

Quando conversamos com as mulheres artesãs, do Distrito de Progresso, sobre os

horários; identificamos que elas demonstram compromisso com o tempo de trabalho diário,

mas entendem que por vezes é preciso faltar, e quando isso acontece uma supre a falta da

outra, assumindo seu trabalho naquele momento. Elas respeitam as dores e impossibilidades

de cada uma, e demonstram tolerância, por exemplo, com Amélia, que em decorrência de sua

idade já não dispõe de saúde e disposição, se cansando com facilidade.

Amélia relata: “Este trabalho é mais que trabalho, uma fica atendendo a outra

também né, porque, por exemplo, uma ‘ta’ doente, então não vai trabalhar, fica em casa né,

pode deixar por nós”. Sobre o horário ela completa: “Olha a gente não tem horário assim

fixo né, a gente trabalha meio quase que por conta né”, Quando pergunto, então a senhora

trabalha o dia que quer? Ela corrige: “Não, a gente tem um horário fixo pra gente trabalhar

né, mas tem uma tolerância, mas eu gosto desse horário porque é flexível, se precisar ir pra

Tangará no médico, uma coisa assim, a gente vai”. Penha completa:

Todo mundo decidiu, ninguém toma decisão sozinho, quando vai decidir uma coisa ai faz a reunião para conversar com todo mundo. É o grupo que decide, se o grupo disser que não, se duas ou três achar que não dá, daí vai estudar outro jeito. [...] Quem não cumpre o horário não

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desconta, paga em horas depois. Não precisa, cobrar, mas tem outros que fica lembrando fica cobrando.

Penha diz que quem decide o horário é todo o grupo, mas Amélia diz: “Quem decidiu

esse horário foi a Rosane e é bom pra nós e nós concorda”. Assim, ficou acordado pelo

grupo que o horário é de vinte e quatro 24 horas semanais, distribuídas entre a loja e ateliê,

ficando da seguinte forma: de segunda a sexta, quatro horas por dia, que perfazem 20 horas

trabalhadas. Às quatro horas restantes elas fazem aos sábados na loja, em escalas de uma

delas por vez. O horário, como as demais atividades, é definido pelo coletivo das mulheres.

Elas decidiram que trabalhariam 24 horas semanais, mas deixam claro que há certa tolerância.

Como nos fala Valéria: “Se quiser faz 8, 5, 6 por dia, tenta fechar as 24 horas, a não

ser em caso de doença”, e continua:

Quando alguém fica doente e não dá conta de cumprir as horas, não tem nada haver, se não consegui esse mês não tem problema, você teve desculpa porque a gente é um grupo, mas tem que ter compreensão, não é que você é obrigada (ênfase) a cumprir aquele horário, entende.

Podemos dizer então que liberdade e disciplina estão ligados intimamente. As

mulheres dizem que o horário existe, mas é flexível, e nem por isso identificamos falta de

comprometimento delas com o cumprimento do mesmo, pelo contrário, elas se esforçam em

respeitar o horário, provavelmente porque foram elas mesmas que definiram. Diferente do

controle do relógio na produção industrial; na produção das mulheres não há essa rigidez com

o tempo de entrada e permanência.

O compromisso pela produção é para suprir as encomendas ou para manter o estoque

da loja, e é compreendido pelo coletivo, não havendo necessidade, por exemplo, de um

controle rígido como por exemplo do livro ponto. Elas dizem que cada uma sabe o horário e o

que é preciso ser feito.

2.13 Como é feita a divisão do resultado do trabalho

O dinheiro não é tudo! Rosane, artesã

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Conforme os relatos e as informações das mulheres artesãs do Distrito de Progresso,

em suas entrevistas, elas não fazem a distribuição do resultado do trabalho equivalente à

quantidade de trabalho realizado. O direito à distribuição igualitária é garantido a cada uma

por pertencer ao grupo. Cada uma recebe o mesmo valor na divisão mensal, que fica entre R$

100,00 e R$ 200,00 reais, mesmo que o tempo de trabalho não tenha sido o mesmo. Elas

sabem que devem cumprir o horário de trabalho decidido pelo coletivo, mas sabem também

que caso aconteça algum imprevisto o horário pode ser reposto em outro momento.

A distribuição do resultado do trabalho das mulheres artesãs é entendida como algo

independente do modo de produção e da quantidade de tempo que cada uma trabalha, pois as

relações são mais importantes, os direitos são iguais na produção e na distribuição do

resultado desse trabalho coletivo.

As condições necessárias para a reprodução da vida não podem ser contabilizadas por

meio de uma simples soma matemática dos rendimentos monetários do trabalho, apesar de ser

inegável a necessidade do trabalho como complemento da renda para as artesãs. As formas de

solidariedade presente entre as mulheres trabalhadoras, suas famílias e a comunidade local é o

que torna possível a sobrevivência e a unidade do grupo.

Há que se considerar que o objetivo das atividades econômicas populares não são

apenas os ganhos monetários, mas a melhoria da qualidade de vida das pessoas e as relações

de cooperação. Relação de cooperação é quando as pessoas organizam-se coletivamente em

um empreendimento, dividindo os custos e a riqueza produzida de acordo com critérios

previamente estabelecidos entre eles. (RAZETO, 1993, apud TIRIBA, 2001, p.7).

Sobre a divisão do resultado do trabalho, Amélia, relata que: “É feito por mês, vai

vendendo as coisas e vai anotando tudo no caderno, daí vai recolhendo o dinheiro e depois

quando chega o fim do mês é feito o acerto, é repartido, tira as despesas é o resto é repartido.

É bem controlado”. Orlinda diz,

Então o dinheiro é assim, uma vez por mês no final do mês ela (Rosane) chega, tem as vendas tudo, ai eu chego eu sou mais “espiculadera”. Ta tudo anotadinho né no caderno, vai anotando tudo, o fiado pra quem fica (para quem assume o caixa no mês seguinte) né, se entra cheque às vezes fica o cheque pra trás, depois troca né; a gente acredita que ta correto. Tem vez que a gente fica assim tem uma dúvida, mas não pode ficar falando é uma coisa que a gente não tem prova, então tem que chegar a conclusão de confiar, então vendeu, deu isso, e vamos seguir ta aqui em caixa isso aqui, vai ficar, tira a dívida que todo mês tem um monte de dívida que é aluguel de feira, vinte e cinco reais por mês, (25,00/mês) aluguel de loja, luz, duas luz que a gente paga lá em baixo e paga aqui, tinta (para as peças), [...] gasta muito todo mês, trezentos reais (300,00) já chegou até a quatrocentos reais (400,00) de despesa e o nosso ganho é

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pouco, então vai resta cem reais (100,00) pra cada uma, cento e cinqüenta reais (150,00), duzentos e cinqüenta reais (250,00) foi uma vez só que deu.

Rosane conta: “A gente soma as vendas e as despesas, diminue-se as despesas, do

total das vendas e se divide em seis, em partes iguais, sendo que ainda fica uma porcentagem

pro troco do caixa pra continuar o mês, pra ter troco no início do mês”. As mulheres com

exceção de Orlinda, demonstram confiar na divisão mensal feita com a participação de todas.

Sobre a divisão igualitária Adams diz que:

A distribuição igualitária dos resultados do trabalho coloca motivação em sentidos que valorizam a dimensão econômica como valor de uso que aponta para uma concepção não exploradora de economia. Trata-se de uma socioeconomia cuja prioridade é o cuidado, a convivência e a solidariedade integrada ao ambiente social e natural. (2010, p.157).

Esse processo de preparar os homens para serem dirigentes, é também um processo de

conquista da hegemonia pelas classes populares, e exige um profundo comprometimento

político pedagógico nas relações individuais e coletivas a ponto de questionar o próprio

conceito de poder. Quando a origem do poder é democrática a disciplina é um elemento

necessário, de ordem, democrática, de liberdade.(GRAMSCI, 1989).

É possível perceber que a associação das mulheres artesãs desenvolve seu trabalho no

sentido do domínio dos meios de produção e comercialização de sua produção, de subsistir,

em busca de autonomia econômica e quem sabe de um trabalho feminino emancipador. É

importante, compreender um pouco dessas protagonistas que resistem aos espaços de vida e

de trabalho aos modos de produção capitalista excludente e desumanizador das relações. São

mulheres que no processo diário de produzir peças de barro, através do trabalho coletivo,

produzem um fazer histórico e alternam trabalho e saberes - produzidos, reproduzidos,

significados e re-significados. Assim, Kuenzer entende,

Estas formas representam movimentos de refuncionalização do modo de produção capitalista, também contém germes de sua superação, na medida em que, por meio delas, os trabalhadores vão aprendendo a se organizar, a reivindicar seus direitos, a desmitificar as ideologias, a dominar o conteúdo do trabalho, a compreender as relações sociais e a função que nelas eles desempenham. (1985, p.11).

Os sujeitos históricos, protagonistas, responsáveis, se antes eram pacientes de uma

vontade estranha, hoje têm se tornado agentes ativos, sujeitos de sua história. Identificamos

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nas mulheres que o pensamento individual acaba sendo o (mesmo) pensamento coletivo, e as

definições de o que, como, e quando produzir, não são construções arbitrárias, pois se assim

fossem não se sustentariam e seriam eliminadas por não fazer sentido no coletivo.

A compreensão crítica de si e da classe é obtida pela consciência de fazer parte de uma

determinada força hegemônica, é uma consciência política e histórica. O desenvolvimento

político do conceito de hegemonia representa um progresso político e filosófico, assim não

existe organização sem intelectuais, sem organizadores e dirigentes.

Mesmo a associação não sendo sua única fonte de renda, é nesse espaço que se

percebem como sujeitos da produção social da vida humana criam e recriam novas relações,

não só econômicas e sociais, mas também anseiam e lutam para que esse trabalho resulte na

garantia do direito à manutenção da própria vida e dos seus.

Segundo Kuenzer, (1985) a consciência da classe trabalhadora só se conquista no chão

da fábrica, nos locais de trabalho onde as relações produtivas e humanas acontecem; é

também nesses espaços onde a pedagogia do trabalho tem papel fundamental na compreensão

e na luta pela hegemonia da classe que vive do trabalho. Esta hegemonia só é possível pela

práxis, na consciência teórica e cultural de uma ação efetiva e coerente.

Se a educação se faz na fábrica, é no mundo do trabalho que os problemas reais

ocorrem, e esses ambientes são os lugares fundamentais e permanentes onde os trabalhadores

podem educar a si mesmos, um espaço concreto de autoconsciência coletiva e de auto-

governo cultural das massas.

No trabalho, na fábrica, o trabalhador é desqualificado e diminuído pelas alterações

propositais a que é submetido com o intuito de que não tenha acesso, não domine todo o

processo, permanecendo assim, com qualificação restrita. No trabalho artesanal das mulheres,

há uma valorização por elas mesmas (e pela comunidade) do trabalho individual e coletivo.

Elas demonstram controlar os saberes referente a como produzir as peças artesanais de barro,

e esse processo confere a cada uma delas certa autonomia, não só no trabalho, mas nas suas

vidas.

2.14 As tensões, contradições e dificuldades de produzir

Chamamos de tensões/contradições as dificuldades encontradas no trabalho

associativo, que nas falas das mulheres aparecem, e que para nós são importantes e podem

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nos ajudar a compreender como as mulheres resolvem esses dissensos e mantêm as relações

pedagógicas e de trabalho do fazer coletivo. Quando pergunto das dificuldades da produção

Orlinda relata:

Não é fácil, não é fácil, a gente sabe que é um trabalho difícil, serviço de “home”, porque tem que fazer né, coar barro não é fácil, os braços da gente até dói, de coar, depois bater o barro, a gente tem bursite, a maior parte tem problema de saúde né, então a gente faz por quere fazer mesmo por gostar e ter aquela animação que um dia vai melhora né, e a gente precisa das pessoas incentivar mais pra ter uma ajuda de fora pra gente se animar mais.

Conforme Penha:

Mexer com gente é difícil, então você trabalhando em grupo assim você vai aprendendo a lidar com as pessoas, com os gênios das pessoas que são diferentes uma das outras. [...] Briga não!! Graças a Deus! [...] Às vezes eu desanimo, é problema lá de casa, às vezes é que não dá muito né, trabalhar pensando em ter uma renda familiar só com isso, aí não dá e a gente desanima, tem meses que não dá muita coisa, ai a gente desanima.

Apesar de Amélia dizer: “Eu não acho que tenha dificuldade”, para as outras

mulheres aparece como dificuldade o trabalho difícil, penoso, de “home”. Para Rosane, é:

“Maior dificuldade no início foi trabalhar sozinha, sozinha é mais difícil ainda. Hoje dá pra

se dizer que nós somos um grupo, as diferenças têm, só que a gente resolve ali, já deixa

resolvido ali, tudo adulto, tudo tranqüilo”.

Orlinda que se denomina a mais “especuladeira” quanto à prestação de contas mensal

do grupo e não por acaso, naquele mês (outubro), ela estava responsável pelo controle do livro

caixa. Ela demonstra pouca habilidade, mas fica satisfeita com a tarefa e completa: “[...] eu

fiquei com o caixa esse mês é até bom assim, um mês pra um, um mês pra outra, pra não dá

trabalho [...]”. Ao mesmo tempo cautelosa, completa: “é preciso ter muita confiança”.

Ela (Orlinda) tem dúvidas se realmente a divisão mensal é feita de forma igualitária, e

se mostra valorizada por ter ficado com o controle do caixa, mas demonstra dificuldade de

compreender o que é débito e crédito, e a Rosane a auxilia. Vemos nos depoimentos que

apesar do grupo pesquisado demonstrar afinidade para o trabalho e para o convívio, isso não

se dá de forma homogênea, sem conflitos. O que a nosso ver não diminui a “boniteza17” e a

17 Expressão usada pelo educador Paulo Freire.

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importância da experiência que estas mulheres constroem. Pelo contrário essas relações de

vida e de produção são construídas em um ambiente rico de aprendizagens.

As relações humanas não se dão de forma simples, automática, e esse processo de

convívio com as tensões e contradições talvez seja o que fortalece e une as artesãs. Por ser

um processo dialético, a realidade não é fixa e objetiva, mas é viva, se faz e se refaz

continuamente, o que permite o devir, um permanente vir a ser. A dialética é o ser, não ser, e

o vir a ser.

As artesãs são sujeitos que atuam e desenvolvem sua produção material, relações

materiais, mas também relações emocionais e que a partir dessas relações transformam suas

realidades e o seu pensar. “Não é a consciência que determina a vida, mas é a vida que

determina a consciência”. (MARX E ENGELS, 2008b, p.52). A consciência é produto social,

é condição objetiva de sobrevivência da produção da vida em uma força produtiva.

Pelas falas das protagonistas, trabalhar de forma coletiva não quer dizer que não hajam

diferenças, tensões, dificuldades, medos, pelo contrário. Mesmo neste contexto, elas

desenvolvem as habilidades para aprender a trabalhar e produzir as peças. A coletividade não

supõe homogeneidade. Dar homogeneidade ao grupo das associações que se organizam no

trabalho para além da vida não é apagar as diferenças, pelo contrário, é construir um (novo)

referencial do trabalho, dos saberes que não apaguem o indivíduo e o coletivo desse grupo de

pessoas que diferentes se fazem iguais. É a valorização do trabalho e dos seres humanos.

As artesãs criam habilidades para o trabalho coletivo, como “ter paciência”, “aceitar o

outro como ele é”, “confiar uma na outra”. E essas habilidades são desenvolvidas no coletivo

das organizações, no individual, mas também no coletivo. Para Pistrak, a aptidão para

trabalhar coletivamente só se adquire no trabalho coletivo, mas a aptidão para o trabalho

coletivo significa também que se sabe dirigir quando é necessário e obedecer quando é

preciso [...]. (2005, p.41).

Para as mulheres, as dificuldades como: “ter confiança no grupo”, “conviver com

pessoas diferentes, de culturas diferentes”, “cada uma pensar de um jeito”, são dificuldades

da/na convivência com pessoas de diferentes idades e de diferentes culturas. Apesar de serem

recorrentes em suas falas, essas dificuldades não demonstram impedir o convívio e o trabalho

delas, pensamos que seja porque elas já aprenderam essa habilidade. Para Adams:

Os sentidos proporcionados pelas mediações pedagógicas do trabalho associado dão-se no nível da produção e reprodução da existência e da compreensão de que as condições materiais do ambiente de trabalho oportunizam a construção de saberes não necessariamente emancipadores.

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Dito de outra maneira, o trabalho torna-se uma experiência central, um princípio educativo, com resultados sempre contraditórios, seja em vista da humanização ou desumanização. Trata-se de um espaço que carrega uma positividade ou negatividade presente em toda experiência que depende das condições materiais a que os sujeitos estão submetidos. (2010, p.168).

Sendo assim, as mulheres produzem juntas, pela necessidade, mas também porque

gostam deste trabalho coletivo e solidário. Para Marx e Engels (2008b, p.57), “a consciência

da necessidade de estabelecer relações com os indivíduos que o cercam é o início, para o

homem, da tomada de consciência de que vive em sociedade”. É o poder social que é

resultado da cooperação desses sujeitos.

As associações de autogestão são formadas por pessoas que (em sua grande maioria)

não possuem grande patrimônio pessoal e têm um reduzido grau de instrução, apesar de

dominar o fazer “prático”, particularmente, daqueles que ocupamos cargos de direção, mesmo

que por vezes tenha dificuldades de falar sobre esses conhecimentos.

A falta de recursos financeiros faz com que a associação nasça com uma estrutura de

capital deficiente e que a necessidade de capital de giro seja superior à sua capacidade de

financiá-lo. A falta de instrução formal dos associados, falta de conhecimentos técnicos e

práticos e a falta de experiências para lidar com o mercado dificultam o domínio do processo

produtivo e aumentam a dificuldade ao acesso a parcerias, colaborações e financiamentos. Por

desconhecer os saberes necessários para dirigir o grupo e a produção, agravam ainda mais as

dificuldades naturais para produzir os produtos e a vida de forma coletiva e solidária.

Sobre a disciplina do trabalho, Dona Fia se “queixa”: “tem uma que fica “moiando”

[enrolando], ela fica moiando, mas ela é boa para aprender os cursos e passar para nós, ela

vai para fora, viaja e trás as novidades pra gente”. Elas identificam na colega que gosta de

ficar ‘moiando’ outras aptidões para o trabalho coletivo, outras contribuições que são

importantes valorizar, por isso optam em mantê-la no grupo. Na produção coletiva cada qual

tem seu ritmo de trabalho, apesar do esforço em se respeitar o ritmo de cada um, as

diferenças individuais acabam gerando um clima de mal-estar e talvez até de desestímulo

para as demais, considerando que ao final todas recebam o mesmo pelo trabalho realizado.

Quanto ao “controle” do tempo de trabalho, elas chegaram a propor que fosse

assinado “o ponto”, o que acabou não acontecendo, mesmo assim, podemos dizer que essas

mulheres são, em sua maioria, comprometidas com as atividades da associação, e quando

faltam ao trabalho se preocupam em repor seus horários, sempre que possível.

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Outro momento que identifico como de tensão na associação é o fato de apenas

Valéria trabalhar no torno, apenas ela domina a técnica, apesar de as outras mulheres terem

tentado, como Dona Fia, mas ainda não desenvolveram essa habilidade. Orlinda e a própria

Valéria dizem que outras pessoas deviam aprender para que não houvesse a dependência de

uma delas. Vemos que há conflitos no processo de produção, no entanto as mulheres

compreendem que eles (conflitos) fazem parte do aprendizado e devem produzir novos

aprendizados e novas práticas. É possível aprender com os conflitos e nas contradições.

Outro motivo de tensão diz respeito ao fato de o ateliê funcionar em um espaço que

pertence a Rosane e seu pai, o que incomoda especialmente uma delas, Orlinda, relata:

É particular dela, e acho que pra ser associação, assim como eles falam devia ser uma coisa associada mesmo em nome da associação. Então está tudo em nome dela, o local que a gente trabalha esta no nome do pai dela e aqui também no nome dela, uma coisa que acho meio estranho isso, já que tem o nome que estamos associados, que nós somos uma associação, tem a carteirinha que a gente foi registrada, tem carteirinha de trabalho. [...] até a gente brincava se qualquer hora era quiser dizer, saem daqui porque aqui é meu! Ela pode falar, porque não é da prefeitura, porque se fosse um terreno da prefeitura e a gente trabalhava na prefeitura e a casa fosse da associação, pra nós seria bem melhor.

Quando pergunto se ela acredita que isso seria possível, ela responde,

Acho que ela não teria essa coragem de falar assim né, eu não porque ela é estressadinha, tudo as vezes tem coisa que ela... mas não ela quer que segue ela quer que a gente vá em frente né então eu acho que não eu que penso assim no caso de ela querer falar pra nós isso é meu e a loja também é minha eu que, mas não que a gente ta falando que vai acontecer um dia a gente ta falando que é particular dela e eu acho que pra associação como eles falam que é associação devia ser uma coisa associada mesmo em nome da associação. Então esta tudo em nome dela o local que a gente trabalha esta no nome do pai dela e aqui também no nome dela uma coisa que acho meio estranho isso já que tem o nome que estamos associados que nós somos uma associação tem a carterinha que a gente foi registrada tem a carteirinha de trabalho. (Orlinda)).

Orlinda teme que a companheira Rosane, um dia, decida fazer a opção pelo trabalho

individual, pelo local lhe pertencer. Não identificamos essa possibilidade porque essas

mulheres no início de sua produção já trabalhavam individualmente e usavam apenas o

mesmo forno para queimar as peças, e optaram pelo coletivo por entender que assim é menos

cansativo do que da forma anterior.

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Embora as artesãs cobrem da prefeitura a doação (prometida) do terreno para a

associação, isso ainda não se efetivou, e o ateliê como já foi dito funciona na casa do pai de

Rosane. Ao mesmo tempo em que parece ser um problema, parece também criar uma

identidade, pois o local fica perto da residência da maioria delas. Sobre o espaço do ateliê

Valeria diz,

A Rosane cede pra gente sem cobrar aluguel. No primeiro ano a prefeitura deu metade do material do forno, esse forno grande que foi construído, a prefeitura pagou. Foi a ajuda que eles deram no primeiro ano, metade da construção do forno, inclusive tem parte do tijolo que a Rosane comprou com dinheiro dela. [...] Essa cobertura foi tudo reaproveitamento do lixão, nós mesmo, ninguém ajudou, um deu uma telha outra deu outra, pedimos uma coisa aqui, pedimos outra ali e foi construído.

Percebemos que o fato de a associação não ter sede própria, incomoda algumas delas,

umas mais que as outras. Mas o ateliê tem funcionado em um espaço particular – terreno onde

mora o pai de Rosane – pelo motivo de que a prefeitura ainda não destinou um terreno e

documentação, como havia prometido, a princípio, para as mulheres.

2.15 A “intelectual orgânica”

“Todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer então; mas nem todos os homens

desempenham na sociedade a função de intelectuais”, segundo Gramsci (1989a, p.7). Para ele

existem vários tipos de intelectuais: “urbanos, industriais, rurais, burocráticos, acadêmicos,

técnicos, profissionais, pequenos, intermediários, grandes coletivos, democráticos, etc”. Não

trataremos aqui dos vários tipos de que se refere Gramsci, mas eles estão ligados intimamente

a relações sociais, a um grupo social e a um determinado modo de produção. Os intelectuais

para esse autor, devem estar vinculados à vida e à luta política dos excluídos, ele deve ser

orgânico, democrático e popular.

Para Gramsci a função do novo intelectual orgânico à dinâmica da sociedade e à

conquista da hegemonia da sua classe, deve ser construtor, organizador, educador

permanente (dirigente + político). Se toda atividade é intelectual “não existe atividade

humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não se pode separar o homo

faber do homo sapiens (GRAMSCI, 1989a, p.7), e não é a capacidade intelectual exclusiva

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para alguns eleitos, é direito de todos”. O autor ainda nos alerta que o desempenho de

diferentes funções “intelectuais” não deve justificar hierarquias ou divisão de classes na

sociedade.

Os intelectuais orgânicos devem fazer parte de uma sociedade viva em expansão,

conectada ao mundo do trabalho, às organizações políticas e culturais, interligados a um

projeto global de sociedade que se pretende construir como ‘ideal’, onde todos possam ter

direito a ter direitos. Então são orgânicos os intelectuais que além de especialistas na sua

profissão, elaboram uma concepção ético-política.

Na associação das artesãs do Distrito de Progresso, as mulheres veem em Rosane a

‘líder’, ‘a gerente’, ‘a chefe’, ‘a coordenadora’ e ela acumula a função de presidente do

bairro. Ela é a articuladora, viabiliza parcerias e cursos. Ela faz questão de participar da

Diretoria da ASSOARTE- Associação dos artesãos de Tangará da Serra, e esteve presente na

elaboração do estatuto. Ela conta orgulhosa da ‘briga’ que empreendeu para que constasse

nas cláusulas, que na eventualidade da extinção da associação os maquinários ficassem no

Distrito de Progresso e não em Tangará da Serra, como alguns queriam. Rosane demonstra

postura política, interesse pelo coletivo, envolvimento com a comunidade da qual faz parte,

sonha e trabalha por dias melhores para ela e para o grupo de mulheres.

Naturalmente, ela se tornou uma referência, para o grupo, por entenderem que ela é a

mais habilidosa. Ela se responsabiliza pelo controle da produção e das compras e também

pelos pagamentos, aluguel, energia elétrica, etc. Sobre ela, as colegas dizem: “ela coordena

tudo, a responsabilidade tá mais em cima dela, ela que tá na frente a gente tem que concordar

com ela também, apoiar a ideia [...]”(Orlinda). Para Dona Fia: “Nossa chefa é jeitosa, [...]”.

(Sobre a facilidade de ela negociar com os clientes). E continua,

Nós mesmo, entre nós a gente decidiu que deveria ter alguém que organizasse essa parte, que cobrasse e a pessoa entre nós que a gente acredita que tem mais voz pra cobrar, pra falar é a Rosane. A gente elegeu ela e ela é a chefe, ela diz que não, mas ela é a chefe, ela não sabe mais ela é a chefe e a gente que escolheu. Porque tem que ter todo grupo se não tiver uma liderança não anda, fica sem perna, porque cada um vai querer fazer uma coisa pra um lado, não vai dar certo [...]. É ela quem faz tudo aqui é fruto...ela ia atrás do povo ajudava ela atrás do povo ela chamava o povo, “agora vai ser o curso dos pássaros do pantanal”, ela ia de casa em casa caçando as pessoas ai as pessoas começou a se interessar, mas é pouca gente que se interessa ficou só nós, seis pessoas.

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É consenso do grupo a escolha de Rosane na ‘administração’, mas deixam claro que

as decisões sobre tudo, são tomadas em reuniões com a concordância de todas. Neste sentido

ousamos dizer que Rosane, está se constituindo como a intelectual orgânica do grupo, na

concepção de Gramsci,

Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também nos social e no político [...]. (1989a, p.3).

Ainda segundo Gramsci o intelectual orgânico deve ter certa capacidade técnica em

outras esferas de produção, deve ser organizador de massa de homens, organizador da

confiança, deve ser, “construtor, organizador, persuasor permanente [...]”. (1989a, p.8).

Gramsci (1989a) afirma que existem graus diversos de atividade especifica intelectual,

e para nós o (a) intelectual orgânico (a) não está necessariamente vinculado ao grau de

instrução formal ou de sua qualificação. Deste modo, entendemos que Rosane, apesar do

“pouco estudo”, como ela diz, é ela quem organiza e constrói junto com suas companheiras a

consciência de classe nos aspectos econômicos, sociais e consequentemente políticos.

É sabido que a escola não é o único espaço para formação de intelectuais, os espaços

de produção como o ateliê, a loja e a feira são espaços igualmente formadores. Apesar de

entendermos que a capacidade intelectual não é privilégio de alguns, é Rosane que estabelece

o consenso em torno de um projeto que todas defendem e acreditam. É ela quem, na direção

do grupo, incentiva as relações de solidariedade.

Gramsci quando valoriza o saber popular, defende a socialização do conhecimento e

recria a função dos intelectuais ligando-os às lutas políticas “subalternas”.

Para Gramsci o intelectual orgânico é diferente do tradicional, que é erudito,

enciclopédico, preso a uma realidade que não existe mais, pelo contrário, ele deve ser

orgânico, estar ligado às dinâmicas produtivas, políticas e culturais. Sua atividade intelectual

deve ser posta a serviço em várias frentes, como Rosane, que é Presidente de Bairro,

coordena a associação das artesãs e faz parte da diretoria da Assoarte.

É possível identificar dentre as mulheres àquela que elas identificam que exerça, na

associação, a função organizativa, tanto no campo da produção como na administração

política. No nosso entendimento poderia ser o germe para a construção do que Gramsci

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define como “intelectual orgânica”, por vezes elas parecem se encontrar no caminho, em

outras parecem ainda não ter consciência disso.

Rosane e as demais do grupo, não intencionam romper com o sitema capitalista de

produção, que têm características que valorizam a individualidade e priorizam o lucro a

qualquer custo, ou então, criar uma “outra” hegemonia,

Estas ‘novas’ formas de produção associada, como o grupo das mulheres artesãs do

Distrito de Progresso, em nossas reflexões, se apresenta como possibilidade de produção,

aonde as trabalhadoras vão aprendendo a se organizar, a reivindicar seus direitos; a dominar

os processo e conteúdo do trabalho; a compreender as relações sociais e a função que nelas

desempenham, é, portanto, educativo.

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CAPÍTULO III

A educação é o processo pelo qual nós nos tornamos o que somos. CRAIDY, 2001

Fotografia 19 – As mulheres em frente à loja. Da esquerda para direita: Orlinda , Amélia, Dona Fia, Valéria, Rosane e Penha. Arquivo particular da pesquisadora

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3 DAS MÃOS DAS MULHERES ARTESÃS: (RE)PRODUZIR AS PEÇAS, OS

SABERES E A VIDA

Conhecer e pensar são capacidades humanas, necessárias à sobrevivência. “Conhecer é

poder”, dizia Bacon (1561-1828). Conhecer e pensar coloca o universo ao alcance do homem

e lhe dá sentido e finalidade. Os animais conhecem as coisas, o homem além de conhecer é

capaz de pensar sobre elas e elaborar um outro conhecimento e/ou ressignificá-lo. A história

da humanidade é a história da luta pelo conhecimento, pela dominação e domínio da natureza.

A educação é campo de atividade humana, processo pelo qual o homem se socializa,

transmite e aprende os saberes historicamente acumulados pela humanidade; as normas, as

regras os padrões, os valores da sociedade em que vive. Esse processo se dá no interior de

relações sociais determinadas historicamente.

Assim, a educação não é um processo abstrato, geral, mas processos e relações entre

homens, gerações e lugares diferentes entre si. Ela se realiza de todas as formas, nos mais

variados espaços onde as relações se estabelecem, nas diversas condições sociais e de

produção, nas diversas formas de escola, sejam instituições escolares ou não, e é diferente

também no tempo e no espaço.

É um processo de humanização que se dá ao longo de toda vida, que acontece em vários

lugares e de muitos modos diferentes. É a consciência que distingue os homens nos processos

de produção da vida, o modo pelo qual os saberes contidos nessa experiência ocorrem, se dá

pela educação ou é a própria educação. É o princípio educativo.

Marx e Engels, (2008a) acreditavam em uma educação que levaria à emancipação dos

próprios trabalhadores com a superação da condição de exploração. O proletariado deveria

dominar os saberes científicos necessários e pensar a própria produção, pensar a educação e

/no modo de produção de trabalho. Como diz Tiriba, “trabalho é princípio educativo e,

também fim educativo, é fonte de produção de conhecimento e de novas práticas sociais, é

fonte de produção de conhecimentos e de novas práticas sociais, é fonte de produção de bens

materiais e espirituais”. (2001, p. 210).

O homem é o que é pelo trabalho, essência humana não como categoria metafísica.

Para Marx, Engels e Gramsci, não se separa educação/ensino do trabalho, das condições de

produção. Não se separa trabalho manual do intelectual, teoria da prática, planejamento e

direção. O trabalho é feito humano, e por isso permeado dos saberes necessários pra produzir e

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dominar também os saberes científicos e tecnológicos, para articular e pensar a própria

produção. Para os autores a relação/articulação entre ensino e trabalho, o entendimento do

trabalho como principio educativo é a possibilidade de superação da condição

alienada/alienante.

O trabalho é uma categoria fundamental para os autores, e são analisados dentro do

contexto histórico de transformação do trabalho. “Assim, trabalho e educação são atividades

especificamente humanas”, no sentido de que “apenas o ser humano trabalha e educa”

(SAVIANI, 2007, p.152). Para a burguesia o ensino era intelectual, mas para a classe

trabalhadora, o proletariado qual era o ensino/educação que caracterizava (e caracteriza) o

trabalhador?

Ensinar e aprender tornou-se essencial para que os grupos humanos sobrevivessem no

passado e através dos tempos. Sem o poder de armas e contando apenas com o próprio corpo

para matar e fugir, inicialmente desprotegidos de saberes necessários que pudessem assegurar

sua vida e dos seus, o homem primitivo, convivia com seus iguais formando grupos, bandos

errantes, no interior dos quais aprendiam e ensinavam a viver e a sobreviver. O trabalho e a

convivência, tanto para o antropóide (um ascendente muito próximo do primeiro homem)

como para o homem “moderno”, são momentos de circulação, divulgação desses modos de

saber necessários à reprodução da vida individual e coletiva, assim construindo a si mesmo e

a sua cultura.

Apprehendere em latim significa apoderar-se, sendo assim, dar visibilidade aos

saberes das mulheres artesãs, é dar-lhes condições para que se apoderem de sua cultura e de

seu saber (res). O trabalho associado como produção da vida e como efetivação do processo

de humanização recupera a dimensão artística, política, cultural e faz das mulheres dirigentes

de si mesmo, da produção. Sobre isso Brandão diz,

Entre os antropólogos é costume dizer-se que a sobrevivência de um mundo social depende de os seus sujeitos descobrirem meios de entre eles, segundo as suas categorias de pessoas circularem sempre: bens (alimentos, objetos, instrumentos e utensílios), mulheres (esposas que geram filhos e que, unindo-se aos homens de seu grupo/clã ou de outros, estabelecem alianças entre os homens) e mensagens. Quando o homem sabe e ensina o saber, é sobre e através das relações de objetos, pessoas e idéias que ele está falando. E é no interior da totalidade e da diferença de situações através das quais o trabalho e as trocas de frutos do trabalho garantem a sobrevivência, a convivências e a transcendência, que, no interior de uma vida coletiva anterior, à escola, mas plena de educação, os homens entre si ensinam e aprendem. (1997, p.3).

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Sendo assim, a expressão “saberes do trabalho associado” é utilizada para indicar os

saberes produzidos pelos trabalhadores e trabalhadoras nos processos de trabalho que se

caracterizam, pela apropriação coletiva dos meios de produção, pela distribuição igualitária

dos frutos do trabalho e pela gestão democrática das decisões quanto à utilização dos

excedentes (sobras) e aos rumos da produção. O trabalho humano é escolha estreitamente

ligada às condições construídas historicamente.

A pedagogia da produção associada diz respeito ao fazer e ao saber dos setores

populares, organizando-os e sistematizando-os. Ela articula economia popular e educação

popular, é a efetivação da teoria e prática no chão da produção do barro e da própria vida. A

economia popular além de fazer à crítica à cultura dominante propõe um novo momento

histórico, que pretende gestar, inovar uma atividade que há muito tempo, mas que deve ser

reconstruída por todos com o espírito da coletividade.

Desta forma, as associações populares se organizam por iniciativa de vontade

espontânea e pela necessidade reconhecida e proposta pelas próprias pessoas, como ação de

liberdade e de solidariedade. A solidariedade articula o ‘Ser Mais’, ela é esperança

compromissada e desafiante e põe os indivíduos em ação para a construção de seu projeto

alternativo de um futuro digno. Fazer a opção pelas associações solidárias, ao que parece,

deve supor fazê-la pela noção de responsabilidade e compromisso comum, que vincula o

indivíduo à vida e ao grupo social de modo que cada um sinta-se no compromisso de apoiar

os demais.

Entendemos por economia popular a possibilidade da valorização do trabalho e dos

seres humanos; significa criar possibilidades/estratégias e condições de trabalho que

objetivam não apenas a obtenção de excedentes, mas, a reivindicação do popular na

economia e nos processos de educação dos trabalhadores. Corroboramos com Mance,

quando afirma:

[...] não estamos aqui apresentando a utopia de um mundo a ser realizado em um futuro longínquo. Pelo contrario, trata-se de um projeto que pode ser iniciado desde já e em toda parte onde seja possível as pessoas organizarem atividades autônomas de consumo e labor. (1999, p.13).

As experiências de trabalho coletivo solidário que acontecem pelo Brasil e pelo

mundo, como no caso das mulheres artesãs, no interior de Mato Grosso, não são suficientes,

evidentemente, para decretarmos o início do fim do trabalho alienado e da exploração do

capital sobre o trabalhador. Mas é possível dizer que as mulheres estão aprendendo a dirigir a

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sua atividade econômica e aprendem também a autovalorização do trabalhador e a

possibilidade de (re) produzir uma outra lógica de produção coletiva e solidária.

Neste sentido, nosso objetivo foi o de compreender no trabalho coletivo e solidário

das mulheres artesãs, a dimensão do trabalho como principio educativo, como atividade

humana. Procuramos também apreender como se tecem os processos econômicos, sociais,

produtivos e educativos desse fazer, além de elencar os saberes presentes nas práticas

cotidianas das mulheres artesãs..

Como nos lembra Freire (1986) a solidariedade exige envolvimento, compromisso, a

compreensão de que trabalhar de forma coletiva e solidária nada tem a ver com “faço o que

quero, quando quero”, pelo contrário, demanda um compromisso com a coletividade, com um

projeto social que é de todos e é de cada um. É também possibilidade de compreendermos o

lugar e o papel da educação e da escola na sociedade capitalista

A geração de renda e trabalho sob o controle dos próprios trabalhadores pode

representar a possibilidade da efetivação do “inédito viável”, que para Freire (1986, p. 54), é

algo que o sonho utópico sabe que existe, mas que só se efetiva pela práxis libertadora e pela

responsabilidade histórica; não é apenas acreditar na possibilidade da transformação, mas é

assumir a luta e a construção de um novo mundo. É se apropriar do processo de trabalho em

sua totalidade, contribuindo assim para um mundo mais justo e menos excludente, é o

entendimento de que a realidade não é, está sendo e por esse motivo passível de ser

transformada.

Assim no dizer de Gramsci “a consciência de fazer parte de uma determinada força

hegemônica (isto é, a consciência política) é a primeira fase de uma ulterior e progressiva

autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente se unificam”. (1989, p.21).

É necessário para a existência humana e da história “que todos os homens devem estar

em condições de “fazer história”. Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter

moradia, vestir-se e algumas coisas mais”. (MARX E ENGELS, 2008b, p.53). É isso que

desejam as mulheres entrevistadas; elas não têm grandes sonhos e/ou desejos difíceis de

serem atingidos; elas querem é ter condições básicas para poder produzir os meios que

garantam a satisfação das necessidades, “é um ato histórico, uma exigência fundamental de

toda história, que tanto hoje como há milênios deve ser cumprido cotidianamente e a toda

hora, para manter os homens com vida”. (idem, 2008, p. 53).

Deste modo os processos produtivos do trabalho associado, em que as mulheres

produzem as peças e nesse produzir tecem a própria vida, são pautados em princípios de

solidariedade, de cooperação. E surgem então, como possibilidade e meios indispensáveis

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para promover o “ser mais” de homens e mulheres. Representam o grito dos que estão à

margem da sociedade, sem condições de inserção no mercado de trabalho e de todos nós que

não comungamos com políticas excludentes e desumanas. As associações populares

solidárias, então, representam os anseios de organizações de trabalhadores comprometidos

com justiça social, de pessoas que acreditam e lutam pela liberdade do ser humano de

produzir por seus próprios meios, sem a exploração do trabalho do outro e que desejam

garantir a reprodução ampliada da vida.

Assim, vemos nas experiências das mulheres artesãs a necessidade de identificar o que

é um movimento que intenta a satisfação das necessidades humanas fundamentais, em que

pela ‘escolha livre’, portanto por liberdade e autonomia elas inventam e reiventam um mundo

do trabalho com relações sociais e de convivência solidária.

[...] os homens, ao desenvolverem sua produção material e relações materiais, transformam, parte da sua realidade, também o seu pensar e os produtos de seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, mas é a vida que determina a consciência. (MARX E ENGELS, 2008b, p.52).

Se não é possível superestimar as experiências da Economia Popular Solidária,

também é preciso evitar a desqualificação dessas iniciativas, como as das mulheres artesãs. É

possível identificar um embrião de novas formas de organização social solidária e humana. As

mulheres artesãs nos ensinam que, para além do valor econômico, ao produzir coletivamente

elas valorizam a convivência humana, mesmo que permeada por tensões e contradições, todas

resolvidas no cotidiano da produção. Senão, como entender porque essas mulheres continuam

juntas, produzindo, se o resultado desse trabalho ainda é muito pequeno? O que as motiva

efetivamente?

3.1 Quem separou trabalho e educação?

O trabalho é ontológico e histórico, e, por isso, inerente ao ser humano, portanto,

impossível de separá-lo. Trabalho e educação são atividades próprias do ser humano. Quais

são então as características do ser humano que lhe permitem, possibilitam trabalhar e ensinar?

Diferentemente do animal que se adapta à natureza o homem, ao contrário, adapta a natureza

a si, agindo e transformando-a para suprir suas necessidades e dos seus. Marx e Engels

afirmam:

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Pode-se distinguir o homem dos animais pela consciência, pela religião ou por qualquer coisa que se queira. No entanto, eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência, e esse salto é condicionado por sua constituição corporal. Ao produzir seus meios de vida, o homem produz indiretamente sua própria vida material. (2008b, p. 44, grifo do autor).

E atuar sobre a natureza para a satisfação das necessidades é o que chamamos de

trabalho. Então a essência do homem é o trabalho, que não se dá naturalmente, pelo contrário,

é produzido pela necessidade de manutenção da própria vida. Assim pudemos dizer que a

essência humana e o trabalho são igualmente construções históricas, resultado de processos

históricos. Com analisa Saviani,

Se a existência humana não é garantida pela natureza, não é uma dádiva natural, mas tem de ser produzida pelos próprios homens, sendo, pois, um produto do trabalho, isso significa que o homem não nasce homem. Ele forma-se homem. Ele não nasce sabendo produzir-se como homem. Ele necessita aprender a ser homem, precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo. A origem da educação coincide, então, com a origem do homem mesmo. (2007, 154).

Então o homem aprende a produzir sua existência e faz desse aprendizado um dos

primeiros exercícios do aprender; é um processo educativo, onde ele aprende a fazer fazendo,

e aprende a trabalhar trabalhando. Podemos dizer então que a origem da educação e a do

próprio homem coexistem. Sendo assim os homens e mulheres produzem/reproduzem a vida

em um meio de cultura e vida social.

O homem pela necessidade de sobrevivência cria, recria as condições favoráveis para

sua existência e permanência. A escola não é o único espaço onde se aprende, já que os

espaços coletivos de trabalho também são formativos, educam e são igualmente importantes.

É tarefa da escola recuperar a relação entre conhecimento e prática do trabalho, confirmando

que o princípio educativo do trabalho é inerente à escola, deve ter espaço e ser possível no

sistema capitalista. A escola que falamos e na qual acreditamos é a escola unitária, idealizada

por Gramsci, uma escola de formação integral, que prepare para a vida, pois o trabalho é a

vida. Que não visava apenas produzir profissionais e modernizar o país, mas uma escola para

formação ampla e integral que como diz também Freire, prepare os homens para tornarem-se

“dirigentes” da própria sociedade e de si mesmos.

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Para tanto a escola unitária é a possibilidade de novas relações entre o trabalho

intelectual e trabalho manual, é a escola fazendo parte da vida. Sendo assim, ela não fica

alheia às contradições do mundo do trabalho, à estrutura econômica, às forças políticas e à

orientação da cultura, pelo contrário, está estritamente ligada a elas.

Assim, as ações coletivas efetivadas no trabalho associado pressupõem a solidariedade

como um dos seus fatores fundantes. Mas será possível aprender/desenvolver a solidariedade

em uma sociedade em que a disputa pela sobrevivência, através da garantia do emprego torna

as pessoas, cada vez mais egoístas e individualistas? Para tentar responder a estas e outras

tantas questões voltamos nosso olhar ao trabalho associado, realizado no interior do estado.

As camadas populares da sociedade, para as quais praticamente inexistiam políticas

públicas que fossem além da assistência social, encontram na economia popular solidária e

na autogestão uma possibilidade para melhorarem sua qualidade de vida. Assim, os

trabalhadores vislumbram/veem na economia popular uma alternativa de trabalho e renda

que atendam suas necessidades e de suas famílias. Kuenzer nos ajuda a pensar:

Estas formas se representam movimentos de refuncionalização do modo de produção capitalista, também contém germes de sua superação, na medida em que, por meio delas, os trabalhadores vão aprendendo a se organizar, a reivindicar seus direitos, a desmitificar as ideologias, a dominar o conteúdo do trabalho, a compreender as relações sociais e a função que nelas eles desempenham. (1985, p.11).

Essa nova concepção do trabalho só fará sentido se for gestada e construída pelos

próprios sujeitos sociais, no fazer coletivo e solidário. Nas transformações concretas que o

fazer diário possibilita, e que resultam em uma conquista da independência não somente

financeira, mas, em todos os aspectos da vida em sociedade; sem que isso se confunda com

individualismo ou egoísmo.

Logo, a organização das artesãs é uma forma de articular a sua existência na

sociedade, e essa cultura da organização tem forte poder de atração. Para Nosella “Organizar

é um verbo que admite reflexibilidade; organizar-se, auto-organizar-se, assim, pensar a

organização de, para e com, começa pelo trabalho consigo mesmo”. (1996, p.38).

Em Gramsci, (1989b, p.21) temos que “a consciência de fazer parte de uma

determinada força hegemônica (isto é a consciência política) é a primeira fase de uma ulterior

e progressiva autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente se unificam”; assim a

autoconsciência do sujeito se faz no coletivo das relações.

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É ato pedagógico desvelar a realidade historicamente construída e a retomada do que

passa a ser senso comum, de que a globalização é um fenômeno natural, e não resultado

histórico a serviço dos interesses do capital. Zart (s.d.) questiona qual é então a educação

necessária para se aprender/ensinar a solidariedade quando a globalização é uma realização

autoritária? Se a globalização é uma realização autoritária, os processos produtivos

associados representam por seu lado, realização acolhedora, participativa, propiciadora de

liberdade e autonomia, enfim, de dialética.

Assim, as mãos que misturam a terra e transformam o barro em arte, também

desenvolvem habilidades para o trabalho associado coletivo; mas aprender a se organizar

implica compreender que sociedade queremos, ou estamos construindo, definir com quem e

para quem sonhamos essa superação. É criar a nova disciplina do trabalho.

As mulheres tecem as relações trabalho-educação no “chão” da associação, pois é na

produção das peças, no cotidiano que o saber prático-teórico se efetiva. Os saberes do

trabalho associado são produzidos, reproduzidos e resignificados pelos próprios

trabalhadores no cotidiano do trabalho.

Então há que se perguntar: Quando o trabalho é resultado do trabalho coletivo, que

relações estabelecem as artesãs com o seu próprio trabalho? Que trabalhadoras são essas e

como elas estão sendo educadas e por quem? Quais os saberes do trabalho associado

presentes nesse grupo de mulheres artesãs? Trataremos disso nas páginas seguintes.

O lugar em que buscamos respostas para estas questões é o trabalho concreto, no seu

acontecendo, na sua ocorrência, no fazer cotidiano, onde as trabalhadoras artesãs estão sendo

educadas. São elas que dominam o processo produtivo, tanto o que produzir como a divisão

do resultado do trabalho, o valor das mercadorias, tudo é discutido pelo coletivo das

mulheres. Assim, o processo de trabalho é, em si, educativo; é uma instância de produção de

conhecimentos. O objetivo da educação é o de contribuir para que homens e mulheres

trabalhadoras possam articular saberes sobre a vida, apropriando-se do processo de trabalho

em sua totalidade (TIRIBA, 2008).

O que são os saberes? São os conhecimentos que envolvem aspectos objetivos e

subjetivos na atividade de trabalho, têm relação direta com os conhecimentos adquiridos

anteriormente, com a pluralidade de relações que mantêm com o mundo e se manifesta na

compreensão da realidade humano-social. O conhecimento é resultado de experiências

individuais – subjetivas - e coletivas e possível de ser transmitido. Como então é possível

ensinar o outro se as experiências são individuais?

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Para Charlot (2000, p.63), “o saber é construído em uma história coletiva que é a da

mente humana e das atividades do homem e está submetido a processos coletivos de

validação, capitalização e transmissão”, é produto de relações epistemológicas entre homens,

e só há saber se houver uma relação do sujeito com esse saber, sendo assim “a relação com o

saber é relação de um sujeito com o mundo, com ele mesmo e com os outros” (Idem, p.78).

Não é a escola que ‘cria’ o princípio pedagógico, ele existe ‘fora dela’, mas é ela que

o identifica no mundo do trabalho humano. A escola o identifica, explica-o e reforça-o,

a nossa escola é viva porque vocês, operários, levam a ela aparte melhor de vocês, aquela que o cansaço da oficina não pode enfraquecer: a vontade de se tornarem melhores. Toda a superioridade de sua classe, neste turvo e tempestuoso momento é evidenciada nesse desejo que anima um parte sempre melhor de vocês, o desejo de adquirir conhecimentos, de se tornarem capazes, donos de seu pensamento e de sua ação, artífices diretos da história de sua classe. (GRAMSCI, 1920, apud GERRATANA, 1987, p.361-2).

Sobre a relação com o saber, procuramos entender aqui como e de que forma as

mulheres se relacionam com os saberes aprendidos, reconhecidos, utilizados no ambiente de

trabalho. Como elas estabelecem a relação com os saberes no seu fazer cotidiano. Para

Bernard Charlot a relação com o saber é relação com o mundo, mas o que faz o pesquisador

que estuda a relação com o saber?

Estuda relações com lugares, pessoas, objetos, conteúdos de pensamento, situações, normas relacionais, etc.; na medida em que, é claro, está em jogo a questão do aprender e do saber. Analisa, então, por exemplo, relações com a escola, com professores, com os pais, com os amigos, com a matemática, com as máquinas, com o desemprego, com o futuro, etc. (2000, p.79).

Analisar a relação com o saber é estudar o sujeito confrontado à obrigação de

aprender em um mundo que ele compartilha com os outros, pois como já dissemos a relação

com o saber é relação com o mundo, consigo mesmo e com os outros. As associações

populares têm sido/surgido como espaços pedagógicos, onde são valorizados os processos

educativos em praticas/atividades coletivas.

3.2 Educação Popular

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A educação popular, na atual ‘crise de caminhos’ do trabalho e da ‘função’ da escola,

contribui para pensarmos a relação hegemônica como relação pedagógica. Desta forma,

Gramsci (1989) nos lembra que a relação pedagógica não pode ser limitada às relações

especificamente escolares, pois ela existe em toda sociedade, no seu conjunto, no indivíduo e

na relação com os outros. Para Zitkoski (2000), o objetivo da educação popular “é educar o

cidadão e criar uma nova cultura que desenvolva o homem na sua dimensão social, ética,

política e comunitária”. (p.26).

Em Paulo Freire, vemos que a educação, especificamente a popular, é a educação

ligada à opção ética de transformação das condições de existência dos menos favorecidos. A

educação popular historicamente e como prática educativa sonhava e sonha com a efetivação

dos processos de emancipação social e tem como objetivo “a produção do conhecimento, a

defesa de uma educação para a liberdade, pré-condição da vida democrática, a recusa do

autoritarismo, da manipulação, da ideologização”. (BRANDÃO, 2003, p.213, apud ADAMS,

STRECK, 2010, p.121)18.

Para Gramsci, diferente da escola italiana, imposta pelo fascismo, que tinha por

objetivo confirmar a divisão de classes: escola profissional para uns e escola desinteressada19

para outros. Ele pensava um modelo de sociedade onde o trabalho é central, não apenas como

princípio educativo, mas em todos os âmbitos de produção social da vida. A ideia era educar

a partir da realidade do trabalhador, educar para a liberdade concreta, historicamente

construída, portanto, uma escola que efetivasse a liberdade concreta e universal do homem.

A educação também se faz na fábrica, e esses ambientes são fundamentais e

permanentes onde os trabalhadores podem educar a si mesmos, um espaço concreto de

desenvolvimento da autoconsciência coletiva. Se o princípio educativo é a união do mundo

do trabalho com o universo da ciência, com as humanidades e a visão política, ele acena com

a possibilidade de efetivação do que Paulo Freire chamou de inédito viável.

O inédito-viável é a materialização histórica do sonho almejado, é a concretização do

ato sonhador que coletivamente resulta num movimento transformador, libertador. Se efetiva

na dialética das relações pedagógicas do/no trabalho, onde se alternam momentos de

ensino/aprendizagem mediados pelo ato de produzir a vida de forma coletiva e solidária.

19 Escola de formação integral que prepare para a vida, e não preparar para o trabalho, visa o desenvolvimento do homem também integral.

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Nesse sentido a Associação Arte da Terra nos dá indícios do seu ineditismo frente a uma

sociedade que parece ter perdido a capacidade de sonhar, e principalmente sonhar

coletivamente.

As mulheres da associação quando assumem a opção da vivência, do trabalho

coletivo, do sonho comum, numa atitude de formação, talvez não percebam a dimensão de

que o que fazem é a superação das “situações-limite20”. Mas desenvolvem, mesmo que em

silêncio, um trabalho coletivo e as condições democráticas e de direito de se qualificar, de

garantir seu sustento com o ‘suor de seu trabalho’, e de tornarem-se ‘cidadãos governantes’.

Pelo seu trabalho, dos seus pares e de seus maridos, elas ajudam a assegurar as

condições de aprendizagem de trabalho e principalmente de vida. Se o futuro da história é

algo a ser construído, as situações-limite não são destinos dados, fatalidade, são processos

humanos e por isso possíveis, e passíveis na construção de uma sociedade mais humana, mais

justa, mais democrática e mais livre.

Pela falta de qualificação do trabalhador, e devido ao mercado de trabalho não

comportar/absorver grande número de pessoas que procuram uma fonte de renda para garantir

a sua sobrevivência, o que temos visto são homens e mulheres que perderam seus empregos

dentro da reestruturação da produção, que precariza cada vez mais as condições de trabalho,

isto é, não gerando novos postos de ocupação, não lhes oferecendo chances de

desenvolvimento social e cultural.

Neste contexto de crise do trabalho, a escola foi e ainda é vista como a saída para a

qualificação para o mercado de trabalho, acreditava-se que a qualificação profissional

resolveria o problema da falta de emprego. Deste modo ela (escola) surge como a panaceia

capaz de resolver os problemas da empregabilidade.

Assim, coloca-se nos ombros do desempregado a responsabilidade de tornar-se

empregável, justificando a exclusão do mercado por ele não atender as exigências desse

mercado competitivo, e desumano. A valorização e a procura pelo emprego escasso, resultou

em uma ‘glorificação’ ainda que teórica do trabalho, e passou-se a entender o trabalho como

emprego, isto é, o trabalho só é trabalho, quando é pago. Levando os desempregados em

condições precárias a procurar por este trabalho que o capital aboliu.

Sobre isso Marx lembra que, “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem

como querem: não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se

20 São consideradas por Paulo Freire as barreiras, os obstáculos para a libertação do homem. Quando ele a percebe, identifica é capaz, através de uma visão crítica se empenhar para superá-la. Pedagogia do Oprimido 1987, p.44-45. Em http://pt.scribd.com/doc/7076372/Paulo-Freire-Pedagogia-Do-Oprimido acessado em set/2011.

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defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. (2008c, p.19). As circunstâncias

ou condições são processos tecidos nas relações, são socialmente produzidas, portanto,

passíveis de serem modificadas pela ação consciente dos sujeitos. Para Kuenzer,

Isto implica que a pedagogia do trabalho em suas dimensões contraditórias se constitui em mediação entre o velho e o novo modo de produzir, enquanto, mediante seus intelectuais, faz a crítica ao velho e contribui para a elaboração e veiculação da nova concepção de trabalho a partir das transformações concretas que ocorrem ao nível do processo produtivo. (1985. p.14-15).

O processo de trabalho é, em si, educativo, então, é uma instância de produção de

conhecimentos, é a ação transformadora do homem sobre a natureza. O trabalho modifica

também a maneira de pensar, agir e sentir, e não somos os mesmos ao fim de uma atividade21,

seja ela qual for. O trabalho transforma a natureza e o próprio homem, modifica a visão de

mundo e de si mesmo, além de estabelecer relação dialética entre teoria e prática, pois uma não

pode existir sem a outra. Se pelo trabalho o homem pensa sobre sua condição então o que dizer

dos homens e mulheres que não encontram trabalho?

Deste modo, o objetivo da educação popular é o de contribuir para que homens e

mulheres trabalhadoras possam articular saberes sobre a vida, apropriando-se do processo de

trabalho em sua totalidade (TIRIBA, 2008). É também de construir um “outro” mundo

possível, onde não se separe o homo faber do homo sapiens, é resgatar a unitaridade da

educação e sua relação histórica e social com o trabalho e suas possibilidades emancipadoras.

Para Marx,

O trabalhador torna-se mais pobre a riqueza que produz, quanto mais sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata, quanto maior número de bens produz. Com a valorização do mundo das coisas, aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz apenas mercadorias; produz-se a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e justamente na mesma proporção com que produz bens. (2006, p.111).

Se o trabalho faz do homem uma ‘coisa’ é também pelo trabalho que o homem pode

superar os determinismos, é propriamente a liberdade. É a possibilidade de reinventar o poder,

21 Atividade, entendida como mediação entre o trabalho teórico e prático.

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é reinventar a vida e dominar os meios de produção material. Para nós, as mulheres artesãs

reinventam a vida ao dominar a sua produção.

Gramsci sobre o movimento operário em Turim (1919 e 1921) analisa os conselhos de

fábrica, afirmando que as experiências nas quais os trabalhadores controlam a produção

representam uma “escola maravilhosa de formação de experiência política e administrativa”.

(GRAMSCI e BORDIGA, 1981, p.36 apud TIRIBA, 2001, p.6). Nas experiências históricas

de autogestão não é suficiente que o trabalhador se aproprie dos meios de produção, é

necessário articular esse saberes de forma a permitir a compreensão do sentido do trabalho e

da construção de uma nova cultura do trabalho e uma “outra” sociedade, mais humana, mais

solidária.

Para Gramsci (1989a) é necessário desenvolver as capacidades de autonomia, de

“hegemonia” e socialização, e assim haverá “cidadãos” em condições de estabelecer relações

pedagógicas em pé de igualdade com o outro. Hegemonia não mais vista como relação

comando-obediência, superior-inferior, e sim vista como uma relação efetivamente

democrática e pedagógica. A educação não se faz somente na escola, a escola deve estar

vinculada à vida das pessoas, como diz Gramsci (1989a, p.132), “a escola se separou da

vida”, então educação-politica-filosofia devem estar inseparavelmente entrelaçadas e devem

ser consideradas.

Educar para Gramsci significa superar a subordinação das classes subalternas e

transformar “toda relação de hegemonia em uma relação pedagógica”. Educação se faz na

fábrica. O novo princípio educativo é a interconexão do mundo do trabalho com o universo

da ciência, com as humanidades e a visão política.

Neste aspecto, qual é o sentido para as mulheres trabalhadoras artesãs serem “donas”

do próprio processo de produção, mesmo não sendo responsáveis sozinhas por prover o

sustento de suas famílias? Como é possível manter uma disciplina no trabalho que garanta a

produtividade? Será que a liberdade individual de fazer ou não uso de sua própria força de

trabalho” (TORRES, 2006, p.71) é compreendida por todos do grupo? Como se dá esse

processo de consciência do eu/sujeitos/coletivo de direitos e deveres?

3.3 A educação formal e as experiências

As mulheres pesquisadas nascidas respectivamente nos estados do Paraná, Mato

Grosso do Sul, Goiás e Santa Catarina; por vários motivos - ainda crianças ou adultas -

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vieram morar no Mato Grosso. Elas estudaram da 3ª série do ensino fundamental e algumas

até ao ensino médio, e apesar de valorizar o espaço escolar de aprendizagem não continuaram

a estudar e justificam que os motivos foram: “morava no sítio distante da escola”, “falta de

dinheiro e ter que trabalhar pra se sustentar”, “por causa da idade”, “é difícil passar no

vestibular”. Foram levadas ao trabalho desde muito cedo, pela necessidade de contribuir com

as despesas de casa, ficando a educação escolar em segundo plano em suas vidas.

Quando pergunto se estudar influencia no trabalho Penha diz:

Eu acho que ajuda sim, o estudo ajuda em tudo né porque quem tem mais estudo vai pesquisando, vai na internet, vai descobrindo coisas assim [...].[...]A internet ajuda porque pesquisa o trabalho que os outros artesãos faz, e acaba pegando umas dicas diferentes. A Rosane tem internet então ela acaba trazendo muitas coisas, muitas ideias de outros artesãos que fazem o mesmo trabalho que nós nesse Brasil a fora.

Para Dona Fia, Amélia e Orlinda: “qualquer pessoa pode aprender”, o trabalho com

o barro, não tem a ver com o fato de ter ou não estudado, “mesmo sendo analfabeta”, se

consegue trabalhar com o barro. Quando pergunto, se o fato de terem estudado influencia no

trabalho que realiza, Rosane diz,

A escola da vida eu acho que ensina [...]. Escola, você nem sempre você aprende a multiplicar ou a dividi. A escola da vida te ensina. [...] Eu acho que a escola da vida é a melhor escola que tem, você precisa sim saber ler, escrever, coisa e tal, a melhor escola pra mim é a escola da vida, caindo porque se tu não cai você não aprende a levantar.

Para Valéria que está terminando o ensino médio e pretende cursar uma faculdade,

quando pergunto se estudar influencia no aprendizado do trabalho com o barro ela diz:

Tem e não tem porque isso depende muita da personalidade da cada um [...]. Então eu acho que influencia assim na cabeça, no pensar, assim você ter mais noção de ver, o que pode acontece. A escola, o estudo abre muito o leque, a visão da gente, mas, no nosso trabalho vai muito do instinto, do dom mesmo de cada um. Se não tiver o artista dentro de você não adianta, que não vai sair nada, e todas que ficou no grupo acredito que se identificou como artesão, se não fosse isso não estaria trabalhando.

Para Penha o domínio de meios eletrônicos, como o da internet, está ligado ao grau de

instrução formal das pessoas. O acesso à internet não tem estreita relação com nível de estudo

formal, mas para ela, tem e domínio da internet quem tem maior nível de

estudo/escolarização.

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Algumas mulheres, antes do trabalho na associação, já desenvolviam algum tipo de

trabalho artesanal, tendo participado de cursos de pintura, flores de jornal, tapetes; outras

nunca haviam trabalhado. Mas todas valorizam os cursos oferecidos pela prefeitura, como na

fala de Penha: “Se não tivesse feito os cursos não teria iniciado esse trabalho não, [...]” e

continua: “[...] Ninguém tinha noção de como pegar na argila e fazer alguma coisa, o curso

ensinou o básico, ai a gente se interessou e continuou”.

Verificou-se que a qualificação das trabalhadoras aqui entendida como resultados da

instrução, da experiência e dos cursos oferecidos às artesãs, foi importante para o trabalho que

desenvolvem hoje. Algumas dizem que atividades simples como o trabalho com a argila não

exige instrução no sistema de ensino regular/formal, basta ter feito os cursos. É preciso

‘querer’, ‘ter boa vontade’, ‘ter dom’, segundo elas.

Todas as mulheres fizeram os cursos oferecidos pelo poder público, além de

participarem de visitas promovidas ao Museu Dom Aquino (Cuiabá) e à aldeia dos índios do

Parque Nacional do Xingu, para aprenderem como eles fazem o acabamento das peças que

produzem. Penha diz: “Sair pra fora pra ver outros trabalhos outras pessoas que a gente vai

visitar às vezes em São Gonzalo, na Chapada visitar os artesãos de lá e é gostoso, quando

vem alguém deles lá passa aqui pra ver o nosso trabalho”.

O desafio destas mulheres tem sido aprender como produzir panelas de barro que

possam ir para o fogo, pois as que elas estão fazendo ainda não resistem ao calor para o

cozimento de alimentos. Atribuem isso à qualidade do barro que é diferente do utilizado pelos

índios visitados.

Apenas Valéria menciona a Economia Solidária e o curso sobre Associativismo que

foi oferecido para a associação no próprio município de Progresso, diz,

A Rosane chegou a ir um dia ou dois, (ao curso) de Associativismo e Cooperativismo a gente fez lá no Ceprotec uma semana de curso técnico pra saber como funcionava a associação, as cooperativas, os sindicatos, como que rege que leis o que que manda, o que não manda esse tipo de coisa que a gente tem que entender que a gente não nasce sabendo, mas tem que procurar aprender né”.

A economia solidária parece que não é entendida pelo grupo das mulheres, não se sabe

se porque não o conhecem, ou se não concordam com suas diretrizes e conceitos, ou ainda

porque a secretaria do município ainda esteja em fase de organização.

Quando perguntamos para as mulheres, o que é preciso saber para trabalhar com o

barro, dizem: “Pra mexer com barro tem que gostar mesmo, tem que gostar, ter aquele

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ânimo e falar não eu vou fazer! [...], [...].tem que ter dom pra aquilo ali”.(Orlinda).“Ter boa

vontade”, (Amélia). “Esse saberes só a prática e na paciência,que dá, são saberes que a

escola não ensina [...]”(Rosane). E continua,

Só se aprendem ali, é que nem o acabamento, tem acabamento que você dá com pedra, tem acabamento que se faz com sabugo, tem acabamento que é com espátula. Então é o que você mais se identifica e o que você acha que fica melhor e que você consegue melhor [...]. Aos poucos fomos aprendendo, ouvindo, pesquisando na internet, procurando, vinha um professor, vinha outro, a gente se antenava, juntava, se com tal barro deu certo, de repente com o nosso vai dar, porque depende de barro pra barro também. (Rosane).

Sobre o que o trabalho coletivo lhes ensinou, a mulheres se dizem satisfeitas, para

uma “esse trabalho melhora a gente, a gente aprende a lidar com as pessoas diferentes”,

“Ensinou a ter união, aceitar o outro, ter calma”, “Ter paciência, muita calma e uma

entender a outra, bastante”, “quando a gente trabalha em grupo a gente não pode só ir na

idéia da gente, tem que fazer o que é preciso”, ensinou “a conversar, ter muita paciência

(repete), confiar” e, “muita coisa, dar valor as pessoas”

Podemos dizer que o “lidar” com a outra, o “ter paciência”, são ensinamentos que as

mulheres identificam como aprendizado prático que o trabalho coletivo ensinou. Num mundo

cada vez mais egoísta e individualista; a experiência dessas mulheres, mesmo que em escala

micro, de forma pontual, apresenta-se como possibilidade delas ensinarem/aprenderem a viver

e conviver com a diferença a “dar valor às pessoas”, como diz Amélia. Que muitas outras

possibilidades de humanização do humano sejam possíveis pelo trabalho realmente solidário e

coletivo.

3.4 O Ser mulher e a construção de uma “outra economia”22

As mulheres com suas ações locais e solidárias, quase imperceptíveis para o grande

capital, tecem a rede de vida coletiva e não ficam indiferentes às suas necessidades e das

22 Segundo Cattani, (2002, p.9-14) , “outra economia” no sentido da necessidade de superação da economia capitalista sob todos os seus aspectos, na busca da “cooperação, solidariedade, compromisso com a vida, com a natureza, com o pacifismo e a justiça social”.

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demais, pelo contrário, elas atuam mesmo que em escala local na construção da história.

(GRAMSCI, 1989).

Longe de “tornar-se o complemento vivo de um mecanismo morto”, “de servir a

máquina”, de que fala Marx, (1996) as mulheres, mesmo aquela que trabalha mais na

produção no torno elétrico, nada têm de mecânico ou de servidão à máquina. As peças que

Valéria habilidosamente “tira” do torno, não precisam, nem são iguais, nem existe uma

quantidade pré-determinada a se produzir no dia, é ela quem define.

“O cúmulo da alienação é atingido quando se torna impensável que uma atividade

possa ter outra finalidade que não a do salário e possa se fundar sobre outras relações que não

as mercantes”. (GORZ, 1987, p. 51). Neste sentido, os sujeitos sociais dão muitas evidências

que superam essa concepção do trabalho apenas com o objetivo de salário, com isso não

queremos dizer que essas mulheres não necessitem do dinheiro, resultado de seu trabalho,

pelo contrário, necessitam e muito, mas o resultado financeiro não é fator fundante, porque se

fosse só por ele, elas não estariam quase três anos produzindo de forma coletiva e solidária.

Apesar das mulheres artesãs terem sua origem nos cursos oferecidos pela prefeitura e

Secretaria de Turismo de Tangará da Serra – Secultur e Senai, e fazerem parte de um núcleo

da associação ‘guarda-chuva’ chamada Assoarte, - Associação dos Artesãos - vinculada à

Secretaria de Economia Solidária de Tangará da Serra, elas não se sentem ligadas àquela

secretaria.

Sobre isso Dona Fia depois dos cursos oferecidos se apressa em dizer: “Depois nós

caminhamos com nossas próprias pernas”. Elas dizem que hoje caminham, produzem, se

organizam por conta própria e se orgulham dessa condição, apesar de em suas falas expressam

falta de apoio e incentivo (financeiro) da prefeitura.

Assim, essas mulheres mantêm relações com o Estado (SESI) e prefeitura, mas ao que

parece não foram seduzidas pelo espírito de empreendedorismo, de ser patrão, tão difundido

atualmente. Podemos dizer que a ação de governos, intervenção do estado não é necessária,

embora represente fator facilitador, mas não aparece como condição necessária, ou seja,

garantia de sucesso das/nas experiências da economia popular. Neste sentido, qual seriam as

potencialidades de uma unidade de produção como a das mulheres artesãs dentro de uma

sociedade capitalista?

As ações coletivas, na perspectiva da produção associada ao que vemos, surgem não

com o objetivo ou condições de se contrapor ao capital, mas como possibilidade de trabalho e

renda para aqueles que foram excluídos ou que não conseguiram se inserir no mercado de

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trabalho e buscam, no trabalho associado e solidário, novas formas da reprodução e

manutenção da vida.

Impossível falar das mulheres artesãs de Progresso sem que se fale do ser

mulher/trabalhadora. A “boniteza” da experiência que elas fazem, possibilita uma construção

histórica (ainda que em nível local) de quem viveu e vive a condição de, historicamente, ser

discriminada por atributos como idade, cor, raça, além do sexo. Não queremos aqui fazer uma

discussão de gênero propriamente, apenas lembrar que a associação aqui pesquisada é

exclusivamente composta por mulheres de várias idades, com vários níveis culturais, e têm

um anseio comum: melhorar a sua condição de vida e dos seus familiares.

O capitalismo transforma as relações sociais e consequentemente as relações de gênero.

Introduz a mulher no mundo do trabalho, a princípio pela necessidade de força de trabalho no

universo fabril, anteriormente atribuída apenas ao sexo masculino. Acreditava-se que por

ordem biológica seria justificável a divisão sexual do trabalho. A partir das necessidades da

expansão, a produção capitalista passa a arregimentar a força de trabalho de mulheres e

crianças, que, por terem expressão social menor, são submetidas a péssimas condições de

trabalho e percebem remuneração inferior.

Assim, a posição da mulher que antes era restrita aos trabalhos domésticos privados, à

reprodução da espécie e ao cuidado das crianças e idosos modifica-se. O espaço doméstico

passa a ser o segundo trabalho nunca ou raramente reconhecido. Com as duas jornadas a

mulher torna-se, em muitas vezes escrava de sua própria jornada. Por necessidade e por

opção, para ajudar nas despesas familiares e/ou pela busca da realização pessoal como ser

produtivo, e por relações de igualdade a mulher se vê “convidada” ou é “empurrada” para o

mundo do trabalho.

Diferente do passado onde a mulher pouco ou nada aparecia na sociedade, ou aparecia

como alegoria (símbolo), as mulheres sujeitos da pesquisa reescrevem uma outra história,

diferente das mulheres de suas famílias e daquelas que as antecederam. Depois de ouvir seus

relatos e histórias sobre suas trajetórias, vemos que são mulheres para as quais a vida nunca

foi fácil e que desde bem cedo tiveram que ajudar suas famílias (quando jovens) e seus

maridos (depois de adultas/casadas) na provisão do sustento da família. O trabalho sempre

esteve muito presente em suas vidas. São exemplos de persistência e por serem oriundas de

famílias com poucos recursos econômicos-culturais, sempre contribuiram com o companheiro

no sustento de seus lares, estando muito distante de se aceitarem como figuras “alegoricas”.

Há muita disposição para o trabalho!

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Deste modo, se na economia pré-industrial ou protoindustrial – lavoura campesina,

produção artesanal, pequenos comerciantes, indústrias domésticas – as mulheres, além de se

responsabilizar pelo trabalho doméstico, participavam do trabalho dos ”homens”.

(HOBSBAWM, 1987).

Com o protoindustrialismo ou indústria doméstica, as diferenças homem e mulher

eram quase imperceptíveis, com o trabalho em uma unidade fora do lar, pertencente ao

empregador, separou-se o lar e o trabalho. Era o homem que saía de casa para o trabalho. A

mulher o fazia “somente antes do casamento e, depois de casadas, caso enviuvassem ou se

separassem, ou quando o marido não ganhava o suficiente para manter a esposa e a família”.

(IDEM, 1987 p.134). A sociedade não via com bons olhos quando pela situação econômica a

esposa era contingenciada a trabalhar para ajudar o marido. Sendo assim, o trabalho

doméstico era entendido como não-trabalho, uma atividade comum inerente à natureza

feminina.

Sobre isso Hobsbawm (1987, p.135) lembra, “A industrialização do século XIX

tendeu a fazer do casamento e da família a carreira principal da mulher da classe trabalhadora

que não fosse forçada, pela total pobreza a assumir outra atividade”, sendo assim uma vez

casada deixava de ser trabalhadora e se dedicava a ser esposa, mãe e dona de casa.

O trabalho da mulher na indústria têxtil foi sinônimos de concorrência econômica,

tendo em vista que seus salários eram baixos; elas “representavam ameaças aos salários e às

condições dos homens”. (Idem, 1987, p.136).

Assim, historicamente o lugar da mulher tem sido conquistado por todas elas, muito há

que se fazer ainda, mas mais importante do que o lugar que ela se encontra no âmbito

econômico-cultural-politico, é onde ela se vê, e como ela se vê nesses espaços que ela tem

ocupado. E esses espaços só se alcança com a compreensão de em que lugar ela está e qual

lugar deseja chegar. Longe da concepção em que se acreditava que as decisões que

determinam suas vidas eram de natureza cósmica, hoje as mulheres se organizam e desejam

mudar suas realidades que antes eram determinadas, prontas e acabadas sem sua participação

e vontade.

O que diferencia as artesãs de muitas mulheres trabalhadoras é o trabalho que elas

desenvolvem, que é fruto de ‘escolha livre’, por aptidão, pois a renda familiar não depende

totalmente desse provento. Podemos dizer então que o que elas fazem é uma forma de auto-

afirmação e de conquista de novas perspectivas, e novas formas de se colocarem no mundo,

em novos tempos, o tempo das mulheres, ao mesmo tempo em que alimentam a convicção

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(sonho?) de, no futuro, virem a obter de seu trabalho, além da realização pessoal, resultado

econômico-financeiro substancial.

Os saberes das mulheres sobre o trabalho é elaborado, construído, significado e

resignificado a partir das experiências, da criatividade na produção diária e na resolução de

problemas cotidianos. O conhecimento sistematizado produzido historicamente sobre a

produção de peças artesanais através do barro é inegável que é de grande valia, mas para essas

mulheres (que pouco acesso têm a esse conhecimento) o fazer diário, é que ensina, o

conhecimento acontece pelo erro-acerto. Como deve ser a espessura das peças, como deve

estar o calor do fogo para a queima das peças, isso tudo foi ensinado em cursos que fizeram

com artesãs da capital, mas é na prática do fazer, no acontecendo diário que os saberes vão

sendo confirmados, refutados, reavaliados e recriados.

Ou seja, um dos elementos que permite a dominação do capital sobre o trabalho é o

desconhecimento do conteúdo do trabalho. Enfim, dominar o processo de produção na teoria e

na prática é ter o poder de decidir, e a posse desse saber é fundamental para um grupo de

mulheres que decidem produzir de forma solidária, contrariando a lógica capitalista desumana

e egoísta que presenciamos diariamente.

A empresa capitalista, não podemos negar, tem um eficiente trabalho com sua

pedagogia capitalista na educação de seus agentes de hegemonia. A política salarial em uma

grande empresa capitalista objetiva “educar o corpo coletivo para ser produtivo, competente e

dócil, além de ser agradecido”. (KUENZER, 1985, p.118).

No trabalho coletivo das mulheres não há uma pré-determinação do que cada uma

deve fazer ou da posição de cada uma a partir de sua instrução ou qualificação. Há sim uma

divisão das tarefas e funções, que se dá pelas aptidões, habilidades e escolhas de cada uma. A

capacidade de decidir, supervisionar, executar só aparece nas relações concretas de produção.

Tanto que vemos na escolha do próprio grupo a liderança de Rosane, por ela ser a que melhor

articula as ações na produção coletiva e no relacionamento com a prefeitura quando das

solicitações de cursos e melhorias para o grupo.

As mulheres então vão escrevendo sua história e sua realidade. Para Freire (1992) a

realidade não é, ela está sendo, assim é possível transformá-la. Nessa perspectiva é pela

consciência crítica, que ao se compreender a historicidade, ela se constrói a partir do

enfrentamento das situações-limites que se apresentam. Assim:

Os homens e as mulheres têm várias atitudes diante dessas situações-limites: ou as percebem como um obstáculo que não podem transpor, ou

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como algo que não querem transpor ou ainda como algo que sabem que existe e que precisa ser rompido e então se empenha na sua superação. (FREIRE, 1992, p.205).

O desenvolvimento da consciência crítica, no entanto, implica necessariamente a ação

transformadora de sujeitos que assumem suas responsabilidades históricas; que acreditam que

é possível uma “outra” história escrita por eles mesmos. De sujeitos críticos e criativos

dispostos a mudanças, que agem e não apenas acreditam na possibilidade da transformação.

Que “faz a hora e não espera acontecer”. Que age frente às “situações-limite” e acredita na

construção do “inédito viável”.

Esse “inédito-viável” é a materialização histórica do sonho almejado é a concretização

do ato sonhador que coletivamente resulta num movimento transformador, libertador; que se

efetiva na dialética das relações pedagógicas do/no trabalho. Ouso dizer que as mulheres

artesãs podem estar protagonizando o que chamo de “inédito-histórico”. Que envolveria além

da capacidade de sonhar coletivamente, assumida como opção pelo grupo, o acreditar que o

“viável” se faz historicamente e se constrói no trabalho onde o protagonismo é assumido pelo

coletivo. Sonhar coletivamente implica compromisso pelo entendimento da história, em

comprometer-se com o sonho coletivo, mas, acima de tudo, implica em ações dialéticas que

resultam em possibilidades ineditamente-viáveis.

Assim o “inédito-histórico” não ocorre ao acaso nem se faz individualmente, mas é

resultado das alternativas construídas coletivamente, na vivência crítica do sonho almejado,

onde se intensifica e se efetiva a superação das situações-limites que impedem a concretização

do sonho coletivo. As artesãs comprometem-se com o desenvolvimento da capacidade de

sonhar coletivamente, que é prática formadora, e assumem mesmo sem compreender de fato a

perspectiva do inédito-viável. Na dialética da pedagogia da esperança a possibilidade de

construir um projeto político-pedagógico emancipatório adequado a suas realidades.

Desta forma, o ato de sonhar coletivamente foi construído pelo coletivo das mulheres e

a distância entre o sonhado e o realizado só pode ser preenchido pela ação criadora. Tomar e

assumir esse sonho na coletividade abre possibilidades para que se efetivem os anseios e

propostas transformadoras e ineditamente-viáveis. É construir uma outra realidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pretendemos aqui apontar o que foi possível pesquisar e interpretar, sabendo que

outras tantas não foram feitas. Sabemos que não existem certezas absolutas e que os

resultados podem ser modestos, mas nossa interpretação e entendimento nos permitiram

algumas convicções. Nosso olhar de pesquisadores pretendeu fazer a distinção entre o que era

o fundamental, o secundário, o necessário nas análises da pesquisa, mas as lentes que foram

usadas podem não ter conseguido captar o fundamental. Afinal de contas, o olhar de

pesquisador se desenvolve com/na pesquisa.

Pretendemos nas considerações que pouco tem de final, - porque pensamos que há

outros olhares e outras formas de ver o mesmo objeto pesquisado - responder à pergunta que

foi apreender a produção associada com a interface trabalho e educação, a dimensão do

trabalho como princípio educativo e como se relacionam os processos econômicos e

produtivos desse fazer.

Nosso objetivo foi o de compreender no trabalho coletivo das mulheres artesãs, a

dimensão do trabalho como principio educativo, como atividade humana, e como se tecem os

processos econômicos, sociais, produtivos e educativos desse fazer. Além de elencar os

saberes presentes nas práticas cotidianas das mulheres artesãs, na produção das peças

artesanais.

Assim, apesar do Distrito de Progresso ficar longe dos grandes centros urbanos, na

periferia da “aldeia global”, vemos a experiência das mulheres como uma capacidade de

diálogo e convivência de pessoas, que querem viver, conquistar dignidade para si e para os

seus; reproduzir a vida e com isso a valorização dos seres humanos. Ou seja, as mulheres

artesãs não têm o objetivo apenas de obtenção de ganhos monetários, mas a melhoria na

qualidade de vida.

Mesmo que a experiência delas não se torne modelo, para as cidades vizinhas, a

capital, ou o estado, acreditamos que elas podem “tocar” seus familiares (maridos, filhos,

etc.) quiçá a comunidade local com suas esperanças e sonhos de que é possível a produção

pelo trabalho solidário e coletivo, ainda que permeado por tensões e contradições. É

impossível “medir” o alcance desta experiência, podemos dizer que há a possibilidade de,

pelo convívio, as pessoas se tornarem mais solidárias, mais participativas e conscientes do

tecido social em que estão inseridos.

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As mulheres não intencionam mudar o mundo com suas práticas coletivas e

solidárias, elas parecem não ter consciência da importância em termos de potencial social do

trabalho que desenvolvem, do protagonismo que gestam. No campo político podemos dizer

então que elas são o que Marx chama de classe em si, pois não intencionam uma mudança

maior do que as de suas próprias vidas. Poder-se-ia dizer que elas efetivam o

empoderamento, de que fala Freire, o poder de controlar o processo de seus trabalhos.

A pedagogia da produção associada seria então, como as mulheres decodificam seus

saberes, como se apropriam de sua cultura, e valorizam o saber popular. Não é elevar o saber

popular à categoria de ciência, mas fazer com que essas mulheres tenham condições de se

apoderarem dos saberes e da cultura que produzem na/da experiência de seus trabalhos.

Podemos dizer que estas mulheres artesãs de Progresso, sujeitos de nossa pesquisa,

protagonistas de suas histórias, escolheram a produção solidária coletiva por entenderem que

sozinhas o trabalho seria mais difícil, mais penoso.

Vimos que a necessidade material levou essas mulheres ao trabalho coletivo, mas as

mulheres não dependem unicamente desse rendimento para sobreviver. Mesmo assim, têm

depositado na associação seus sonhos e anseios de que é possível a manutenção da vida com

os trabalhos que realizam e com suas próprias mãos.

Acreditamos que as mulheres continuam juntas porque veem o trabalho que fazem não

apenas como necessidade, pelo contrário, suas vidas pouco seriam alteradas financeiramente

sem esse trabalho. A escolha de ‘tirar’ arte do barro foi por afinidade, pelo gosto de fazer

aquele trabalho, há um querer estar ali, há um prazer em estar junto com as demais, elas não

produzem apenas coisas para serem trocadas por dinheiro, elas produzem suas próprias vidas

e sonham e trabalham para construir um outro futuro e uma maior independência financeira.

Para as mulheres artesãs o lucro não é fator fundante, como nos fala Rosane “O

dinheiro não é tudo”. Esta afirmação demonstra o envolvimento dessas mulheres com elas

mesmas, com seus sonhos e desejos de que o grupo “cresça”. Difícil numa sociedade em que

o ter é mais valorizado que o ser, entender o porquê dessas mulheres estarem juntas a quase

três anos, produzindo as peças artesanais, considerando que nesse período em que trabalham

juntas as suas retiradas mensais não passaram de duzentos reais por mês.

Apesar dos dissensos e dos conflitos, todos, no entanto, educativos e necessários, elas

têm consciência de que o trabalho associado consegue avanços, que individualmente seriam

quase impossíveis. Apesar de a retirada mensal ser ainda pequena, vemos que as mulheres

mesmo assim, conhecem as regras do jogo e optam por fazê-lo. Optaram em continuar a

produzir, pois acreditam que “as coisas vão melhorar”.

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Longe dos extremos de atribuir ao trabalho associado a saída para os trabalhadores se

libertarem das diversas formas de trabalho alienado ou de dizer que por fazerem parte de uma

economia capitalista seja impossível uma experiência socialista, podemos dizer que a

pesquisa nos mostra que um modo diferente de produzir é possível.

Os depoimentos confirmam que os aprendizados, os saberes adquiridos no trabalho

repercutem na vida cotidiana, o que aproxima a atividade do trabalho com a própria vida em

diálogos permanentes que resultam em relações solidárias. Assim, as mulheres são

formadoras e gestoras da produção, tanto de bens materiais, como educativos e culturais, e

ainda que de forma limitada, contrariam a lógica perversa do capital ao reinventar o cotidiano

do trabalho e na medida em que continuam produzindo, mesmo a atividade não sendo

“rentável”. As peças são a materialidade, a concretude dos seus sonhos de viver desse

trabalho, de poder garantir suas vidas com o trabalho que fazem.

Retomando Kant, para ele o salário justificaria a tolerância da atividade penosa, difícil.

Se o “salário” das mulheres é insuficiente ainda para dar-lhes condições de se sustentarem

sozinhas, podemos dizer que se elas não tivessem uma renda vinda de seus companheiros ou

de aposentadorias, talvez já tivessem sido levadas a optar por um outro trabalho qualquer que

proporcionasse melhor condição de vida. “Um ser só é independente quando é senhor de si

mesmo, e só é senhor de si próprio quando a si mesmo deve a existência”. (MARX, 2006,

p.147).

Quanto a definição do que produzir, do horário de trabalho e da divisão do dinheiro,

elas também demonstram que apesar de algumas tensões todo esse processo se dá de forma

coletiva, sem anular o individual, ou seja, todas são ouvidas e no final o coletivo é quem

decide.

Apesar de aparecerem em seus depoimentos expressões que possam ser identificadas

como apelo capitalista, como o “desejo de vender mais”, de vender “pra fora”, de “ter uma

renda melhor”, de “viver disso”, vemos que os laços de cumplicidade as mantêm solidárias,

não parecendo que ocorra uma “sedução” pelo modo egoísta da economia capitalista. Desta

forma, sonhar coletivamente é comprometer-se também com um sonho coletivo, mas implica

em ações diárias e dialéticas. Implica na luta por melhores condições sociais, que resultam na

realização dos sonhos possíveis, (quem sabe até dos considerados impossíveis) é a efetivação

do inédito viável, já que o critério “da possibilidade ou impossibilidade de nossos sonhos é

um critério histórico-social e não-individual”. (FREIRE, 1983, p.99).

Pode-se dizer então, que mesmo no capitalismo, onde o trabalho é feito mercadoria,

as experiências das mulheres artesãs, na produção das peças, é um modo de apropriação da

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vida humana, é uma nova concepção de trabalho e de educação que contribui para que

homens e mulheres articulem os saberes sobre a vida e dominem o processo de trabalho.

Deste modo, dizemos que as mulheres estabelecem e mantêm relações com os saberes;

saberes que se aprende pela formação técnica, mas também pelos saberes oriundos da

experiência, da competência, da vida de cada uma, que é individual, subjetiva, cultural. Se

relação com o saber, como diz Charlot (2000), é conjunto de relações com o mundo, com o

outro e consigo mesmo; a experiência do trabalho diário difunde, divulga e resignifica esses

saberes. A relação com o saber (es) é também relação íntima com o aprender.

Na ‘escola do trabalho’, na associação das mulheres artesãs, em especial nas vivências

cotidianas do trabalho coletivo associado, as mulheres atribuem sentidos ao vivido, ao

realizado, às suas angústias, às dores e às alegrias. Vivem experiências formadoras para o

trabalho e para a vida. Assim, os saberes do trabalho associado, como a solidariedade,

necessitam ser identificados, reconhecidos, legitimados.

A solidariedade articula o ser mais, ela põe as mulheres em ação, ela as uniu, e é

desafiante e comprometedora. A solidariedade estimula a construção de um projeto de futuro

digno, e as mulheres têm compromissos comuns, que vinculam cada uma ao grupo, de modo

que cada uma sinta-se no compromisso com as demais. Dito de outra forma, as pessoas que

produzem e convivem na forma da colaboração solidária ou nas associações, como é o caso

das mulheres de Progresso, o fazem pela noção de responsabilidade entre si, que unidas por

interesses comuns que vinculam os indivíduos aos interesses comuns do grupo social, de

modo que cada um se sinta responsável pelas demais. Para Frigotto,

Neste sentido, ao mesmo tempo que devemos combater teórica e politicamente a tese do mercado como regulador das relações humanas mostrando sua incapacidade de regular direitos fundamentais (saúde, educação, cultura etc.), necessitamos afirmar a democracia como valor universal e a solidariedade como base da utopia socialista.(2010, p.19).

Nas fábricas o trabalhador desempenha uma única tarefa e passa a dominar apenas a

parte do trabalho que lhe cabe, permanecendo assim com qualificação restrita. O acesso ao

saber geral, a outras etapas do trabalho, não são dadas ao trabalhador conhecer, o que confere

maior poder, controle sobre ele.

Diferente do trabalho em uma grande empresa, o grupo pesquisado das mulheres

artesãs desenvolve uma atividade bem menos complexa, e em função disso elas são

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privilegiadas na medida em que dominam o conteúdo do trabalho, decidindo, refletindo,

criando, projetando e tendo maior poder de negociação do seus produtos.

No caso da experiência das artesãs do Distrito de Progresso, os cursos oferecidos pela

prefeitura e Secultur têm um caráter reprodutor da ideologia empresarial, da lógica capitalista.

Eles representam uma forma de aquisição de conteúdos que são utilizados no trabalho

solidário dessas mulheres. Não quer dizer que a lógica do mercado seja levado a cabo por

elas, elas utilizam os cursos na prática diária, mas parecem romper o esquema de controle de

saber existente na maioria das empresas.

Na pesquisa com as artesãs, a participação nas decisões sobre o trabalho, sua forma de

organização, suas condições, o que, como, e o que produzir fazem a diferença nesse grupo.

Longe do monopólio de engenheiros e supervisores, onde as ações, os materiais, os processos,

e principalmente o tempo de execução são controlados. Neste grupo a produção da coleta do

barro, passando pelo controle da qualidade até a comercialização na própria loja, todo o

processo é discutido, pensado e é consenso do grupo da qual fazem parte e do qual se

orgulham de partilhar.

Sendo assim, quanto maior o domínio do conteúdo do trabalho maior a sua

participação, e maior o seu controle de todo processo de produção. E consequentemente maior

autonomia. O controle das decisões sobre o trabalho para a lógica capitalista é indispensável

para a extração da mais-valia, significa o controle nas decisões e no acesso ao saber teórico e

científico. É a ciência a serviço do capital.

No trabalho coletivo das mulheres artesãs, o excedente gerado pelo trabalho coletivo

não é a exploração, considerando que elas se unem para produzir por livre escolha, para a

manutenção e reprodução ampliada da vida. Sendo assim, a relação dessas mulheres com o

resultado da produção não é de estranhamento, o trabalho não é externo a elas, não é um

sacrifício, pelo contrário, o trabalho tem um sentido (ou vários) de que a produção sirva às

necessidades das pessoas e, portanto, recusa a alienação do trabalho e do produto desse

trabalho. É propagar o bem viver23 de que fala Mance, é compartilhar alegrias, dificuldades e

tristezas, é fazer a opção da colaboração ao invés do individualismo, da solidariedade ao invés

da competitividade.

Assim, a iniciativa de produção associada, no caso das artesãs, pode se apresentar

como o início de um novo ciclo virtuoso de crescimento econômico, político e cultural

23 Para Mance, (1999) Bem Viver é o exercício humano de dispor das mediações materiais, políticas, educativas e informacionais, não apenas para satisfazer eticamente necessidades biológicas e culturais de cada um, mas para garantir, eticamente a realização de tudo o que possa ser concebido e desejado pela liberdade pessoal que não negue a liberdade pública.

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solidário. Identificamos no trabalho coletivo de produção material a noção de democracia,

(talvez não reconhecida entre elas), pois todas participam da definição do que produzir, da

gestão da produção em um trabalho compartilhado, que resulta em jornadas de trabalho

escolhidas e definidas pelo grupo, e em uma divisão justa do resultado final do processo

produtivo. A divisão é feita de forma igual, mesmo que o trabalho, por alguma circunstância,

não tenha sido o mesmo.

Desta forma, o trabalho tem uma possibilidade integradora, pois é no

desenvolvimento do projeto comum que a solidariedade e os interesses comuns adquirem

sentido. Podemos então dizer que a emancipação política está estreitamente ligada ou é

resultado da emancipação econômica. Na escrita dos “Manuscritos econômicos filosóficos”

Marx (2006, p. 111) afirma que o trabalho alienado faz com que o trabalhador desça ao nível

de mercadoria e ele “torna-se mais pobre quanto mais riqueza produz”, sendo assim, o objeto

do trabalho é estranho a ele.

Se, podemos por um lado considerar o trabalho como importante e essencial para o

processo de humanização, podemos também identificar que a sociedade capitalista o reduz a

trabalho assalariado, alienado. Marx (2006) refere-se ao trabalho alienado como “a alienação

do trabalhador a partir de sua relação com os produtos do trabalho e no processo de

produção”. No trabalho alienado o trabalhador não se sente bem, pelo contrário é infeliz, é

trabalho forçado e imposto, ao contrário da experiência das mulheres artesãs.

Não identificamos na produção das mulheres o que Marx chama do fetiche da

mercadoria, processo pelo qual a mercadoria toma vida, onde a relação humana entre quem

produz, inexiste. Na produção das peças, entre as mulheres, a mercadoria não toma valor

maior que a do próprio homem. No caso das mulheres não há, como diz Marx a humanização

da mercadoria e a coisificação do homem. Para as mulheres há um sentido de pertencimento

e de participação que pressupõe interesse, mobilização e envolvimento, e consideramos

mediações pedagógicas e educativas. E o ambiente de trabalho é de compromisso, portanto

de bem estar, e isso influencia positivamente a atividade do trabalho.

Podemos então afirmar que o trabalho que as mulheres artesãs de Progresso

desenvolvem é educativo, porque quando as mulheres artesãs se organizam, elas se educam e

buscam novas formas de organização, de uma gestão democrática e popular, do poder de

decidir sobre os rumos de suas produções e de suas vidas. Elas mudam também o modo de ver

a vida, de fazer ciência, de interpretar a realidade. Há uma outra forma de compreender a

realidade e por esse motivo é possível construir uma outra possibilidade de produção material

onde se produz/reproduz também a vida.

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Para Charlot (2000), a relação com o saber é relação com o mundo. De um lado temos

o homem inacabado e de outro o mundo pré-existente, assim a relação com o saber é também

relação com os significados nos espaços de atividades, de trabalho, de vida, num determinado

tempo e espaço. Não há saberes sem uma atividade, uma relação do sujeito com ele mesmo e

com os outros, que validam e partilham esse saber.

Desta forma, a relação com o saber é também a construção de si mesmo em relações

com os outros que se dão no presente, passado e futuro. Mészaros (2005), recorre ao pensador

suíço dizendo: “Na sua época, Paracelso estava absolutamente certo e não está menos certo

atualmente: ‘a aprendizagem é a nossa própria vida, desde a juventude até a velhice, de fato

quase até a morte; ninguém passa dez horas sem nada aprender’”. (Idem, 2005, p.47). E

invariavelmente se dá em atividades humanas, em situações de vida, de trabalho.

“Se a aprendizagem é a nossa própria vida” como diz Mészaros (2005, p.53), as

mulheres artesãs de Progresso, têm nas atividades do trabalho aprendido a própria vida. O

trabalho ‘faz sentido’, tem uma ‘significação’ para/na suas vidas. Elas aprendem enquanto

compartilham entre si seus conhecimentos e sentimentos; na subjetividade fazem também

seus objetivos, e vão aprendendo que podem construir uma outra realidade de vida e de

trabalho e podem ‘Ser Mais’.

Nos espaços educativos e apreendentes como no ateliê, na loja, na feira, no torno, as

mulheres aprendem a dominar muito mais do que uma atividade, uma profissão, uma

habilidade, uma arte. Elas realmente passaram do não domínio para o domínio do processo de

trabalho. Mas o processo de aprendizado pode compreender, também, o aprender ser

solidária, responsável, participativa a “ter paciência” e até a superar desconfianças. O

aprender faz sentido ao sujeito pela sua história, pelas suas expectativas, suas referências, suas

relações com os outros, e pode levar os indivíduos a reverem como enxergam a imagem de si

mesmos.

Assim, o ateliê, a loja, a feira, o torno, a própria vida das mulheres artesãs são as

escolas do trabalho, os agentes pedagógicos, os espaços apreendentes, pois são ambientes

diários de convívio onde as mulheres no fazer das peças, ensinam e aprendem. Na

modelagem da argila, modelam também as vidas e educam-se a partir da realidade vivida,

das experiências, e não do abstrato. É a ideia de educar para a liberdade concreta,

historicamente determinada para a solidariedade em defesa do direito de todos; é a formação

de trabalhadoras cidadãs, preocupadas com a execução individual e coletiva de suas funções,

que interagem; é a formação de trabalhadoras baseada em uma cultura participativa e

solidária.

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Para as mulheres artesãs o trabalho é um espaço de ensino/aprendizagem. Enquanto

produzem as peças elas sonham com a independência financeira, e são motivadas pela

vontade coletiva. Essa vontade coletiva significa a construção de uma nova concepção de

mundo e de vida; é a reconstrução da sensibilidade, da sociabilidade, da valorização dos

seres humanos; é a identidade da classe trabalhadora que se revela no trabalho coletivo e nas

atitudes solidárias. Elas aprendem a conviver com o igual que na sua subjetividade, individualidade são

diferentes; elas aprendem que as diferenças culturais e sociais não devem afastá-las dos seus

sonhos e objetivos, pelo contrário, percebem que a diversidade é enriquecedora e pedagógica.

Elas aprendem que a vida também ensina, que o espaço de trabalho é tão educativo quanto o

espaço escolar. O espaço da produção do artesanato dessas mulheres possibilita a elas, mas

também a nós, a acreditar que uma outra forma de produzir a vida é possível.

Assim, a construção do conhecimento acontece na mediação da experiência do

trabalho. Comungamos com Freire a ideia de que “na prática problematizadora, vão os

educandos desenvolvendo seu poder de captação de compreensão do mundo que lhes aparece,

em suas relações com ele, como uma realidade em transformação, em processo” (1976, p.82).

Reconhece-se que as mulheres conhecem e dominam a produção, embora não

disponham dos instrumentos conceituais que permitam elaborar o conhecimento segundo as

normas da ciência. É preciso dar-lhes voz para que se expressem e reconheçam os saberes

oriundos da experiência. Apesar de valorizarem os cursos técnicos oferecidos pelo poder

público, as mulheres privilegiam a prática como fator responsável pelo aprendizado do

trabalho. Os conhecimentos adquiridos através da experiência, para elas, são suficientes para

que realizem o trabalho com eficiência.

Parecem incorporar a dicotomia, saber teórico e saber prático como se tivessem

finalidades diferentes, e fossem apreendidos em locais também diferentes, ou seja,

conhecimentos adquiridos no local de trabalho e conhecimentos adquiridos na escola. Para

Kuenzer:

[...] se o conhecimento é, portanto, elaborado socialmente a partir do trabalho dos homens que estabelecem relações entre si na produção da existência, processo pelo qual se constitui a sua consciência, é inegável o fato de que o operário produz conhecimento. (1985, p.183).

Apesar das mulheres valorizarem a escola, mesmo quando seu acesso a ela ocorreu por

apenas alguns anos, não encontramos em suas falas a escolarização como possibilidade de

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ascensão social ou de melhoria na qualidade de suas vidas ou de sua produção. Mas sabemos

que é impossível desconsiderar a função historicamente escolar que é a de divulgar os

conhecimentos adquiridos pelo homem através dos tempos.

As mulheres demonstram assim que o saber obtido na prática é superior ao obtido na

escola e se caracteriza pela separação entre teoria e prática. Os saberes que se aprendem na

prática, na experiência não são valorizados. É inegável que são saberes de caráter utilitário à

medida que permitem solucionar problemas e orientam o processo de produzir as peças. A

pedagogia capitalista nega o trabalho como local privilegiado de produção de saberes,

negando os saberes adquiridos pelos trabalhadores e a superação dos problemas que aparecem

no cotidiano do trabalho, na intenção de manter o status quo dos detentores do capital.

Longe de atender aos anseios dos trabalhadores, e não estamos falamos da estreiteza

de preparar para a profissionalização; a escola tem a possibilidade de oferecer aos

trabalhadores e trabalhadoras acesso ao saber. Ela deve superar a dificuldade de ouvir o

trabalhador e partir das circunstâncias de vida concreta tomando-o como ponto de partida. Por

fim, como diz Kuenzer (1985, p. 191), “é preciso eleger o mundo do trabalho como ponto de

partida para a proposta pedagógica da escola comprometida com os interesses dos

trabalhadores”.

Os espaços de produção comum dessas mulheres – a loja, o ateliê, a feira, se

apresentam como espaços profícuos e possíveis para desenvolvimento da autonomia e de

construção de uma outra hegemonia, quando se tornam espaços de aprendizagem, de trabalho,

e da própria vida. Diferentemente das relações capitalistas e de produção, que desqualificam o

trabalhador e alienam o produto do trabalho, e onde as decisões sobre ele não são consultadas

pelo trabalhador. Na experiência das artesãs, o domínio do processo de produzir as qualifica

para a participação nas decisões sobre o planejamento, organização, execução e

principalmente na produção, e isso corresponde/significa o domínio da estrutura

salarial/remuneração. “O desconhecimento do conteúdo do trabalho constituem-se num dos

elementos determinantes da dominação do capital sobre o trabalho”. (KUENZER, 1985,

p.100). É o que Manacorda chama de “a intelectualização da atividade prática e da

praticização da atividade teórica”. (1990, p.171).

Por fim, podemos dizer que o trabalho dessas mulheres lhes pertence e por esse

motivo acreditamos que ele possa efetivamente realizar-se em todos os aspectos, quer seja

econômico, cultural ou formativo. Organizadas, elas podem fazer da pequenez dessa

experiência uma força transformadora e recriar um mundo mais humano. Elas estão se

desenvolvendo no sentido do domínio dos meios de produção e comercialização de sua

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produção, ao que parece em busca de uma conquista ideológica, conquista dos seus próprios

intelectuais orgânicos.

Na pequenez da experiência, as mulheres trabalhadoras resgatam o sentido do trabalho

numa organização de produção reinventam a vida e fazem mesmo que sem compreender a

negação do capitalismo, da exploração do trabalho e dos seres humanos. É a experiência viva

e histórica da produção da vida pelas próprias mãos.

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