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CARLOS BERNARDO GONZÁLEZ PECOTCHE RAUMSOL DIÁLOGOS

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CARLOS BERNARDO GONZÁLEZ PECOTCHE RAUMSOL

DIÁLOGOS

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ESTE LIVRO REÚNE UMA SÉRIE DE

DIÁLOGOS NOS QUAIS O AUTOR

ENCARA SUGESTIVOS TEMAS, ELU-CIDA PROBLEMAS OU RESPONDE

PERGUNTAS PROPOSTAS PELOS

ESTUDANTES DO PENSAMENTO

LOGOSÓFICO, REUNIDOS EM

AGRADÁVEIS TERTÚLIAS.TAIS DIÁLOGOS MOSTRAM, UMAS VEZES, O VIGOR CONVIN-CENTE DE SUAS EXPRESSÕES, OUTRAS, O TOM SUAVE E

PERSUASIVO DE SUAS REFLEXÕES, SURPREENDENDO SEMPRE A

ORIGINALIDADE CONCEITUAL DOS

TEMAS EXPOSTOS, TAL COMO

ACONTECE QUANDO O AUTOR

SE REFERE À PARTE HUMANA DE

DEUS, AO OFÍCIO MUDO, ETC.EM TODAS AS PÁGINAS DESTE

LIVRO PERCEBE-SE O ACENTO

INCONFUNDÍVEL QUE CARACTERI-ZA A SABEDORIA LOGOSÓFICA.ONDE QUER QUE O LEITOR

DETENHA SUA ATENÇÃO, SENTIRÁ

COMO FLUI, SOB FORMA SUGESTI-VA E ELOQÜENTE, AMENA E

ÁGIL, UM ENSINAMENTO JAMAIS

LIDO OU ESCUTADO EM PARTE

ALGUMA, DO QUAL SURGE O

CONHECIMENTO QUE ILUMINA

A INTELIGÊNCIA E ENCHE O

ESPÍRITO DE PRAZER.

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ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES DO AUTOR

Intermedio Logosófico, 216 págs., 1950. (1)

Introducción al Conocimiento Logosófico, 494 págs., 1951. (1) (2)

Diálogos, 212 págs., 1952. (1)

Exégesis Logosófica, 110 págs., 1956. (1) (2) (4)

El Mecanismo de la Vida Consciente, 125 págs., 1956. (1) (2) (4)

La Herencia de Sí Mismo, 32 págs., 1957. (1) (2) (4)

Logosofía. Ciencia y Método, 150 págs., 1957. (1) (2) (4)

El Señor de Sándara, 509 págs., 1959. (1)

Deficiencias y Propensiones del Ser Humano, 213 págs., 1962. (1) (2) (4)

Curso de Iniciación Logosófica, 102 págs., 1963. (1) (2) (4) (6)

Bases para Tu Conducta, 55 págs., 1965. (1) (2) (3) (4) (5) (6)

El Espíritu, 196 págs., 1968. (1) (2) (4) (7)

Colección de la Revista Logosofía (tomos I (1), II (1), III), 715 págs., 1980.

Colección de la Revista Logosofía (tomos IV, V), 649 págs., 1982.

(1) Em português.(2) Em inglês.(3) Em esperanto.(4) Em francês.(5) Em catalão.(6) Em italiano.(7) Em hebraico.

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CARLOS BERNARDO GONZÁLEZ PECOTCHE (RAUMSOL)

DIÁLOGOS

REIMPRESSÃO DA 4A EDIÇÃO

EDITORA LOGOSÓFICA

SÃO PAULO 2006

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Título do originalDiálogosCarlos Bernardo González Pecotche

Revisão da traduçãoJosé Dalmy Silva Gamafiliado da Fundação Logosófica Em Prol da Superação Humana, para a Editora Logosófica, dependência desta Instituição.

Projeto gráficoMarcia Signorini

Produção gráficaAdesign

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

González Pecotche, Carlos Bernardo, 1901-1963.Diálogos / Carlos Bernardo González Pecotche

(Raumsol) ; [revisão da tradução José Dalmy Silva Gama]. -- São Paulo : Logosófica, 2006.

Título original: Diálogos1ª reimpr. da 4. ed. de 2004.ISBN 85-7097-055-2

1. logosofia I.Título

06-6340 CDD-149.9

Índices para catálogo sistemático:

1. Logosofia : Doutrinas filosóficas 149.9

Copyright da Editora Logosófica

www.logosofia.org.brtel/fax: 55 11 3885 7340Rua Coronel Oscar Porto, 818 CEP 04003-004 – São Paulo - SP - Brasil,da Fundação Logosófica (Em Prol da Superação Humana) Sede central: SHCG/NORTE Quadra 704 – Área de Escolas CEP 70730-730 – Brasília – DF – Brasil

vide representantes regionais na última página

EDITORA AFILIADA

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Prólogo

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Todos os diálogos da presente obra foram suscitados em amá-veis cenáculos, nos quais o autor tem por costume reunir seus dis-cípulos para abordar temas ou elucidar problemas que estes lheapresentem.

Entre as formas que adota para expor o ensinamento logosófi-co, algumas vezes recorre ao diálogo, ou se serve da analogia, doexemplo ou da parábola; outras vezes utiliza a exposição direta,sem excluir a ampla dissertação doutrinal quando o número deouvintes excede em muito o círculo dos habitués. O método logo-sófico também se vale da lenda e da pergunta matizada comobservações rápidas, variadas e sempre atrativas. Mas o diálogo éum dos gêneros didáticos preferidos pelo autor, e a isso obedeceo fato de haver reunido nesta obra uma porção dos mais originaise interessantes.

Os helenos foram verdadeiros campeões do diálogo, mas nemmesmo os mais famosos revelaram as soluções dos elevados pro-blemas que expunham. Com extrema perícia, exerceram a dialé-tica e a retórica, a ponto de apurar em grau máximo o pensamen-to polêmico, que por certo triunfava, com relativa facilidade,sobre a inexperiência dos não versados na arte da controvérsia.

Nenhum conhecimento real denunciam os célebres “Diálogos”de Platão, ou os de Luciano de Samosata. O primeiro realiza nelesa apologia de seu mestre, Sócrates, enquanto faz derivar para si ofundo da doutrina; o segundo evidencia o mais cru ceticismo, duvi-dando, quiçá, de suas próprias e instáveis idéias.

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Os diálogos logosóficos diferem completamente daqueles emsua essência e objetivo. Mostram, algumas vezes, o vigor convin-cente de suas expressões; outras vezes, cumpre um grande papelo tom suave e persuasivo de suas reflexões. Em todos os casos,porém, percebe-se a marca inconfundível que caracteriza todasas manifestações da Sabedoria Logosófica.

Depois de folhear este livro, ninguém dirá que sai com asmãos vazias; flui de cada diálogo um ensinamento original —jamais lido ou escutado em parte alguma —, do qual surge oconhecimento que ilumina a inteligência e enche de prazer oespírito.

Nestas páginas, o autor deixou cair um punhado de palavras.Tomando formas sugestivas e eloqüentes, dispuseram-se por simesmas em cada linha, como nas fileiras de uma imensa platéia.Você, leitor amigo, será o protagonista que há de aparecer nestecenário mental. Seu trabalho consistirá em interpretar os pensa-mentos que veja plasmados na platéia, tal como o orador quecapta as impressões de seu auditório, significando isso que vocêpode aproveitar essa mesma oportunidade para expor sua opi-nião, com a segurança de que o aplaudirão entusiasticamente, aotempo em que o autor fará o mesmo, por ter tido você a paciên-cia de manter a atenção até o final.

N.T.: Foram mantidos no texto traduzido os nomes originais dos personagens dos diálogos,obedecendo-se, nos casos pertinentes, à norma para a acentuação gráfica em língua por-tuguesa.

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Dionísio: — Sempre, até mesmo quando criança, muito meimpressionaram os relatos bíblicos, a ponto de consti-tuírem para mim uma preocupação que, ao longo dosanos, tratei em vão de decifrar. Movido por ela, inves-tiguei em diversas fontes e consultei pessoas versadasem assuntos bíblicos, sem jamais haver obtido umaresposta satisfatória às minhas perguntas. Até pareceque tudo teria de ser seguido ao pé da letra, como sediscernir sobre a verdade ou o conteúdo real de taisepisódios fosse algo vedado à inteligência humana.No Gênese, por exemplo, está dito: “Tomou, pois, oSenhor Deus o homem e o pôs no jardim do Éden,para que o lavrasse e guardasse”, adicionando emcontinuação: “E deu o Senhor Deus uma ordem aohomem, dizendo: — De toda árvore do jardim come-rás livremente; mas da árvore do conhecimento dobem e do mal, dessa não comerás; porque, no dia emque dela comeres, morrerás.” Vem depois o episódioda serpente seduzindo a mulher para que coma a frutadessa árvore, e, finalmente, a expulsão de Adão doparaíso por haver desobedecido.

É certo tudo isso? Deve minha consciência, assimcomo a dos demais homens, admitir que Adão pecoue que, por sua culpa, a totalidade do gênero humanodeve sofrer as conseqüências? E, admitindo que assim

Diálogo 1SINGULAR EXPLICAÇÃO SOBRE A EXPULSÃO DE ADÃO

DO PARAÍSO — NÃO HOUVE CULPA NEM CASTIGO.

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10 Diálogos

fosse, não houve e nem há a mais remota possibilida-de de uma absolvição total da espécie?

Preceptor: — Como se sabe, a expressão “árvore da Sabedoria”foi empregada para simbolizar o summum dos conhe-cimentos-mães a se estenderem por seus diferentesramos, à sombra dos quais o homem protege sua vidae aprende a dominar e usar as forças ocultas daNatureza. O relato bíblico a que você se referiuencerra o profundo mistério da primeira revelaçãouniversal que o homem teve, ao ser despertada nele aconsciência da responsabilidade. Saborear a frutadessa árvore significa, pois, tomar posse de conheci-mentos. Os conhecimentos são forças ativas.Portanto, dentro do paraíso edênico, o homem deve-ria mover-se orientando sua incipiente reflexão comos conhecimentos que haveriam de transformar porcompleto sua vida, até então assemelhada tão-somente à natureza animal.

Dionísio: — Quer dizer que ele não foi castigado nem expulsodo Paraíso, como diz a tradição?

Preceptor: — Exatamente. Foi simbólica a repreensão, ou casti-go, e tão-só para que a posteridade — ou seja, asemente humana — recordasse, ao estender-se pelomundo, que foi permitido ao homem, nos primórdiosde sua existência, viver um tempo muito próximo aseu Criador, desfrutando todas as venturas oferecidaspor esse mundo superior, denominado “Paraíso” norelato bíblico. O homem conheceu, em conseqüên-cia, a vida superior ou paradisíaca que, numa perenerecordação, vive ainda na alma humana. Tem, pois, arecordação de sua existência inicial, mantendo aber-ta sua intuição à perspectiva de voltar a viver nesseparaíso quando alcançar os degraus da alta Sabedoriapor meio do conhecimento. Sabe o homem, assim,que deve conquistar por si mesmo, isto é, por própriae leal realização, aquela felicidade usufruída nosalvores da existência terrena.

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11Diálogo 1 – Singular explicação sobre ...

Dionísio: — Admirável a sua explicação; com ela, o senhordesvaneceu por completo muitas das sombras queinquietavam grandemente meu espírito sobre esteenigmático assunto.

Preceptor: — Se você seguir com atenção o curso de minhaspalavras, penso que se desvanecerão também as queainda lhe restam.

Quando as Escrituras dizem que “Deus criou ohomem à sua imagem e semelhança”, “macho e fêmeaos criou”, e também que “formou o Senhor Deus ohomem do pó da terra, e soprou-lhe nas narinas o háli-to da vida, e o homem tornou-se alma vivente”, dão aentender, aos que abrem suas mentes para compreen-der o que é certo, que Deus não criou um só homem,mas sim muitos, formando desse modo a raça adâmica,ou, mais claro ainda, a raça humana. Se tinha poderespara criar um homem, é lógico pensar e admitir quetenha criado muitos, uma vez que havia lugar para eles.Mas todos se guiavam por um espírito comum; esseespírito recebeu o nome de Adão.

Sendo Deus o absoluto em Poder, Sabedoria ePerfeição, não é possível admitir, sem menoscabaresse conceito, que depois de criar o homem nãotenha pensado fazer o mesmo com a mulher, pois“macho e fêmea os criou”. À mulher chamou de“varoa”, porque, tendo a mesma configuração física ebiológica, distinguiu-a o sexo. Foi essa diferença queestabeleceu a conservação da espécie, pelo concursodo gênero na procriação da criatura humana.

Quando criou o homem, Deus o fez — como tudoo que surgiu de sua infinita Sabedoria — com amor,e, além disso, para que tivesse permanência dentro daCriação. O Reino de Deus é toda a sua Criação, por-que Ele reina nela.

Fê-lo à sua imagem e semelhança, mas não iguala Ele, dando a entender com isso que abria amplasprerrogativas ao destino do homem. Dotou-o de uma

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mente com seu maravilhoso mecanismo psíquico,qual seja a inteligência com todas as faculdades quea integram, para alcançar por meio dela os conheci-mentos que despertariam sua consciência. QuandoAdão quis “comer” os conhecimentos, o Senhor Deuslhe disse: “Não; os conhecimentos não se comem;devem ser saboreados pela alma e com eles deve serformada a capacidade da consciência.”

Vem em seguida a expulsão do paraíso: “O SenhorDeus o tirou do horto do Éden para lavrar a terra, daqual fora feito”, ou seja, para que penetrasse em suasentranhas e conhecesse o mistério de sua Criação.Surgida que foi sua consciência por força das necessi-dades que desde esse instante o pressionaram, ohomem, como quem sai de um sonho, começou ausar sua inteligência e a conhecer as coisas que orodeavam. Viu animais pastando nos prados, assimcomo todas as outras espécies viventes. Observou quetanto estes como os elementos da Natureza foram fei-tos para servi-lo, percebendo também sua manifestasuperioridade sobre as demais espécies. Sua incipien-te reflexão fez com que visse, sem mais delonga, quenão deveria se assemelhar a esses animais de pasto-reio, que ele utilizava para trasladar-se de um lugar aoutro, ou para transportar cargas. Muito embora antes,imerso numa cabal inconsciência, ele andasse entreos animais sem experimentar necessidades afligentes,por carecer de incentivos que movessem sua menteem busca do conhecimento, agora era dado a seuentendimento observar e avaliar tudo, como se a pró-pria Natureza lhe estivesse ensinando a nova forma devida a adotar dali em diante. O homem do Éden per-cebeu, então, que tudo havia mudado para ele.Compreendeu que, até o instante de sua separação doparaíso, as coisas ele as havia obtido como se tivessemcaído do céu, mas, desde que isso teve lugar, seu futu-ro já dependia dele mesmo, de suas forças, isto é, de

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13Diálogo 1 – Singular explicação sobre ...

seu engenho. Havia vivido uma infância regalada efeliz, cujo único objetivo consistiu em aclimatá-lo efamiliarizá-lo à terra que ele havia de habitar. Tendoentrado na maturidade, não podia continuar se com-portando como nos períodos de sua infância.

Impunha-se, pois, uma mudança de situação. Oque havia acontecido com sua separação do paraísoobedecia, naturalmente, a razões superiores de evolu-ção. Era preciso que conhecesse as necessidades davida, e, ao mesmo tempo, por meio do conhecimen-to, devia assenhorear-se dessa parte da Criação sobrea qual havia sido colocado. Através do pensamentoque animava a Natureza, conheceria também a seuCriador, e ele mesmo chegaria a ser criador de todaatividade industriosa que viesse a ter origem nomundo, forjando com sua inteligência e seu trabalhoo porvir dos descendentes, para maior glória de seuDeus e Senhor.

Como você vê, por tudo isso se torna inconcebívelque Adão tivesse incorrido em falta, isto é, que tivessepecado, por achar-se mergulhado na inconsciênciaprópria da infância psicológica, ou, em outros termos,por carecer de conhecimentos que o fizessem sentir aresponsabilidade por seus atos. Deus, seu criador, nãopoderia culpar uma criatura que, recém-gerada, come-çava a dar seus primeiros passos pela terra, pois seriaadmitir um ato injusto em Quem é, precisamente, oabsoluto em justiça. De todo ponto de vista, você jápode ver que isso se mostra inadmissível.

Em vez disso, surge desse episódio bíblico o subli-me ensinamento que serviu de norma para toda ahumanidade, ensinamento que, desde as primeirasidades, vem se reproduzindo em cada família huma-na, sem que ninguém tenha podido ainda descobrironde nem como se reproduz. Vejamos o seguinte: ascrianças, desde que nascem, não vivem num paraísosemelhante ao edênico? Não atendem a seus gostos

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14 Diálogos

sem ter problemas, agitações, nem preocupações deespécie alguma? Não vivem na inconsciência, com-pletamente à margem da realidade do mundo e davida? Não são suas faltas sempre atenuadas, por care-cerem de responsabilidade? Algum pai, em são juízo,se atreveria a expulsar o filho pequeno de casa, comose fosse um estranho a quem nada o ligasse, nessaidade em que o homem vive o período mais feliz desua existência, com suas brincadeiras, seus caprichose suas despreocupações? Mas quando chega a outraidade, aquela em que, já crescido, procura provar afruta da árvore do bem e do mal, isto é, quando des-pertam nele as adormecidas forças de sua naturezacriadora, acaso não sobrevém a simbólica expulsãodo paraíso, ao lhe ser exigida uma outra conduta, quedesperte também sua responsabilidade e, com isso,sua consciência? Não lhe é exigido que estude, quetrabalhe e que viva já na realidade do mundo que orodeia? E, ocorrida essa expulsão, não continua viven-do no mesmo lar de seus pais, ali onde antes haviadesfrutado os encantos do Éden? Não experimentatambém, em tais circunstâncias, uma transição umtanto brusca, que faz com que, durante algum tempo,sinta saudade daqueles anos ditosos em que nãomadrugava, não ia à escola, não trabalhava e faziatudo quanto queria para se divertir? Os pais, não cor-rigem eles as tentações de seus filhos como melhorconvém à sua educação e ao seu porvir? Com conse-lhos e advertências, não os conduzem pelo caminhodo bem, fazendo com que apreciem os benefícios dosatos justos, nobres e honestos? Finalmente, não per-doam as faltas de seus filhos, sofrendo muitas vezesmais que eles as conseqüências de qualquer desvio?Como se há de conceber, pois, que, existindo essesentimento de magnanimidade no homem, não tenhade existir, com maior razão e em maior proporção, emDeus? Isso implicaria considerar o homem superior a

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15Diálogo 1 – Singular explicação sobre ...

Ele, e presumir que se equivocou ou foi cruel ou injus-to. Desgraçadamente — é triste confessá-lo —, issoveio sendo admitido desde os primeiros séculos até opresente. Parece mentira que um episódio dessa natu-reza, cujo fundo encerra tão singular ensinamento,não tenha comovido a reflexão de ninguém nos milê-nios transcorridos, e não se tenha percebido jamaissua reprodução em cada família e em cada ser huma-no! Como poderia Deus culpar a Adão, e muito menoscastigá-lo, se esse filho de sua criação não tinha cons-ciência de seus atos? Não; não é possível continuarpensando semelhante coisa. Sobrevindo a maturidadehominal, ocorreu que — e isto é o certo — Deusimpôs ao homem deveres a cumprir; abriu sua mentepara fazê-lo apreciar a realidade e moveu-o a defen-der sua vida contra as inclemências do tempo e os ata-ques das feras. Assim, a piedade divina protegia o serhumano, até que ele pudesse ir compreendendo suanova situação e conseguisse bastar-se a si mesmo.

Dionísio: — A lógica profunda e incisiva que emana de suaspalavras me enche de admiração e perplexidade, che-gando até o mais fundo de nosso ser. Considero queo que acabo de escutar é todo um pronunciamentoirrebatível. Enquanto o senhor falava, eu tinha a sen-sação de estar ouvindo uma peça de defesa, derecôndita origem, destinada a pôr fim a uma calúniaque vinha rodando pelo mundo através dos séculos.Vejo claramente que Adão não cometeu falta algumaque menoscabasse seu gênero, e que, por conseguinte,a humanidade nunca teve por que sofrer as conse-qüências de um castigo inexistente.

Preceptor: — Muitas vezes tenho pensado na enorme transcen-dência desse episódio divino. Cada vez que assisto, nacasa de algum de meus amigos, à expulsão do paraíso,costumo ver representar-se diante de mim, com osmais vívidos coloridos, aquele acontecimento bíblico.Também tenho pensado que, se um pai alguma vez

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16 Diálogos

expulsasse o filho de seu lado, por haver cometidoqualquer falta, ficaria sem coração, porque o filho olevaria consigo. Desse modo, o pai não tardaria em irem sua busca, abraçando-o e perdoando-o.

Dionísio: — Suas magníficas explicações me sugeriram algo, eé o seguinte: ao crerem cegamente e de forma literalna versão das Escrituras, as pessoas dão a impressãode terem ficado como que atadas a uma rocha.

Preceptor: — É verdade. Mas esta nova concepção, mais humanae mais ao alcance de todas as mentes e corações, agoraas libera dela, aproximando-as inevitavelmente dossábios e inexoráveis princípios universais que estabele-cem a relação harmônica das causas com os efeitoscorrespondentes, e a dos fatos com o original pensa-mento inspirador. Só resta agora que cada um, consul-tando a própria consciência, comprove por si mesmo aqualidade das verdades que lhe são dadas a conhecer,por ser a que, indubitavelmente, sem vacilar, conserva-rá ou rechaçará aquilo que se lhe oferecer.

Dionísio: — Esta surpreendente e magistral explicação — per-mita-me a insistência — nos mostra claramente a quedistância nos achávamos do verdadeiro significadodaquele episódio. Queria saber agora se a árvorelogosófica tem alguma relação com a citada.

Preceptor: — Sendo do mesmo bosque, é lógico que sua seme-lhança deva parecer-lhe singular. Sim; a semente daárvore logosófica tem a mesma origem, isto é, aSabedoria Universal. O curioso é que seus frutos, istoé, os conhecimentos transcendentes, dependendo daintenção com que sejam saboreados, tornam-se deli-ciosamente doces ou extraordinariamente amargos: seo propósito é nutrir o espírito, vigorizar a inteligência eencher a vida de estímulos positivos, encaminhando-apara o aperfeiçoamento, seu sabor é cada vez maisagradável; se são ingeridos para manobras mesquinhasou usos indevidos, esses frutos mudam seu sabor, tor-nando-se insípidos e sem nenhum poder nutritivo.

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Flávio: — Sempre temos indagações surgidas de alguns pon-tos do ensinamento logosófico, cuja elucidação é degrande interesse para nós, e, apesar disso, não vem àminha mente, neste momento, nenhuma pergunta devalor.

Sérgio: — Certa vez o senhor nos falou, de passagem, sobredeterminados fatos que ocorrem entre os seres huma-nos, e ainda entre os de outras espécies, repetindo-se ofenômeno até nos astros do firmamento. Refiro-me àinfluência, ao poder e à prerrogativa dos fortes sobre osdébeis, a ponto de sempre vencê-los, submetendo-os àsua vontade absoluta. E tenho pensado, naturalmente,que essa lei do mais forte, vinda talvez de tempos ime-moriais, corresponde em princípio ao instinto selvagemdas feras, alcançando também a criatura humana novigor de sua forma física, de instintos fortes e instruçãorudimentar. Todavia, conforme o senhor disse naquelaoportunidade, tal lei parece configurar outros aspectosmuito mais interessantes.

Preceptor: — Faz pouco tempo, entre os temas de fundo de quetratava, de fato me referi a esse ponto. A lei do maisforte é uma realidade inegável que rege toda aCriação, mas constitui um grave erro atribuí-la exclu-sivamente às forças inferiores da natureza humana ouao indomável instinto das feras.

Diálogo 2A LEI DO MAIS FORTE — SUA INFLUÊNCIA

NA VIDA HUMANA.

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18 Diálogos

Em primeiro lugar, ninguém é mais forte que Deus— supremo Criador de tudo quanto existe noUniverso —, que reserva para si a última instância detodos os fatos e de todas as coisas. Sendo Ele, pois,indiscutível possuidor da totalidade das forças cósmi-cas, devemos pensar que as emprega, logicamente —como tem demonstrado com toda a evidência aolongo de incontáveis milênios —, em ações constru-tivas, usando-as para destruir quando isso obedece,unicamente, a causas que, embora desconhecidaspara nós, são necessárias à evolução dos mundos e detodas as espécies viventes.

Flávio: — E essas causas, por que são desconhecidas paranós?

Preceptor: — Em virtude das mesmas razões pelas quais o serdesconhece muitas outras, e isso enquanto não con-sagre o tempo com que conta a continuados esforçosde investigação, superando seu saber até alcançar oconhecimento daquilo que lhe interessa ou preocupa.

Sérgio: — Então, por que motivo essa lei do mais forte semanifesta habitualmente nos que têm mais força oupodem mais, fazendo com que os menos fortes ou osdébeis experimentem seu rigor de uma forma que eudiria ser arbitrária?

Preceptor: — Nunca se deve julgar pelas aparências. Há seresque abusam de sua força, oprimindo o fraco; isso émuito certo; mas esses, cedo ou tarde, costumam sercastigados pela mesma lei. Tempo mais, tempo menos,uma força superior à deles mesmos os fará experimen-tar o rigor de seu poder absoluto — desta vez para cor-rigir —, destruindo, geralmente, o temerário violador.

Esta sábia lei, nós agora a vamos descobrir emcada uma de suas manifestações universais e huma-nas, ou, ao menos, nas mais proeminentes e, por issomesmo, mais sugestivas. Comecemos pelo exemplomais próximo de suas imediatas possibilidades com-preensivas. Vocês, com efeito, recorrem a mim, como

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19Diálogo 2 – A lei do mais forte ...

nestes momentos, a fim de que eu os ilustre acerca detudo o que ignoram e que, apesar de sua busca, nãopuderam esclarecer em parte alguma. Isto significaque recorrem ao mais forte em busca dos conheci-mentos que os farão fortes por sua vez. Pois bem: comuma análise prévia feita por seu juízo, vocês acatamminha palavra porque ela os convence, jamais por-que eu as imponha, pois isso implicaria contrariar aprópria lei. A força da verdade comunicada é, preci-samente, a que faz inclinar com todo o respeito asmentes dos que a escutam e sentem seu poder cons-trutivo.

Quando um estudante afirma que é ou está forteem História, Matemática ou qualquer outra matéria,não manifesta claramente que a domina? E, antes queisso acontecesse, não precisou recorrer a seus profes-sores — mais fortes que ele — em busca dessa forta-leza ou de seu auxílio? Quem domina tudo quantodiga respeito aos negócios, por exemplo, não é maisforte do que aquele que não tem maior experiênciaem relação a eles? E a lei do mais forte não está pre-sente ali para advertir que o mais capacitado nessaatividade é quem triunfa, vencendo os obstáculos e asdificuldades que detêm e malogram o esforço dosinexperientes? Quando alguém expressa: “Meu forteé a música”, ou “é isto”, ou “é aquilo”, acaso nãodeduzimos disso que, em qualquer ordem de ativida-des, ou em qualquer ambiente (social, político, eco-nômico, cultural, espiritual, etc.), quem mais sabe é omais forte? Logicamente, não na força física, mas naque resulta de seu domínio das situações.

Quem aprende qualquer uma das artes conheci-das deve submeter-se, por disciplina e por lógicoentendimento, aos ditados de quem ensina, por sereste quem possui a força que permitirá àquele apren-der essa arte, devendo, em conseqüência, obedecer-lhe em tudo quanto a ela se refira.

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20 Diálogos

Se, perdidos no meio de uma imensa mata ou emlugares montanhosos, onde é difícil orientar-se, derepente encontramos um guia, mesmo que este pos-sua um saber muito menor do que o nosso ou sejade escassa instrução, nesse momento será para nóso mais forte, e a ele deveremos confiar nossa sorte.Quem se atreveria a discutir com ele sobre a melhorforma de orientar-se? Se tal coisa ocorresse, comoúnica resposta ele diria que, sendo assim, já nãoseriam necessários seus serviços, e seguiria seucaminho.

O mais hábil nos jogos não é considerado tam-bém o mais forte? Não se diz com freqüência quefulano é forte em esgrima, sicrano em golfe ou empólo, ou beltrano em tênis? E não são respeitados portodos os que com eles competem? Nos congressoscientíficos, filosóficos, literários, etc., não acontece omesmo? Aquele que mais sabe dentro do assunto tra-tado ou da circunstância na qual se encontra, é sem-pre o mais forte, indiscutivelmente, por ser, como jádisse, quem domina a situação.

Sérgio: — Muito obrigado, meu bom preceptor; o senhorsatisfez amplamente nossa expectativa, iluminando-nos sobre um assunto ao qual, de minha parte, nãohavia dado a enorme importância que agora, comtoda a clareza, vejo que ele tem. Ofereceu-nos umalição muito proveitosa, e uma vez mais devemosreconhecer, com toda a lealdade, que o senhor é paranós não somente o mais forte, mas também o guiaque, por um caminho seguro, nos conduz rumo àsfontes-mães de onde brota a força universal.

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Javier: — Em alguns dos ensinamentos logosóficos, ressalta-se muito especialmente a necessidade de unir os tem-pos, mencionando-se também o “tempo de metade”.Já procurei compreender o significado desses ensina-mentos, sem encontrar, porém, seu verdadeiro funda-mento. Não concebo como se pode unir um tempo aoutro; a meu juízo, todos são ao mesmo tempo uni-dos e iguais. Será que devo unir o tempo de minhavida ao de minha esposa e filhos? E, em tal caso,como amalgamá-los? Ou se trata, talvez, de tomar otempo que dedico a uma coisa e uni-lo a outra? Mas,sendo assim, seria inútil, pois não vejo em que issopode me beneficiar. Poderia me explicar o conteúdoreal do ensinamento, capaz de esclarecê-lo para meuentendimento?

Preceptor: — Unir os tempos de metade significa que o serhumano, havendo já alcançado uma capacitaçãointelectual adequada, deve ordenar os tempos de suavida, unindo entre si os que são de igual natureza.Acostumando seu espírito a esse ordenamento, terádiante de si a realidade de estar vivendo — conscien-temente, é claro — várias vidas de forma simultânea.

Javier: — Recordo, de fato, ter ouvido o senhor dizer quevivemos várias vidas em uma, mas que, ao ignorarisso, não podemos tê-las na devida conta e as mescla-

Diálogo 3DE COMO ORDENAR OS TEMPOS DE NOSSA EXISTÊNCIA

FÍSICA E VIVER VÁRIAS VIDAS EM SEU CURSO.

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mos numa lamentável confusão. Como sua afirmaçãome parece até certo ponto incompreensível, agrade-ceria muito se o senhor me explicasse amplamentetão original conceito.

Preceptor: — Apesar de você não compreendê-lo, é muito claroe, além disso, de importância fundamental para todoaquele que queira beneficiar-se com ele, pois tem avirtude de levar à comprovação de como foi aprovei-tado o tempo vivido, enquanto ajuda a aproveitarmelhor o futuro por viver.

Javier: — Caso se trate de recordar tudo o que fizemos navida, considero que muito poucos se darão a seme-lhante trabalho; além do mais, isso tampouco inte-ressa.

Preceptor: — Tão pouco valor você dá ao que já viveu, a pontode assim subestimá-lo?

Javier: — Não disse isso expressamente por meu caso parti-cular, mas sim recordando a modalidade geral.Quanto a mim, perdoe-me, mas devo dizer que nãosão suficientes os elementos que o senhor me dá paracompreender com clareza este assunto.

Preceptor: — Vejamos, então. Os tempos de metade, a que mereferi, são os que interrompem a sucessão daquelesde uma mesma espécie. Assim, por exemplo, há emnós um tempo consagrado à família, que deve serinterrompido muitas vezes por aqueles que dedica-mos a nossas tarefas habituais e a ocupações ou dis-trações nas quais a família em nada intervém. Tendoisso presente, se temos consciência da própria vidaem todos os momentos de nossa existência, devemosconsiderar o tempo dedicado à família de um modotal como se essas interrupções não existissem. É o queinconscientemente o homem costuma fazer ao visitarsua amada, quando lhe manifesta ter a sensação deestar sempre junto dela, como se o lapso entre umavisita e outra não existisse no instante de voltar a vê-la. Nada o ilustrará melhor sobre esse particular do

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23Diálogo 3 – De como ordenar os ...

que conhecer a forma como procedo. Ordeno as dife-rentes vidas desta maneira: o tempo que ocupo ensi-nando meus discípulos constitui para mim uma vida,a qual, medindo cada tempo que destino a esse fim,se estende ao longo de toda a minha existência física.Mais ainda, quando me acho entregue a esse gratolabor, é como se jamais o houvesse interrompido, talé a sensação de realidade que experimento. Omesmo ocorre ao unir todos os momentos que dedi-co à minha família: a impressão é de que sempreestou vivendo a vida do lar. Quando escrevo meuslivros, conecto os tempos que ocupo com eles eexperimento a agradável realidade de saber que essaatividade constitui uma das tantas vidas que vivo;vidas que o são de verdade, porque existe nelas aconseqüência metódica, o estímulo direto, a cons-ciência de seu valor transcendente e a força viva queanima e fecunda cada uma delas com novas, variadase mais formosas formas de realização. As viagens quejá fiz e farei, unidas todas no fio da recordação, for-mam também uma vida, como a formam os temposque dedico a minhas meditações ou a meus descan-sos, sem que eu jamais mescle uma vida com outra.Desta maneira, substancia-se em mim o tempo eter-no, e desfruto a existência física com a maior ampli-dão de consciência.

Javier: — Parece-me vislumbrar, ao escutá-lo, a existência dealgum motivo especial para que o senhor nos ofereçaesta originalíssima concepção da vida, mas devo con-fessar que estou ainda longe de alcançar o verdadei-ro sentido ou o “leitmotiv” do assunto.

Preceptor: — Isso não me surpreende; a compreensão dessesnovos conceitos requer um estudo prévio dos conhe-cimentos logosóficos, a fim de que a inteligência nãoatue manejando os velhos elementos de que dispõeaté o presente. Vou lhe descrever, então, uma imagemmais sugestiva. Suponha o seguinte: um escultor tem

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diante de si um bloco de mármore; um pintor, umatela virgem; e um escritor, papéis em branco. Os trêscomeçam a trabalhar; horas mais tarde, suspendemsuas tarefas para fazer outras, inclusive passear. Nodia seguinte, ou tempos depois, eles as continuam,voltando a abandonar muitas vezes seu trabalho poriguais motivos, porém adiantando cada vez mais suasrespectivas obras, até acabá-las. Eu lhe pergunto,agora, se os que contemplam a pintura ou a escultu-ra, ou lêem o livro, têm alguma idéia de que sofreraminterrupções em determinados momentos; e, se assimfosse, parece-lhe possível alguém indicar os momen-tos de interrupção na escultura, na pintura ou na obraliterária? Nem o próprio autor costuma ter consciên-cia disso. Ao se unirem as metades de tempo produ-zidas pelas interrupções, cada obra constitui, então,uma só peça.

Esse mesmo princípio pode ser aplicado, igual-mente, a tudo o mais. Assim, poderíamos unir cadauma das vidas que vivemos, e, ao fazê-lo, apreciare-mos melhor o valor dos tempos que concorrem para aformação de nossa existência. Se também unirmos ostempos em que nada fazemos, por passá-los na fol-gança e em trivialidades, compreenderemos, com pro-fundo pesar, quanto se perde e já se perdeu semnenhum proveito, já que esse tempo, ao não ficarregistrado no haver de nossa vida como algo digno defigurar nos anais da evolução que nossa consciêncialeva a efeito, deve ser considerado como vida nãovivida, isto é, vazia ou morta. Se tratarmos de unir ostempos que um jogador dedica a seus jogos favoritos,assim como o que emprega em pensar neles, veremosque não lhe sobra tempo para dedicar a outra coisafora do que, por obrigação, deve destinar a seu traba-lho diário. O mesmo podemos dizer de outros afaze-res que absorvem todo o tempo do homem, sem resul-tado positivo algum. Estes seres são os que depois se

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25Diálogo 3 – De como ordenar os ...

queixam de sua má sorte, enquanto defendem o direi-to de fazer de suas vidas o que bem lhes apraz; direi-to que ninguém discute, é certo, mas que bem pode-ria lhes servir para enriquecê-las, tornando-se assimmais úteis a si mesmos e à sociedade.

Javier: — Considero muito interessante tudo o que o senhorexplicou sobre a união dos tempos, mas devo insistiruma vez mais, se me permite, no fato de não ter cap-tado ainda a utilidade efetiva desse fato. Por acasonão vivemos de modo igual sem unir tais tempos?

Preceptor: — Aí está o erro, pois não se vive de modo igual,como você pensa. Andam do mesmo modo os negó-cios descuidados e os que são regidos por fiscaliza-ção contábil? Não, certamente, ainda que sejam domesmo tipo e importância. O ser que organiza suavida, ordenando inteligentemente os tempos dela,desfrutará mil vezes mais cada momento que vive,porque, unindo-os instantaneamente com o pensa-mento a trechos de uma mesma natureza, terá, comojá lhe disse, a medida e o valor de cada vida que vávivendo no curso dos anos. Mas uma coisa é certa:para poder realizar a sutura dos tempos similares, sãonecessários, logicamente, conhecimentos que, comoos logosóficos, nos conduzam pela mão.

Esta concepção da união dos tempos dá a enten-der também que todo tempo desconexo de vida, tudoo que se interrompe definitivamente, é vida queempalidece e se esfuma na consciência. Quem nãotenha interesse em enriquecer sua vida espiritual nãoachará, seguramente, razão de ser para essas ima-gens; entretanto, para quem compreenda e avalie emseu justo mérito o ensinamento que lhe dei, sobretu-do depois de havê-lo praticado com êxito, para esseele terá, sem dúvida alguma, um valor imenso.

Javier: — Creio estar incluído no segundo caso, pois pressintoque, ao aplicar este conhecimento tal como o senhorindica, obterei finalmente a compreensão ansiada.

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Próspero: — Não faz muito tempo, o senhor mencionou depassagem a existência de um livro originalíssimo,ainda inédito, que vem sendo escrito por etapas.Como uma obra dessa índole me parece inverossí-mil, eu agradeceria muito um esclarecimento a res-peito.

Preceptor: — O livro a que fiz menção tem a particularidade deser lido mais com o entendimento do que com osolhos. Alguns de seus capítulos serviram de guia amuitas gerações do passado. Não foram poucos osque já o buscaram, mas isso sempre foi em vão, por-que jamais ele foi encontrado.

Esse livro universal é, na verdade, o Livro daCriação. Suas páginas, abertas a todas as menteshumanas desde que passaram a povoar a terra, con-têm recordações e imagens vivas. Gravadas comcaracteres inapagáveis, vão ficando nele as maissublimes concepções dos gênios que existiram nomundo. Algo impede, não obstante, a compreensãode suas maravilhosas páginas.

Próspero: — Presumo que esse algo que nos oculta as imagensdo misterioso livro seja, sem dúvida, a ignorância.

Preceptor: — Talvez seja isso. Mas vamos ver. Quero lhe fazeruma pergunta: por acaso você compreende meusensinamentos escritos com a mesma relativa facilida-

Diálogo 4O LIVRO DA CRIAÇÃO — IMAGENS E

RECORDAÇÕES QUE VIVEM EM SUAS PÁGINAS ETERNAS.

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27Diálogo 4 – O livro da ...

de com que compreende os que lhe dou pessoalmen-te, de forma oral?

Próspero: — Não; claro que não. No escrito há sempre algo quenos faz duvidar de nossa certeza, razão pela qual nãopodemos, na verdade, estar seguros de haver interpre-tado bem. As palavras escritas parecem comprazer-seem nos sugerir várias coisas ao mesmo tempo, a fimde nos confundir. Quando ouço o senhor, sinto, aocontrário, que minha compreensão se abre confiadaao influxo de sua palavra, cuja recordação se tornamuito mais nítida que a da escrita.

Preceptor: — Aí está, exatamente, o mistério se revelando por sisó. Porém, você não me disse, talvez por lhe haverpassado despercebido, que acompanham a palavraescutada, com atraente e singular força, as expressõesda fisionomia, a expressão dos olhos, os gestos, asdiferentes modulações da voz, os silêncios e até oque se sugere mas não se pronuncia, o que em suatotalidade orienta a atenção de quem escuta, levan-do-o a entender sem dificuldade até os mais difíceistemas. Desse modo, as imagens ficam gravadas deforma indelével; mas sobre nenhum papel podem serreproduzidas.

Pois bem; isso não ocorre apenas no campo dogrande saber, mas também em todos os camposonde exista vida humana. Ninguém jamais poderádescrever os íntimos desassossegos de uma mãepara com seu filho, nem as profundas reflexões ou apreocupação de um pai pensando em seu porvir,sem desvirtuar ou diminuir o fundo de grandeza queassiste a esses atos paternais. Jamais se poderáexpressar em frias letras a ternura de um filho aocompreender os sacrifícios de seus pais. Também opranto, quando brota da alma, é idiomaticamenteintraduzível. Pode alguém expressar o profundodrama de um enfermo, ao pronunciar palavrasalheias a este mundo em seus momentos de maior

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angústia? E, no extremo oposto, os instantes de ine-fável ventura — que por algum motivo são assimchamados —, pode a palavra traduzi-los? Pode-seexpressar o que sente o coração humano e experi-menta o espírito em tais circunstâncias? Que dize-mos ao contemplar um panorama de extraordinárioencanto ou ao visitar um lugar maravilhoso? “Oh!que grandioso! Que magnífico!”, ou outras exclama-ções similares; entretanto, seria possível plasmar empalavras a imagem intacta de tudo quanto vimos eadmiramos? Não, não é possível. Poderemos ensaiarmil formas descritivas, mas o ânimo de quem as leiaou escute nunca sentirá nem experimentará asimpressões próprias de quem viu aquilo que descre-ve; para o primeiro, serão tão-só meras referências.Uma coisa é certa: fica-lhe sempre a possibilidadede visitar o lugar descrito e receber ele mesmo aimpressão, como quem vai à fonte de um livro paraler a página que tanto lhe recomendaram.

Assim, pois, o Livro da Criação, que nunca foi edi-tado, vem sendo escrito desde as mais remotas épo-cas. Existem muitos que aprenderam bastante comele; outros, ao contrário, o ignoram por completo,sendo estes últimos a maioria, desgraçadamente.

Próspero: — Apesar de admirável a concepção exposta, não meé dado ainda abarcar o profundo ensinamento nelacontido. Sei que devo esquadrinhar muitas vezes esteassunto antes que ele se revele à minha consciênciaem toda a sua magnitude.

Preceptor: — Naturalmente. Recorde o que eu lhe disse: é olivro das imagens vivas e das recordações. Quis comisso expressar-lhe que não é para ser lido, mas simpara cada um entendê-lo e viver, em sua intimidadeconsciente, a parte que lhe foi destinada.

Acaso não vou escrevendo, eu mesmo, sobre avida de meus discípulos, uma parte desse livro que,em suas recordações, os olhos de seus entendimentos

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29Diálogo 4 – O livro da ...

lêem, enquanto se vão iluminando as imagens dosinstantes em que foram escutadas minhas palavras,ora em reuniões, ora em aulas ou em conferências?Sobre a tela mental de todos vocês não se delineianesses momentos, com perfis por demais eloqüentes,a silhueta do preceptor, ensinando com expressõesplenas de vida, com gestos e movimentos outros quelhes dão a sensação, umas vezes, de que estão sendolevantados em espírito, enquanto em outras, commaior força de expressão no relato, ele faz com quevocês se inclinem consternados, comovendo-os pro-fundamente? Quando ele levanta seus braços, o fatode vê-lo esboçar a imagem de um conhecimento queparece estar contido entre suas mãos não enche vocêsde felicidade?

É nesses instantes, justamente, que escrevo sobre asvidas de todos os que me escutam — fora do que podeser transmitido — essa outra parte que, para a própriarecordação, fica gravada em cada um, tal como fica oque foi visto por nossos olhos e escutado por nossosouvidos, e que — como já os fiz notar — não pode serreproduzido com palavras. A reprodução, seja lida,seja escutada, não pode fazer experimentar nunca assensações próprias da realidade vivida.

Por isso mencionei para vocês o grande Livro daCriação; suas páginas aladas conservam intactos osarcanos da vida universal e da vida humana, vedadossomente à ignorância, que os nega pelo fato de des-conhecê-los.

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Preceptor: — Em diversas oportunidades já lhe falei sobre aimportância do conhecimento do sistema mental edos pensamentos, mas vejo que, apesar de vocêmesmo haver comprovado seu extraordinário alcan-ce, sua eficácia e os benefícios que traz, custa-lhedesprender-se do velho costume de delegar a atosinvoluntários a solução dos menores incidentes davida, e mesmo dos de maior volume. Transcorreminadvertidos, assim, muitos movimentos ou atos desua inteligência, os quais você deveria ter na devidaconta para comprovar até que ponto foi conscientedos próprios acertos ou erros. Contudo, logosofica-mente, isso é imprescindível para assegurar sobrebases inabaláveis o governo de nossa vida. Maisainda: se conservarmos inalterável nossa atitudeconsciente, ou seja, a consciência de nosso sentir epensar em cada instante, de fato vincularemos ànossa vida cada coisa pensada, sentida ou aconteci-da, e não somente na qualidade de recordação, massim num pulsar constante, cuja sensação de compa-nhia, de companhia viva, animada, manteremosenquanto os fatos, as coisas e até as pessoas conecta-das episodicamente a nossas vidas constituam umgrato motivo de convivência, ou nos tornem agradá-vel a existência até mesmo com sua recordação.

Diálogo 5CONCEPÇÃO DAS IDÉIAS — PODER DE CRIAR E

DIREITO À PATERNIDADE ESPIRITUAL.

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31Diálogo 5 – Concepção das idéias ...

Sérgio: — É muito certo que ocorre esse descuido que tão fre-qüentemente nos desvia do epicentro de nossas aspi-rações. Eu mesmo tive oportunidade de verificarcomo os pensamentos nos levam pelo braço por ondeeles querem, tão logo nos encontram desprevenidos,ao nos presumirmos donos de um conhecimento queainda necessita ser consolidado em nós por um usointeligente, para constituir um verdadeiro valor emnossas mãos.

Ante a magnífica exuberância das imagens que osenhor elabora para maior ilustração de minha inteli-gência, sempre me acontecem irresistíveis desejos desuperar sem demora as deficiências que impedemque eu me comporte de maneira mais ajustada aesses novos conceitos, que me proporcionam tão belaoportunidade; mas a falta de vontade para manter oadestramento necessário faz com que me veja sur-preendido, uma e mais vezes, atuando involuntaria-mente, como o senhor bem disse. Entretanto, entendoque, conforme aumente o poder ativo de minha cons-ciência, irei conseguindo uma efetividade maior nouso e aplicação dos conhecimentos logosóficos.

Preceptor: — Nada tenho a objetar ao seu discernimento, ati-nado em todos os sentidos; você mesmo já sentiu anecessidade de ser mais consciente a todo omomento. Satisfaça, pois, essa exigência de seu sen-tir e vai poder observar, em seguida, quão felizesserão os resultados. Proponha-se, por exemplo, criaruma idéia intencionando um fato feliz, como é o deproporcionar à sua vida uma maior amplidão doconceito que sensatamente ela mereça de vocêmesmo. Faça com que sua inteligência trabalhe atéque essa idéia fique concebida, e siga-a em seudesenvolvimento até assistir a seu parto em seu pró-prio presépio mental. Considere, então, os três reismagos do simbolismo cristão como as três forçasque haverão de presidir a seu nascimento: a que lhe

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32 Diálogos

infundiu vida, a que permitiu seu desenvolvimento ea que a conservará.

Como todos os demais, você tem latente essa pos-sibilidade maravilhosa de criar; mas poucos são osque, com virilidade de espírito, fecundam a matrizmental para que nasçam viçosos os rebentos da inte-ligência. Um incontável número de seres renuncia aesse direito à paternidade espiritual, malogrando,assim, uma herança tão sublime. Há também os quechegam a dar à luz idéias bastardas, frutos de conú-bios mentais cujas descendências carregam estigmasque envergonham a espécie. Finalmente, há os que,por desejo, ou mesmo de forma involuntária, conce-bem uma idéia que, logo após ver a luz, ou após can-sativo crescimento, desaparece sem cumprir nenhu-ma finalidade útil.

Que lhe sejam propícias as luzes projetadas pelaLogosofia sobre este ponto, para que você avancecom maior firmeza pelo amplo caminho que lhe mos-tra, a cada passo, tudo quanto o homem pode fazerconscientemente.

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Néstor: — Sempre foi incompreensível para mim o fato tãofreqüente de perdermos as oportunidades que se nosapresentam no curso de nossa vida. Segundo enten-do, no mais das vezes deve ser por incapacidade parapercebê-las a tempo, ou então por ignorância. Porém,esta reflexão não me satisfaz muito.

Otávio: — Considero que esse assunto das oportunidades éuma questão ligada ao acaso, pois geralmentequem tem mais sorte é que as aproveita, a menosque as deparemos por casualidade e não as deixe-mos passar.

Néstor: — Eu não as atribuo tanto ao acaso, embora sejacerto que na correria da vida isso influa em algo. Senos é proposto um negócio que ofereça, por exem-plo, boas perspectivas, e, por desconfiança em rela-ção a ele ou por receio ante quem o propõe, não oaceitamos, e outro se lança a ele obtendo um gran-de êxito, eu diria que num caso é incapacidade e,no outro, sorte para avaliá-lo como mau ou bom.Mas se tenho nas mãos um negócio que não prospe-ra, sem me dar conta de que é por falta de maiordedicação e de energias, desistindo dele justamentequando ia prosperar, terei perdido, por impaciênciae falta de visão, a oportunidade que favoreceu aquem a ele se dedicou.

Diálogo 6O SEGREDO DAS OPORTUNIDADES

— COMO ACONTECEM E SÃO APROVEITADAS.

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34 Diálogos

Otávio: — Na verdade, as oportunidades também costumamser perdidas por descuido, como quando não chega-mos a tempo de concluir uma operação que poderianos ter beneficiado amplamente, ou nos casos emque perdemos totalmente a oportunidade de restabe-lecer a saúde, por termos descuidado dela em dema-sia.

Néstor: — De qualquer modo, parece evidente que todaoportunidade deixa de existir a partir do instante emque é desaproveitada, sendo-me difícil compreendera rigidez com que se manifesta: quando ela se apre-senta, mal dá tempo de perceber isso.

Preceptor: — Segui com atenção o curso de suas reflexões sobreas oportunidades e, com o que vou manifestar, vocêspoderão ver se acertaram ou não.

A primeira oportunidade e, por certo, a mais esti-mável é a que o ser tem ao ter vindo a este mundo,oportunidade que se estende a todo o percurso de suavida. Se ele a aproveita, cultivando a vida e enalte-cendo-a numa constante superação integral, é evi-dente que se beneficiará com essa grande oportunida-de. Mas, como são em maior número os casos emque é perdida, o homem costuma servir-se de peque-nos fragmentos dessa grande oportunidade, aprovei-tando-os, quando a ocasião se lhe apresenta, parabeneficiar uma parte de seu ser, geralmente a materialou física, desprezando outras maiores e mais signifi-cativas, que poderiam servir-lhe para superar suaparte moral e espiritual.

Quando o homem se abandona nos braços doacaso, é lógico que toda oportunidade que aproveite— rara, por certo — obedeça a esse mesmo fator: oacaso. Mas, quando se propõe escalar posições navida, desenvolvendo a trajetória de uma especialida-de profissional, ou quando se esforça para melhorarinternamente, educando-se no exercício de uma cul-tura superior, e aperfeiçoa, num empenho franco e

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35Diálogo 6 – O segredo das ...

constante, as prerrogativas de sua inteligência, semdúvida aproveitará muitas oportunidades, por consti-tuir-se ele mesmo, de fato, em agente direto delas. Asoportunidades deixam então de ser tais para se con-verterem no resultado lógico do esforço realizado. Éo caso, entre outros, do estudante universitário quetem a oportunidade de se formar e exercer a profis-são, e que depois, aperfeiçoando-se, tem uma opor-tunidade a mais: a de ser levado à cátedra e, emseguida, ser convidado por outros países a proferirconferências, elucidar temas de sua competência,etc. É o caso também dos que, tendo-se dedicado auma arte, a uma ciência ou a uma profissão, nelastriunfam por haverem aproveitado os resultados dessadedicação, na qual vão implícitas a observação e aexperiência, e que os demais consideram como opor-tunidades que lhes surgiram.

Está, pois, no próprio homem preparar o campodas atividades para que as oportunidades surjam daspossibilidades que ele mesmo criou; elas se manifes-tam, não há dúvida alguma, quando chega o tempode colher o fruto de seu esforço.

Os que desprezam os estudos comuns, por exem-plo, jamais terão a oportunidade de saber o que outrossabem. Do mesmo modo, os que se encerram em seusdogmas perdem a oportunidade de conhecer as gran-des verdades que a Sabedoria Essencial oferece aosque se aproximam dela com o propósito de cultivar aalta ciência que entesoura, sem se acharem travadospelo preconceito ou por restrições antinaturais.

Néstor: — Agradeço ao senhor este ensinamento extraordiná-rio que, inadvertidamente, já estávamos praticandocom excelentes resultados, sendo um deles a oportu-nidade de escutá-lo pessoalmente, oportunidade quecom muito prazer estamos aproveitando.

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Dionísio: — Gostaria de expressar algo que tem sido matéria deespecial estudo de minha parte.

Preceptor: — Nada mais justo, então. Dionísio: — Tenho observado a assombrosa facilidade com que

modificamos os antigos conceitos — admitidos pornós sem maior análise —, em função dos novos efecundos que agora a Sabedoria Logosófica nos apre-senta. Um deles se refere nada menos que a Deus.Ainda que nos primeiros anos de minha vida eu tenhaadmitido cegamente a dualidade do conceito religio-so que, por um lado, nos apresentava um Deus mag-nânimo e, por outro, um Deus colérico, não passoumuito tempo sem que eu começasse a opor resistên-cia a tais afirmações teológicas, como também à ina-cessibilidade divina, que a tantos já levou ao fanatis-mo dogmático, levando também muitos a uma incre-dulidade limítrofe com o mais obstinado ateísmo.Parece-me também fora de toda lógica a pretensão deinvocar a Deus para que atenue nossos sofrimentosou para obter graças das quais não somos credores.

Preceptor: — A Sabedoria Logosófica conduz o homem, peloscaminhos do conhecimento, para as mais excelsasverdades. Mas, logicamente, o percurso desses cami-nhos impõe a realização de um verdadeiro processode evolução consciente, pois só assim o homem pode

Diálogo 7A PARTE HUMANA DE DEUS

— MODIFICAÇÃO DE CONCEITOS.

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37Diálogo 7 – A parte humana ...

compreender o que constituiu uma incógnita para asua vida.

Pelo fato de o ser humano possuir inteligência,nada mais justo que ele a empregue para discernir, namedida que sua ilustração o permita, sobre as causasou razões que o vinculam a seu Criador, como tam-bém sobre sua atitude consciente ante a compreensãodo que a onipotência cósmica lhe sugere.

Dionísio: — Sempre que escuto o senhor sobre este ponto, per-cebo o profundo respeito e a confiança que suas pala-vras inspiram. A experiência já me mostrou, com cla-ríssima eloqüência, que a Logosofia não impõe seusconceitos; pelo contrário, aconselha a examiná-loscom a mente livre de preconceitos, os quais viciam oentendimento e turbam a razão. Por tal motivo, eu lhepeço que amplie minha compreensão a respeitodesse possível vínculo que o senhor mencionou, ilus-trando-me sobre a forma de levá-lo a cabo.

Preceptor: — Devemos admitir, antes de tudo, por ser um fatocerto, que a espécie humana é uma realidade daCriação. Portanto, essa criação humana não podeestar separada de seu Criador. Ao não estar separadade seu Criador, é preciso reconhecer, com lógico fun-damento, que existe em Deus um poder de transubs-tanciação que lhe permite segregar a substância queanima a criatura humana. E, sendo assim, é precisoreconhecer também a existência de uma parte huma-na no Supremo Criador, e, do mesmo modo, a exis-tência de uma parte divina em todo ser humano,representada pelo poder lúcido de sua inteligência epelos imponderáveis traços de sua excelência moral,superada, por sua vez, pela excelsitude de seus senti-mentos, quando estes alcançaram as máximas expres-sões de elevação espiritual.

Por isso, ao dirigir a Deus nossos pensamentos einvocar sua proteção, consciente ou inconsciente-mente estamos nos dirigindo à sua parte humana,

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38 Diálogos

sensível à nossa natureza. Mas, em tais circunstân-cias, não estará demais que nossa parte divina, à qualsem dúvida Ele haverá de dirigir seu luminoso confor-to, se encontre devidamente capacitada para estabe-lecer esse contato espiritual, tão sublime como bené-fico.

Dionísio: — Estupendo! Penso que estes conceitos, tão grandes,tão humanos, haverão de triunfar sem maior dificul-dade na consciência de todos os homens.

Preceptor: — As verdades se impõem por si sós a seu tempo, istoé, quando cada homem consinta em julgá-las comotais para o bem de sua própria vida.

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Preceptor: — Entre as múltiplas peculiaridades da psicologiahumana, existe uma que oferece muitos motivos paraser examinada, pela impressionante freqüência comque se repete numa infinidade de seres: é a inquietu-de com respeito aos mistérios da Criação e dohomem. Buscam e inquirem por todas as partes, semsaber o que buscam e para que buscam. Tampoucosabem explicar o que é que em verdade querem epara que o querem. Em muitos casos, tem sido aténecessário ensinar-lhes a fazer isso: saber o que é quebuscam e o que é que querem, e ainda saber por quee para que o buscam ou querem, tal é a incipiênciado discernimento em todos os que apresentam acaracterística descrita.

Eustáquio: — É verdade; uma coisa é imaginar ou supor isto ouaquilo, e outra, saber com certeza o que se deseja.Quando tomamos contato com a SabedoriaLogosófica, por exemplo, cobiçamos saber e ter coi-sas das quais ouvimos falar alguma vez, ou que lemosem livros povoados de imagens fantasmagóricas, dealucinantes relatos quiméricos que, ao mesmo tempoque subjugam, parecem incitar nossa tendência àaventura. Outros chegam — ou chegamos, melhordizendo — com pungentes agitações internas, pro-movidas por inexplicáveis fatos que nos aconteceram,

Diálogo 8ENSINAMENTOS SOBRE O CONHECIMENTO TRANSCENDENTE.

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40 Diálogos

desejando descobrir aqui, nas fontes do SaberLogosófico, o enigma de nossos desvelos. Há tambémaqueles que se aproximam com ânimo de curiosida-de, para poderem depois falar como se tudo soubes-sem.

Entretanto, mal nos internamos nos domíniosdesta elevada ciência da vida, prontamente esquece-mos tudo aquilo, para nos preocuparmos com a rea-lidade que se nos apresenta, ou seja, o conhecimen-to causal de tudo quanto anima a vida universal e,por conseguinte, a própria vida. É nesses instantesque começamos a ter consciência de nossos pensa-mentos, de nossas palavras e desejos. Essa circunstân-cia nos faz mudar fundamentalmente a maneira depensar. Ante a própria evidência, não é possível dei-xar de se ajustar a uma realidade que supera emmuito nossa fantasia de ontem; e a supera porque nosfaz ir além do que havíamos imaginado, atendo-nossempre a inalteráveis princípios, os quais, ao modifi-carem nossos conceitos, nos encaminham diretamen-te para o melhor que podemos anelar: a perfeição.

Preceptor: — Muito bem dito. Isso é uma demonstração cabaldo poder construtivo do ensinamento, pois que, aomesmo tempo que destrói esse cenário de vistosadecoração, onde os fantoches da fantasia mental rea-lizavam seu espetáculo permanente, constrói outromais sóbrio e mais real, onde atuarão entes animados— os pensamentos — cujo papel principal consisteem representar, no ser interno, os avanços que vãosendo conseguidos na obra de superação individual.O conhecimento logosófico começa, como você vê,por superar não só o que foi imaginado, mas tambémaquilo que o aspirante à Sabedoria Logosófica nãoimaginou.

Eustáquio: — E outra coisa que surge bem clara ante meu enten-dimento é a de não perseguir metas irrealizáveis, nemaspirar à obtenção de coisas que se esfumam no

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41Diálogo 8 – Ensinamentos sobre ...

momento mesmo de sua posse, por carecerem debases permanentes. Nosso alvo — segundo entendo— há de consistir sempre na realização do grandeobjetivo que move para o superior as forças de nossoespírito e de nossa vontade. Já sabemos que aSabedoria Logosófica nos oferece os elementos maisvaliosos de que podemos ter notícia, a fim de culti-varmos com pleno acerto nossos campos mentais,assinalando-nos, ao mesmo tempo, as perspectivasilimitadas que existem para alcançar o grau máximode desenvolvimento de nossa potencialidade mentale espiritual. Por tal razão, vemos que a conquista deum conhecimento transcendente, ou seja, de umconhecimento logosófico, implica um processo depreparação para que não se malogre a oportunidade— imponderável, por certo — que nos oferece, aopossuí-lo, de ampliar nossa capacidade evolutiva ecompreender, ao mesmo tempo, o direito que nosassiste de ser cada dia mais donos de nosso presentee nosso futuro.

Preceptor: — Esses conhecimentos de ordem transcendente são,de fato, os que iluminam a inteligência humana, enri-quecendo-a com os valores mais inestimáveis. É noprocesso de evolução consciente que cada um apren-de a confiar somente em si mesmo, constituindo issoo segredo do triunfo. Confiar nas próprias forças sig-nifica esforçar-se em manter o equilíbrio biopsíquico-mental, sem que debilidade alguma faça baixar oprato da balança do critério.

Não estará demais recordar-lhe, aqui, uma verda-de que mostra claramente uma realidade inegável: oprocesso evolutivo que a Logosofia preconiza e ensi-na mediante realizações conscientes faz experimen-tar, sentir e apreciar tal realidade, ao se comprovarque na vida de realização consciente, cumprida como auxílio de seus conhecimentos, os anos não sãocomputados como tais para a experiência humana,

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42 Diálogos

pela excelsa razão de que, se um indivíduo de gran-de capacidade e saber realiza em um ano o queoutros demoram dez, vinte ou setenta, esse ano repre-senta, em medida de tempo, o que representam paraos outros os anos requeridos para realizar o mesmoprojeto ou idéia. Disso se infere que, multiplicandonossa atividade e nosso empenho, viveremos melhore mais intensamente a vida, e que o vivido em umano, por exemplo, representará o que para outrosrepresentam dez, vinte ou setenta.

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Laureano: — Todas as vezes que já se falou do “Juízo Final”ou, dizendo melhor, do “Dia do Juízo”, sempre foicostume, por parte das pessoas em geral, olhar essefato, assinalado na profecia apocalíptica, comoalgo tão distante que, embora tenha preocupado amente humana com certa apreensão ou temor noensejo de algum acontecimento inesperado —daqueles que de tempos em tempos ocorrem nomundo —, muito poucos lhe atribuíram a possibili-dade de se cumprir com caráter de consumaçãouniversal. Entretanto, cada religião, por sua parte,se encarregou de incluir em suas prédicas a imagemque tal vaticínio devia sugerir à alma humana, masninguém até hoje tentou formular uma interpreta-ção que pudesse estar ao alcance da compreensãocomum. Agradar-me-ia, pois, saber o que há decerto em tudo isso.

Preceptor: — Quando precisamos abordar temas dessa nature-za, que ultrapassam os conhecimentos comuns atodos, elevando-se acima dos limites do domíniocientífico para escalar até as profundezas do incog-noscível, é imprescindivelmente necessário utilizar-mos sempre, como meio seguro de condução ine-quívoca para o esclarecimento de semelhantesincógnitas, uma lógica imutável, ajustada a uma rea-

Diálogo 9SIGNIFICADO DO “JUÍZO FINAL” SEGUNDO A

CONCEPÇÃO LOGOSÓFICA.

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lidade tal que a mente que segue a trajetória dessaexploração sinta e experimente, passo a passo, àmedida que ascende de um ponto — que deve ser-vir de apoio, por sua consistência e posicionamento— a outro, por via analógica, essa sensação sublimede verossimilhança concedida pela comprovaçãoque se efetuou do fato que se investiga.

Laureano: — Sabemos que o Universo está regido por leis ine-xoráveis, que impõem à Criação a vontade supremade Deus.

Preceptor: — É verdade, mas não é uma imposição arbitrária,nem a elas se deve obedecer cegamente, mas simcom plenitude de consciência. Para todos os seresvivos, desde o infinitamente pequeno até o de maiortamanho, foi instituído um processo genialmentedeterminado por uma rota única, que todos devemseguir até sua meta: a perfeição. Desde o começo atéo fim, este processo se chama evolução.

Quem infringir as leis, quem descumprir a vonta-de de Deus nelas manifestada e se perder na imensi-dão, sujeitando-se à sorte dos desventurados que seidentificaram com o erro, sofrerá as inevitáveis conse-qüências de sua temeridade.

Laureano: — Mas como evitaremos infringi-las, se não temosum conhecimento cabal do mecanismo das leis? Porque, já ao nascer, não trazemos esse conhecimentotão necessário para a vida?

Preceptor: — Olhando do ponto de vista comum, sem dúvidaque isso seria extraordinário; considerando, porém,que o ser humano deve cumprir sucessivas etapas deevolução, nas quais alcançará esse conhecimento,não podemos pensar em tirar-lhe um mérito que eledeve conquistar com seus próprios esforços.

Decididamente, a criatura humana, apesar depossuir uma completa estrutura física e orgânica, é,no que diz respeito à sua constituição mental e psi-cológica como entidade consciente e espiritual, um

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45Diálogo 9 – Significado do ...

ser em formação. Por outro lado, é tal a quantidadede obras que deve realizar por imperioso mandatode sua especial natureza e pelas inumeráveis prer-rogativas que suas possibilidades mentais lhe con-cedem, que, obrigatoriamente, tem que cumprircom todas as exigências impostas pela realizaçãodesse grande processo chamado evolução, se nãoquiser perecer ou, mais claro ainda, desaparecer davida universal como a privilegiada entre as espé-cies, e como um ser destacado nas funções que lheconcernem como colaborador do pensamentosupremo em suas diversas manifestações mentais efísicas.

O homem deve se dar conta de que o objetivo desua existência não se reduz a comer e dormir, poisisso implicaria viver na mais obscura ignorância ecolocar-se ao nível da animalidade. Aquele que aspi-re a ser algo mais do que é, e ainda mais: a ser ohomem concebido pelo pensamento original e supre-mo, tem de compreender que o conhecimento é ocaminho único e inconfundível para conseguir umasuperação ascendente até o máximo concedido ànatureza humana, e dessa posição deverá abrir, comseu próprio entendimento e suas próprias forças, asportas que dão acesso ao reino dos grandes, ondejamais poderão penetrar os ignorantes, nem os tolos,e tampouco aqueles que vivam à margem dessa rea-lidade universal.

Laureano: — E que relação tem tudo isso com o Juízo Final? Preceptor: — Tem, e muita, como você pode observar seguindo

a ordem das causas expostas. Para a espécie huma-na, o Juízo Final jamais poderá ser a culminaçãocatastrófica em que se deva estatelar o destino detodos, sem exceção. No homem, a presença do espí-rito, separando-o da animalidade, constitui a maisabsoluta garantia de que seu juízo deve ser indivi-dual, não em massa.

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46 Diálogos

Laureano: — O que o senhor acaba de me dizer constitui todoum alento para a alma, sempre temerosa da chegadadesse dia fatal.

Preceptor: — Seguindo agora, à luz da lógica, a explicação quevocê solicitou, devo lhe advertir, sem mais demora,que esse “Juízo Final”, tal como a mente comum oimagina, é um mito. O juízo divino está aberto desdeque existem consciências a serem julgadas, e não seencerrará até que Deus assim o disponha. Pensar queas almas, ao deixarem a terra, deverão esperarmilhões de anos para serem submetidas a esse juízo,é admitir a hipótese mais absurda. Nada pode ficarparalisado ou inerte, e muito menos os seres em evo-lução. Que pode interessar a Deus o que tenha feitouma criatura humana há cem mil anos? O mesmoque ao homem interessaria aquilo que seu cachorrotivesse feito vinte anos antes, ainda estando vivo; enem se diga o que pudesse ter feito uma incômodaformiga, ao ter podado suas plantas fora do tempo.

Muito ao contrário do que se pensa, é esse umTribunal supremo e incorruptível. Ali as almas são jul-gadas individualmente, de época em época, numarigorosa classificação por tempo e realização.Reunida a Magna Assembléia, formada pela augustae soberana corte celestial, aparece Deus no SupremoTrono da Justiça. Como defensores, assistem nesseTribunal os grandes espíritos que encarnaram na terra;os que nela foram gigantes em sabedoria; aquelescujos nomes todos conheceram e respeitaram. Emoutras palavras, todos os que assumiram graves res-ponsabilidades históricas, guiando povos e raças.

Cada um assume a defesa das almas que habita-ram o mundo em sua época. Acusam e defendem aomesmo tempo, e a palavra que emitem, esta é a queDeus julga, porque é sua própria voz falando atravésde seus filhos mais amados. Assim, inspira misericór-dia o pensar na candidez de tantos que crêem que,

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47Diálogo 9 – Significado do ...

pelo menos no Juízo Final, poderão ver a Deus, semterem feito nada para obter tão magna graça.

Esse juízo está aberto desde o princípio, e não éfinal, a não ser para aqueles que são julgados defini-tivamente.

As leis universais existem para condenar ou absol-ver. As almas que não queiram cumprir um destinopenoso, purgando instante após instante suas faltas,haverão de dispor-se a deixar de ser o que são e enca-minhar seus passos para a aquisição de um desseslugares que os grandes ocuparam aqui e ocupam lá.É a única forma de deixar de ser pequeno, isto é, umdos tantos seres em quem ninguém repara, apesar defigurar entre os homens.

Laureano: — Interessante exposição! É fácil entender, agora, aadmirável configuração das leis, atuando sobre ascriaturas humanas e regendo todos os seus movimen-tos, desde o princípio até o fim de suas existências.

Preceptor: — É assim mesmo; por isso, o homem deve e podeemendar-se, corrigir seus erros e aperfeiçoar-se, paraalcançar a maior das venturas: ser julgado entre osmelhores.

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Feliciano: — Sempre me chamaram a atenção essas cenas sin-gulares, próprias das despedidas motivadas por umalonga viagem, por partidas para a guerra, separaçõesirreparáveis, etc. Naturalmente, procuro explicar paramim essas circunstâncias, que em certas ocasiõesassumem contornos dilacerantes, com a reflexão deque, em tais momentos — de viagens a terras distan-tes, ou partidas para a guerra —, teme-se não ver maisa quem se afasta e, reciprocamente, a quem fica, sen-timento este que surge, como um augúrio triste, tur-vando com lágrimas os olhos e inundando o coraçãode pena. Quanto às separações irreparáveis — casosde morte —, eu as explico pelo vazio que deixam emnossa vida e pela dor que semelhantes perdas ocasio-nam. Apesar disso, presumo que exista por detrás des-ses fatos um enigma em que não consigo penetrar.

Preceptor: — Nos protagonistas dessas cenas se pronuncia, comefeito, uma impressão de indescritível força evocati-va, que comove suas fibras mais profundas. É nessesmomentos, precisamente, que cada ser humano tema sensação de experimentar o desprendimento dealgo que antes — quando formava parte de sua vida,digamos assim — nunca havia sido valorizado comono momento da separação, quando foi apreciado nomais alto grau. É nesse amargo transe, pois, que o ser

Diálogo 10A IMANÊNCIA DIVINA QUE SE SENTE DE SEMELHANTE PARA

SEMELHANTE EM DETERMINADAS CIRCUNSTÂNCIAS

— NECESSIDADE DE COMPREENDER MELHOR O VALOR

DOS AFETOS HUMANOS.

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49Diálogo 10 – A imanência divina ...

se vê turbado por todo o rigor de uma realidade a queantes permanecera insensível. Essa realidade repre-senta o completo esquecimento, a indiferença ou amonotonia em que havíamos incorrido com respeitoa seres estreitamente vinculados a nós, experimentan-do e exteriorizando nesses breves momentos da vida,muitas vezes excepcionais, a intensidade de um afetoque mantivemos silenciado dentro de nós. Essa reali-dade pareceria nos assinalar também os valores e vir-tudes que não soubemos estimar na pessoa amada,passando por nossa mente a imagem de quantodevíamos ter feito para que esse amor ou esse carinhoprofessado tivessem feito mais feliz a criatura da qualnos separamos. Na verdade, sente-se em tais casos,de semelhante para semelhante, a imanência do divi-no. Desfilam ali, auspiciadas por mil recordações, ashoras felizes ou desditadas vividas em comum, bemcomo os afetos e obséquios mutuamente prodigados,e com tanta freqüência esquecidos.

Tudo isso se acentua até o paroxismo nas separa-ções definitivas. Durante esses instantes, tão solenespara a alma humana, pensa-se sempre o melhor queé dado pensar a respeito do que foi e fez em vidaaquele que partiu, sendo-lhe piedosamente perdoa-dos os erros. Fosse possível reter o ser querido, o quenão se daria nesses momentos!

Não obstante, esse fato constitui uma das grandesexperiências que, reproduzida através dos séculos, ahumanidade ainda não compreendeu. E não a com-preendeu porque nunca lhe ocorreu pensar que, alémdo fato em si, ela encerrava um ensinamento quetodos os seres deviam captar.

Feliciano: — A explicação que o senhor está dando me satisfazmuito, porque descobre para minha inteligência umdetalhe de inestimável valor: a magnitude do concei-to que nos merece o ser querido nesses instantessupremos. Porém, ainda fico por entender em que

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50 Diálogos

consiste o ensinamento mencionado, pois penso quejá deveríamos corresponder a ele com nossa com-preensão.

Preceptor: — O ensinamento efetivamente se descobre se pen-sarmos que, na quase totalidade dos casos, os seresunidos por afetos familiares ou por vínculos de ami-zade raramente prodigam entre si o sentimento deestima tal como corresponderia, de conformidade,naturalmente, com a qualidade do vínculo que osune. Esse afeto ou estima se acentua às vezes porrazões excepcionais — doenças, desditas, prazeres,etc. —, mas, com não pouca freqüência, promo-vem-se distanciamentos, produzidos pela intempe-rança, pelos desentendimentos e desavenças, tãocomuns na vida familiar. Como se concilia, então, aexaltação do sentir no instante das separações coma quase indiferença demonstrada antes do aconteci-mento?

O ensinamento se mostra agora bem claro aoentendimento: pensemos que a qualquer momentopode acontecer essa classe de separações, e com-portemo-nos como se na verdade fossem ocorrer,isto é, evitando as intemperanças, os desentendi-mentos e as rixas com o ser querido, e procurando,ao contrário, que nossa companhia lhe seja sempregrata. Atenuemos suas faltas e propiciemos nele osmesmos propósitos e sentimentos. Se o transe peno-so chegar a produzir-se, nós nos sentiremos maisreconfortados ao pensarmos que fomos, em todosos momentos, coerentes com o afeto que por elesentimos. Isso evitará tardios arrependimentos, quenada remedeiam. Quando este ensinamento forcompreendido e alentar a vida daqueles que o rea-lizem, seguramente haverá mais bondade nos cora-ções humanos.

Feliciano: — O mesmo penso eu, sem a menor sombra de dúvida.

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51Diálogo 10 – A imanência divina ...

Preceptor: — Por isso, insisto, e insistirei sempre, para que secompreenda o grande ensinamento surgido dessesfatos: se a realidade de supremos instantes nosdemonstrou a existência em nós de possibilidadesque haviam permanecido estáticas, comportemo-nosde acordo com nosso sentir e pensar, sem mesquinharo saudável e benéfico ato comunicativo que a almatanto agradece, e que tão grato se torna a quantos for-mam o círculo de nossos afetos. Mas isso somentepoderá ser conseguido, na mais ampla medida, sediariamente pensarmos que nós ou eles, nossos seresqueridos, haveremos de partir instantes depois, talvezpara não nos vermos mais.

Quão mais felizes haverão de ser as horas de nos-sas vidas se, adotando tal conduta, deixarmos de sercruéis com nossos afetos, e, com delicadeza de espí-rito e expressões discretas de nosso sentir, os prodi-garmos, hoje e sempre, sem essas restrições que asreservas do caráter antes haviam imposto.

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Cirilo: — Por que acontece, em relação aos conhecimentoslogosóficos, que, apesar do entusiasmo que nos des-pertam, nós os perdemos ou esquecemos, justamentequando já acreditávamos que nos pertenciam, porhavermos captado o profundo conteúdo de seus ensi-namentos? Outras vezes, ao contrário, parece que seadentram pela nossa vida, e experimentamos, então,o prazer de contar com eles tão logo os evocamos emnossa mente para ampliar as perspectivas do próprioentendimento. O que influi para que isso ocorra e oque se deve fazer para evitar a primeira ocorrência?

Preceptor: — Não estranho em absoluto a pergunta que vocêformula, por se tratar de um episódio muito freqüen-te na vida dos que habitualmente recorrem às fontesdo Saber Logosófico.

Muitas vezes, comparo os conhecimentos trans-cendentes da Logosofia a pássaros que nascem evivem bastando-se a si mesmos nos domínios da cria-ção logosófica. Sucede que, quando uma dessas for-mosas e delicadas existências aladas se deixa apanhardocilmente por quem anseia possuí-la, este a encerraimediatamente em sua gaiola mental e, pelo simplesfato de sabê-la em seu poder, se esquece de dispensar-lhe os cuidados atenciosos que toda avezinha carentede liberdade tanto requer. Ocorre, então, que ela se

Diálogo 11A IMAGEM DO PASSARINHO NO ENSINO

DOS CONHECIMENTOS TRANSCENDENTES.

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53Diálogo 11 – A imagem do passarinho ...

torna arisca, ferindo-se contra as grades de sua prisão,ou seja, da inércia mental. Tracei para você esta ima-gem porque ela representa o caso daqueles que, semainda se acharem em condições de compreendê-los,exigem que se lhes dê conhecimentos que depois nãosabem valorizar e, menos ainda, aproveitar.

É curioso observar também aqueles que exibem oconhecimento transcendente, oferecendo-o aos olha-res alheios como se fosse um pássaro embalsamado,desprovido do encanto que a vida lhe dá, como umapeça de museu de estranha raridade, sem sequer sus-peitar o singular valor da espécie a que pertence, nemsua utilidade, quando, vindo até nossos domínios,destrói, como fazem as simpáticas gaivotas, os insetosdo campo mental, pousando sobre a terra removida epronta para uma nova semeadura. Temos, porém, denos afastar dessa analogia para destacar uma diferen-ça importante, e é que a ave mental, apesar de cum-prir aquela engenhosa tarefa, transporta em seu bicoa incorruptível semente do saber.

Cirilo: — O que mais me chama a atenção é a riqueza derecursos que a Sabedoria Logosófica possui paraapresentar, com simplicidade e clareza, o fundo detão elevada doutrina. Considero ser, fora de todadúvida, um novo e formidável método didático queirá robustecer vigorosamente os adotados pelo ensinocorrente.

Preceptor: — Na realidade, o que define o método logosóficonão é sua apresentação, senão a força do conheci-mento que dá vida e movimento às imagens que sesubstanciam nos ensinamentos. A diferença de con-teúdos entre estas e as comuns é o que constitui suaoriginalidade.

Cirilo: — Peço que não repare se o interrompi enquanto pin-tava com depurada policromia verbal tão interessan-tes quanto atraentes temas. O senhor vai adicionaralgo mais ao que foi dito?

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54 Diálogos

Preceptor: — Sem o menor inconveniente, já que se multiplicamas imagens que matizam, com expressão análoga, opensamento escolhido, representando novamentepara nós o conhecimento transcendente como umterno passarinho que o incipiente investigador daLogosofia recebe do criador para cuidar e que, àsemelhança do que as crianças costumam fazer, aper-ta-o em demasia entre as mãos, por temor de queescape, e, em conseqüência disso, ele morre asfixia-do. Há ainda os que, por vê-lo de pronto bem emplu-mado e cantando, embucham-no com alimentosimpróprios, e tanto o manuseiam que terminam comsua vida.

Outras aves têm melhor sorte — e isto viria aexplicar o segundo caso de sua pergunta —, ao caí-rem em mãos inteligentes que sabem tratar delas comespecial cuidado. Desse modo, sentem-se à vontade;logo vestem suas preciosas plumas e, familiarizando-se com seu criador, fazem-no ouvir seus melhores emais doces trinados. Assim ocorre com o conheci-mento quando acha quem o compreenda e lhe prodi-galize, com entusiasmo e alegria, a solicitude e preo-cupação que sua elevada natureza exige, índicecaracterístico de tudo o que se faz com amor. Estetambém faz escutar seu maravilhoso canto, desper-tando na alma ecos supremos de insuspeitadas ânsiasde superação. A seu chamado, emergem as forçasadormecidas do espírito, de estáticas convertidas emdinâmicas. Uma nova luz se acende na mente e,enquanto o coração enternecido se enche de espe-rança, afloram as idéias e projetos que movem a inte-ligência, animando toda a vida mental.

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Renato: — Como poderia eu, em meu afã de aperfeiçoa-mento, alcançar rápidos progressos? Algumasvezes, quando vislumbro a proximidade de algoque antes me parecia inalcançável, sinto uma ale-gria indescritível; já em outras, pelo contrário, pare-ce que a inércia como que me arrebata o entusias-mo, invadindo-me um decaimento que nem sempreposso vencer.

Preceptor: — Isso obedece ao fato de você ainda viver à mercêdas flutuações do ambiente mental externo. Esquece,por acaso, que antes de alcançar o elixir da Sabedoriaé preciso sentir as amarguras da ignorância? Vocêsabe muito bem que nunca se chega a ser forte semantes haver experimentado as angústias da debilida-de.

Renato: — É isso, justamente, o que estou sentindo; daí minhaansiedade.

Preceptor: — Organize, então, as atividades de sua mente, paraempreender sem demora as tarefas próprias de seuaperfeiçoamento.

Se você se propõe seguir o caminho do conhe-cimento, trate então de não ser surpreendido porpensamentos que contrariem essa determinação.Esteja sempre vigilante, para que seus esforços nãodependam tão-somente de um fragmento de entu-

Diálogo 12ENCAMINHANDO PARA A REALIZAÇÃO DO

PROCESSO DE APERFEIÇOAMENTO.

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siasmo ou de um instante de veemência, e sejamoderado no emprego de suas energias internas,fazendo com que atue sua vontade inteligentemen-te dirigida.

Renato: — Considero estes ensinamentos como ouro potávelou água lustral que acalmam nossas inquietudes e,ao mesmo tempo, como elementos imponderáveispara nossa renovação, pela verdade no amor e peloamor à verdade. Compreendo que devemos tornarnosso o sopro vital que contêm, por ser ele um elixirda eterna juventude. Só assim poderemos dar aocorpo o frescor juvenil incorruptível e, ao espírito, avirilidade que ele tanto necessita para triunfar sem-pre contra o mal.

Preceptor: — É verdade; mas escute e compreenda que as pala-vras que lhe dou como conselho não devem seresquecidas, pois são como sinais que irão iluminan-do seu caminho. Se você enriquece o coração comesse ouro potável, que é faia perfumada, de umabeleza sem igual, poderá convertê-lo em recinto desossego e ternuras infinitas.

No sacro ofício da realização, você poderá cele-brar, com seus mais íntimos e familiares pensamen-tos, o verdadeiro culto grato a Deus, por ser oferendapurificada.

Quando o homem, após muito andar em busca daverdade, cuja essência desconhece, consegue final-mente encontrar o caminho que o conduz a ela e,além disso, também o guia, experimenta uma plácidaalegria, que aumenta progressivamente na razão dire-ta de sua convicção, cada vez mais sólida à medidaque a evolução consciente o faz sentir os extraordiná-rios benefícios que recebe.

Renato: — Percebo que devemos ser fortes para não cair natentação das hortaliças do Egito, e da mesma formanosso coração deve estar sempre pronto e alegre parareceber seu maná.

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57Diálogo 12 – Encaminhando para a ...

Preceptor: — À medida que se for produzindo seu despertar, eulhe irei ensinando a viver nesse outro mundo onde opensamento adquire sua prístina pureza; paulatina-mente, enquanto você se for recolhendo em simesmo, vivendo no externo o estritamente necessá-rio, verá como em seu interior se operam os câmbiosque a nova arquitetura psicológica inevitavelmenterequer.

O gradual desenvolvimento dos sentidos, pelasnovas possibilidades que se abrem aos órgãos de sen-sação interna, encerra um dos característicos sinto-mas da evolução consciente, como seria igualmenteum sintoma determinante de atividade visual a com-provação do cego que, pela primeira vez em sua vida,começa a distinguir os objetos que o rodeiam; num enoutro caso, a alegria que se experimenta é idêntica,a julgar pelas exclamações espontâneas dos agracia-dos.

Renato: — Certamente; já comprovei a sua saudável e benéfi-ca influência sobre meus pensamentos e meus senti-mentos. Observei os câmbios que o senhor sabiamen-te me descreveu e notei como a mente, antes circuns-crita às preocupações de ordem externa e com mirasgeralmente egoístas, aumentou sua capacidade decompreensão. Não vou esconder tampouco que, gra-ças a essa constante experimentação a que o ensina-mento logosófico nos impele, fui adquirindo umanelo mais real e consciente de ser melhor, superan-do minhas condições, ao mesmo tempo que pratico acaridade com verdadeiro conhecimento de causa.Nem sempre, porém, me é dado interpretar devida-mente a palavra do saber. Devo fazer, às vezes, verda-deiros esforços meditativos para alcançar seus profun-dos significados.

Preceptor: — Para o ser que não superou sua consciência, aspalavras ficam sobre o papel convertidas em cadáve-res, pois a mente comum, que inverte com muita fre-

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qüência as imagens, faz o que é vida verdadeira pare-cer inexpressivo, como algo inerte. Isso chega a talponto que, em muitos seres, essa mente se assemelhaa uma hiena — sinônimo de fera —, porque só se ali-menta de cadáveres. Também é uma Babel, por ser apersonificação da Babilônia.

Renato: — Isso é interessante; cada palavra parece conter ummundo de sugestões que nos convida a pensar e adescobrir os inestimáveis tesouros do saber.

Preceptor: — Não obstante, você deve desprender suavemente,com sua inteligência nutrida e preservada pela letraviva da Sabedoria, a película que envolve as palavras,sem fragmentá-la.

Nos preceitos que Hermes perpetuou em suaadmirável Tábua de Esmeralda, está indicado que aobediência à lei ampara o futuro depositário das ver-dades eternas contra todo mal; e se ele não obedecere deixar de nutrir seu espírito com o sangue imaterialque conduz a nova linhagem até seu ser, será cortadoo cordão umbilical por onde o novo ser se alimenta,sendo isto o mesmo que destruir a fecundação.

Renato: — Entendo que quem não obedece à razão que o ilu-mina, torna sua terra infecunda, e a chuva já nãopode penetrar nela, porque sua superfície se cobre deuma camada argilosa e resvaladiça.

Preceptor: — De fato; convém agora recordar que a borboletasorve o néctar das flores de sua preferência, cativan-do quem a vê, mas a crisálida deve permanecer quie-ta, em silêncio, até finalizar seu processo de transfor-mação.

Renato: — Compreendo que a obediência se fundamenta nadisciplina e também no princípio de acatamento inte-ligente do inferior ao superior, pois o contrário seriasubordinação forçada. Esse cordão umbilical de queo senhor me falou, eu o interpreto como o vínculo deunião entre a Mente Cósmica e a mente humana. Daíque a nova vida que se organiza no ser deva seguir

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59Diálogo 12 – Encaminhando para a ...

um processo perfeito de iluminamento, ou seja, ini-ciar-se nas altas concepções da Criação.

Preceptor: — Tenha presente também que as flores nascem naponta dos talos, e as frutas no alto dos galhos. Paraalcançá-las, devemos levantar nossas mãos.

Renato: — É verdade, mas também há flores modestas e frutasque estão no baixo, na altura dos pés.

Preceptor: — Para colhê-las do solo, por acaso não devemosinclinar com reverência nossa cabeça, pousando ojoelho na terra?

Renato: — Nada me ocorre dizer diante de seu eloqüenteensinamento.

Preceptor: — Não esqueça, então, que, dependendo da manei-ra como você vir a verdade, perceberá seu oculto sig-nificado, e também que, do modo como a perceber,poderá vê-la em toda a sua magnificência.

Tome, pois, em suas mãos a argila macia e come-ce desde agora o labor, modelando o arquétipo dessaimagem à qual você quer se assemelhar.

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Preceptor: — Abordaremos hoje um tema que, sem dúvida algu-ma, haverá de ser muito grato para vocês, principal-mente porque extrairão dele singulares deduçõespara enriquecer seu acervo consciente.

Feliciano: — Ao nos falar com encantador enlevo das maravi-lhosas concepções de sua mente, o senhor faz comque sempre experimentemos um deleite extraordiná-rio. Portanto, pressinto que esse tema nos deixará,como de costume, absortos em profundas medita-ções.

Preceptor: — Você não está equivocado, mas desta vez deverãoprestar a máxima atenção, para que lhes sejam pro-veitosas as imagens que vou apresentar.

Fixem bem, agora, a visão mental sobre todosaqueles seres que nunca levam seus atos na devidaconta. Para eles, é sempre eventual o que farão ama-nhã, se difere daquilo que por rotina se repete aolongo de seus dias. São vidas estéreis as suas, vidasque jamais fecundam nenhuma idéia útil para elesmesmos nem para o bem comum. Como atuam,como se movem esses seres? Observem-nos bem; àsua volta e até mesmo dentro deles há um vazioangustiante. Em nada sério pensam. Consomem suashoras divagando ou distraídos em mil coisas vãs,quando não as gastam num lascivo deixar-se estar, ou

Diálogo 13DE COMO SENTIR O TEMPO ETERNO EM SI MESMO,

APROVEITANDO-O PARA REALIZAR VÁRIAS OBRAS A UM SÓ

TEMPO — SUA APLICAÇÃO PRÁTICA AOS DELEITES DO

ESPÍRITO, COM A PERSPECTIVA DE OPORTUNIDADES

FELIZES A DESFRUTAR NO AMANHÃ.

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61Diálogo 13 – De como sentir o tempo ...

buscando com febril empenho alguma diversão parafugir de seu próprio enfado. Pois bem; quantos seacham nessas condições?

Feliciano: — A meu ver, seu número é tão grande que abarca osconjuntos mais abundantes da espécie, e não vejo —nem consigo pensar — como poderá modificar-seessa situação criada, que de tão longe vem. Suasestruturas psicológicas são endurecidas por costumesinveterados, e seus temperamentos, rebeldes a todaemenda individual.

Preceptor: — Não responderei neste momento à sua pergunta,para não nos afastarmos do tema, mas ao final daexposição talvez eu considere oportuno referir-me aesse ponto. Dirijamos agora nossas vistas para umoutro conjunto de seres, que, com maior preparo, seempenha no cumprimento dos respectivos deveresprofissionais. Vejamo-los imersos em tarefas fatigan-tes, cuja transcendência não vai além da satisfação dodever cumprido e das prerrogativas de um bem-estarpresente e futuro. Os homens de ciência, por seuturno, realizam seus esforços ajustando-se a um rigo-roso método, de acordo com o qual conseguemacompanhar os avanços em cada labor empreendido,sendo muitos os esforços dessa ordem que já tiveramrepercussões felizes em benefício da humanidade;entretanto, apesar do trabalho humanitário que uns eoutros possam ter realizado, nada induz a situarmosseus esforços no quadro hierárquico das idéias emeios transcendentes. Vou ser mais conciso: supo-nhamos que a descoberta de um homem de ciênciabeneficie, de fato, a seus semelhantes, ao imunizá-loscontra tal ou qual doença, ou ao proporcionar-lhesum avanço material proveniente, por exemplo, de umgrande invento. Pois bem; o homem desfruta dessadescoberta ou desse invento, mas permanece alheioao conhecimento vivo que culminou com aquela ousubstanciou este último. Não há, pois, transcendência

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para o foro interno dos seres em si. A consciênciaindividual, ou seja, o homem como ente consciente,sabe da existência de tal contribuição, porém nãoenriquece a si mesma; portanto, o fato carece detranscendência para sua evolução. Ao contrário disso,todo conhecimento que lhe é transmitido para seuaperfeiçoamento na ordem das conquistas do espíritoé, ao juízo logosófico, de verdadeira transcendênciapara o ser individual, desde o momento em que ocapacita para realizar um esforço de natureza análo-ga, subtraindo-o assim do conjunto, que só vive àsexpensas do que fazem os demais, beneficiando-seegoisticamente, sem seguir o exemplo daqueles queservem com suas idéias e afãs ao progresso da huma-nidade.

Logosoficamente, aconselha-se adotar uma atitu-de invariável nas tarefas que ocupem nosso tempo,com vistas a uma ordem transcendente. No que mediz respeito, costumo ter diversos trabalhos em exe-cução. Reparto assim meu tempo, dedicando minhaatenção a uns e a outros por turnos. Ao terminaralguns deles, preparo sem interrupção outro novo queos substitua, pondo sempre, em cada um, algo deminha própria vida. Desse modo, na alma de cadatrabalho que projeto e levo a cabo, eu mesmo estouvivendo. Realizo-os em conjunto e de forma simultâ-nea, e essa mudança de uma atividade por outra servede solaz e de reforço para meu ânimo e meu entusias-mo no prosseguimento das demais. Se em qualqueruma delas tropeço com alguma eventual dificuldade,continuo com as outras sem perdê-la de vista, atéencontrar a solução. Desse modo, aproveito meutempo integralmente.

Feliciano: — É por demais interessante essa forma original deencarar as coisas. Porém, que necessidade eu teria deiniciar várias coisas ao mesmo tempo, caso somenteuma delas me interessasse, por exemplo?

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63Diálogo 13 – De como sentir o tempo ...

Preceptor: — Em seu caso, não cabe outra perspectiva, pois onúmero de conhecimentos que você possui não basta,pelo que parece, para requerer de sua inteligênciauma atenção e uma preocupação maiores. Não seencontram no mesmo caso, pois, aqueles que podematuar folgadamente, e não por necessidades materiais,mas sim por exigências de seu próprio espírito.

Ergasto: — Se o senhor me permite, gostaria de expor meupensamento a respeito.

Preceptor: — Com muito prazer. Ergasto: — Compreendo que, indiscutivelmente, existe uma

apreciável vantagem na realização simultânea devárias tarefas, mas não descobri ainda a causa que,segundo pressinto, se oculta por detrás do fato em si.Não compreendo o porquê desse afã por fazer váriascoisas quase que a um só tempo, sobretudo se consi-derarmos que são de caráter transitório e que, portan-to, se não as fizermos assim, o resultado será o mesmo.

Preceptor: — Vou lhe explicar o aspecto desta questão que vocêainda não compreendeu. Se considerássemos quetudo é transitório nesta vida, ela, como é natural, nãoteria sentido, por carecer de posteridade. Mas não éesse, precisamente, o caso que estou destacando. Eu,por exemplo, sinto a eternidade dentro de mim; e asinto porque sei que, embora a matéria seja mutávele se desvaneça absorvida pelo misterioso lampejo damorte, o espírito, e tudo quanto a ele esteja vincula-do, sobrevive no eterno. Por isso, é particularmentegrato e valioso para mim encarar todas as coisas domeu ponto de vista eterno, e com isso consigo nãome deixar jamais aprisionar pela violência que ostempos transitórios sempre trazem consigo. Muitosfazem o contrário e, convencidos de que nada perdu-ra, sorvem com premência até a felicidade que de vezem quando alcançam. De minha parte, devo expres-sar-lhes o seguinte: os momentos felizes que vivo,todos me pertencem; e me pertencem porque sou

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consciente de que eu mesmo os criei com minhapaciência e meu saber. Em conseqüência, e seguindoa mesma norma, preparo um labor que me fará felizem determinada data; quando esse tempo chega, des-fruto a felicidade que eu mesmo preparei e, dessemodo, combino uma constante sucessão de datas feli-zes ante o futuro que devo viver.

Porém, há mais: nunca desfruto a felicidade deforma mesquinha ou egoísta; sempre há aqueles quea compartilham, e a eles ensino que, por sua vez,façam o mesmo.

Acrescentarei, ainda, algo ao que dissemos: nuncaesgoto o prazer ou a dita de um dia venturoso; agrada-me mais distribuí-lo ao longo de muitos dias, esten-dendo-o também na recordação, como uma homena-gem de gratidão a esses instantes tão excepcionais denossa vida. Vejam se os demais — inclusive vocês —fazem o mesmo. O comum é desfrutar a felicidadeesquecendo completamente que é um dever conser-vá-la sem fazer murchar sua inefável virtude.

Ergasto: — Eu lhe agradeço, amável preceptor, o magistralensinamento que me deu. Entrevejo agora a razãoque leva o senhor a organizar seu tempo e seu traba-lho da forma como faz. Já não me é incompreensível;ao contrário, surge diante de mim como uma das tan-tas figuras estéticas de seu pensamento criador, con-vidando-nos a desfrutar o encanto dessas riquezasescondidas, reservadas unicamente às almas que, naverdade, anelam ser iluminadas por conhecimentostão extraordinários.

Feliciano: — Compartilho inteiramente o expressado porErgasto; essas verdades tocam as fibras mais íntimasdo nosso ser. Contudo, se isto não significa abusar desua reconhecida indulgência, eu pediria ao senhorque me esclarecesse uma coisa: como poderíamosfazer para que se manifeste em nós essa eternidade daqual nos falou?

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65Diálogo 13 – De como sentir o tempo ...

Preceptor: — Este já é um outro assunto. Não obstante, respon-derei sobre ele na medida do conveniente, a fim desuscitar em vocês atinadas reflexões. Já não lhestenho provado, reiteradas vezes, que a vida do serconstitui o resultado de seus pensamentos, de sua con-duta e de seus feitos? Pois bem; cultivemos o grandeconceito do eterno, para que este viva em nós. Paraisso, comecem por fazer coisas que durem algumtempo; façam depois coisas mais e mais duradouras,até que vocês cheguem a sentir a imanência do eternocomo algo consubstancial com seu próprio ser.

Feliciano: — Estou muito de acordo, mas isso não me dá aindaa medida de sua realidade efetiva. Em poucas pala-vras: gostaria de palpar o eterno dentro de mimmesmo.

Preceptor: — Para chegar a esse desiderato, vocês devem come-çar pelo mais acessível ao seu entendimento e seguir,depois, um razoável período de familiarização comtudo quanto se relacione com o eterno.

Em primeiro lugar, temos um espírito que nãoperece; ele é, portanto, eterno. Pois bem; como semanifesta esse espírito em nós? Manifesta-se por meiode nossos sistemas mental e sentimental, fazendo-nospensar e sentir, respectivamente. Em conseqüência,devemos usar ambos os sistemas para pensar e sentiro eterno como algo inerente a nossas vidas.Procuremos, assim, fazer coisas que não pereçam,que não se mostrem efêmeras. Empreendamos umaobra capaz de sobreviver à nossa existência física ede subsistir até mesmo ao longo do tempo. Não sesentem capazes disso? Ensaiem, então, a busca decoisas menores, porém sempre com sabor eterno.

Feliciano: — A explicação que o senhor me dá ainda não mesatisfaz; penso que seria muito difícil compreenderem que momento e como haverei de experimentar oeterno em mim mesmo.

Preceptor: — Pois bem; só resta então um caminho, o único

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capaz de fazê-lo experimentar essa realidade quevocê deseja apalpar sem tê-la compreendido: o aper-feiçoamento. À medida que supere suas condiçõesatuais e enriqueça sua consciência com os conheci-mentos transcendentes, derivados da SabedoriaLogosófica, você irá experimentando em si mesmo,sem nenhuma sombra de dúvida, o verdadeiro con-ceito do eterno. Seu erro consistiu em imaginá-locomo algo material, como algo ante o qual pudessedizer-lhe: “Aqui está; tome-o, apalpe-o e cubra-secom ele”, como se fosse uma capa ou um casaco, emlugar de concebê-lo como imaterial, excedendo todadimensão e prodigando-se a nós enquanto lhe ofere-cemos a oportunidade de manifestar-se ao nosso pen-sar e sentir conscientes. Tudo quanto vocês façam emfavor de seu aperfeiçoamento é, pois, de essênciaeterna, por ser eterna a imagem arquetípica dohomem na concepção de seu Criador.

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Arquiedes: — O senhor poderia me dizer o que expressam asenigmáticas figuras, de tão impenetrável simbolismo,que aparecem em todos os antigos templos egípcios?Que misteriosa linguagem se encerra em sua arquite-tura, na qual cada detalhe é uma expressão de saber?

Preceptor: — Para você, e para aqueles que conheçam algo dahistória da civilização egípcia, será de todo fácil com-preender o que vou dizer a respeito de sua simbolo-gia, na qual se manifesta o aspecto mais proeminen-te do pensamento que fecundou a mente dos homensque tiveram o privilégio de viver em épocas tão dig-nas da recordação da posteridade.

Os que viajaram pelas terras do Egito e penetra-ram no segredo de suas misteriosas construções, rela-tam a impressão que recebiam ao se verem no inte-rior de seus famosos templos e panteões. A deslum-brante concepção do pensamento humano, estampa-da em suas esculturas, é toda ela uma eloqüente invo-cação à Sabedoria Universal.

Relatam que o corredor da escura entrada subter-rânea de uma das pirâmides apresentava, a poucospassos, uma saliência na qual todo visitante, semexceção, batia a fronte, o que, naturalmente, ao lan-çar para trás sua cabeça, o obrigava a penetrar noseu interior com o coração antes que com a mente.

Diálogo 14ORIGINAL SIGNIFICADO DOS SÍMBOLOS E SIGNOS

EMPREGADOS NOS TEMPLOS DO ANTIGO EGITO.

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Mas isso não era tudo; o visitante devia avançar comcautela, curvando-se uma e outra vez à medida queo teto do corredor reduzia sua altura. Finalmente,tinha de se ajoelhar para poder passar por umaminúscula porta, do mesmo modo que se passa poruma estreita passagem no momento de o ser seincorporar à vida, significando isso que ao templodo Conhecimento se devia chegar com humildade,sem soberba.

Transposta que era a pequena entrada, queconstituía a primeira experiência e a primeira medi-tação, encontrava-se uma câmara hermeticamentefechada por uma porta em cujo frontispício apare-cia inscrita a seguinte legenda: “Esta câmara temsomente uma porta externa e nenhuma interna.” Osque se detinham a decifrar o conteúdo de tão mis-teriosa frase passavam horas, e até mesmo longosdias, em frente a essa câmara. Por fim, um dosguias, que nunca faltam nesses lugares, convidava-os a entrar, inspirando-lhes, é certo, pela segurançacom que pronunciava suas palavras, toda a confian-ça necessária. Uma vez dentro, a porta se fechava eficavam na câmara sem que houvesse, com efeito,nenhuma porta de saída.

Arquiedes: — Suspeito que o receio dos visitantes ficava neutra-lizado pela presença do guia, encarregado, sem dúvi-da, de esclarecê-los sobre aquela raridade.

Preceptor: — Não a todos, naturalmente, era dado descobrir osignificado de tão enigmático recinto, mas haviaaqueles que, a juízo do guia, mereciam sabê-lo, e aeles falava deste modo e com estas reflexões: “Pelaporta por onde haveis entrado, todos entram navida, mas ninguém sabe por qual há de sair; e émuito certo que tampouco ninguém sai pela mesmaque entrou. Também é a porta por onde se entra nomundo, nesse mundo que, para a inexperiência, ésomente um recinto em que muitas vezes não se

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69Diálogo 14 – Original significado ...

acha a porta de saída. A necessidade, o perigo, asmil vicissitudes que acompanham os passos quenele se dão, fazem com que cada um deva abrirportas aqui e acolá para passar, mas estas permane-cem fechadas para aqueles que não sabem forjarcom esforço, paciência, tolerância e, acima detudo, com um grande propósito de bem que animee inspire sua inteligência, a chave que haverá deabri-las.”

Torna-se fácil apreciar a verdade expressada nes-sas palavras. Pensemos que quem se inicia numa ati-vidade qualquer, sem ter o conhecimento que surgeda experiência, percebe, com pouco que tenhaandado, que todas as portas que sua ilusão haviaaberto se fecham de golpe, como por arte de magia,encontrando-se ante uma realidade que não com-preende e ante uma situação que terá de enfrentar dequalquer modo e por algum meio. É ali que se aguçao pensamento e surge na mente aquele que em maisde uma ocasião teve de sustentar a vida do ser aquem anima; é ali que a inteligência busca por todaparte a saída salvadora, cuja chave, se não a encon-tra, ela a cria ou forja, experimentando de passagema ventura de ter podido resolver um problema vitalpara sua existência.

Arquiedes: — É muito certo tudo quanto o senhor acaba deexpressar. Ninguém, de fato, poderia argüir que issonão seja uma verdade que a maioria dos seres huma-nos — e eu me incluo, evidentemente, entre eles —teve de experimentar com inegável força de realidadeno curso de seus dias.

Preceptor: — Uma formosa expressão simbólica, na verdade, eraconstituída pelos signos que aqueles gênios da inteli-gência humana traçaram em comprimidas frases, quesomente podiam ser lidas e entendidas pelos que sepreparavam para alcançar seus altos significados, ecujo conteúdo era toda uma revelação.

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70 Diálogos

No alto de outra porta hermeticamente fechada, lia-se esta inscrição: “O mistério foi, é e será sempre ummistério.” Esta frase, lacônica, cortante e, pode-se dizer,áspera, era suficiente para fazer voltar atrás os céticosou pessimistas, e também todo aquele que não tivessepreparado seu espírito para penetrar, sem preconceitos,nessas excelsas câmaras plenas de Sabedoria. Para osque conseguiam franquear sua entrada, aparecia escritacom letras luminosas, na escuridão que dentro reinava,esta outra frase: “Se quiseres descobrir o mistério, pre-para-te antes e cuida para que ele não te prenda.”

Arquiedes: — O senhor poderia me dizer o que significava essafrase tão sentenciosa?

Preceptor: — É muito difícil para o incipiente investigador pene-trar nessas profundidades, onde o pensamento revela-dor apenas assoma com um diáfano clarão de luz. “Oque não compreendes?”, costumava perguntar o guia.“Mistério é tudo aquilo que se apresenta como alheioao conhecimento; entretanto, é mistério na medida emque a inteligência humana se preocupe ou se interesseem saber sobre ele. E se ela se preocupa ou se interes-sa, é porque existe. Quando a indiferença ou a igno-rância mantêm o espírito afastado de toda inquietude,o mistério, apesar de existir, permanece como algo ine-xistente. Se vais pela primeira vez a um salão de jogos,verás que muitos, sem falar, se entendem com a lingua-gem característica desses passatempos. Tudo o quevires será um mistério, caso não o conheças; mas se apossibilidade de conhecê-lo inquieta teu espírito e fazcom que alguém te ensine isso, aprenderás e conhece-rás; dizendo ainda melhor, descobrirás em que consis-te esse mistério que, até então, assim o foi para teuentendimento. Se, porém, conhecido um jogo emtodos os seus detalhes, tu te deixas seduzir por ele eterminas por passar tuas horas e até tua vida jogando,terás sido aprisionado pelo mistério desse jogo. Comoeste, outros exemplos existem, de maior ou menor

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71Diálogo 14 – Original significado ...

colorido e importância, que servem igualmente paradecifrar o conteúdo dessas palavras que vês escritascom letras de luz na escuridão.”

Arquiedes: — Não deixa de ser curioso e extraordinário essemétodo adotado por aqueles que, indubitavelmente,conheciam muito bem o interior do homem e as fra-quezas de seu temperamento.

Preceptor: — É evidente. Prosseguindo com a resposta à sua per-gunta inicial, fala-se que naquelas construções, edifi-cadas expressamente para conduzir o homem ao docedespertar na luz das verdades, fazia-se com que osque procuravam iniciar-se em tais mistérios passassempor câmaras totalmente escuras, sucedidas por outrassemi-escuras, chegando-se ao final às que estavam ilu-minadas por viva luz. Essa luz representava o excelsofulgor dos pensamentos criadores; representava oconhecimento que era ministrado por meio de todasas explicações dadas, em minuciosos detalhes, pelosguias encarregados de instruir sobre o significado dossímbolos ou hieróglifos estampados nessas câmaras.

E assim era como se explicava, por exemplo, queas primeiras representavam a noite dos tempos e tam-bém os dias escuros das idades iniciais do gênerohumano. Em conjunto, essas câmaras simbolizavamtambém as diferentes épocas da vida do homem,desde a infância até a maturidade, quando então, nouso do discernimento, vê aclararem-se pouco a poucotodas as coisas que foram antes incompreensíveis paraele e, avivada a luz de seu entendimento, pode ir com-preendendo tudo o que passou inadvertido até então àsua razão, a seus olhos e à sua sensibilidade.

Que pode compreender uma criança de tudoaquilo que foi feito para incitar a compreensão dosmaiores? A escuridão representava, assim, a indiferen-ça e a ignorância próprias dos primeiros anos da vida,nos quais os olhos fitam sem ver, pois o entendimen-to, carente de saber, contempla as coisas sem com-

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preendê-las, até que chegam os dias em que a vida,amadurecendo o ser na experiência diária, faz comque ele vislumbre primeiro e compreenda depois oque até então havia permanecido ignorado para ele.

Tão logo o visitante chegava a experimentar os eflú-vios de intensa ventura, em virtude do plácido desper-tar para uma existência cheia de encantos, como é aque se abre à alma quando penetra no conhecimentosuperior e transcendente, o guia fazia-o aspirar um deli-cadíssimo e suave perfume, que exaltava seu espírito,enchendo-o de admiração e deleite. Uma e mais vezesvoltava a fazê-lo aspirar o mesmo perfume, e assim aolongo das horas e dos dias subseqüentes. Quando ovisitante já não sentia a menor sensação e manifestavapesar por não poder continuar experimentando as delí-cias que a princípio este lhe proporcionava, o guia lheexplicava o motivo pelo qual o havia feito aspirar repe-tidamente tal perfume, dizendo que era para ensinarque o abuso faz o sentido perder toda recordação dadelicada fragrância que aspirou. E acrescentava que operfume é como a felicidade; ambos devem ser usadostendo sempre em conta esta circunstância. Com discri-ção, com prudência, conservam-se sem que jamaisdiminua a intensidade de seus eflúvios, porque não seanulará o sentido que distingue o perfume nem a capa-cidade que conserva o elixir da felicidade.

Recordar esses belíssimos ensinamentos, essa ver-dadeira arte de expressar em símbolos poemas tãoformosos da vida e conhecimentos tão profundos daSabedoria Universal, é fazer renascer nos espíritos aalma daqueles tempos com a eloqüência de seus típi-cos encantos.

Arquiedes: — Estes são ensinamentos que, por sua profundidadee beleza, requerem profunda meditação. Na verdade,a força desses penetrantes conhecimentos muda emnós toda idéia errônea a respeito de tão imponderá-veis arcanos.

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Feliciano: — Andar bem pelos caminhos deste mundo não é, ameu ver, nada fácil. É algo que se vai aprendendo aolongo de toda a vida, não é verdade?

Preceptor: — Para a generalidade das pessoas, isso é bem certo,ainda que muitos não aprendam nunca. Por outrolado, vai com segurança aquele que caminha saben-do onde pisa. Naturalmente, deve conhecer primeiroquais são os passos mais difíceis da vida e, sobretudo,quais são os meios que pode usar licitamente paranão se desviar do bom caminho.

Feliciano: — É isso, justamente, o que considero mais difícil:conhecer o bom caminho. O que nos dá essa segu-rança?

Preceptor: — A própria consciência, quando pode cumprir agrande incumbência que lhe foi assinalada.

Feliciano: — É ela que freqüentemente nos reprova depois dehavermos dado um mau passo, mas raramente nosdetém antes de incorrermos em falta. Em conseqüên-cia disso, como poderia nos dar essa segurança?

Preceptor: — É evidente que a consciência não atua em todos,mas sim em muito poucos: naqueles que se ilustraramcom conhecimentos de alta hierarquia moral, espe-cialmente os que abarcam o homem e o Universo.Isto significa que a consciência deve enriquecer-secom esses conhecimentos, para poder atuar eficaz-

Diálogo 15O CONHECIMENTO TRANSCENDENTE CONDUZ

O HOMEM PELO BOM CAMINHO.

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mente sobre o indivíduo. Não sendo assim, você sóterá tal segurança casualmente, isto é, por algumacerto inesperado.

Feliciano: — Ninguém, então, pode dar segurança? Preceptor: — Tendo em vista sua insistência, direi que pode dá-

la quem possua os grandes conhecimentos a que mereferi e saiba, ao mesmo tempo, ensinar, pois saberque se sabe algo, por possuir estes ou aqueles conhe-cimentos, não é o mesmo que saber ensinar o que sesabe. Se eu lhe desse um conhecimento sem ensinarcomo alcançá-lo, você desconheceria seus principaisméritos, e, certamente, não saberia manejá-lo comeficácia, nem saberia, tampouco, ensinar a outroscomo obtê-lo. Em conseqüência, um conhecimentoassim adquirido perde sua virtude e nada positivoconstitui para a consciência. Veja, pois, que quemsabe ensinar o caminho, iluminando as inteligênciassobre tudo aquilo que se mostrar obscuro para elas,pode, indubitavelmente, dar-lhe segurança sobrecomo andar bem.

Feliciano: — E as experiências, não ensinam elas também? Preceptor: — Sabendo aproveitá-las, elas podem servir para cor-

rigir futuras atuações em casos análogos, ainda quenem sempre se consiga extrair delas as proveitosaslições que encerram. Nas experiências, o essencial ésaber usar o conhecimento que ilumina seu fundo.Também podem ser muito úteis as experiênciasalheias, se, atento às observações delas extraídas,você as aplica como guia de seus pensamentos eações.

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Preceptor: — Vejamos o que você deseja me propor esta noitecomo tema de nossa habitual conversa. Estou atentoe disposto a responder a suas solicitações.

Javier: — Já me aconteceu com freqüência — e penso sertambém o caso de muitos — que, querendo possuiruma coisa ou alcançar o coração de um ser, fracasso,com sensível desgosto de minha parte. É como se milimpedimentos se opusessem tenazmente à satisfaçãode meus propósitos. Poderia o senhor me explicar aque obedece a resistência que encontro em quasetodos os meus projetos?

Preceptor: — Eu teria que examinar, em cada caso, as circuns-tâncias encadeadas na trajetória seguida pelo episó-dio. Sempre existem causas alheias ao otimismo dequem, geralmente, confia em demasia nas suas apti-dões. Não obstante, poderia destacar para você umfato capaz de esclarecer o problema em questão.

Quando se quer algo, deve-se querê-lo com pure-za de alma, e, para isso, é necessário manter puro opensamento que guia esse querer. Com freqüência,observa-se que quando este ou aquele quer umacoisa ou quer a um ser, é influenciado até o delíriopelas paixões do instinto. Desse modo, o querertorna-se impuro, sendo finalmente rechaçado pelaprópria natureza do objeto que é motivo desse querer.

Diálogo 16CONCEPÇÃO DO QUERER — FORMA DE ALCANÇAR

UM PROPÓSITO E COMPORTAMENTO POSTERIOR.

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Com isso quero lhe dizer que não é bom, nem belo,nem nobre, querer para satisfação da vaidade ou doegoísmo, ou para servir a mesquinhos objetivos.Quando estiver em via de querer algo, você deveconsultar a própria consciência para saber se é dignodesse querer.

Javier: — Sempre pus muita veemência na conquista daqui-lo que constituiu meu querer, e acreditei merecer, emtodo momento, a coisa querida.

Preceptor: — Aí está o erro. Isso não é mais que uma miragemque a própria realidade se encarrega de apagar. Aprova do erro de sua apreciação você a tem nas vezesem que, segundo diz, fracassou em seus projetos.

Javier: — Também já vivi esta outra experiência: depois dehaver conseguido algo que constituíra meu querer,seu valor começou a dissipar-se, tornando-se, empouco tempo, carente de atrativo, como se eu tivesseme equivocado, ou se em mim se tivesse desvaneci-do a ilusão alimentada até o momento da posse.

Preceptor: — Eis aí confirmado o que lhe disse faz alguns instan-tes com respeito à indignidade da posse. Para quevocê compare com são juízo, vou mostrar-lhe agoracomo costumo tratar cada querer que em mim nasce.

Antes de tudo, meço a distância que devo percor-rer até alcançar o objetivo e preparo minhas forças.Penso em seguida se esse objetivo convém à minhasensibilidade e se, ao alcançá-lo, adiciono algo queenriqueça espiritualmente minha vida ou lhe dê maisfelicidade. Uma vez resolvido, excluo de mim todoengano, com o que a ilusão já não tem mais guarida.Jamais apresso o processo de aproximação ao objetoquerido, mas com firmeza mantenho em mim o pro-pósito, rodeando-o com todo o meu amor e meu res-peito. Quando chega o momento da posse, nuncapenso que é um triunfo meu, porque mancharia apureza do sentir. Meu pensamento vai ainda além:penso como conservar esse bem, sem menoscabar

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77Diálogo 16 – Concepção do querer ...

jamais o valor e a ventura que ele representou paramim no instante em que a posse culminou.

Javier: — Formosa concepção! Agora vejo, claramente, quãolonge estávamos de sequer suspeitar qual deveria sernossa conduta em todas as instâncias de nosso que-rer, e vejo também quão ingratos temos sido ao noscomportarmos injusta e desairosamente com aquiloque foi objeto desse nosso querer. Compreendo, domesmo modo, a irrecusável necessidade de consul-tarmos nossa consciência para saber se somos dignosdaquilo que anelamos ou queremos. De minha parte,sempre deixei ao acaso aquilo que respeitosamentedeveria ter confiado aos meus próprios sentimentos.

Preceptor: — Agora você pode apreciar como, muitas vezes, daforma de tratar um querer depende a possibilidade deque outros, sem suplantarem o anterior, também ocu-pem um lugar em nossas vidas e, assim, todos elesjuntos nos encham de felicidade.

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Florêncio: — Com reiterada freqüência, visitam nossa mentequestões que inquietam o espírito, já que do escuta-do e lido até aqui não ficou, a meu ver, nada precisoou concreto sobre elas. Há milênios, por exemplo,vem-se inquirindo por todas as partes acerca da trilo-gia “Verdade-Bem-Amor”, ansiando-se sempre porconhecer o arcano que ela encerra e o misteriosopoder que une inseparavelmente essas três grandesmanifestações do Pensamento Criador.

Preceptor: — Suponhamos que o gênio conceba uma idéia, aqual, plasmada em sua mente pelo concurso que ainteligência lhe presta, transforma-se depois numapositiva realidade, o que acontece quando a ima-gem concebida assume forma definida e concreta aomaterializar-se no externo. Esta viria a ser sua cria-ção. A idéia, antes não manifestada, cuja concepçãoteve origem na mente do gênio, converte-se assimem realidade palpável e inquestionável. Sua existên-cia é, portanto, uma verdade, porque constitui umareprodução do que foi concebido, e é também ver-dade que existe a idéia matriz na mente, porque sepode reproduzi-la no externo tantas vezes quantasse queiram.

Diálogo 17EXPLICAÇÃO SOBRE A TRILOGIA “VERDADE-BEM-AMOR”.

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79Diálogo 17 – Explicação sobre ...

Na utilidade dessa criação estaria representado obem, cuja extensão abarca, às vezes, toda a humani-dade. Por último, o amor não poderia ser concebidocomo ausente de tão imponderáveis atos da vidahumana, porque toda idéia que tenda ao bem é, defato, assistida permanentemente pelo amor, comopoder fecundante de todas as coisas que têm sua ori-gem na mesma e imutável força universal que animae sustenta tudo o que se move, vibra e vive naCriação.

Florêncio: — Agora fica muito clara para a minha compreensãoa imagem que irmana e consubstancia, num mesmoprincípio universal, essas três expressões permanentesdo pensamento criador. Quantas vezes, recordando acélebre pergunta que Pilatos dirigiu a Jesus deNazaré: ”Que é a verdade?”, eu havia pensado nodifícil que era encontrar sobre esse ponto uma defini-ção satisfatória. E pensar que nem a religião nem afilosofia nem a ciência puderam dar-me uma explica-ção como a que o senhor acaba de formular, que mecomovesse com o poder de sua força convincente.Tampouco soube de alguém que tenha tido nissomelhor sorte que eu.

Preceptor: — A Sabedoria Logosófica é uma fonte inesgotável deverdades que emanam de uma só e única Verdadecentral. Não tem, pois, inconveniente algum extrairdela a verdade que cada qual necessita para seu pró-prio bem e oferecê-la com amor. Não obstante, já quevocê citou essa frase evangélica, direi algo mais: aVerdade, concebida em sua acepção mais pura, maiselevada, define-se como a manifestação universal doPensamento de Deus, ou seja, a causa primeira.Verdade é a própria Criação, é o Pensamento Criadorplasmado no ilimitado volume de sua expansão uni-versal. Portanto, para abarcá-la em toda a sua dimen-são, será preciso alcançar os conhecimentos-cumesda Sabedoria Universal.

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Como não penso ser essa a sua pretensão, direi,não obstante, que já é muito quando cada um vai seinternando nela, à medida que sua evolução cons-ciente o permita, de acordo com as aptidões, condi-ções e capacidade conseguidas. Por outro lado, é tãogrande o poder de sua realidade, que ela constante-mente está corrigindo e encaminhando o homem,toda vez que sejam errôneas suas incursões e equivo-cados seus conceitos.

Rumo ao conhecimento da Verdade, não é ques-tão de ir por ir; vai-se porque se sente a necessidadede consubstanciar-se com sua essência puríssima.

Como facilmente você poderá apreciar, a verdadejamais pode servir às nossas conveniências pessoais,nem se pode especular com ela. Aquele que tal coisafizesse, de imediato se daria conta de que teria desa-parecido a verdade que pensou usar, e que seu lugarestaria ocupado, agora, pela falsidade, vestida com aaparência de verdade.

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Néstor: — O pranto dos seres humanos — pelo menos paramim — é uma das tantas coisas que ainda permane-cem como um mistério. Sei que expressa a dor dequem sofre; que é para o coração um desafogo alivia-dor; que se vertem lágrimas de pesar pela recordaçãode seres queridos; mas sinto que o pranto deve encer-rar algo mais. O que eu intuo tem algum fundamen-to? E, se assim for, o senhor poderia me dar algumaexplicação?

Preceptor: — Você não intuiu mal; muito ao contrário, sua sen-sibilidade o incitou à busca de uma luz orientadoraque o leve a descobrir aquilo que suscitou em vocêtão marcante indagação. Vou lhe falar a respeito, con-duzindo ao mesmo tempo seu entendimento até ondeele possa chegar neste momento.

O pranto encerra profundos e grandes significa-dos. Formularei uma primeira reflexão, preparatóriapara a sua inteligência, a fim de lhe facilitar a com-preensão. É muito certo que, por meio do pranto, osseres expressam sua dor. Tudo o que nesses momen-tos se pensa é impronunciável; os pensamentos quese agitam e sangram na intimidade se rebelam contratoda exteriorização por meio de palavras: é o recatonatural da vida interna, que, não obstante sua profun-da comoção, abstém-se quase invariavelmente de

Diálogo 18O PRANTO, GRAÇA SÓ CONCEDIDA

AOS SERES HUMANOS.

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expressar, a não ser pelo pranto, o que, de outromodo, seria para os demais uma indiscrição incom-preensível.

Eu agora lhe perguntaria: alguém se recorda de terchorado sem motivo de dor? “Ninguém, que eu melembre”, você sem dúvida me dirá. Há exceções,contudo; poucas, por certo, mas existem. Refiro-meaos que vertem lágrimas de emoção ante uma profun-da alegria, ou uma grande ventura. Há também aque-les que as vertem ante a grandeza dos que comovemprofundamente as almas, assim como ante a dor dosseres a quem amam.

Embora todo pranto imponha silêncio e respeito,existe um que chega até a consternação, por ser,indubitavelmente, de outra natureza: são as lágrimasdos grandes e dos mártires inocentes.

Muitos costumam chorar por trivialidades, masninguém chora pela perda de algo que forma parte daprópria vida; esse algo é o tempo. Ninguém chora otempo perdido, e, apesar disso, nesse tempo há parteda vida que se foi, que se perdeu.

Chorar o tempo perdido não significa verter lágri-mas amargas. Não; essa expressão tem um fundamen-to superior, que a explica em seu profundo conteúdopsicológico: é o sentimento de uma perda que seacreditava irreparável, destilando-se na compreensãoque alenta sua recuperação. A emoção dessa recorda-ção é, por outro lado, uma homenagem prestada àvida que passou e que mostra o arrependimento pornão tê-la vivido melhor. Pranto íntimo é, pois, a con-seqüência de reflexões feitas em comunhão com aprópria consciência, ali onde cada ser se sente segu-ro de si mesmo.

Néstor: — Embora eu tenha a impressão de ter compreendi-do a última parte de sua exposição — para mim todoum ensinamento —, não me ficou claro como seria opranto sem lágrimas. Como conhecer o agudo sofri-

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83Diálogo 18 – O pranto ...

mento de uma pessoa, se não observarmos essa elo-qüente manifestação de dor?

Preceptor: — Deve interessar-lhe mais conhecer o estado denosso próprio espírito em seus momentos de atribula-ções, porque nesses instantes, precisamente, temlugar a efusão íntima a que me referi. O pranto men-tal e o do coração se produzem internamente; podemter seus reflexos e exteriorizar-se pelos olhos, epodem não ter nem reflexos nem exteriorizações,porque diante dos olhos dos demais a lágrima maispura pode às vezes perverter-se. Mas, se alguma vezalguém mostra no pranto sua aflição, sabendo queninguém haverá de reparar seu mal, não se envergo-nhe de fazê-lo, pois nenhuma compaixão tenta inspi-rar com isso. Esse instante, sempre respeitado, traduzcom fidelidade sentimentos verdadeiros, feridos àsvezes mortalmente.

Para compreender melhor o alcance de minhaspalavras, devo expressar-lhe ainda que existem fisio-nomias endurecidas pela ausência quase total dessasemoções. É como se até os músculos do rosto se hou-vessem petrificado nelas. Seres inclinados a imitar ogesto indiferente da besta, secaram seus corações edebilitaram sua sensibilidade ao extremo. Essesjamais se comovem pela dor do semelhante; perma-necem impávidos ante a desgraça alheia, causadamuitas vezes por eles mesmos. Não os confundamos,pois, com os que não sabem ou não podem chorarporque excepcionais inibições psicológicas os impe-dem de fazê-lo.

O pranto é uma graça outorgada somente aoshomens. Os animais não podem chorar. Castigadopelo braço humano, e mesmo em suas torturas maiscruéis, o animal olha, geme, retorce-se, gesticula ouse desespera. Há em seus olhos angústia, porém nãopranto; não lhe foi concedida, como ao homem, tãosublime graça.

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Javier: — Já notei que nos primeiros trechos do caminhologosófico tudo parece fácil, tudo se desenvolve comalegria, sem maiores inconvenientes; porém, à medi-da que avançamos, experimentamos uma e outra veza sensação de que algo nos detém, sem percebermoso porquê.

Preceptor: — Isso acontece porque a realidade vai perguntan-do a cada um qual é sua realização, pois quasesempre se pretende avançar sem antes prestar asdevidas contas dos progressos alcançados. É muitonatural que caiam em si aqueles que pouco ou nadarealizaram.

O caminho a percorrer, ainda que largo, é esca-broso para os pés não acostumados a transitar porele; porém, à medida que a mente vai hospedandonovos pensamentos e o espírito vai adquirindovigor, anda-se sem tropeçar nas pedras da incom-preensão, que tanto dificultam o avanço para oaperfeiçoamento.

Você não deve esquecer que a passagem da ficção— em que viveu durante longo tempo — para a rea-lidade superior requer um gradual reajuste do ser,tanto em seus conceitos como em sua conduta, cará-ter, modalidades e inclinações, por ser impossívelmelhorar levando sobre si todas as deficiências que

Diálogo 19SOBRE A LIBERDADE DE DISCERNIMENTO

NA SUPERAÇÃO INDIVIDUAL.

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85Diálogo 19 – Sobre a liberdade de ...

acusam descuidos de longa data. É necessário quevocê se familiarize gradualmente com tudo quantoconcerne a esta realidade viva, tão real como a pró-pria existência de todos vocês. Adaptando a ela avida, evitará que esta o derrube e faça você sofrer asconseqüências da imprevisão.

O essencial é manter firmes as decisões que sus-tentam a ponte entre os anelos íntimos, consagradosno interior do ser, e o esforço que é necessário reali-zar para alcançá-los. Se você já observou progressosque são uma mostra eloqüente da verdade que estávivendo, com quanto mais afã não consagrará suashoras livres a este labor de tanta transcendência parao seu futuro.

Javier: — É fácil observar a forma simples, clara e ao mesmotempo austera e convincente dos ensinamentos logo-sóficos. Também se pode apreciar a sobriedade comque respeitam a liberdade individual, pois jamais seimpuseram a ninguém.

Preceptor: — É assim mesmo. A Logosofia prefere manter intac-to o livre arbítrio, porque é bem sabido que cada qualdeve responder sempre com firmeza aos ditados desua consciência; os seres freados e amordaçados emsua livre expressão vacilam, oscilando e sentindo-setrêmulos a cada instante, sem encontrar dentro de simesmos uma definição da vida.

Cada um há de poder discernir de livre vontadeentre o bom e o mau, para não ser enredado men-tal ou espiritualmente por nenhuma ideologia exó-tica e convertido, depois, num vassalo impudico eindigente. Se você já sentiu palpitar em seu serinterno a verdade que os elevados princípios daSabedoria essencial descobrem, terá mais vigor edecisão e será dono da própria vontade, o que lheimpedirá recuar sobre seus passos e resvalar invo-luntariamente para os domínios das rígidas formasdogmáticas.

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86 Diálogos

Dentro de sua inteligência, os ensinamentos rece-bidos devem manifestar-se em todo o seu esplendor,porque é a palavra da Sabedoria que chama à realiza-ção do processo de evolução consciente, tão grato àconsciência individual.

Javier: — O senhor me fez compreender que não é cegandoos seres que se pode conduzi-los pelo caminho dasalvação, senão iluminando-os com palavras claras,amplas, oportunas e precisas; com palavras exuberan-tes de força e de vida, como as que acaba de expres-sar, e que nos fazem experimentar, ao recebê-las, seupoder transformador, tanto em nossa própria vidacomo em nosso espírito.

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Octavio: — Não faz muito tempo, tive a oportunidade de visi-tar um observatório astronômico e, convidado a con-templar a abóbada celeste através de um dos telescó-pios, pude observar que alguns astros têm atmosfera eoutros não, sendo-me dito que nos primeiros se pre-sume a existência de seres animados, enquanto quenos últimos só há natureza morta ou em estado caó-tico. Não sei se tudo isso terá alguma relação comnossa maneira de ser, mas o certo é que, movido portal idéia, quis consultar o senhor a respeito.

Preceptor: — Nos espaços siderais — é sabido —, os astros,como os seres humanos no mundo que habitamos,agrupam-se em famílias. E tanto naqueles comoneste há corpos ativos ou animados e corpos inertesou sem vida.

Os corpos ativos estão contornados por atmosfe-ra, que estimula a vida e permite a absorção de oxi-gênio, que é seu elemento básico. Em nosso plane-ta, que é um corpo ativo e está, portanto, circunda-do de atmosfera, aparecem as espécies vivas, sendoa humana, entre todas, a de maior hierarquia. Poisbem; a vida humana, como a vida em geral, temque se desenvolver procurando ampliar sua órbita,o que acontece através de vinculações, fatos e palavras.

Diálogo 20SOBRE AS ATMOSFERAS E ÓRBITAS PESSOAIS.

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88 Diálogos

O homem que se elevou por seu saber, seus esfor-ços ou virtudes forma também sua atmosfera pessoal.Com o desenvolvimento de suas condições e dasprerrogativas que vão se abrindo para ele, ao internar-se no campo das múltiplas atividades que podedesenvolver, essa atmosfera aumenta seu poder deirradiação, atraindo a simpatia e a amizade de muitosseres, do mesmo modo que os astros do sistema side-ral, por sua influência cósmica, atraem outros para asua órbita.

A respeito do ser carente de atmosfera pessoal,poder-se-ia dizer que tampouco ele tem vida, porcarecer esta de conteúdo. Um homem assim tambémse acha privado de órbita, não pode irradiar vida epermanece inerte, estático, passivo, indiferente. Mascria atmosfera, isso sim, todo aquele que irradia vida;forma sua própria órbita e, por influxo dela, procuraatrair outros para formar a de seu mundo familiar.

Existe, pois, como expliquei, uma estreita seme-lhança entre o que acontece no mundo sideral e oque acontece em nosso mundo, porque todo o criadoresponde a uma evidente analogia.

Na ordem cósmica, uma outra semelhança alta-mente significativa nos é oferecida, e é que todo astronão atraído para órbita alguma se desvia, transfor-mando-se em elemento estranho ao ambiente sideral,causa pela qual é finalmente repelido.

Octavio: — O caso dos cometas, não é mesmo? Preceptor: — Nem mais nem menos. Perambulam pelos espaços

do cosmo sem fixar seu destino. O mesmo ocorrecom os seres rechaçados dos círculos humanos pelaíndole de suas modalidades, por sua conduta, suamaneira de ser, etc.

Prosseguindo com o pensamento da atmosferapessoal, adicionarei que ela pode se ampliar, dimi-nuir ou se esfumar, conforme o grau de evolução doser. Essa atmosfera pessoal é tanto mais respirável

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89Diálogo 20 – Sobre as atmosferas ...

quanto mais se enraíza, no conceito dos que estãovinculados ao que a gera, a idéia de sua integridadee da consistência de sua vida, na qual não deve exis-tir o perigo de uma alteração que o leve a perder aprópria órbita. Para assegurá-la, e também para quenão se vicie sua atmosfera pessoal e se renove cons-tantemente com a atividade sã e nobre que desenvol-va, o homem tem a seu alcance todos os meios. Édisso que cada um deve cuidar, tanto quanto cuida desua vida, e diria mais: como se fosse sua razão de ser,de existir.

A sensatez e a franqueza são meios muito estimá-veis de que o homem dispõe para manter sempre diá-fana sua atmosfera pessoal, e para que nenhumadúvida a ensombreça ou vicie. Quanto mais cons-cientes e íntegros são os seres humanos, tanto maio-res são sua sensatez, sua lealdade e sua franquezapara encarar todas as coisas de suas relações comuns,por ser esta a norma invariável para afastar muitosmales e limpar a atmosfera pessoal de toda possívelperturbação de elementos estranhos. Quando se con-segue isso, o ser brilha como os astros de luz própria,sem que nuvem alguma seja capaz de escurecer océu azul de sua consciência.

Essa atmosfera pessoal, essa atmosfera interna, sereveste de uma multiplicidade de aspectos que sedevem diferenciar para que o princípio possa ser apli-cado. Se projetamos fazer determinada coisa, deve-mos criar uma adequada atmosfera interna. Tratando-se da realização de um estudo, por exemplo, cria-sea atmosfera propícia buscando e selecionando ospensamentos úteis a esse fim, sem que distração algu-ma conspire contra a sua continuidade, podendo elerealizar-se sem dificuldades. Do mesmo modo, sequeremos nos proporcionar um prazer, devemos criaruma atmosfera de felicidade, de alegria, para quepossa ser desfrutado sem que elementos estranhos

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perturbem esse ambiente feliz. Se quisermos realizaruma viagem, deveremos procurar também tudo quan-to seja necessário para que essa viagem se cumprasem inconvenientes.

A atmosfera interna pode transcender e tomarcontato com os demais seres, sempre que quem apossua não viva isolado, pois nesse caso permanece-ria estática. Mas, se busca a vinculação, pode acon-tecer que seja atraído ou repelido, conforme a índolesimpática ou antipática de sua onda ou vibração. Eis,finalmente, o que vai determinando a órbita de atra-ção pessoal.

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Elion: — O senhor poderia me dizer algo sobre as múmias,já que de toda a literatura percorrida não pude extrairum só conhecimento real sobre elas?

Preceptor: — Raras vezes as múmias foram objeto de estudosespeciais, e, se os historiadores se referiram a elas, foisomente para chamar a atenção para o original costu-me que aquelas civilizações do passado tinham deconservar os cadáveres.

Os egípcios pertencentes às poderosas dinastiasque agruparam, nas margens do Nilo, os gênios maisdestacados daquela época, conheciam o segredo dasmúmias, mas se precaviam muito bem de revelá-lo aopovo, alheio por completo aos mistérios iniciáticosque circundavam ou interpenetravam* os templos eos suntuosos palácios dos faraós, onde as castas deseleta categoria realizavam seus rituais e confundiamsuas almas na plácida contemplação dos enigmasque, de vez em quando, se transformavam em lumi-nosa transparência, surgindo, ante os que eram capa-zes de compreender, com toda a nitidez do incorrup-tível, do inalterável e do verdadeiro.

Os gênios egípcios, os campeões do conhecimen-

* N.T.: O autor adotou, no texto original em espanhol, o neologismo “interpenetrar”, ao con-ferir a este verbo o sentido de “estar penetrado em, existir dentro de, constituir-se no espaçointerior de”. O mesmo valor neológico está presente no texto traduzido ao português.

Diálogo 21AS MÚMIAS E SEUS MISTÉRIOS.

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to, sempre aconselharam os troncos fecundos, deilustre ascendência, a cuidar da herança do sanguemais do que de si mesmos, fazendo com que osfilhos, ao seguirem as linhas hereditárias que maisconviessem à sua evolução, continuassem superandoos estados alcançados pelos pais e avós na ordem daSabedoria e do aperfeiçoamento individual.

Assim foi como surgiu a necessidade de conservaros corpos intactos, para que os descendentes pudes-sem chegar a reconhecer seus antepassados, e talveza si mesmos, como acontecia no seio daquelas castasprivilegiadas, pois era crença muito generalizada quecada descendente de ilustre linhagem que alcançavagrande evolução voltava a encarnar em gerações pos-teriores, conservando os traços fisionômicos de suaanterior existência corpórea.

Elion: — Se fosse verdade, isso nos revelaria um enigma deincalculável transcendência para a vida humana.

Preceptor: — Devemos por agora nos comportar deixando delado nossas dúvidas, para que a força fertilizante des-tes conhecimentos adube nossa terra mental, preparan-do-a para que nela germinem as idéias mais luminosas.

Elion: O senhor tem razão; eu mesmo percebi essa força.Seu eco despertou em meu ser interno indefiníveisressonâncias comovedoras, sugerindo idéias destina-das, sem dúvida, a promover em mim inquietudesespirituais novas.

Preceptor: — Não é estranho que isso lhe aconteça, por ser umareação lógica de sua sensibilidade, correspondendoao que você está escutando. Prosseguirei agora como tema que motivou nossa conversa. Quando osjovens, preparados severa e rigorosamente por seusinstrutores no conhecimento dos mistérios, chegavama certa idade, eram levados a visitar os imponentespanteões, que pareciam templos construídos para asalmas. Cada múmia — dizia-se — estava imantadapor misteriosas e sutis correntes magnéticas, tanto

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93Diálogo 21 – As múmias e seus ...

que muitos não podiam resistir à impressão que suaproximidade lhes causava. Os sábios, que conheciamo segredo, faziam com que o jovem herdeiro, postoem frente a cada uma das múmias, identificasse aque-la que tinha carregado seu próprio sangue, que viveuantes dele e da qual, ou de si mesmo talvez, recebeuem herança a evolução alcançada durante suas per-manências físicas na terra.

Sucedia que o jovem iniciado, ao chegar diantede sua múmia, à qual pertencia por herança, experi-mentava uma rara sensação que, por certo, não pas-sava despercebida a seu experiente instrutor. Sentia-se como que atraído por ela, e, ao contrário do quelhe acontecia diante das outras, que lhe causavamespanto, com a sua não sofria o menor temor; na ver-dade, o que se produzia nele era algo assim como umdespertar e um aumento vertiginoso de memória, aponto de, em alguns casos, superar em grau máximoa de seu próprio instrutor. Dizia-se que havia recobra-do a consciência de si mesmo através da herança,manifestando ele mesmo que, ante a múmia, sentiareviver uma extraordinária quantidade de passagensque lhe eram familiares, e que por momentos tinha asensação de se haver convertido em múmia, como sesua alma passasse indistintamente de seu corpo àmúmia e desta novamente a seu corpo.

A seguir, e após múltiplas comprovações, reunia-se o sacro conclave de iniciados, presidido pelofaraó, e eram concedidas ao predestinado todas asprerrogativas inerentes à sua categoria, conforme aposição que ocupara o antepassado ilustre nomomento de fechar seus olhos físicos.

Elion: — Ele efetivamente recuperava a memória de suasanteriores existências, e era isso perfeitamente com-provado, ou essa recordação se manifestava simples-mente num aumento de sua capacidade espiritualpara abarcar maior sabedoria?

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Preceptor: — Eu poderia muito bem responder à sua perguntadizendo simplesmente que o acontecimento provoca-va um despertar da consciência ou uma súbita ilumi-nação da inteligência; entretanto, será fácil para vocêadmitir que, por discrição, devo omitir algumas des-crições interessantes e de suma importância sobre asmúmias, depois de ocorrido o encontro revelador.

Você não deve esquecer que a imaginaçãocomum, tão audaz, tecerá a esse respeito inúmeraslendas, mas a sábia expressão do pensamento milvezes sensato, que formula suas inteligentes reservas,adverte que a realidade, como a Verdade, não se dáem propriedade, mas se conquista ao identificar-secom ela.

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Constantino: — Sempre nos foi dito que devemos ser bons, que épreciso fazer o bem, e outras coisas do mesmo tipo,mas não somos prevenidos, nem nunca o fomos, con-tra as conseqüências do exercício dessa virtude de serbons e da tão especial recomendação de fazer o bem.Compreendo, contudo, que é absolutamente indis-pensável a cada ser humano elevar seu comporta-mento ao máximo possível de excelência moral, maso caso é que os que não seguem esta linha de condu-ta costumam nos aplicar sérios golpes, dos quais nemsempre conseguimos nos recuperar totalmente.Dizendo melhor, o que acontece é que esse estado debondade e esse afã de fazer o bem nos expõem a serenganados com relativa facilidade pelos que só bus-cam saciar seus apetites desonestos, ou, no melhordos casos, pelos que fazem um uso abusivo de nossasações generosas.

Preceptor: — Ante o tom de consulta que transparece em suaspalavras, devo deixar perfeitamente esclarecido, emprimeiro lugar, que tudo quanto você expressou é desua colheita, e em campos que, por certo, não perten-cem ao Saber Logosófico.

Passemos agora ao exame do fato que o preocupa.Logosoficamente, a idéia de ser bom não deve resu-mir-se no simples fato de ser mais bondoso, de socor-

Diálogo 22DE COMO SER BOM SEM CAIR NA INGENUIDADE

— A CONSCIÊNCIA DO BEM LEVA A SER BOM NA

VERDADE, E NÃO MAIS NO ERRO

— A HERANÇA DO BEM E SUA FINALIDADE SUPERIOR.

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rer o necessitado que mais perto esteja de nossoalcance, ou de nos oferecermos generosamente sem amínima prevenção e sem a limitação razoável quecada caso exige. Não; é um grave erro, e quem se ate-nha a tão equivocada compreensão do que deve sig-nificar realmente ser bom ou fazer o bem, deverásofrer, como é lógico, as conseqüências de tamanhaingenuidade.

Assinalando essa classe de comportamentos, aLogosofia, como você já sabe, deixou sentenciado:“Bons no erro”, o que é o mesmo que dizer: “Mau éser assim e pior a conseqüência”. Em suma, pôr emprática o preceito que manda ser melhor e fazer obem de forma tão rudimentar e ingênua é expor-se atoda espécie de riscos e a sofrer contínuas decepções.

O conceito logosófico é, a esse respeito, tãoamplo e claro que se torna acessível até aos de maisescasso entendimento. Estabelece, com efeito, quenão se pode ser bom na verdade se não existe a exce-lência moral que você mesmo mencionou, mas comoíndice inconfundível de uma evolução que reveleessa potestade superior, exercida com plenitude deconsciência. É necessário, pois, distinguir a enormediferença que existe entre o bonachão falto de luzese de experiência e o homem bom por sua integridademoral, que sempre lutou para superar-se, impondo-se,muitas vezes, a privação dos prazeres triviais, a fim deachar no superior, após muitos esforços, sensaçõesmais gratas a seu espírito.

Nesse afã de aperfeiçoamento, o homem aprendea ser bom, porque conhece e sabe diferençar o justodo injusto e a verdade do erro. Seu próprio exemploconstitui por si só um constante fazer o bem, porquebeneficia a todos que se vinculam à sua vida. Seuconhecimento da Lei de Caridade, enunciada pelaLogosofia, converte-se num dom que lhe permite aju-dar sem nunca se equivocar, procurando auxiliar,

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97Diálogo 22 – De como ser bom ...

como é natural, a quem mais merece e necessita. Nãofaz a caridade, pois, a la buena de Dios, como nooutro caso, mas sim sabendo que para Dios esbuena.* Além disso, costuma semear o bem em mui-tos lugares, porque sabe que todos os seres, semexceção, necessitam de uma parte desse bem, grandeou pequena, mesmo quando não o saibam ou creiamque têm tudo. Consciente do exercício que faz de talconhecimento, não o preocupa se, eventualmente,aparece algum ingrato, devolvendo-lhe o mal pelobem, nem se afeta por isso; sabe que, no final, cadacoisa volta ao seu lugar. E assim como a pedra atira-da pelo que está embaixo costuma muitas vezes des-pencar das alturas e alcançá-lo, golpeando-o quandomenos espera, o bem conscientemente prodigado,além de beneficiar o semelhante, cedo ou tarde retor-na ao benfeitor, convertido em mil formas diferentese, muitas vezes, nos momentos mais oportunos.

Em conclusão, tudo o que acabo de dizer devefazer você refletir que, para ser bom na verdade e nãomais no erro e, igualmente, para fazer o bem comoDeus manda, é necessário alcançar primeiro, peloaperfeiçoamento, a consciência do bem a fazer, fatoeste inseparável da realidade superior propiciada pelaconsciência de ser bom em virtude do conhecimento.

Constantino:— O senhor me ofereceu um ensinamento imponde-rável e, sendo assim, deverei meditá-lo profunda ecuidadosamente.

Preceptor: — Pela acolhida que você dispensou a ele em suamente, o seguinte relato ilustrativo facilitará a com-preensão do que acabo de lhe expressar acerca doinestimável exercício do bem.

* N.T.: No original: “No hace, pues, la caridad, como en el otro caso, a la buena de Dios, sinosabiendo que para Dios es buena.” Jogo com as palavras das expressões a la buena de Dios(de qualquer modo, sem preparação e sem plano) e para Dios es buena (para Deus é boa).

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Habitava nossa terra um homem que tinha váriosfilhos. Preocupou-se sempre em fazer o bem enquan-to pôde e, em cada oportunidade em que assim pro-cedia, ensinava aos filhos o correto exercício daque-la virtude. Depois de alcançar uma velhice tranqüila,abandonou esta terra, passando — como é costumedizer — para uma vida melhor. Seus filhos, quase semexperiência, e muito menos inteligentes do que ele,correram sério perigo de ficar desamparados, mastodas aquelas pessoas a quem o pai havia beneficia-do acudiram prontas para auxiliá-los, ajudando-os dediversas formas. Assim foi como encontraram pordiversas vezes, de quem menos pensavam, mãos ami-gas e corações generosos, por meio dos quais colhe-ram o benefício dos gestos altruístas de seu virtuosopai. Eis aqui a original herança que aquele bomhomem legou a seus filhos, herança cujo registro fica-ra tão-somente nos corações daqueles que, tendosido por ele beneficiados, retribuíram depois a seusdescendentes o bem que, oportuna e generosamente,haviam recebido.

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Ergasto: — Não consigo compreender por que acontecem cer-tas alterações no curso de nossa vida. Quando tudoparece andar sobre os trilhos, subitamente, semhavermos suspeitado ou sequer pressentido a maisremota mudança de situação, problemas graves oudificuldades extremas nos sobrevêm, precipitando-nos em amargos transes.

Preceptor: — À sua indagação cabe responder da seguinte forma:o ser é uma sucessão de seres. Por conseguinte, decada um depende que o ser de hoje não comprometao de amanhã, criando-lhe problemas ou obrigando-o aenfrentar as situações que o primeiro não teve a valen-tia de enfrentar. Aquele que empenha com certaleviandade sua palavra ou seus bens, aquele que assi-na compromissos de cujos vencimentos o ser de ama-nhã deverá se responsabilizar, não criou para este osgraves problemas ou dificuldades extremas a que vocêaludiu? Ocorre, geralmente, que se pensa egoistica-mente no ser de hoje sem sequer se lembrar do deamanhã. Não obstante, há aqueles que, realizando dig-nos esforços, pensam neste último, para que esse ser deamanhã — que será ele mesmo — possa desfrutar umasituação folgada e feliz. Com eles não acontecem essasalterações de que você falou, porque são previdentes enão se atêm egoisticamente ao ser de hoje.

Diálogo 23COMPORTAMENTOS QUE COMPROMETEM

O SER DE AMANHÃ

— OS ACONTECIMENTOS INESPERADOS.

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Tudo isso ensina que, se em determinado momen-to se desfruta a felicidade, ela deve ser eqüitativamen-te repartida entre os seres que irão sucedendo ao dehoje, a fim de que haja continuidade e não contraste,evitando, ao mesmo tempo, que o sofrimento desteúltimo alcance o ser de amanhã.

Ergasto: — Suponho que essa não será a única causa, já que,se não me falha a memória, em certa oportunidade osenhor me disse que são os nossos erros que nos tra-zem depois os desgostos e dissabores mais desagradá-veis.

Preceptor: — Se lhe aponto neste momento uma só causa, é por-que eu a conceituava suficiente para sua compreen-são. Além disso, ao lhe responder, levei em conta seucaso particular.

Ergasto: — Perfeitamente. Gostaria ainda de expor ao senhoralgo mais, por me ser muito necessária sua elucida-ção. É o seguinte: não faz muito, ante um aconteci-mento lutuoso, desses que com freqüência se repetemem todos os lares ao desaparecer um de seus mem-bros, eu me perguntei, diante do quadro dilaceradorque estava presenciando, se não haveria algo, supe-rior a nossos sentimentos, que, atuando em nós, ate-nuasse, ainda que em parte, a intensidade dessa dor.Porém, não pude encontrar nenhum raciocínio quevalesse, capaz de moderar a intensidade de um golpepsicológico dessa índole.

Preceptor: — Quando ocorre uma situação como a que vocêexpôs, eu já disse outras vezes, os seres sofrem essesbruscos estremecimentos de angustiante desconsolo,por se tratar, precisamente, de acontecimentos sobreos quais nunca ou muito raramente pensam, para nãoserem invadidos por pressentimentos que depois afli-gem ou deprimem o ânimo. Isso se deve à ausênciade uma concepção mais ampla dos transes humanosque é necessário afrontar no curso da vida. Umamente iluminada pela ação fecunda do conhecimen-

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101Diálogo 23 – Comportamentos ...

to transcendente sabe muito bem que o inesperadopode acontecer a qualquer momento, e, atendo-se aessa realidade, leva sua convicção ainda mais longeque toda esperança ou fato concebível, preparando oespírito para qualquer eventualidade, pressentida ounão, que possa sobrevir. Assim reconfortado, poderánosso ânimo suportar com mais serenidade e inteire-za o que, no caso de acontecer, nós mesmos já tínha-mos concebido como algo irremediável.

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Olivério: — Como se deve interpretar o fato corrente de uma pes-soa, no paroxismo do desespero, por exemplo, invocara Deus e receber, em seguida, o auxílio divino que acal-ma sua agitação e lhe permite resistir com maior sereni-dade e inteireza ao momento crucial que esteja viven-do? Recebe ela de verdade essa ajuda? Seria apenasuma conseqüência do influxo divino da religião queprofessa? E, se for assim, como se explica que o mesmobem seja alcançado com igual prodigalidade pelos quenão professam religião alguma? É este um mistério noqual eu gostaria, realmente, de penetrar.

Preceptor: — É comum observar que ninguém ou muito poucosse recordam de terem um espírito que anima a vida,o qual permanece quase estático enquanto o ser físi-co age movido somente pelas necessidades de ordemrotineira que a vida corrente lhe apresenta, sendomuito raras as vezes em que esse espírito tem oportu-nidade de comovê-lo com outros objetivos. E é preci-samente nesses momentos de aflição que atormentamo ser, que aparece delineando-se uma das formasmais atraentes e sugestivas do espírito, pois este semanifesta na própria sensibilidade, respondendo aoclamor da angústia. Esse simples fato reconforta esuaviza as durezas do transe amargo, permitindorecobrar a serenidade e, depois, a calma perdidas.

Diálogo 24 A AJUDA QUE SE PEDE A DEUS NOS

MOMENTOS DE AFLIÇÃO.

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103Diálogo 24 – A ajuda que se pede ...

Não se deve, pois, atribuir isso a nenhum milagre,nem se enganar com a crença de que se teve algumauxílio particular, oriundo da divina Providência oude Deus mesmo. Nada irrisória seria a tarefa doCriador se, pela mera invocação de cada uma dascriaturas humanas, devesse Ele atender a suas deman-das de auxílio. Diferentemente disso, devemos pensarque no próprio espírito do ser é onde existem recur-sos aos quais sem saber se apela, ao se dirigir a Deusnos momentos mais álgidos da vida.

Olivério: — Acho inteiramente lógico o que o senhor acaba demanifestar; vejo agora que a criatura humana não étão desvalida como se acredita, já que, até mesmonos transes mais difíceis de sua vida, ela encontra aseu alcance o recurso salvador.

Preceptor: — É mesmo assim; e se você compreende bem isso,verá então como provém de Deus, sem dúvida algu-ma, a grande ajuda recebida em tais circunstâncias.Mas é ali, precisamente, que reside o mistério: no fatode fazer chegar até nós esse auxílio por via indireta,ou seja, por intermédio de nosso próprio espírito, queé quem fortalece nosso ânimo, fazendo-nos experi-mentar não só a realidade de sua existência, mas tam-bém o rigor de sua censura, ao compreendermos quenão devemos tê-lo em tão pouca conta, quando já seviu a importância que ele assume toda vez que pro-curamos nos elevar na busca de um consolo paranossa aflição, ou de uma luz que ilumine a vidaensombrecida pelo sofrimento.

Seria um erro pensar que, na emergência citada,Deus teria intervindo pessoalmente, e absurda é tam-bém a pretensão de crer que foi uma intervenção emparticular, ao se sentir o alívio anelado. Fica bem cla-ramente mostrado, por intermédio de tudo o que eulhe disse, que existe no Grande Ser uma onisciênciaque abarca todos os âmbitos de sua Criação, achan-do-se o espírito, portanto, consubstanciado com essa

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força universal que obedece às leis criadas pelaInteligência Suprema. Um episódio da natureza doexposto não tem, pois, a menor repercussão cósmica,como não teriam para nós repercussão de transcen-dência alguma os gritos de um pintinho que, fugindode um perigo, se salvasse inesperadamente.

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Aníbal: — Algumas vezes já ouvi falar dos egípcios e seusrituais, mas tão vagas referências só serviram paradeixar em mim um grande desejo de saber algomais acerca de seus impenetráveis mistérios. Osenhor, que tanto conhece sobre eles, poderia metransmitir algo que satisfizesse minhas ânsias desaber?

Preceptor: — Longa é a tarefa de narrar tudo quanto diz respei-to aos extraordinários personagens que moveram aconsciência de tantas gerações, incitando-as a buscarem seus arcanos a sublime luz dos conhecimentos.Vou procurar, contudo, satisfazer você, falando-lhedaqueles tempos, homens e lugares.

Deixemos de lado as tradições míticas que sempreaparecem nos começos da história de todos os povos,para tão-somente delinearmos o caráter que identifi-ca a cultura de suas civilizações passadas, sem omi-tir, evidentemente, a herança que os primeirosexpoentes da escala hierárquica transmitiram aos des-cendentes que formaram mais tarde as gloriosas cas-tas de iniciados que habitaram as terras banhadaspelo Nilo. Vamos, pois, até os lugares que foramberço dos maiores patriarcas e filósofos que a huma-nidade já teve. Transportemo-nos até o Egito através

Diálogo 25EXPLICANDO O SIGNIFICADO DOS ANTIGOS

RITUAIS E SEUS MANTRAS.

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de nosso mundo mental. A curiosidade, essa modali-dade que tanto afeta o coração humano, pelas inquie-tações que a mente lhe depara no afã de averiguartudo o que na mesma hora esquece, já deixou muitospara trás. A impaciência os fatigou; deixemo-los des-cansar até que, de regresso, você mesmo lhes possanarrar o que tiver visto.

Aníbal: — Recordo ter escutado relatos sobre a beleza que anatureza do solo egípcio apresenta, com seu riopouco menos que fabuloso, em torno de cujo leitotantas lendas teceu a mente do homem, sempreansiosa por transpor os limites do maravilhoso mundoque guarda arcanos tão cobiçados.

Preceptor: — A beleza daqueles lugares influiu de maneira sin-gular em todas as manifestações daquele povo, sendofonte inesgotável das inspirações que deram à suapotente civilização um brilho tão deslumbrante que,ainda em nossos dias, depois de milênios, não deixoude resplandecer na consciência humana.

Esse rio a que você se referiu, o Nilo, cujo nomeé todo um poema, dá ao viajante a sensação de bro-tar do próprio céu para levar até aquele país, comoeflúvio divino, algo do celeste fulgor que tanto eno-breceu o sentimento de suas privilegiadas gerações.

Em meio a imponentes desfiladeiros, entremontanhas fendidas em originais contornos, oualçando-se em soberbas curvas sobre bosques eserranias escarpadas, divisa-se, através dos vãosque se abrem de vez em quando nas profundas eabruptas sinuosidades do terreno, a extensa mar-gem desse rio sem igual. Dir-se-ia que os homensdaquelas épocas careciam dos princípios gerais dearquitetura, mas sabiam a quem recorrer em buscadesses princípios e, por certo, jamais deixaram deouvir a sábia voz da Natureza quando, dos miste-riosos aposentos de sua augusta mansão, ela lhesfalava.

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107Diálogo 25 – Explicando o ...

Ali nasciam e cresciam as gerações, absortas nacontemplação daqueles lugares de enlevo, enquan-to o pensamento corria seguindo a linha que as dife-rentes posições do sol desenhavam na penumbrados vales ou nas cristas encantadoras, às vezes detom avermelhado, de seus montes gigantescos. Alios invencíveis e infatigáveis lavradores da terra egíp-cia levantaram seus templos e panteões. Ali assenta-ram suas ciclópicas construções à prova de séculos,reservando para si o direito de conservar intacto osegredo de suas criações. A incógnita permaneceainda indecifrável, apesar dos inauditos esforços doshomens por descobrir ou explicar seu mistério.

Ísis lhes teria revelado o modelo dessa originalarquitetura, por detrás de cujas paredes, de singularresistência, parecia ocultar-se o sublime e simbólicopensamento de sua genial inspiradora. Ante a pro-messa de fidelidade oferecida pelos iniciados daque-le tempo, em holocausto à divindade que tão prodi-gamente lhes oferecera os tesouros de sua sabedoria,pugnavam por manifestar-se, como numa piedosaexpiação, os sentimentos que vieram a ser os maiscaros para o espírito. Outra coisa não parecia signifi-car seu afã por construir suas monumentais criptas eseus proeminentes templos, onde faziam viver ima-gens, pensamentos, recordações e esperanças, masnos quais os homens não podiam viver. Preferiramconfiar às entranhas da terra, fosse em suas concavi-dades naturais, fosse cavando sua superfície, os cor-pos venerados ou os objetos que foram, para seussentimentos, motivo dos mais delicados afetos.

Aníbal: — Parece que já me encontro nesse país, contemplan-do seus formosos panoramas, tal é a sensação de rea-lidade que suas palavras me transmitem. Espero agora,com muita curiosidade, seu relato sobre aquelas sin-gulares cerimônias, que muito me interessa conhecer.

Preceptor: — A curiosidade — repito — é uma modalidade que

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não convém aos fins do conhecimento. Num instantese esquece aquilo que a motivou, por não cumprirnenhuma finalidade útil. Muitos são os que fracassa-ram no caminho do saber por essa causa. Convém,pois, que você domine sua impaciência e só espereescutar aquilo que seja conveniente eu lhe dizersobre o assunto.

Para entrar naqueles templos, mister se fazia pas-sar antes por escuros subterrâneos. Ali se sucediam ospassos em falso, os tropeções, quedas, etc., e tudoisso obrigava os visitantes a caminhar com cautela ea conservar clara a imagem de cada experiência.

Durante o percurso, eram conduzidos por um guiaque explicava a cada um o que lhe fosse mais incom-preensível, sempre até onde permitiam as ordensvigentes. Quase ao final do tortuoso corredor, eramdetidos por uma voz poderosa, que, do fundo da navecentral, intimava-os a refletir sobre o que seus espíri-tos anelantes buscavam. O guia respondia por eles, eem seguida eram introduzidos num imenso espaçocheio de colunas revestidas totalmente de símbolos ehieróglifos indecifráveis.

Eis-nos já no interior do imponente templo, emmomentos em que o hierofante-mor se dispõe acelebrar um de seus rituais. Tudo ali foi preparadopara a realização dessa solenidade. Invadem o tem-plo os acordes de uma música sublime, pormomentos suave, dulcíssima e quase imperceptível,que aumenta gradualmente em rítmicas harmonias,até alcançar uma sonoridade estrondosa e pene-trante, que parece envolver as almas dos assisten-tes, primeiro num aturdimento, e em seguida numestado de paz inefável, ao afastar os sentidos detoda distração objetiva e concentrar cada um navisão simbólica que surge ante os olhos de seusentendimentos.

A cerimônia se inicia com a elevação do cálice

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109Diálogo 25 – Explicando o ...

que, nas mãos do augusto hierofante, resplandece comfulgores extraterrenos, iluminando com sua luz não sóo interior do templo, mas também o interior das almas.Luzes suaves e de cores cambiantes dão ao ato ritualuma majestade impressionante. Todo o templo estáinvadido pela branca fumaça do incenso, que, ao seriluminado pelas cintilações fulgurantes das luzes, pare-ce tomar formas semelhantes a presenças incorpóreasque ambulam pelo espaço em figuras originais.

O hierofante pronuncia os mantras de praxe, eseus ajudantes executam os chamados “signos deinteligência”, movendo-se em diversas direções; che-gado o momento, respondem a um só tempo àsvozes de profundas ressonâncias espirituais, comoutras que ligam os elos da corrente de entendimen-tos recíprocos.

Aníbal: — Gostaria de saber que significado têm esses man-tras e qual é sua influência sobre aqueles que os escu-tam.

Preceptor: — Seu significado é o mesmo que tem todo signofamiliar a nosso entendimento; quanto à sua influên-cia, não a exercem por império de nenhum poderoculto, como você pode muito bem supor, senão queproduzem nas almas dos seres um lúcido encanta-mento, que as enche de forças e entusiasmo. Sãocomo essas notícias felizes recebidas de súbito, ines-peradamente, ou que, esperadas com temor, produ-zem, ao se confirmarem, o sobressalto psicológicoque chamamos de júbilo, fazendo com que todos osnossos pensamentos cedam rapidamente à influênciadessa notícia que haverá de mudar, em parte ou notodo, o ritmo e a condição de nossa vida. Os mantrassão, para os iniciados, segredos que se comunicam asuas almas ante a próxima revelação de um arcanopor longo tempo anelado.

Aníbal: — E o ritual, o que significa? Preceptor: — É a celebração de um ofício divino que representa

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a festa do espírito. Por isso, o grande hierofante canta;por isso, há luzes no santuário, aspira-se ali o perfu-me do incenso e as almas vibram sob o influxo majes-toso desse acontecimento.

Aníbal: — Compreendo. Só me falta agora perguntar aosenhor algo que ainda não está completamente claropara mim. É o seguinte: por que recorrer a essa sole-nidade?

Preceptor: — Na verdade, tal solenidade não existe. Para os quenada sabem do significado dessas cerimônias, é natu-ral que tudo pareça pomposo, mas para aqueles seres,que conheciam seu fundo instrutivo, não havia nelasmais solenidade que a doce realidade que experi-mentavam em tais circunstâncias.

Hoje, não mais existem vestígios daqueles antigosrituais. Em vão se tentou encontrá-los por entre as ruí-nas dos famosos panteões de Psammética e Ramsés;porém, mesmo no caso de encontrá-los, de que have-riam de servir, senão para serem exibidos como relí-quias históricas?

Aníbal: — Por que o senhor diz que de nada haveriam de ser-vir? Por acaso não existem em nossos dias sumidadesintelectuais capazes de se igualar às daquela época?

Preceptor: — Então já não haveria nada que buscar naquelesarcanos, pois a sabedoria pressupõe o domínio dasciências, da mais alta inclusive. Mas há algo maisque escapa à sua perspicácia: os tempos de agoracertamente não são para a celebração dessesrituais; hoje, é necessário oficiar dentro do própriocoração, na intimidade da consciência. Ali, nessealtar inviolável, custodiado por nossos sentimentos,permanecerá, sem ser jamais violentado, o segredode todos os segredos: a verdade impronunciável, apalavra de Deus vivendo em nós, a palavra que pro-nunciamos nos momentos mais solenes de nossavida, o mantra que, ressoando em ecos sublimes,nos transporta a esse mundo supra-sensível que

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111Diálogo 25 – Explicando o ...

promove em nós as mais profundas emoções e tra-duz, para nossa consciência, as imagens da felici-dade e do sofrimento.

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Preceptor: — Certa vez, alguém me perguntou se eu podia lheapresentar um conhecimento e concretizá-lo, a fimde perceber sua forma, assim como sua solidez, aponto de se tornar perceptível até mesmo ao tato.

Edmundo: — Isso, sim, é que é interessante! Afinal, também osconhecimentos devem ter sua dimensão ou figuraarquetípica, que os torne mais acessíveis ao nossoentendimento. E como o senhor respondeu à pergun-ta?

Preceptor: — Um vaso artístico, por exemplo, como qualquerobra de arte, é a síntese prática ou concreta de umconhecimento. Oculta entre as filigranas, ou entre aexpressiva trama de fisionomias, paisagens ou traçosnele plasmados, acha-se esculpida a essência ativa dopoder criador que anima o conhecimento que inter-veio em sua execução. O valor de tais peças, aparen-temente inanimadas, reside no mistério que lhesinfunde vida, isto é, no pensamento criador nelasestampado; e aqueles que as sabem admirar com suainteligência e desfrutar com sua sensibilidade as esti-mam e avaliam por tudo o que elas expressam ousugerem.

Pedir que se descreva o conhecimento do artista,tal como se poderia descrever o vaso ou a obra dearte, equivaleria a repetir todo o processo de assimi-

Diálogo 26 DESCRIÇÃO DOS CONHECIMENTOS E

CAPACIDADE PARA ABARCÁ-LOS.

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113Diálogo 26 – Descrição dos conhecimentos ...

lação cumprido por aquele e, do mesmo modo, oprocesso de transubstanciação do conhecimento ecriação do pensamento artístico em todo o seu desen-volvimento, até o término da obra de arte. Assim,pois, a forma de um conhecimento estaria representa-da pela concepção de uma obra, sua solidez pela per-feição da mesma, e sua dimensão pelo grau depaciência nela manifestado.

Edmundo: — O senhor deu uma excelente explicação ao queparecia inexplicável. É indubitável que a existênciade um conhecimento se apalpa pela força energéticaque o anima, tornando-se ainda mais evidente quan-do o usamos. Confesso que desta vez foi fácil paramim abarcá-lo; já de outras vezes, ao me falar osenhor desse ou daquele ensinamento, apesar de seuconteúdo me comover profundamente e eu sentircom intensidade sua força pelas verdades que encer-ra, não consigo compreender seus alcances ou,melhor dizendo, sua transcendência.

Preceptor: — Não duvido de nada do que você me expressa,por ser muito comum observar idêntica situaçãonaqueles que abordam pela primeira vez estudosdessa ordem. Não obstante — e pode estar bemseguro disso —, essa dificuldade para compreender oensinamento irá desaparecendo à medida que vocêvá se familiarizando com a linguagem da Sabedoria.Verá, então, quão fácil lhe será penetrar nela, paraencontrar sua oculta essência e aspirar esse inefávelaroma que dela se desprende. Sua palavra já não seráuma palavra material, cuja monótona sonoridadefere os ouvidos; será a inflexão feliz do pensamentoluminoso, comunicando-se com a alma que o escu-ta com incontíveis ânsias de elevação. Será o elixirque se derrama prodigiosamente, e que somenteconseguem gustar aqueles que se esforçam, aquelesque vencem a inércia e se impõem nas lutas contrasuas próprias debilidades.

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114 Diálogos

O ato de penetrar na essência de um ensinamen-to, tome-o você como dois braços que se estendemansiosos em demanda de saber, enquanto outros doisbraços, estendidos para servir esse elixir, simboliza-riam a oportunidade generosamente se oferecendo.

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Bernardino: — Repetidas vezes o senhor já me aconselhou a dedi-car atenção ao conhecimento do sistema mental, pre-conizado pela Logosofia. Entretanto, que necessidadetenho de conhecer minha mente, se posso usá-la damesma forma e fazer tudo o que me apetece?

Preceptor: — É verdade; mas aquele que ao pensar sabe porquais leis pensa, tem já uma vantagem sobre quemisso ignora. Além do mais, quem não conhece comoatuam os pensamentos dentro e fora da mente estarásempre à mercê de seus impulsos, sem que a razão,utilizando a vontade, possa refreá-los.

Existem pessoas que, por natureza, levam consigoo dom do domínio pessoal. Mas também elas, comfreqüência, são surpreendidas em sua boa-fé, por des-conhecerem as manobras mentais realizadas pelosque perseguem fins mesquinhos. Por outra parte,pouca é a liberdade de que goza aquele que se deixalevar pelos pensamentos às mesas de jogo, aos des-medidos prazeres do álcool, etc. Se é a razão, emestreita consulta com a consciência, a que devegovernar a mente, fácil lhe será ver que isso nãoacontece nos casos citados.

Pois bem; o conhecimento logosófico permitedesalojar da mente todo pensamento pernicioso querebaixe o ser humano. Conhecer as combinações e

Diálogo 27VANTAGENS DO SABER LOGOSÓFICO.

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movimentos que se promovem dentro dela é experi-mentar a consciência do pensamento executor e afu-gentar o fatalismo do acaso, já que é este o que apa-rece determinando o jogo mental, e é o que dispõe asalternativas pelas quais passa o indivíduo que nãodomina, com a inteligência de seus conhecimentos,os fatores que intervêm para enaltecer sua vida, tor-nando-a fecunda e feliz, ou para rebaixá-la, arrastan-do-a pelo caminho da desventura e da perdição.

O homem, em geral, cuida de não ingerir alimen-tos que, como sabe, haverão de prejudicá-lo, mas fre-qüentemente esquece que deve fazer o mesmo comos pensamentos que, por experiência, sabe seremmaus. Diga-me: quem não prefere possuir as riquezasdo conhecimento a ter que se ver exposto a enfrentaras difíceis situações, os problemas e uma infinidadede inconvenientes em que sua ignorância costumacolocá-lo, pela falta de cultivo de suas faculdades,condições e qualidades?

Bernardino: — O senhor me fez ver, certamente, muitas coisas emque eu não havia reparado. Se não for abusar de suagenerosidade, poderia ilustrar-me mais amplamente arespeito desses problemas e inconvenientes que cos-tumam apresentar-se no curso da vida, diante dosquais muitas vezes não sei que caminho seguir, ouque chave empregar para resolvê-los?

Preceptor: — Farei isso com o maior gosto; é a sua uma preocu-pação que necessariamente deve ser atendida. Taisdificuldades e problemas se apresentam, em suamaior parte, por quase nunca se exercer a faculdadeda observação. O segredo, para que não nos acos-sem, consiste em saber como resolvê-los antes que sefaçam sentir; isso economizará tempo, evitará desgos-tos e preservará nossa tranqüilidade. Essa ação pre-ventiva contra a adversidade é de uma eficáciaimponderável. Entretanto, e quase sempre por desca-so, isso não se faz; depois, quando o mal já está acon-

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117Diálogo 27 – Vantagens do Saber ...

tecendo, sobrevém o desespero, estado psicológico emental nada propício para solucionar situações extre-mas.

Eu poderia apresentar a você milhares de casosque testemunham a bondade da fórmula. Aquele quecuida de sua saúde afasta os problemas que umadoença lhe poderia criar, quando se trata daquelasque podem ser evitadas; quem sabe administrar seupatrimônio preserva igualmente sua tranqüilidade dapossível visita de hóspedes ingratos, como são os pro-blemas e dificuldades.

Pois muito bem; isso não é tudo. É ainda necessá-rio colaborar com a Providência para que ela nosajude. Como? Conduzindo a vida com a maior sensa-tez possível pelos caminhos do mundo. Não compro-metendo a paz do futuro com atos que eventualmen-te poderiam perturbá-la. Isso fará você entender queas causas de muitas das dificuldades e problemas dopresente estão em nossos descuidos do passado. Nãodeixemos que continue se repetindo a mesma expe-riência. Limpemos a tempo o caminho pelo qualdeveremos passar, em vez de nos lamentar após cadatropeço por não tê-lo encontrado aplainado pelos quepassaram antes.

Bernardino: — É irrebatível o ensinamento que o senhor me dá,pois quão certo é que nós queremos tudo, sem pôr denossa parte o menor esforço. Impressionou-me viva-mente essa previsão sobre o futuro por viver, coisa emque, na verdade, muito poucos pensam. Não existeum método, além do logosófico, que guie de modoseguro e prático sobre a forma de conduzir a vidacom as sábias preocupações da prudência, de modoa sabermos com toda certeza o que o amanhã nos vaideparar.

Preceptor: — Tanto melhor para você se tiver compreendido esseinteressante ponto, já que ele é de considerável valorpara toda criatura humana.

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Maximiliano: — Na psicologia humana existem, é certo, algumasraridades nas quais me interessa sobremaneirapenetrar, para descobrir que forças ponderáveis edesconhecidas atuam na vida do ser, levando-o àsvezes a realizar atos ou suportar pesares que, porseu temperamento, ele jamais teria tido coragem deenfrentar.

Investigando em diferentes fontes, cheguei à con-clusão de que se pode passar de um extremo a outro;por exemplo, do estado de vacilação ante um perigoao de decisão próprio do mais temerário arrojo; deum estado de temor a outro de coragem, etc. Mas oque ninguém explica é, na verdade, a causa que pro-move essa mudança de ânimo e de atitude interna,tão rápida quanto oposta ao momento psicológicoanterior.

Preceptor: — Se entrássemos no terreno das suposições, pode-ríamos dizer que a causa reside umas vezes no aper-to em que alguma situação difícil nos coloca e,outras, no cálculo supremo feito por nós naqueles ins-tantes em que, pelo fato de nossa vida correr sérioperigo, compreendemos instantaneamente que a per-deríamos se não realizássemos, com os riscos fáceisde supor, o esforço ou o ato que, para nos salvar, ascircunstâncias exigem de nós.

Diálogo 28RARIDADES DO TEMPERAMENTO E AS FORÇAS

HUMANAS ATUANDO POR EXALTAÇÃO.

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119Diálogo 28 – Raridades do ...

O fundo dessas proezas encerra, naturalmente,um conteúdo de inestimável valor. É, para melhordizermos, a razão das causas. Vamos, pois, em buscadessa razão que você não pôde descobrir com seuspróprios recursos.

Se observarmos a vida dos seres, veremos quetodos se acham dotados de poderosas resistências, asquais se mantêm estáticas neles, como reservas inter-nas. Tais reservas se assemelham muito ao arco doguerreiro, que permanece como coisa inútil, ou tal-vez como mero adorno, quando está fora de uso, masque, posto em tensão por um braço experiente, con-centra uma força por demais apreciável, capaz dearremessar a flecha com ímpeto hercúleo. Diante dasmais extremas situações, por acaso já não se viu maisde um ser inibido pela timidez, ou trêmulo de temor,pôr-se prontamente a postos e, ungido por uma cora-gem extraordinária, causar assombro por sua bravuraou seus atos temerários? Igualmente, já vimos comque vigor se refazem ante uma desgraça aqueles que,segundo suas próprias manifestações, não teriam tidoânimo para enfrentar pequenas desventuras.

Maximiliano: — Curiosa e interessante a explicação que sua pro-funda sabedoria me proporcionou.

Preceptor: — O mais curioso e interessante, porém, é que, ape-sar da existência dessas comprovações sobre as pode-rosas resistências que todo ser humano possui, elasnão são empregadas para fazer avançar a vida emcontinuados esforços de evolução. Assim se veriacomo cada um é capaz de transpor todas as dificulda-des e, com serenidade e inteireza, suportar quantavicissitude lhe possa ser acarretada pela magna tarefade sua liberação moral e espiritual por meio do aper-feiçoamento.

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Ergasto: — Há aqueles que buscam o bem, isto é, o queredunda em benefício de nosso ser e de nossas vidas,por uma inclinação natural a melhorar suas condi-ções individuais. Em tais casos, essa inclinação égeralmente inspirada pelos mais generosos sentimen-tos, e é assim que, da felicidade alcançada, ou seja,do bem que obtemos, fazemos partícipes os que,direta ou indiretamente, nos rodeiam na vida familiare na de relação. Há, por outro lado, e em grandenúmero, aqueles que só buscam o bem egoisticamen-te, isto é, com fins mesquinhos e utilitários.Interessados no próprio benefício, despreocupam-setotalmente do bem dos demais. No entanto, é fácilver como abrem caminho na vida e como são pródi-gos em se proporcionarem os mais variados gostos,caprichos e prazeres. Que explicação caberia nessacircunstância em que a sorte parece favorecer talvezmais a quem busca o bem egoisticamente do queaquele que o anela com o espírito altruísta?

Preceptor: — É indubitável que existem seres de estreita com-preensão humanitária, cujos sentimentos estão endu-recidos pela avareza; com aguda veemência, sóanseiam tudo quanto possa favorecer exclusivamentea eles. Embora seja certo que muitos triunfam em seusafãs especulativos, é bom recordar que a ninguém

Diálogo 29SOBRE OS QUE BUSCAM O BEM EGOISTICAMENTE.

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121Diálogo 29 – Sobre os que ...

inspiram confiança nem simpatia. São vistos comoseres de outra espécie: é o sentimento de humanida-de reagindo diante do agravo que o egocentrismoabsolutista do bastardo lhe ocasiona. Poderão propor-cionar gostos e prazeres a si próprios, tais quais osporcos a se espojarem na lama e a comerem semmedida, porém suas vidas, como as destes, oferecemo mesmo espetáculo desalentador: enquanto uns sãosacrificados para que suas apetitosas carnes sejamsaboreadas, aos outros os espreitam os parentes, queesperam deleitar-se com o festim da herança. Nãovale a pena, pois, nos ocuparmos deles; deixemosque cumpram seu triste destino... Enquanto isso, pre-paremos para nós um melhor; assim, a recordaçãoque inspiraremos será também muito superior, segu-ramente, à daqueles que confundiram o bem da vidacom o “viver bem”, de acordo com suas concupis-cências.

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Orestes: — O senhor nos disse, certa vez, que os erros e faltascometidos pelos seres no curso de suas vidas aumen-tam a adversidade que depois os persegue. Admitirisso seria, segundo creio, aceitar uma injustiça, jáque, em sua maioria, os erros se devem à ignorânciaou aos procedimentos inconscientes. Não concebo,pois, a existência de uma lei rígida, implacável, capaz— inclusive — de aniquilar uma pessoa, fazendo-asofrer desgraças que, muitas vezes, nada têm a vercom os erros ou faltas cometidos.

Preceptor: — Injustiça é o que vêem os olhos dessa mesma igno-rância ou inconsciência a que você se referiu, mas narealidade ela não existe. A adversidade é um dosgrandes agentes morais usados pelo PensamentoUniversal para corrigir desvios, sacudir as menteshumanas e obrigar o homem a andar direito. A igno-rância e a inconsciência são, precisamente, as causaspelas quais os seres cometem tantos erros e faltas,cujas conseqüências devem sofrer a curto ou longoprazo.

Vejamos, agora: que deve fazer o homem paraevitar que a adversidade o persiga e atormente?Deixar, então, de ser ignorante e inconsciente, aper-feiçoando-se; eis aí sua missão e o único objeto desua vida. E nada facilita mais seu aperfeiçoamento do

Diálogo 30DE COMO FAZER FRENTE À ADVERSIDADE

PELA SUPERAÇÃO CONSCIENTE.

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123Diálogo 30 – De como fazer frente à ...

que a análise e o estudo de seus erros, passados e pre-sentes, por ser este o melhor caminho e o mais curtopara descobrir prontamente as próprias deficiências.Depois, sua preocupação consistirá em eliminá-las,eliminando assim a causa que produzia em sua vidaefeitos negativos da mais variada índole.

Orestes: — Entendo perfeitamente, mas é muito difícil quealguém se dê conta de seus próprios erros, por crer,geralmente, que tem razão; e, no caso de outra pes-soa apontá-los, custa-lhe muito, também, reconhecê-los.

Preceptor: — Isso ocorre quando o ser, carente de uma adequa-da ilustração superior, pretende saber tudo, despre-zando o conselho dos demais; eis aí seu primeiroerro. Entregue a seu próprio entendimento, fecha, porassim dizer, todas as suas possibilidades à influênciaedificante e renovadora de conhecimentos capazesde operar mudanças substanciais em sua vida e aper-feiçoar suas condições espirituais e morais. Porém,tudo muda quando o homem, decidida e consciente-mente, se dispõe a deixar de ser joguete das circuns-tâncias e a reconstruir sua vida com outras perspecti-vas. É então que se dá conta de que a soberba, o des-medido amor-próprio, a intolerância, a impaciência eas bruscas reações, impregnadas sempre de violência,são péssimas aliadas, porque oferecem a seus inimi-gos os alvos mais vulneráveis aos dardos da insídia,da injúria e da calúnia.

Firmado, pois, o propósito de auto-aperfeiçoa-mento, quem isso faça não tardará a descobrir seusdefeitos e a reconhecer seus erros. Concentrará seuafã em eliminar os primeiros e impedir severamente amanifestação dos segundos, ao corrigir suas atuações,antes entregues ao acaso de seus caprichos.

Orestes: O senhor me deu um excelente ensinamento.Compreendo que tudo consiste em se propor corrigiras próprias deficiências e atuações, para não incorrer

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124 Diálogos

em novas faltas e erros. A adversidade cessará, assim,com seus implacáveis e inesperados golpes.

Preceptor: — Não pense que isso acontecerá num instante oupelo mero fato de você adotar uma conduta melhor;não. Ainda será golpeado muitas vezes por conta deerros e faltas precedentes. Não obstante, você tem aprerrogativa de aliviar e ainda saldar todas as dívidas,contanto que, evidentemente, os erros ou faltas nãotenham violentado a consciência, infringindo leiscapitais, que raramente o homem poderá atrair emseu amparo.

Orestes: E qual seria essa prerrogativa tão promissora que nosajudaria a afastar de nosso caminho um semelhanteacúmulo de males?

Preceptor: — A de fazer o bem com inteligência. Primeiro a simesmo, superando-se em todos os sentidos; depoisaos demais, mostrando com o próprio exemplo tudoquanto se pode fazer na vida em benefício de simesmo; e, sucessivamente, expressando ao seme-lhante como se pode vencer a adversidade e triunfarpor meio do aperfeiçoamento individual.

Orestes: O segredo consistiria, segundo creio haver entendido,em ir em busca das próprias deficiências, a fim de eli-minar a causa motora de tão detestáveis efeitos.

Preceptor: — Essa busca seria, mais propriamente, um dos meiospara descobrir o segredo a que você aludiu, mas nãoo fim, já que simultaneamente se deve realizar o pro-cesso evolutivo, que consumará a obra de aperfeiçoa-mento.

Orestes: — É por demais sugestiva sua exortação para nãodesanimarmos em nossos esforços evolutivos, umavez que eles nos proporcionam compreensões maisamplas sobre os segredos da vida. Considero quedevo meditar com profundidade sobre esse imponde-rável aspecto que o senhor me apresenta sobre ocaráter de nossas práticas na busca do aperfeiçoa-mento. Mas, voltando ao assunto que vínhamos tra-

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125Diálogo 30 – De como fazer frente à ...

tando, quero lhe formular ainda outra pergunta rela-cionada com o mesmo: como se explica essa obstina-da má sorte que parece perseguir as criaturas huma-nas, fazendo-as sofrer?

Preceptor: — Na maioria dos casos, isso ocorre por razões fáceisde compreender. Você deve saber que a adversidadeé um fator negativo, de caráter estritamente pessoal.Como facilmente se pode deduzir de minha exposi-ção anterior, ela aumenta com os erros, as faltas, asdistrações e imprudências que cometemos, e diminuicom os acertos, com a eliminação de deficiências,com ações inteligentes e labores construtivos, comatos bons, generosos e amplos, e, enfim, com nossaconstante superação.

Quando tivermos eliminado toda razão de ser daadversidade por culpa nossa, atrairemos para nós aventura, que é seu oposto, e, com nossos própriosméritos, faremos com que nos favoreça com sua ina-preciável e sempre oportuna assistência.

Essa razão de ser da adversidade, do mesmo modoque da ventura, tem sua origem em nossos atos e pen-samentos, por serem eles que nos levam ao encontrode suas conseqüências: se forem bons, essas conse-qüências serão felizes; caso contrário, tornar-se-ãoamargas. De nós depende, pois, que nos persiga aadversidade ou nos preceda a ventura.

Orestes: — E quando se trata de um povo? Preceptor: — A adversidade que castiga um povo, um país, já

obedece a causas mais profundas; contudo, sempreterá existido uma culpa comum que, visível ou invisí-vel à nossa observação, é possível descobrir após suaderrocada ou através de sua história.

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Preceptor: — Apesar da boa disposição que observo na maioriados discípulos para compreender e desfrutar o bene-fício dos conhecimentos logosóficos, estes, segundovejo, se esfumam ou permanecem estáticos em suasmentes. Indubitavelmente, falta mais dedicação evontade para incorporá-los à vida.

Olivério: — É possível que seja como o senhor diz. Não obs-tante, considero que influem muitos fatores, osquais, ao se oporem, dificultam nossos propósitos,interferindo neles. Sem que isso constitua uma pre-tensa justificativa, naturalmente, eu entendo que oconhecimento logosófico, por ser vital, por ser degrande transcendência para nossa vida, visto quenos convida e nos guia para a realização do proces-so de evolução consciente, faz com que seja muitocustoso, como é lógico supor, o habituar-se a umritmo de atividade jamais imaginado. A luta contraos velhos hábitos e nossa excessiva complacênciacom as próprias debilidades e com as atrações davida comum é, no meu entender, o que mais dificul-ta a realização de nossas ânsias de superar-nos. Maso curioso é que, enquanto encontramos facilmente amaneira de aplicar esses conhecimentos nosdemais, o assunto se complica quando devemosfazê-lo em nós mesmos.

Diálogo 31CONSELHOS PARA NÃO SE COLECIONAREM CONHECIMENTOS

COMO SE FOSSEM BORBOLETAS

— NECESSIDADE DE INCORPORAR TAIS

CONHECIMENTOS À VIDA.

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127Diálogo 31 – Conselhos para não se colecionarem ...

Preceptor: — Disso se infere que uma coisa é aprender pelomero fato de saber algo novo, e outra é quando osaber é empregado para levar a cabo uma efetivasuperação. No primeiro caso, os ensinamentos viriama ser como as borboletas que anunciam o bomtempo, alegrando o campo florido dos enlevos com ovistoso colorido de suas delicadas e graciosas asas.Fácil é caçá-las, e mais fácil ainda deleitar-se comelas, espetando depois seu diminuto tórax para cole-cioná-las sobre um simples cartão.

Todavia, enquanto isso é feito, o tempo bom queelas anunciavam vai passando sem ser aproveitado,perdendo-se assim oportunidades difíceis de recupe-rar.

Os que intuem a importância desse tempo e o des-frutam inteligentemente são chamados a triunfar.Esses não colecionam conhecimentos para deleitepessoal ou por puro afã especulativo, mas sim pararealizar seus maiores e mais sinceros propósitos debem.

Temos, então, que, enquanto os conhecimentos semantêm ativos em alguns seres, que com eles apro-veitam o bom tempo, em outros permanecem estáti-cos, como as borboletas que jazem espetadas no car-tão do colecionador.

Admito que o labor exigido pela evolução cons-ciente pode ser árduo, pode ser difícil e pesado, masa sensação que se experimenta ao se conseguir umamplo resultado excede, sem dúvida alguma, qual-quer compensação.

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Hamílton: — Cada vez que queremos nos remontar aos alvoresdo mundo para conhecer os primeiros movimentosinteligentes dos homens, damo-nos conta de que tudoparece estar oculto entre as sombras de um passadoinsondável. Ocorreu-me pensar, por exemplo, qualteria sido o primeiro ofício praticado pelos que habi-taram nosso planeta naquelas remotas épocas, e nãoencontrei uma explicação satisfatória.

Preceptor: — Considerando a incipiência de seus entendimen-tos, parece bem claro que a pantomima foi o primei-ro ofício exercido pelos homens. Não possuíam aindao uso da palavra articulada de modo inteligente, nemconheciam os nomes das coisas; porém, levados pri-meiro pelo instinto, e depois pela elementar atividadede suas mentes, começaram a familiarizar-se com ouso de tudo o que formava o conjunto de suas neces-sidades. Para se entenderem, usaram das expressõesfisionômicas, dos gestos e ainda das atitudes, pordemais expressivas, que revelavam os desejos dequem os executava. É indubitável que o primeiro emais significativo gesto foi o de levar a mão à boca,em atitude de comer, para dar a entender que se tinhafome, sinal que perdura ainda em nossos dias e éconhecido em todas as partes do mundo, sendo issoprovado com eloqüência pelo fato de que, não

Diálogo 32O JOGO DA MÍMICA, O PRIMEIRO DOS OFÍCIOS

QUE O HOMEM APRENDEU.

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129Diálogo 32 – O jogo da mímica ...

conhecendo alguém a fala de um lugar, usa-o espon-taneamente para obter alimentos.

Hamílton: — Disso se depreende que os homens primitivos,impedidos, pela própria incipiência intelectual, deusar da linguagem articulada, realizavam suas tarefassilenciosamente.

Preceptor: — De fato; e ocorria que os mais avantajados por suahabilidade serviam de referência para os outros, queimitavam seus movimentos. Uma pedra de regulartamanho, por exemplo, lhes teria sugerido o pensa-mento de se sentarem em cima, atitude que sem dúvi-da foi logo adotada pelos que até então se sentavamno solo. O couro dos animais, que não se lhes mos-trou comestível, pode ter sugerido a eles a idéia decolocá-lo sobre a pedra para torná-la menos dura e,mais tarde, amaciado pelo uso, os teria induzido aadotá-lo como abrigo.

Hamílton: — De onde se conclui que o homem é um insigneimitador.

Preceptor: — Ele é assim por natureza, enquanto não se pronun-cia nele a faculdade de criar, capacidade esta que oeleva de nível hierárquico. Justamente, aquela expres-são muda estimulou a necessidade de recorrer àmímica para resolver as situações prementes da vidaprimitiva, mas depois a inteligência humana substi-tuiu pela comunicação verbal aquelas rudimentaresformas de engenhosidade, e novos progressos se evi-denciaram na vida dos homens.

Hamílton: — De modo que a brincadeira infantil chamada “jogoda mímica” teria sua origem naquelas remotas ida-des?

Preceptor: — Sem dúvida. Quando surgiu a necessidade deexpressar com palavras os pensamentos e desejos,esse recurso da pantomima passou à história comouma curiosidade. Entretanto, como a alma humanaguarda de tudo alguma reminiscência, o jogo damímica foi sendo praticado pelas crianças ao longo

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dos tempos, com grande entusiasmo. Consistia, comose sabe, no seguinte: reunidas várias crianças, umadelas, escolhida por turno para exercer a mímica,começava a descrever — por meio de manifestaçõesfisionômicas, gestos e atitudes expressivas — seu pen-samento ou seu desejo. As demais crianças deviaminferir o significado dos diversos movimentos que aoficiante fazia. Assim, umas davam uma interpreta-ção, e outras davam outra; mas, na maioria das vezes,coincidiam quando era clara a imagem apresentada.

Isso dava ensejo para que as crianças, ao veremque era entendido com facilidade o que executavam,pensassem em reproduzir imagens mentais de coisasmais difíceis, a fim de que a expectativa fosse maior eficasse mais trabalhoso acertar. Desse modo, e semquerer, adestravam suas mentes para outras inventi-vas.

Como você pode ver, o jogo da mímica foi prati-cado pelas crianças durante séculos, e o é ainda hoje,sem que a ninguém tenha ocorrido pensar se nãoteria sido este o primeiro ofício dos homens.

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Preceptor: — Uma das qualidades mais singulares dos conheci-mentos logosóficos é a de atrair vivamente a atençãode todos aqueles que a eles se vinculam, aumentan-do a expectativa e o entusiasmo à medida que a inte-ligência resplandece, iluminada em máximas expres-sões de sabedoria. Recordo-me de um ensinamento,entre tantos outros, que despertou muito interesse naoportunidade em que foi dado: é o que se refere àszonas livres e às zonas proibidas que se achamdemarcadas no plano da vida. Esse ensinamento sus-citou sempre, naquele então como agora, perguntas ereflexões que não foram poucas.

Edmundo: — A esse respeito, se o senhor me permite, desejo for-mular-lhe uma pergunta. Ao se falar de zonas proibi-das, trata-se, por acaso, daquelas às quais só têmacesso uns poucos que estão autorizados a nelaspenetrar, como nos estabelecimentos e zonas milita-res? Ou talvez se refira, mais propriamente, ao fato dealguém se colocar à margem da lei?

Preceptor: — Zona livre ou transitável é a do bem; zona proibi-da, a do mal. Ambas — e isto é o extraordinário — seacham tão estrategicamente colocadas que é necessá-rio ter cabal consciência do que elas representam,para poder evitar as passagens difíceis que desembo-cam nas zonas proibidas. Comumente são confundi-

Diálogo 33ZONAS LIVRES E ZONAS PROIBIDAS

— CONSCIÊNCIA DOS ATOS.

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das, por se ignorarem os limites que separam umasdas outras; o resultado aparece, com muita eloqüên-cia, ao se verem os tropeções e quedas de tantos que,tendo invadido intencionalmente ou por inadvertên-cia as zonas proibidas, com pouco andar já sofrem asconseqüências de tal temeridade.

Zonas livres são aquelas em que o ser, estandodentro delas, se sente em paz com sua consciência.Noutros termos, é quando tudo o que ele faz, pensa ediz tem o sabor do que é honesto, do justo e do bom,mostrando, ao mesmo tempo, limpeza interna, que ésinal de elevação moral.

Quando não se tem consciência da qualidade dospensamentos que atuam na mente e ainda governamos atos do ser, este é levado constantemente de umazona para outra, anulando seus belos gestos ou suasações generosas com a consumação de outros gestosnada simpáticos, ou com atitudes e feitos diametral-mente opostos àqueles. Esta é a causa pela qual tantocusta aos homens edificar e manter um bom concei-to no juízo de seus semelhantes.

“Não faça isto; não faça aquilo; não se comportede tal ou qual maneira”, dizem-nos quando somospequenos, com o objetivo de nos corrigir. Ouvir issonos causa certa preocupação; mas não produz emnós o mesmo efeito, pouco depois, em nossa mocida-de, quando já não admitimos correções de ninguém.Esquecidas assim aquelas advertências da infância,avançamos sem prevenção alguma, internando-nosna vida, ansiosos por vivê-la sem limitações denenhuma espécie. Mas eis então o que eu já lhe disse:depois de pouco andar, sobrevêm os primeiros con-tratempos e as primeiras contrariedades, aos quais sevão somando outros que acabam por decepcionar,atemorizar e desorientar o incauto caminhante.

Edmundo: — Vejo assim explicado o porquê de muitos reveses equedas que sofremos sem compreender a sua causa.

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133Diálogo 33 – Zonas livres e zonas ...

Preceptor: — Certamente. Pois bem; tais efeitos,que vão atormentando a alma do ser, muitas vezescostumam ser instrutivos, pois acabam por convencê-lo de que deve existir algum conhecimento que orien-te e guie sua vida pelos caminhos deste mundo, até ofim de seus dias. Esse instante de reflexão costuma sero que o leva depois por todas as partes em busca daluz ansiada, ou do conhecimento ou virtude pressen-tidos. Começa então um novo trânsito, uma peregri-nação que a muitos desanima, a não poucos desvia,e que aproxima finalmente os demais, talvez osmenos numerosos, às fontes da Sabedoria essencial,onde recuperam as energias, o alento e a alegria deviver, pela força renovadora e vivificante do ensina-mento que os ilumina e protege.

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Preceptor: — Desta vez vamos estudar dois casos, observadoscom bastante freqüência nas pessoas em geral. Oprimeiro nos apresenta a esta ou aquela pessoa emmomentos de sofrer as conseqüências de um dostantos enganos a que os seres se vêem expostos, pordiferentes motivos, inclusive por boa-fé; o segundonos mostra o estado de fanatismo a que costumamser conduzidos pelas crenças — sejam da índoleque forem —, estado que lhes faz impossível todareflexão.

Eládio: — Isto haverá de ser muito interessante, pois nãocreio que exista alguém sem nada para contar a res-peito, seja por haver sido enganado, seja por havercaído alguma vez nesses estados de irredutível obsti-nação ou fé cega em alguma crença. Por outro lado,se o senhor tocou nesse ponto, entendo ser seu pro-pósito descobrir para nós alguma razão oculta, aindapor revelar.

Preceptor: — Sua suposição não ficou muito longe. Sempre exis-te, de fato, uma razão oculta que explica, às inteli-gências capazes de descobri-la, o profundo e cabalsignificado do fato, significado este cuja evidênciajamais se oferece à primeira vista, nem mesmo seapreciado com inquisitiva curiosidade.

Diálogo 34CAUSAS DOS ENGANOS

— AS CRENÇAS PESSOAIS E SUAS DERIVAÇÕES.

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135Diálogo 34 – Causas dos enganos ...

Eládio: — E por que não se manifesta aos olhos de todos, semter que ostentar tão altos títulos de sapiência?

Preceptor: — Aí está, precisamente, a chave da questão. É isso oque todos haveriam de querer, não só com respeito aoque motiva o ensinamento de hoje, mas também atudo o que permanece alheio às suas precárias cultu-ras e conhecimentos. Por outro lado, a quem podeinteressar a explicação de algo sobre o qual se mos-tra indiferente? E de que vale sua manifestação anteos próprios olhos, se não haverá de compreender oque vê, ou se passará por alto, como é evidenciadopor tantos exemplos?

Sem estar, pois, à vista, acha-se ao alcance detodos, no entanto, aquilo que sinceramente se queirasaber; quem fizer o esforço saberá disso no devidotempo. Parece-lhe justo que obtenha o mesmo resul-tado quem não fez esforço algum, ou quem, por nãoestar interessado, não dá a menor importância ao queestá a seu alcance?

Eládio: — Minha pergunta foi, sem dúvida, um tanto apressa-da; devia ter refletido e respondido eu mesmo a essaindagação. É de todo natural nos preocuparmos como que mais vivamente nos interessa, sem pretenderlevar os demais às costas, para que vejam, sintam ecompreendam o que nos é privativo.

Preceptor: — Perfeitamente. Voltemos agora ao tema que, segun-do vejo, promoveu em sua inteligência uma série demovimentos tendentes a aproveitar ao máximo oensinamento.

Diferentemente da apreciação comum, que julgaos fatos por suas conseqüências, sem relacioná-loscom a sua origem, a Logosofia examina o desenrolarde um fato para chegar à sua causa. Assim, os quedizem haver sido surpreendidos em sua boa-fé, ou,mais claramente, que foram enganados, oferecem àobservação logosófica situações diversas e fatoresconcorrentes que determinam a consumação do fato.

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Se alguém, encontrando-se circunstancialmente compessoas desconhecidas, com elas intima, entabulanegócios ou lhes confia seus bens, põe em evidênciasua ingenuidade, que é característica dos que nãotêm capacidade discernitiva, mas que, por um estra-nho paradoxo, desconfiam das pessoas honestas queeventualmente tratam com elas. Determinado esseaspecto psicológico, geralmente constatamos queparte da causa reside também na oculta ambição demultiplicar milagrosamente o capital economizado àcusta de sacrifícios.

Mostram igualmente ingenuidade, ainda que emmenor grau, os que, em busca do saber ignoto, sefiliam a estranhos credos, a pseudo-escolas secretasou a seitas de origem duvidosa e, à semelhança docaso anterior, preferem buscar por caminhos tentado-res aquilo que, séria e honestamente, poderiamencontrar por caminhos mais retos. Nessa inclinaçãode tipo fenomênico, aparece perfilando-se tambémuma secreta ambição: a de obter, por meios estra-nhos, conhecimentos que se supõe serem de altopoder para dominar toda classe de situações, a fim deaparecer, depois de realizar algumas dessas práticaschamadas “ocultas”, como sapientíssimos senhoresda Sabedoria. Uma vez enganados, jamais pensamque o germe do engano estava neles mesmos, nempensam tampouco na insensatez de suas pretensões.

O saber não se obtém por milagre, nem com oconcurso de práticas incompatíveis com a realidade:consegue-se mediante o estudo, o exercício constan-te do que se estuda e uma progressiva evolução daconsciência rumo a verdades que conformam osarcanos da Sabedoria.

Existe outro tipo muito freqüente de engano, pre-cisamente o único em que a boa-fé é surpreendidapelos recursos da má intenção que os falsários usam.As pessoas cultas, de espírito amplo e generoso em

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137Diálogo 34 – Causas dos enganos ...

sua maioria, pensam que existe nos demais essamesma disposição, despretensiosa e honesta. Jamaisdemonstram a desconfiança típica dos pobres deespírito; ajudam ou ajustam vinculações comerciais,sem que lhes surja a menor dúvida sobre a honestida-de alheia, por enquadrar-se tudo dentro das normaséticas que as relações mútuas exigem. Mas eis entãoque, logo depois, aparece, como disse, o falsário des-ferindo de forma impune e certeira um rude golpe noconfiado benfeitor. O agravo que o impostor cometeao enganar costuma alcançar muitos outros que,como ele, poderiam ter-se beneficiado, caso seu pro-ceder tivesse sido honesto. Com isso, o enganado temde se retrair e, impelido pela experiência, restringe nofuturo seus gestos humanitários ou de índole genero-sa.

Eládio: — Nos dois primeiros casos, a culpa recairia, então,nos próprios enganados; e, no terceiro, não haveriatambém algo de culpa?

Preceptor: — Haveria, se nos ajustássemos à rigidez das atua-ções; porém, é evidente que, se os homens de bemtomassem mil precauções para ajudar, poucos, naverdade, seriam os favorecidos pela nobreza de seusatos. No caso de haver, é, pois, uma culpa perdoável.

Entremos agora no segundo ponto de nosso tema:as crenças ou, melhor ainda, os crentes. Existe umarealidade que tem passado inadvertida a todo omundo, e que é a seguinte: os que professam uma fécega ou alguma crença se erigem em seres infalíveis,não admitindo de modo algum a existência de algomelhor nem mais verdadeiro do que a crença queabraçaram. Mas onde se descobre o móvel oculto queengendra o frenesi histérico do fanático, é no fato deele se constituir, antes de tudo, em crente de simesmo. E é crente de si mesmo porque, não duvidan-do de sua infalibilidade, a tudo antepõe suas conve-niências pessoais. Acaso não temos visto, com bas-

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tante freqüência, esses mesmos fanáticos derrubaremídolos e renegarem suas crenças pelo simples fato deque aqueles ou estas cessaram de corresponder cir-cunstancial ou definitivamente às suas caprichosasexigências? Que crença era, então, a que professa-vam?

Esquadrinhemos o fundo das almas e veremos,nos próprios altares de cada crença, como paira sem-pre, por cima de seus ídolos, o ídolo das crenças pes-soais, o que institui a fé na própria crença, distinta,por certo, da que se aparenta professar. Eis, pois, umarealidade difícil de perceber sem o auxílio dos conhe-cimentos que a Logosofia aproxima das possibilida-des e do juízo de todos.

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Dalmácio: — Já ouvimos dizer, muitas vezes, que quando setoma a rota do aperfeiçoamento é absolutamenteindispensável ser guiado por um preceptor. Por acasonão podemos nós mesmos vencer obstáculos e dis-tâncias, valendo-nos de nossa inteligência e de nossaspróprias forças?

Preceptor: — A natureza humana, tão susceptível aos revolvi-mentos psicológicos e volitivos, é, precisamente, aque reclama e exige um auxílio constante para nãomalograr as boas disposições do espírito. Sua inteli-gência poderá conceber e planejar projetos, poderáinclusive mobilizar a vontade e empreender tal ouqual tarefa; porém — já vimos isto numa infinidadede casos —, diante das dificuldades, da incerteza ouda realização de um esforço não costumeiro, a vonta-de se ressente, decai o ânimo, e a inteligência, aten-dendo a mil pretextos das próprias fraquezas huma-nas, cede terreno. Começam então as postergações,adiando finalmente o plano projetado, que bem podeser o de aperfeiçoamento individual.

Quando se trata deste último, excepcionalmente ohomem associa, à idéia de superação, a de uma vastaampliação do campo consciente, o que implica, porsua vez, uma crescente e gradual iluminação da inte-ligência, graças aos conhecimentos alistados ao

Diálogo 35DE POR QUE É NECESSÁRIO O PRECEPTOR PARA

ENCARAR O PROCESSO DE EVOLUÇÃO CONSCIENTE

RUMO AO APERFEIÇOAMENTO.

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longo do caminho que, necessária e imprescindivel-mente, terá que percorrer.

Vejamos agora as reflexões que responderiam àsua pergunta: Como pode bastar a si mesmo, numatarefa tão grande e complicada, quem deve, enquan-to a executa, abrir sua mente a uma infinidade deconhecimentos que não possui? Que segurança podeter em seus passos, se carece dos elementos quedesempenham o mais importante papel na vida dohomem que quer aperfeiçoar-se? Se em todos osaprendizados forçosamente se requer a guia de quemsabe, por que se pretende, então, prescindir dissonuma empresa de tanta transcendência?

Dalmácio: — Indubitavelmente, seus argumentos são irrebatí-veis; não existe, de minha parte, nenhuma objeção aformular.

Preceptor: — Não obstante, devo fazer-lhe um pequeno esclare-cimento; não são argumentos o que lhe expus: sãoreflexões plenas de uma lógica irrefutável, que des-carta qualquer discussão.

Dalmácio: — Também isto é irrebatível. E como eu tenho o pro-pósito de realizar a empresa de meu próprio aperfei-çoamento, muito me agradaria receber do senhoruma exposição concreta acerca do que devo fazer eque conselhos praticar para vencer as dificuldadesque se me apresentarem.

Preceptor: — Devo, antes de tudo, felicitá-lo pela clareza men-tal que você evidencia ao compreender, sem maioresforço, uma explicação que muitos não aceitam, namaioria das vezes, pelo tom de suficiência com quepretendem entender tudo o que se lhes diz, para sus-tentar depois, sem base alguma, seus equivocadosconceitos.

O próprio fato de compreender que é por demaisdifícil avançar sozinho por tão desconhecido e aci-dentado caminho significa já uma grande ajuda. Arealização do processo de evolução consciente, tal

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141Diálogo 35 – De por que é necessário ...

como a Sabedoria Logosófica preconiza e ensina,requer uma técnica especial, um constante conhecera si mesmo, começando pela articulação mental epsicológica que move as alavancas da própria vida, oque dá ao ser que aproveita esse conhecimento aoportunidade mais extraordinária, que é a de poderrealizar o prodígio de sua transformação moral e espi-ritual, enquanto alcança conscientemente os altoscumes do aperfeiçoamento.

Apesar disso, responderei à sua pergunta tendoem conta o que já foi dito, certo de que você encon-trará bons motivos para extrair as mais úteis conclu-sões. Como primeira providência, se eu lhe pergun-tasse o que faz todo aquele que vai fazer uma longaviagem, seja por mar, seja por terra ou ar, você res-ponderá, sem dúvida, que, tão logo decida isso, eleorganizará todas as suas coisas de forma convenien-te, para que sua ausência não lhe acarrete nenhumprejuízo e, pelo contrário, para que tanto em seu larcomo em seus negócios tudo corra como se estivessepresente. Preparará depois as malas com aquilo que,a seu juízo, haverá de necessitar durante a viagem,predispondo ao mesmo tempo seu ânimo para enca-rar com boa disposição todo incômodo ou inconve-niente que possa ocorrer no curso da mesma.

Pois bem; convém não esquecer isso ao empreen-der a marcha pelo caminho do aperfeiçoamento, jáque, à semelhança de quando se projeta uma viagem,é preciso ordenar todas as coisas de forma tal que,diariamente, haja um tempo disponível a ser dedica-do a tão importante fim. Será necessário, pois, consi-derar esse tempo como se fosse destinado a viajar; e,ainda mais, como se de fato já se estivesse viajando.

O estudo, a prática do ensinamento e sua aplica-ção experimental causam às vezes alguns incômodos,mas estes são amplamente compensados pela quali-dade e pelo número dos benefícios que isso propor-

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ciona. Por conseguinte, esses incômodos devem serconsiderados como próprios das viagens; isso o aju-dará muitíssimo nas diversas alternativas do processoque você terá de realizar.

O de evolução consciente é, ao mesmo tempo,um processo de enriquecimento espiritual, porqueimplica incorporar grande número de conhecimentosde altíssimo valor, mais do que suficientes para edifi-car com eles uma vida exemplar e magnífica.Entretanto, como é natural, nada se consegue semesforço próprio e sem uma dedicação à prova de fra-quezas, sobretudo ante as alternativas que o caminhoa percorrer apresenta. Aqueles que vão sozinhos rapi-damente são surpreendidos por dificuldades impre-vistas, surgidas com freqüência durante o curso dajornada; sua impotência para contrapor-se às revira-voltas da vontade os aflige, e é assim que desfalecem,sem energias para prosseguir a caminhada.

Quando, ao longo das épocas, os homens estan-cam, aglomerando-se nas estéreis planícies da indife-rença espiritual, os que conhecem o caminho são jus-tamente aqueles que devem tirá-los do ostracismomental e guiá-los até campos adequados, a fim deefetuar os cultivos mais profícuos. São eles os encar-regados de tomá-los pelo braço e ajudá-los a cami-nhar; são também eles os encarregados de ensinar-lhes a não discutir, varrendo do horizonte mental asobscuridades imaginárias e fazendo-os notar que otempo não sobra para coisas inúteis, mas se prodiga-liza de forma ampla aos que aprendem a fazer deleum uso correto. E isso é lógico, pois discutindo écomo se faz com que ele se perca lamentavelmente,sem avançar um só passo; daí que os seres que discu-tem sejam vistos sempre no mesmo lugar.

Vou lhe apresentar uma imagem mais clara: se,por exemplo, devemos ir a um ponto qualquer dealgum lugar e, por desconhecê-lo, nos pomos a dis-

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143Diálogo 35 – De por que é necessário ...

cutir, sustentando uns que ele se acha no leste ou nooeste, e outros no norte ou no sul, o tempo passarásem decidirmos ou, no melhor dos casos, tomandouma decisão ao acaso. Mas isso não poderia aconte-cer se estivesse ali quem conhecesse o ponto aondetodos quisessem ir e, ainda mais, conhecesse o cami-nho que levasse até ele.

Na maioria das vezes, os pensamentos queperambulam pelas mentes costumam ser os fatoresque intervêm nos atos dos homens, retardando asações já aprovadas pela razão e anulando-as em mui-tos casos.

Dalmácio: — Pelo que acabo de escutar, é coisa muito séria arealização do processo de superação. Eu entendiaque a cultura corrente cumpria com folga essa finali-dade, sobretudo se levarmos em conta a diferençaque existe entre o ser inculto, e ainda o medíocre, eo homem culto.

Preceptor: — Não há dúvida que essa diferença existe entre ume outro, e é inquestionavelmente grande. Mas ohomem de cultura corrente, mesmo a mais elevada,se quiser alcançar os cimos da Sabedoria, deverá rea-lizar esse processo de evolução consciente a que mereferi, por serem de outra espécie os conhecimentosque abarcam essa realização e, em conseqüência,alheios a seus acervos pessoais.

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Faustino: — Faz alguns dias, comentávamos, entre vários con-discípulos, a eficácia ou ineficácia da aplicação decertas práticas e princípios sustentados por algumasreligiões, levando em conta, naturalmente, algunsensinamentos logosóficos que diferem das interpreta-ções conhecidas. Tal é o caso, por exemplo, do per-dão ou ato de perdoar.

De minha parte, sempre considerei humano per-doar as faltas dos demais, mesmo quando, em meucaso particular — e creio que acontece a mesmacoisa com muitos —, tenha sido difícil fazer isso nahora; o que de fato acontece é que, depois de umtempo, e dependendo do caso, eu perdôo ou não. Poroutro lado, parece-me incompreensível o perdão queas religiões outorgam a seus fiéis pelo mero fato de seconfessarem, ou por se destinar um dia do ano aoperdão das faltas mútuas entre os semelhantes. Talvezexista nisso algo enigmático, completamente alheio ameu conhecimento. Será de grande valor para mimescutar a esse respeito sua autorizada palavra, sempreprofunda e convincente.

Preceptor: — Este assunto do perdão é algo muito delicado, quemerece, por sua índole e pelo fato de oferecer aspec-tos tão variados quanto singulares, ser tratado com adevida extensão.

Diálogo 36O PERDÃO COMO PRINCÍPIO MORAL E

SEU EXERCÍCIO INTELIGENTE E CONSTRUTIVO.

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145Diálogo 36 – O perdão como princípio ...

Como fórmula moral é admirável, mas nem sem-pre cumpre seu primordial objetivo. Pois bem; pres-cindindo de todo outro conceito, a SabedoriaLogosófica concebe o perdão como uma virtude deespírito universal que se estende por todos os âmbitosda Criação, cujos benefícios alcançam a criaturahumana, desde que esta não abuse de tão preciosaprerrogativa.

Assim, pois, enquanto o homem vive na ignorân-cia, alheio por completo ao mecanismo universal quegoverna e regula por meio de suas leis os movimen-tos e atividades da existência animada, comete errose faltas de toda espécie. Em sua imensa maioria, taiserros e faltas são reparáveis, porém as sanções quesaem da órbita jurídica das relações humanas rara-mente têm uma imediata aplicação; disso se encarre-ga depois a adversidade, fazendo-o sofrer as conse-qüências.

Não obstante, as leis supremas são justas e mag-nânimas, e ao mesmo tempo estritas. Concedem aohomem o tempo necessário para reparar suas faltas,primeiro mediante o reconhecimento delas, e depoismediante o esforço tenaz para emendá-las por intei-ro. Realizado isto, o perdão surge da própria cons-ciência individual, ao ficar reparada a falta ou o erro.Se tais fatos tivessem atingido seus semelhantes,mesmo assim essa conduta o reabilitaria.

Faustino: — Vossa concepção é originalíssima e supera em altograu os antigos conceitos. Mas ainda me resta umadúvida: os seres afetados pelos erros ou faltas de umsemelhante não devem, por acaso, perdoá-lo, paraque ele possa ficar absolvido?

Preceptor: — Eis aí, precisamente, um fato cuja freqüência tornanecessário seu esclarecimento. O perdão que comu-mente é outorgado por quem foi ofendido ou mera-mente afetado, é sempre ostentoso, fazendo-se sentirgeralmente de forma bastante vexatória. Esse perdão,

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146 Diálogos

concedido de uma altura ilusória em que este se colo-ca, constitui para o perdoado uma verdadeira afronta.

Entre seres evoluídos, o perdão das faltas e errosalheios é uma virtude consubstanciada com o próprioespírito, justo e magnânimo, e, sem necessidade deser manifestado por um gesto externo, evidencia-sepelo esquecimento do dano que, a juízo de quemperdoa, algum semelhante lhe causou.

Faustino: — Porém, se quem incorresse num deslize não seemendasse depois, nem reconhecesse suas faltas ouerros, que procedimento caberia?

Preceptor: — Convém esgotar sempre todo recurso nobre, paraque o ofensor compreenda finalmente seu equívoco;se nada der resultado, sempre resta a discreta retiradada amizade.

Jamais se deverá privar, a quem incorreu em falta,da oportunidade de saná-la, corrigindo sua equivoca-da atuação. Mas, se não se emendar, por sua contacorrerão as conseqüências que venha a enfrentar, quehaverão de começar por seu descrédito.

Faustino: — Interessa-me conhecer quais são esses recursosnobres que o senhor mencionou, dos quais se podelançar mão em tais casos.

Preceptor: — Primeiramente, a paciência e a tolerância que todocomportamento elevado exige. Em segundo lugar, achamada de atenção, sem alterar a serenidade queessas circunstâncias requerem, nem mostrar as vio-lências das reações que tivessem sido experimenta-das.

Faustino: — Resumindo, o senhor poderia me indicar, então, overdadeiro alcance do perdão?

Preceptor: — De tudo quanto lhe expressei, claramente se con-clui que o verdadeiro perdão, aquele que redime,surge da consciência individual, quando quem incor-reu em falta ou em erro se emenda.

Esse é o perdão grato aos olhos de Deus, por ser omais fecundo. Também o é aquele que se evidencia

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147Diálogo 36 – O perdão como princípio ...

pelo esquecimento ou pela atenuação que discreta-mente se faz de uma falta; não assim o que se pronun-cia da boca para fora, porque revela incompreensãoe mesmo hipocrisia, pois geralmente está subordina-do à submissão humilde do perdoado que o aceita.

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Preceptor: — É para mim motivo de verdadeira satisfação obser-var, em cada discípulo, uma marcante aptidão para oesclarecimento de todas aquelas incógnitas impene-tráveis para a mente que com elas se depara.

Para lhe dar uma imagem do valor que estesconhecimentos possuem, representemos a Sabedoriacomo um caminho magistralmente traçado, quecruza rios e montanhas, sobe às alturas, desce aosabismos, interna-se na profunda escuridão dos tem-pos e atravessa os diáfanos espaços cósmicos daCriação.

No grande e no pequeno, os processos daNatureza e os episódios sem número da VidaUniversal se reproduzem à passagem das almas.Tudo fala, pois, à inteligência humana com a prísti-na pureza de uma linguagem inefável; mas, paraentender essa linguagem, deve o homem elevar-seacima das características e condições inferiores desua espécie. Quando é que ele compreende, porém,que deve fazer isso, e como descobre a existênciadaquele caminho? Salvo raríssimas exceções, nin-guém o sabe. Por outro lado, quando, comovendoos seres em seus pensamentos, se tentou ajudá-lospara que se dispusessem a empreender a caminha-da, tropeçou-se em obstinadas resistências mentais.

Diálogo 37O ENIGMA DA VIDA QUANTO A SEUS PESARES

E DESVENTURAS, E MEIOS DE AFASTÁ-LOS.

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149Diálogo 37 – O enigma da vida ...

E quantas vezes não foi preciso lutar contra os pre-conceitos e os conceitos errôneos, admitidos e ade-ridos a suas vidas como crostas quase impossíveisde desprender?

Constantino: — Não cabe a menor dúvida de que, numa grandeparte dos seres, ocorre essa resistência de que osenhor nos fala, umas vezes por ignorância, e outraspor esse perpétuo desconfiar que se apodera de nósquando nos equivocamos com freqüência quanto aocaminho. Entretanto, no mais recôndito de nosso serfica sempre uma tênue porém inextinguível chama ouluz, que, embora empalideça com as decepções, seaviva e fulgura quando pressentimos a proximidadedaquilo que, sem sabermos ou sabendo pelas meta-des, estivemos buscando desde que nasceu em nós aânsia de conhecer tudo quanto existe para além doconhecido.

A propósito das incógnitas, estas começam a nosinquietar, segundo entendo, à medida que avançamosatravés desse caminho que tão genialmente o senhornos tem descrito, parecendo-me então até uma neces-sidade desvendá-las, pois se segue, a cada incógnitaque se esclarece, um andar mais ágil e leve de nossaparte, assiste-nos um entusiasmo maior e há muitomais alegria em nossos corações. Devo adicionar queessa alegria, a que me referi, é quase imprescindívelpara a nossa vida.

Muitas vezes já me perguntei por que experimen-tamos tantas transições no curso da vida, ora deextrema tristeza, de padecimento, de desgosto, orade prazer, de alegria ou de felicidade. Suspeito quealgo se esconde por detrás disso, algo que, por agora,é para mim uma incógnita. Poderia o senhor satisfa-zer a essa minha inquietude, que é também umaindagação?

Preceptor: — Com o maior prazer. Preste, pois, muita atenção aoque lhe vou dizer: quando não se toma boa nota de

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cada um dos atos, episódios ou circunstâncias davida, perde-se, em geral, a noção do tempo e, domesmo modo, o sentido ideal de nossa vida. Daí que,com freqüência, vemos uns e outros experimentarem,por turnos, estados depressivos de grande abatimen-to, ocasionados por contrariedades ou pesares cujaangústia lhes abate o ânimo a ponto de submergi-los,muitas vezes, num incontido desejo de abandonoespiritual e físico, que os leva, involuntariamente oupor descuido, ao mais cru pessimismo, à nostalgia ouà rebeldia moral.

Quando o ser sofre, sua razão não atina a encon-trar razões que o consolem, e isso lhe causa nãopouco abatimento. Como é natural, isso ocorre comaqueles que vivem à margem da realidade conscien-te, tão mencionada pela Logosofia. Essa realidadeconsciente, com efeito, é a que permite, em cadaemergência aflitiva, situar-nos no mais alto patamarde nossa vida conceitual. Nos aziagos momentos dedor, por exemplo, poderemos nos comover até oenternecimento, mas nunca nos deixaremos levaraté o desespero. Faremos, assim, com que nossossentimentos cumpram sua função exemplar aomanifestarem as angústias do coração, mas entende-remos, simultaneamente, que nos liga ao fato umvínculo moral indestrutível, que jamais deverá serprofanado. Reconfortaremos nosso espírito com aconduta superior do próprio sentir, que nos impõeacatamento e resignação. Deste modo, a vida nãoruirá ante o golpe recebido; muito pelo contrário,após o instante supremo da desdita, sobrevirão refle-xões conscientes destinadas a restabelecer o equilí-brio psicológico.

É sabido que a alma deve temperar-se nesse vai-vém de circunstâncias opostas, para provar suas resis-tências e vigorizar as fibras do espírito. Se pensarmosnos instantes de felicidade de nossas vidas, fugazes

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151Diálogo 37 – O enigma da vida ...

ou prolongados, vamos nos dar conta de que, duran-te seu desfrute, sentimos uma plenitude desconheci-da, como se a vida mesma tivesse transbordado denosso ser, fazendo-nos experimentar uma verdadeirasensação de existir, que a consciência prolongadepois na recordação. Nos momentos angustiosos, aocontrário, parece que a vida se desgarra, como se qui-sesse fugir de nós.

Constantino: — Esse é, precisamente, o grande enigma que man-tém em suspenso o coração e a inteligência doshomens. Por que essa vida, que se mostra tão exube-rante quando lhe damos felicidade, decai e nos aban-dona às nossas débeis forças nos momentos de pesar?

Preceptor: — Eu teria muito a dizer sobre este ponto, por seremtão amplos e variados os aspectos que configuramisso que você chamou de “enigma”. Enquanto seexpressava, eu via delinear-se em seu rosto, talveznuma contida expressão de amargura, a imagem deuma reprovação à vida, por encerrar ela, a seu juízo,uma atitude cambiante.

Constantino: — O senhor certamente não se equivocou, e pensoque essa expressão de amargura resume a de todosmeus semelhantes.

Preceptor: — Por conseguinte, chegamos à conclusão de que avida que anima nosso ser é ingrata, não é verdade?

Constantino: — A julgar pelo comportamento dela nessas duas cir-cunstâncias, parece que sim. Todavia, ante sua per-gunta, percebo agora que há algo de injusto em nossaapreciação, ainda que, por mais voltas que dê, eu nãosaia do atoleiro.

Preceptor: — E não sairá, como não sai ninguém desse labirintode caprichosas interpretações dos fatos, se a luz doconhecimento não lhe iluminar a mente, fazendo-ocompreender o erro. Eu agora lhe perguntaria: é avida que mostra ingratidão, ou é o seu ser quem semostra egoísta diante do pesar, enquanto esquecetodos os seus instantes de felicidade? Pretende, por

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acaso, que essa felicidade lhe pertença sempre? Queméritos invoca?

Se o ser guardasse gratidão por todos os momen-tos felizes de sua vida, aceitaria o pesar com o subli-me e resignado pensamento que inclina a alma anteo poder superior das leis, as quais estabelecem a fixa-ção dos fatos em correspondência exata e direta comas causas que os originam.

Quantas vezes já não vimos seres que professamessa ou aquela religião se rebelarem, e até renegarema Deus, diante de uma desgraça que consideraminjusta? Que consciência têm eles, então, de suascrenças? Nesses momentos, possivelmente, não sedão conta de que pretender acomodar às suas conve-niências o que deve estar acima de todas as mesqui-nharias, egoísmos e demais misérias humanas, é umatemeridade e, de fato, um manifesto estado deinconsciência.

Pois bem; o enigma a que você fez referência, essemistério que semeia o desconcerto nas mentes des-prevenidas, somente é indecifrável para a inconsciên-cia humana, desvinculada por completo do conteúdoda vida, ou seja, do que constitui o valor real de todoo vivido. Não sucede o mesmo quando a vida foieducada na realidade consciente, pois esta se desen-volve atendendo a razões superiores de evolução,que conduzem o ser a examinar e a descobrir os fato-res determinantes de muitas causas em aparência ine-xistentes.

Quando estamos alerta, quando há consciênciade cada um dos fatos de nossa própria vida, nãopodem escapar de nossa penetração os fatores con-correntes à promoção de causas que motivam nossafelicidade ou nosso pesar. Ao conhecê-las, propicia-remos o melhor, acatando de antemão, por nossa vez,os fatos que nos são adversos, cujas causas respon-dem à Vontade Suprema.

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153Diálogo 37 – O enigma da vida ...

As oscilações entre a felicidade e os pesares cos-tumam, com repetida freqüência, restituir o equilí-brio moral, físico e espiritual, alterado pelo relaxa-mento que, inadvertidamente, é ocasionado peloprazer demasiadamente consentido. Não obstante,esse equilíbrio é instável, por ser inconsciente. Aocabo de algum tempo, o ser volta a experimentarnovamente o rigor das oscilações. Por isso, insistoque o comedimento ou moderação imposta pela rea-lidade consciente nos evita amiúde ser feridos pelosaguilhões do pesar.

Fica claro, então, que, quando nossa conduta seajusta a normas superiores de consciência, nós nosevitamos padecer muitos dos males que a inconsciên-cia acarreta, porque neutralizamos esses males eimpedimos que se manifestem. Ficarão, então,somente aqueles que obedecem a leis preestabeleci-das, os quais, logicamente, se acham acima de nossopoder e de nossa vontade.

Eis então revelado, portanto, o enigma que subju-gava você e o mantinha em permanente inquietude.

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Maximiliano:— Queria saber por que razão é fácil para alguns aassimilação do conhecimento logosófico, enquanto étão difícil para outros. Que elementos entram emjogo? Que circunstâncias favorecem a uns e quaispreterem ou contrariam a outros? Deve existir, semdúvida, alguma causa, ignorada por mim, cujoconhecimento me seria grato possuir.

Preceptor: — A verdade é que nem todos recorrem às fontes dosaber em igualdade de condições. Não se trata aqui,tampouco, de ter especial importância o fato de queuns sejam mais aptos e outros menos aptos; umamaior aptidão, embora favoreça o ser, não é absoluta-mente necessária. Ao mencionar a palavra “condi-ções”, quero lhe dizer que me refiro às condições psi-cológicas, morais e espirituais apresentadas pelos quevêm receber o ensinamento.

Ocorre, então, que muitos se apresentam ante aSabedoria Logosófica com um grande vazio queanseiam preencher, mas também com um grandecheio que não querem esvaziar. Esse cheio está cons-tituído pelos preconceitos, pela avultada estimaçãode si mesmo, pelas velhas crenças endurecidas pelarotina, pela impaciência própria da presunção dosque exigem que se lhes fale como se tudo soubes-sem, e, enfim, por quanto de nada serve aos fins da

Diálogo 38SOBRE O GRANDE “VAZIO” QUE MUITOS

TÊM E QUEREM PREENCHER, E O GRANDE “CHEIO”QUE NÃO SE QUER ESVAZIAR.

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155Diálogo 38 – Sobre o grande “vazio” ...

superação integral. Ao contrário disso, os que já vêmliberados desse cheio tão tortuoso, ou faltando-lhespouco para eliminá-lo, assimilam com maior facili-dade o conhecimento que lhes é oferecido. Osoutros, aqueles que antes de provar o novo manjarpsicológico querem que se descreva a origem delepara saber se está composto ou não de elementos poreles conhecidos, certamente se surpreendem e secontrariam ante a originalidade da fórmula, comotambém ante a presença dos fatores que concorrempara a sua formação, inexplicável para eles, e queconstitui, como é lógico, um segredo reservado uni-camente aos que demonstrem méritos como creden-cial para sabê-lo.

Como você pode ver, é árdua a tarefa do conheci-mento logosófico: enquanto deve preencher por umlado o vazio, tem que lutar, por outro, até conseguirque cada um se desprenda desse cheio tão difícil deesvaziar; difícil, talvez, por lhe ter sido dada, antes,demasiada importância.

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Preceptor: — Todo homem tem um lugar determinado nomundo, que ele ocupa onde quer que se encontre,seja quando caminha, seja quando está parado. Tantoo completo deserdado da fortuna quanto o maiorpotentado ocuparão exatamente o mesmo espaço sobseus dois pés, mesmo no caso de este último possuir,além de riquezas, enormes extensões. Sobre a terraque pisa, ninguém ocupará mais do que seus pésalcancem. Ninguém poderá tampouco privar seussemelhantes desse espaço, pois nem mesmo os matan-do conseguirá despojá-los do lugar que seus restosocuparão.

Flávio: — Embora me seja difícil compreender este ensina-mento, percebo sua grandeza. O princípio de igual-dade, que eu anteriormente não havia concebido, seapresenta agora ante meus olhos como lei inexorável.Inexorável porque não pode ser burlada, mas que éflexível e benigna quando o homem, regendo-se porela, procura ampliar seu próprio espaço, a fim depoder mover-se com maior comodidade.

Preceptor: — Muitos, de fato, têm conseguido ampliar esse espa-ço em extensões próprias; mas acaso isso impede quepossamos nos mover em maiores extensões que nãosejam necessariamente as nossas? Não é pródiga aNatureza, tanto no espaço considerado como pro-

Diálogo 39SOBRE O ESPAÇO QUE OCUPAMOS E

AS PREMÊNCIAS DO TEMPO.

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157Diálogo 39 – Sobre o espaço ...

priedade quanto fora dele? Não é a propriedade, emrelação ao que está fora dela, uma parte imperceptí-vel? Ou será que aquilo que está espalhado por todasas partes, oferecendo-se prodigamente a todos, sópode ser encontrado, dentro de seus domínios, pelosdonos dessa extensão, por vasta que seja? Além disso,de que serviria você ter um amplo espaço para como-didade de seus pés e para vaidade pessoal, se o desua mente é tão estreito que ali mal podem se moverseus próprios pensamentos?

Flávio: — É verdade. Que néscios somos nós ao não nos dar-mos conta de nossa pequenez mental! É assimmesmo: enquanto nos deixamos levar pelos falsosreflexos do mundo, olvidamos insensatamente a ver-dadeira função de nossas vidas.

A imensidão, como o senhor tão bem me fez com-preender, é o espaço mental do orbe, ao passo que,em relação a este, porém sujeito a fácil medição, estápara nossos pés o espaço do mundo. Agora vejo, comtoda a clareza, quão mais útil é ampliar meu volumemental e reinar ali onde meu saber triunfe.

Cumprindo o que o senhor, meu preceptor e guia,me havia indicado no sentido de não lhe ocultar o queviesse a experimentar, à medida que me fosse permiti-do internar nas altas regiões do conhecimento, emdireção às quais o senhor me conduz com inigualávelmestria, quero expressar-lhe hoje o que às vezes meocorre, durante estas conversações que tanto saturamminha alma de saber e de inefável bem-estar.

A primeira impressão é a de me estar submergin-do na eternidade do tempo. As horas passam sem queeu as sinta, sem que experimente essa angústia —própria de minhas tarefas diárias — pela pressão dosminutos, que me obriga pouco menos que tornar aminha vida algo maquinal. Por outro lado, depois depermanecer algum tempo nas alturas do pensamento,sinto como se de pronto me visse impossibilitado de

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sequer me manter numa elevação suficiente para nãome sentir enredado nos laços que me vinculam aomundo material. O senhor pode me explicar a queobedecem essas sensações que com tanta freqüênciaexperimento, enquanto realizo o esforço para mesuperar e alcançar o anelado aperfeiçoamento?

Preceptor: — Você disse muito bem, e suas manifestações impli-cam uma clara confirmação do processo que comtanta dedicação você vem realizando. O que lheacontece é natural e lógico, uma vez que as horas nãocontam ali onde o tempo não é medido como noscálculos do mundo, ou, melhor ainda, como foi esta-belecido para que os seres humanos pudessem gover-nar-se nesse espaço de administração do tempo, com-putado na estimativa das atividades diárias. Daí a sen-sação que você experimenta ao notar a diferençasubstancial entre os momentos que vive no mundocomum, regido por medidas de tempo transitório, eos que vive fora da gravitação das horas físicas, imer-so, como já lhe disse, no espaço de tempo onde ashoras não contam.

Aprender a viver nesse tempo eterno é conectar-seà eternidade mesma. Enquanto o tempo comum émortal, porque torna a vida mecânica e a esteriliza, ooutro, ao não estreitá-la dentro do círculo das horas,jamais perece. Você pode cumprir, pois, os temposdas horas, próprios de suas ocupações diárias, comtoda a naturalidade, a fim de satisfazer as necessida-des requeridas pela própria existência, mas isso nãoimpede que, por sobre o tempo das horas, você vivatambém aquele que o faz experimentar a sublimesensação de existir sem o suplício dos laços que tantoangustiam o espírito humano.

No caso de sua inteligência não captar o conteú-do deste ensinamento, adicionarei, para que vocêmelhor o compreenda, que as mil necessidades quepressionam o homem em sua vida cotidiana podem

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159Diálogo 39 – Sobre o espaço ...

ser aliviadas, e até diminuídas ao máximo, se foroutro o conteúdo de sua existência. Um empregadoque vê com horror se aproximarem as datas do paga-mento de suas dívidas, por exemplo, sem perspecti-vas de solucionar a situação que a ele se apresentaráao chegar o instante dos vencimentos, pode muitobem remediar essas pressões, promovidas pelo tempodas horas, se decididamente se propuser adiantar-seao tempo. Na medida em que as funções de sua inte-ligência consigam cumprir melhor seu papel, comtoda a segurança seu porvir irá mudando, até chegara produzir-lhe alegria o que antes lhe causava horrorou tristeza, pois cada vez irá recebendo mais do queantes deveria dispor para honrar compromissos dediversa natureza. Se você aplicar este simples princí-pio a todas as demais situações, verá quanta razãoassiste à verdade que vos estou expondo.

A vida humana é, pois, como um edifício em cons-trução: de cada um depende saber ou não como conti-nuá-lo, e que aspecto ele terá uma vez terminado. Deninguém mais além de nós depende, também, aprendera desfrutar dentro dele o maior conforto e felicidade.

O jovem que contrai matrimônio sabe, porventu-ra, como será seu lar no futuro? Pensou nisso, poracaso? Não. E menos ainda sabe como serão seusfilhos, nem que sorte terão. Eis uma incógnita quenão parece preocupar grande coisa as gerações denosso tempo. Mas você, que se afastou dessa indife-rença perniciosa que tanto cega o entendimentohumano, já tem as primeiras noções, e também assegundas, sobre este importante assunto, tão direta-mente vinculado à consciência dos seres. Faça, pois,com minhas palavras, uma tocha luminosa que ilumi-ne seu caminho. Deste modo, e sabendo onde pôr ospés, você afastará cuidadosamente tudo quanto possaobstaculizar seu empenho ou prejudicar sua firmeresolução de caminhar para a frente.

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Néstor: — Diante do fato de não poder remediar meu carátere minhas modalidades, acentuadas desde a infância,sinto uma inquietude inexplicável, que me leva aexclamar com freqüência: “Por que sou o que sou!”Como poderia eu resolver este problema?

Preceptor: — Você é tal como é porque não houve câmbiosconscientes em sua vida, originados de um processoque modificasse completamente seu modo de ser, istoé, suas características psicológicas e seu tempera-mento moral e volitivo. Muitos seguem sendo o quesão até o final de seus dias, ignorando a existência emsi mesmos de tão extraordinária potência transforma-dora e assimiladora.

A árvore é como é porque não tem consciência deseu poder fertilizante, nem de sua condição de exis-tência animada. Carente de mobilidade, ela nasce,vive e morre no mesmo lugar, e só é sensível àsmudanças de estação ou aos fatores que contrariam anormalidade de suas funções naturais. O animal asobrepuja por sua organização biológica e suas pos-sibilidades de movimento e configuração instintiva;porém, ao não conter em si possibilidades conscien-tes, cumpre o mesmo destino prefixado para suaespécie. O ser humano, por sua própria vontade einteligência, pode, ao contrário, transformar sua vida,

Diálogo 40COMO SE PODE MUDAR A VIDA, ENRIQUECENDO-A

COM CONHECIMENTOS QUE A ENOBREÇAM

E A TORNEM FECUNDA.

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161Diálogo 40 – Como se pode mudar a vida ...

superar sua própria espécie e alcançar, pela evoluçãoconsciente, os graus mais altos da perfeição, metaideal em cuja cúspide a alma encontra desveladospara si os mistérios que antes a preocuparam e que,por serem indecifráveis para a inteligência comum, amantiveram na ignorância, sem conhecer, e muitomenos compreender, o Pensamento Criador de toda aexistência universal. Mas esse poder permanecelatente, isto é, sem possibilidade de manifestaçãodentro do ser, enquanto não tome contato com umaforça superior que o desperte do letargo interno.

Néstor: — Seu esclarecimento é realmente luminoso, e graçasa ele compreendo agora o porquê de muitas coisasque eu antes não me explicava. Mas fica, ainda, umponto obscuro: essa força superior a que o senhoraludiu, em que consiste?

Preceptor: — Força superior é a que emana de inteligênciassupersensíveis, assistidas pela Lei da Sabedoria efacultadas para promover, em outras, fases de conve-niente desenvolvimento, em ordenadas e pacientesaprendizagens.

Como ia dizendo, o ser, despertado para realida-des da índole citada, sente — e deve senti-lo porimperiosa lei de freqüência e de colocação — que seacendem nele novas luzes. São elas, pois, que have-rão de iluminar-lhe o caminho, permitindo-lhe desco-brir dentro de si mesmo possibilidades de um tipodiferente.

Ao conectar-se à força superior a que me referi,serão despertadas, por lógica gravitação de suainfluência, as potências adormecidas do entendimen-to. Isso ocorrerá à medida que o processo transforma-dor se vá realizando, e que a consciência se afirmenuma fase plenamente evolutiva, não esquecendoque “Quem quiser chegar a ser o que não é deveráprincipiar por não ser o que é”, como adverte o prin-cípio logosófico.

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No seu caso, você é assim como é porque confor-mou sua vida a esse “assim como é”. Anteriormente,não existia em você uma orientação definida, como aque agora tem, que lhe permitisse deixar de ser aque-le que se interroga no degrau da dúvida, para seraquele que se responde no do saber.

Deixar de ser é deixar de existir, chame-se a essaexistência de ser vivente, estado psicológico, estadode consciência, de coisa, de tempo ou de lugar; éfechar um capítulo da existência para abrir outro, noqual se começa a ser de outro modo.

Fácil lhe será compreender, agora, que dizer “Porque sou o que sou!” vale tanto como dizer: “Aindanão tentei ser outra coisa”. Muito prontamente,porém, você deixará de ser o que é, se se propusermudar as velhas modalidades por outras novas emelhores, e, sobretudo, se começar a viver uma vidade enriquecimento moral, intelectual e psicológicocapaz de mudar a anterior, que, ao que parece, já nãosatisfaz a seu entendimento.

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Preceptor: — Hoje temos um dia plácido e sereno, um dia queconvida a recrear nossos pensamentos, a levá-los apasseio.

Dalmácio: — Eu preferiria que o senhor nos oferecesse um dostantos ensinamentos que, a modo de lenda, costumanos apresentar. Animados pela maneira peculiarcomo o senhor os narra, eles nos dão a impressão deestarmos nós mesmos encarnando os personagensque atuam em cada uma das imagens descritas porseu singular talento.

Preceptor: — Não está mal o que você acaba de sugerir, e vousatisfazê-lo. De qualquer forma, haverá excursão eregozijo para os pensamentos que me seguiremdurante esse vôo mental. Vejamos se no arcano deminhas recordações encontro algo interessante.Vamos ver?... Sim: eis agora uma lenda que lhe have-rá de ser muito sugestiva: “A alma e a chave”.

Conta-se que há milhares de anos existiu um gran-de templo, construído, ao que parece, mais pelosanjos do que pelos homens. Ninguém sabia com cer-teza o lugar onde ele se situava, mas muitos assegu-ravam tê-lo visto e penetrado nele. Este relato provémde um ancião que, ao dá-lo a conhecer às pessoasmais achegadas, fez com que ele se estendesse prodi-giosamente através das gerações.

Diálogo 41A LENDA “A ALMA E A CHAVE”.

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Pois bem; diz a lenda que o referido personagem eraoficiante do misterioso templo, dentro do qual cumpriaa função de “estrela”. Dava-se este nome aos que atua-vam como observadores; deviam permanecer ali imó-veis, como as estrelas do firmamento, fixos os olhossobre tudo o que viam e com os ouvidos atentos a tudoo que escutavam. Olhavam sem pestanejar, como seestivessem contemplando o infinito. Nesse templo, asse-gura a versão, custodiadas pelas grandes eminências doespírito, achavam-se depositadas as mais altas verdadesuniversais. Uma névoa de escassa densidade envolviaas naves do templo nos chamados dias de ritual, dandoaos oficiantes o aspecto de seres etéreos, incorpóreos.

Numa daquelas ocasiões, o ancião viu de repenteuma mulher, uma alma, que, atraída quem sabe porque força estranha, conseguiu descobrir o templo,penetrando em seu interior para pedir uma graça. Viutambém adiantar-se até ela o hierofante, o qual, semdar atenção às expressões da recém-chegada, condu-ziu-a por entre as colunas da nave central até umvasto recinto. Segundo ele, parecia uma alma quehavia sofrido muito. Esboçavam-se em seu rosto evi-dentes ânsias de liberação; vinha de um mundo per-turbado, onde era já quase impossível seguir vivendo.

Refeita finalmente de suas primeiras impressões eestimulada pelo bondoso olhar do hierofante, come-çou a formular-lhe numerosas perguntas, às quais elenão respondia. Como insistisse, foi levada a uma celaescura. Ali, de uma janelinha, a alma percebeu umavoz que, em silêncio, lhe dizia:

— Não pergunteis neste lugar sobre coisas devosso mundo; só podereis saber aqui acerca daquelasque são deste outro mundo, dentro do qual vosencontrais. Deixai, pois, vossas aflições e tratai deviver uma nova vida, com paciência e com saber.

Foi esse o grande ensinamento que começou a lheinfundir paz.

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165Diálogo 41 – A lenda “A alma ...

Pouco tempo bastou para que a alma ressurgisse desua profunda escuridão. À medida que experimentavasensações de felicidade cada vez mais incontidas, tudose ia iluminando suavemente a seu redor. Pôde com-provar, assim, com grande assombro, que não se acha-va dentro de uma cela, como sentiu e pensou ao ver-seconduzida para o lugar onde agora se encontrava.

O hierofante, observando a mudança produzidanela, aproximou-se e lhe disse:

— Essa cela em que acreditáveis estar, era o queoprimia vossa vida, encerrando-a numa aflitiva limita-ção. Nela não havia luz, porque era muito profunda aescuridão de vossa mente. Mas, com grande surpresa,pudestes ver, ao receber o primeiro conhecimento, quejá não estáveis dentro dessa cela escura, como supuses-tes. Silenciada por fim vossa mente, acalmada vossa agi-tação, podeis agora ver, escutar e compreender melhor.

Enquanto isto lhe dizia, iam ambos caminhandopelo templo através da névoa. De repente, a alma sedeteve e perguntou ao hierofante:

— Por que tendes o rosto coberto, que ainda nãopude vê-lo?

— Porque as fisionomias não vos devem distrair.No caso, quem vos fala é meu espírito, e vossos ouvi-dos o escutam, que é o importante. Porventura viestesaqui para satisfazer vossa curiosidade ou para vos ilu-minar com o saber? No mundo do qual provindes,todos vivem para o externo; neste outro, deveisaprender a viver para o interno.

A alma, mais que ouvir, sentiu a repreensão ecompreendeu o ensinamento.

Enquanto falavam, passando por diversas portas,chegaram diante de um grande cofre, dentro do qual— assegura a lenda — se achavam depositados osmais estimáveis segredos da Criação. O hierofanteabriu-o lentamente. Em seguida, dirigindo-se à alma,expressou-lhe com voz grave:

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— Olhai!...— Louvado seja Deus! — exclamou ela, sem com-

preender, mas deslumbrada com o encanto do mistério. Elevando-se do cofre, uma tênue nuvem, ao con-

densar-se, ia caindo sobre eles como uma chuvamiúda, quase impalpável. Ao mesmo tempo, o hiero-fante explicava algo sobre a formação dos mundos.Finalmente, expressou:

— Esta água insubstancial que sentis cair sobrevós é a mesma que há séculos vem umedecendo aalma dos homens. É o sinal que enlaça o divino como humano, porque sela o pacto que estabelece a per-manência da espécie na qual Deus pôs o melhor desua Criação, ao fazê-la à Sua imagem e semelhança.

Este e outros ensinamentos, elevados à categoriados grandes conhecimentos, foram dados àquelaalma, que experimentava a sensação de que tudoquanto via e ouvia se tivesse desenvolvido através deum tempo muito longo, impossível de calcular.

Passados alguns instantes, o hierofante fez sinal àalma de que ela deveria retirar-se e voltar a seumundo. Com palavras, acrescentou:

— Haveis penetrado neste templo e eu vos permitiver e escutar coisas muito grandes. Levai-as convosco eguardai-as em vosso coração, que é também um cofrecomo o que vistes aqui. Fechai-o à chave e, antes de sairdeste lugar, atirai-a dentro do templo; ou, se tendesânimo para tanto, ide com ela. Adotando a primeiraopção, já sabereis onde encontrá-la se alguma veznecessitardes abri-lo; mas, se a levardes convosco, não aentregueis a ninguém, pois outros, cobiçando vossosaber, vos farão perder o que agora vos pertence. Quenunca vos ocorra abri-lo diante de olhos indiscretos,porque a verdade oculta nesse mistério se evaporaria nomesmo instante. Não é uma ordem o que vos dou; éuma advertência, um conselho. Atirai a chave agora, ou,se preferirdes, levai-a convosco. Ela é simbólica, mas tãoreal como as que abrem as portas mais inacessíveis.

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167Diálogo 41 – A lenda “A alma ...

Com a chave nas mãos — conclui a lenda —, aalma chegou até as portas daquele grandioso templo.Ali, sustentou uma tremenda luta contra os pensa-mentos que lhe pretendiam arrebatá-la, induzindo-a àindiscrição. Ante o temor de perder tudo quanto leva-va, estendendo lentamente o braço direito, abriu amão. Deixou por fim cair a chave e, fechando a portaatrás de si, plena de felicidade, partiu em seguida.

Dalmácio: — Bela lenda, cujas imagens, traduzidas à linguagemde nossa compreensão, expressam ensinamentoscabais e instrutivos. Entendo que devemos estar sem-pre atentos a tudo o que ocorre ao nosso redor, parasermos testemunhas conscientes de nossos atos,sobretudo dos que mais interessam ao juízo da poste-ridade, essa posteridade que, como bem expressou osenhor certa vez, vivemos constantemente, ao julgarnossos atos de ontem. A alma que penetrou no tem-plo é aquela que, enfastiada com os artifícios domundo, busca as realidades de uma vida melhor. Aopressão de sua ignorância, que lhe parecia uma celaestreita, desapareceu ao saber que existem outras for-mas de ser, de sentir a vida, com as prerrogativas ines-timáveis de poder ser mais útil e capaz de servir comacerto à humanidade.

Preceptor: — Muito atinadas as suas reflexões. Você pode vercomo toda lenda tem um fundo de verdade que, aoser descoberto, prodigaliza novas luzes à inteligência.

Dalmácio: — Eu entendo assim, efetivamente. Só a parte finalficou menos acessível para mim. A chave simbólicaaludida na lenda me incita a pedir sua ajuda parasaber seu significado.

Preceptor: — A chave é a discrição. Ela fecha os ferrolhos invio-láveis da honradez espiritual e preserva o ser dosextravios da inconsciência. Ninguém entrega, porexemplo, as chaves de sua própria casa a mãos estra-nhas, sem se expor a sofrer as conseqüências dapilhagem e de outras ações ainda mais graves.

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Bernardino: — Sendo uma verdade muitíssimo comprovada queos conhecimentos logosóficos têm um tão grandevalor para a vida, por que não dá-los a conhecer atodo o mundo, para que a humanidade possa benefi-ciar-se com eles sem demora?

Preceptor: — À primeira vista, tudo parece possível, mas, compouco que nos internemos no problema, veremosque, antes de lançar uma verdade pelo mundo, énecessário pensar em muitas coisas. As palavras —não esqueçamos isto — de certo modo se asseme-lham ao dinheiro: há aquelas de grande valor e hátambém as de escassa importância. Assim, os termosvulgares passam com suma rapidez de boca em boca,como passam de mão em mão as moedas de poucovalor. Não ocorre o mesmo com as cédulas de altovalor; estas não aparecem em público tão habitual-mente, permanecendo bem custodiadas, como decostume, em suas mansões de aço.

As palavras do saber, pronunciadas pelos que pos-suem o conhecimento, só circulam, como os valoresmonetários elevados, quando se trata de assuntosimportantes, o que, em geral, acontece entre o sele-cionado número dos que sabem dispor delas com dis-crição, sem jamais dissipá-las.

Diálogo 42POR QUE OS CONHECIMENTOS TRANSCENDENTES,

COMO OS GRANDES VALORES, DEVEM SER

USADOS DISCRETAMENTE.

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169Diálogo 42 – Por que os conhecimentos ...

Repartir sem medida os valores do conhecimentologosófico seria o mesmo que distribuir inesperada-mente uma imensa fortuna, sem levar em conta quaispessoas a recebem. Você faz idéia do que aconteceria?

Bernardino: — Sim. Ela seria malgastada sem proveito. Preceptor: — Exatamente. Em pouco tempo, e por não a terem

sabido usar, os favorecidos se encontrariam nas mes-mas condições anteriores. Você pode ver que não équestão de divulgar um conhecimento de tanta trans-cendência aos quatro cantos do globo. Isso deverá serfeito, é certo, mas seguindo o mesmo processo reque-rido por todas as coisas que não haverão de malograr,isto é, começando por propiciar em uns poucos aassimilação de tal conhecimento, para depois aumen-tar ilimitadamente seu número, conforme se vá tor-nando familiar nos diversos ambientes em que é acei-to e adotado.

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Victoriano: — Quando falo com certas pessoas, costuma impres-sionar-me a teimosia mental que elas manifestampara admitir como possível algum fato ou conheci-mento novo. Fecham-se para toda reflexão, como setemessem perder o que têm ou cometer algum delito.Isso ocorre com maior freqüência precisamente comas pessoas que parecem ilustradas, ou pelo menoscom capacidade, experiência e saber muito superio-res ao da gente. Que explicação caberia para estaespécie de ortodoxia mental que torna irredutível eintemperante o caráter desses seres?

Preceptor: — As habitações que permanecem fechadas à luz dosol e ao contato com o ar tornam-se sombrias, úmidase inabitáveis. A mesma imagem você pode aplicaràqueles que, com incurável obstinação, mantêmfechadas as janelas de suas mentes à luz vivificantedo saber universal, preferindo se insurgir com altanei-ra insolência contra o que lhes é desconhecido, pelamera razão de não pertencer aos domínios de suapretensa sapiência. Os pensamentos que informamsobre os novos conhecimentos não podem, pois,cumprir missão nenhuma ali onde são rechaçados.Tampouco poderiam respirar o “ar” viciado por pre-conceitos, que torna mais densa a escuridão mentaldesse tipo de seres.

Diálogo 43NECESSIDADE DE MANTER O CAMPO MENTAL

LIVRE DE IMPUREZAS PARA QUE SUA PRODUÇÃO

SEJA EXUBERANTE E VALIOSA.

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171Diálogo 43 – Necessidade de manter o ...

Diferente é o caso de quem escuta notícias sobreo que não sabe, abrindo sua mente e deixando que aluz do conhecimento a ilumine, já que dá a sensaçãode que todo o seu âmbito mental se oxigena e setorna respirável.

Há também os que recebem o novo pensamentocom desconfiança, o que os faz ver, e ainda entender,como se fosse falso o que ele leva consigo, ou comose tivesse alguma intenção avessa; se tal suscetibilida-de persiste, o pensamento volta à sua fonte de ori-gem, sempre disposto a visitar aquelas mentes que oacolham com menos ou nenhuma prevenção.

Poderia mencionar, por fim, aqueles casos em quea mente do ser que o recebe desfruta desse pensa-mento durante um tempo, saboreando sua ação bené-fica, e depois parece desinteressar-se dele. Isto ocor-re por não ter sido constante nos empenhos, abando-nando-se nos braços da inércia. Ante essa situação,ausenta-se o pensamento, por se tornar insuportávelsua permanência ali onde não pode cumprir sua mis-são de iluminar a inteligência e enriquecer a vidadaquele que o hospedara.

Poderíamos representar esse fato com a imagem dolavrador que, após sua primeira colheita, se entrega àociosidade até consumir todo o ganho obtido. Seucampo, antes cultivado, se encherá de ervas daninhas,que depois lhe custará um bom trabalho extirpar,fazendo com que uma nova semeadura sofra, indubita-velmente, os efeitos daquele abandono. Não acontecea mesma coisa com quem sempre mantém seu campoem excelentes condições, pois obterá de cada semea-dura, indiscutivelmente, os melhores rendimentos.

Aqui, é oportuno dizer que nada existe de maispropenso a encher-se de ervas daninhas psicológicas— preconceitos, falsos conceitos, crenças absurdas,idéias arbitrárias, inibições, etc. — do que o campomental, por serem muito poucos os que cuidam sufi-

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cientemente dele. Por tal causa, vão parar ali todas assementes que voam pelos ambientes mentais, sendojustamente as más as que se enraízam e se alastramcom maior facilidade, dando origem a pragas — ideo-logias extremistas — que causam depois imenso danoà humanidade. Diferente disso, a boa semente requerser cultivada em terra trabalhada, extirpando o matoà sua volta e melhorando cada cultivo com uma rigo-rosa seleção, para que a semente ofereça, mais tarde,o maior rendimento.

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Anastásio: — O senhor poderia me apontar algo que me fizessepensar sobre aquilo que ainda não me tivesse ocorrido?

Preceptor: — São muitos, na verdade, os pontos que eu poderiaabordar, sabendo de antemão que não constituírampreocupação nem foram motivo de cogitação algumade sua parte. Posso satisfazê-lo facilmente. Escute.

Existe um ser a quem todos, sem exceção, têmesquecido; se foi recordado uma vez ou outra, foi deforma circunstancial, mas essa recordação fugaz nãocumpre o objetivo que vou assinalar, razão pela qualme sinto movido a declarar seu geral esquecimento.Esse ser é a criança que cada um de nós foi, que nosproporcionou os melhores dias da existência e aquem, poderíamos dizer, devemos grande parte doque agora somos.

Anastásio: — É verdade. Nossa recordação projeta somente umaou outra travessura de vez em quando, e, ainda assim,isto ocorre mais de forma involuntária. Penso que,como as idades se sucedem, os pensamentos de cadauma delas nos fazem esquecer as anteriores.

Preceptor: — Podemos pensar, se assim você quiser, que o adul-to é a continuação da criança, mas no que nunca sepensa é que a criança morre no momento em quenasce o homem. Agora, eu lhe pergunto: quais são osque recordam a criança morta? Durante seus dias

Diálogo 44O SER QUE TODOS NÓS TEMOS ESQUECIDO, EM

QUEM NINGUÉM PENSA, APESAR DE CONSTITUIR

ALGO ESSENCIAL PARA NOSSA VIDA.

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maduros, quais os que tributam a homenagem deseus sentimentos a essa criança que só vimos com osolhos da inocência? No entanto, quanto suaviza osduros transes da vida a evocação dessa terna idade,sobretudo quando devemos cruzar caminhos eivadosde perigos!

Quem pensa nessa criança e a contempla atravésde suas recordações, observando-a em suas brinca-deiras, em seus pensamentos, em suas inclinações eem sua inocência, verá quanto tem a aprender comela e quanto lhe deve; mais ainda: quanto deveriaconservar daquele pequeno ser para que hoje, grandeem tamanho e em idade, lhe seja permitido pelomenos experimentar algumas daquelas inocentes,porém gratas sensações que deram à sua vida asmelhores horas.

Seria bom que cada um recordasse essa criança, aque foi, a que morreu. Que a recordasse muito, por-que nessa recordação vai implícito o enlace da atualexistência com a que se foi, pois o esquecimento des-trói não só o vínculo que as une, mas também a pró-pria sensibilidade.

São muitas as reflexões que acodem à mentequando a recordação converge para a criança; mas énecessário evocá-la com freqüência, para que nosinspire coisas sobre as quais até aqui não havíamospensado.

Se esquecemos nossa própria criança, aquela quemorreu, cometemos com isso, talvez sem querer, umcrime simbólico: morrerá também o jovem e, sucessi-vamente, o que somos ou fomos em cada idade. Assimse irá esfumando no esquecimento e, sem que a sinta-mos, morrerá em nós, lentamente, toda a nossa vida.

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Saul: — Faz tempo que se vem acentuando em mim umaviva ansiedade por conhecer o fundo real dos sonhos,isto é, a função que desempenham na vida humana ea importância que lhes devemos atribuir no conjuntode nossas experiências.

Preceptor: — Este é um assunto que requer suma prudência, poisdevemos ter bem presente que os sonhos não estãosujeitos a nenhuma comprovação externa, e ficamostão-somente com a referência que sobre eles nos éfeita. Quem narra um sonho, por exemplo, não podeafirmar que o faz com exatidão. A imaginação inter-vém nesses casos com suma freqüência, para suprir aspartes não lembradas ou para dar maior força ao quese acreditou sonhar. Por ora, classifiquemos os sonhosem duas configurações diferentes: os lúcidos e osconfusos, sendo os primeiros muito menos freqüentesque os últimos.

É a faculdade do sonho a única da mente que atuaenquanto o ser dorme; as demais, todas elas, descan-sam. Sem dúvida alguma, ela é a válvula de desafogopsíquico que permite, sem desequilibrar o sistemamental, descongestionar a mente da aglomeração depensamentos que atuaram durante a vigília, atraídosquase sempre pelas situações difíceis ou consultadossobre a forma de encará-las.

Diálogo 45EXPLICAÇÃO SOBRE OS SONHOS.

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Mais de uma vez, o alívio mental operado duran-te o sonho traz, ao despertar, as soluções que em vãoa inteligência se esforçou por encontrar durante o dia.Há vezes, por outro lado, em que o sonhado se mos-tra inexplicável, pela incoerência, desfiguração ouqualidade dos episódios recordados. Isso é devido aofato de que a faculdade do sonho atua à margem daconsciência e sem que a inteligência intervenha noseu funcionamento. Poder-se-ia muito bem dizer queé uma faculdade louca; não obstante isso, nuncatranstornou o juízo de ninguém. Por outra parte,quando o ser evolui, consegue discipliná-la e aindausá-la conscientemente.

Saul: — Sua explicação é por demais original, instrutiva eclara. O senhor poderia dar mais alguns elementosque me ilustrassem sobre a forma de usar consciente-mente essa faculdade?

Preceptor: — Não. Por agora você deve se conformar com o quelhe dei, que é muito. Não faltará oportunidade, nofuturo, para falarmos sobre esse ponto. Ademais, aome propor o tema dos sonhos, você teve algum moti-vo especial que o preocupava, não é assim?

Saul: É verdade. Se me permite, vou lhe relatar um sonhoque tive há pouco tempo, e que bem poderia ser cata-logado entre os lúcidos, a julgar pela nitidez com queo tenho recordado. Devo antes lhe dizer que, duran-te a véspera, eu me senti agitado e violento, devido acontrariedades surgidas de meus afazeres e de minhavida familiar. Eu me vi, então, em sonhos, como seestivesse em uma imensa selva onde monstros de fau-ces repugnantes e olhares terríveis, semelhantes asapos gigantescos, se aproximavam para me lamber ocorpo estremecido de espanto. De repente, internan-do-me mais na selva, escurecida por uma espessamata, senti-me perseguido por fantasmas e demôniosde longos braços descarnados, que parecia estarem aponto de tocar-me, enquanto eu fazia inúteis esforços

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177Diálogo 45 – EXPLICAÇÃO SOBRE ...

para fugir. As tétricas sombras interceptavam meuspassos sem cessar, dizendo-me: “Não fuja; venhadivertir-se conosco, assustando os pobres espíritosque se extraviam por estes lugares!”

Repentinamente, senti que me enlaçavam um pé,prendendo-o fortemente; olhei e vi uma planta seme-lhante a um polvo, que me tinha aprisionado com umdos tentáculos, e dois olhos fixos, de olhar irresistível,que estavam cravados em mim, enquanto eu experi-mentava algo assim como se estivessem sugandominha vida, que pouco a pouco sentia desfalecer.Voltando a mim, vi-me passeando alegremente numvale cheio de flores, respirando com profundo alívio,como se o outro episódio tivesse sido um sonho, eeste agora fosse verdade; e dizia para mim mesmo:“Graças, meu Deus, porque tudo foi um sonho!”Porém, ao me dispor a descansar uns instantes sobrea relva florida e macia, tremendas víboras com pesco-ço de girafa, umas com cabeça de caprino machocom cornos pontiagudos, e outras de javalis de den-tes afiados e crinas encrespadas, apareceram comopor encanto, obedecendo, talvez, a alguma invoca-ção maligna. Senhor, que sobressalto! Tudo se trans-formou de repente num viveiro infernal de monstroshorripilantes, que me cercavam para devorar-me. E opior: minhas pernas, entorpecidas, não obedeciam ameus fortes desejos de correr. Não obstante, caminheialguns passos, como pude. Inesperadamente, meu pédireito afundou num buraco, transformado rapida-mente em profunda cova; nesse momento, correu naminha direção, lançando gritos aterrorizantes, todaaquela legião de espantalhos, como que se dispuses-sem a disputar a presa que era eu. Senti-me afundarcada vez mais, até que corpo e tudo o mais se mistu-rou com a terra fofa, cobrindo-me integralmente, e,quase sem respirar, apareci no meio de uma grandecidade, que me era familiar, percorrendo lugares

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onde havia pessoas que falavam de mim. Eu as ouvia,porém elas não me viam. Observando-as, vi que,enquanto umas me recordavam com carinho, outrasdiziam muitas coisas más ao se referirem à minhapessoa, e vi os pensamentos que iam de uma mente aoutra, ocultando-se sob mantos sutis, que, compreen-di, eram da hipocrisia e da mentira.

Andando a esmo, fui depois por outros lugares echeguei a uma velha casa; nela havia um menino,parecido comigo quando pequeno. Enternecido,aproximei-me para beijá-lo, mas ele se assustou ecomeçou a chorar, até que vieram seus pais, cujosrostos não me foi dado ver, pois me sucedia o queocorre com aqueles em quem nunca fixamos o olhar,por motivo de os vermos muito habitualmente.

Quando o menino foi para a cama e dormiu, vium ser parecido com um anjo acercar-se dele e, ocul-tando-o de minha vista com seu tênue manto, dizia-lhe coisas que eram para mim como reminiscênciasde algo que ouvira ou vivera havia muito tempo, sempoder definir quando nem em que circunstância.Notei que o menino se tornava resplandecente, e queas coisas que dizia não correspondiam à sua idade,sendo mais de almas adultas, o que me enchia deadmiração, ao mesmo tempo que de temor.

Quando o anjo partiu, fiquei extasiado contem-plando o menino, até sentir que sua respiração era aminha e que eu mesmo era aquele menino. Quandopor fim ele abriu os olhos, vi através deles suas pren-das, reconhecendo nelas as que eu mesmo haviausado; e vi também muitas outras coisas que metinham sido queridas; mas o pranto me turbou e expe-rimentei um grande desconsolo.

Um movimento brusco convulsionou todo o meuser e, como se tivesse asas, transportei-me até umavasta propriedade, onde havia um castelo rodeado deparques e bosques frondosos. Penetrei nele e pude

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179Diálogo 45 – EXPLICAÇÃO SOBRE ...

ver que, ao redor de uma ampla mesa, um grandenúmero de pessoas merendava, aparentemente convi-dadas. Embora soubesse que estavam ali presentes osdonos da casa, não me foi possível localizá-los.Vaguei de um ponto a outro do palácio, parecendofazer muito tempo que eu ali me encontrava.

Um gorjeio de risos me atraiu até uns originaisarbustos, ao redor dos quais corriam graciosamentealgumas crianças entretidas em suas brincadeirasfavoritas. Detive-me por breves instantes a contem-plá-las, quando, suspenso por uma suave brisa, mesenti transportado até o mesmo lugar onde haviacomeçado meu sonho, mas com uma diferença: emvez de monstros, mansos animais povoavam a selva.

O ruído inesperado de uma porta, ao se fechar,interrompeu meu sonho. Desperto, ainda me sentiaangustiado e palpitante.

Preceptor: — Vou lhe dar a interpretação do que você me expôs.Os monstros de tenebroso aspecto e de línguas dei-tando baba que lhe apareceram, são aqueles pensa-mentos de origem pervertida que perambulam pelomundo em busca de vítimas, que eles logo convertemem instrumentos de suas mais impiedosas e inqualifi-cáveis crueldades. Os pensamentos de crime, porexemplo, depois de consumados os planos sinistrosque elaboram nas mentes propícias, abandonam estasmentes e vão em busca de outras onde colocar seuveneno. E se em sua passagem encontram alguémque nesse instante tenha um momento de debilidade,penetram de improviso em sua mente e lutam até tur-bar sua razão e apoderar-se da vítima, para fazê-lacometer um desatino, de proporções nem semprefáceis de prever ou calcular.

Esses outros fantasmas ou demônios, cujos braçosdescarnados queriam agarrá-lo, são pensamentos devício que perseguem os seres por toda parte, intercep-tando-lhes os passos, a fim de atrair a atenção de suas

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180 Diálogos

mentes para fins mesquinhos e repudiáveis, tratandode subjugar sua vontade enquanto avivam na imagi-nação idéias fascinantes e de aspectos passionais.

A visão da planta que se assemelhava a um polvosimboliza aqueles pensamentos dissimulados quecostumam introduzir-se nas mentes, trabalhando atéobcecá-las com alguma idéia falsa que, ao fixar-sejunto à imaginação, perturba de tal modo os serespossuídos por ela, que estes não se advertem da suc-ção constante desse monstro, o qual, se não for elimi-nado, acaba por lhes consumir a existência.

A passagem do passeio pelo vale representa ohomem nesses momentos de aparente calma em que,confiando demasiadamente em si mesmo, deixavagar seus pensamentos favoritos e descuida de suamente. Logo o assaltam pensamentos de uma ououtra índole, afins com suas preocupações cotidia-nas, que se misturam a outros de pior espécie, amea-çadores e ansiosos por investir, se o vêem despreveni-do. Assim é como chegam às vezes a bloquear de talforma a razão e a inteligência, que o ser, pode-sedizer, se acha à mercê deles e não atina a ir para afrente nem para trás, até que consiga se safar de tãodelicada e difícil situação ou que sobrevenha sua der-rocada moral e civil, representada em seu sonho pelaqueda no buraco ou cova; uma vez caído, todos selançam sobre ele, como essa legião de monstros fero-zes que você viu. Depois, o que sempre ocorre quan-do desaparece uma pessoa: seus parentes, conheci-dos e amigos se entregam a um mar de comentários,favoráveis ou adversos, como os que foram escutadosnaquela grande cidade e que pareciam referir-se avocê, a julgar pelo que aquelas pessoas diziam, umasinsensatamente e outras com sentido afeto.

Você foi depois a um lugar que lhe pareceu fami-liar, onde havia uma velha casa. Nela, viu um meni-no semelhante a você quando pequeno, o qual, quan-

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181Diálogo 45 – EXPLICAÇÃO SOBRE ...

do você tentou acariciá-lo, se assustou e começou achorar. Ouvindo-o, vieram seus pais, cujos rostosvocê não pôde ver, porque não é permitido, pois orosto do pai ou da mãe é um só através de todos osciclos da evolução humana.

É o que posso lhe dizer, até aqui, sobre seu estra-nho sonho; mas de nada lhe valerá saber estas coisas,se sua evolução não estiver à altura exigida por todaconsciência superada.

Saul: Considero sumamente interessante tudo quanto osenhor expressou; porém, suas últimas palavras medeixaram algo confuso. Não entendo, na verdade, porque não me será útil saber desses aspectos tão valio-sos que o senhor me deu a conhecer sobre os sonhos.

Preceptor: — Porque todos os conhecimentos transcendentes serelacionam entre si e até se explicam, ao se comple-tarem uns com os outros, enquanto que, quando sãoadquiridos isoladamente, perdem muito de sua forçavital, ainda que sempre sirvam, naturalmente, comoilustração, até que sejam incorporados definitivamen-te ao acervo individual.

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Victorino: — Por que razão a mente de muitas pessoas de escas-sa cultura é semelhante a um daqueles fonógrafos docomeço do século,* tão chiantes quanto insuportá-veis? Pode-se dizer que, em tais seres, até a própriaboca parece às vezes transformar-se naquele largocornetão de lata de primitiva fabricação.

Preceptor: — A pessoa inculta, ou de pobre ilustração, tem ocostume inveterado de repetir centenas de vezes tudoo que a impressiona vivamente, e já sabemos que émais por impressão do que pelo entendimento quecapta tudo quanto escuta ou sente. Assim é comoficam impressos, na sua membrana mental, mexeri-cos e episódios que, por sua índole, lhe servem às milmaravilhas de assunto para falatório inútil.

Gravados os discos mentais com o que ocorreu aeste ou com o que aquele disse, em seguida são pos-tos a tocar insistentemente, até constituírem um ver-dadeiro pesadelo; e se recordarmos o que acontececom os discos arranhados ou gastos, teremos umasemelhança realmente incomparável.

No tempo do fonógrafo, muitos punham sempre omesmo disco, por falta de recursos para adquiriroutros. O mesmo acontece com os seres a quem nos

Diálogo 46SOBRE CERTA DEFICIÊNCIA DAS

MENTES NÃO CULTIVADAS, QUE AS ASSEMELHA

AOS ANTIGOS FONÓGRAFOS.

* N.T.: A primeira edição desta obra é de 1952.

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183Diálogo 46 – Sobre certa ...

estamos referindo: sua pobreza moral lhes impederenovar o repertório, e a agulha vai arranhando osom, até eles se lembrarem de trocá-la.

As pessoas cultas melhoraram o instrumento pri-mitivo até convertê-lo num equipamento completo,de excelente qualidade. Nessas pessoas, a membranamental grava discos de outra natureza. Em algumas,bailam os clássicos ao som de sublimes concertos,sonatas, sinfonias, momentos musicais selecionados;em outras, ficam impressos qualificados matizessociais, científicos, políticos, filosóficos, artísticos,etc., constituindo-se em donos de uma discotecamental bem apreciável.

Victorino: — O mau disso tudo é que os que usam sempre omesmo disco perturbam, e ainda pior: ao se juntaremmuitos em iguais condições, longe de se entenderem,perturbam-se ainda mais.

Preceptor: — De fato. É possível observar isso nos diversosambientes, e até no próprio concerto das nações,onde, sem que consigam se entender, as réplicas deuns e de outros chegam até o desconcerto, sustentan-do pontos de vista diametralmente opostos. Umacoisa, porém, não se pode deixar de reconhecer:enquanto o dispositivo mecânico gravador de sons,constantemente aperfeiçoado, consegue reproduziratualmente com absoluta pureza as mais harmoniosasnotas musicais até em seus mais delicados matizes,alcançando essa mesma pureza, essa mesma fidelida-de à voz do homem, este só melhorou numa ínfimaproporção seu dispositivo psicológico de recepção etransmissão mental de suas idéias e pensamentos,razão pela qual as multidões seguem atrás dos quesuperaram as formas e conteúdos rudimentares com opropósito de escalar os cumes da realização filosófi-ca, artística ou científica.

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Oliverio: — Uma das experiências logosóficas que mais metem chamado a atenção é a que nos impele a estarsempre mentalmente ativos, como condição indis-pensável para conseguir realizações efetivas, ou seja,de caráter permanente. Não sendo assim, não sepoderiam obter, ao que parece, as grandes vantagensque a Sabedoria Logosófica preconiza. Creio, contu-do, que não é absolutamente necessário manter umritmo constante de atividade mental, pois fatigar amente com uma contínua azáfama de pensamentospoderia ser prejudicial.

Preceptor: — Tudo depende de como se considerem ou seentendam as coisas. Em primeiro lugar, o métodologosófico estabelece que, aos trechos intensos deestudo ou de atividade mental, devem seguir outrosde descanso, durante os quais é recomendável distraira atenção em coisas úteis, em lugar de entregar-se adistrações pueris. Desse modo, a mente recebe umacompensação feliz que a descansa num proveitososossego e a prepara, ao mesmo tempo, para uma novaatividade. Por outro lado, o descanso físico e psicoló-gico que o sono proporciona durante a noite é maisque suficiente para restituir os desgastes produzidospela vigília.

Oliverio: Quer dizer, então, que o descanso é necessário à

Diálogo 47SOBRE A ATIVIDADE E O DESCANSO

— MODOS DE ENCARÁ-LOS.

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185Diálogo 47 – Sobre a ...

mente, mas concebido sempre de forma proveitosa ealternando-se com estudos intensivos.

Preceptor: — Para maior compreensão, apresentarei uma analo-gia; preste bem atenção nela: os ensinamentos logo-sóficos são como a água cristalina que flui de um len-çol fecundo. De um lado, levam consigo a força fer-tilizante, e, de outro, saciam a sede. Não deixe queessa água se estanque em sua propriedade, pois vocêcorreria o risco de converter em lamaçal o que deve-ria ser vale fecundo.

Como se pode apreciar na própria Natureza, avida, para cumprir seus ciclos de renovação, deveestar, tal como a água, em permanente atividade.Todo instante inativo sempre tende a prolongar-sealém da conta, transformando-se em preguiça.

Você há de convir comigo agora que, para evitarcair em tão sedutora prostração, os preceitos logosó-ficos devem fixar ou estabelecer como norma umaatividade que exclua toda inação, sempre perniciosa.

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Flavio: — Às vezes, quando penso nesse estado de fátua sufi-ciência em que vive a humanidade, quando contem-plo a enorme incompreensão que agita as mentes doshomens, causando uma permanente ansiedade ante otemor de uma nova hecatombe mundial, procuroexplicar-me, sem conseguir, por que devem ocorreressas desgraças que com tanta freqüência vêm asso-lando o mundo no século atual.*

Preceptor: — É muito lógico que não possamos examinar comosão as coisas com uma simples olhadela, nem expli-car tanto desbordo de paixões e desventuras queaçoitam os homens numa crua adversidade.

Flavio: — Muitas vezes ouvi exclamar que essas desgraças sedevem à injustiça de Deus, e vi as pessoas se rebela-rem, numa inflamada fúria, imaginando-se persegui-das por uma fatalidade implacável, contra a qualnada se pode fazer. Quando reparo na quantidade devítimas inocentes que pagam tão cruel tributo ao seromperem os diques da paz humana, meu ser internoé corroído por esta dúvida, que eu queria extirparpela raiz: são justos ou injustos esses grandes castigosque flagelam a alma? É para mim um verdadeiro tor-mento não ter ainda conseguido a capacidade discer-

Diálogo 48CAUSAS DOS MALES QUE A

HUMANIDADE PADECE E MEIOS DE EVITÁ-LOS.

* N.T.: A primeira edição desta obra é de 1952.

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187Diálogo 48 – Causas dos males ...

nitiva que me permita julgar sem me equivocar emtão difícil questão.

Preceptor: — Para alcançar esse discernimento, será necessáriosituar-se no centro mesmo do problema e examinar aspossíveis causas que motivaram e ainda motivam asgrandes desgraças humanas.

Vejamos. Quando um homem comete erros,purga seus desvios colhendo eventualmente amargosfrutos. Pois bem; quando é um povo que os comete,se não são estes corrigidos pela própria reação oupelo reajuste da severa lei das conseqüências, querestitui o equilíbrio perdido, cedo ou tarde haverá deexperimentar as situações angustiosas que tiver cria-do, e que, segundo sua magnitude, poderiam inclusi-ve resultar em sérios conflitos bélicos. De formasucessiva, vamos até chegar à própria humanidade.Os erros cometidos por ela no passado compromete-ram o presente dos homens, e, do mesmo modo, osque está cometendo no presente haverão de compro-meter sua posteridade. Seguindo essa mesma relaçãode causas e de efeitos, seus acertos tiveram, logica-mente, a virtude de assegurar os dias felizes que viveuna paz.

Ao se acumularem os erros de uma e outra gera-ção, o peso das responsabilidades aumenta, agigan-tando-se os problemas e aumentando as dificuldades.Conflitos mentais acentuam depois os distanciamen-tos e, tão logo se atritem as suscetibilidades interna-cionais, sobrevêm as crises que desembocam emguerras impiedosas.

Flavio: — O senhor me explicou, de forma lógica, simples eclara, a causa do mais grave dos males sociais, o qualenluta a humanidade de uma forma que eu diria per-manente. Oxalá isso possa ser compreendido a tempo.

Preceptor: — Sim; e que se compreenda também que não é afatalidade nem a injustiça de Deus o que tem produ-zido o desconcerto, a desventura e os grandes sofri-

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188 Diálogos

mentos, mas sim os erros, os abusos e a intemperan-ça dos homens de ontem e de hoje, que têm hipote-cado a felicidade e a paz humanas.

Assim, quando chega o tempo dos vencimentos,não existe, ao que parece, solvência moral e espiri-tual capaz de cancelar o compromisso contraído. Aose acabarem as prorrogações, ou seja, a tolerânciadas leis universais, a humanidade pretende fugir à suaresponsabilidade, sendo então quando deve pagarseu descumprimento com vidas juvenis e sacrifíciosde toda ordem.

Flavio: — Sua explicação me anima a fazer o senhor conhe-cer outra de minhas inquietudes. Observando o esta-do atual da humanidade, é fácil perceber a existênciade uma alarmante desorientação quanto às perspecti-vas presentes e futuras, como também uma acentua-da descrença, motivada talvez pelas exigências cadavez maiores do temperamento humano. O senhorpoderia me oferecer alguma luz sobre este assunto?Eu queria saber que causas o determinam e que solu-ções haveria.

Preceptor: — A humanidade está passando, certamente, portranses muito difíceis. Isso se deve à exacerbação daspaixões que cegam os homens, como indício segurode que os seres se vão desumanizando, ao diminuirdia a dia a influência benéfica de seus sentimentos. Jánão sentem como antes, nem experimentam o saborinefável da vida quando ela se desenvolve na plenitu-de de suas prerrogativas, livre de travas que a escravi-zem. Hoje se tornam insensíveis até ao mais caro quea alma e o coração humanos têm: seus atributos, suasqualidades, seus afetos.

Os homens dizem que lutam pela subsistênciaprópria e de suas famílias, mas o certo é que cada diaa fazem mais difícil, ao extremo de se tornar inalcan-çável para a maioria toda estabilidade econômicapretendida.

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189Diálogo 48 – Causas dos males ...

Quando os homens trabalham, produzindo semregateios, é absolutamente seguro que há mais paz eabundância; se, porém, com menor esforço, e aindasem este, as mentes de muitos querem mais do quetêm, as conseqüências não se fazem esperar. Ainquietude e o desassossego se propagam, até desem-bocarem na violência. Se a isso agregarmos as ambi-ções, que inflamam não poucas mentes dominadaspela ânsia de supremacia, veremos como tudo confluipara determinar os motivos da atual desorientaçãoque impera no mundo. O resultado da confusão aque se chegou é a descrença, cuja causa reside noabuso de desvirtuar conceitos e desnaturalizar aspalavras de maior significação para a vida do homem.Isto tem motivado o surgimento de ideologias exóti-cas que, convertidas em sistemas políticos, sustentamconceitos totalmente opostos aos verdadeiros, quefundamentam o modo de sentir e pensar do resto dahumanidade.

É indubitável que, por si mesmo, o homem nãoconseguiu ainda amadurecer seu entendimento paraalcançar a capacitação moral e espiritual que exigesua condição de ser racional e anímico, chamado derei da Criação, honra à qual ainda não correspondeu,incapacitado que se acha para elevar-se até a cúspideda perfeição humana.

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Celésio: — Todos os povos do mundo têm um lugar naHistória, porém nem todos oferecem páginas detamanho colorido e luminosidade como as que opovo egípcio consignou nas legendárias épocas dosfaraós.

Conta-se, e até se afirma, que naqueles temposhavia instituições que eram as guardiãs dos tesourosocultos do saber, onde os aspirantes que nelas que-riam ingressar eram submetidos a uma série de provasdifíceis, após as quais somente eram aceitos os queconseguiam superá-las. Me interessaria conhecer suaautorizada palavra acerca disso.

Preceptor: — Na verdade, muitas são as lendas tecidas a respei-to. Vou me referir somente a um dos tantos aspectosde que se revestiam aquelas sociedades místicas,anteriores à era cristã.

Entre as tantas cerimônias e rituais que se cum-priam, destacam-se os concernentes às assembléiasrealizadas para tal fim, que eram acertadas por seresda mesma hierarquia e com reconhecidos méritospara assistir a elas. Decidido isto, elegia-se uma ima-gem e destinava-se a cada um dos que haveriam departicipar da assembléia ou concílio um fragmentodela, a fim de que lhe servisse de contra-senha ousalvo-conduto. Ninguém podia assistir sem revelar

Diálogo 49RAROS MÉTODOS ADOTADOS ANTIGAMENTE

PARA A PRESERVAÇÃO DAS IDÉIAS.

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191Diálogo 49 – Raros métodos ...

antes o que lhe havia correspondido, e, se a imagemficava incompleta por ausência de um de seus mem-bros, a assembléia não se efetuava.

Nessas reuniões, cada integrante expunha porturno suas concepções, amadurecidas individualmen-te, sobre o grande assunto para o qual eram convoca-dos, configurado este pelos avanços de cada um ao seinternar nos campos mais profundos da SabedoriaUniversal e pelo concurso de seus conhecimentos embenefício da espécie humana. Muitos grandeshomens da Antigüidade que se destacaram nas ciên-cias, nas artes e nas letras, pertenceram a essas assem-bléias.

Segundo reza a recordação daqueles curiososatos, tão rigorosa era a assistência a eles, e tão seve-ros os regulamentos, que só em caso de morte se jus-tificava uma ausência. Os não pertencentes à catego-ria de membros da assembléia sabiam unicamenteque a Junta Maior estava para reunir-se e irradiar atodos os súditos da Criação a luz da Sabedoria,porém não lhes era dado saber onde nem em quedata.

Em nossos dias, isso haveria de parecer estranho eexótico, mas o fato é que, naquela época, todos essesrituais tinham a virtude de provocar a inquietude edespertar o anelo de alcançar o topo do conhecimen-to de tudo quanto se relacionava com os velhos ramosda árvore da Sabedoria.

Celésio: — É realmente curioso e de grande interesse o que osenhor acaba de me relatar, pois tudo quanto ohomem faça ou conceba, seja em que época for, nãopode ser indiferente àqueles que investigam e son-dam o mistério da alma humana.

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Maurício: — A Logosofia recomenda uma dieta mental a todosos que se propõem internar-se nos domínios da altaciência que ela representa. Como não vejo claramen-te a que obedece esse conselho, seria de muito valorpara mim receber do senhor uma ampla explicação.

Preceptor: — Sendo muito comum, a todos que decidem inter-nar-se no vasto campo da Sabedoria Logosófica, vircom as mentes congestionadas por milhares de leitu-ras da mais variada índole, considera-se prudenteessa dieta mental para favorecer o processo com-preensivo da inteligência e assegurar os melhoresresultados.

Maurício: — Acho muito lógico; mas não que tal dieta, pelo queparece, tenha de ser mantida ao longo de toda a tra-jetória logosófica, caso em que caberia objetar-lhe ofato de querer afastar deliberadamente o investigadorde toda outra referência ou estudo que lhe pudesseservir de apoio.

Preceptor: — Na verdade, os ensinamentos de Logosofia consti-tuem uma nova semente psicológica. Semeada nocampo mental individual de quem a solicita, começaela sua obra fecundante até culminar numa renova-ção quase total da própria vida. Esse processo derenovação se cumpre quando a vida mantém a quali-dade da semente, o que se consegue ao não mesclá-

Diálogo 50SOBRE A DIETA MENTAL — NECESSIDADE DE NÃO MESCLAR

OS CONHECIMENTOS LOGOSÓFICOS COM

OUTROS DE NATUREZA DIFERENTE.

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193Diálogo 50 – Sobre a dieta ...

la com elementos estranhos que a inferiorizem oudegenerem.

Para os fins de sua manifestação, é bem sabidoque a natureza viva, feita lei nas entranhas humanas,não permite que agentes que lhe sejam estranhosintervenham na sua fecundação. Obedecendo àmesma natureza que encarna os ditados dessa lei, aLogosofia, como força viva, tampouco admite queelementos alheios a ela perturbem a germinaçãonatural de sua semente. Daí que tanto se recomendenão desvirtuar, no estudo e na investigação, o conteú-do essencial do ensinamento, interpretando-o deforma superficial ou equivocada. Se trabalha tão pro-fundamente em benefício da superação individual, élógico pensar que isso haverá de obedecer a algosuperior, algo que, no momento, está além das possi-bilidades de compreender. Porém, se essa realidadebeneficia, se suas vantagens são percebidas e com-provadas, vislumbrando-se futuras manifestações deprogresso, torna-se fácil discernir sobre a conveniên-cia de não se afastar da recomendação sobre a dieta.Isso, naturalmente, dará mais firmeza e segurança aospassos rumo à conquista do Saber Logosófico.

Maurício: — Mas essa dieta mental deverá persistir ao longo detoda a vida?

Preceptor: — Não, absolutamente. É prescrita só para os primei-ros passos, isto é, durante os primeiros tempos.Quando se conheçam a fundo os conceitos logosófi-cos, poder-se-á ler tudo quanto se queira, porque jáserão outros os olhos que realizarão a leitura, e, outra,a luz do entendimento.

Maurício: — Sendo assim, considero o método não só original,mas também muito acertado, porque protege o enten-dimento de possíveis erros ou confusões.

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Aparício: — Na história da humanidade, o caso das celebrida-des e dos gênios que assombraram o mundo com seusextraordinários dotes é uma das questões ainda pen-dentes de explicação fundamentada em razões incon-troversas, sobretudo em épocas precárias em quesomente as grandes inspirações deram ensejo a mani-festações de obras maravilhosas, surgidas de almasverdadeiramente privilegiadas. O que tais seres reali-zaram em obras de arte, em música ou em literatura,assim como em proezas épicas, em ciências ou nosdemais campos das prerrogativas humanas, não épossível à inteligência mais bem dotada realizar,ainda que consagre toda a sua vida a semelhantesempresas.

Anastásio: — Eu penso que eram seres muito evoluídos, dotadosde condições naturais para realizar aquelas estupen-das proezas cristalizadas por seus gênios.

Aparício: — Sendo assim, deveríamos admitir que evoluíramem outras vidas, já que nas que resplandeceramnão é possível admitir, porque a maioria, para nãodizer todos, revelaram seus prodígios desde muitojovens.

Diálogo 51ORIGINAL EXPLICAÇÃO SOBRE OS GÊNIOS E

CELEBRIDADES QUE EXISTIRAM NO MUNDO.

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195Diálogo 51 – Original explicação sobre ...

Anastásio: — É certo; para explicarmos fatos como estes, queescapam a todo raciocínio, devemos crer na sobrevi-vência da alma.

Aparício: — Todavia, essa não é uma razão muito satisfatória.Deve existir, possivelmente, algum outro motivo,superior a nosso entendimento, que não podemosalcançar. Eu considero que, para evitar erros na inter-pretação de tais fatos e sair do inseguro plano dascrenças, seria mais acertado pedir a nosso preceptore Mestre que nos ilumine acerca do assunto, por con-ceituá-lo de grande importância.

Preceptor: — Na verdade, vocês fizeram referência a um assun-to altamente interessante e digno de ser elucidado.Suas tentativas de explicação a respeito coincidem,mais ou menos, com o expressado nas reflexões cor-rentes, mas de modo nenhum se vinculam à causaque promoveu e seguirá promovendo, de tempos emtempos, fatos similares. Eis agora a explicação: nosalvores do mundo, nos primeiros tempos da existên-cia humana, as mentes dos homens se achavam emestado embrionário e, por tal causa, careciam derecursos. Por ausência de motivos e de estímulos queos agilizassem, os seres se moviam com lentidão. Asnecessidades os foram obrigando a usar a mente e,por conseguinte, a inteligência, que começou assim ase manifestar. Passadas aquelas remotas idades e àmedida que o homem foi avançando para estados decivilização mais proeminentes, começaram a desen-volver-se nele, seguindo lentíssimos processos, suaspossibilidades mentais, coincidindo tal acontecimen-to com o despertar dos sentimentos, ou, melhorainda, com a primeira liberação dos sentimentos ope-rada sobre os instintos, que haviam mantido até aliuma inegável supremacia nos destinos do indivíduo.

Então ocorreu que, achando-se os homens comsuas mentes semi-apagadas e os ânimos decaídos porsua impotência moral e espiritual, Deus, seu Criador,

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196 Diálogos

suprema inteligência, tomando um deles primeiro e,em sucessivas épocas, vários outros, despertou-lhesuma faculdade, uma só, exaltando-a em alto graupara que realizassem prodígios com ela, ante oassombro de seus semelhantes. Foram surgindo,assim, os grandes gênios e os artistas famosos, não sóna Antigüidade, mas também nas épocas moderna econtemporânea.

O Criador quis que, em virtude desse fato, os pró-prios homens descobrissem que, se essa possibilidadeexistia num semelhante, deveria também existir, logi-camente, em todos os demais. Não obstante a perió-dica repetição de tais acontecimentos, muito tempose passou antes que os homens fundassem as primei-ras escolas de aprendizagem no manuseio das cores,das letras e do cinzel, e conseguissem desenvolvertodas as manifestações artísticas que, numa constan-te superação, iam aflorando na alma humana.

Ninguém entendeu, porém, o sublime ensinamen-to, e, em lugar de verem, com bom entendimento, amão de Deus que os despertava de seu sono, oshomens se dedicaram a endeusar aqueles que haviamsido agraciados com a exaltação de uma faculdadeque lhes permitia executar magníficas obras, de eter-na rememoração.

Anastásio: — Então não eram eles seres altamente evoluídos? Preceptor: — Não; os seres evoluídos têm grande sabedoria, e

são reconhecidos mercê de seus afãs generosos e dosheróicos sacrifícios que a si mesmos impõem paraensinar a todas as criaturas humanas o caminho segu-ro do aperfeiçoamento. São seres de hierarquia morale espiritual muito elevada, cujas vidas constituem umacabado exemplo de sobriedade, equilíbrio, tolerân-cia, paciência e magnanimidade.

A exaltação de uma só faculdade não significaevolução; é como uma embriaguez psíquica quedesemboca no frenesi artístico ou científico, produ-

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197Diálogo 51 – Original explicação sobre ...

zindo depois um vazio moral que já levou não pou-cos artistas e gênios a conviver com a embriaguez físi-ca, para fugir das horas monótonas do retraimento.Isso jamais ocorre com os seres evoluídos, pois nelesnão opera a exaltação de uma faculdade da inteligên-cia, mas sim a Sabedoria, símbolo de sua elevaçãomoral e espiritual.

Desse modo, longe de os seres compreenderemaquela sublime realidade, não viram o prodígio mani-festado num homem, mas sim o que este manifestavaem suas obras.

Não obstante, a admiração e o encantamento queesses fatos produziam despertaram neles o desejo deimitá-los, de aprender, ainda que toscamente, amanejar os mágicos instrumentos e os demais utensí-lios com que plasmavam suas singulares criações einventivas, sendo esse o primeiro resultado positivodaquela intervenção do Criador.

As mentes dos homens começaram, assim, ainquietar-se, dedicando-se a novos empenhos, o quesuscitou um crescente e geral entusiasmo. Novosestudos foram surgindo de uma e outra parte, e aspessoas se aplicaram a toda classe de ensaios, intuin-do, mais que compreendendo, que existia em todos apossibilidade de alcançar as altas prerrogativas dessesseres que se acreditava, entretanto, fossem superdota-dos de nascimento.

Ninguém pôde explicar, pois, esse mistério queenvolveu quase todos os gênios com auréolas místi-cas de origem divina. O fundo de verdade, oculto pordetrás do célebre enigma, não é outro, todavia, que oanelo do Criador de fazer a criatura humana com-preender, por esse meio, que nela existem tais prerro-gativas e muitas outras, que se irão revelando à suanatureza mental e humana com o passar dos tempos.Isso é confirmado pelo fato de esses mesmos seres —fora dos privilégios mencionados, em virtude dos

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quais exerciam pleno domínio de sua ciência ou desua arte — se comportarem em inúmeros casos comoo mais comum dos homens. Viu-se também como aexaltação máxima de uma faculdade se tornava paramuitos deles uma carga quase insuportável, devendo-se a isso, sem dúvida, o constante desassossego e odesequilíbrio em que viviam.

A Lei de Evolução, tão genialmente estabelecidaem toda a Criação e cuja imponderável força e virtu-de a Sabedoria Logosófica faz experimentar no planohominal, ao determinar na consciência seu principalobjetivo, descobre para o homem as riquezas quejazem sob suas capas mentais, como jazem nas entra-nhas da terra os minerais mais valiosos. Porém, assimcomo o homem perfura a terra e abre crateras entre osmaciços das cordilheiras, assim também, para poderdar com o ansiado filão de um destino melhor, deveperfurar, em continuados esforços, a ignorânciarochosa que o perturba e faz vacilar. Isso o levará acompreender, algum dia, que essa mesma Lei deEvolução é a que lhe permite conectar-se às forçascriadoras que animam a grande Natureza e captar assutis vibrações que palpitam na alma universal.

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Preceptor: — Não faz muito tempo, você me pediu que lhefalasse algo sobre os mártires, mas, como não haviadefinido com precisão seu pensamento, abordeioutros temas.

Edmundo: — É verdade; recordo que naquele momento eu tinhao desejo de dissipar certas dúvidas e, ao expressarmeu pensamento, mencionei tão-só a vida dos márti-res, sem esclarecer que não me referia à históriadeles, senão ao verdadeiro conceito que nos deveminspirar. Queria saber se foram na verdade predestina-dos, ou seres a quem o acaso levou a cumprir sacrifí-cios supremos.

Preceptor: — Suas palavras revelam que você faz abstração dosenunciados históricos acerca deles, quiçá por nãosatisfazê-lo o acentuado caráter místico que lhes sãoatribuídos. Ante os conceitos admitidos, sempre ébom colocar-se no plano mais sensato. Não devemos,pois, estabelecer novos juízos sobre fatos acontecidoscom nossos semelhantes, cujos nomes a História cin-giu com auréolas de glória, se não assiste a esses juí-zos um conhecimento profundo da verdade que taisfatos encerram.

Devemos pensar que a mera circunstância dehaver sido este ou aquele quem bebeu a taça do sacri-fício heróico significa, de fato, a exaltação fora do

Diálogo 52OS MÁRTIRES: CONCEITO VULGAR; A EXISTÊNCIA

DOS MÁRTIRES, GRANDES E PEQUENOS, QUE SÃO

IGNORADOS POR NÃO PERTENCEREM AO FORO PÚBLICO.

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comum de seu valor ou virtudes raramente superadospor seus contemporâneos, razão que evidencia a jus-tiça com que foram consagrados pela História. O fatode que eles tenham sido predestinados ou que oacaso tenha mudado seus destinos não deve preocu-par além da conta a você, porque, nestes casos, pre-destinação e acaso cumprem idênticos papéis. Oessencial é encontrar nesses mesmos fatos o fio lumi-noso que conecte nossas vidas, em suas respectivasgraduações hierárquicas, com aquelas outras imola-das por inescrutáveis desígnios.

Se eu lhe dissesse, por exemplo, que todos podemser mártires, esta afirmação tão singular talvez o sur-preendesse; porém, você haverá de se surpreenderainda mais se lhe digo que cada ser humano é um már-tir que sofre seu calvário no silêncio de sua intimidade,calvário que, para muitos, começa no berço e, acen-tuando-se através dos anos, chega até os últimos diasde sua existência. É o caso dos enfermos que suportamas penúrias de longas doenças, dos desvalidos quesofrem em silêncio suas misérias, e dos sobreviventesde guerras ou revoluções sangrentas, que padeceramtoda sorte de angústias, rigores e desgraças.

Também são mártires aqueles que, em luta contrasuas desventuras ou sua ignorância, hasteiam o idealda superação e, em prol do aliciente estimulador dasluzes do conhecimento, crucificam a vida fácil ouaquietada pela indiferença, com o objetivo de desarrai-gar velhas modalidades, deficiências ou pensamentosde má índole. E o são porque lutam denodadamentepor uma causa nobre e justa — sua liberação espiritual—, enquanto sofrem com valentia as imposições dacontinência, ao mesmo tempo que arrancam de suasvidas as paixões inferiores, inflamadas com freqüênciapela soberba, pela ambição e pelo amor-próprio.

Edmundo: — Sinceramente, foram para mim de grande transcen-dência suas claras palavras, que tanta beleza encer-

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201Diálogo 52 – Os mártires ...

ram pela profundidade dos conceitos expressados. Aúltima parte, sobretudo, deixou em minha alma umaimpressão que dificilmente se apagará de minhamemória...

Preceptor: — Compreendo perfeitamente; seu sentimento foitocado, e este sempre responde quando lhe falamosdaquilo que pertence a seu reino. Sim; quando o sen-timento permanece incontaminado de toda baixeza,entroniza-se em nosso coração e se converte numpequeno monarca, justo, magnânimo e piedoso.

Ao falar-lhe, observava como se iam delineandoem sua recordação as fisionomias de muitos seresqueridos, de amigos ou conhecidos, os quais você viupadecer sem nunca haver pensado que pudessem sermártires, semelhantes aos que a História vestiu comas auréolas da glória e consagrou com os timbres daimortalidade.

Edmundo: — Suas comovedoras palavras me fazem pensar queo senhor fala como se quisesse, reparando a ingrati-dão e a indiferença humana, fazer justiça à alma detantos a quem ninguém recorda, porque sofreramcalada e resignadamente os padecimentos de umgrande castigo.

Preceptor: — Basta saber, na verdade, que foram inocentes, parainspirar-nos a mesma compaixão dos que, transcen-dendo o anonimato, ficaram conhecidos pelo anún-cio histórico de seus martírios. Se estes são apresen-tados pela História como exemplos, aqueles, oshumildes mártires, que nada sabem de feitos históri-cos, sofrem e sofreram sem grandeza, mas com omais sublime estoicismo, os horrores do espanto emtragédias íntimas tão indescritíveis quanto fortes eheróicas.

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Preceptor: — Você já deve ter ouvido muitos seres proclamaremcom freqüência seu amor à vida, exaltando seu apegoa ela nos momentos em que pressentem achar-se pró-ximos ao final de seus dias. Pois bem, o que lhe suge-re esse fato?

Ergasto: — A meu ver, é o temor à morte o que faz amar a vidae aferrar-se a ela. Esse fato me sugere, pois, a manifes-ta exaltação de um instinto natural.

Preceptor: — Examinemos a questão do ponto de vista logosó-fico. Vejamos, em princípio, o que é que na realida-de os seres amam: seu invólucro físico, a fortunaque eventualmente possuam, ou tudo quanto osrodeia? Concretamente, o que mais se aprecia nessavida e que tanto custa deixar? Observa-se, com efei-to, que uns sentem profundo apego pelo ourocopiosamente acumulado; outros, por sua vez, oexperimentam por seu ser físico, do qual estão ena-morados.

Ergasto: — Estou mais para crer que o que se quer é o conjun-to, isto é, tudo quanto o ser é e tem.

Preceptor: — Evidentemente, o egoísmo humano não faz rega-teios para si. Porém, vejamos: sabem esses seres porque e para que amam a vida? São conscientes desseamor? São fiéis a ele? Como é esse amor: sincero, ver-dadeiro, ou falso? Eis aí uma oportuna e conveniente

Diálogo 53A VIDA DIANTE DO ENIGMA DA MORTE.

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203Diálogo 53 – A vida diante ...

reflexão prévia que fará compreender melhor o alcan-ce deste ensinamento.

Ergasto: — Agora o assunto se complica; ninguém pensa nemnunca pensou nisso, que eu saiba.

Preceptor: — O fato de ninguém pensar nisso não impede quepossamos fazê-lo nós, dando lugar, assim, a que pos-sam pensar mais atinadamente os que ainda não o fize-ram. Se, perante cada ser que valorize em algo o con-ceito da vida, nós nos apresentássemos com esta trípli-ce interrogação: “Para que você quer a vida: para reite-rar o uso que fez dela, como no passado?; para reiteraro que está fazendo?; para o que fará?”, não se deterá,por acaso, para refletir com sensatez sobre o proble-ma? Mais de um, ante sua própria consciência, nãoexclamará: “Que tenho feito de minha vida! Um acú-mulo de misérias, cuja recordação, como as cascas deovo, nada contém”? Que perspectivas se abrirãodepois a seu futuro? Outras, talvez, que não sejam asde repetir o que foi feito no passado? Eis aí a questão.

Para aqueles que carecem de um sadio conceitoda vida, pouco importam as reflexões anteriores.“Queremos a vida para nos divertir”, dirão a si mes-mos; “para gozar dos prazeres, da embriaguez ou daopulência, se até aí chegarmos. O resto não importa,não interessa.” Diante de semelhante quadro psicoló-gico, comum a tantos seres, que fala com muita elo-qüência sobre o estado espiritual de uma grande parteda humanidade, não caberia perguntar se a criaturahumana foi criada para empregar sua vida assim,dessa forma? Sua existência não encerrará uma finali-dade superior? Não terá sido feita para que reprodu-za em si mesma os traços superiores de sua espécie,que a farão semelhante a seu próprio Criador? É pos-sível admitir que a vida de um homem deva perma-necer tão desprovida de valores? Não terá que conterelementos mais ponderáveis que seus meros apetitesmateriais?

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As vidas dos que pensam, dos que se esforçam ese sacrificam pelo bem geral nos dão com eloqüênciaa resposta. Por conseguinte, devemos pensar queaqueles, cedo ou tarde, compreenderão seu erro e seemendarão. Enquanto isso, o caminho se encontraaberto aos que anelam fazer de suas vidas um paraí-so de felicidade.

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SUMÁRIO

Prólogo

Diálogo 1 Singular explicação sobre a expulsão de Adão doParaíso — Não houve culpa nem castigo.

Diálogo 2 A lei do mais forte — Sua influência na vidahumana.

Diálogo 3 De como ordenar os tempos de nossa existênciafísica e viver várias vidas em seu curso.

Diálogo 4 O Livro da Criação — Imagens e recordaçõesque vivem em suas páginas eternas.

Diálogo 5 Concepção das idéias — Poder de criar e direitoà paternidade espiritual.

Diálogo 6 O segredo das oportunidades — Como aconte-cem e são aproveitadas.

Diálogo 7 A parte humana de Deus — Modificação de con-ceitos.

Diálogo 8 Ensinamentos sobre o conhecimento transcen-dente.

Diálogo 9 Significado do “Juízo Final” segundo a concep-ção logosófica.

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Diálogo 10 A imanência divina que se sente de semelhantepara semelhante em determinadas circunstâncias— Necessidade de compreender melhor o valordos afetos humanos.

Diálogo 11 A imagem do passarinho no ensino dos conheci-mentos transcendentes.

Diálogo 12 Encaminhando para a realização do processo deaperfeiçoamento.

Diálogo 13 De como sentir o tempo eterno em si mesmo,aproveitando-o para realizar várias obras a umsó tempo — Sua aplicação prática aos deleitesdo espírito, com a perspectiva de oportunidadesfelizes a desfrutar no amanhã.

Diálogo 14 Original significado dos símbolos e signosempregados nos templos do antigo Egito.

Diálogo 15 O conhecimento transcendente conduz ohomem pelo bom caminho.

Diálogo 16 Concepção do querer — Forma de alcançar umpropósito e comportamento posterior.

Diálogo 17 Explicação sobre a trilogia “Verdade-Bem-Amor”.

Diálogo 18 O pranto, graça só concedida aos seres humanos.

Diálogo 19 Sobre a liberdade de discernimento na supera-ção individual.

Diálogo 20 Sobre as atmosferas e órbitas pessoais.

Diálogo 21 As múmias e seus mistérios.

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Diálogo 22 De como ser bom sem cair na ingenuidade — Aconsciência do bem leva a ser bom na verdade,e não mais no erro — A herança do bem e suafinalidade superior.

Diálogo 23 Comportamentos que comprometem o ser deamanhã — Os acontecimentos inesperados.

Diálogo 24 A ajuda que se pede a Deus nos momentos deaflição.

Diálogo 25 Explicando o significado dos antigos rituais eseus mantras.

Diálogo 26 Descrição dos conhecimentos e capacidade paraabarcá-los.

Diálogo 27 Vantagens do Saber Logosófico.

Diálogo 28 Raridades do temperamento e as forças humanasatuando por exaltação.

Diálogo 29 Sobre os que buscam o bem egoisticamente.

Diálogo 30 De como fazer frente à adversidade pela supera-ção consciente.

Diálogo 31 Conselhos para não se colecionarem conheci-mentos como se fossem borboletas —Necessidade de incorporar tais conhecimentos àvida.

Diálogo 32 O jogo da mímica, o primeiro dos ofícios que ohomem aprendeu.

Diálogo 33 Zonas livres e zonas proibidas — Consciênciados atos.

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Diálogo 34 Causas dos enganos — As crenças pessoais esuas derivações.

Diálogo 35 De por que é necessário o preceptor para enca-rar o processo de evolução consciente rumo aoaperfeiçoamento.

Diálogo 36 O perdão como princípio moral e seu exercíciointeligente e construtivo.

Diálogo 37 O enigma da vida quanto a seus pesares e des-venturas, e meios de afastá-los.

Diálogo 38 Sobre o grande “vazio” que muitos têm e que-rem preencher, e o “cheio” que não se queresvaziar.

Diálogo 39 Sobre o espaço que ocupamos e as premênciasdo tempo.

Diálogo 40 Como se pode mudar a vida, enriquecendo-acom conhecimentos que a enobreçam e a tor-nem fecunda.

Diálogo 41 A lenda “A alma e a chave”.

Diálogo 42 Por que os conhecimentos transcendentes, comoos grandes valores, devem ser usados discreta-mente.

Diálogo 43 Necessidade de manter o campo mental livre deimpurezas para que sua produção seja exuberan-te e valiosa.

Diálogo 44 O ser que todos nós temos esquecido, em quemninguém pensa, apesar de constituir algo essen-cial para nossa vida.

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Diálogo 45 Explicação sobre os sonhos.

Diálogo 46 Sobre certa deficiência das mentes não cultiva-das, que as assemelha aos antigos fonógrafos.

Diálogo 47 Sobre a atividade e o descanso — Modos deencará-los.

Diálogo 48 Causas dos males que a humanidade padece emeios de evitá-los.

Diálogo 49 Raros métodos adotados antigamente para a pre-servação das idéias.

Diálogo 50 Sobre a dieta mental — Necessidade de nãomesclar os conhecimentos logosóficos comoutros de natureza diferente.

Diálogo 51 Original explicação sobre os gênios e celebrida-des que existiram no mundo.

Diálogo 52 Os mártires: conceito vulgar; a existência dosmártires, grandes e pequenos, que são ignoradospor não pertencerem ao foro público.

Diálogo 53 A vida diante do enigma da morte.

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Representantes Regionais

Belo HorizonteRua Piauí, 742 - Funcionários30150-320 - Belo Horizonte - MGFone (31) 3273 1717

BrasíliaSHCG/NORTE - Quadra 704 - Área de Escolas70730 730 - Brasília - DFFone (61) 3326 4205

ChapecóRua Clevelândia, 1389 D - Saic89802-411 - Chapecó - SCFone (49) 3322 5514

CuritibaRua Almirante Gonçalves, 2081 - Rebouças80250-150 - Curitiba - PRFone (41) 3332 2814

FlorianópolisRua Deputado Antonio Edu Vieira, 150 - B. Pantanal88040-000 - Florianópolis - SCFone (48) 3333 6897

GoiâniaAv. São João, 311 - Q 13 Lote 23 E - B. Alto da Glória74815-280 - Goiânia - GOFone (62) 3281 9413

Rio de JaneiroRua General Polidoro, 36 - B. Botafogo22280-001 - Rio de Janeiro - RJFone (21) 2543 1138

São PauloRua Gal. Chagas Santos, 590 - Saúde04146-051 - São Paulo - SPFone (11) 5584 6648

UberlândiaRua Alexandre de Oliveira Marquez, 113 - B. Vigilato Pereira38400-256 - Uberlândia - MGFone (34) 3237 1130