arruda, eucidio pimenta - museu virtual, prática docente e ensino da história

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......................................................... Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História 18, 19 e 20 de abril de 2011Florianópolis/SC 1 MUSEU VIRTUAL, PRÁTICA DOCENTE E ENSINO DE HISTÓRIA: APROPRIAÇÕES DOS PROFESSORES E POTENCIALIDADES DE ELABORAÇÃO DE UM MUSEU VIRTUAL ORIENTADO AO VISITANTE Eucidio Pimenta Arruda 1 Universidade Federal de Uberlândia Financiamento: CNPQ/FAPEMIG/PROPP/UFU [email protected] INTRODUÇÃO Este trabalho é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ-Brasil) e Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG- Brasil). O projeto ora apresentado visa à identificação e análise das estratégias pedagógicas utilizadas pelos professores para a incorporação da prática de visita ao Museu Virtual, disponível na Internet, como estratégia pedagógica para o ensino da História. Partimos do princípio de que a visita virtual ao Museu, apesar de limitar a experiência material e simbólica com o patrimônio histórico, constrói outras formas de experiência baseadas na cultura digital e nas possibilidades de transmissão e acesso de seus suportes tecnológicos. Além disso, devemos considerar que a forma como a memória é representada no “museu presencial” pode se diferir daquela que é a apresentada por meio do suporte hipermidiático. Pretende-se, assim, que as análises das experiências com o uso do museu virtual sejam utilizadas em momentos de formação dos professores da Educação Básica e permita ainda a constituição de subsídios aos museus brasileiros para a constituição de um acervo digital, disponível a professores e estudantes distantes espacialmente das estruturas físicas do museu. De maneira geral, este projeto vincula-se teoricamente com as noções de história- memória e experiência histórica através de um acervo específico, mas compreendendo que os sentidos sociais e compartilhados do patrimônio cultural pelos sujeitos históricos são 1 Doutor em Educação, professor permanente do programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia.

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......................................................... Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História

18, 19 e 20 de abril de 2011– Florianópolis/SC

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MUSEU VIRTUAL, PRÁTICA DOCENTE E ENSINO DE HISTÓRIA:

APROPRIAÇÕES DOS PROFESSORES E POTENCIALIDADES DE ELABORAÇÃO

DE UM MUSEU VIRTUAL ORIENTADO AO VISITANTE

Eucidio Pimenta Arruda1

Universidade Federal de Uberlândia

Financiamento: CNPQ/FAPEMIG/PROPP/UFU

[email protected]

INTRODUÇÃO

Este trabalho é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPQ-Brasil) e Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG-

Brasil).

O projeto ora apresentado visa à identificação e análise das estratégias pedagógicas

utilizadas pelos professores para a incorporação da prática de visita ao Museu Virtual,

disponível na Internet, como estratégia pedagógica para o ensino da História.

Partimos do princípio de que a visita virtual ao Museu, apesar de limitar a experiência

material e simbólica com o patrimônio histórico, constrói outras formas de experiência

baseadas na cultura digital e nas possibilidades de transmissão e acesso de seus suportes

tecnológicos. Além disso, devemos considerar que a forma como a memória é representada

no “museu presencial” pode se diferir daquela que é a apresentada por meio do suporte

hipermidiático.

Pretende-se, assim, que as análises das experiências com o uso do museu virtual sejam

utilizadas em momentos de formação dos professores da Educação Básica e permita ainda a

constituição de subsídios aos museus brasileiros para a constituição de um acervo digital,

disponível a professores e estudantes distantes espacialmente das estruturas físicas do museu.

De maneira geral, este projeto vincula-se teoricamente com as noções de história-

memória e experiência histórica – através de um acervo específico, mas compreendendo que

os sentidos sociais e compartilhados do patrimônio cultural pelos sujeitos históricos são

1 Doutor em Educação, professor permanente do programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de

Educação da Universidade Federal de Uberlândia.

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construídos em cenários/ambientes expositivos que fazem recurso às múltiplas linguagens e

suportes.

Compreender o virtual, no sentido atribuído por Deleuze (1996), como algo existente

como potência do real, permite interpretar a experiência do acervo desprovido de

materialidade física e disponível nos entremeios dos bits e bytes como elementos que se

configuram em potencialidades de experiências reais de ensino e aprendizagens históricas

baseadas nas análises dos materiais disponibilizados e configurados em espaços museais na

rede telemática.

A proposta deste projeto surgiu de um importante problema encontrado em nossas

experiências no campo de pesquisa em Educação, ensino de História e tecnologia: a maioria

das iniciativas dos museus virtuais encerra-se na construção de sites com parte do acervo

digitalizado, em formato estático, para simples visualização de suas imagens. A partir destas

experiências, surgiram algumas questões pertinentes, que passaram a nortear nossa proposta

de pesquisa, face à necessidade de se respondê-las para compreender o fenômeno do uso do

Museu Virtual no processo de ensino-aprendizagem em História:

Como o professor faz uso (e se faz) do Museu Virtual, disponibilizado na Internet,

como recurso pedagógico para o ensino da memória e do patrimônio, na perspectiva

do ensino-aprendizagem em História?

O que pode ser pensado, na perspectiva do Ensino da memória e do patrimônio, em

termos de elaboração de uma proposta de criação de museu virtual, a partir das

demandas dos professores?

Este projeto, que trata das experiências pedagógicas e pessoais a respeito das visitas

técnicas aos museus virtuais aciona a idéia, cada vez mais corrente, de que o Museu precisa

libertar-se do seu espaço tradicional e limitado e tornar-se acessível ao público, independente

de sua origem espacial.

Dessa forma, este trabalho possui os seguintes objetivos:

Analisar as estratégias pedagógicas dos professores de História no que diz respeito à

utilização de museus virtuais disponíveis na Internet, nas aulas de História;

A partir dos resultados obtidos neste projeto e nos projetos parceiros, elaborar um

projeto de criação do Museu Virtual do Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte.

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O trabalho trata das discussões focadas no campo das relações entre a educação, ensino,

tempo e memória históricas. Conforme afirmam Pereira e Siman (2009), o museu é o espaço

para estas aprendizagens, pois o Museu não é a reconstituição fidedigna do passado, da

memória, mas é um espaço de dispersão. Os objetos musealizados encenam o diálogo e, ao

mesmo tempo, ocupa um espaço a ser descoberto, ocupado, revelado.

Essa abordagem das práticas de memória ensejará à escola e às instituições culturais

e de memória a oportunidade de vivências sociais e sensíveis do patrimônio,

propiciadas pelos museus, arquivos e instituições de memória, mas, em diálogo

profundo com o que se produz e se vive, nos ambientes sociais de experiência

histórica pelos próprios alunos – no presente. Nesse movimento partilha-se da noção

alargada de patrimônio, contribuindo para discussão qualificada da potencialidade

educativa das práticas culturais e práticas sociais de memória como motes para a

educação patrimonial, ampliando a abordagem educativa do patrimônio para além

dos limites institucionais dos acervos patrimoniais das instituições de memória.

(PEREIRA e SIMAN, 2009).

De maneira mais específica, nossas discussões levam em consideração a incorporação

do Museu Virtual à prática de ensino de História em diferentes níveis da Educação Básica,

como proposta pedagógica que não substitui a visita presencial, mas que cria novas ações no

âmbito da educação patrimonial, subsidiada por suportes tecnológicos digitais. Conforme

afirma Oliveira (2007, p. 147).

O museu digital está, aqui, ligado diretamente a web, de um lado significando uma

interface com os museus presenciais, de outro lado, criando o próprio cibermuseu,

aquele que não possui uma interface presencial, num sentido metafórico, ou seja,

designando os seus acervos para uma ordem digital e criando uma qualidade que

tem o objetivo de manter a relação de semelhança com as origens daquilo que se

conhece como museu.

É interessante observar que este mesmo movimento é observado por Pereira e Siman

(2009, p. 290) ao analisarem o significado do museu contemporâneo para aquele que o visita

e as possíveis maneiras como interagem e analisam os objetos museais:

Quando educadores interagem no ambiente museal, cada um poderá criar uma

representação para a situação de um modo diferente ou, em outras palavras, poderá

apreender o argumento da exposição à sua maneira. Essa variabilidade pressuposta

na exposição já denota o quão complexa pode ser a abertura do museu aos diferentes

públicos. A exposição é, nessa medida, também chão descoberto, território em

aberto.

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As potencialidades de virtualização do museu podem se constituir em respostas para as

autoras, na medida em que o museu virtual pode ser espaço de construção – por aquele que o

visita. Construção no sentido lato, de manipulação de objetos tridimensionais que emergem

da tela do computador; possibilidade de reorganização de um espaço temporal, de um fio que

se tenta narrar em um museu físico – fio que se emaranha e cria novas tramas com o mover

dos mouses, ora reorganizando os espaços criados, ora construindo o seu próprio espaço de

observação do passado.

Corroboramos com Muchacho (s.d., p. 1541), quando afirma que o museu virtual é uma

realidade nova na museologia. É preciso compreender o caráter inovador como aquele

relacionado ao caráter aberto da informática contemporânea – ou seja, os objetos do museu

disponíveis numa perspectiva que é orientada pelos referenciais teóricos de seus autores, mas

que permite a sua reconfiguração, conforme os desejos ou interpretações que o visitante

possui.

Esta concepção é diferente do que muitas vezes é intitulado de museu virtual: um site

informativo sobre as atividades do museu, com imagens digitalizadas, que, apesar de

possibilitar o uso de hiperlinks, ainda encerra o visitante ao mapa do site elaborado

previamente e, muitas vezes, rígido, fechado à interpretação do navegador.

Paralelo a este modelo de museu virtual emergente em nosso referencial, observamos

ainda que, diferentemente do século XIX, no qual se verifica a primazia do impresso sobre a

imagem, no século XX, a possibilidade de reprodução em níveis quase infinitos das mídias e

dos conteúdos propicia que um número cada vez maior da população mundial tenha acesso

aos bens culturais da humanidade, em seus suportes hipermidiáticos.

O que antes era possível de ser evidenciado apenas em visitas in loco aos espaços, ou

mesmo nos manuais de professores e intelectuais, é agora disponibilizado em mídias diversas,

como: imagens de TV, documentários, programas de rádio, propagandas em cinema etc.

Ao contrário de modelo tradicional de aprendizagem – baseado em uma perspectiva

linear -, no qual os bens culturais ficam encerrados em espaços físicos fechados a qualquer

público, na perspectiva da aprendizagem mediada por tecnologias digitais, o conhecimento

está vinculado aos sujeitos de diversas formas e meios, por meio de sua disponibilização em

espaços públicos digitais, ainda que estes espaços estejam em processo de ampliação do seu

acesso.

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As mídias contemporâneas representam, ainda, o uso de diferentes linguagens

(hipertexto, tv, vídeo, áudio, etc.) pelos sujeitos e proporcionam transformações cognitivas,

mudanças na forma de pensar e relacionar saberes e raciocínios; ao considerar a

complexidade, podem promover a experiência singular, valorizando a estética e o subjetivo.

No caso da escola, alguns trabalhos demonstram que o perfil dos alunos tem mudado,

sem que haja modificações significativas nas estratégias de ensino-aprendizagem do

professor. Especificamente no caso do ensino da História, observamos que o desenvolvimento

tecnológico contemporâneo apresenta uma série de artefatos culturais que modificam

significativamente as relações que as pessoas possuem com o tempo e tempo histórico e, por

conseguinte, com as formas como aprende a História.

A começar pela separação temporal e espacial das comunicações e trocas culturais

empreendidas pelos usuários da Internet. A Web potencializou significativamente as trocas

culturais, independente da distância. O que a Internet traz de diferente de tecnologias como o

telefone (que, aparentemente, permitem tais trocas), é a possibilidade de comunicação

audiovisual, ou seja, os agentes envolvidos no processo de comunicação podem ouvir e ver

tudo que é transmitido pelo interlocutor.

No caso do museu virtual, ao se visitá-lo, seja por meio da internet ou do CDROM,

apreende-se uma nova visão de espaço museológico, na qual as ações, as escolhas e, em

certos casos, o layout do espaço “virtualizado” é comandado pela escolha do visitante, de

acordo com suas necessidades. Acreditamos que isso ocorre porque a parte física do

computador (hardware), seus mecanismos de entrada de dados (teclado, microfone, mouse

etc.) demandam do usuário a ação, a tomada de decisão. Ou seja, um software de Museu

Virtual, caso seja limitado quanto às possibilidades de ação do sujeito em seu ambiente

digital, corre risco significativo de tornar-se pouco interessante para aquele que o utiliza.

Ainda assim, as novas mídias, ou aquelas baseadas na hipermídia e no audiovisual, não

são tão valorizadas como as fontes históricas tradicionais, mesmo aquelas que foram

transformadas em seu suporte (digitalização dos objetos e disponibilização na Internet ou CD-

ROM), apesar de as discussões terem se ampliado nos últimos anos. Morettin (2007, p. 48),

ao analisar a obra de Marc Ferro sobre o cinema, explica o seguinte:

A exclusão da imagem cinematográfica do fazer histórico, para Ferro, ocorreria em

função desta pertencer ao imaginário da sociedade que, por sua vez, também não

era considerada pelo historiador. A vinculação entre cinema e imaginário é

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fundamental para o seu trabalho, é o seu postulado: ’aquilo que não se realizou, as

crenças, as intenções, o imaginário do homem, é tanto a História quanto a História.

As fontes cinematográficas, o computador e seus softwares e, em específico, a

digitalização dos museus, ganham hoje, o estatuto de novas fontes com os problemas

apresentados pelo autor – ainda que estas parte destas “novas fontes” se traduzam na

digitalização de fontes antigas, como é o caso de um museu virtual. Entretanto, a experiência

da visita virtual, bem como a manipulação ou observação dos objetos museais são singulares,

quando comparadas com a experiência presencial.

Para Muchacho (s.d.), esta realidade sugere um novo meio de contemplação. Os pincéis

e as cores são substituídos pelo mouse e pelos pixels. O virtual renova o estatuto da imagem e

a sua relação com a arte. Este museu, sem muros nem coleções, sustenta-se pela manipulação

de artifícios. A progressão faz-se de página em página, como se andasse de galeria em galeria,

interagindo com os objetos e mudando o percurso expositivo.

Estas questões vêm de encontro a um grande desafio enfrentado pelo museu na

atualidade: a comunicação com o seu público.

O espaço fechado em si próprio, criado com o objetivo principal de preservar e

salvaguardar um patrimônio, está a alterar – se para ser capaz de transmitir um

conceito e de possibilitar aos diversos públicos experiências sensíveis através da

interligação com o objecto museal. (MUCHACHO, s.d., p. 1541)

O Museu, seja presencial ou virtual, dimensiona relações que são características da

compreensão da História. Compreender História significa estabelecer relações com passado,

presente e futuro, bem como localizar estas dimensões temporais nos seus espaços de ação.

Conforme esclarece Siman (2003, p. 125) O tempo histórico requer um sentido de existência

do passado, bem como do presente; requer um sentimento de pertencer, de estar dentro da

história.

As dimensões culturais de nossa sociedade não prescindem da compreensão do tempo

pelos sujeitos. Acredito ser possível afirmar que qualquer sujeito vive relações intensas com o

tempo histórico, ainda que de forma, aparentemente, não sistematizada consoante com os

parâmetros acadêmicos ou escolares. De acordo com Elias (1998, p. 14)

O tempo é uma expressão social e os sujeitos que nascem em sociedade com ideias

de tempo mais complexas têm como premissa apreender e assimilar o tempo de sua

comunidade, sob o risco de não conseguir desempenhar o papel de um adulto no

seio dessa sociedade.

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É possível pensar, portanto, em características sociais e culturais contemporâneas que

criam novos valores e experiências sobre o tempo e o espaço marcados pela microinformática

em nossa sociedade. A sociedade contemporânea caracteriza-se por grande dinamismo nas

construções de ordem tecnológica, produção de bens e valores em ritmo acelerado e, devido

aos vínculos capitalistas, valoriza a obsolescência do ser e das coisas. O tempo na sociedade

cujo motor social é a microinformática é acelerado ao máximo e lança para debaixo do tapete

evidências das realizações de tempos e espaços não muito distantes – transformando-se em

um aparente culto da efemeridade.

Contudo essa aparente valorização da efemeridade não significa um abandono da

História ou da compreensão que os sujeitos, sobretudo os jovens, possuem do passado. Um

dos possíveis efeitos da liquidez e da aceleração do presente é a sensação de distanciamento

temporal vivenciado nos dias atuais. Os reflexos deste distanciamento compreendem a ideia

de que o passado, mesmo recente, é cada vez menos próximo das práticas culturais

contemporâneas. Isso faz do passado um “objeto” raro, de valor inestimável e também um

objeto de curiosidade e atenção, pois mostra um conjunto de rupturas territoriais, culturais,

organizacionais, econômicas e estruturais. O museu virtual, na dimensão apresentada, corre o

risco de configurar-se em um depósito de imagens e objetos raros, digitalizados e disponíveis

para o consumo imediato de seus visitantes.

O caminho analítico que se abre, portanto, não é o da crença de uma aparente

desvalorização da História ou do saber histórico como componente de inserção social, mas a

forma como a História é apresentada nos produtos contemporâneos, sobretudo midiáticos. A

História é menos analítica do que hipermidiática. Os acontecimentos históricos, sobretudo

aqueles que trazem marcas singulares em relação às nossas características culturais

contemporâneas, transformam-se em objetos de desejo a serem consumidos como

curiosidades e nostalgia - é ponto de apoio para um passado conhecido, frente às

instabilidades do presente.

Ainda que tenhamos um posicionamento crítico sobre este passado que se obsoletiza,

consideramos pertinente a construção de um Museu Virtual que não omita algumas

características de aprendizagem da sociedade contemporânea. O museu virtual acaba por se

configurar em um espaço de formação e informação, mas, devido ao seu caráter midiático,

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também um espaço de entretenimento, ou, como tem sido chamado, edutainment, combinação

de entretenimento e formação educativa.

A emergência da digitalização dos espaços museológicos cria questões de significativa

pertinência, como: Os museus virtuais conseguem satisfazer as necessidades pedagógicas dos

professores de História? Aqueles professores que utilizam o museu virtual em sua prática de

ensino de História encontram-se satisfeitos com a experiência virtual proporcionada pela sua

interface?

METODOLOGIA E FONTES A SEREM EMPREGADAS

Este projeto de pesquisa encontra-se em andamento e possui aspectos da pesquisa

quantitativa e qualitativa para seu pleno desenvolvimento.

Assim, para desvendar o objeto desse projeto de pesquisa, entendemos ser necessária a

utilização de dados quantitativos e qualitativos. Destacamos abaixo as ações já realizadas e

planejadas para a pesquisa:

Inicialmente procuramos identificar os sites, páginas de internet ou semelhantes que

disponibilizem na Internet os acervos digitalizados de museu ou se apresentem como museus

virtuais, de maneira a construir um banco de dados contendo as informações sobre estas

iniciativas já disponíveis ao público em geral. Até o momento já identificamos cerca de 100

museus virtuais brasileiros e internacionais, sendo que a maioria (90) é contituida de museus

presenciais que estão em processo de virtualização de suas obras.

É importante salientar que a maioria dos museus virtuais constituem-se em páginas web

com imagens digitalizadas do acervo museal. As potencialidades de interação e virtualização

dos objetos ainda são pouco utilizadas. É importante destacar que este movimento se

assemelha muito ao que temos observado nas pesquisas anteriormente realizadas: os espaços

educativos, quando fazem uso das tecnologias digitais para modificação de seus suportes,

possuem dificuldades significativas para incorporar a linguagem própria da tecnologia. Dessa

forma, as tecnologias digitais acabam por se tornar elementos de transposição simples de um

suporte midiático a outro, no seu pior sentido.

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A virtualização dos objetos potencializa, conforme já dissemos, as maneiras e formas de

realizar as visitações. Por exemplo, acreditamos na possibilidade da criação de um museu que

permite ao visitante construir a sua própria trilha, por meio da seleção dos objetos museais e

reorganização temática ou cronológica de sua visita.

Estamos, atualmente, em fase de seleção dos professores de história que já fizeram uso

de sites de Internet que apresentam características de um Museu Virtual, ou seja, páginas de

Museus físicos que oferecem ao menos, parte de seu acervo digitalizado na Internet. É

importante notar que esta não tem sido uma tarefa fácil, uma vez que ainda são poucos os

professores que fazem uso do recurso do museu virtual. Inferimos que o pouco uso do museu

virtual deve-se a alguns fatores, dentre os quais destacamos: Há ainda poucos museus

brasileiros com o seu acervo digitalizado e os professores brasileiros possuem formação

lacunar no uso das tecnologias digitais – este dado foi levantado por mim em pesquisas

realizadas nos últimos cinco anos com professores de escolas públicas e privadas brasileiras.

Outro trabalho que tem sido desenvolvido paralelamente ao levantamento de dados é a

elaboração de dois produtos oriundos deste projeto: a construção de um grande banco de

dados sobre museus virtuais do mundo inteiro, de maneira a se constituir em um espaço no

qual visitantes obtém acesso a todos os museus digitalizados do planeta e a elaboração de uma

proposta de criação de um Museu Virtual que ultrapasse a disponibilização simples de

materiais digitalizados, mas que permita uma experiência de “realidade virtual” ao visitante

do Museu, possibilitando ao mesmo a simulação e experiência com o tempo e espaço do

museu, por meio de um artefato digital (A Internet, CD-ROM ou computador).

Em síntese, pretendemos, ao final desta pesquisa, apresentar os seguintes produtos que,

a nosso ver, será de grande importância para professores da educação básica brasileira e de

outros países:

Elaboração de um banco de dados contendo os sites de museus virtuais ou museus

com materiais digitalizados, de maneira a oferecer aos pesquisadores mineiros

elementos para o desenvolvimento de projetos futuros nesta área e para o

planejamento de práticas pedagógicas por professores da educação básica

Lançamento de um site contendo o banco de dados elaborado, bem como os resultados

de pesquisa, de maneira a socializar informações a respeito dos museus virtuais no

âmbito do ensino de História;

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Elaboração de um projeto técnico e pedagógico, contendo parâmetros para a produção

de um museu virtual e divulgação pública deste projeto no âmbito do Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De maneira geral, acreditamos que a temática desta pesquisa é de extrema relevância

social e pode permitir a descoberta de novas estratégias e dinâmicas pedagógicas que

envolvam os usos e apropriações de tecnologias digitais no ambiente escolar.

Dentre os resultados parciais, destacamos a existência da maioria dos museus virtuais

em seu formato mais simples – a de disponibilização de imagens e textos para consulta

pública – o que se assemelha muito à Internet em seus primórdios. Entretanto, é possível

observar que a ampliação dos espaços de produção e colaboração hipermidiática

contemporâneos levou a Web ao patamar no qual o navegador da Internet deseja construir

suas trilhas de conhecimento, elaborar seus caminhos temporais e espaciais. Ele não se

contenta com uma simples disponibilização de imagens – ele se interessa pela possibilidade

da construção de histórias, por meio da reorganização dos objetos dispostos no museu e de

suas interpretações que faz do passado.

Acreditamos que, mais do que em qualquer época, o ensino de História pode ser

potencializado significativamente, por permitir, por meio da informática, a materialização,

ainda que virtual, do passado.

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