artesania agreste: arte em barro representa a luta de mulheres

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Doze mulheres da Comunidade de Agreste, no distrito de Levinópolis, município de Januária, no Norte de Minas, têm um sonho em comum: tornarem-se artesãs. Até junho de 2014, elas não imaginavam fazer nada além do que já realizavam normalmente: cuidar da casa, dos filhos e das filhas, da horta, da roça e, nas horas vagas, assistir TV e ir à igreja. Enquanto passam o dia todo ocupadas com as tarefas do lar - que são pesadas e tomam bastante tempo - os maridos estão trabalhando na roça de algum fazendeiro e os filhos nos cafezais do Sul de Minas, pois a oferta de trabalho na região ficou escassa. Hoje, elas desejam algo a mais: viver do artesanato. Foi no segundo semestre do ano passado que profissionais do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de Januária fizeram uma visita à comunidade para oferecer a oportunidade de aprenderem um novo ofício, por meio de um projeto de artesanato em cerâmica. O grupo, que no início era composto por cerca de 20 mulheres, ficou bastante animado. Logo colocaram a mão na massa, e de um monte de barro surgiram lindos vasos de flores, potes, fruteiras, luminárias, pratos, recipientes em forma de patinhos, e a possibilidade de complementação da renda. Mais que a necessidade de aumentar os ganhos, a atividade trouxe um novo ânimo para as mulheres da comunidade. “A gente que é mais de idade acha que não é capaz de aprender mais nada, né? Olha só essa patinha que eu fiz! E essa panela! Eu uso essa panela na minha casa! Enfeita a mesa e conserva o calor da comida. A aula é um remédio pra minha solidão. Meus filhos tudo casaram e saíram de casa. Meu marido sai pra trabalhar e a gente fica o dia todo sozinha. O tempo passava tão devagar, eu preocupada com ele e com os meninos que estão longe”, conta Maria José do Carmo. “Nas aulas de artesanato o tempo passa e a gente nem vê! Chega cansada, toma um banho e logo dorme! E ainda volta com peças bonitas pra casa!”, completa. Uma esperança no horizonte Todas as integrantes do grupo Artesania Agreste são beneficiárias dos programas sociais do Governo Federal. É isso o que possibilita que elas possam viver com o mínimo de dignidade, uma vez que a região em que habitam não oferece muita oportunidade, e elas precisam se ocupar da casa, da família, da horta, da roça, dos pequenos animais. Os jovens e as jovens que saem da escola, muitas vezes migram para outras regiões do estado e até do país em busca de emprego e estudo. Vanessa, por exemplo, hoje trabalha como babá para ajudar em casa. Mas sua vontade é ter uma profissão e alçar outros voos. E para ela, o trabalho com artesanato representa a possibilidade de reescrever uma história diferente daquela das gerações passadas. “Estou sentindo muita falta das aulas. Além de surgirem ideias novas sobre o artesanato, também tínhamos novas ideias para a comunidade. Muitas mulheres que viram o nosso trabalho, ficaram interessadas em participar do grupo”, diz. A esperança das mulheres da Comunidade de Agreste é que o projeto de artesanato tenha continuidade. Há também a possibilidade da criação de uma fábrica para o processamento de polpas de frutos do Cerrado, que deve gerar muitos empregos. “Estamos na expectativa de que alguma atividade se desenvolva e fixe aqui na região”, conclui Angélica. Por meio deste ofício, essas guerreiras do Semiárido buscam dar visibilidade à sua importante função dentro da comunidade. Por meio da arte, cada mulher consegue expressar seus sentimentos e sua experiência de vida, consegue exercitar a criatividade e sonhar. Artesania Agreste: arte em barro representa Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 9 • nº2057 Março/2015 Januária Realização Apoio Artesania Agreste - Integrantes: Ana Angélica Gonçalves Andrade Catarina Lopes Correa Borges Cláudia Bispo dos Santos Carmo Edileuza de Souza Cruz Alquimim Isabel Gonçalves Carvalho Maria Aparecida de Souza Maria dos Reis da Silva Maria José do Carmo Regina Alves da Cruz Roseane Agostinha de Souza Costa Sandra Francisca Machado do Carmo Vanessa Aparecida Alves da Cruz Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas a luta de mulheres trabalhadoras do Semiárido

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Doze mulheres da Comunidade de Agreste, no distrito de Levinópolis, município de Januária, no Norte de Minas, têm um sonho em comum: tornarem-se artesãs. Desde que iniciaram um curso de arte em barro, em junho de 2014, elas já produziram lindas peças utilitárias de decoração, e não pretendem mais parar.

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Page 1: Artesania Agreste: arte em barro representa a luta de mulheres

Doze mulheres da Comunidade de Agreste, no distrito de Levinópolis, município de Januária, no Norte de Minas, têm um sonho em comum: tornarem-se artesãs. Até junho de 2014, elas não imaginavam fazer nada além do que já realizavam normalmente: cuidar da casa, dos filhos e das filhas, da horta, da roça e, nas horas vagas, assistir TV e ir à igreja.

Enquanto passam o dia todo ocupadas com as tarefas do lar - que são pesadas e tomam bastante tempo - os maridos estão trabalhando na roça de algum fazendeiro e os filhos nos cafezais do Sul de Minas, pois a oferta de trabalho na região ficou escassa. Hoje, elas desejam algo a mais: viver do artesanato.

Foi no segundo semestre do ano passado que profissionais do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de Januária fizeram uma visita à comunidade para oferecer a oportunidade de aprenderem um novo ofício, por meio de um projeto de artesanato em cerâmica. O grupo, que no início era composto por cerca de 20 mulheres, ficou bastante animado. Logo colocaram a mão na massa, e de um monte de barro surgiram lindos vasos de flores, potes, fruteiras, luminárias, pratos, recipientes em forma de patinhos, e a possibilidade de complementação da renda.

Mais que a necessidade de aumentar os ganhos, a atividade trouxe um novo ânimo para as mulheres da comunidade. “A gente que é mais de idade acha que não é capaz de aprender mais nada, né? Olha só essa patinha que eu fiz! E essa panela! Eu uso essa panela na minha casa! Enfeita a mesa e conserva o calor da comida. A aula é um remédio pra minha solidão. Meus filhos tudo casaram e saíram de casa. Meu marido sai pra trabalhar e a gente fica o dia todo sozinha. O tempo passava tão devagar, eu preocupada com ele e com os meninos que estão longe”, conta Maria José do Carmo. “Nas aulas de artesanato o tempo passa e a gente nem vê! Chega cansada, toma um banho e logo dorme! E ainda volta com peças bonitas pra casa!”, completa.

Uma esperança no horizonteTodas as integrantes do grupo Artesania Agreste são beneficiárias dos programas sociais do Governo Federal. É isso o que possibilita que elas possam viver com o mínimo de dignidade, uma vez que a região em que habitam não oferece muita oportunidade, e elas precisam se ocupar da casa, da família, da horta, da roça, dos pequenos animais. Os jovens e as jovens que saem da escola, muitas vezes migram para outras regiões do estado e até do país em busca de emprego e estudo.

Vanessa, por exemplo, hoje trabalha como babá para ajudar em casa. Mas sua vontade é ter uma profissão e alçar outros voos. E para ela, o trabalho com artesanato representa a possibilidade de reescrever uma história diferente daquela das gerações passadas. “Estou sentindo muita falta das aulas. Além de surgirem ideias novas sobre o artesanato, também tínhamos novas ideias para a comunidade. Muitas mulheres que viram o nosso trabalho, ficaram interessadas em participar do grupo”, diz.

A esperança das mulheres da Comunidade de Agreste é que o projeto de artesanato tenha continuidade. Há também a possibilidade da criação de uma fábrica para o processamento de polpas de frutos do Cerrado, que deve gerar muitos empregos. “Estamos na expectativa de que alguma atividade se desenvolva e fixe aqui na região”, conclui Angélica.

Por meio deste ofício, essas guerreiras do Semiárido buscam dar visibilidade à sua importante função dentro da comunidade. Por meio da arte, cada mulher consegue expressar seus sentimentos e sua experiência de vida, consegue exercitar a criatividade e sonhar.

Artesania Agreste: arte em barro representa

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 9 • nº2057

Março/2015

Januária

Realização Apoio

Artesania Agreste - Integrantes:

Ana Angélica Gonçalves AndradeCatarina Lopes Correa Borges

Cláudia Bispo dos Santos CarmoEdileuza de Souza Cruz Alquimim

Isabel Gonçalves CarvalhoMaria Aparecida de Souza

Maria dos Reis da SilvaMaria José do CarmoRegina Alves da Cruz

Roseane Agostinha de Souza CostaSandra Francisca Machado do Carmo

Vanessa Aparecida Alves da Cruz

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

a luta de mulheres trabalhadoras do Semiárido

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Maria dos Reis da Silva, que além de cuidar dos afazeres domésticos também incrementa a renda com a costura, concorda com o que a colega relata: “Esse trabalho tirou muita mulher da depressão, da rotina. Se antes a gente ficava só em casa, hoje temos um novo espaço para frequentar e cultivar as novas amizades”, diz. “Também é uma forma de reviver essa tradição que era das nossas avós e avôs, e poder passar para nossas filhas e nossos filhos, e assim por diante”, acrescenta.

“Venho às aulas com minha filha de 21 anos, a Vanessa. É uma ótima maneira de nos ocuparmos nas horas livres”, revela Regina Alves da Cruz. “Assim que finalizei os estudos na escola, ingressei nas aulas de artesanato. Nunca tinha trabalhado com cerâmica antes. Me apaixonei e não quero mais parar!”, conta Vanessa Aparecida Alves da Cruz.

Sonho interrompidoO sentimento da descoberta de novas possibilidades foi logo esvaziado quando o projeto sofreu uma interrupção, em setembro de 2014. Mesmo com essa decepção, o grupo não desistiu, embalado pela urgência da produção do máximo possível de peças, para venda na feira da Romaria de Nossa Senhora da Salete, no dia 21 de setembro de 2014.

Assim, com o auxílio do Presidente da Associação Comunitária Unidos de Agreste, Leopoldo Claret Andrade

Souza, e de sua esposa Ana Angélica Gonçalves Andrade, em parceria com a Cerâmica João de Barro, as atividades continuaram, porém com um número reduzido de participantes. Mesmo com a ajuda do casal, ainda há muito que fazer. Por meio da associação, o grupo conquistou quantia suficiente de tijolos para construir um forno para a queima das peças de cerâmica. Para tanto, é preciso muito açúcar e barro. Além disso, é necessário um espaço para o trabalho e materiais, como tinta e barro.

“Com a pausa do projeto nós começamos a ficar desanimadas, a achar que não serviria pra nada, que não tem utilidade nenhuma, não estávamos dando valor naquilo... Só que agora vejo que tem valor! Esse tipo de patinha mesmo eu consegui vender na Romaria, e a sensação foi muito boa, de ver uma peça que eu fiz com minhas próprias mãos ter valor aos olhos do outro. Eu queria muito que o projeto continuasse pra gente continuar a evoluir”, desabafa Cláudia Bispo dos Santos Carmo.

Assim como Cláudia, as demais participantes partilham do mesmo sentimento. “Nós não tínhamos experiência com barro antes. Nós todas começamos do zero. Isso levantou nossa autoestima. Porque a gente ficava em casa, com a cabeça vazia. Aqui é nossa terapia, nosso ponto de encontro. Enquanto a gente está trabalhando com o barro, a gente está conversando, divertindo com as meninas”, Catarina Lopes Correa Borges.

“Esperamos achar um caminho para facilitar a continuidade do projeto e a venda das peças, por mim, que também participo, e principalmente pelas meninas. Além do lazer, o mais importante pra elas é a renda”, pontua Angélica. Segundo ela, a expectativa aumentou com a conquista dos tijolos. Entretanto, não adianta produzir as peças agora sem terem o forno, pois as mesmas podem rachar.

“Também precisamos de mercado. Por que aqui na região, as pessoas não se interessam muito por artesanato, não dão valor. Preferem coisas fabricadas. Na exposição que fizemos, por exemplo, a maioria dos moradores não chegava perto nem para olhar. Nem para elogiar, perguntar sobre o trabalho... É muito triste”, acrescenta.

Articulação Semiárido Brasileiro – Minas GeraisBoletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas