arbitragem e administração pública

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ARBITRAGEM

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    O USO DA ARBITRAGEM PELA ADMINISTRAO PBLICA LUZ DOS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DO ART. 37, caput1

    Juliane Locks2

    RESUMO: Este trabalho tem como objetivo principal analisar o uso da arbitragem pela Administrao Pblica luz dos princpios elencados no art. 37, caput, da Constituio Federal. Enseja alargar o conhecimento a respeito das peculiaridades do instituto da arbitragem, bem como de conceitos gerais de direito administrativo, especialmente no que concerne aos princpios constitucionais, aos contratos pactuados pela Administrao Pblica e sua capacidade para contratar. A Lei de Arbitragem foi criada para atender a uma demanda envolvendo pessoas de direito privado, no entanto, regras esparsas foram inseridas na legislao ptria, prevendo clusula arbitral em contratos administrativos, dentre eles os contratos de concesso e permisso de servios pblicos e os contratos das parcerias pblico-privadas. No entanto, existe incerteza quanto ao que a Lei da Arbitragem conceitua como direitos patrimoniais disponveis, quando se fala do uso deste instituto para dirimir conflitos envolvendo contratos tendo Administrao Pblica como parte. O trabalho discute estes pontos separadamente e, ao final, demonstra as angstias provocadas pela incompletude do nosso ordenamento e pelo aparente descaso em relao aos princpios constitucionais da Administrao Pblica quando se abre a possibilidade desta transitar como parte na via arbitral. Palavras-chave: Administrao Pblica. Arbitragem. Contratos administrativos. Princpios constitucionais.

    INTRODUO: O aumento do uso da arbitragem no Brasil demonstra a credibilidade e a segurana relacionada ao amadurecimento do instituto, a discusso gira em torno da utilizao da arbitragem pelo Poder Pblico para resoluo de conflitos que envolvam contratos administrativos.

    A lei que dispe sobre arbitragem, no seu artigo 1, explicita as condies necessrias para valer-se do instituto: a um, somente pessoas capazes de contratar podem pactuar compromisso arbitral, a dois, os litgios devero versar sobre direitos patrimoniais disponveis. Sob o aspecto econmico, a arbitragem a melhor opo.

    No entanto, vrios questionamentos vm tona quando pensamos no uso da arbitragem

    pela Administrao Pblica. Um deles se o patrimnio pblico um direito disponvel. Outro, se a Administrao Pblica pode utilizar um meio extrajudicial na soluo de um conflito que envolve o patrimnio pblico frente aos interesses econmicos privados. E, pensando na possibilidade da utilizao da arbitragem nos litgios envolvendo contratos administrativos, em que medida uma clusula arbitral atende aos princpios constitucionais da Administrao Pblica.

    Mister se faz, portanto, uma anlise crtica da utilizao da arbitragem para soluo dos

    contratos administrativos, frente aos limites legais e aos princpios constitucionais da Administrao Pblica. Para tal, o presente estudo revisa os argumentos utilizados pela doutrina para a utilizao da arbitragem na soluo dos conflitos em contratos administrativos, confrontando-os aos princpios constitucionais elencados no artigo 37, caput3, e o organiza em trs captulos: o primeiro com foco nos aspectos relevantes da Administrao Pblica, em relao aos seus princpios constitucionais, s caractersticas dos contratos administrativos e sobre sua capacidade para contratar; o segundo aborda as linhas gerais da arbitragem: conceito, aspectos

    1 Artigo extrado do Trabalho de Concluso de Curso apresentado como requisito parcial obteno do grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, aprovado com grau mximo pela banca examinadora composta pela Profa. Dra. Orientadora Rosa Maria Zaia Borges, Profa. Dra. Betnia de Moraes Alfonsin e Prof. Dr. Cludio Lopes Preza Jnior, em 25 de junho de 2012.

    2 Acadmica do curso de Cincias Jurdicas e Sociais Faculdade de Direito PUCRS. Contato: [email protected]

    3 Art. 37: A administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia.

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    histricos, a conveno de arbitragem e seus efeitos, os rbitros, o procedimento e a sentena arbitral; e o terceiro, considerado o mais importante, mostra as previses legislativas e discute a autorizao legal da Administrao Pblica para pactuar clusula arbitral, apontando os limites e as possibilidades da utilizao da via arbitral pela Administrao Pblica luz dos princpios constitucionais do art. 37, caput.

    1 ADMINISTRAO PBLICA COMO CONTRATANTE

    1.1 PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAO PBLICA

    A natureza da Administrao Pblica4 a de um mnus pblico5 para quem a exerce, isto , de um encargo de defesa, conservao e aprimoramento dos bens, servios e interesses da coletividade.

    Para Romeu Felipe Bacellar Filho6, a Administrao Pblica existe e s tem sentido se

    houver uma justa e equitativa distribuio, entre os cidados, dos direitos e dos encargos sociais, sendo que suas numerosas tarefas no resultariam exitosas sem a imposio de princpios de atuao capazes de oferecer garantias exigveis de um Estado justo e igualitrio.

    Anda muito em voga o termo improbidade administrativa7, que foi trazido pela primeira

    vez na Constituio Federal de 1988. Antes, os textos constitucionais abordavam o tema superficialmente, em sua modalidade mais direta e de mais difcil demonstrao, o enriquecimento ilcito8, mas o art. 37, 49, da Constituio Federal vigente, constituiu-se em um passo importante, proporcionou ao legislador o fundamento de validade para a criao de uma normatizao10 capaz de enfrentar com eficincia a calamidade pblica que nosso pas vive com a corrupo. A regra do art. 411, da Lei da Improbidade Administrativa, refora o mandamento do art. 37, caput, da CF, norma-princpio que, por si s gera, de um lado, direitos subjetivos pessoais e, de outro, deveres indeclinveis aos que, ainda que transitoriamente, militam nos quadros pblicos.12

    4 Ao se referir Administrao Pblica, explica que esta no deve ser confundida com qualquer dos Poderes estruturais do Estado, sobretudo com o Poder Executivo, ao qual se atribui usualmente a funo administrativa. Para entendimento da extenso de seu significado diz que necessrio pr em relevo a funo administrativa em si, e no o Poder em que ela exercida. Lembra que h numerosas tarefas que constituem atividade administrativa, assim todos os rgos e agentes que, em qualquer dos Poderes, estejam exercendo funo administrativa, sero integrantes da Administrao pblica. CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21.ed. Rio de

    Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 10-11. 5 Como tal, impe-se ao administrador pblico a obrigao de cumprir fielmente os preceitos do direito e da moral administrativa que regem a sua atuao. Ao ser investido em funo ou cargo pblico, todo agente do poder assume para com a coletividade o compromisso de bem servi-la. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.

    34.ed. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 86-87. 6 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo. 2.ed. So Paulo: Saraiva, 2005, p. 37.

    7 Numa primeira aproximao, improbidade administrativa o designativo tcnico para a chamada corrupo administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administrao Pblica e afronta os princpios nucleares da ordem jurdica (Estado de Direito, Democrtico e Republicano), revelando-se pela obteno de vantagens patrimoniais indevidas s expensas do errio, pelo exerccio nocivo das funes e empregos pblicos, pelo trfico de influncia nas esferas da Administrao Pblica e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concesso de obsquios e privilgios ilcitos. PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Mrcio Fernando Elias; FAZZIO JNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa: Aspectos Jurdicos da Defesa do Patrimnio Pblico. 4.ed. So Paulo: Atlas, 1999, p. 39-40.

    8 Justamente por isso, criticam Marino Pazzaglini Filho e outros, dizendo que: Talvez, por isso, a legislao ordinria produzida a respeito deste se tenha tornado pouco mais que mero adereo normativo.PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Mrcio Fernando Elias; FAZZIO JNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa: Aspectos Jurdicos da Defesa do Patrimnio Pblico. 4.ed. So Paulo: Atlas, 1999, p. 39.

    9 Art. 37, 4: Os atos de improbidade administrativa importaro a suspenso dos direitos polticos, a perda da funo pblica, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao errio, na forma e gradao previstas em lei, sem prejuzo da ao penal cabvel.

    10Lei Federal n 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa). Diploma que regula as hipteses configuradoras da falta de probidade administrativa e as sanes aplicveis a agentes pblicos e a terceiros.

    11Art. 4: Os agentes pblicos de qualquer nvel ou hierarquia so obrigados a velar pela estrita observncia dos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhes so afetos.

    12PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Mrcio Fernando Elias; FAZZIO JNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa: Aspectos Jurdicos da Defesa do Patrimnio Pblico. 4.ed. So Paulo: Atlas, 1999, p. 51.

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    Assim importante falar da improbidade administrativa, porque os princpios

    constitucionais so os norteadores da Administrao Pblica e sua afronta consiste em atos de improbidade. No Estado de Direito, a Administrao Pblica dever vislumbrar na Constituio no s o pice da pirmide normativa, mas um conjunto de princpios e regras de cumprimento obrigatrio.13

    A fim de melhorar o entendimento de cada um dos princpios constitucionais da

    Administrao Pblica14, discorreremos sobre cada um deles a seguir, a comear pelo princpio da legalidade.

    O princpio da legalidade15, como a prpria designao j menciona, consiste no fato de a

    Administrao Pblica estar rigorosamente subordinada Constituio e lei. Assim, para o administrador pblico, o princpio da legalidade significa que ele s pode fazer aquilo que a lei determina, ao contrrio do administrador privado, para quem aquilo que no proibido permitido fazer.

    Este princpio, juntamente com o de controle da Administrao pelo Poder Judicirio,

    nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece tambm os limites da atuao administrativa que tenha por objeto a restrio ao exerccio de tais direitos em benefcio da coletividade.16

    Para Hely Lopes Meirelles17, a legalidade, como princpio da Administrao Pblica,

    significa que o administrador pblico est sujeito aos mandamentos da lei e s exigncias do bem comum, deles no podendo se afastar ou desviar, sob pena de praticar ato invlido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal.

    J o princpio da impessoalidade determina que a atividade pblica deve ser destinada,

    indistintamente, a todos os cidados. Este princpio estaria ligado ao da finalidade pblica, o que significa que a Administrao no pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que sempre interesse pblico que tem que nortear o seu comportamento.18

    Odete Medauar19 aduz que o intuito essencial desse princpio impedir que fatores

    pessoais, subjetivos, sejam os fins das atividades administrativas. Afirma, tambm, que o princpio da impessoalidade visa a obstaculizar atuaes geradas por antipatias, simpatias, objetivos de vingana, represlias, nepotismo, favorecimentos diversos, muito comuns em licitaes e concursos pblicos, por exemplo. A finalidade deste princpio fazer predominar o sentido de funo, ou seja, a ideia de que os poderes atribudos servem ao interesse de toda a coletividade, desconectados de razes pessoais.

    13

    PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Mrcio Fernando Elias; FAZZIO JNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa: Aspectos Jurdicos da Defesa do Patrimnio Pblico. 4.ed. So Paulo: Atlas, 1999, p. 14.

    14Discutiremos neste trabalho apenas os princpios constitucionais. Contudo, ressaltamos a existncia ainda, dos princpios da razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditrio, segurana jurdica, motivao e supremacia do interesse pblico, que apesar de no estarem mencionados no art. 37, caput, da Constituio de 1988, so decorrentes do nosso regime jurdico, tanto que ao lado dos princpios constitucionais foram textualmente enumerados pelo art. 2, da Lei Federal 9.784/99, que trata do processo administrativo no mbito da Administrao Pblica Federal. Muito embora tal norma tenha natureza federal, tem verdadeiro contedo de normas gerais da atividade administrativa no s da Unio, mas tambm dos Estados e Municpios.

    15O princpio da legalidade bem mais amplo do que a mera sujeio do administrador lei, pois obriga, necessariamente, a submisso tambm ao direito, ao ordenamento jurdico, s normas e princpios constitucionais.FIGUEIREDO, Lcia Valle de. Curso de direito administrativo. So Paulo: Malheiros, 1994, p. 36.

    16DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18.ed. So Paulo: Atlas, 2005, p. 67.

    17MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34.ed. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 89.

    18DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18.ed. So Paulo: Atlas, 2005, p. 71.

    19MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8.ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 147.

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    Outro princpio constitucional que rege a atividade administrativa o da moralidade20. A

    insero deste princpio pelo legislador foi bem aceita pela coletividade que j se encontrava sufocada pela obrigao de ter assistido aos desmandos de maus administradores, frequentemente na busca de seus prprios interesses, relegando para ltimo plano os preceitos morais de que no deveriam se afastar.21

    Giacomuzzi22 ressalta a mudana de tratamento normativo que foi conferido moralidade

    administrativa, dizendo que alm de faz-la constar dentre os bens jurdicos expressamente passveis de serem defendidos via ao popular, cuja legitimidade propositura diz a Constituio (art. 5, LXXIII) de qualquer cidado, o legislador constituinte de 1988, sob a expressa denominao de princpio, inseriu a moralidade administrativa no caput do art. 37 da Constituio.

    Assim, o princpio da moralidade23 vai alm da legalidade, analisa o mrito da ao

    administrativa, verificando se essa pertinente ao interesse pblico ou apenas aos interesses do administrador pblico.

    Em resumo, aduz Di Pietro24, que estar havendo ofensa ao princpio da moralidade

    administrativa sempre que em matria administrativa se verificar que o comportamento da Administrao ou do administrado, embora em consonncia com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administrao, os princpios de justia e a ideia comum de honestidade.

    A obrigatoriedade da divulgao dos atos de governo25, dando ampla publicidade aos

    contratos e a outros instrumentos celebrados pela Administrao Pblica, por exemplo, traduz o entendimento do princpio da publicidade, que, se no ocorrer, implicar desrespeito ao princpio da moralidade, ao mesmo tempo.

    O princpio da publicidade vigora para todos os mbitos e setores da atividade

    administrativa. Um dos desdobramentos desse princpio encontra-se no inc. XXXIII do art. 5, que reconhece a todos o direito de receber, dos rgos pblicos, informaes do seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral26. Neste sentido, o acesso a informaes provindas dos rgos pblicos deve ser amplo.

    Sob um aspecto prtico, Bacellar Filho27 comenta que a publicidade dos atos, programas,

    obras, servios e campanhas dos rgos pblicos dever ter carter educativo, informativo ou de

    20

    Esta expresso moralidade administrativa consta em dois artigos da nossa Constituio Federal de 1988: no art. 5, LXXIII, e no art, 37, caput. A ttulo de curiosidade, interessante destacar que o termo moralidade administrativa no novo no Direito Brasileiro, a legislao

    20 j referiu expressamente a ele.

    21CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009,

    p. 20-21. 22

    GIACOMUZZI, Jos Guilherme. A moralidade administrativa e a boa-f da Administrao Pblica: o contedo dogmtico da moralidade administrativa. So Paulo: Malheiros, 2002, p. 32.

    23Da moralidade, insculpida no art. 37 da nossa Constituio, se deve, sobretudo, extrair deveres objetivos de conduta administrativa a serem seguidos, proibindo-se a contradio de informaes, a indolncia, a leviandade de propsitos, ou seja, a moralidade administrativa obriga em dever de transparncia e lealdade por parte da Administrao Pblica. GIACOMUZZI, Jos Guilherme. A moralidade administrativa e a boa-f da Administrao Pblica: o contedo dogmtico da moralidade administrativa. So Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 270.

    24DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18.ed. So Paulo: Atlas, 2005, p. 79.

    25A tradio do secreto na atividade administrativa predominava, mas mostrava-se contrria ao carter democrtico do Estado, mas a Constituio de 1988 inverteu esta regra.

    26A ressalva ao direito fundamental de obter informaes dos rgos pblicos mencionada apenas no final do inciso XXXIII, do Art. 5, da Constituio, que diz respeito s informaes cujo sigilo seja imprescindvel segurana da sociedade e do Estado, situaes pouco frequentes. Outra ressalva ao princpio da publicidade encontra-se na preservao da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem das pessoas, declaradas inviolveis pela Constituio, no inc. X do mesmo art. 5. Nesses casos, o sigilo h de predominar.

    27BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo. 2.ed. So Paulo: Saraiva, 2005, p. 46.

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    orientao social, dela no podendo constar nomes, smbolos ou imagens que caracterizem promoo pessoal de autoridades ou servidores pblicos. No entanto, a referncia autoridade ou a servidor, constante em placas comemorativas ou de inaugurao de obras, por exemplo, no pode servir de caso aplicao da norma impeditiva, j que, na maioria das vezes, antes de configurarem promoo pessoal, ilustram um momento histrico da Administrao Pblica.

    O ltimo princpio a ser arrolado no rol do art. 37, da Constituio Federal, o princpio

    da eficincia28 que foi introduzido pela Emenda Constitucional n 19/98 e estabelece o dever de trabalhar com produtividade, economicidade, eficincia, presteza e competncia, ou seja, a Administrao dever oferecer ao cidado mais servios, com melhor qualidade, em menor tempo e com reduo de custos.

    Maria Sylvia Zanella Di Pietro29 explica que o princpio da eficincia apresenta dois

    aspectos: pode ser considerado quanto ao modo de atuao do agente pblico e em relao ao modo de organizar, estruturar e disciplinar a Administrao Pblica; ambos possuindo o mesmo objetivo, o de alcanar os melhores resultados na prestao do servio pblico. Quanto ao modo de atuao do servidor pblico, um ponto a ser ressaltado o da sua profissionalizao, ponto forte que substanciou a reforma administrativa operada pela Emenda Constitucional n. 19/98. Bacellar Filho30 afirma que o preparo tcnico para o desempenho de cargo, emprego ou funo pblica condio sine qua non para avaliar a eficincia do servidor pblico.

    Emerson Gabardo31, por sua vez, afirma que justamente no que concerne ao controle dos atos discricionrios que o princpio da eficincia exerce sua mais importante funo, a propsito da ampliao do controle exercido pelo Poder Judicirio. O entendimento de que o controle judicial somente pode incidir sobre os atos administrativos vinculados32 vem sendo paulatinamente superado.

    Como podemos notar, esses princpios, alm de determinar como a Administrao

    Pblica deve funcionar, regem a conduta do gestor pblico que deve agir sempre em conformidade com o ordenamento jurdico e com a moral administrativa33. Um dos meios de que se vale a Administrao Pblica para cumprir suas mltiplas atribuies e realizar as atividades decorrentes a tcnica contratual34, tema do prximo item.

    1.2 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

    A teoria geral dos contratos a mesma para os contratos privados e para os contratos

    pblicos, porm, sem dvida, os chamados contratos administrativos refletem caractersticas prprias, uma vez que em um dos lados estar sempre a Administrao Pblica, com toda sua gama de prerrogativas35 e sujeies inerentes ao regime jurdico administrativo. A teoria do

    28

    Vladimir da Rocha Frana ressalta que este princpio o mais moderno princpio da funo administrativa, que j no se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exige a produo de resultados positivos para o servio pblico e o satisfatrio atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. Apud MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29.ed. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 96.

    29DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18.ed. So Paulo: Atlas, 2005, p. 84.

    30BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo. 2.ed. So Paulo: Saraiva, 2005, p. 48.

    31GABARDO, Emerson. Princpio constitucional da eficincia administrativa. So Paulo: Dialtica, 2002, p. 128.

    32Quando se trata de ato vinculado, a Administrao Pblica deve demonstrar que o ato est em conformidade com os motivos indicados na lei. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18.ed. So Paulo: Atlas, 2005, p.

    204. 33

    Devemos lembrar que todos os agentes pblicos so responsveis pela fiscalizao interna das condutas administrativas, sendo que qualquer irregularidade ou ofensa aos princpios do art. 37 da CF presenciada deve, no mnimo, ser comunicada ao respectivo Tribunal de Contas, sob pena de se tornarem cmplices e serem responsabilizados solidariamente pela reparao dos eventuais danos. De regra, esta norma no observada pelos administradores. PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Mrcio Fernando Elias; FAZZIO JNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa: Aspectos Jurdicos da Defesa do Patrimnio Pblico. 4.ed. So Paulo: Atlas, 1999, p. 17.

    34MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8.ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 245.

    35As prerrogativas garantem Administrao posio superior s demais pessoas com quem se relaciona, fazendo com que estas relaes no mantenham um nivelamento horizontal. Justifica-se a posio privilegiada pela finalidade administrativa, a busca do bem comum. Com efeito, estas prerrogativas administrativas so conferidas ao Poder

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    contrato administrativo36 afastou-se da teoria do contrato privado, dispondo de certas prerrogativas para assegurar o interesse pblico, mas sem que haja sacrifcios dos direitos pecunirios do particular interessado.

    Na definio de Hely Lopes Meirelles37, contrato administrativo o ajuste que a

    Administrao Pblica, agindo nessa qualidade, firma com particular ou outra entidade administrativa para a consecuo de objetivos de interesse pblico, nas condies estabelecidas pela prpria Administrao.

    A principal caracterstica do contrato administrativo em relao ao contrato privado a

    supremacia de poder da Administrao Pblica para fixar suas condies iniciais38. Nasce desse privilgio administrativo, a faculdade de se impor as chamadas clusulas exorbitantes39 nos contratos administrativos, arroladas no art. 5840 da Lei 8.666/93 como prerrogativas da Administrao41. Tal posio de supremacia no contrato visa proteo do interesse pblico.

    Slvio de Salvo Venosa42 explica que a Administrao Pblica pode celebrar contratos

    que so tipicamente de direito privado, como a compra e venda, troca, comodato e locao, bem como contratos administrativos propriamente ditos, que no encontram paralelo no campo privado, como concesso de servio pblico, contrato de obra pblica e de uso de bem pblico. Existem ainda, ao lado dos tipicamente administrativos, as formas mistas de contrato, cuja tipicidade decorre originalmente do Direito Civil, mas cujos princpios no caso concreto so pblicos, como a empreitada e o emprstimo, por exemplo. Por certo que o fato de a

    Pblico por fora da autoridade e do princpio da supremacia do interesse pblico sobre o individual, com vistas consecuo do bem comum. No tem equivalente nas relaes privadas. Existem para possibilitar um melhor controle do equilbrio social, tornando vivel o convvio entre os cidados. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo. 2.ed. So Paulo: Saraiva, 2005, p. 39.

    36Na verdade, tanto os contratos administrativos clssicos, como os novos tipos contratuais incluem-se numa figura contratual, num mdulo contratual. Tal afirmao pode ser feita se for deixada de lado a concepo restrita de contrato, vigente no sc. XIX, centrada na autonomia da vontade, na igualdade absoluta entre as partes e na imutabilidade da vontade inicial das mesmas. Se for retomada a ideia bsica de contrato, predominante na Grcia clssica e no Direito Romano mais antigo, centrada no intercmbio de bens e prestaes, regido pelo direito, pode-se cogitar de um mdulo contratual, formado por vrios tipos de contrato, com regimes jurdicos diversos. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8.ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 247.

    37MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34.ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 214.

    38No necessrio que essas clusulas estejam no bojo do contrato; podem decorrer diretamente da lei, de ato administrativo, ou podem vir implcitas como princpios gerais de direito pblico. O autor ressalta, ainda, que o contrato administrativo emana, em ltima anlise, de um ato administrativo. A Administrao pode revog-lo, em razo de oportunidade e convenincia, porm neste caso, o contratante deve ser indenizado. Por outro lado, tal desigualdade minimizada porque o particular tem protegido seu direito ao lucro, tendo em vista o equilbrio econmico-financeiro do ajuste, e a integral garantia dos interesses que o levaram a firmar contrato com a Administrao. VENOSA, Slvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigaes e Teoria Geral dos Contratos. 10.ed. So Paulo: Atlas, 2010, p.

    577. 39

    Exorbitante: o que exorbita, que excede, ou o que vai alm do autorizado ou que ultrapassa os limites do legitimamente consentido. Atos, aes ou fatos exorbitantes entendem-se em excesso, mostrando-se abusivos e irregulares, em virtude do que no podem produzir os efeitos jurdicos pretendidos por quem, ilicitamente, indevidamente, desautorizadamente, os praticou ou promoveu. CARVALHO, Glucia; SLAIBI FILHO, Nagib. De Plcido e Silva: Vocabulrio Jurdico. 28.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 589.

    40Art. 58: O regime jurdico dos contratos administrativos institudos por esta Lei confere Administrao, em relao a eles, a prerrogativa de: I- modific-la, unilateralmente, para melhor adequao s finalidades de interesse pblico, respeitados os direitos do contratado; II- rescindi-los unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei; III- fiscalizar-lhes a execuo; IV- aplicar sanes motivadas pela inexecuo total ou parcial do ajuste; V- nos casos de servios essenciais, ocupar provisoriamente bens mveis, imveis, pessoal e servios vinculados ao objeto do contrato, na hiptese da necessidade de acautelar apurao administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hiptese de resciso do contrato administrativo. 1 [...] e 2 [...].

    41MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8.ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 253.

    42VENOSA, Slvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigaes e Teoria Geral dos Contratos. 10.ed. So

    Paulo: Atlas, 2010, p.576.

  • 7

    Administrao Pblica ser uma das partes no contrato no significa, obrigatoriamente, que a relao apresente natureza jurdica de contrato administrativo43.

    A Lei de Licitaes44, por exemplo, no pargrafo nico do art. 2, define:

    [...] considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre rgos e entidades da Administrao Pblica e particulares, em que haja um acordo de vontade para a formao de vnculo e a estipulao de obrigaes recprocas, seja qual for a denominao utilizada.

    Assim, no cenrio brasileiro, o contrato administrativo define-se como toda avena travada entre a Administrao Pblica e terceiros na qual a permanncia do vnculo e as condies de seu cumprimento esto sujeitas a imposies de interesse pblico, assegurada, em qualquer circunstncia, a proteo de patrimnio privado contratante.45

    1.3 CAPACIDADE PARA CONTRATAR E DISPONIBILIDADE DO PATRIMNIO PBLICO

    Inicialmente relembramos que a Administrao Pblica46 , sob a perspectiva material, o

    complexo de atividades desempenhadas imediatamente pelo Estado, tendo em vista os atendimentos das necessidades pblicas47. Para exercer suas atividades, foi-lhe conferida uma capacidade fictcia, a de pessoa jurdica.

    Alm disso, a Administrao Pblica, atravs de seus rgos e servidores, tem poderes48

    inerentes sua funo, sem eles no poderia fazer sobrepor-se o interesse pblico49 ao interesse privado.

    muito importante aqui destacar que toda a atividade estatal d-se com a administrao

    de um patrimnio que pblico50. Assinala, ainda, Meirelles51, que falar em administrao e

    43

    Alm de sua principal caracterstica (conter clusulas exorbitantes), em geral, os contratos administrativos so formais, onerosos, comutativos e pessoais (intuito personae). Outra caracterstica a necessidade de prvia licitao, somente dispensvel quando dispensada por lei.

    44Lei n 8.666/93, que regulamenta o art. 37, XXI, da Constituio Federal, institui normas para licitaes e contratos da Administrao Pblica.

    45BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo. 2.ed. So Paulo: Saraiva, 2005, p. 122.

    46Na amplitude desse conceito entram no s os rgos pertencentes ao Poder Pblico como, tambm, as instituies e empresas particulares que colaboram com o Estado no desempenho de servios de utilidade pblica ou de interesse coletivo, ou seja, a Administrao centralizada (entidades estatais) e a descentralizada (entidades autrquicas, fundacionais, empresariais e outras) e os entes de cooperao (entidades paraestatais).

    MEIRELLES, Hely Lopes.

    Direito Administrativo Brasileiro. 34.ed. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 85.

    47PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Mrcio Fernando Elias; FAZZIO JNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa: Aspectos Jurdicos da Defesa do Patrimnio Pblico. 4. ed. So Paulo: Atlas, 1999, p. 13.

    48Salienta Di Pietro que a palavra poder d impresso de que se trata de faculdade da Administrao, mas na realidade trata-se de poder-dever, dado ao poder pblico para que o exera em benefcio da coletividade. Os poderes da Administrao so, portanto, irrenunciveis, pois so exercidos nos limites da lei. So poderes da Administrao Pblica: o poder normativo, o poder disciplinar, os decorrentes de hierarquia e o poder de polcia. Quanto aos chamados poder discricionrio e vinculado, no existem como poderes autnomos, so, quando muito, atributos de outros poderes ou competncias da Administrao. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18.ed. So Paulo: Atlas, 2005, p. 86.

    49Souza Jnior faz uma distino a respeito do interesse pblico, classificando-o em interesses pblicos primrios e interesses pblicos secundrios. Refere que enquanto os primeiros so aqueles que promovem e concretizam os valores eleitos pela sociedade como um todo: dignidade da pessoa humana, justia, democracia, desenvolvimento econmico, proteo do meio ambiente, etc.; os segundos dizem respeito aos interesses patrimoniais do Estado ou suas entidades. O interesse pblico primrio correlato ao de atos de imprio indisponveis, e o de interesse secundrio, ao de atos de gesto disponveis. SOUZA JNIOR, Lauro da Gama. Sinal Verde para a Arbitragem e as Parcerias Pblico-Privadas (A Construo de um Novo Paradigma para os Constratos entre o Estado e o Investidor Privado). Revista do Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 241, p. 124-157, jul/set 2005, p. 140.

    50Patrimnio Pblico representado pelo conjunto de bens que pertencem ao domnio do Estado, e que se institui para atender a seus prprios objetivos ou para servir produo de utilidades indispensveis s necessidades coletivas. CARVALHO, Glucia; SLAIBI FILHO, Nagib. De Plcido e Silva: Vocabulrio Jurdico. 28.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 1013.

  • 8

    administrador importa sempre a ideia de zelo e conservao de bens e interesses pblicos, o que resulta que os poderes normais do administrador so simplesmente de conservao e utilizao dos bens confiados sua gesto.

    Quanto manifestao de vontade, que resultar na prtica de um ato administrativo,

    assinala Carvalho Filho52 que o agente deve estar no exerccio da funo pblica, pois a exteriorizao da vontade considerada como proveniente do rgo administrativo e no do agente como individualidade prpria. O ato administrativo visa produo de efeitos jurdicos, como o fim de atender ao interesse pblico. Na Administrao Pblica no h liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administrao particular lcito fazer tudo que a lei no probe, na Administrao Pblica s permitido fazer o que a lei autoriza, ou seja, o que para o particular significa pode fazer assim; para o administrador pblico significa deve fazer assim.53

    O administrador pblico deve reunir capacidade especial, o que podemos chamar de

    competncia. O elemento competncia anda lado a lado com o da capacidade no direito privado, afirma Cretella Jr.54. Para o autor h uma diferena da capacidade no direito pblico em relao ao direito privado. Explica que naquele se exige que, alm das condies normais necessrias capacidade, atue o sujeito da vontade dentro da esfera que a lei55 traa. Como o Estado, pessoa jurdica que , possui as condies normais de capacidade56, fica a necessidade apenas de averiguar a condio especfica, vale dizer, a competncia administrativa de seu agente.

    Dessa forma, qualquer afronta especificidade que a lei impe, para a exteriorizao da

    vontade administrativa, pode levar invalidao do ato por vcio de legalidade, ou, ainda, na hiptese mais temida pela sociedade, dilapidao do patrimnio pblico.

    No h dvida que o administrador pblico dentro de sua esfera de competncia e

    funes pode pactuar contratos administrativos. A Lei da Arbitragem57, no seu artigo 1, e o Cdigo Civil, no seu artigo 851, autoriza os

    sujeitos capazes de contratar e de dispor dos seus direitos patrimoniais a convencionarem compromisso arbitral. A nossa discusso confronta a capacidade da Administrao Pblica para firmar compromisso arbitral com os princpios constitucionais.

    Geralmente, um contrato administrativo tem as mesmas caractersticas de um contrato

    qualquer, o que o diferencia que o contratante um administrador pblico, gerindo recursos e interesses pblicos. No prximo captulo discorreremos sobre a arbitragem, esclarecendo suas peculiaridades e estabelecendo uma relao com o juzo estatal, bem como de sua utilizao pela Administrao Pblica.

    51

    MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29.ed. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 86. 52

    CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009,

    p. 94. 53

    MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29.ed. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 88. 54

    Apud CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

    2009, p. 101. 55

    Os poderes e deveres do administrador pblico so os expressos em lei, os impostos pela moral administrativa e os exigidos pelo interesse da coletividade. Fora dessa generalidade no se poder indicar o que poder e o que dever do gestor pblico, porque estando sujeito ao ordenamento jurdico geral e s leis administrativas especiais, s essas normas podero catalogar, para cada entidade, rgo, cargo, funo, servio ou atividade pblica, os poderes e deveres de quem os exerce. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29.ed. So Paulo:

    Malheiros, 2008, p. 106. 56

    Concebemos, assim como Salla, articulando Pontes de Miranda, a plena capacidade das pessoas jurdicas como resultado da inexistncia de limitaes para se comprometer (capacidade negocial), ou seja, a capacidade de manifestar vontade que entre no mundo jurdico como negcio jurdico. SALLA, Ricardo Medina. Arbitragem e Direito Pblico. Revista Brasileira de Arbitragem, n. 22, Porto Alegre: Sntese; Curitiba: Comit Brasileiro de Arbitragem, p.

    78-106, abr./jun. 2009, p. 81. 57

    As referncias Lei de Arbitragem no presente estudo dizem respeito Lei n. 9.307/96.

  • 9

    2 CONSIDERAES GERAIS SOBRE A ARBITRAGEM

    2.1 CONCEITOS E ASPECTOS HISTRICOS RECENTES DA ARBITRAGEM NO BRASIL

    A arbitragem58

    , mecanismo extrajudicial de soluo de conflitos, foi inserida

    definitivamente no Brasil pela Lei n 9.307, de 23.09.96. Esta matria sempre se fez presente na legislao, mas nunca se amoldara ao gosto e s necessidades ptrias, afirma Venosa59. Talvez, porque, como explicara Miguel Reale60, por ocasio da promulgao da Lei de Arbitragem, o hbito da arbitragem pressuponha certo desenvolvimento econmico e a verificao da necessidade de conhecimentos tcnicos, envolvendo percias altamente especializadas.

    Carmona61 relembra a resistncia histrica arbitragem, atribuindo o fato aos empecilhos

    criados pelo antigo Cdigo Civil, que maltratava o compromisso arbitral, pelo Cdigo de Processo de 1939, que no avanava muito em termos de juzo arbitral, e pelo Cdigo de Processo de 1973, grande obra jurdica, mas que ficou devendo tratamento vanguardeiro ao juzo arbitral62.

    O processo de amadurecimento do instituto no Brasil no demorou muito e as opinies

    pessimistas foram aos poucos sendo amenizadas. A arbitragem no se revelou mtodo selvagem e abusivo de resolver litgios. Os meios alternativos de soluo de controvrsia floresceram no Brasil, sem que houvesse a to propalada revolta do Poder Judicirio contra os mecanismos extrajudiciais de soluo de litgios. Ao contrrio, os juzes perceberam que a soma de esforos para vencer a grande quantidade de pleitos e demandas trouxe benefcios para todo o pas. A experincia acabou por demonstrar que a arbitragem jamais poderia substituir a atividade jurisdicional protagonizada pelo Estado. Entusiastas da arbitragem tambm viram que os males de que sofre o Poder Judicirio no seriam solucionados somente pela maior aceitao do instituto da arbitragem.63

    Para melhor compreenso da atual Lei de Arbitragem preciso conhecer os dois

    obstculos que o Cdigo de Processo Civil de 1973 criava utilizao do instituto: o primeiro, a falta de previsibilidade legal para a inexecuo da clusula compromissria (o Cdigo Civil de 1916 e o Cdigo de Processo civil no exibiam qualquer dispositivo a esse respeito); e, o segundo, que o diploma processual, exigia a homologao judicial do laudo arbitral. Isto eliminava as principais vantagens do instituto: o sigilo e a celeridade.

    58

    A arbitragem a instituio pela qual as pessoas capazes de contratar confiam a rbitros, por elas indicadas ou no, o julgamento de seus litgios relativos a direitos transigveis. Esta definio pe em relevo que a arbitragem uma especial modalidade de resoluo de conflitos; pode ser convencionada por pessoas capazes, fsicas ou jurdicas; os rbitros so juzes indicados pelas partes, ou consentidos por elas por indicao de terceiros, ou nomeados pelo juiz, se houver ao de instituio judicial de arbitragem; na arbitragem existe o julgamento de um litgio por sentena com fora de coisa julgada. ALVIM, Jos Eduardo Carreira. Tratado Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 14.

    59VENOSA, Slvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigaes e Teoria Geral dos Contratos. 10.ed. So

    Paulo: Atlas, 2010, p. 579. 60

    Ao defender uso da arbitragem, o autor lembra que h questes que, pela prpria natureza, no comportam rgidas respostas positivas ou negativas, ao contrrio, implicam largo campo de apreciao equitativa, o que a justia estatal talvez no pode alcanar. Apud VENOSA, Slvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigaes e Teoria Geral dos Contratos. 10.ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 581.

    61Esta realidade justificava a sensao de que a falta de tradio no manejo da arbitragem no Brasil fadaria o juzo arbitral ao total abandono. A desconfiana existia porque muitos juristas da poca acreditavam que a arbitragem prestar-se-ia mais proteo do capital e interesses estrangeiros em detrimento dos nacionais, ou, ainda, que viria a substituir com o tempo o seu prprio trabalho, sua funo. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. 2.ed.

    So Paulo: Atlas, 2004, p.19. Se analisarmos bem, no era de todo infundada a preocupao dos juristas com a economia, pois se analisarmos o contexto em que a Lei de Arbitragem entrou em vigor no Brasil, veremos que coincide com o momento de reforma e de mudana do modelo econmico brasileiro, iniciado poca pelo programa de governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que era explicitamente de tendncia neoliberal e previa uma extensa reforma do Estado, privatizao das empresas estatais e abertura da economia competio internacional.

    62CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. 2.ed. So Paulo: Atlas, 2004, p. 20.

    63CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. 2.ed. So Paulo: Atlas, 2004, p. 20.

  • 10

    No Cdigo de Processo Civil vigente, encontraremos o Captulo XVI, com o nome Do juzo arbitral, incluindo os artigos 1.072 a 1.102. No entanto, esse captulo foi inteiramente revogado pelo art. 44 da nova Lei de Arbitragem.

    Com a aprovao da Lei, a arbitragem no Brasil passou a ganhar maior credibilidade e a

    ser utilizada substancialmente no meio negocial. Alem disso, h um esforo doutrinrio para que esse diploma legal produza efeitos concretos e de alta intensidade na busca do seu objetivo principal, que a soluo dos conflitos patrimoniais por vias no judiciais.64

    Para Carlos Alberto Carmona65, a arbitragem uma tcnica de soluo de controvrsias

    onde uma ou mais pessoas recebem poderes de uma conveno privada e, sem interveno do Estado, produzem uma deciso que assume eficcia de sentena judicial.

    Concluindo, Marinoni e Arenhart66 esclarecem que a arbitragem surgiu como forma

    alternativa de resoluo dos conflitos, caminhando ao lado da jurisdio tradicional, com o objetivo de reduzir o formalismo exagerado do processo tradicional e dar maior agilidade na resoluo dos problemas. Defendem, ainda, que a arbitragem pode dar solues mais adequadas a diversas situaes concretas de litgio.

    Assim, a soluo arbitral tem-se apresentado como uma alternativa interessante para a

    soluo de litgios que envolvam pessoas capazes de contratar e que versem sobre direitos patrimoniais disponveis67. Jos Augusto Delgado68 ressalta que a arbitragem visa consolidar os anseios daqueles que esto insatisfeitos com a morosidade da prestao jurisdicional, que contribui para aumentar o grau de discrdia entre as partes e afronta o direito constitucional de ver o seu direito apreciado em tempo razovel.

    2.2 DA CONVENO DE ARBITRAGEM E SEUS EFEITOS

    O acordo no qual as partes interessadas a submeter seus litgios ao juzo arbitral, seja

    por meio de clusula compromissria, seja por meio de compromisso arbitral (art. 3 da Lei 9.307/1996)69, denomina-se de conveno de arbitragem.

    Ao instituto jurdico da arbitragem foi atribuda natureza sui generis, tendo em vista que

    nasce da vontade das partes (carter privado) para regular as relaes de ordem processual (carter pblico). A conveno arbitral aparece, primeiramente, na qualidade de contrato privado que disciplina matria de interesse particular e, num segundo plano, ordem pblica, nacional ou internacional, medida que se destina a compor litgios que, mesmo entre particulares, afeta essa ordem pblica.70

    Clusula compromissria e compromisso arbitral so espcies de conveno de

    arbitragem, que o pacto atravs do qual se sujeita alguma questo (presente ou futura) ao juzo arbitral71. Os dois instrumentos servem para viabilizar a arbitragem. No entanto, a primeira parte

    64

    DELGADO, Jos Augusto. Arbitragem no Brasil: evoluo histrica e conceitual. In: JOBIM, Eduardo; MACHADO, Rafael Bicca (Coord.). Arbitragem no Brasil: aspectos jurdicos relevantes. So Paulo: Quartier Latin do Brasil,

    2008, p. 230. 65

    CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. 2.ed. So Paulo: Atlas, 2004, p. 33. 66

    MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Curso de Processo Civil: Procedimentos especiais. v.5.

    So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 343. 67

    TIMM, Luciano Benetti. Arbitragem nos contratos empresariais, internacionais e governamentais. Porto Alegre.

    Livraria do Advogado, 2009, p. 48. 68

    DELGADO, Jos Augusto. Arbitragem no Brasil: evoluo histrica e conceitual. In: JOBIM, Eduardo; MACHADO, Rafael Bicca (Coord.). Arbitragem no Brasil: aspectos jurdicos relevantes. So Paulo: Quartier Latin do Brasil,

    2008, p. 236. 69

    Art. 3 da Lei 9.307/1996: As partes interessadas podem submeter a soluo de seus litgios ao juzo arbitral mediante conveno de arbitragem. Assim entendida a clusula compromissria e o compromisso arbitral.

    70FIGUEIRA JNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdio e Execuo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 152.

    71MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Curso de Processo Civil: Procedimentos especiais. v. 5.

  • 11

    integrante do contrato principal, definida antes de pretensa lide, pelo exerccio da vontade das partes que, desde o incio, pr-determinam a arbitragem como via extrajudicial para soluo futura. O segundo uma forma posterior de eleio de arbitramento, por meio de documento escrito, inserido depois do contrato principal. A primeira celebrada pelas partes em um contrato, o segundo assinado pelas partes em um litgio.

    Embora ambos sejam contratos, o compromisso um ato jurdico mais qualificado que a

    clusula compromissria. Tanto assim que a Lei de Arbitragem exige que o compromisso contenha determinados requisitos obrigatrios (art. 1072), alm daqueles facultativos (art. 1173), explica Carreira Alvim74.

    Para Marinoni e Arenhart75, a arbitragem constitui-se em instrumento de ordem

    convencional, j que compete aos interessados decidirem sujeitar certa controvrsia deciso de um rbitro renunciando tutela jurisdicional decidindo, outrossim, a respeito da extenso dos poderes outorgados quele para eliminar os conflitos.

    O Cdigo Civil em vigor, nos artigos 851 e 85276, refora o artigo primeiro da Lei

    9.307/96, ou seja, de que possvel utilizar-se de rbitros desde que os contratantes tenham capacidade de contratar e desde que o litgio no diga respeito a questes de estado, de direito pessoal de famlia e de outras questes que no tenham carter estritamente patrimonial.

    Como Venosa77, pensamos que o contedo contratual do compromisso arbitral

    acentuado tendo em vista que o juzo arbitral instalado pelo compromisso exceo regra geral tradicional, segundo o qual nenhuma causa poder ser suprimida do Poder Judicirio.

    A conveno de arbitragem78 gera entre os contratantes o compromisso inarredvel de

    submeterem jurisdio arbitral a soluo dos conflitos que porventura venham a surgir como decorrncia do contrato principal entre eles firmado, de maneira a excluir terminantemente a busca da tutela pretendida a ser conferida pelo Estado-juiz79. Tanto atravs da clusula compromissria quanto do compromisso arbitral, a conveno, ao ser pactuada, impede que os

    So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 350.

    72Art. 10: Constar, obrigatoriamente, do compromisso arbitral: I - o nome, profisso, estado civil e domiclio das partes; II - o nome, profisso e domiclio do rbitro, ou dos rbitros, ou, se for o caso, a identificao da entidade qual as partes delegaram a indicao de rbitros; III - a matria que ser objeto da arbitragem; e IV - o lugar em que ser

    proferida a sentena arbitral. 73

    Art. 11: Poder, ainda, o compromisso arbitral conter: I - local, ou locais, onde se desenvolver a arbitragem; II - a autorizao para que o rbitro ou os rbitros julguem por eqidade, se assim for convencionado pelas partes; III - o prazo para apresentao da sentena arbitral; IV - a indicao da lei nacional ou das regras corporativas aplicveis arbitragem, quando assim convencionarem as partes; V - a declarao da responsabilidade pelo pagamento dos

    honorrios e das despesas com a arbitragem; e VI - a fixao dos honorrios do rbitro, ou dos rbitros. Pargrafo nico. Fixando as partes os honorrios do rbitro, ou dos rbitros, no compromisso arbitral, este constituir ttulo executivo extrajudicial; no havendo tal estipulao, o rbitro requerer ao rgo do Poder Judicirio que seria competente para julgar, originariamente, a causa que os fixe por sentena.

    74ALVIM, Jos Eduardo Carreira. Tratado Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 275-276.

    75MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Curso de Processo Civil: Procedimentos especiais. v. 5.

    So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 343. 76

    Art. 851: admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litgios entre pessoas que podem contratar. Art. 852: vedado compromisso para soluo de questes de estado, de direito pessoal de famlia e de outras que no tenham carter estritamente patrimonial.

    77VENOSA, Slvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigaes e Teoria Geral dos Contratos. 10.ed. So

    Paulo: Atlas, 2010, p. 580. 78

    A conveno de arbitragem produz o efeito de desprezar a jurisdio ordinria em prol da jurisdio convencional ou privada. a chamada eficcia negativa da conveno que ainda irradia, no que toca clusula compromissria (de forma inovadora no direito positivo brasileiro), a consagrada eficcia positiva, pois confere parte o direito de exigir o cumprimento compulsrio da obrigao de instituir a arbitragem. MARTINS, Pedro A. Batista; LEMES, Selma Maria Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto. Aspectos fundamentais da lei de arbitragem. Rio de janeiro: Forense, 1999, p.

    208. 79

    FIGUEIRA JNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdio e Execuo. So Paulo. Revista dos Tribunais, 1999, p. 191.

  • 12

    contratantes possam arrepender-se, ou seja, uma vez escolhida a submisso de eventual litgio justia privada, nesta via que estes devem seguir.

    Assim, surgindo o conflito, cabe s partes instituir a arbitragem, seja de boa-f, com a

    feitura e assinatura do compromisso ou, forosamente, atravs da instituio arbitral indicada (se previsto no Regulamento), se for o caso, ou por sentena judicial, que substitui a vontade da parte rebelde e configura o documento legal que fixa os limites e alcance do julgamento privado.80

    2.3 DOS RBITROS

    O art. 13 da lei brasileira de arbitragem define que pode ser rbitro qualquer pessoa

    capaz e que tenha a confiana das partes. do conceito de confiana que deriva o dever de transparncia do rbitro, ou seja, o que para Selma Maria Ferreira Lemes81, o dever de revelar fatos ou circunstncias que possam abalar a confiana nas partes.

    Desta forma, a fidcia configura-se na pedra de toque do instituto da arbitragem e

    traduzida na figura do rbitro; a escolha do mesmo decisiva para o pleito82. Na prtica, diante de uma indicao para atuar como rbitro, o provvel rbitro deve verificar todos os seus relacionamentos presentes e passados com as partes ou com os grupos societrios aos quais as partes esto vinculadas. J, no caso de advogados que integram bancas, estes devem efetuar profunda verificao em seus arquivos a fim de certificarem-se de que no h nenhum motivo que os impea de atuar.83

    O nico requisito de carter subjetivo imposto pelo legislador que a pessoa, sobre a

    qual recair a indicao e exercer as funes de rbitro, esteja em gozo de sua plena capacidade civil. Inexiste qualquer outro requisito, afirma Figueira Jnior84. A obrigao que o rbitro assume com as partes no procedimento arbitral de cunho personalssimo.

    Selma Maria Ferreira Lemes85 diz que para poder atuar como rbitro, a pessoa indicada

    deve ser independente e imparcial. A exigncia dos princpios de independncia e de imparcialidade constitui a garantia de um julgamento justo e o baluarte de uma justia honesta.

    A atividade do rbitro voltada para composio do litgio e, mesmo exercida em sede privada, impregnada de autoridade pblica. Por isso, deciso do rbitro atribuiu-se o carter de sentena, o que significa que a deciso do rbitro ter carter definitivo e imutvel (art. 1886 da

    80

    MARTINS, Pedro A. Batista; LEMES, Selma Maria Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto. Aspectos fundamentais da lei de arbitragem. Rio de janeiro: Forense, 1999, p. 210-211.

    81Ao que diz respeito ao contedo do dever de revelao do rbitro, salientamos que o rbitro deve se colocar no lugar das partes e indagar a si, se fosse parte, se gostaria de conhecer tal fato. Portanto, a amplitude e a razoabilidade do que revelar deve ser avaliada na viso do rbitro cumulada com a das partes. LEMES, Selma Maria Ferreira. A Independncia e a Imparcialidade do rbitro e o Dever de Revelao. Revista Brasileira de Arbitragem, n. 26. Porto

    Alegre: Sntese; Curitiba: Comit Brasileiro de Arbitragem, p. 21-34, abr./jun. 2010, p. 24 e 26. 82

    COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a lei n 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.

    70. 83

    LEMES, Selma Maria Ferreira. A Independncia e a Imparcialidade do rbitro e o Dever de Revelao. Revista Brasileira de Arbitragem, n. 26. Porto Alegre: Sntese; Curitiba: Comit Brasileiro de Arbitragem, p. 21-34, abr./jun.

    2010, p. 26. 84

    FIGUEIRA JNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdio e Execuo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 197. 85

    A respeito dos princpios que regem a atividade dos rbitros, independncia e imparcialidade, podemos dizer, nas palavras de Selma Maria Ferreira Lemes, que estes representam standards de comportamento. Ela explica que a independncia do rbitro est vinculada a critrios objetivos de verificao, para que, no cumprimento de seu dever, no ceda a presses nem de terceiros nem das partes. J a imparcialidade vincula-se a critrios subjetivos e de difcil aferio, pois externa um estado de esprito. LEMES, Selma Maria Ferreira. A Independncia e a Imparcialidade do rbitro e o Dever de Revelao. Revista Brasileira de Arbitragem, n. 26. Porto Alegre: Sntese; Curitiba: Comit

    Brasileiro de Arbitragem, p. 21-34, abr./jun. 2010, p. 22-23. 86

    Art. 18: O rbitro juiz de fato e de direito, e a sentena que proferir no fica sujeita a recurso ou a homologao pelo Poder Judicirio.

  • 13

    Lei de Arbitragem), s impugnvel quando possua vcios formais ou ofensa Ordem Pblica Nacional. Por esta razo exige-se enorme grau de responsabilidade por parte deles.87

    Para Jonathan Barros Vita88, o rbitro tem a capacidade dada pelo sistema para a

    emisso de normas individuais e concretas com contedo de juridicidade e possibilidade de coero atravs do sistema de acesso ao sistema poltico, por meio de norma secundria, reforando sua caracterstica de juridicidade.

    Explica Venosa 89 que os rbitros desempenham no compromisso arbitral a mesma

    funo do juiz togado, ficando sujeitos a idnticas responsabilidades, proceder com imparcialidade, independncia, competncia, diligencia e discrio (art. 13, 6, da Lei de Arbitragem). Assim, para Selma Maria Ferreira Lemes90, os rbitros no podem ser responsabilizados pela maneira como cumprem sua funo jurisdicional, s podem ser responsabilizados por desvio de conduta pessoal. Assim, para efeitos da legislao penal, o rbitro equipara-se aos funcionrios pblicos, conforme o disposto no artigo 1791 da Lei de Arbitragem.

    Carreira Alvim92, ao diferenciar os poderes conferidos ao rbitro e ao juiz togado,

    esclarece que o rbitro

    [...] dispe da iurisdictio, o que importa na cognitio, e que lhe permite fazer justia, por conveno das partes, em nome do Estado, que afinal quem garante a autoridade dos seus julgados. Por no dispor do poder de imprio, no pode o rbitro determinar a conduo coercitiva de uma testemunha recalcitrante. Se a testemunha deixar de comparecer sem justa causa, poder o rbitro ou presidente do tribunal arbitral requerer autoridade judiciria que a faa conduzir, comprovando a existncia da conveno de arbitragem (art. 22, 2, Lei de Arbitragem).

    Desta forma, diz-se, do rbitro, ento, que titular da jurisdictio; pode dizer o direito, solucionar a lide, mas despido de imperium93 demarca-se, assim, um limite a seus poderes.94

    J Selma Ferreira Lemes95 explica que a independncia do juiz estatal tratada em

    relao ao poder poltico, liberdade hierrquica, de organizaes profissionais, por sua vez o rbitro um juiz eventual e no se subordina a nenhuma hierarquia e, se experimenta a interferncia do Estado, no limite do interesse em litgio.

    87

    COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a lei n 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.

    75. 88

    VITA, Jonathan Barros. O desenvolvimento continuado de uma nova viso da interao entre a arbitragem e o poder pblico. In: JOBIM, Eduardo; MACHADO, Rafael Bicca (Coord.). Arbitragem no Brasil: aspectos jurdicos relevantes. So Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2008, p. 203.

    89VENOSA, Slvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigaes e Teoria Geral dos Contratos. 10.ed. So

    Paulo: Atlas, 2010, p. 594. 90

    LEMES, Selma Maria Ferreira. rbitro: princpios da Independncia e da Imparcialidade. So Paulo: LTR, 2001,

    p.158. 91

    Art. 17: Os rbitros, quando no exerccio de suas funes ou em razo delas, ficam equiparados aos funcionrios pblicos, para os efeitos da legislao penal.

    92ALVIM, Jos Eduardo Carreira. Tratado Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 394.

    93O aspecto predominante da noo de imperium o poder de constrio que no pode ser dissociada da ideia de Estado. Jarroson explica que o imperium engloba tudo relacionado fora pblica, ao poder de comando e de constrio, relevantes ao Estado. O poder de constranger provm da soberania e se limita pela aplicao do principio da territorialidade. To s por intermdio de seus agentes ou de pessoas delegadas, o Estado pode exerc-lo de modo concreto. JARROSSON, Charles. Reflexes sobre o Imperium (Clssicos da Arbitragem). Revista Brasileira de Arbitragem, n. 27. Porto Alegre: Sntese, Curitiba: Comit Brasileiro de Arbitragem, p. 203-231, jul-set/2010, p.

    205. 94

    JARROSSON, Charles. Reflexes sobre o Imperium (Clssicos da Arbitragem). Revista Brasileira de Arbitragem, n.

    27. Porto Alegre: Sntese, Curitiba: Comit Brasileiro de Arbitragem, p. 203-231, jul-set/2010, p. 204. 95

    LEMES, Selma Maria Ferreira. rbitro: princpios da Independncia e da Imparcialidade. So Paulo: LTR, 2001,

    p.195.

  • 14

    A constrio dos poderes do rbitro no se esgota na conduo de testemunha, podendo

    fazer-se necessria tambm na busca e apreenso de coisas e ou documentos, nas medidas cautelares e nos provimentos antecipatrios, exigindo a colaborao do rgo do Poder Judicirio tambm para esses fins.

    O pargrafo nico do art. 896 da Lei de Arbitragem atribui aos rbitros o poder de decidir

    sobre a existncia, validade e eficcia da clusula e do compromisso, bem como do prprio contrato que contenha a clusula compromissria. Neste sentido, Carmona97 afirma que se consagrou a autonomia da clusula compromissria, pois mesmo que o contrato seja viciado, a mesma sorte no ter necessariamente a clusula compromissria inserida nele. Este poder decorre do princpio da autonomia da clusula compromissria o que significa que o rbitro tem competncia para decidir sobre sua competncia (Kompetenz- kompetenz). Ou seja, na explicao de Martins e outros98, o rbitro se encontra autorizado a apreciar de ofcio sua prpria competncia, inclusive quanto s excees relativas existncia e validade do acordo de arbitragem.

    2.4 DO PROCEDIMENTO ARBITRAL

    A tutela prestada pela arbitragem favorecida pela sensvel simplificao das formas de

    seu procedimento, pois, o mesmo no se pauta por regras preestabelecidas e fixas, sendo as partes livres para traar parmetros para a atuao dos rbitros. 99

    O procedimento arbitral, diferentemente do procedimento tradicional, inicia quando o

    rbitro aceita o encargo. A aceitao do encargo pelo rbitro ou pelos rbitros no depende de formalidade alguma, entendendo-se que o aceitou se desde logo tomou providncias para o prosseguimento do procedimento (recebimento de manifestaes das partes, expedio de notificaes etc). Mesmo a instituio da arbitragem pela via judicial exige a aceitao do rbitro indicado para solucionar o conflito.

    J, a primeira providncia a ser tomada pelo rbitro esclarecer quais os pontos que

    sero discutidos e qual a extenso de seus poderes, pois havendo a necessidade de explicitar alguma matria, objeto da conveno, as partes em conjunto com os rbitros, prepararo e firmaro o adendo ou termo aditivo, o qual passar a fazer parte integrante da referida conveno.100

    O processo arbitral101 est vinculado a princpios inderrogveis pelas partes e de

    inescusvel cumprimento, haja vista consubstanciar perante a lei brasileira causa de nulidade da

    96

    Art. 8: A clusula compromissria autnoma em relao ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste no implica, necessariamente, a nulidade da clusula compromissria. Pargrafo nico. Caber ao rbitro decidir de ofcio, ou por provocao das partes, as questes acerca da existncia, validade e eficcia da conveno de arbitragem e do contrato que contenha a clusula compromissria.

    97CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. 2.ed. So Paulo: Atlas, 2004, p. 37.

    98MARTINS, Pedro A. Batista; LEMES, Selma Maria Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto. Aspectos fundamentais da lei de arbitragem. Rio de janeiro: Forense, 1999, p. 105.

    99DINAMARCO, Cndido Rangel. Limites da sentena arbitral e de seu controle jurisdicional. In: Martins, Pedro A. Batista; GARCEZ, Jos Maria Rossani (Coord.). Reflexes sobre arbitragem. So Paulo: LTR, 2002, p. 329.

    100 FIGUEIRA JNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdio e Execuo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 207.

    101 do entendimento de Carmona que, no procedimento arbitral, restaram fortalecidos os princpios bsicos do devido processo legal. Completa sua afirmao referindo que a regra a de que as partes podem adotar o procedimento que bem entenderem desde que respeitem os princpios do contraditrio, da igualdade das partes, da imparcialidade do rbitro e do seu convencimento racional, bem como que, se nada dispuserem sobre o procedimento a ser adotado e se no se reportarem a regras de algum rgo institucional, caber ao rbitro ou ao tribunal arbitral ditar as normas a serem seguidas. Tanto a vontade das partes quanto a dos rbitros encontram limitaes na natureza e finalidade da arbitragem, bem como na prpria Lei. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. 2.ed. So Paulo: Atlas,

    2004, p. 42.

  • 15

    sentena arbitral, a teor do disposto no art. 32, inciso VIII. Pedro A. Batista Martins e outros102 explicam que a comisso de redao da lei de arbitragem teve como norte a teoria garantista do procedimento arbitral. Est disposto no art. 21, 2, da Lei, que o procedimento arbitral obedecer ao que for estabelecido pelas partes na conveno de arbitragem, podendo este reportar-se s regras de um rgo arbitral institucional ou entidade especializada, ou, ainda, ao que as prprias partes delegarem ao rbitro ou ao tribunal arbitral. Em todo o caso, os princpios do contraditrio, da igualdade das partes, da imparcialidade do rbitro e seu livre convencimento devero sempre ser respeitados.

    Conveniente que, assim como no processo comum, o rbitro ou ao tribunal, no incio do

    procedimento, em audincia designada para este fim, tente conciliar as partes. A instruo processual deve respeitar as regras estabelecidas no art. 22, ou seja, seja

    qual for o procedimento arbitral definido, o rbitro ou o colgio poder sempre tomar o depoimento pessoal das partes, ouvir testemunhas, determinar ou rejeitar a realizao de percias, assim como decidir a respeito de documentos e qualquer outra prova, seja a requerimento das partes ou de ofcios.103

    No procedimento arbitral, as medidas coercitivas ou cautelares devero ser executadas

    pelo Poder Judicirio, bem como acesso a livros contbeis ou documentos em poder de terceiros ou do Poder Pblico proceder-se- por permisso judicial.

    Nesta senda, contempla Dinamarco104, dizendo que o rbitro no tem poder de exercer

    constries sobre pessoas ou coisas, em busca da efetividade da tutela, mas lhe lcito impor sanes ao descumprimento, agravando a situao jurdico-substancial do inadimplente.

    Como se pode notar, o rbitro, no procedimento arbitral, apesar da restrio de seu poder

    para deferir medidas cautelares, possui mais liberdade para atuar no caso sob sua jurisdio sendo, portanto, mais clere a soluo.

    2.5 DA SENTENA ARBITRAL

    No Brasil, com a vigente Lei de Arbitragem, as decises arbitrais nunca se sujeitam ao

    controle jurisdicional estatal no que se refere ao mrito da causa e possveis erros in judicando. Em outras palavras, a sentena arbitral independe de homologao judicial, como era exigida no processo anterior. A sentena arbitral produz entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos da sentena proferida pelos rgos do Poder Judicirio (art. 31105)106. Assim, a sentena arbitral condenatria ttulo executivo judicial.

    Arnoldo Wald107 explica que h duas formas previstas na legislao brasileira para se

    desconstituir a sentena arbitral, j que a lei no admite a interposio de recurso, dizendo:

    O nico modo de impugn-la atravs da ao de nulidade, nos casos previstos no artigo 33, sem efeito suspensivo, no impedindo, portanto a execuo da sentena arbitral. Em havendo execuo, no entanto, conforme disposto no artigo

    102

    MARTINS, Pedro A. Batista; LEMES, Selma Maria Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto. Aspectos fundamentais da lei de arbitragem. Rio de janeiro: Forense, 1999, p. 95.

    103 FIGUEIRA JNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdio e Execuo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 211.

    104 DINAMARCO, Cndido Rangel. Limites da sentena arbitral e de seu controle jurisdicional. In: Martins, Pedro A. Batista; GARCEZ, Jos Maria Rossani (Coord.). Reflexes sobre arbitragem. So Paulo: LTR, 2002, p. 330.

    105 Art. 31: A sentena arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentena proferida pelos rgos do Poder Judicirio e, sendo condenatria, constitui ttulo executivo.

    106 TCITO, Caio. O juzo arbitral em Direito Administrativo. In: Martins, Pedro A. Batista; GARCEZ, Jos Maria Rossani (Coord.). Reflexes sobre arbitragem. So Paulo: LTR, 2002, p. 23.

    107 WALD, Arnoldo. A recente Evoluo da arbitragem no direito brasileiro (1996-2001). In: Martins, Pedro A. Batista; GARCEZ, Jos Maria Rossani (Coord.). Reflexes sobre arbitragem. So Paulo: LTR, 2002, p. 155.

  • 16

    33, 3, da lei c/c o artigo 739, 1 do CPC, podero ser oferecidos embargos do devedor, estes sim suspensivos.

    A definitividade dos pronunciamentos dos rbitros efeito do livre exerccio da autonomia da vontade pelos litigantes, manifestada quando optam por esse meio alternativo. Essa singela e bvia constatao vale como reflexo destinada a advertir contra os exageros em provocar o controle judicial das sentenas arbitrais, o que bem destaca Dinamarco.108

    Apesar da sentena arbitral no se sujeitar a recurso de qualquer natureza, a parte

    interessada poder requerer ao rbitro, no prazo de cinco dias contados da cincia da deciso, que corrija eventual erro material, omisso ou contradio, semelhana dos embargos de declarao, previsto no Cdigo de Processo Civil.109

    Para Venosa110, a lei arbitral concedeu ampla autonomia ao juzo e sentena arbitral.

    No sistema revogado, a par da inexecutoriedade da clusula compromissria, era grande a ligao da arbitragem com o Poder Judicirio devido necessidade de sua homologao. Hoje, embora abolida a homologao obrigatria do laudo arbitral para que ele produzisse os mesmos efeitos da sentena estatal, pode a parte interessada pleitear ao juiz togado a anulao da deciso arbitral, casos relacionados no art. 32.111

    Assemelhada sentena judicial, a deciso arbitral deve ser dada em documento escrito

    e deve atender a certos requisitos, dispostos no art. 26112 da Lei 9.307/1996, dos quais o relatrio, a fundamentao e o dispositivo, alm de indicar a data e o local em que foi dada e estar assinada pelo rbitro ou pelos rbitros que a elaboraram.

    Desta forma, percebemos que a sentena arbitral pacificadora de conflitos sociais,

    econmicos, comerciais e polticos, seja de ordem interna, seja de ordem internacional, de forma muito mais simplificada, clere e menos onerosa s partes.113

    No prximo captulo, analisaremos a utilizao do instituto da arbitragem pela

    Administrao Pblica, levando em considerao a legislao existente a este respeito, as caractersticas deste tipo de procedimento jurisdicional e os princpios constitucionais que norteiam a atividade administrativa do Estado.

    3 ARBITRAGEM E ADMINISTRAO PBLICA

    3.1 PREVISES LEGISLATIVAS PARA UTILIZAO DA ARBITRAGEM PELA

    ADMINISTRAO PBLICA

    108

    DINAMARCO, Cndido Rangel. Limites da sentena arbitral e de seu controle jurisdicional. In: Martins, Pedro A. Batista; GARCEZ, Jos Maria Rossani (Coord.). Reflexes sobre arbitragem. So Paulo: LTR, 2002, p. 330-331.

    109 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Curso de Processo Civil: Procedimentos especiais. v. 5.

    So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 363. 110

    VENOSA, Slvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigaes e Teoria Geral dos Contratos. 10.ed. So

    Paulo: Atlas, 2010, p. 580. 111

    Art. 32: nula a sentena arbitral se: I - for nulo o compromisso; II - emanou de quem no podia ser rbitro; III - no contiver os requisitos do art. 26 desta Lei; IV - for proferida fora dos limites da conveno de arbitragem; V - no decidir todo o litgio submetido arbitragem; VI - comprovado que foi proferida por prevaricao, concusso ou corrupo passiva; VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e VIII - forem desrespeitados os princpios de que trata o art. 21, 2, desta Lei.

    112 Art. 26: So requisitos obrigatrios da sentena arbitral: I - o relatrio, que conter os nomes das partes e um resumo do litgio; II - os fundamentos da deciso, onde sero analisadas as questes de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os rbitros julgaram por eqidade; III - o dispositivo, em que os rbitros resolvero as questes que lhes forem submetidas e estabelecero o prazo para o cumprimento da deciso, se for o caso; e IV - a data e o lugar em que foi proferida. Pargrafo nico. A sentena arbitral ser assinada pelo rbitro ou por todos os rbitros. Caber ao presidente do tribunal arbitral, na hiptese de um ou alguns dos rbitros no poder ou no querer assinar a sentena, certificar tal fato.

    113 FIGUEIRA JNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdio e Execuo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 258.

  • 17

    A questo do uso da arbitragem pela Administrao Pblica no Brasil j foi mais controversa, o que se verifica hoje uma maior aceitao do instituto para a soluo dos litgios envolvendo o Estado como contratante, inclusive com autorizao legislativa para tanto. Vale dizer, no entanto, que a Lei de Arbitragem, primeira lei promulgada no Brasil exclusivamente sobre o tema, no possui nenhum artigo que expressamente autorize a arbitragem pela Administrao Pblica.

    O art. 1, da Lei de Arbitragem, trata de quem pode ser parte em uma arbitragem: As

    pessoas capazes podero valer-se da arbitragem para dirimir litgios. Conforme Salla114, primeira vista, no importaria se a pessoa fosse fsica ou jurdica, tampouco pblica ou privada, para que se tornasse apta a lanar mo de procedimento arbitral, referindo que bastaria apenas que a pessoa fosse capaz, como dita a lei.

    Como vimos, em relao capacidade da Administrao Pblica no haveria bices.

    Entendemos que a maior dificuldade ocorre quando se fala do objeto do contrato que contenha clusula arbitral, ou seja, que o contrato deve envolver direitos patrimoniais disponveis. Neste sentido, para a Administrao Pblica convencionar clusula arbitral, o que se incluiria no conceito de direitos patrimoniais disponveis de que trata a autorizao do art. 1 da Lei de Arbitragem? Ela no diz.

    Por outro lado, apesar da Lei de Arbitragem no apresentar regra especfica autorizando

    a Administrao Pblica a pactuar clusula arbitral, h regras esparsas no nosso ordenamento que vislumbram a incluso de clusula arbitral em contratos pactuados entre a Administrao e particulares.115

    O Estado frequentemente delega a outras pessoas a prestao de servios, o que

    chamamos de descentralizao dos servios. Ocorre espcie de delegao legal quando as atividades so executadas por pessoas integrantes da prpria Administrao. Quando os servios so transferidos a pessoas da iniciativa privada, constitui-se a hiptese de delegao negocial116. neste tipo de descentralizao dos servios que entram em campo os contratos de concesses e permisses de servios pblicos117 de que tratam as duas leis que, expressamente, permitiram o uso da via arbitral pela Administrao Pblica - as Leis n 8.987/1995 e n11.079/2004118. A primeira, em seu artigo 23-A119, includo pela Lei n 11.196, de 2005, que dispe sobre o regime de concesso e permisso da prestao de servios pblicos, prevista no art. 175120 da

    114

    SALLA, Ricardo Medina. Arbitragem e Direito Pblico. Revista Brasileira de Arbitragem, n. 22, Porto Alegre: Sntese;

    Curitiba: Comit Brasileiro de Arbitragem, p. 78-106, abr./jun. 2009, p. 80. 115

    Lembramos que nossa anlise, a utilizao da arbitragem pelo Poder Pblico, leva em considerao, fundamentalmente, a legislao federal.

    116 A delegao negocial assim denominada por conter inegvel aspecto de bilateralidade nas manifestaes volitivas se consuma atravs de negcios jurdicos celebrados entre o Poder Pblico e o particular, os quais se caracterizam por receber, necessariamente, o influxo de normas de direito pblico, haja vista a finalidade a que se destinam: o atendimento a demandas (primrias e secundrias) da coletividade ou do prprio Estado. VENOSA, Slvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigaes e Teoria Geral dos Contratos. 10.ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 347.

    117 Conforme definio de Meirelles, contrato de concesso de servio pblico todo aquele que [...] tem por objeto a transferncia da execuo de um servio do Poder Pblico ao particular, que se remunerar dos gastos com o empreendimento, a includos os ganhos normais do negcio, atravs de uma tarifa cobrada aos usurios. comum, ainda, nos contratos de concesso de servio pblico a fixao de um preo, devido pelo concessionrio ao concedente a ttulo de remunerao dos servios de superviso, fiscalizao e controle da execuo do ajuste, a cargo deste ltimo. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34.ed. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 264.

    118 Alm destas leis, temos a Lei n 9.478/1997, que dispe sobre a poltica energtica nacional e as atividades relativas ao monoplio do petrleo, e a Lei n 10.233/2001, que dispe sobre a reestruturao dos transportes aquavirios e terrestre, ambas contendo autorizao para a arbitragem pela Administrao Pblica.

    119 Conforme a Lei 8.987/1995, no art. 23-A: O contrato de concesso poder prever o emprego de mecanismos privados para resoluo de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em lngua portuguesa, nos termos da Lei n

    o 9.307, de 23 de setembro de 1996. (Includo pela Lei n 11.196, de 2005).

    120 Art. 175: Incumbe ao Poder Pblico, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concesso ou permisso, sempre atravs de licitao, a prestao de servios pblicos. Pargrafo nico. A lei dispor sobre: I - o regime das empresas

  • 18

    Constituio Federal. A segunda, lei que institui normas gerais para licitao e contratao de parceria pblico-privada no mbito da Administrao Pblica, em seu artigo 11121.

    Ressaltarmos que a lei que dispe sobre o regime de concesso e permisso da

    prestao de servios pblicos, Lei n 8.987, de fevereiro de 1995122, quando promulgada, no trazia a autorizao para a incluso da arbitragem nos contratos, esta foi includa dez anos depois pela Lei n 11.196, que gerou o art. 23-A, anteriormente referido.

    J a Lei n 11.079/2004, introduziu em nosso sistema jurdico as chamadas parcerias

    pblico-privadas, podendo ocorrer sob duas modalidades de concesso de servio pblico, que so a concesso patrocinada (quando a concesso do servio ou obra pblica envolver uma contraprestao do Poder Pblico adicionalmente tarifa cobrada aos usurios) e a concesso administrativa (quando a remunerao do servio feita integralmente pela Administrao, ainda que ele envolva execuo de obra ou fornecimento de bens)123. Como podemos notar, nessas modalidades, o Estado concedente tem a obrigao de oferecer ao concessionrio determinada contrapartida pecuniria.124

    Ao contrrio da Lei n 8.987/95, que incluiu a arbitragem em 2005, atravs da Lei

    n11.196, a Lei n11.079/2004 trouxe desde sua criao o art. 11, prevendo o emprego dos mecanismos privados de resoluo de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em lngua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.

    Podemos notar que a permissividade explcita para a utilizao da arbitragem pela

    Administrao Pblica ocorreu em leis posteriores aprovao da Lei da Arbitragem, pois esta no autorizou a utilizao da arbitragem pelo Poder Pblico.

    Observamos que na prtica a clusula arbitral vem sendo utilizada nos contratos

    administrativos em geral e a sua incluso discutida em tribunais que, por vezes, apresentam vises distintas.

    H tribunais que utilizam o art. 1 da Lei de Arbitragem para interpretar como possvel a

    arbitragem em contratos administrativos diversos, basicamente entendendo o direito envolvido no contrato como direito patrimonial disponvel. o caso da deciso do Superior Tribunal de Justia, no caso AES Uruguaiana x CEEE125, que julgou pela compatibilidade do mecanismo arbitral de soluo de controvrsias com contratos celebrados entre particulares e sociedade de economia mista, que no voto proclamou

    [...] pode-se afirmar que, quando os contratos celebrados pela empresa estatal versam sobre atividade econmica em sentido estrito isto , servios pblicos de natureza industrial ou atividade econmica de produo ou comercializao de

    concessionrias e permissionrias de servios pblicos, o carter especial de seu contrato e de sua prorrogao, bem como as condies de caducidade, fiscalizao e resciso da concesso ou permisso; II - os direitos dos usurios; III - poltica tarifria; IV - a obrigao de manter servio adequado.

    121 Conforme a Lei 11.079/2004, no art. 11: O instrumento convocatrio conter minuta do contrato, indicar expressamente a submisso da licitao s normas desta Lei e observar, no que couber, os 3

    o e 4

    o do art. 15, os

    arts. 18, 19 e 21 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever: [...] III o emprego dos

    mecanismos privados de resoluo de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em lngua portuguesa, nos termos da Lei n

    o 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados

    ao contrato. 122

    A Lei n9.987/95 uma lei nacional, no que diz respeito s normas gerais, que se aplicam indistintamente a todos os entes federados: Estados, Distrito Federal e Municpios. Isto, todavia, no os exime de aprovar sua prpria lei, como dispe o art. 175 da Constituio Federal.

    123 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34.ed. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 265.

    124 VENOSA, Slvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigaes e Teoria Geral dos Contratos. 10 ed. So

    Paulo: Atlas, 2010, p. 349. 125

    Superior Tribunal de Justia, Recurso Especial n 2003/0205290-5, Acrdo n 606.345, 2007.

  • 19

    bens, suscetveis de produzir renda e lucro -, os direitos e as obrigaes deles decorrentes sero transacionveis, disponveis e, portanto, sujeitos arbitragem. Ressalte-se que a prpria lei que dispe acerca da arbitragem art. 1 da Lei n 9.307/1996 estatui que as pessoas capazes de contratar podero valer-se da arbitragem para dirimir litgios relativos a direitos patrimoniais disponveis.

    Por outro lado, deciso do Tribunal de Contas da Unio, em caso envolvendo validao

    de clusula arbitral ajustada por uma empresa pblica com particulares, declarou:

    [...] a aplicao aqui da clusula de compromisso arbitral encontra um bice intransponvel, qual seja a ausncia de autorizao legal. O fato de a outras modalidades de contratos administrativos ser possibilitada a incluso de clusula de arbitragem, tal como previsto no inciso X do art. 43 da Lei n 9.478/1997

    126, no

    permite a extenso por analogia desses dispositivos s avenas aqui tratadas. A Administrao regida pelo princpio da legalidade e a arbitragem clusula de exceo a regra de submisso dos conflitos ao Poder Judicirio, somente podendo ser aplicada com expressa autorizao legal.

    127

    Nada obstante, as diferenas nas decises judiciais acima elencadas, a doutrina entende

    que a indisponibilidade dos bens da Fazenda Pblica no necessariamente importa em total excluso da viabilidade jurdica de transacionar sobre eles, inclusive na esfera da arbitragem, desde que haja autorizao legal para a Administrao assim proceder. Assim, somente poderia ser estipulada a via arbitral nos contratos administrativos relativos s parcerias pblico-privadas e s concesses e permisses para a prestao de servios pblicos, onde h previso legal para tal. Somente desta forma a Lei de Arbitragem passaria a reger as relaes que envolvem o Poder Pblico, em detrimento das regras estatais de jurisdio.

    Percebemos que a utilizao da arbitragem pela Administrao Pblica passa,

    primeiramente, pela interpretao do art. 1 da Lei de Arbitragem, que atualmente regula a matria em solo brasileiro, em seus aspectos gerais, principalmente ao que diz respeito ao entendimento do que seja para a Administrao Pblica direitos patrimoniais disponveis.

    O que, em termos direitos patrimoniais do Poder Pblico, inclui-se neste conceito de

    disponibilidade de difcil delimitao. Alguns autores128 fazem distino entre interesses pblicos primrios e secundrios. Os interesses pblicos primrios seriam aqueles que promovem e concretizam os valores eleitos pela sociedade como um todo: dignidade da pessoa humana, justia, democracia, desenvolvimento econmico, proteo ao meio ambiente, por exemplo. J os interesses pblicos secundrios seriam interesses patrimoniais do Estado ou suas entidades. O interesse pblico primrio teria relao com os atos de imprio, que so indisponveis, e o de interesse secundrio, ao de atos de gesto, disponveis, portanto.129

    Para Eduardo Talamini130, a indisponibilidade do interesse pblico

    126

    Dispe sobre a poltica energtica nacional, as atividades relativas ao monoplio do petrleo, institui o Conselho Nacional de Poltica Energtica e a Agncia Nacional do Petrleo e d outras providncias.Do Contrato de Concesso. Art. 43: O contrato de concesso dever refletir fielmente as condies do edital e da proposta vencedora e ter como clusulas essenciais: [...] X - as regras sobre soluo de controvrsias, relacionadas com o contrato e sua execuo, inclusive a conciliao e a arbitragem internacional; [...].

    127 Tribunal de Contas da Unio, Processo n 005/250/2002-2, Acrdo n 584/2003.

    128 Este o entendimento, entre outros, de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. 34.ed. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 254) e Eros Roberto Grau (Arbitragem e o Contrato Administrativo. Revista Trimestral de Direito Pblico. So Paulo, n. 23, p. 14-20, 2000, p. 18-19.).

    129 Souza Jnior, Lauro da Gama. Sinal Verde para a Arbitragem nas Parcerias Pblico-Privadas (A Construo de um Novo Paradigma para os Contratos entre o Estado e o Investidor Privado). Revista do Direito Administrativo, Rio de

    Janeiro, v. 241, p. 124-167, jul/set 2005, p. 140. 130

    TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e PPP: Parcerias Pblico Privadas um Enfoque Multidisciplinar. So Paulo:

    Revista dos Tribunais, 2005, p. 338.

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    [...] decorrncia direta do princpio constitucional republicano: se os bens pblicos pertencem a todos e a cada um dos cidados, a nenhum agente pblico dado desfazer-se deles a seu bel-prazer, como se estivesse dispondo de um bem seu particular.

    Continua seu argumento explicando que h casos em que o Estado, em nome de outros valores constitucionais e observadas determinadas condies, pode dispor do bem jurdico entendido como indisponvel.

    Neste senda, Eros Roberto Grau131 afirma que a medida do interesse pblico a

    legalidade, salientando, ainda, que

    [...] no h correlao entre disponibilidade ou indisponibilidade de direitos patrimoniais e disponibilidade ou indisponibilidade do interesse pblico. Dispor de direitos patrimoniais transferi-los a terceiros. Disponveis so os direitos

    patrimoniais que podem ser alienados.

    Uma alternativa para evitar conflitos que envolvam dvida sobre interesses patrimoniais disponveis e para a proteo dos direitos pblicos e individuais, a complementao legislativa do artigo 25132, da Lei de Arbitragem, que prev que o rbitro remeter as partes autoridade competente, ou seja, Poder Judicirio, com a suspenso do procedimento arbitral.

    Entretanto, mesmo havendo esta previso legal, esta deciso est na mo do rbitro;

    para o rbitro tal distino pode ser problemtica. Como ele vai saber se o direito envolvido em uma lide envolvendo um contrato administrativo estritamente um direito patrimonial disponvel, deixando, ento, de questionar o Judicirio?

    Uma redundncia do texto da Lei n 9.307, compreender como patrimonial toda gama

    de negcios (compra, venda, empreitada) que envolvam bens que possuam mensurao econmica, quando, na verdade, tudo aprecivel economicamente, ainda que tal apreciao seja feita por equiparao ou reconduo a valores economicamente mensurveis, inclusive bens jurdicos que conhecemos neste trabalho como