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ARTE E MOVIMENTO: UM CAMINHO DE EXPRESSÃO E SOCIALIZAÇÃO NA SAÚDE MENTAL ART AND MOVEMENT: A WAY OF EXPRESSION AND SOCIALIZATION IN MENTAL HEALTH Huascar Ariel Telleria Brink Artista Plástico, Residente em Saúde Mental e Coletiva E-mail: [email protected] Kátia Martins Soares Educadora Física, Residente em Saúde Mental e Coletiva E-mail: [email protected] RESUMO O Grupo Arte e Movimento tem por finalidade o desen- volvimento de experiências físico-artísticas praticadas semanalmente com pacientes da Unidade de Internação Mário Martins Masculina do Hospital Psiquiátrico São Pedro (Porto Alegre, RS). Atividades manuais e corporais são usadas de maneira lúdica para melhorar os potenciais criativos, expressivos e emocionais dos participantes. O público alvo é formado por um grupo rotativo de aproxi- madamente 27 homens de diagnósticos variados, como esquizofrenia, transtorno bipolar e depressão, que per- manecem em média um mês internados. Percebeu-se, na união das artes e da educação física, uma possibilidade de tratamento e recuperação das pessoas hospitalizadas. Conseguiu-se proporcionar um espaço de integração, so- cialização e experimentação, amenizando ao mesmo tempo o sofrimento gerado pela internação. PALAVRAS-CHAVE Saúde mental. Grupo social. Terapias sensoriais através das artes. Socialização. ABSTRACT The Art and Movement Group has as a goal the develop- ment of physical-artistic experiences practiced weekly with patients of the Hospital Psiquiátrico São Pedro (Por- to Alegre, RS) Mario Martins Male Internal Unit. Manual and corporal activities are used in a playful way to im- prove the creative, expressive and emotional potentials of the participants. The target public consists of a rotating group of approximately 27 men, with varied diagnostics, as schizophrenia, bipolar upheaval and depression, who remain in average internment of one month. We per- ceived, in the union of the arts and physical education, a possibility of treatment and recovery of the hospitalized people, in which it was possible to provide a space for integration, socialization and experimentation, thus mak- ing it possible to brighten up the suffering generated by internment. KEY WORDS Mental health. Social group. Sensory art therapies. Social- ization.

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ARTE E MOVIMENTO:UM CAMINHO DE EXPRESSÃO E SOCIALIZAÇÃO

NA SAÚDE MENTAL

ART AND MOVEMENT:A WAY OF EXPRESSION AND

SOCIALIZATION IN MENTAL HEALTH

Huascar Ariel Telleria BrinkArtista Plástico, Residente em Saúde Mental e Coletiva

E-mail: [email protected]átia Martins Soares

Educadora Física, Residente em Saúde Mental e ColetivaE-mail: [email protected]

RESUMO

O Grupo Arte e Movimento tem por finalidade o desen-volvimento de experiências físico-artísticas praticadassemanalmente com pacientes da Unidade de InternaçãoMário Martins Masculina do Hospital Psiquiátrico SãoPedro (Porto Alegre, RS). Atividades manuais e corporaissão usadas de maneira lúdica para melhorar os potenciaiscriativos, expressivos e emocionais dos participantes. Opúblico alvo é formado por um grupo rotativo de aproxi-madamente 27 homens de diagnósticos variados, comoesquizofrenia, transtorno bipolar e depressão, que per-manecem em média um mês internados. Percebeu-se,na união das artes e da educação física, uma possibilidadede tratamento e recuperação das pessoas hospitalizadas.Conseguiu-se proporcionar um espaço de integração, so-cialização e experimentação, amenizando ao mesmo tempoo sofrimento gerado pela internação.

PALAVRAS-CHAVE

Saúde mental. Grupo social. Terapias sensoriais atravésdas artes. Socialização.

ABSTRACT

The Art and Movement Group has as a goal the develop-ment of physical-artistic experiences practiced weeklywith patients of the Hospital Psiquiátrico São Pedro (Por-to Alegre, RS) Mario Martins Male Internal Unit. Manualand corporal activities are used in a playful way to im-prove the creative, expressive and emotional potentialsof the participants. The target public consists of a rotatinggroup of approximately 27 men, with varied diagnostics,as schizophrenia, bipolar upheaval and depression, whoremain in average internment of one month. We per-ceived, in the union of the arts and physical education, apossibility of treatment and recovery of the hospitalizedpeople, in which it was possible to provide a space forintegration, socialization and experimentation, thus mak-ing it possible to brighten up the suffering generated byinternment.

KEY WORDS

Mental health. Social group. Sensory art therapies. Social-ization.

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Boletim da Saúde | Porto Alegre | Volume 19 | Número 2 | Jul./Dez. 2005

50 | Huascar Ariel Telleria Brink, Kátia Martins Soares

INTRODUÇÃO

O Grupo Arte e Movimento surgiu den-tro do contexto dos trabalhos interdisciplina-res do Programa de Residência Integrada emSaúde Mental e Coletiva, durante o período dejunho a setembro de 2005, na Unidade MárioMartins Masculina — Hospital Psiquiátrico SãoPedro. Uma das propostas deste programaconsiste na atenção a usuários através da for-mação de duplas de residentes que, no casodo Grupo Arte e Movimento, é composta poruma educadora física e um artista plástico.Ambos planificam e coordenam atividades ondesão relacionadas práticas artísticas – como odesenho, a argila, a pintura, a música e o ritmo– com diferentes atividades físicas e de relaci-onamento social (jogos coletivos, trabalhos depercepção e conhecimento do corpo atravésdo movimento, ritmo, etc.).

Em cada instância são desenvolvidas açõescom o intuito de trabalhar as capacidades deexpressão, tanto corporais quanto intelectu-ais, de cada paciente, não só em relação aogrupo, mas também levá-los a descobertas desi, sendo o próprio paciente conduzido a serautor de sua descoberta (KUNZ, 2001).

OBJETIVO GERAL

Proporcionar, na Unidade Mário MartinsMasculino, um espaço de socialização e integra-ção entre os usuários, propício para trabalhar seuspotenciais criativos, expressivos e emocionais.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- estimular as capacidades de senso-percepção,organização, observação e concentração;

- estimular a verbalização de idéias e sentimen-tos surgidos no decorrer das atividades;

- trabalhar a auto-estima e o autocuidado,desenvolvendo a consciência corporal etrabalhando a propriocepção;

- incentivar o respeito pelo outro e o senti-mento de pertença grupal através da ati-vidade lúdica;

- desenvolver a coordenação óculo-manuale a motricidade fina.

METODOLOGIA

Depois de conhecer a Equipe fixa de técni-cos, os usuários e a rotina da Unidade (horáriosdas refeições, descanso, recreação, medicação),foram verificados os espaços disponíveis doprédio para o futuro desenvolvimento das ativi-dades: uma sala ampla com diversos materiais eum pequeno pátio com garagem.

Os usuários, que já tinham o costume de par-ticipar nas atividades recreativas e nos grupos re-alizados por residentes anteriores, compareciamvoluntariamente, formando grupos de aproxima-damente dez usuários em cada instância.

O cronograma de trabalho foi estabeleci-do segundo o horário disponível: segundas-fei-ras das 10h às 11h30min. As atividades, de

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modo geral, foram aplicadas de maneira autô-noma, devido à freqüência das mesmas e tam-bém pelo fato do grupo de usuários ser bas-tante rotativo de uma semana para a outra. AUnidade comportava em torno de vinte e seteinternações, mas devido às condições dos usu-ários, nem todos participavam.

Ao iniciar cada encontro, procurou-se cri-ar um clima descontraído e agradável, conver-sando com os pacientes sobre como estavamse sentindo, como havia sido o fim-de-sema-na, etc. Logo era realizada uma atividade deaquecimento, através de relaxamentos, cantoscom violão ou outras dinâmicas rápidas quefacilitassem o entrosamento e preparassem osusuários para a atividade principal a ser desen-volvida. No fechamento, as atividades eramcomentadas, quando diversos sentimentos,percepções e opiniões eram ouvidos e com-partilhados, procurando sempre associar asações com as vivências pessoais.

AÇÕES DESENVOLVIDAS EM TRÊSETAPAS:

A primeira etapa do trabalho consistiu nasapresentações pessoais por parte dos residen-tes e dos usuários e na realização de atividadespropostas com o objetivo de gerar um vínculomaior com eles e entre eles. Atividades de li-vre expressão, inspiradas em LIEBMANN(2000) e PAIN (1996), relaxamento corporale jogos cooperativos adaptados serviram paraeste fim, ao mesmo tempo em que permiti-ram conhecer melhor os interesses dos usuá-rios, a partir dos quais foram estabelecidas, demaneira conjunta, as regras de funcionamento.

A segunda etapa transcorreu a partir deduas necessidades especificas do funcionamen-to da unidade. Foram realizados trabalhos decriação de cartazes para as camas dos pacien-tes, e de introdução para a festa de São João:

confecção, decoração e celebração.No terceiro momento, foram desenvol-

vidas atividades com objetivos mais específi-cos: trabalhar a corporeidade — conformeFreitas (1999), este conceito situa o homemcomo um corpo no mundo, uma totalidade queage movida por intenções — através do dese-nho, música e jogos cooperativos, trabalhar asenso-percepção com diferentes materiais,criações e interpretações de histórias, além depasseios pelo hospital a fim de (re)descobrirlugares distintos.

CONTEÚDO

Motricidade fina e ampla, coordenaçãomotora, equilíbrio, lateralidade. Capacidade deexpressão de idéias e sentimentos, e de ob-servação, imagem corporal.

RECURSOS MATERIAIS

Argila, papel ofício, kraft e crepom, lápisde cor, giz de cera, caneta hidrocor, tinta gua-che, jornal, revistas, cola, tesouras, bolas defutebol e de basquete, vôlei.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebia-se, na união das artes e educa-ção física, uma possibilidade de tratamento erecuperação dos usuários hospitalizados, atra-vés da tentativa de resgatar parte da autono-mia e do auto cuidado, tendo como veículo aliberdade e a expressão, Possibilitando comoafirma Munari (2004, p. 76) “o direito de acharo seu elo e o caminho para a vida, mesmo quefora do padrão normal socialmente aceito”.

Segundo os relatos de Gofmann (1996),durante o período de internação, o indivíduopassa por um processo de desculturamento,

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de desvalorização de sua individualidade, deseus gostos, de suas vivências, seguindo pa-drões rígidos, regulados e massificados. Nocontexto das atividades propostas pelo Gru-po Arte e Movimento, evidenciaram-se algu-mas mudanças que possibilitaram diminuir taiscondições. Procurava-se enfatizar e estimulara singularidade de cada integrante durante osencontros, valorizar os seus comentários e su-gestões, oferecer um momento tranqüilo parapoder conversar e trocar experiências.

Em relação à espontaneidade, destacou-seo uso da imaginação e da exteriorização, atra-vés da pintura, dos desenhos ou da mímica, euma vez formado o vínculo terapêutico, os usu-ários superaram aquela inibição do começo econseguiram compartilhar e ressaltar suas vi-vências. Observou-se que, durante a interna-ção, tanto nos momentos do grupo como forado mesmo, eles apresentavam melhora de hu-mor e uma alegria que os levou também a con-vidar outras pessoas recém-hospitalizadas aparticiparem. Outro fato que nos chamou a aten-ção foi que, durante as situações lúdicas, os pa-cientes que apresentavam graves comprometi-mentos psíquicos e físicos modificavam notori-amente seu comportamento: participavam ati-vamente, entrosavam-se, sorriam, chegando atéa formular regras para o melhor andamento daatividade. Também nos comentários realizadosmanifestava-se a criatividade dos integrantes.Numa atividade de representação corporal compintura, um deles mencionou: “eu fiz uma bús-sola no meu trabalho para que, se o esqueletose perder, ele possa olhá-la”.

Foi evidenciada também uma maior soci-alização por parte dos usuários na adesão pro-gressiva às tarefas propostas. Nos jogos coo-perativos e nas atividades de artes verificou-seo respeito pelo colega, a divisão coletiva domaterial e inclusive a motivação dos própriosparticipantes, mesmos em alguns momentosde angústia ou tristeza. O objetivo de ameni-

zar ao menos uma parte do sofrimento gera-do pela internação, acredita-se ter sido atingi-do, não só pelas reações acima mencionadas,mas também pelas próprias manifestações deagradecimento e receptividade por parte dosusuários.

REFERÊNCIAS

FREITAS, Giovanina Gomes de. O esquemacorporal, a imagem corporal, a consciên-cia corporal e a corporeidade. Ijuí: Unijuí,1999.GOFFMANN, E. Manicômios, prisões e con-ventos. São Paulo: Perspectiva, 1996.KUNZ, Elenor. Práticas didáticas para um“conhecimento de si” de crianças e jovensna educação física: Didática da Educação Fí-sica. Ijuí: Unijuí, 2001.LIEBMANN, Marion. Exercícios de arte paragrupos. São Paulo: Summus, 2000.MUNARI, Denise. Arte, arteiros e artistas: umareflexão acerca da arte. In: VALLADARES, A.C. A. (Org.). Arteterapia no novo paradig-ma de atenção em saúde mental. São Pau-lo: Vetor, 2004.PAIN, Sara. Teoria e técnica da arte-tera-pia: a compreensão do sujeito. Porto Alegre:Artes Médicas, 1996.REVISTA JOGOS COOPERATIVOS. 2001.Disponível em:<http://www.cooperando.org.br/images/bb1.jpg> Acesso em: 7 de junho de 2005.