aquário, salto [edf716]

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Notas sobre a questão do salto do peixe num aquário proposto como metáfora da análise foucaultiana segundo Paul Veyne (in: Foucault, seu pensamento, sua pessoa).

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O que eu estou questionando/querendo entender esse lugar do pulo. Ns vivemos no campo da cultura, certo? Nas relaes de poder, jogo, de luta... Como seria possvel sair disso, se isso que o pulo significa? Minha pergunta seria mais essa: "esse pulo possvel?". , pelo que entendi, como se vssemos "de fora" das relaes de poder, mas, mesmo que por um instante, isso seria possvel? Ser que no estaramos apenas vendo o campo sobre outra discursividade? (O que, para mim, no invalidaria de forma alguma fazer a crtica, pois ela, a meu ver, mesmo dessa forma, ainda criaria pensamento, ou, como voc mesmo disse, modos de pensamento; no uma busca por uma resposta fcil nem de dizer "no adianta fazer nada").

E, ainda relacionado discusso, outra pergunta: possvel conhecer o conhecimento? Foucault diz que no podemos conhecer o "real", que de uma natureza diferente do conhecimento, mas poderamos conhecer o conhecimento? possvel ler um texto grego e entender/conhecer como eles conheciam, realmente, sem ter estado sobre o seu modo de pensar? Quero dizer, possvel "olhar de fora" um conhecimento e compreend-lo?

Algumas parcas ideias em relao ao tema (enquanto via as manifestaes na Paulista via cmera pessoal online de ativistas-jornalistas).

creio que, de fato, o salto no uma "sada".no h escapatria. no h fuga. no h fora.

Veyne utiliza termos como "ser duplo", "na medida em que pensa", "d por si dentro", "ao mesmo tempo", "desdobramento", para caracterizar esse gesto tico-intelectual do salto[footnoteRef:1]. [1: VEYNE, Paul. Michel Foucault, seu pensamento, sua pessoa.]

A maneira como Julio mescla Veyne e Agamben d a dimenso disso[footnoteRef:2]: [2: AQUINO, Julio Groppa. Disjuno, disperso e dissenso da educao contempornea.]

[...] em cada poca, os contemporneos encontram-se assim fechados em discursos como em aqurios falsamente transparentes, ignoram quais so e at que existe um aqurio. As falsas generalidades e os discursos variam atravs do tempo; mas, em cada poca, passam por verdadeiros. De tal modo que a verdade reduzida a dizer a verdade, a falar conforme o que se admite ser verdade e que far sorrir um sculo mais tarde.

[...] contemporneo ao seu tempo: aquele que mantm fixo seu olharno presente, [...] que percebe o escuro do seu tem.po como algo que lhe conceme e no cessa de interpel-lo, algo que, maisdo que todaluz, dirige-se direta e singularmente a ele. Contemporneo aquele que recebe em pleno rosto o facho de trevas que provm do seu tempo.

O salto como uma postura/impostura em relao ao presente contra o seu tempo, a favor de um tempo porvir (Nietzsche/Deleuze). Abrir espao, deixar passar, proliferar (Calvino/Groppa).

O salto como suspenso dos valores, dos conceitos pr-estabelecidos, dos universais.

O salto como enfrentamento fontes, do arquivo, da construo de um olhar combativo, isto , combatendo a subjetivao em si mesmo.

O salto como o olhar fixo no obscuro de seu tempo no o escondido, o velado, mas afastar-se ali onde a luz (as verdades) incidem para, ento, procurar observar o que est ofuscado (a trama das condies de suas possibilidades).

O salto como uma espcie de ateno/respirao do zen sem pensar, sem inteno; leitura flutuante, ateno despretensiosa, sem a pretenso de revelar nenhuma verdade, descobrir nenhuma novidade; o que pode nos levar a analisar o verdadeiro no presente, entrevendo como tenses conduzem as foras em questo (o aprendiz zen observando como certas tenses musculares/da conscincia condicionavam a sua ao na tentativa do aprendizado da postura proposta pelo mestre) (acho que se vai longe por aqui...).

O salto como trabalho "Trabalho: aquilo que suscetvel de introduzir uma diferena significativa no campo do saber, ao custo de um certo esforo para o autor e o leitor, com a eventual recompensa de um certo prazer, quer dizer, de acesso a uma outra imagem da verdade". (Paul Veyne, "Acreditavam os gregos em seus mitos?", epgrafe do livro que, por sinal, creditada tambm a monsieur Foucault e Franois Ewald)[footnoteRef:3]. [3: Esse livro do Veyne me veio cabea quando li a pergunta da Tas, com respeito ao conhecer o conhecimento. E acho que voc j indicou algumas possibilidades na breve resposta do seu e-mail. O conhecimento, como o resultado do conflito de impulsos a fim de organiz-los, fruto de um tempo (Foucault, A verdade e as formas jurdicas). A possibilidade de conhecer o que foi creditado como conhecimento/verdade est na observao do que flui ainda em ns, no que deveio em ns, por meio de um olhar histrico-genealgico. O salto no seria esse olhar? A direta observao de si prprio no basta para se conhecer: necessitamos da histria, pois o passado continua a fluir em mil ondas dentro de ns; e ns mesmos no somos seno o que a cada instante percebemos desse fluir. Tambm a, quando queremos descer ao rio do que aparentemente mais nosso e mais pessoal, vale a afirmao de Herclito: no se entra duas vezes no mesmo rio. Esta uma sabedoria j bastante repisada, sem dvida, mas que permanece robusta e substancial como sempre: assim como a de que, para entender a histria, deve-se procurar os resduos vivos das pocas histricas [...] (Nietzsche, Opinies e sentenas diversas. 223. Para onde preciso viajar).]

No obstante, uma questo que nasceu de to bela metfora, pode cair numa tentao de "heroizao" de um gesto. O salto, heroificado, pode ser compreendido como preceito, uma postura de interveno militante. Inclino-me para uma concepo mais prxima de esprito de porco, estraga festa, de estranhamento das unanimidades e das discordncias ou numa outra ponta uma ideia prxima a Adlia Prado, "no quero faca, nem queijo, quero a fome".

A imagem do salto (pensamento X conhecimento) lembrem-se do rir, deplorar e detestar nietzschiano: "Se quisermos realmente conhecer o conhecimento, saber o que ele , apreend-lo em sua raiz, em sua fabricao, devemos nos aproximar, no dos filsofos, mas dos polticos, devemos compreender quais so as relaes de luta e de poder. E somente nessas relaes de luta e de poder na maneira como as coisas entre si, os homens entre si se odeiam, lutam, procuram dominar uns aos outros, querem exercer, uns sobre os outros, relaes de poder que compreendemos em que consiste o conhecimento"[footnoteRef:4]. [4: FOUCAULT. A verdade e as formas jurdicas.]

* * *

A partir da leitura do Arqueiro Zen:

O que importa no o alvo, a meta do salto, em ltima instncia, no pelo efeito/consequncia do salto que se deve entend-lo ou procur-lo (a risada, estragar a festa, estranhamento das unanimidades). Entendo que, nesse sentido (e foi assim que, agora, penso que relatei aquelas passagens do meu primeiro e-mail), deve-se procurar entender quais so os procedimentos, os exerccios repetitivos e incansveis, qual deve ser essa 'arte' na qual se deve tornar mestre e no-mestre ao mesmo tempo (no existe uma outra verdade do salto, um outro saber, uma mestria ou expertise prpria da anlise).

Por isso, as ideias da postura/impostura, da suspenso, do enfrentamento com as fontes, do trabalho. A dificuldade de executar, em sua perfeio incalculvel, a atividade do pensamento analtico desse voltar-se sobre si mesmo, a fim de estranhar o que ns somos , os rduos exerccios de confrontao com o trabalho analtico (trabalho/atividade nem arte, nem mtodo definitivo que, curiosamente, foi mais bem desenvolvida no ocidente do que no oriente, vide a questo do pensar no livro, algo a se libertar. No querendo simplesmente relacionar inescrupulosa e anacronicamente uma coisa outra, como seria pensar sem pensar, um pensamento sem a inteno de reflexo etc., a anlise como suspeita em ato?).

O salto, talvez, apenas como uma imagem do exerccio a ser cotidianamente praticado, sem a inteno de liberdade, criatividade, reflexibilidade ou iluminao (a folha de bambu se vergando com a gota d'gua, a leitura obstinada de uma fonte despretensiosa, a escrita visceral e cotidiana de um trabalho muitas vezes enfadonho).

Veio-me outra histria/gesto/imagem famosa na histria da filosofia: a sada da caverna na alegoria contada por Plato. Talvez, imagem simetricamente oposta a do salto dado que, de fato, no h sada da caverna, no h do que se libertar de uma vez por todas; no se retorna para salvar os outros (como na caverna). Retornasse, ou antes, h um movimento e uma modificao nesse movimento de transitar pelos regimes de verdades, sem nunca, qui, abandonar o lugar em que se esteve[footnoteRef:5]. [5: Torna-se constantemente o que se , como Nietzsche diria?...]

Nesse mesmo sentido: o final do segundo livro da trilogia de Carlos Castaeda, sobre a educao mstica dos mestres indgenas. Quando apreende os preceitos e os pratica de maneira satisfatria, Don Juan, seu mestre, ento, vira-se para seu aprendiz e lhe diz: Se voc vai ou no voltar, no tem importncia alguma. Porm, agora tem necessidade de viver como um guerreiro. Sempre soube disso, e agora est na posio de ter de usar uma coisa que desprezava antes. Mas teve de esforar-se para chegar a esse conhecimento; no lhe foi dado de mo beijada; no lhe foi apenas entregue. Teve de lutar com voc mesmo para isso. E, no entanto, voc ainda um ser luminoso. Ainda vai morrer como todo mundo. Uma vez eu lhe falei que no h nada que se modifique num ovo luminoso. [Calou-se por um momento]. Nada mudou realmente em voc.

Descries de procedimentos similares, mas com fins e efeitos diferentes, para alm do bem e do mal de antemo.