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Responsabilidade Civil Novas Tendências

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Page 1: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências
Page 2: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 1

Apresentação ................................................................................................................................ 3

Aula 1: Responsabilidade civil e direito de danos ......................................................................... 4

Introdução ............................................................................................................................. 4

Conteúdo ................................................................................................................................ 5

Responsabilidade civil e sociedade ................................................................................ 5

Referências........................................................................................................................... 23

Exercícios de fixação ......................................................................................................... 24

Notas ........................................................................................................................................... 31

Chaves de resposta ..................................................................................................................... 32

Aula 1 ..................................................................................................................................... 32

Exercícios de fixação ....................................................................................................... 32

Aula 2: O dano moral .................................................................................................................. 40

Introdução ........................................................................................................................... 40

Conteúdo .............................................................................................................................. 41

Contextualização ............................................................................................................. 41

Aplicação da função punitivo-pedagógica da responsabilidade civil no Brasil .. 49

Aplicabilidade prática da função punitivo-pedagógica conforme a

jurisprudência ................................................................................................................... 54

Considerações finais ....................................................................................................... 56

Atividade proposta .......................................................................................................... 58

Referências........................................................................................................................... 62

Notas ........................................................................................................................................... 68

Chaves de resposta ..................................................................................................................... 69

Aula 2 ..................................................................................................................................... 69

Exercícios de fixação ....................................................................................................... 69

Aula 3: A sociedade de risco........................................................................................................ 72

Introdução ........................................................................................................................... 72

Conteúdo .............................................................................................................................. 73

Contextualização ............................................................................................................. 73

Surgimento da sociedade de riscos ............................................................................. 74

Danos Reflexos ...................................................................................................................... 82

A responsabilidade civil por abandono afetivo .......................................................... 87

Princípio da afetividade .................................................................................................. 88

Referências........................................................................................................................... 95

Page 3: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 2

Chaves de resposta ................................................................................................................... 101

Aula 3 ................................................................................................................................... 101

Exercícios de fixação ..................................................................................................... 101

Aula 4: Responsabilidade civil objetiva ..................................................................................... 105

Introdução ......................................................................................................................... 105

Conteúdo ............................................................................................................................ 106

Responsabilidade civil objetiva ................................................................................... 106

Código de Proteção e Defesa do Consumidor ........................................................ 115

Proteção da incolumidade físico-psíquica do consumidor .................................. 115

Referências......................................................................................................................... 124

Notas ......................................................................................................................................... 129

Chaves de resposta ................................................................................................................... 130

Aula 4 ................................................................................................................................... 130

Exercícios de fixação ..................................................................................................... 130

Conteudista ............................................................................................................................... 133

Page 4: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 3

Esta disciplina tem como objetivo o estudo das novas tendências da

Responsabilidade Civil, sempre levando em consideração a evolução dos

institutos do Direito Civil em decorrência da proclamada Constitucionalização do

Direito Civil e do processo de Repersonalização do Direito.

Demonstraremos que as funções da Responsabilidade Civil sofreram nítidas

mudanças, abrindo espaço para a proteção da vítima, em essencial, buscando

alternativas de indenização que não foquem critérios subjetivos fundados na

culpa e na punição do causador do dano.

Em seguida, examinaremos os efeitos da sociedade de risco com a

multiplicação dos danos, criando-se novas espécies de danos que exigem uma

resposta imediata do Direito que não se coaduna com as proposições clássicas

da disciplina.

Sendo assim, esta disciplina tem como objetivos:

1. Examinar os reflexos da Constitucionalização do Direito Civil e da

Repersonalização do Direito no âmbito da Responsabilidade Civil.

2. Distinguir as soluções propostas pela doutrina visando fazer frente às

novas espécies de dano, bem como dando efetividade ao objetivo primordial da

Responsabilidade Civil – a indenização da vítima.

3. Analisar os novos danos que surgem da Sociedade de Risco e as

possíveis soluções para a prevenção e também ressarcimento da vítima.

Page 5: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 4

Introdução

Em nossa primeira aula, vamos compreender os reflexos dos processos de

Constitucionalização do Direito Civil e de Repersonalização do Direito no âmbito

da Responsabilidade Civil.

Assim, constataremos que as funções clássicas da Responsabilidade Civil se

alteraram e o foco primordial da disciplina passa a ser a indenização da vítima,

razão pela qual se busca alternativas para o alcance desse objetivo, como, por

exemplo, os Seguros de Responsabilidade Civil e a criação de Fundos Públicos e

Privados que garantam à pessoa lesada uma efetiva indenização.

Perceberemos como uma disciplina nitidamente patrimonialista na sua origem,

a qual se preocupava tão somente com o restabelecimento do status quo ante,

o reequilíbrio do patrimônio da vítima, com a consequente punição do agente

causador do dano, na atualidade, busca alternativas para a socialização do

dano. Bons estudos!

Objetivo:

1. Descrever a evolução histórica da Responsabilidade Civil, examinando a

influência do processo de Constitucionalização do Direito Civil e da

Repersonalização do Direito Civil para a mudança de uma Responsabilidade Civil

fundada essencialmente na culpa para um Direito de Danos;

2. Analisar os chamados “mecanismos de socialização dos riscos”, como

alternativas indicadas pela doutrina para alcançar de forma efetiva a

indenização da vítima, em especial os Seguros de Responsabilidade Civil e os

Fundos Públicos e Privados.

Page 6: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 5

Conteúdo

Responsabilidade civil e sociedade

Vamos fazer uma breve análise sobre a evolução da Responsabilidade

Civil?

Ao analisar a história da Responsabilidade Civil, constata-se que esse é um dos

ramos do Direito que mais sofreu mutações no decorrer da evolução da ciência

jurídica, pois a sua existência está intrinsecamente vinculada às relações

sociais.

É comum na doutrina se estabelecer a correlação entre a Responsabilidade Civil

e a Sociologia, afirmando que a noção daquela é nitidamente sociológica,

decorre dos fatos sociais, está imbricada nas relações sociais. Não raramente,

as relações sociais provocam prejuízos às pessoas a elas vinculadas exigindo

uma resposta por parte do Direito para restabelecer o equilíbrio dessas relações

(AGUIAR DIAS, 1995, p. 1).

A evolução da sociedade como um todo refletirá diretamente na necessidade de

criação de institutos jurídicos que possam regular a nova realidade social.

Sendo assim, é óbvio que a passagem de uma sociedade nitidamente ruralista

para uma sociedade decorrente da Revolução Industrial e Tecnológica

acarretará em mudanças significativas no Direito.

Nesse contexto, entenda, a seguir, algumas passagens da história da

Responsabilidade Civil, visando descrever os reflexos sofridos por essa disciplina

em razão dos processos de Constitucionalização do Direito Civil e

Repersonalização do Direito.

Início da história da responsabilidade civil

A Responsabilidade Civil se origina há milhares de anos, desde o Código de

Hamurabi e de Manu, bem como no Direito Hebreu. Mas é no Direito Romano

Page 7: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 6

que é possível se encontrar vestígios mais evidentes desse instituto. A sua

evolução passa pela fase da vingança e depois pela fase da composição de

danos. Vamos entender melhor? Acompanhe.

Fase da vingança

A evolução da responsabilidade civil passa inicialmente pela fase da vingança,

primeiramente coletiva para, posteriormente, vingança individual, representada

claramente na Lei de Talião. De uma retaliação privada passa a ser alçada ao

espaço público pela Lei das XII Tábuas, cabendo ao legislador definir como

seria a retaliação.

Contudo, a fase de vingança não solucionava o prejuízo sofrido pela vítima,

pelo contrário, fazia surgir um duplo dano (AGUIAR DIAS, 1995, p. 17), razão

pela qual surge a chamada fase de composição dos danos.

Fase de composição de danos

Na fase de composição dos danos, o agressor é chamado a indenizar a vítima,

inicialmente por uma iniciativa voluntária e, posteriormente, em razão de

previsão legal.

Procedimento civil e procedimento penal

Percebe-se que no período pós-clássico do Direito Romano, as funções

punitivas e reparatórias, representadas pela pena e pela indenização, passam a

atender a interesses diversos, de um lado o interesse público e de outro o

interesse privado, com uma distinção nítida entre procedimento civil e

procedimento penal (LEVY, 2012, p. 37-39).

Lex Aquilia de Damno

É com a Lex Aquilia de Damno que surgem dois fundamentos que irão

influenciar a Responsabilidade Civil no Direito Moderno:

Page 8: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 7

a) sua função reparadora do dano por meio de uma pena pecuniária, com a

consequente restituição do status quo ante; e

b) a noção de culpa como requisito indispensável para surgir o dever de

reparar, estabelecendo estrita ligação com a concepção de punição.

A função reparadora do dano por meio de uma pena pecuniária, com a

consequente restituição do status quo ante.

A noção de culpa como requisito indispensável para surgir o dever de reparar,

estabelecendo estrita ligação com a concepção de punição.

São essas duas premissas que se revelaram no nosso Código Civil de 1916, sob

nítida influência do Código Civil Francês, estabelecendo como regra a

responsabilidade civil subjetiva, a qual tem como pressuposto indispensável a

comprovação da culpa do agente causador do dano.

Do código civil de 1916 ao código civil de 2012

Nossa legislação civil, claramente liberal, individualista e patrimonialista, não se

preocupava com a proteção da vítima, como pessoa, ser humano, mas voltava-

se para a proteção do seu patrimônio, aqui na sua acepção mais estrita, como

conjunto de bens passíveis de valoração econômica.

A Revolução Industrial e Tecnológica, as guerras mundiais e, principalmente, a

Constituição de 1988 fizeram com que a legislação ficasse ultrapassada,

influenciando de forma significativa a Responsabilidade Civil, passando a

acontecer a Repersonalização do Direito Civil.

A sociedade brasileira da época do Código Civil de 1916 era de estrutura

eminentemente agrária, fundada na exportação de matérias-primas e

importação de manufaturados, sendo que evidentemente as circunstâncias em

que se fazia presente a Responsabilidade Civil eram restritas à atuação dos

particulares, num âmbito bastante limitado pelas características daquele núcleo

Page 9: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 8

social, acabando por serem suficientes as regras de reparação fundadas na

noção de culpa.

Contudo, a história muda seu curso, esse ideário de uma sociedade liberal

burguesa não mais consegue solucionar a nova realidade social advinda da

Revolução Industrial e Tecnológica, bem como da Sociedade de Consumo; a

nítida separação entre o Direito Público e o Direito Privado não mais se sustenta

diante da necessidade de um Estado de índole social; a propriedade como

direito absoluto e núcleo do ordenamento jurídico não mais se ajusta à

sociedade após as duas Grandes Guerras Mundiais e o fortalecimento da pessoa

humana como fim último de todo o Direito, representado na consagração

internacional do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

A legislação brasileira sofre profundas modificações, em especial no âmbito

constitucional com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988, a qual vem consagrar a proteção da dignidade da pessoa humana

como fundamento da nossa República e dedica considerável número de

dispositivos aos direitos e garantias fundamentais, adotando os ideais de um

Estado Social, com a intervenção do Estado nas relações privadas visando

efetivar os objetivos de uma sociedade livre, justa e solidária.

Todavia, no campo da legislação infraconstitucional, ainda permanecemos

dentro das concepções de uma sociedade capitalista, individualista e

patrimonialista revelada pela legislação civil de 1916.

Surge, consequentemente, a necessidade de adaptação da legislação civil, já

ultrapassada pela nova realidade social, às normas e valores constitucionais. O

Código Civil deixa de ser a constituição do Direito Privado e a Constituição deixa

de ter a função estruturante e limitadora do Poder Estatal.

O Código Civil de 1916, ainda fundado naquele ideal burguês liberal, não se

coaduna com os novos valores e princípios constitucionais, sendo necessária a

Page 10: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 9

sua releitura a partir das normas constitucionais, o que Paulo Ricardo Schier

chama de “Filtragem Constitucional” (SCHIER, 2005), com o reconhecimento da

eficácia normativa das normas constitucionais.

Paulo Lobo afirma que “a constitucionalização tem por fito submeter o direito

positivo aos fundamentos de validade constitucionalmente estabelecidos”

(1999), ou seja, institutos como a família, o contrato, a propriedade devem ser

relidos a partir de principios como dignidade da pessoa humana, igualdade

entre homem e mulher, funcionalização do contrato e da propriedade aos

aspectos sociais visando à proteção da pessoa humana e à adequação ao

principio da solidariedade.

Como consequência direta dessa interpretação das normas infraconstitucionais,

a partir dos valores e princípios estampados na nossa Constituição Federal,

passamos para o fenômeno chamado de Repersonalização do Direito Civil, com

a realocação da pessoa humana como centro do ordenamento jurídico e não

mais como mero elemento abstrato da relação jurídica, passa-se a reconhecer a

pessoa na sua concretude, com a valorização da sua dignidade (MEIRELLES,

1998, p. 90 e segs).

Por evidente que essa nova realidade sociojurídica também possui reflexos na

disciplina da Responsabilidade Civil, a qual passa a representar uma das facetas

da valorização da pessoa humana, deixando apenas de se preocupar com os

aspectos patrimoniais, no sentido clássico desta expressão, passando a ser um

instrumento destinado à proteção da pessoa humana, ultrapassando a proteção

dos bens jurídicos passíveis de valores econômicos, mas alçando,

principalmente, os direitos de personalidade ao seu abrigo.

A Responsabilidade Civil deixa de se preocupar essencialmente com a culpa,

como elemento preponderante para a fixação do dever de indenizar

(fundamento da Responsabilidade Civil Subjetiva), passando a buscar

elementos que facilitem o alcance da reparação/compensação do dano, como,

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 10

inicialmente, as hipóteses de presunção de culpa (essencialmente usadas no

Código Civil de 1916), passando para a Teoria do Risco (Responsabilidade Civil

Objetiva, agora consagrada pelo Código Civil de 2012, em seu parágrafo único

do art. 927) e estabelecendo as primeiras linhas teóricas do chamado “Direito

de Danos”.

Nova perspectiva da responsabilidade civil

A nova perspectiva da Responsabilidade Civil se dá pela preocupação com a

indenização do dano, em atenção à proteção da vítima. Acompanhe.

Em atenção à proteção da vítima, criam-se institutos jurídicos que facilitam o

alcance dessa função reparatória, como as hipóteses de presunção de culpa, já

presentes na legislação civil anterior, quando, em situações legalmente

previstas, afastava-se a necessidade de comprovação do elemento subjetivo,

cunhando as figuras clássicas de culpa in eligiendo, <font culpa in

vigilando, culpa in custodiendo, entre outras.

Das hipóteses de presunção de culpa, passamos à Responsabilidade Civil

Objetiva, a qual prescinde da comprovação da culpa, visando solucionar os

novos danos que surgem em razão da multiplicação das situações de riscos

com a Revolução Industrial e Tecnológica, aqui abrangendo os meios de

comunicação, as ciências biomédicas, entre outras realidades sociais que

reproduzem de forma ilimitada as possibilidades de danos, fazendo surgir o que

alguns autores chamam de Sociedade de Risco.

Alguns exemplos citados pela doutrina são os danos ambientais cada vez mais

frequentes e decorrentes do exercício de atividades econômicas (ou seja,

lícitas), mas que podem engendrar prejuízos no futuro, como a contaminação

dos solos (LEVY, 2012, p. 15); os chamados danos em série ou em cadeia,

como o que ocorreu na cidade de Goiânia, em 13 de setembro de 1987, pela

contaminação de milhares de pessoas em razão da radiação da bomba de Césio

137, fato que possui reflexo danoso até nos dias atuais, não se sabendo ao

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 11

certo qual será a sua amplitude no decorrer dos anos; situações que atingem

muitas vezes populações inteiras, como os casos de Chernobyl e Bhopal, cujas

sequelas muitas vezes são imprevisíveis (HOFMEISTER, 2002, p. 43-46); danos

sofridos em razão do uso de medicamentos cujos efeitos, na época em que

foram ministrados, sequer eram conhecidos, o que dificulta, também, a

identificação das empresas que os colocaram em circulação, como ocorreu no

caso americano Sindell versus Abbott Laboratories, de 1980, “envolvendo droga

cujo princípio ativo era o diethilstibestrol (por isso ficaram conhecidos como

casos ‘DES’), indicado para mulheres grávidas a fim de evitar o aborto

espontâneo, mas cujos efeitos colaterais, descobriu-se posteriormente,

potencializavam o surgimento de câncer em seus filhos” (LEVY, 2012, p. 10).

Percebe-se, neste ponto, uma preocupação latente dos efeitos futuros e ainda

imprevisíveis desses eventos lesivos, em especial, com as gerações futuras, pois

os novos danos têm a potencialidade de ameaçar além do sujeito singular, mas

a própria humanidade (MENEZES, 2012, p. 9).

Direito dos Danos ao Direito das Condutas Lesivas

Ainda no âmbito dos riscos e consequentes danos advindos do desenvolvimento

das pesquisas tecnológicas e científicas, Daniel de Andrade Levy (2012, p. 17)

afirma que:

Esses riscos “não têm pátria, viajam de um país ao outro, com uma rapidez

nunca imaginada, carregando com eles as ameaças de dano e o medo”, citando

“o avanço da pesquisa genética, na física quântica, no enriquecimento do

urânio” e salientando que o risco é inerente nessas atividades próprias da

sociedade pós-moderna, sendo que a sua principal característica é o seu

potencial de dano que ainda é “desconhecido no momento de produção do

evento lesivo”.

Como solucionar esses casos?

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 12

Constatamos a insuficiência da categoria da culpa, o que dá surgimento às

Teorias do Risco com o objetivo de fundamentar a responsabilização sem a

necessidade de comprovação de culpa, como a aplicação da Teoria do Risco

Integral nas hipóteses de danos ambientais.

Portanto, há uma crescente centralização da matéria sobre a figura da vítima,

“deslocou-se o seu eixo da obrigação do ofensor de responder por suas culpas

para o direito da vítima de ter reparadas as suas perdas” (MORAES, 2003, p.

12).

Salientando o reflexo da Constitucionalização do Direito Civil no âmbito da

responsabilidade civil e as suas consequências diante da Sociedade de Risco em

que vivemos, Maria Celina Bodin de Moraes afirma:

O princípio da proteção da pessoa humana, determinado constitucionalmente,

gerou no sistema particular da responsabilidade civil a sistemática extensão da

tutela da pessoa da vítima, em detrimento do objetivo anterior de punição do

responsável. Tal extensão, nesse âmbito, desdobrou-se em dois efeitos

principais: de um lado, no expressivo aumento das hipóteses de dano

ressarcível; de outro, na perda de importância da função moralizadora, outrora

tida como um dos aspectos nucleares do instituto.

Vamos exemplificar?

Exemplificando essa nova tendência decorrente da proteção e valorização da

pessoa humana diretamente relacionada à Responsabilidade Civil, é possível

citar o regime de indenização dos acidentes de trabalho e de trânsito, o seguro

obrigatório (DPVAT), o regime de indenização das vítimas de produtos

industrializados (ou também dos riscos de desenvolvimento citados por

Menezes, 2012), a extensão da responsabilização objetiva dos hospitais ao lado

da responsabilidade subjetiva dos médicos, entre outras circunstâncias que

demonstram a primordial função de nossa disciplina: a proteção da vítima.

Page 14: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 13

Essa nova realidade da Responsabilidade Civil traça uma nova nomenclatura – o

Direito de Danos, centrado essencialmente na proteção da vítima,

afastando da perspectiva baseada na culpa, ou seja, da sua função

moralizadora.

Daniel de Andrade Levy defende a construção metodológica independente de

uma disciplina sob a nomenclatura de Direito de Danos, ao lado do que o

autor chama de Direito das Condutas Lesivas. Este se preocuparia com a

função punitiva-pedagógica e preventiva da Responsabilidade Civil, enquanto

aquela se preocuparia essencialmente com o ressarcimento da vítima (2012, p.

221-227). Propaga a possibilidade da construção de dois sistemas autônomos

que permita a coexistência da reparação eficiente e da prevenção das condutas.

Na próxima aula, faremos a análise do Direito das Condutas Lesivas, quando

examinaremos a Responsabilidade Civil Punitiva.

Vamos entender mais sobre o Direito de Danos?

No que tange ao Direito de Danos, o qual tem como pressuposto a proteção da

pessoa da vítima, a eficiência de sua reparação, percebe-se a propagação de

alternativas para alcançar este objetivo, que vão muito além das demandas

indenizatórias individuais que conhecemos com maior abrangência. Essas

alternativas decorreriam da criação de sistemas de indenizações extrajudiciais

ou mecanismos de socialização dos riscos (LEVY, 2012, p. 25) ou, ainda,

mecanismos de diluição dos danos (SCHREIBER, 2012, p. 228), os quais partem

da concepção da socialização do dano, nosso próximo objetivo nesta aula.

Socialização do dano

Como efeito imediato da Constitucionalização da Responsabilidade Civil, além

da busca incessante pela proteção da pessoa humana (decorrente do

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana), é possível incorporar outros

princípios constitucionais no regime dessa disciplina: o princípio da

solidariedade social e da justiça distributiva.

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 14

Constitucionalização da Responsabilidade Civil

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Princípio da Solidariedade Social

Justiça distributiva

Como consequência, como defende Daniel de Andrade Levy, seria necessário se

organizar “um sistema eficiente de indenizações extrajudiciais, no qual a

reparação não ficaria mais sempre a cargo do agente. Isso porque, se

considerarmos que mesmo condutas lícitas ou cercadas da máxima prevenção

poderão causar danos indenizáveis, não seria justo responsabilizar agentes que

tudo fizeram para evitá-los” (2012, p. 25).

Os instrumentos estatais atuais serão insuficientes para a

reparação/compensação da vítima, diante da Responsabilidade Civil, como

Direito dos Danos, voltada à indenização do dano injusto e sem dar relevância à

existência ou não de uma conduta ilícita.

Responsabilidade Civil

Indenização do dano injusto

Direito dos Danos

Existência ou não de uma conduta ilícita é irrelevante

Qual a origem do evento danoso?

Assim, haverá casos em que não será possível identificar a origem do evento

danoso. Não serão raros os casos em que não se conseguirá identificar a

origem do evento danoso, como no exemplo do DES (Sindell versus Abbott

Laboratories, de 1980), cuja identificação das empresas que colocaram o

Page 16: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 15

medicamento em circulação não era possível diante do transcurso do tempo.

Todavia, eram evidentes os danos sofridos pelos filhos das mulheres que foram

tratados com o medicamento para evitar aborto, quando, anos após, constata-

se a sua correlação com o desenvolvimento de câncer nessas pessoas (LEVY,

2012, p. 10).

Portanto, o tema vai além de afastar a culpa como elemento preponderante da

Responsabilidade Civil, mas sim de até mesmo flexibilizar outros pressupostos

do dever de indenizar, como a conduta e o nexo da causalidade. Isso aconteceu

no exemplo do DES, pois alguns tribunais americanos determinaram a

repartição da responsabilidade proporcionalmente à participação de mercado de

cada uma das empresas que colocaram o medicamento em circulação (LEVY,

2012, p. 10).

Outro exemplo de nova roupagem para o nexo causal é o caso nacional das

“pílulas de farinha”, em que o STJ, na decisão do REsp n.º 1.096.325/SP, não

exigiu prova cabal do nexo causal, sendo que o acórdão examinou as provas a

partir de princípios do direito material (princípio da proteção do consumidor),

não exigindo a prova de que a consumidora teria adquirido exatamente a

cartela de anticoncepcional que foi fabricada para teste, não contendo o

princípio ativo. Analisando tal precedente jurisprudencial, Carlos Eduardo

Pianovski Ruzyk salienta a sua relação direta com as concepções doutrinárias

contemporâneas a respeito da responsabilidade civil que mira a construção de

um Direito de Danos (2013, p. 2).

Como solucionar questões como essas, como assegurar a indenização dos

danos sofridos injustamente quando sequer se consegue indicar o causador do

dano, ou quando a prova cabal do nexo causal é impossível?

Brota aqui como fundamento principiológico para dar uma resposta a tão

intrigantes casos a noção de socialização dos danos, a qual parte dos princípios

constitucionais da solidariedade social e da justiça distributiva.

Page 17: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 16

Analisa-se o dano não somente no seu aspecto individual, mas, sim, e,

essencialmente, nos seus reflexos para toda a sociedade. A própria figura do

neminen laedere – a ninguém é dado causar prejuízo a outrem – traz ínsita a

questão social, a preocupação do Direito com a defesa da ordem constituída,

com o equilíbrio das relações sociais.

A doutrina passa a aceitar não só a responsabilização sem a culpa, fundada na

noção do risco da atividade, mas também admite a flexibilização de outros

pressupostos (nexo causal, conduta e dano), visando sempre ao ressarcimento

da vítima como uma resposta ao dano injusto. E vai além, não mais se

preocupa diretamente com o vínculo entre o agente causador do dano e a

vítima, pretende-se se diluir os danos na sociedade, buscando aqueles que têm

melhores condições de evitar a repetição do dano, em especial naquelas

atividades que envolvam riscos que vão além da questão individual,

abrangendo um aspecto nitidamente social: acidentes de trânsito, relacionados

ao trabalho, à saúde, sempre tendo como norte a multiplicação dos riscos

inerentes à nossa sociedade decorrente do progresso tecnológico.

Portanto, busca-se a diluição dos danos, a sua repartição ou redistribuição –

aqui a noção de justiça distributiva – dentro dos agentes sociais que

diretamente estão vinculado à atividade geradora do risco, atendendo ao

interesse de toda a sociedade no ressarcimento das vítimas e na não

prevalência de danos injustos sem reparação, alçando aqui a noção de

socialização do dano fundada no dever geral de solidariedade previsto no art.

3º, inciso I da nossa Constituição Federal.

Há quem defenda que essa socialização dos danos acarretaria na negação da

própria função da responsabilidade civil, a qual teria nítido caráter

individualista, visando à responsabilização do agente causador do dano.

Contudo, como bem adverte Anderson Schreiber (2012, p. 233), o que há é a

transformação da responsabilidade individual para uma responsabilidade social,

Page 18: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 17

readequando a estrutura da disciplina à sua função primordial – o

ressarcimento da vítima.

Como alcançar esse ideal da efetiva reparação, mesmo diante de

tantos entraves que podem surgir no decorrer da atribuição da

responsabilidade?

Neste caminhar da evolução da Responsabilidade Civil para um Direito de

Danos, nascem novas figuras que visam à construção de mecanismos

extrajudiciais de indenização, por meio dos seguros de responsabilidade

civil e dos fundos públicos ou privados.

Analisaremos inicialmente os Seguros de Responsabilidade Civil, os quais

passam a exercer um papel auxiliar na concretização do objetivo maior da

nossa disciplina: garantir o ressarcimento da vítima.

Seguro de responsabilidade civil

O que é o contrato de seguro de responsabilidade civil?

Defende-se que o seguro tem um caráter mais distributivo. Por quê?

É “o negócio jurídico bilateral por meio do qual a seguradora assume, mediante

o pagamento de um prêmio, as consequências desfavoráveis ou danosas, no

âmbito econômico-financeiro, que possam recair sobre o patrimônio do

segurado, em razão do risco de responsabilização civil deste último por danos

causados a um terceiro” (LACERDA, 2013, p. 4030).

Porque é considerado um instrumento de diluição dos danos (SCHREIBER,

2012, p. 232), pois atingiriam um maior número de agentes atuantes em

determinada atividade geradora de riscos para a sociedade, e seria uma forma

de garantir o ressarcimento efetivo da vítima, sem, contudo, acarretar em

prejuízos evidentes a determinados agentes econômicos em razão da

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 18

condenação, podendo inclusive acarretar na sua falência, a um custo social

evidente.

Por outro lado, é imprescindível se observar que os seguros permitiriam uma

indenização mais eficiente, desviando de obstáculos comuns do atual processo

de reparação, como a discussão sobre a conduta do ofensor e a sua falta de

patrimônio, o que seria “adiado para uma eventual ação de regresso da

seguradora contra o seu cliente – ou contra o causador do dano, após a

reparação prioritária da vítima” (LEVY, 2012, p. 187).

Fonte: http://nsassessoriadpvat.com.br/sobre-o-dpvat/

No Brasil, onde não possui natureza de seguro de responsabilidade civil, mas

sim de seguro de danos, o DPVAT (Lei n.º 6.194/74) seria um exemplo de

socialização do dano, atribuindo a todos os agentes daquela atividade

(condução de automotores) o dever de pagar um prêmio, que será revertido

em prol das vítimas de acidentes de trânsito.

Daniel de Andrade Levy (2012, p. 186-187), além de ressaltar a importância

dos seguros de responsabilidade civil para o novo Direito de Danos, indica os

números de crescimento desse nicho de mercado:

Se Tunc relata que, em 1978, o valor total dos prêmios dos seguros de

responsabilidade nos EUA chegavam a 7,7 bilhões de dólares; hoje, esse

número chega a 419 bilhões de dólares apenas no ano de 2009! No Brasil,

relatório aponta um crescimento de 15,3% da receita dos seguros em geral,

entre 2006 e 2007, chegando a R$ 76,2 bilhões. É impossível, diante dessa

realidade, ignorar a importância dos seguros como premissa para a construção

de uma nova dinâmica da reparação.

No Direito Brasileiro, o Código Civil expressamente regula essa espécie de

seguro no Artigo 787, o qual define o seguro de responsabilidade civil como o

Page 20: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 19

contrato por meio do qual “o segurador garante o pagamento de perdas e

danos devidos pelo segurado a terceiro. O § 4º do referido dispositivo

demonstra a preocupação com o ressarcimento integral da vítima ao

estabelecer que subsiste “a responsabilidade do segurado perante o terceiro, se

o segurador foi insolvente”.

Fundos públicos e privados

Ao lado dos seguros de responsabilidade civil, em especial dos seguros

obrigatórios, podemos encontrar como mecanismo extrajudicial de diluição ou

socialização dos danos os fundos públicos e privados de indenização.

O que é fundo?

É a constituição de receitas, recursos monetários, que são afetados a uma

finalidade específica, sem necessária atribuição de personalidade jurídica.

Lei Federal nº 4.320/64

A Lei Federal nº 4.320/64, recepcionada pelo Supremo Tribunal Federal

como sendo a norma mencionada no artigo 165, § 9º da Constituição da

República, dispõe o que são fundos especiais ou de natureza financeira:

“Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que, por lei, se

vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a

adoção de normas peculiares de aplicação.”

Qual sua finalidade?

No caso dos fundos de responsabilidade civil, a sua finalidade precípua é o

ressarcimento dos danos sofridos pelas vítimas de determinadas atividades

especificadas nas regras atinentes aos fundos.

Fundos no exterior

Page 21: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 20

Alguns países têm se destacado na criação de fundos, em especial a França,

os EUA e a Nova Zelândia. Na França, foram criados fundos públicos com os

objetivos mais diversos, desde a indenização das vítimas de acidentes de

circulação, de indenização dos danos causados por infrações penais, de

indenização de vítimas de atentados terroristas, de indenização das vítimas de

HIV num período em que houve a propagação da doença em razão da

negligência do governo na permissão das doações sem análise do histórico dos

doadores, entre outros (LEVY, 2012, p. 194-197).

Nos EUA, o fundo com maior repercussão é o fundo de Compensação das

Vítimas do 11 de setembro de 2001, criado pelas Leis n.º 107-42 e 107-34. A

Nova Zelândia criou um sistema de fundos públicos, transferindo “para o Estado

a responsabilidade pelas indenizações dos danos resultantes dos acidentes de

seus cidadãos”, estabelecendo-se de forma efetiva a completa socialização dos

riscos, sendo considerado um exemplo de sistema no que tange à criação de

fundos, claro que dentro dos padrões sociais e territoriais daquele país (LEVY,

2012, p. 197-207).

Fundos públicos X Fundos privados

Os fundos públicos são constituídos por dotações públicas, decorrentes dos

orçamentos públicos, enquanto os fundos privados decorrem da contribuição,

em regra obrigatória, por parte dos principais agentes causadores de danos,

como, por exemplo, no caso dos acidentes de trabalho, dos decorrentes de

danos ambientais, cuja multa aplicada pode ser revertida em prol de um fundo

que vise à reparação do meio ambiente.

Lei n.º 7.347/85

No Direito Brasileiro, pode-se citar a Lei n.º 7.347/85 – Lei da Ação Civil

Pública – a qual determina que as condenações decorrentes dessas ações

deverão ser revertidas para um fundo público, o qual será usado para

reconstituir o bem lesado.

Page 22: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 21

Outro exemplo de fundos na nossa legislação se refere ao Fundo de Defesa

dos Direitos Difusos criado pelo Decreto n.º 1.306/94, o qual visa à

recomposição do dano coletivo.

Imprescindível se desenvolver o fundo indenizatório que cria uma pensão

vitalícia para as vítimas do acidente nuclear em Goiânia, em razão do Césio-137

(Lei n.º 9.425/96).

A nossa legislação ainda está engatinhando na criação de fundos de

responsabilidade civil, sendo que esta não é uma realidade presente no nosso

ordenamento jurídico, cabendo, a esse respeito, o desenvolvimento doutrinário

sobre o assunto.

Atividade proposta

Vamos fazer uma atividade relacionada ao tema visto anteriormente!

ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS – DANO MORAL

COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE

SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL -

CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO – ILEGALIDADE

DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO

DO IDOSO - LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.

1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma

classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença

de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das

individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação

jurídica-base.

2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de

sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do

indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.

Page 23: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 22

3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a

procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo

deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art.

39, § 1º, exige apenas a apresentação de documento de identidade.

4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema

normativo.

5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstâncias

fáticas e probatórias e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso,

mantém-se a decisão.

6. Recurso especial parcialmente provido.

(STJ, Recurso Especial nº 1.057.274 - RS (2008/0104498-1), Relatora: Ministra

Eliana Calmon, DJe: 26/02/2010).

Analise o caso concreto exposto na decisão da Corte Superior a partir das novas

tendências da responsabilidade civil, isto é, da Constitucionalização do Direito

Civil e da consequente socialização dos danos.

Chave de resposta: O reconhecimento do dano moral coletivo, assim

entendido, aquele que não atinge um indivíduo especificamente, mas toda uma

coletividade, a qual poderá ser representada por um órgão estatal visando à

cessação do ato danoso e até mesmo à reparação dos danos sofridos, como no

caso, os idosos, representa não somente a ideia de socialização dos danos,

decorrente do dever geral de solidariedade previsto no Artigo 3º, inciso I da CF,

mas também e, necessariamente, correlacionada preocupação com a

indenização da vítima.

Page 24: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 23

Material complementar

Para saber mais sobre a constitucionalização do direito civil, leia os

artigos relacionados, disponíveis em nossa biblioteca virtual.

Referências

AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1995. v. 1.

CAVALLIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo:

Atlas, 2005.

HOFMEISTER, Maria Alice Costa. O dano pessoal na sociedade de risco. Rio

de Janeiro: Renovar, 2002.

LACERDA, Maurício Andere Von Bruck. O seguro de responsabilidade civil –

aspectos gerais sobre a Lei Portuguesa do Contrato de Seguro. RIDB. ano 2

(2013), n. 5, 4023-4067. Disponível em: http://www.idb-fdul.com/"

http://www.idb-fdul.com/;. Acesso em: 13 ago. 2014.

LEVY, Daniel Andrade. Responsabilidade civil: de um Direito dos Danos a

um Direito das Condutas Lesivas. São Paulo: Atlas, 2012.

LOBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Jus Navigandi,

Teresina, ano 3, n. 33, jul. 1999. Disponível em:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507. Acesso em: 13 ago.

2014.

MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. O ser e o ter na codificação civil brasileira:

do sujeito virtual à clausura patrimonial. In: FACHIN, Luiz Edson. (Coord.).

Repensando fundamentos do direito civil brasileiro. Rio de Janeiro:

Renovar, 1998.

MENEZES, Joyceane Bezerra de. O direito dos danos na sociedade das

incertezas: a problemática do risco de desenvolvimento no Brasil.

Civilistica.com. ano 1, n. 1, 2012. Disponível em: &#60;

http://civilistica.com/direito-dos-danos/. Acesso em: 13 ago. 2014.

Page 25: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 24

MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil

Constitucional. Disponível em: &#60;

http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15528-

15529-1-PB.pdf

http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15528-

15529-1-PB.pdf. Acesso em: 13 ago. 2014.

_____. A constitucionalização do direito civil e seus efeitos sobre a

responsabilidade civil. Direito, estado e sociedade. v. 9. n. 9, jul/dez 2006.

p. 233-258. Disponível em: &#60;

http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Bodin_n29.pdf. Acesso em: 13

ago. 2014.

RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Comentários ao Acórdão proferido no REsp

1.096.325/SP: O “caso das pílulas de farinha” como exemplo da construção

jurisprudencial de um “direito de danos” e da violação da liberdade positiva

como “dano à pessoa”, 2013. Disponível em: &#60;

http://fachinadvogados.com.br/artigos/Comenta%CC%81rios%20a

o%20Acordao.pdf . Acesso em: 13 ago. 2014.

SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da

erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 4. ed. São Paulo: Atlas,

2012.

SCHIER, Paulo Ricardo. Novos desafios da filtragem constitucional no momento

do neoconstitucionalismo. Revista eletrônica de direito do estado,

Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 4, out./nov./dez., 2005.

Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-4-

OUTUBRO-2005-PAULO%20SCHIER.pdf. Acesso em: 13 ago. 2014.

Exercícios de fixação

Questão 1

Assinale V ou F:

( ) A tendência de objetivação da responsabilidade civil decorre da

mudança de paradigmas do Direito Civil contemporâneo, em especial

Page 26: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 25

em razão da repersonalização das relações privadas com uma nítida

centralização do direito na proteção da pessoa humana.

( ) As ameaças decorrentes da Revolução Industrial e Tecnológica

multiplicaram as possibilidades de danos, exemplo dessa Sociedade de

Risco são as possíveis e imprevisíveis consequências decorrentes do uso

de alimentos transgênicos.

( ) A categoria dos direitos da personalidade, como direitos que visam em

essência à proteção da pessoa nos seus aspectos personalíssimos, não

possui correlação com às novas tendências da Responsabilidade Civil.

( ) O acolhimento jurisprudencial do chamado dano moral reflexo não

pode ser indicado como um dos exemplos dessa mudança da

responsabilidade civil clássica, preocupada com a conduta culposa, para

uma responsabilidade civil preocupada claramente com a proteção da

(s) vítima (s).

Questão 2

A proteção da pessoa é uma tendência marcante do atual direito privado, o que

leva alguns autores a conceberem a existência de uma verdadeira cláusula

geral de tutela da personalidade. Partindo dessa afirmativa, bem como após

examinar as consequências das novas tendências da Responsabilidade Civil, é

correto afirmar que:

a) Havendo lesão a direito da personalidade, em se tratando de morto, não

é possível que se reclamem perdas e danos, visto que a morte põe fim à

existência da pessoa natural, e os direitos personalíssimos são

intransmissíveis.

b) Havendo lesão a direito de personalidade de terceiro, cujo patrimônio

não foi diretamente atingido pela conduta lesiva, não é possível a

reparação pelo chamado dano moral reflexo.

c) A adoção de uma cláusula geral de tutela da personalidade

predeterminada pelo princípio da dignidade da pessoa humana não

permite o reconhecimento do direito à indenização pela ofensa de outros

Page 27: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 26

direitos de personalidade além daqueles expressamente previstos na

legislação civil.

d) A criação de outras categorias de danos, como dano moral reflexo, dano

estético, dano coletivo, etc., são reflexos do reconhecimento da pessoa

humana como centro do ordenamento jurídico, bem como da tendência

da responsabilidade civil em proteger o ser humano em face de

quaisquer danos sofridos injustamente.

Questão 3

Podem ser consideradas formas de ampliar e facilitar a indenização da vítima,

exceto:

a) Responsabilidade subjetiva por culpa presumida.

b) Responsabilidade objetiva, fundada nas Teorias do Risco.

c) Imputação de responsabilidade objetiva fundada no risco integral,

mesmo quando estão presentes hipóteses caracterizadoras de

excludentes da responsabilidade civil.

d) Responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor, com a

possibilidade de inversão do ônus da prova.

e) Responsabilidade subjetiva em acidentes de trânsito, com a necessária

comprovação da culpa do agente causador do dano.

Questão 4

Assinale a alternativa INCORRETA:

a) O Direito Brasileiro ainda não possui instrumentos efetivos da tutela de

interesses coletivos ou difusos, obrigando as vítimas a utilizarem das

ações indenizatórias individuais, o que resulta em dificuldades na efetiva

reparação da vítima.

b) O estado de necessidade, como causa excludente da ilicitude, embora

afaste a natureza de ato ilícito, mantém o dever de reparar do agente

causador do dano, caso a pessoa lesada não for culpada pelo perigo, o

que demonstra claramente uma preocupação maior com a vítima,

impondo um dever de reparar mesmo em caso de ato lícito.

Page 28: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 27

c) O Código de Processo Penal, após a reforma perpetrada pela Lei n.º

11.719/2008, passou a permitir ao juízo criminal fixar, na sentença

condenatória, o valor mínimo para a reparação dos danos causados pela

infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Tal inovação

da legislação processual penal demonstra a tendência da legislação

brasileira em se preocupar com a reparação dos danos sofridos pela

vítima.

d) A Lei n.º 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e

Criminais, estabelece a fase da composição dos danos civis no âmbito do

Juizado Criminal, inclusive prevendo como critério orientador da atuação

junto àquele órgão a reparação dos danos sofridos pela vítima, o que

pode ser considerado um instrumento facilitador de reparação das

vítimas pelos danos injustamente sofridos.

Questão 5

O Direito de Danos se representa no desvio da atenção da Responsabilidade

Civil da conduta do ofensor para a reparação da vítima. O Código de Defesa do

Consumidor, embora de 1990, já demonstra claramente a preocupação do

legislador brasileiro com a vítima de danos. Representa a concretização das

afirmações anteriores, exceto:

a) O disposto no Artigo 6º, inciso VI do CDC, o qual coloca como direito

básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação dos danos

patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

b) O disposto no Artigo 6º, inciso VIII do CDC, o qual determina a inversão

do ônus da prova, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou

quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de

experiências.

c) O disposto no parágrafo único do Artigo 7º do CDC, que dispõe que a

ofensa, havendo mais de um autor, todos responderão solidariamente

pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

d) A previsão do Artigo 17 do CDC que equipara a consumidor todas as

vítimas do evento danoso.

Page 29: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 28

e) A responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais, prevista no § 4º

do Artigo 14 do CDC.

Questão 6

Podem ser considerados exemplos da socialização dos danos, exceto:

a) As hipóteses de responsabilidade civil solidária previstas no Código de

Defesa do Consumidor.

b) A flexibilização do nexo da causalidade para a fixação do dever de

ressarcimento, em especial quando não é possível se identificar o

causador específico, atribuindo responsabilidade solidária ou proporcional

à sua participação no evento danoso.

c) A criação dos chamados seguros obrigatórios, como, por exemplo, o

DPVAT no Direito Brasileiro.

d) A busca incessante da comprovação da culpa para a atribuição da

responsabilidade civil ao agente causador direto do dano.

Questão 7

Assinale V ou F:

( ) O uso de cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados, como

dignidade da pessoa humana, equidade, justiça distributiva, entre

outros, pode ser instrumento de concretização dos ideais do Direito de

Danos representado na atuação da jurisprudência.

( ) Na França, existe um fundo público destinado à indenização das

vítimas de acidentes médicos, independentemente da comprovação da

culpa (LEVY, 2012, p. 196). Fundos como este acabam por impedir o

ressarcimento da vítima.

( ) O STJ, em acórdão proferido no REsp n.º 64.682/RJ, analisando a

responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pela vítima

decorrente da arremessa de objetos da janela de edifícios, atribuiu o

dever de reparar ao condomínio, haja vista a impossibilidade de

identificação de qual apartamento foi arremessado o objetivo, o que

não poderia acarretar em mais ônus à vitima. Da análise do acórdão,

Page 30: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 29

proferido em 10 de novembro de 1998, constata-se que exemplifica a

tendência de socialização dos danos em atenção à proteção da vítima.

( ) Exemplo do uso dos fundos públicos criados no Direito Brasileiro para

ampliar os instrumentos de ressarcimento de vítimas, são os fundos

estaduais ou municipais de proteção ao consumidor previstos no Artigo

57 do Código de Defesa do Consumidor.

Questão 8

Assinale a alternativa incorreta:

a) Os fundos públicos e privados são constituições de receitas, recursos

monetários, que são afetados a uma finalidade específica (ex.:

ressarcimento de vítimas por danos sofridos em razão dos riscos de uma

determinada atividade), sem necessária atribuição de personalidade

jurídica.

b) A socialização dos danos é uma tendência da responsabilidade civil atual,

quando o seu objetivo primordial – ressarcimento da vítima – será

alcançado por outras vias, que não somente as ações indenizatórias

individuais, como, por exemplo, pelo uso dos seguros de

responsabilidade civil.

c) Alguns autores defendem que a socialização dos danos acarretaria na

negação da própria função da responsabilidade civil, a qual teria nítido

caráter individualista, visando à responsabilização do agente causador do

dano.

d) O novo Direito de Danos defende a manutenção das ações indenizatórias

individuais, pois o objetivo da responsabilidade civil é responsabilizar o

indivíduo que praticou um ato ilícito e gerou danos a outrem.

Questão 9

Assinale a alternativa incorreta:

a) Os fundos públicos são importantes instrumentos para assegurar a

efetiva indenização das vítimas de danos, principalmente em situações

Page 31: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 30

em que não é possível se identificar com certeza o agente causador do

dano.

b) O uso dos seguros de responsabilidade civil tem reflexo tanto na

proteção da vítima, pois assegura a esta uma efetiva reparação, como

em relação ao ofensor, pois garante uma maior previsibilidade dos custos

dos acidentes, evitando assim consequências econômicas que afetariam

não somente diretamente o agente, como também toda a economia e a

sociedade.

c) No direito brasileiro, já existem espécies de seguro obrigatório, além do

conhecido DPVAT, podemos citar o seguro obrigatório de

responsabilidade civil dos proprietários de veículos automotores

hidroviários, o seguro obrigatório de responsabilidade civil do construtor

de imóveis em zonas urbanas a pessoas ou coisas e o seguro obrigatório

de edifícios divididos em unidades autônomas.

d) A criação de fundos públicos ou privados, bem como a instituição de

seguros obrigatórios contraria os nossos princípios constitucionais, pois

impõe o dever de reparar a pessoas que não deram causa ao dano.

Questão 10

O Artigo 7º da Lei n.º 8.441/92 estabelece que “a indenização por pessoa

vitimada por veículo não identificado, com seguradora não identificada, seguro

não realizado ou vencido, será paga nos mesmos valores, condições e prazos

dos demais casos por um consórcio constituído, obrigatoriamente, por todas as

sociedades seguradoras que operem no seguro objeto desta lei”. Nesse caso,

temos um exemplo de:

a) Responsabilidade civil subjetiva.

b) Responsabilidade civil subjetiva por presunção de culpa.

c) Socialização dos danos.

d) Da preocupação da responsabilidade civil com a comprovação da culpa

do agente ofensor.

Page 32: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 31

Culpa in eligiendo: O agente não toma as cautelas necessárias para a escolta

de uma coisa e de pessoa para exercer uma atividade.

Culpa in vigilando: Decorre da falta de atenção ou cuidado com o

procedimento de outrem que estava sob a guarda ou responsabilidade do

agente.

Culpa in custodiendo: Que advém da falta de cautela ou atenção em relação

a uma pessoa, animal ou objeto, sob os cuidados do agente.

Lex Aquilia de Damno: O princípio pelo qual se pune a culpa por danos

injustamente provocados, independentemente da relação obrigacional

preexistente.

Status quo ante: É uma expressão em latim que significa, literalmente, "o

estado em que as coisas estavam antes da guerra".

Código de Hamurabi: Compilação de 282 leis da antiga Babilônia (atual

Iraque), composto por volta de 1772 a.C.. Hamurabi era o rei da época.

Justiça distributiva: Relaciona-se à maneira como as pessoas avaliam as

distribuições de bens positivos (renda, liberdade, cargos políticos) ou negativos

(punições, sanções, penalidades) na sociedade.

Lei de Talião: Consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena —

apropriadamente chamada retaliação. Essa lei é expressa pela máxima olho por

olho, dente por dente.

Lei n.º 6.194/74: Dispõe sobre Seguro Obrigatório de Danos Pessoais

causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a

pessoas transportadas ou não.

Manu: Legislação indiana que estabelece o sistema de castas na sociedade

Hindu. Escrito entre os séculos II a.C. e II d.C.

Page 33: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 32

Princípio da solidariedade social: Refere-se à importância da função social

da propriedade e dos negócios jurídicos, conciliando as necessidades da

coletividade e dos interesses particulares.

Reparação/compensação da vítima: São demandas indenizatórias em que

é necessária comprovação da conduta – lícita ou ilícita – o dano e o nexo da

causalidade.

Teorias do Risco: Se alguém exerce uma atividade criadora de perigos

especiais, deve responder pelos danos que ocasionar a outrem.

Aula 1

Exercícios de fixação

Questão 1 - V, V, F, F

Justificativa: a) Gabarito: V

Percebe-se pelos estudos empreendidos nesta aula, bem como a partir da

leitura dos textos indicados, que o processo de Constitucionalização do Direito

Civil tem reflexos evidentes na disciplina da Responsabilidade Civil, com a

centralização dos instrumentos jurídicos na proteção da pessoa humana, em

consonância com o fundamento da República Federativa do Brasil: a dignidade

da pessoa humana.

b) Gabarito: V

Muito se discute na atualidade sobre as consequências do uso dos alimentos

transgênicos, bem como de outros adventos da Revolução Tecnológica (os

problemas possíveis decorrentes do uso do celular, etc.). Ainda não se sabe e

nem mesmo se tem certeza da segurança da utilização desses alimentos,

restando evidente a sua ligação com o que a doutrina tem chamado de

sociedades de risco. Como ensina Maria Celina Bodin de Moraes, as sociedades

de riscos não se vinculam diretamente somente às crescentes hipóteses de

risco, mas, em especial, às sociedades que, diante dessa nova realidade

Page 34: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 33

decorrente dos avanços tecnológicos, passam a se preocupar com o seu futuro,

com a sobrevivência das gerações futuras (2006, p. 237).

c) Gabarito: F

A categoria dos Direitos da Personalidade decorre de uma mudança de

paradigmas no âmbito do sistema jurídico brasileiro, decorrendo, em especial,

do reestabelecimento do ser humano como o centro do ordenamento jurídico,

haja vista que os direitos da personalidade são aqueles inerentes à pessoa

humana, sobre os quais todos os demais direitos se apoiam. Portanto, resta

evidente a correlação das novas tendências da Responsabilidade Civil (do

atualmente chamado Direito de Danos), com o fortalecimento da categoria dos

direitos da personalidade. Exemplo evidente dessa ligação é a consolidação do

dano moral como instrumento de proteção dos direitos da personalidade.

d) Gabarito: F

O dano moral reflexo ou em ricochete consiste no dano que atinge pessoa

indireta, gerando prejuízo a uma vítima indireta ligada à vítima direta do ato

ilícito.

A jurisprudência está se assentando no reconhecimento do dano moral

reflexo:RECURSOS ESPECIAIS - RESPONSABILIDADE CIVIL - ALUNA BALEADA

EM CAMPUS DE UNIVERSIDADE - DANOS MORAIS, MATERIAIS E ESTÉTICOS -

ALEGAÇÃO DE DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, CONSISTENTE EM

GARANTIA DE SEGURANÇA NO CAMPUS RECONHECIDO COM FATOS

FIRMADOS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM - FIXAÇÃO - DANOS MORAIS EM R$

400.000,00 E ESTÉTICOS EM R$ 200.000,00 - RAZOABILIDADE, NO CASO -

PENSIONAMENTO MENSAL - ATIVIDADE REMUNERADA NÃO COMPROVADA -

SALÁRIO MÍNIMO - SOBREVIVÊNCIA DA VÍTIMA - PAGAMENTO EM PARCELA

ÚNICA - INVIABILIDADE - DESPESAS MÉDICAS - DANOS MATERIAIS -

NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO - JUROS MORATÓRIOS -

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL - TERMO INICIAL - CITAÇÃO - DANOS

MORAIS INDIRETOS OU REFLEXOS - PAIS E IRMÃOS DA VÍTIMA -

Page 35: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 34

LEGITIMIDADE - CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL - TRATAMENTO PSICOLÓGICO -

APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ.

1 - Constitui defeito da prestação de serviço, gerando o dever de indenizar, a

falta de providências garantidoras de segurança à estudante no campus,

situado em região vizinha à população permeabilizada por delinquência, e tendo

havido informações do conflagração próxima, com circulação de panfleto por

marginais, fazendo antever violência na localidade, de modo que,

considerando-se as circunstâncias específicas relevantes, do caso, tem-se, na

hipótese, responsabilidade do fornecedor nos termos do artigo 14, § 1º do

Código de defesa do Consumidor.

2 - A Corte só interfere em fixação de valores a título de danos morais que

destoem da razoabilidade, o que não ocorre no presente caso, em que

estudante, baleada no interior das dependências de universidade, resultou

tetraplégica, com graves consequências também para seus familiares.

3 - A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a pensão mensal

deve ser fixada tomando-se por base a renda auferida pela vítima no momento

da ocorrência do ato ilícito. No caso, não restou comprovado o exercício de

atividade laborativa remunerada, razão pela qual a pensão deve ser fixada em

valor em reais equivalente a um salário mínimo e paga mensalmente.

4 - No caso de sobrevivência da vítima, não é razoável o pagamento de

pensionamento em parcela única, diante da possibilidade de enriquecimento

ilícito, caso o beneficiário faleça antes de completar sessenta e cinco anos de

idade.

5 - O ressarcimento de danos materiais decorrentes do custeio de tratamento

médico depende de comprovação do prejuízo suportado.

6 - Os juros de mora, em casos de responsabilidade contratual, são contados a

partir da citação, incidindo a correção monetária a partir da data do

arbitramento do quantum indenizatório, conforme pacífica jurisprudência deste

Tribunal.

7 - É devida, no caso, aos genitores e irmãos da vítima, indenização

por dano moral por ricochete ou préjudice d'affection, eis que, ligados

Page 36: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 35

à vítima por laços afetivos, próximos e comprovadamente atingidos

pela repercussão dos efeitos do evento danoso na esfera pessoal.

8 - Desnecessária a constituição de capital para a garantia de pagamento da

pensão, dada a determinação de oferecimento de caução e de inclusão em

folha de pagamento.

9 - Ultrapassar os fundamentos do Acórdão, afastando a condenação ao custeio

de tratamento psicológico, demandaria, necessariamente, o revolvimento do

acervo fático-probatório dos autos, incidindo, à espécie, o óbice da Súmula

7/STJ.

10 - Recurso Especial da ré provido em parte, tão somente para afastar a

constituição de capital, e Recurso Especial dos autores improvido.

(STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 876.448 - RJ (2006/0127470-2), Relator: Ministro

Sidnei Beneti, DJe: 21/09/2010)

Percebe-se que o dano moral reflexo ou em ricochete aumenta o campo da

indenização, pois admite os reflexos da conduta lesiva em terceiros que não

diretamente à vítima, visando dar efetividade à proteção do ser humano em

toda a sua extensão.

Questão 2 - D

Justificativa: Visivelmente as demais alternativas não visam concretamente

aumentar as hipóteses de indenização das vítimas, pelo contrário, inclusive vão

de encontro às previsões mais modernas dentro da disciplina da

Responsabilidade Civil. A letra “a” confunde a questão da instransmissibilidade

dos direitos da personalidade, os quais se extinguem com a morte, com a

transmissibilidade do direito à indenização pelos danos sofridos pela pessoa,

ainda em vida, em seu complexo de direitos da personalidade. Veja-se, a

ofensa a um direito de personalidade pode gerar um dano moral – violação da

imagem ou privacidade de uma pessoa, sendo que do ato ilícito surge

imediatamente a obrigação de reparar, a qual, como direito de crédito, é

perfeitamente transmissível. A letra “b” contraria as posições mais recentes

sobre a possibilidade de ressarcimento do dano moral reflexo, ou seja, aquele

sofrido por terceiro que não a pessoa que foi diretamente atingida pela conduta

Page 37: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 36

lesiva. A letra “c” está equivocada, porque exatamente a aceitação doutrinária

de um direito geral de personalidade pressupõe que o rol de direitos previstos

na legislação infraconstitucional é meramente exemplificativo, sendo que o

princípio da dignidade da pessoa humana, como cláusula geral, permitiria a

mais ampla e irrestrita indenização de quaisquer danos sofridos pela pessoa

humana. A letra “d” mostra a tendência doutrinária e jurisprudencial de não

enfaixar a classificação dos danos às categorias clássicas do dano moral e

material, permitindo uma ampla extensão da proteção da vítima.

Questão 3 - E

Justificativa: As hipóteses previstas nas outras alternativas demonstram a

criação de novos institutos jurídicos que permitam a mais ampla indenização da

vítima, através da exclusão da prova da culpa (seja por presunção de culpa ou

por responsabilidade objetiva), bem como flexibilização do nexo da causalidade,

não admitindo como excludente do dever de reparar quando presente a Teoria

do Risco Integral.

Questão 4 - A

Justificativa: A legislação brasileira, em especial, a Lei n.º 7.347/85 – Lei da

Ação Civil Pública – que cria mecanismos para o ressarcimento dos danos

causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico,

estético, histórico, turístico e paisagístico, nítidos interesses coletivos ou

difusos.

Questão 5 - E

Justificativa: Partindo do pressuposto de que o Direito de Danos visa ao

ressarcimento da vítima e, para tanto, afasta os obstáculos tradicionais da

Responsabilidade Civil como, responsabilidade subjetiva, ônus da prova em

relação ao nexo causal, responsabilização individualizada, resta evidente que o

§ 4º do Artigo 14, ao manter a responsabilidade subjetiva nas situações em que

estão presentes os profissionais liberais, não retrata a adoção dessa nova

sistemática.

Page 38: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 37

Questão 6 - D

Justificativa: As outras alternativas demonstram a intenção da legislação de

diluição dos danos entre os fornecedores e demais agentes econômicos, no

caso do CDC, entre os os possíveis causadores do dano, entre todos os agentes

que exercem determinada atividade de risco, como no caso do DPVAT. A

segunda alternativa prevê a flexibilização do nexo da causalidade, sendo esta

teoria conhecida como “teoria da causalidade alternativa” permitindo o

reconhecimento de solidariedade entre os diversos agentes que tenham

contribuído de alguma forma para o evento danoso. Já na quarta alternativa,

constata-se que o objetivo é a responsabilização individual.

Questão 7 - V, F, V, V

Justificativa: a) Gabarito: V

O uso de cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados possibilita a

incidência de princípios e valores constitucionais nas relações intersubjetivas,

permitindo ao aplicador do direito tentar alcançar os ideais de proteção da

pessoa humana e da socialização dos danos. Neste sentido, Maria Celina Bodin

de Moraes afirma que:

“o mecanismo da responsabilidade civil é composto, em sua maioria, por

cláusulas gerais e por conceitos vagos e indeterminados, carecendo de

preenchimento pelo juiz a partir do exame do caso concreto. Como a incidência

dos princípios e valores constitucionais se faz, em via mediata, justamente

desta maneira, através do preenchimento valorativo destes conceitos, vê-se

que a constitucionalização da responsabilidade civil pode se dar naturalmente.

Já a canônica finalidade de moralização da responsabilidade civil parece ter sido

substituída com vantagens pela concepção que vislumbra no instituto a

presença, e a consequente realização, de um dever geral de solidariedade,

também hoje previsto constitucionalmente (CF, Artigo 3º, I), que se encontra

na base do aforismo multissecular do neminem laedere, isto é, da obrigação de

comportar-se de modo a não lesar os interesses de outrem. Trata-se aqui de

tomar consciência de importante atualização de fundamento, fruto daquela

Page 39: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 38

historicidade, imprescindível à ciência jurídica, que se permite atribuir novo

conteúdo a conceitos radicados.”

b) Gabarito: F

Verificamos que, visando dar azo à ampla reparação/compensação das vítimas,

o Direito tem criado instrumentos extrajudiciais de diluição dos riscos, entre os

quais se enquadram os fundos públicos e privados de indenização, no qual são

aportadas dotações orçamentárias específicas ou há contribuições dos principais

agentes causadores de danos, permitindo, com isso, o efetivo ressarcimento do

dano, função primordial da Responsabilidade Civil, bem como evitando as

consequências maléficas da atribuição de responsabilidade, muitas vezes sem

exame da culpa ou até por atos lícitos, a um agente específico, o que poderia

levar à falência desses entes econômicos com efeitos para toda a sociedade.

c) Gabarito: V

Sim, o acórdão indicado é exemplo de socialização dos danos, em nítida prática

da noção de justiça distributiva, cuja diluição dos danos entre os condôminos

visa ao efetivo ressarcimento da vítima.

d) Gabarito: V

O Código de Defesa do Consumidor, no seu Artigo 57, prevê que as multas

auferidas em razão das infrações às suas normas podem reverter a um fundo

que vise à proteção dos consumidores.

Questão 8 - D

Justificativa: No contexto do atual Direito de Danos, percebe-se que o direito

está buscando soluções mais eficazes para o ressarcimento da vítima,

afastando os possíveis obstáculos existentes (comprovação da culpa e do nexo

da causalidade, ações indenizatórias individuais em situações em que há

dificuldade de identificar o agente causador do dano). Entre esses

instrumentos, estão os seguros de responsabilidade civil e os fundos públicos e

privados, sendo que estes visam constituir renda através de dotações

Page 40: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 39

orçamentárias ou contribuições obrigatórias por parte dos agentes que exercem

atividade de risco, com o fim último de servir para a reparação/compensação

da vítima.

Questão 9 - D

Justificativa: As outras assertivas descrevem os novos instrumentos

extrajudiciais de indenização da vítima demonstrando a nova roupagem da

Responsabilidade Civil voltada ao Direito de Danos. A quarta afirmativa é

incorreta, pois ao se referir aos princípios constitucionais contraria-os, haja vista

que diante do princípio da solidariedade social e da dignidade da pessoa

humana, os fundos públicos ou privados, bem como os seguros obrigatórios são

instrumentos de concretização desses valores constitucionais.

Questão 10 - C

Justificativa: Esse é um nítido exemplo da aplicação do dever geral de

solidariedade previsto no Artigo 3º, inciso I da Constituição Federal, pois visa à

indenização de uma vítima desprotegida, com a criação de um consórcio

constituído, obrigatoriamente, por todas as sociedades seguradoras que

operem no seguro DPVAT, ampliando assim as hipóteses de ressarcimento.

Page 41: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 40

Introdução

Nesta aula vamos analisar a aplicabilidade da função punitivo-pedagógica da

Responsabilidade Civil, a qual é defendida por parte da doutrina nacional, em

comparação com a punitive damages do sistema anglo-saxão. A partir do

exame da punitive damages, dos critérios para a sua aplicação nos EUA e na

Inglaterra, demonstrar-se-á as posições doutrinárias favoráveis e contrárias à

sua adoção pelo Direito brasileiro, demonstrando as diferenças entre os

sistemas anglo-saxão e germânico-romano.

Em seguida, vamos analisar a jurisprudência sobre o tema, quando você

constatará que essa função punitiva tem sido usada como critérios para

quantificação do dano moral, na busca de se estabelecer uma pena privada ao

agente causador do dano, bem como servir de desestímulo para evitar a

repetição de atos danosos tanto para o próprio agente, como para toda a

sociedade, servindo como instrumento de novos danos.

Bons estudos!

Objetivo:

1. Examinar a função punitivo-pedagógica da responsabilidade civil, explorando

a categoria do punitive damages do direito norte-americano e inglês;

2. Demonstrar que no Direito brasileiro a função punitivo-pedagógica está

sendo aplicada, de forma subsidiária, como critério para a fixação do quantum

indenizatório do dano moral, apontando as posições doutrinárias e

jurisprudenciais favoráveis e contrárias a essa aplicação.

Page 42: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 41

Conteúdo

Contextualização

Vamos relembrar a aula anterior?

Vingança

Na sua origem, como vimos na primeira aula, a Responsabilidade civil fundava-

se na ideia de vingança, seja coletiva, seja individual, mas sempre como uma

punição para o agente causador do dano, como, por exemplo, ocorria na Lei de

Talião: “olho por olho, dente por dente”.

Vítima

Constatamos, também, que essa tendência punitiva foi dando passagem para a

fase da composição dos danos, centrando na questão patrimonial. Percebemos

que na atualidade cada vez mais a nossa disciplina está se voltando ao

ressarcimento da vítima, com a criação de instrumentos auxiliares para o

alcance desse objetivo principal.

Punição

Todavia, ao lado desta tendência marcante da responsabilidade civil, alguns

autores defendem o fortalecimento da função punitivo-pedagógica desse

ramo do Direito, o que gera críticas por, aparentemente, dar nova valorização

do elemento subjetivo – culpabilidade.

Retorno da culpa?

O que esses autores realmente pensam? Percebe-se, porém, que o objetivo dos

defensores da função punitiva da responsabilidade civil não é meramente o

retorno da culpa como elemento preponderante da nossa disciplina,

dificultando-se o alcance da função reparatória. O alvo desses estudiosos é o

engenho de um Direito de Condutas Lesivas (LEVY, 2012) ao lado daquele

que estudamos, o Direito de Danos, precipitando-se a efetivar ambas as

funções, sem que uma seja obstáculo para a outra.

Page 43: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 42

Vamos entender melhor? Acompanhe a seguir.

Análise da retomada da culpa

Ao falar de um Direito de Condutas Lesivas estamos dando abertura à

retomada da culpa no exame da responsabilidade civil, pois não há como se

separar a ideia de punição da concepção de culpa. Contudo, a questão que

se coloca em análise é:

A retomada da culpa não passaria a ser um obstáculo ao

ressarcimento da vítima?

Pela análise da obra de Daniel de Andrade LEVY (2012, p. 91) é possível

responder negativamente a essa pergunta, pois defende a possibilidade de

cisão, de bifurcação da Responsabilidade Civil, “por meio de duas diferentes

frontes, uma concentrada na vítima, e outra, no ofensor”, demonstrando que

cada uma destas funções não pode ser concentrada em um dos campos de

divisão do direito (Direito Público e Direito Privado), como já o foi, quando a

função penalizadora seria exercida pelo Direito Público (no âmbito do Direito

Penal e Administrativo), visando o interesse da coletividade, enquanto a função

reparatória seria efetiva pelo Direito Privado, através da Responsabilidade Civil,

visando o interesse do particular, do indivíduo singular, na proteção do seu

patrimônio.

Veja mais detalhes sobre a análise do Daniel de Andrade Levy.

Antes

Responsabilidade civil = Responsabilidade penal

O autor faz uma análise da culpa como elemento integrante da concepção de

punição, bem como uma avaliação histórica da ligação entre a ideia de

punição e a de indenização, lembrando que nas civilizações antigas não

havia uma nítida distinção entre o papel punitivo e o reparatório das penas

aplicadas. Salienta que essa linha tênue entre ambas as funções demonstrava

Page 44: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 43

que no início não havia uma separação cabal entre a concepção de

responsabilidade civil e penal, uma visando o interesse privado e outra o

interesse público.

Depois

procedimento civil = procedimento penal

Essa realidade se alterou quando, na época pós-clássica do Direito Romano,

passa a existir uma crescente intervenção estatal, surgindo uma divisão entre

procedimento civil e procedimento penal, aquele visando à reparação do dano e

este visando à punição do ofensor (LEVY, 2012, p. 37-43).

A seguir acompanhe a visão do Direito brasileiro com relação a este

assunto.

Visão do Direito brasileiro

No Direito brasileiro, no qual as regras relacionadas à reparação civil estavam

ínsitas na legislação penal (Código Criminal de 1830 e Código Penal de 1890),

aos poucos se concretizou a independência das esferas civil e penal (decorrente

da summa divisio entre o Direito Público e Direito Privado, influenciado pelo

Código Civil Francês).

Todavia, a culpa se mantém como elemento preponderante na responsabilidade

civil quando do advento do Código Civil de 1916, perdendo aos poucos seu

papel de destaque com o surgimento das hipóteses de responsabilidade

objetiva, a qual tinha como fim afastar os obstáculos existentes para a

reparação da vítima, em especial, a prova da culpa.

Na atualidade, há uma crescente defesa da responsabilidade civil

punitiva, seja em razão:

Page 45: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 44

da influência do sistema da commow law, com a figura do punitive

damages, ou da carência de medidas de punição e prevenção adequadas

em nossa sociedade, quando então começa a se defender a utilização da

função punitiva da responsabilidade civil, como instrumento auxiliar de

penalização do agente, considerando que os demais ramos do Direito Público

(Direito Penal e Administrativo) são ineficientes para tal desiderato (LEVY,

2012, p. 33-36).

Definição da função punitiva da responsabilidade civil

punir o agente causador do dano

prestar papel preventivo

Maria Amélia Lisbão Senra (2009, p. 7) afirma que “apesar da pena privada se

mostrar um instrumento útil e autônomo, é um instrumento que não afasta a

tipicidade do direito penal e tampouco o ressarcimento típico do direito civil, eis

que se trata de instituto de colaboração, pois auxilia no alcance da justiça,

finalidade própria do ordenamento jurídico”.

O que pensa Maria Amélia Lisbão Senra sobre este assunto?

A responsabilidade civil punitiva prega a punição através de uma pena privada

ou sanção civil, de conteúdo pecuniário, a qual vai além do quantum necessário

à reparação do dano, servindo ao propósito de punir o agente causador do

dano, bem como se presta ao papel preventivo, como função desestimuladora

da prática de condutas semelhantes.

Função punitiva do punitive damages norte-americana e inglesa

Como podemos identificar o fortalecimento da função punitivo-pedagógica da

responsabilidade civil?

O fortalecimento da função punitivo-pedagógica da responsabilidade civil pode

ser encontrada de forma explícita nos sistemas da commow law, em

Page 46: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 45

ordenamentos dos EUA e da Inglaterra, com a figura do punitive damages,

os quais, desde o século XVIII, tem desenvolvido naturalmente este instituto

punitivo dentro do campo do Direito Privado (LEVY, 2012, p. 48).

Daniel Andrade Levy

Imprescindível se faz advertir que a função punitiva do punitive damages

decorre essencialmente do desrespeito intencional aos direitos de outrem,

sendo uma forma de reprimir condutas deliberadamente desrespeitosas (LEVY,

2012, p. 49).

Maria Amélia Lisbão Senra

Maria Amélia Lisbão SENRA (2009, p. 15-16) afirma que o punitive damages

“definem-se como os danos concedidos, sem prejuízos dos danos

compensatórios, quando se verifica que o réu agiu com culpa grave

(recklessness), malícia ou dissimulação (deceit)”, tendo como função “punir e

deter condutas reprováveis”.

Agora acompanhe as considerações dos autores com relação ao punitive

damages do Direito inglês e do Direito americano.

No Direito inglês a figura do punitive damages restringia-se a hipóteses

específicas:

• quando o dano decorria da conduta arbitrária ou opressiva de

funcionários públicos;

• quando a conduta lesiva foi destinada a produzir lucro ao ofensor, cuja

reparação do dano é nitidamente inferior ao lucro;

• quando houve previsão legal expressa.

No Direito norte-americano a disciplina alcança uma expansão evidente, não

havendo limitações tão rígidas, sendo fruto do poder discricionário do juiz no

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 46

caso concreto, o que tem resultado em indenizações milionárias que são

habituais nas Cortes Americanas.

Como exemplo é possível citar o caso da Philip Morris, quando a companhia foi

condenada a danos compensatórios de US$ 821.000,00 pela morte culposa de

um fumante e a US$ 79,5 milhões em punitive damages (LEVY, 2012, p. 50-62

e SENRA, 2009, p. 17).

Atenção

Cumpre advertir que a punitive damages não é um direito

subjetivo da parte, mas decorre da discricionariedade do

magistrado, examinando cada caso concreto e a conduta do

agente causador do dano (através do elemento subjetivo).

Outrossim, observa-se que esta condenação punitiva somente

são aplicáveis em situações de responsabilidade civil

extracontratual, ou seja, não podem ser impostas por violação

de um contrato. “A mera negligência, na ausência das

circunstâncias agravantes, não é razão suficiente para a

condenação de punitive damages, porém a Gross negligence

(negligência grave), em alguns estados, os enseja” (MARTINS-

COSTA; PARGENDLER, 2005, p. 19).

Analisando os exemplos da aplicação dos punitive damages no direito norte

americano, percebe-se que em situações que a conduta do agente causador do

dano era extremamente reprovável. Constata-se, portanto, que a

responsabilidade civil volta-se, novamente, à sua função moralizadora da

conduta humana.

Judith Martins-Costa e Mariana Souza Pargendler citam alguns casos para

demonstrar em que circunstâncias são aplicáveis essas penas. Um dos casos

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 47

citados foi o da Ford Corporation v. Grimshaw, o qual evidencia claramente que

o objetivo punitivo está atrelado à conduta reprovável do agente.

Neste caso a Ford foi condenada a pagar os punitive damages após um

acidente de trânsito em que o automóvel explodiu causando a morte de três

passageiros, sendo que se constatou que a explosão decorreu do fato de que o

tanque havia sido colocado na parte traseira do veículo para se obter uma

economia de 15 dólares por veículo fabricado, demonstrando que houve uma

análise de custo e benefícios financeiros para a tomada da decisão (2005, p.

19).

Função punitiva do punitive damages brasileira

Ao se examinar o Direito brasileiro percebe-se que não há expressamente

prevista na nossa legislação civil uma regra que permita a condenação do

agente causador do dano em soma que não se destine exclusivamente à

reparação/compensação do dano sofrido pela vítima, até mesmo em razão do

princípio da reparação integral (princípio do restitutio in integrum), o qual

vincula o valor da indenização à extensão do dano (Artigo 944 do Código Civil

Brasileiro).

Todavia, já há posicionamentos contrários à interpretação do Artigo 944 do

Código Civil Brasileiro como restritiva à condenação em responsabilidade civil

punitiva, como se observa pelo Enunciado nº 379 da IV Jornada de Direito Civil

do Conselho da Justiça Federal, o qual estabelece que “o Artigo 944, caput, do

Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou

pedagógica da responsabilidade civil”.

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 48

Atenção

É imprescindível mencionar a existência do Projeto de Lei nº

276/2007, de iniciativa do Deputado Federal Léo Alcântara, que

visa acrescentar ao Artigo 944 do Código Civil um novo

parágrafo que abarcaria a Teoria do Valor Desestímulo: “Artigo

944 (...) § 2º A reparação do dano moral deve constituir-se em

compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante”.

A doutrina sugere como previsão expressa de caráter punitivo no Direito

brasileiro o disposto no parágrafo único do Artigo 42 do Código de Defesa do

Consumidor:

Artigo 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto

a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à

repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso,

acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano

justificável.

Atenção

Alguns doutrinadores afirmam que esse dispositivo representa a

função punitiva da conduta negligente do fornecedor.

Outra interpretação dispensada é que esta condenação em

dobro representaria, na verdade, uma parcela de danos morais,

“por conta da violação dos direitos da personalidade inerente à

extrapolação dos limites impostos pela boa-fé na conduta do

infrator” (MELO, 2013, p. 33-34).

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 49

Aplicação da função punitivo-pedagógica da responsabilidade

civil no Brasil

Como é aplicada a função punitivo-pedagógica no Brasil?

No Direito brasileiro a função punitivo-pedagógica da responsabilidade civil tem

sido aplicada nos casos de compensação por danos morais, como um dos

critérios para aferição do quantum devido a título de ressarcimento dos danos

sofridos.

Por isso tem sido chamada de Teoria do Valor Desestímulo, pois se

restringe às hipóteses de ressarcimento por danos morais, quando a punitive

damages também é aplicável quando não estão presentes essas espécies de

danos.

Como é aplicada a função punitivo-pedagógica no Brasil? A

jurisprudência tem elencado, dentre os pressupostos utilizados para a fixação

do valor do dano moral o grau de culpa do agente causador do dano, a

gravidade do dano, visando realizar uma ponderação do valor levando em

consideração a função punitiva e preventiva, como um fator de desestímulo

para a prática de novos atos pelo próprio ofensor como por toda a sociedade.

Há várias posições doutrinárias em relação ao tema e serão abordadas aqui

sem qualquer intuito de adotar uma das posições ou esgotar o assunto, apenas

objetivando dar início a pesquisa acadêmica e instigá-lo no estudo do tema.

Judith Martins-Costa e Mariana Souza Pargendler afirmam que no nosso

ordenamento jurídico a regra é que a pena somente pode ser aplicada na

esfera do Direito Penal, desde que efetivamente tipificada, em respeito ao

princípio nulla poena sine lege.

Aduzem, ainda, que a punitive damages são usadas no direito anglo-saxão

somente em casos em que é possível a comprovação de elementos subjetivos

Page 51: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 50

(culpa grave, dolo, malícia, fraude etc.). Contudo, advertem que, no Direito

Brasileiro, estas penas privadas estão sendo usadas de forma abusiva, inclusive

nas hipóteses de responsabilidade objetiva, onde o elemento subjetivo é

irrelevante (como nas demandas consumeristas), podendo acarretar em

“fenômenos indesejáveis de hiper-prevenção e supercompensação, não tendo

nenhuma eficácia no plano ético-pedagógico se estendida à responsabilidade

objetiva (2005, p. 23-24).

E finalizam:

É preciso, pois, distinguir: uma coisa é arbitrar-se a

indenização pelo dano moral que, fundada em critérios de

ponderação axiológica, tenha caráter compensatória à

vitima, levando-se em consideração – para a fixação do

montante – a concreta posição da vítima, a espécie de

prejuízo causado e, inclusive, a conveniência de dissuadir

o ofensor, em certos casos, podendo mesmo ser uma

indenização "alta" (desde que guarde proporcionalidade

axiologicamente estimada ao dano causado); outra coisa é

adotar-se a doutrina dos punitive damages que, passando

ao largo da noção de compensação, significa efetivamente

– e exclusivamente – a imposição de uma pena, com

base na conduta altamente reprovável (dolosa ou

gravemente culposa) do ofensor, como é próprio do

direito punitivo.

Também crítico da aplicação da função punitivo-pedagógica no Direito

brasileiro, Anderson Schreiber afirma que a possibilidade de fixação de uma

pena privada não tem amparo legal. Ademais, salienta que a sua aplicação

jurisprudencial no âmbito do dano moral, como critério para estabelecimento do

quantum indenizatório, permite uma condenação em quantia superior ao dano

moral efetivamente sofrido, em clara ofensa ao disposto no art. 944 do Código

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 51

Civil, o qual estabelece o princípio do restitutio in integrum, cuja indenização se

mede pela extensão do dano (2012, p. 210).

Ademais, ressalta que a doutrina tem se distanciado da figura do punitive

damages da tradição anglo-saxã, pois neste sistema se distingue claramente o

compensatory damages, o qual tem a finalidade de compensar os danos

sofridos, do punitive damages, que tem o objetivo de punir o ofensor que agiu

com negligência grave, com dolo ou ainda em fraude, enquanto que no Brasil a

aplicação está sendo realizada como critério para fixação do valor do dano

moral, ou seja, com a finalidade compensatória (SCHREIBER, 2012, p. 210-

211).

Adverte, ainda, que a aplicação desta teoria contraria o princípio de proibição

ao enriquecimento sem causa, bem como fere frontalmente a dicotomia entre

ilícito civil e ilícito penal (SCHREIBER, 2012, p. 211), inclusive podendo

caracterizar hipótese de bis in idem (responsabilização na esfera civil e penal),

proibida pelo nosso ordenamento jurídico.

Entre a doutrina defensora da função punitiva da responsabilidade civil, André

Gustavo Corrêa de Andrade discorre (2003, p. 43):

A indenização punitiva surge como instrumento jurídico

construído a partir do princípio da dignidade da pessoa

humana, com a finalidade de proteger essa dignidade em

suas variadas representações. A ideia de conferir o caráter

de pena à indenização do dano moral pode ser justificada

pela necessidade de proteção da dignidade da pessoa e

dos direitos de personalidade, pelo menos em situações

especiais, nas quais não haja outro instrumento que

atenda adequadamente a essa finalidade. Além disso,

responderia a um imperativo ético que deve permear todo

o ordenamento jurídico.

Page 53: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 52

O autor defende que a indenização punitiva atende a dois objetivos principais

que a distinguem da indenização compensatória: a dissuasão (ou prevenção) e

a retribuição (punição). Ademais, adverte que a sua aplicabilidade deve se

restringir “aos casos de dano moral nos quais o comportamento do lesante se

revele particularmente reprovável. Assim, a princípio, deve ela ser imposta

apenas quando comprovada a existência de dolo ou culpa grave do agente”. E

entende, também, que a fixação do valor deve ser feita de forma separada em

relação ao valor da indenização compensatória (ANDRADE, 2003, p. 265-266).

Ao lado dos defensores da Responsabilidade Civil Punitiva, a qual o autor

chama de Direito das Condutas Lesivas, Daniel de Andrade Levy, após extensa

análise do papel da indenização vs. punição na construção da teoria da

responsabilidade civil, conclui pela sua aplicabilidade no Direito brasileiro em

determinadas circunstâncias. Defende que a função punitiva, a ser exercida a

partir da análise das condutas do agente causador do dano, seria um

instrumento de prevenção e precaução dos danos em nossa sociedade de risco

(LEVY, 2012, 103-167).

Entre as hipóteses em que seria cabível a condenação do agente causador do

dano a uma pena privada, o autor cita: a) as situações de microlesões que

representam comportamentos cujo grau de ilicitude é muito brando numa

análise individual, porém se agiganta numa perspectiva coletiva (ex.: serviços

prestados pelas telefonias); os ilícitos lucrativos, quando se percebe que a

prática do ato ilícito gera para o responsável vantagem econômica que é

superior aos eventuais prejuízos de uma condenação (ex.: a divulgação de

imagens de uma comunidade naturista sem autorização por um canal de

televisão, cujas vantagens dos altos índices de audiência compensam às

condenações por danos morais – REsp nº 838.550/RS); os danos coletivos de

excepcional gravidade (ex.: danos ambientais, danos à saúde decorrentes dos

avanços da tecnologia) e os ilícitos cometidos com dolo ou culpa grave (LEVY,

2012, p. 103-118).

Page 54: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 53

Seguindo posição semelhante em relação ao objetivo preventivo das penas

privadas, Fernando de Noronha (2003, p. 439) leciona a possibilidade de

aplicação dessas punições no âmbito, inclusive, da responsabilidade objetiva:

Quando se fala na função sancionatória da

responsabilidade civil, pretende-se realçar que ela,

impondo sempre um sacrifício, maior ou menor, ao

lesante, acaba também punindo este. Todavia, em rigor,

na responsabilidade civil uma finalidade punitiva não é

facilmente justificável. Quando a responsabilidade civil

tem por fundamento uma conduta dolosa ou culposa

(responsabilidade subjetiva), ainda se pode compreender

que se fale na possibilidade de, através dela, se punir o

responsável; todavia, quando se entra no domínio da

responsabilidade objetiva, por definição independente de

culpa, somente será possível falar de uma função

sancionatória nos casos em que for possível incentivar as

pessoas à adotar medidas de segurança preventivas, para

evitar a ocorrência de danos.

Ainda de extrema relevância se citar a posição de Antonio Junqueira de

Azevedo (2009, p. 382), o qual defende a existência de uma nova categoria de

danos, ao lado do dano material e moral, os danos sociais, os quais refletiriam

“lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu

patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por

diminuição de sua qualidade de vida.” Para o autor os danos sociais permitiriam

uma indenização punitiva por dolo ou culpa grave, em especial se os atos

lesivos reduzem as condições coletivas de segurança, bem como permitiriam

uma indenização dissuasória, quando os atos lesivos acarretam numa

diminuição do índice de qualidade de vida da população.

Page 55: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 54

Atenção

Antonio Junqueira de Azevedo afirma que o uso da função

punitiva se distingue da função preventiva, a qual o autor chama

de função didática. Aduz o autor que a pena se refere a um

fato passado, enquanto o desestímulo visa afastar um

comportamento futuro, por isso estaríamos na presença de duas

vertentes: punição versus prevenção (2009, p. 380).

Contudo, a adoção desta função punitiva ainda é controvertida

tanto na doutrina, como na jurisprudência nacional, conforme

veremos na sequência.

Aplicabilidade prática da função punitivo-pedagógica conforme a

jurisprudência

Após abordar as posições doutrinárias, imprescindível se faz analisar a

jurisprudência sobre o assunto, demonstrando a sua aplicabilidade prática no

Direito brasileiro.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou contrário à adoção dos punitive

damages afirmando que a sua aplicação irrestrita “encontra óbice regulador no

ordenamento jurídico pátrio que, anteriormente à entrada do Código Civil de

2002, vedava o enriquecimento sem causa como princípio informador do direito

e após a novel codificação civilista, passou a prescrevê-la expressamente, mais

especificamente, no Artigo 884 do Código Civil de 2002” (AgRg no AI nº

850.273/BA; REsp nº 401.358/PB e AgRg no REsp nº 704.224/MG).

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, no AI nº 455846/RJ reconheceu

essa função punitiva.

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO. ELEMENTOS

ESTRUTURAIS. (...) DANO MORAL. RESSARCIBILIDADE. DUPLA FUNÇÃO DA

INDENIZAÇÃO CIVIL POR DANO MORAL (REPARAÇÃO-SANÇÃO): (A) CARÁTER

Page 56: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 55

PUNITIVO OU INIBITÓRIO (“EXEMPLARY OR PUNITIVE DAMAGES”) E (B)

NATUREZA COMPENSATÓRIA OU REPARATÓRIA. (...) Impende assinalar, de

outro lado, que a fixação do quantum pertinente à condenação civil imposta ao

Poder Público – presentes os pressupostos de fato soberanamente reconhecidos

pelo Tribunal a quo – observou, no caso ora em análise, a orientação que a

jurisprudência dos Tribunais tem consagrado no exame do tema, notadamente

no ponto em que o magistério jurisprudencial, pondo em destaque a dupla

função inerente à indenização civil por danos morais, enfatiza, quanto a tal

aspecto, a necessária correlação entre o caráter punitivo da obrigação de

indenizar (“punitive damages”), de um lado, e a natureza compensatória

referente ao dever de proceder à reparação patrimonial de outro. Definitiva,

sob tal aspecto, a lição – sempre autorizada – de Caio Mário da Silva Pereira

(“Responsabilidade Civil”, p. 55 e 60, itens ns. 45 e 49, 8ª ed., 1996, Forense),

cujo magistério, a propósito da questão ora em análise, assim discorre sobre o

tema: “Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-

se deslocado para a convergência de duas forças: ‘caráter punitivo’ para que o

causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que

praticou; e o ‘caráter compensatório’ para a vítima, que receberá uma soma

que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido. (...) O

problema de sua reparação deve ser posto em termos de que a reparação do

dano moral, a par do caráter punitivo imposto ao agente, tem de assumir

sentido compensatório. (...). Somente assumindo uma concepção desta ordem

é que compreenderá que o direito positivo estabelece o princípio da reparação

do dano moral. A isso é de se acrescer que na reparação do dano moral insere-

se uma atitude de solidariedade à vítima (Aguiar Dias). (STF. AI 455846/RJ.

Rel. Min. Celso de Mello. Julgamento: 11.10.2004)

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, dentre outros Tribunais, tem

aplicado a função punitiva da Responsabilidade Civil (ex.: Ap. Cív. 478.673-4,

Ap. Cív. 1182116-8, Ap. Cív. 950178-6, Ap. Cív. 827.606-2), embora, em alguns

casos, de certa forma mascarada quando da indicação dos critérios

relacionados à conduta do agente para a fixação do montante da indenização

Page 57: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 56

por danos morais: grau de culpa do agente, a condição econômica do

responsável pela lesão, o grau de reprovação ético-jurídico à conduta e o

objetivo didático da penalização do agente.

Como você pode verificar, mesmo que não diretamente, a própria legislação

pátria tem abordado a conduta do agente causador do dano como critério de

aferição do valor do dano moral, como se pode citar na Lei de Imprensa (Lei

nº 5.250/67), em seu Artigo 53.

Atenção

Artigo 53. No arbitramento da indenização em reparação do

dano moral, o juiz terá em conta, notadamente:

I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a

natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do

ofendido;

II - a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável,

sua situação econômica e sua condenação anterior em ação

criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de

manifestação do pensamento e informação;

III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da

ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou

pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e

independentemente de intervenção judicial, e a extensão da

reparação por êsse meio obtida pelo ofendido.

Considerações finais

Antes de finalizar, vamos correlacionar os assuntos já estudados até o

momento?

Page 58: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 57

Vamos analisar o disposto na Lei nº 7.347/85, a qual disciplina a ação civil

pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao

consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e

paisagístico, prevendo expressamente em seu Artigo 13 uma solução bastante

viável para as condenações em penas privadas, evitando assim o

enriquecimento sem causa da vítima (MARTINS-COSTA; PARGENDLER, 2005, p.

24)

Atenção

Artigo 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo

dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho

Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão

necessariamente o Ministério Público e representantes da

comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição

dos bens lesados.

Esta poderia ser uma solução hábil a alcançar o objetivo da função punitiva da

responsabilidade civil – prevenção e punição – e ao mesmo tempo criando os

fundos de responsabilidade civil, os quais serão aproveitados para dar

efetividade a mais ampla reparação/compensação das vítimas em prol da

socialização dos danos, matéria estudada em nossa primeira aula.

Outra solução a adequação entre a fixação de uma pena privada e a proibição

do enriquecimento sem causa seria a destinação desses valores a instituições

de caridade, a critério do Juiz, numa aplicação analógica do disposto no Artigo

883, parágrafo único do Código Civil Brasileiro.

Page 59: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 58

Atenção

Antonio Junqueira de Azevedo (2009, p. 382-383), defensor da

teoria do dano social como fundamento para a aplicação das

indenizações punitivas e dissuasórias, defende que

essencialmente que esses valores sejam entregues, como um

plus, para a vítima, pois entende que o particular demandou pela

indenização, agindo como um defensor da sociedade, exercendo

um munus público, merecendo, portanto, a recompensa, o que

estimularia essas pessoas, mesmo em interesse próprio, a

agirem em benefício da sociedade.

Atividade proposta

Vamos fazer uma atividade relacionada ao tema visto anteriormente!

Partindo do estudado nesta aula, bem como da Teoria dos Danos Sociais,

examine o acórdão (o que pressupõe a análise da íntegra do acórdão) e

explique os critérios para aplicação de uma penalização no caso em comento.

TOTO BOLA. SISTEMA DE LOTERIAS DE CHANCES MÚLTIPLAS. FRAUDE QUE

RETIRAVA AO CONSUMIDOR A CHANCE DE VENCER. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE

DANOS MATERIAIS E MORAIS. DANOS MATERIAIS LIMITADOS AO VALOR DAS

CARTELAS COMPROVADAMENTE ADQUIRIDAS. DANOS MORAIS PUROS NÃO

CARACTERIZADOS. POSSIBILIDADE, PORÉM, DE EXCEPCIONAL APLICAÇÃO DA

FUNÇÃO PUNITIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL. NA PRESENÇA DE DANOS

MAIS PROPRIAMENTE SOCIAIS DO QUE INDIVIDUAIS, RECOMENDA-SE O

RECOLHIMENTO DOS VALORES DA CONDENAÇÃO AO FUNDO DE DEFESA DE

INTERESSES DIFUSOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1.Não há que se falar em perda de uma chance, diante da remota possibilidade

de ganho em um sistema de loterias. Danos materiais consistentes apenas no

valor das cartelas comprovadamente adquiridas, sem reais chances de êxito.

2.Ausência de danos morais puros, que se caracterizam pela presença da dor

física ou sofrimento moral, situações de angústia, forte estresse, grave

Page 60: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 59

desconforto, exposição à situação de vexame, vulnerabilidade ou outra ofensa a

direitos da personalidade.

3.Presença de fraude, porém, que não pode passar em branco. Além de

possíveis respostas na esfera do direito penal e administrativo, o direito civil

também pode contribuir para orientar os atores sociais no sentido de evitar

determinadas condutas, mediante a punição econômica de quem age em

desacordo com padrões mínimos exigidos pela ética das relações sociais e

econômicas. Trata-se da função punitiva e dissuasória que a responsabilidade

civil pode, excepcionalmente, assumir, ao lado de sua clássica função

reparatória/compensatória. “O Direito deve ser mais esperto do que o torto”,

frustrando as indevidas expectativas de lucro ilícito, à custa dos consumidores

de boa fé.

4.Considerando, porém, que os danos verificados são mais sociais do que

propriamente individuais, não é razoável que haja uma apropriação particular

de tais valores, evitando-se a disfunção alhures denominada de

overcompensantion. Nesse caso, cabível a destinação do numerário para o

Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pela Lei 7.347/85, e aplicável

também aos danos coletivos de consumo, nos termos do art. 100, parágrafo

único, do CDC. Tratando-se de dano social ocorrido no âmbito do Estado do Rio

Grande do Sul, a condenação deverá reverter para o fundo gaúcho de defesa

do consumidor.

Recurso parcialmente provido. (Recurso Inominado nº 71001249796. 3ª Turma

Recursal Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Rel. Dr.

Eugenio Facchini Neto. Julgado em: 27.03.2007)

Chave de resposta: Na situação específica em análise houve condenação por

dano material (valor da cartela), afastando-se o dano moral por entender que

os danos morais puros “caracterizam-se pela presença de dor física, sofrimento

moral, situações de forte angústia, estresse, exposição a graves desconfortos,

situações de vulnerabilidade, etc.”, o que não estaria presente no caso em

comento. Todavia, expressamente impôs ao réu a condenação por danos

sociais, visando a sua punição, pois não poderia ficar sem resposta uma

Page 61: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 60

situação de fraude em que o réu acumulou lucros ilegais, em prejuízo de

milhares de apostadores de boa-fé.

Na situação específica em análise houve condenação por dano material (valor

da cartela), afastando-se o dano moral por entender que os danos morais puros

“caracterizam-se pela presença de dor física, sofrimento moral, situações de

forte angústia, estresse, exposição a graves desconfortos, situações de

vulnerabilidade, etc.”, o que não estaria presente no caso em comento.

Todavia, expressamente impôs ao réu a condenação por danos sociais, visando

a sua punição, pois não poderia ficar sem resposta uma situação de fraude em,

que o réu acumulou lucros ilegais, em prejuízo de milhares de apostadores de

boa-fé, e finaliza o acórdão:

Independentemente da resposta já dada na esfera administrativa, com a

suspensão de tal loteria, e que eventualmente venha a ser dada na esfera

penal, parece claro que essa é uma situação em que o direito civil também

deve ter uma palavra a dizer. Afinal de contas, gostaria de acreditar que “o

Direito deve ser mais esperto do que o torto”. Uma solução em que

simplesmente se restitua, no máximo, o valor das cartelas a quem se aventure

em juízo (e obviamente que ninguém viria a juízo para recolher algumas

unidades – quiçá dezenas – de míseros reais), significaria, sob outro ângulo,

um incentivo a tal tipo de conduta. Isso porque a suspensão administrativa da

gestão da loteria não acarreta a obrigação de devolver a vantagem ilicitamente

percebida.

E - é preciso que se reconheça – muitas vezes é ineficaz a tentativa de

repressão penal nesse tipo de delito. Isso porque, em face do princípio

fundamental da presunção de inocência e com todas as garantias que cercam o

processo penal, em razão do relevantíssimo valor que está em jogo (a

liberdade), nem sempre se consegue provar, além da dúvida razoável, os

elementos necessários a uma condenação penal.

Daí porque é necessário que, por vezes, também o Direito Civil dê sua

contribuição, via responsabilidade civil, para que a vida de relação gire em

Page 62: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 61

torno de condutas éticas e morais compartilhadas por todos os cidadãos de

bem. E essa contribuição pode ser dada através de uma excepcional função

punitiva da responsabilidade civil – que, é bom que se apresse a dizer, não se

confunde com um simples critério de quantificação do dano moral.

(...)

Enquanto função – e não simples critério auxiliar para a mensuração dos danos

morais – deve ela ser invocada apenas de forma excepcional, para evitar sérias

distorções já mapeadas no cenário norte-americano, ensejando a crítica de isso

acarretar uma verdadeira tort lottery (a loteria da responsabilidade civil).

Sendo esta uma decisão, e não um artigo doutrinário, não é de se expor, em

forma sistemática, os casos em que abstratamente se aceita a invocação de tal

instituto. Concretamente, porém, o caso em tela integra uma das hipóteses em

que se tem como razoável a invocação da função punitiva, pois representa

situação em que “os danos sociais são superiores aos danos individuais”. Isso

porque individualmente os danos sofridos foram ridiculamente ínfimos. Mas na

sua globalidade, configuram um dano considerável. Tratando-se de fenômeno

de massa – e fraudes do gênero só são intentadas justamente por causa disso

(pequenas lesões a milhares ou milhões de consumidores) – a Justiça deve

decidir levando em conta tal aspecto, e não somente a faceta individual do

problema.

(...)

Assim, como os danos sociais causados pela ré foram maiores do que os danos

individualmente sofridos pelos autores das diversas demandas que já aportaram

na justiça – e que servem de termômetro da justa indignação do povo gaúcho,

que não tolera fraudes e desonestidades, mormente quando nela estão

envolvidas pessoas oriundas de países vizinhos – é caso de aplicação da função

punitiva da responsabilidade civil, condenando-se a requerida a pagar uma

espécie de pena privada.

Tenho que o valor pleiteado na inicial, equivalente a 40 salários mínimos à data

do ajuizamento da ação – R$10.400,00 – pode ser acolhido, tendo em vista a

Page 63: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 62

dimensão milionária da fraude. Valores pequenos não terão efeito dissuasório

de condutas semelhantes.

(...)

Dentro desse espírito, considerando que se trata de uma lesão aos

consumidores e atentando, repita-se, mais para a repercussão social e coletiva,

do que propriamente individual, do dano, tenho que é razoável que se destine o

valor da condenação a um fundo de defesa de interesses difusos, a fim de ser

aplicado em projetos que digam respeito à proteção de interesses dos

consumidores.

Material complementar

Para saber mais sobre a responsabilidade civil, leia os artigos

relacionados, disponíveis em nossa biblioteca virtual.

Referências

AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. v. 1. 10. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 1995.

ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva.

Dissertação de Mestrado, Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2003.

Disponível em:

http://portal.estacio.br/media/2476068/nilson%20de%20castro%2

0di%C3%A3o%202003.pdf

AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na

responsabilidade civil: o dano social. In: Novos estudos e pareceres de

direito privado. São Paulo: Saraiva, 2009.

CAVALLIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo:

Atlas, 2005.

HOFMEISTER, Maria Alice Costa. O dano pessoal na sociedade de risco. Rio

de Janeiro: Renovar, 2002.

Page 64: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 63

LEVY, Daniel Andrade. Responsabilidade civil: de um Direito dos Danos a

um Direito das Condutas Lesivas. São Paulo: Atlas, 2012.

MARTINS-COSTA, Judith e PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da

função punitiva: punitive damages e o Direito Brasileiro. Revista CEJ, Brasília,

n. 28, p. 15-32, jan./mar. 2005. Disponível em:

http:http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/643

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MELO, Álisson José Maia. Breves notas sobre a função punitiva da

Responsabilidade Civil oriundas das relações de consumo. Revista da

Faculdade de Direito. Fortaleza, v. 34, n. 2, p. 15-37, jul./dez. 2013.

Disponível em:

http://www.revistadireito.ufc.br/index.php/revdir/article/view/95/7

7.

MORAES, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização do direito civil e seus

efeitos sobre a responsabilidade civil. Direito, Estado e Sociedade. v. 9. n. 9,

jul/dez. 2006. p. 233-258. Disponível em:

http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Bodin_n29.pdf.

NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003.

SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da Responsabilidade Civil: da

erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 4. ed. São Paulo: Atlas,

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SENRA, Maria Amélia Lisbão. Responsabilidade civil punitiva. Revista

eletrônica da faculdade de direito da PUC-SP. v. 2. ano de 2009.

Disponível em:

http://revistas.pucsp.br/index.php/red/article/view/1727/1110.

Exercícios de fixação

Questão 1

Assinale a alternativa correta:

a) A função punitivo-pedagógica da responsabilidade civil acarretará

necessariamente no retorno da culpa como elemento preponderante

Page 65: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 64

desta disciplina, obstaculizando a indenização da vítima, nos moldes da

responsabilidade civil clássica.

b) O punitive damages adotado pelo Direito norte-americano e inglês é

aplicável de forma irrestrita a qualquer conduta lesiva,

independentemente do caráter subjetivo – dolo ou culpa grave – do

agente causador do dano.

c) O uso do punitive damages pelo Direito norte-americano é um direito

subjetivo da vítima, o qual deve necessariamente ser aplicado pelo

magistrado como forma de compensar a vítima pelos danos sofridos.

d) Os defensores da Responsabilidade Civil Punitiva ou do Direito das

Condutas Lesivas no Direito Brasileiro afirmam que a sua aplicação seria

com o objetivo de auxiliar os demais ramos do Direito Público (Direito

Penal e Direito Administrativo) na punição dos agentes ofensores,

visando à moralização da conduta.

Questão 2

Seriam justificativas para a aceitação da função punitivo-pedagógica da

responsabilidade civil, exceto:

a) A função punitivo-pedagógica agiria como instrumento auxiliar da

moralização das condutas ilícitas, haja vista que os meios atualmente

existentes (Direito Penal e Administrativo) com a finalidade de punir têm

se mostrado ineficazes.

b) A responsabilidade civil brasileira adota como parâmetro de indenização

o princípio do restitutio in integrum, previsto no Artigo 944 do CCB, o

qual determina que o valor da indenização deve ser medido pela

extensão do dano.

c) Em situações especificas, em especial quando está presente uma

conduta dolosa, a qual deve ser reprovável pelo Direito, a indenização

meramente compensatória não faria frente ao objetivo da legislação de

controle social.

Page 66: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 65

d) A fixação de uma pena privada exerceria uma função dissuasória ou

didática, desestimulando o restante da sociedade para que condutas

semelhantes não sejam repetidas.

Questão 3

São situações em que seria possível se aplicar a punitive damages no Direito

inglês, exceto:

a) Quando o dano decorria da conduta arbitrária ou opressiva de

funcionários públicos.

b) Em hipótese em que o dano deriva de condutas caracterizadas pela culpa

leve, aquelas decorrentes de mera negligência.

c) Quando a conduta lesiva foi destinada a produzir lucro ao ofensor, cuja

reparação do dano é nitidamente inferior ao lucro.

d) Quando houver previsão legal expressa determinando a aplicação de

uma pena privada.

Questão 4

Assinale a alternativa incorreta:

a) Os punitive damages surge no século XVIII, em especial no Direito

Inglês, passando esta tradição ao direito norte-americano, como forma

de punir condutas graves.

b) Nos EUA a sua aplicação não é tão restrita como no Direito inglês, porém

mesmo assim são aplicáveis a situações em que a conduta do agente

está impregnada de dolo ou culpa grave.

c) Mesmo sendo uma punição civil às condutas graves, no direito norte-

americano as punitive damages restringem-se a valores baixos que tão

somente terão a função de reparar ou compensar os danos sofridos pela

vítima.

d) Os punitive damages somente são concedidos nas relações

extracontratuais.

Questão 5

Page 67: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 66

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 276/2007, de iniciativa

do Deputado Federal Léo Alcântara, que visa acrescentar ao Artigo 944 do

Código Civil um novo parágrafo: “Artigo 944 (...) § 2º A reparação do dano

moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo

ao lesante”. Tal acréscimo permitiria a aplicação da Teoria do Valor Desestímulo

nas demandas indenizatórias. Indique se é Verdadeiro ou Falso.

a) Verdadeiro

b) Falso

Questão 6

Alguns autores, contrários à função punitiva da responsabilidade civil, aduzem

que não cabe ao Direito Civil a função de punir condutas dolosas ou com culpa

grave, a qual seria do Direito Penal. Contudo, é possível se constatar que o

Direito Civil, não raramente, prevê algumas espécies de punições,

demonstrando que esta afirmativa não deve prevalecer como obstáculo à

fixação de pena privada. São exemplos de punições no âmbito do Direito Civil,

exceto:

a) Previsão do Artigo 1.992 e 1.993 do CCB que determina que o herdeiro

que sonega bens da herança perde o direito que sobre eles tinha.

b) A pena pela cobrança indevida prevista tanto nos arts. 939, 940 e 941 do

CCB, como no Artigo 42 do CDC.

c) O dever de reparar os danos morais ou materiais sofridos por terceiro

em razão do exercício de atividade de risco (Artigo 927, parágrafo único

do CCB).

d) A perpetuatio obligationis previsto no Artigo 399 do CCB, a qual impõe

ao devedor em mora a responsabilidade pela perda e deterioração do

bem ainda que em caso fortuito ou força maior.

Questão 7

A jurisprudência nacional tem aplicado a função punitivo-preventiva da

responsabilidade civil, em especial na análise dos critérios para a fixação do

Page 68: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 67

quantum indenizatório do dano moral. Para tanto, utiliza os seguintes critérios

que indicam o exame da conduta do agente, exceto:

a) Grau de culpa do ofensor.

b) A condição econômica do responsável pela lesão.

c) A extensão do dano.

d) O grau de reprovação ético-jurídico à conduta.

e) O objetivo didático da penalização do agente.

Questão 8

Antonio Junqueira de Azevedo defende a criação de uma nova categoria de

dano, cuja indenização abarcaria o objetivo punitivo e dissuasório:

a) Dano moral

b) Dano social

c) Dano coletivo

d) Dano individual

Questão 9

Outro ponto debatido no âmbito da condenação punitiva no âmbito da

responsabilidade civil é sobre a destinação do valor da condenação. Sobre o

tema, assinale a alternativa incorreta:

a) Efetivamente não se pode afirmar que caracterizará enriquecimento sem

causa da vítima condenação por pena privada sem expressa previsão

legal.

b) Uma solução bastante viável para as condenações em penas privadas,

evitando assim o enriquecimento sem causa da vítima, seria a destinação

dos valores pagos pelo agente ofensor a fundos destinados a

responsabilidade civil.

c) Outra solução dada pela doutrina é a aplicação analógica do disposto no

Artigo 883, parágrafo único do Código Civil Brasileiro, com a destinação

destes valores a instituições de caridade, a critério do Juiz.

d) Antonio Junqueira de Azevedo defende que estes valores sejam

entregues, como um plus, para a vítima, pois entende que o particular

Page 69: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 68

demandou pela indenização, agindo como um defensor da sociedade,

exercendo um munus público, merecendo, portanto, a recompensa, o

que estimularia essas pessoas, mesmo em interesse próprio, a agirem

em benefício da sociedade.

Questão 10

No Direito brasileiro a função punitivo-pedagógica da Responsabilidade Civil

tem sido chamada como Teoria do Valor Desestímulo, pois tem sido aplicada

somente nos casos de compensação por danos morais (ou extrapatrimoniais,

como alguns autores preferem), como um dos critérios para aferição do

quantum devido a título de ressarcimento dos danos sofridos. Indique se é

Verdadeiro ou Falso.

a) Verdadeiro

b) Falso

Commow law: O direito é criado ou aperfeiçoado pelos juízes: uma decisão a

ser tomada num caso depende das decisões adotadas para casos anteriores e

afeta o direito a ser aplicado a casos futuros. Nesse sistema, quando não existe

um precedente, os juízes possuem a autoridade para criar o direito,

estabelecendo um precedente. O conjunto de precedentes é chamado

de common law e vincula todas as decisões futuras.

Munus: Trata-se de obrigação decorrente de acordo ou lei, sendo que, neste

último caso, denomina-se munus público. O dever de prestar depoimento como

testemunha, por exemplo, é considerado um munus público, assim como o

dever de votar.

Punitive damages: Indenização decorrente do Dano Moral, deve possuir a

finalidade de compensar a vítima e punir o autor da lesão.

Compensação por danos morais: Outros autores preferem chamar de

extrapatrimoniais.

Page 70: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 69

Lei de imprensa: A lei, criada durante a ditadura para instituticionalizar a

restrição a liberdade de expressão e consolidar o regime autoritário, servia para

punir de forma mais dura os jornalistas, eventuais litígios. Com a revogação da

lei, passaram ao regime normal dos códigos penal e civil brasileiros. Assim,

ficaram extintas as penas mais duras para jornalistas em casos de calúnia,

injúria e difamação, dentre outras mudanças, mantendo apenas a prisão

preventiva especial, caso possuam título de bacharel.

Teoria do valor desestímulo: Aplicação de uma punição para que o agressor

não venha a cometer outra vez aquele mesmo ato.

Aula 2

Exercícios de fixação

Questão 1 - D

Justificativa: A alternativa “a” está incorreta porque a simples análise da culpa

para fins de fixar uma pena privada não acarretará em obstáculos à

reparação/compensação do dano, pois, em regra, o uso da função punitivo-

pedagógica seria restrito aos casos de responsabilidade subjetiva. A assertiva

“b” está incorreta, pois existem sim restrições a aplicação do punitive damages,

pois os mesmos somente são aplicados em situações em que está caracterizado

o dolo ou culpa grave do agente causador do dano. A alternativa “c” também

está incorreta, pois o punitive damages não é um direito subjetivo da vítima,

sendo que cabe ao prudente arbítrio do magistrado, em casos de dolo ou culpa

grave, aplicar esta sanção civil, a qual não possui como objetivo compensar a

vítima pelos danos sofridos.

Questão 2 - B

Justificativa: O princípio do restitutio in integrum tem sido levantado como um

empecilho a utilização da pena privada dentro da responsabilidade civil, pois o

valor fixado no âmbito de uma demanda indenizatória, obrigatoriamente, teria

Page 71: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 70

que seguir como parâmetro máximo a extensão do dano, não sendo possível

fixar um valor extra com o objetivo de punir o agente ou dissuadi-

-lo da repetição do ato.

Questão 3 - B

Justificativa: Como ficou bem claro durante a aula o direito inglês aplica o

puntive damages em situações específicas, em especial quando o ofensor agiu

com dolo ou culpa grave, não sendo aplicável, portanto, em situações de mera

negligência.

Questão 4 - C

Justificativa: Pelo contrário, o que se percebe no Direito norte-americano é que

o uso dos punitive damages alcançam indenizações milionárias, havendo

inclusive preocupação por parte da Suprema Corte na utilização abusiva desse

instrumento, razão pela qual, no caso Honda Motors Corp v. Karl Oberg (1994),

a Suprema Corte anulou a decisão estadual invocando “a cláusula do devido

processo legal da Emenda 14 da Constituição norte-americana para condenar o

sistema de punitive damages de um Estado, por violação ou ataque a garantia

constitucional do direito de propriedade, determinando a redução do valor da

condenação” (MARTINS-COSTA; PARGENDLER, 2005, p. 20-21).

Questão 5 - A

Justificativa: Na justificativa do Projeto de Lei se constata que o deputado

demonstra que o objetivo primordial da inclusão do parágrafo segundo no

Artigo 944 do CCB seria especificamente para possibilitar ao magistrado o uso

dos danos morais como instrumento pedagógico para evitar a repetição de atos

lesivos. Inclusive o deputado ressalta que o caput do Artigo 944 do CCB

restringe a sua aplicação as hipóteses de danos materiais, pois aplica o critério

de extensão do dano, o que não é possível no âmbito dos danos morais, pois

não há possibilidade de restauração destes danos.

Questão 6 - C

Page 72: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 71

Justificativa: A hipótese prevista na letra C não é uma punição, apenas impõe o

dever de reparar, na exata dimensão do dano, aos agentes que exercem

atividade de risco e geram danos a terceiros. As demais hipóteses demonstram

a tendência do Direito Civil em exercer a função punitiva, contrariando a defesa

da divisão absoluta entre o Direito Civil e Penal, servindo aquela ao

ressarcimento da vítima e este à punição do agente ofensor.

Questão 7 - C

Justificativa: A questão solicita os critérios que indicam o exame da "conduta do

agente", sendo que dentre as hipóteses presentes apenas "a extensão do dano"

não se refere à conduta do agente.

Questão 8 - B

Justificativa: Antonio Junqueira de Azevedo defende a tese de que a

responsabilidade civil deve impor indenização não somente pelos danos

individuais, mas também pelos danos sociais, estes caracterizados pelas lesões

à sociedade, aos valores sociais, como segurança e qualidade de vida, quando

então seriam causa de indenização punitiva e dissuasória.

Questão 9 - A

Justificativa: Este é o obstáculo mais levantado pela doutrina à aplicação da

responsabilidade civil punitiva, a proibição legal do enriquecimento sem causa,

o que impediria a condenação por uma pena privada sem que haja expressa

previsão legal.

Questão 10 - A

Justificativa: Tem sido chamada como Teoria do Valor Desestímulo, pois o

nosso Direito não se aplica como os punitive damages na sua essência, como

nos Direitos norte-americano e inglês, pois não se aplica estritamente como

uma punição ao agente causador do dano, com um valor a parte da

indenização compensatória, mas sim como critério de fixação dos danos morais.

Page 73: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 72

Introdução

Partindo do já examinado nas demais aulas, percebe-se que a Responsabilidade

Civil tem proporcionado o aumento das hipóteses indenizatórias, seja em razão

do afastamento da culpa como elemento preponderante, seja em virtude do

fortalecimento do dano como objetivo primordial da nossa disciplina, seja

diante da flexibilização, inclusive, do nexo causal, como elemento probatório

para fins de procedência da demanda indenizatória.

Tais soluções decorrem de uma necessidade de resposta efetiva para os

constantes danos sofridos em razão da evolução de nossa sociedade, em

virtude do visível desenvolvimento tecnológico dos últimos tempos que fazem

surgir o que a doutrina costuma chamar de sociedade de risco.

Essa proliferação de novos danos também é reflexo do estabelecimento da

dignidade da pessoa humana como cláusula geral dos direitos da

personalidade, propagando as hipóteses de tutela dos interesses individuais.

Bons estudos!

Objetivo:

1. Compreender o reflexo da sociedade de risco na proliferação dos novos

danos, bem como os efeitos decorrentes do estabelecimento da dignidade da

pessoa humana como cláusula geral dos direitos da personalidade na

deflagração de novas hipóteses de incidência da responsabilidade civil;

2. Examinar os danos decorrentes da perda de uma chance e o dano moral

pelo abandono afetivo no âmbito do Direito de Família.

Page 74: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 73

Conteúdo

Contextualização

O processo de Constitucionalização e Repersonalização da Responsabilidade

Civil recoloca a proteção da pessoa humana como o centro de toda a

disciplina ressarcitória, tendo como ponto de extrema relevância o

estabelecimento da dignidade da pessoa humana como cláusula geral dos

direitos de personalidade.

A categoria dos direitos da personalidade visa essencialmente à proteção do

ser humano, referindo-se aqueles direitos inerentes à pessoa humana, entre

eles, a vida, a integridade física, a integridade psíquica, a privacidade, a honra,

a imagem, etc., ou seja, aqueles que buscam tutelar os interesses existenciais.

Atualmente se reconhece que o princípio da dignidade da pessoa humana

é uma cláusula geral dos direitos da personalidade (Enunciado n.º 274 da IV

Jornada de Direito Civil do CJF), pois a proteção dos valores existenciais não

prescinde de tipificação, bastando a manutenção da pessoa humana como

centro de todo ordenamento jurídico brasileiro para se permitir a tutela de

quaisquer interesses que estejam diretamente relacionados a esse valor

primordial.

A consequência imediata, como já salientado, é o reposicionamento do dano

como principal elemento da responsabilidade civil, pois a nossa disciplina passa

a se preocupar com a vítima e o seu ressarcimento, afastando-se dos

obstáculos da comprovação do elemento culpa e até mesmo do nexo causal,

em algumas circunstâncias. Somente este fator já seria suficiente para a

proliferação de novos danos, porém outro fator propicia a ampliação da

ressarcibilidade: a sociedade de risco.

Considerando os temas estudados até o momento, quais pontos levam à

proliferação de novas espécies de danos?

Page 75: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 74

Surgimento da sociedade de riscos

Vamos relembrar como surgiu a sociedade de riscos?

Os riscos antes da Revolução Industrial

Os problemas advindos do exercício de atividades de risco já foram

determinantes para o desenvolvimento da Responsabilidade Civil Objetiva,

porém, na atualidade, a ideia de risco vai muito além daquela resultante da

Revolução Industrial.

Os riscos após a Revolução Industrial

Na Sociedade Pós-Industrial, chamada de Sociedade de Riscos, os riscos são

“exsurgentes do processo produtivo incrementado pelo avanço da ciência e

tecnologia na era pós-industrial (megatecnologia química e nuclear, pesquisas

genéticas e farmacológicas e impactos causados por intermédio das diversas

investidas sobre o meio ambiente)” (MENEZES, 2012, p. 4), entre os quais

podemos também inserir os riscos inerentes ao desenvolvimento da informática

e, consequentemente, dos meios de comunicação instantânea, como, por

exemplo, do exercício de atividades econômicas virtuais.

Riscos e danos na contemporaneidade

Questionamentos surgem sobre o equilíbrio entre os benefícios e os

consequentes riscos decorrentes da Revolução Tecnológica, ainda mais quando

se constata que tais riscos muitas vezes são imperceptíveis, num momento

inicial, sendo que, a posteriori, podem se transformar em catástrofes.

A sociedade e o direito passam a se preocupar com a sobrevivência das futuras

gerações em razão da multiplicação desses danos imprevisíveis (MORAES,

2006, p. 236-237).

Page 76: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 75

Podemos exemplificar indicando os danos decorrentes dos riscos inerentes às

novas técnicas terapêuticas, novos medicamentos que podem, num futuro não

muito remoto, trazer consequências ainda imprevisíveis.

O mesmo se pode afirmar da indústria de alimentos, com a criação de novas

técnicas para aumentar a produção (alimentos transgênicos) e que podem,

também, causar danos inesperados.

Isso sem contar os danos ambientais que se afastam da classe dos danos

individuais e se elevam à categoria dos danos coletivos. Ao lado destes, e

diretamente relacionados, os danos advindos da exploração de novas fontes de

energias (energia nuclear).

Anderson Schreiber (2012, p. 84-85) afirma que a expansão dos danos

ressarcíveis não alcança tão somente o aspecto quantitativo, diante do aumento

do número de ações indenizatórias decorrentes, em especial, de facilidades

processuais criadas – os Juizados Especiais, a justiça gratuita, etc. – que

acabam por assegurar o efetivo acesso ao Poder Judiciário; mas também pelo

aspecto qualitativo.

“à medida em que novos interesses, sobretudo de natureza existencial e

coletiva, passam a ser considerados pelos tribunais como merecedores de

tutela, consubstanciando-se a sua violação em novos danos ressarcíveis. De

fato, o reconhecimento da necessidade de tutela de interesses existenciais

atinentes à pessoa humana, e, de outro lado, a verificação de danos demasiado

abrangentes, identificados com interesses transindividuais ou supraindividuais,

que passam a ser considerados dignos de proteção, vieram exigir o repensar da

estrutura individualista e eminentemente patrimonial das ações de reparação.”

Fonte: Anderson Schreiber (2012, p. 84-85).

Conceito de dano

Page 77: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 76

Agora que percebemos a complexidade da proliferação das novas

espécies de danos, vamos iniciar uma análise mais profunda?

Analisemos a etimologia da palavra:

O vocábulo dano provém do latim damnum...

Dano seria qualquer lesão a um bem jurídico pertencente ao patrimônio de um

indivíduo ou de toda uma coletividade.

...sendo o efeito de danar (damnare).

Percebeu que pelo conceito transcrito há dois temas subentendidos?

Tema 1

O primeiro é a própria noção de bem jurídico e de patrimônio, englobando

neste tanto os bens materiais, passíveis de valoração econômica, como os bens

imateriais, aqueles que se correlacionam à noção de personalidade e os direitos

inerentes a esta, a vida, a honra, a dignidade, a integridade física, a integridade

psíquica, a privacidade, etc.

Tema 2

O segundo é o afastamento da responsabilidade civil do âmbito individual,

englobando também os danos coletivos como passíveis de ressarcimento, como

verificaremos ainda nesta aula.

As espécies tradicionais de danos são o dano material, também chamado de

patrimonial, denominação que não se adota porque restringe a noção de

patrimônio ao conjunto de bens valoráveis economicamente; e de outro lado o

dano moral, o qual é de difícil conceituação.

Page 78: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 77

Avance a tela e veja mais detalhes sobre os clássicos danos materiais e

danos morais, assim como outros tipos de danos.

Dano material e dano moral

Dano material

aquele que acarreta num prejuízo material, de consequências pecuniárias,

passível de ser apurado por mera operação matemática.

é subdividido em

Dano emergente

É dano positivo, pois representa a efetiva perda sofrida pela vítima, a

diminuição econômica do seu patrimônio, englobando, inclusive, as despesas

necessárias para minorias as consequências do dano.

Lucro cessante

(Artigo 402 do CCB) É o lucro provável que não foi obtido em razão da conduta

lesiva, é aquilo que razoavelmente se deixou de lucrar, é a frustração do lucro

esperável.

Ao lado do dano material, de fácil conceituação e constatação, temos o dano

moral, cujo tema, mesmo consagrado na legislação pátria desde 1988, com o

advento da Constituição Federal, é ainda objeto de constantes estudos que

visam à sua definição e delimitação. A conceituação do dano moral parte de

duas vertentes distintas. Acompanhe.

Vertente 1

Dano Moral

Vertente 2

Page 79: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 78

Define dano moral a partir das consequências sofridas pela lesão a bens

jurídicos (dor, sofrimento, vexame, angústia, estresse e demais sentimentos

negativos).

Examina o dano moral a partir dos direitos lesados, apontando que os danos

morais decorrem da lesão aos direitos de personalidade, numa concepção mais

abrangente, decorre da lesão à dignidade de um indivíduo.

Maria Celina Bodin de Moraes (2006, p. 245-248) distingue a conceituação de

“dano moral subjetivo” como aquele que define o dano a partir dos efeitos

morais da lesão a um bem jurídico, do conceito do “dano moral objetivo”, que

seria a lesão à dignidade da pessoa humana, a qualquer dos “aspectos ou

substratos que compõem ou conformam a dignidade humana, isto é, a violação

à liberdade, à igualdade, à solidariedade ou à integridade psicofísica de uma

pessoa humana”.

Dano estético e danos sociais

Ao lado das categorias clássicas, parte da doutrina já tem como sedimentada

uma terceira espécie de dano, o dano estético, o qual se distingue do dano

moral e tem sido reconhecido como autônomo em relação àquele, permitindo

assim também o seu ressarcimento.

Tereza Ancona Lopez (2004, p. 44-45) afirma:

“Estética vem do grego aisthesis que significa sensação. Tradicionalmente é o

ramo da ciência que tem por objeto o estudo da beleza e suas manifestações

na arte e na natureza. Na concepção clássica, que vem de Aristóteles, é a

estética uma ciência prática ou normativa que dá regras ao fazer humano sob o

aspecto do belo. Portanto, é a ciência que tem como objeto material a atividade

humana (fazer) e como objeto formal (aspecto sob o qual é encarado esse

fazer), o belo.”

O que é dano estético?

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 79

Portanto, dano estético seria toda “lesão à beleza física, ou seja, à harmonia

das formas” (LOPEZ, 2004, p. 45), alterações morfológicas que acarretem em

deformidades, marcas ou defeitos, resultando no afeiamento da vítima,

ocasionando sentimentos de humilhação e ridicularização, atingindo a sua

autoestima. A integridade física e o consequente dano estético possuem ligação

direta com o direito à saúde consagrado no Artigo 196 da Constituição Federal.

O Superior Tribunal de Justiça, seguindo a posição dominante da doutrina

brasileira, sumulou que “é lícita a cumulação das indenizações de dano estético

e dano moral” (Súmula n.º 387), reconhecendo a autonomia daquele em

relação a este.

Antonio Junqueira de Azevedo (2009) é o criador de uma nova categoria de

danos indenizáveis, os danos sociais, sua tese se refere à possibilidade de

aplicação da função punitivo-pedagógica no âmbito da responsabilidade civil,

conforme vimos na aula anterior. Mas o que seriam os danos sociais?

Danos sociais = lesões à sociedade

Acompanhe o que pensa os seguintes autores a respeito:

Antonio Junqueira de Azevedo

Antonio Junqueira de Azevedo (2009):

Os danos sociais seriam aquelas lesões à sociedade, haja vista que para o autor

“um ato, se doloso ou gravemente culposo, ou se negativamente exemplar, não

é lesivo somente ao patrimônio material ou moral da vítima, mas sim, atinge a

toda a sociedade, num rebaixamento do nível de vida da população”. Adverte

que isso é particularmente visível quando se trata de segurança, quando o ato

diminui a tranquilidade social, ou quebra a confiança da sociedade, ou reduz a

qualidade coletiva de vida (AZEVEDO, 2009, p. 380-381).

Flávio Tartuce

Page 81: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 80

Flavio Tartuce (2008):

Esta espécie de dano mantém relação direta com o princípio da socialidade que

reina no nosso Código Civil (2008), diria mais, que fundamenta o nosso

ordenamento jurídico, a partir da Constituição Federal e da funcionalização de

vários institutos do direito privado (função social da propriedade, do contrato,

da família, etc.). E defende a função social da responsabilidade civil, a qual

aduz que “deve ser encarada como uma análise do instituto de acordo com o

meio que o cerca, com os objetivos que as indenizações assumem perante o

meio social. Mais do que isso, a responsabilidade civil não pode ser dissociada

da proteção da pessoa humana, e da sua dignidade como valor fundamental”

(TARTUCE, 2008).

Outras novas espécies de danos

Para finalizarmos nossa análise das novas espécies de danos, temos:

Tutela de interesses transindividuais ou supraindividuais e os danos

morais coletivos

Estes superam a ideia individualista da responsabilidade civil, reconhecendo que

determinadas condutas lesivas podem atingir um número indeterminado de

pessoas, acarretando na indivisibilidade da ofensa e da consequente reparação

(SCHREIBER, 2012, p. 86-89).

Danos reflexos

Categoria que não é tão nova, mas também demonstra a amplitude que a

responsabilidade civil tem alcançado quando se busca a indenização dos danos

sofridos. O dano reflexo ou indireto ou, ainda, Dano por Ricochete, consiste

no dano que atinge pessoa indireta ligada à vítima direta da conduta lesiva.

Flavio Tartuce afirma que o dano moral coletivo tem como vítimas titulares de

direitos individuais homogêneos, coletivos ou difusos (para uma distinção

dessas categorias, remete-se à análise do disposto no art. 81 do CDC).

Page 82: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 81

Exatamente a impossibilidade de identificação da vítima acaba sendo o

argumento levantado pela doutrina e jurisprudências contrárias ao

reconhecimento de um dano moral coletivo (REsp n.º 598281/MG).

Exemplos do reconhecimento do dano moral coletivo no âmbito do Superior

Tribunal de Justiça podem ser citados (AMARAL; SILVA, 2013, p. 8-9):

a) caso em que se reconheceu a lesão à dignidade dos

consumidores o fato de a empresa de telefonia deixar de

informar a seus clientes acerca do plano de assinatura

básica com redução de custo (STJ - REsp REsp

1291213/SC - Rel. Ministro Sidnei Beneti - DJ

25/09/2012);

b) danos causados à biota em virtude do desmatamento

de vegetação nativa sem autorização da autoridade

ambiental (STJ- REsp 1198727/MG - Rel. Min. Herman

Benjamin - DJ: 09.05.2013);

c) danos aos consumidores com dificuldade de locomoção,

obrigados por agência bancária a subirem escada com 23

degraus, sendo que o local possuía condições de propiciar

melhor forma de atendimento (STJ - REsp 1221756/RJ -

Rel. Min. Massami Uyeda - DJ: 10.02.2012);

d) danos aos consumidores idosos, na conduta da

empresa que exigia o cadastro prévio do idoso para a

obtenção do direito ao passe livre, tutelado pelo art. 39, §

1º, do Estatuto do Idoso (STJ- REsp 1057274/RS - Rel.

Min. Eliana Calmon - DJ: 26.02.2010);

e) danos causados à população em virtude de fraude em

processo licitatório (STJ- AgRg no REsp 1029927/PB - Rel.

Min. Benedito Gonçalves - DJ: 20.04.2009).

Page 83: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 82

Em que pese ainda não haver aceitação pacífica da doutrina e jurisprudência, o

seu exame é imprescindível para se entender as mais novas perspectivas de

danos que surgem na nossa Sociedade de Risco.

Danos Reflexos

Sergio Cavalieri (2005, p. 124) afirma que:

[...] os efeitos do ato ilícito podem repercutir não apenas

diretamente sobre a vítima, mas também sobre pessoa

intercalar, titular de relação jurídica que é afetada pelo

dano não na sua substância, mas na sua consistência

prática. [...] é o que a doutrina convencionou chamar de

dano reflexo, dano em ricochete ou, ainda, como querem

outros, dano indireto. [...] o ofensor deve reparar todo o

dano que causou, segundo a relação de causalidade. [...]

sendo assim, somente o dano reflexo certo e que tenha

sido consequência direta e imediata da conduta ilícita

pode ser objeto de reparação, ficando afastado aquele

que se coloca como consequência remota, como mera

perda de uma chance [...]

A questão é relevante quando se fala na transmissibilidade do dano moral

(lesões à dignidade ou à memória de pessoa morta e os reflexos aos seus

familiares ou até mesmo pessoas íntimas) ou, ainda, do dano-morte (termo

usado por SCHREIBER, 2012, p. 93), quando se questiona a titularidade do

ressarcimento.

Transcrevemos abaixo jurisprudência nacional que demonstra a amplitude do

tema:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO

ARTIGO 535, II, DO CPC NÃO CARACTERIZADA. AÇÃO

Page 84: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 83

REPARATÓRIA. DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE ATIVA

AD CAUSAM DO VIÚVO. PREJUDICADO INDIRETO. DANO

POR VIA REFLEXA. I - Dirimida a controvérsia de forma

objetiva e fundamentada, não fica o órgão julgador

obrigado a apreciar, um a um, os questionamentos

suscitados pelo embargante, mormente se notório seu

propósito de infringência do julgado. II – Em se tratando

de ação reparatória, não só a vítima de um fato danoso

que sofreu a sua ação direta pode experimentar prejuízo

moral. Também aqueles que, de forma reflexa, sentem os

efeitos do dano padecido pela vítima imediata, amargando

prejuízos, na condição de prejudicados indiretos. Nesse

sentido, reconhece-se a legitimidade ativa do viúvo para

propor ação por danos morais, em virtude de ter a

empresa ré negado cobertura ao tratamento médico-

hospitalar de sua esposa, que veio a falecer, hipótese em

que postula o autor, em nome próprio, ressarcimento pela

repercussão do fato na sua esfera pessoal, pelo

sofrimento, dor, angústia que individualmente

experimentou. Recurso especial não conhecido. (REsp

530.602/MA, Rel. Min. CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA,

DJ 17/11/2003)

Concluímos este assunto. Avance para iniciarmos a análise dos danos

decorrentes da perda de uma chance e o dano moral pelo abandono afetivo no

âmbito do Direito de Família.

A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance

Origem

A Teoria da Perda de uma Chance teve origem na jurisprudência francesa, em

especial no âmbito da responsabilidade civil médica, quando da realização de

Page 85: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 84

diagnóstico equivocado e redução das chances da vítima de obter a cura da

doença sofrida (ANDREASSA, 2009, p. 16-18).

Característica

“A perda de uma chance se caracteriza como a situação em que o ofensor

interfere em um processo aleatório em que a vítima se encontrava que poderia

ou não levar a uma vantagem ou a evitar um dano, mas que, em consequência

da intervenção, jamais se poderá averiguar qual seria o desfecho.” (LOVATO;

LOVATO, 2013, p. 6).

Exemplos

Aqui podemos citar, além da hipótese relacionada à responsabilidade civil

médica, a decorrente de responsabilização do advogado pela perda do prazo

(tanto para a propositura da demanda como para a interposição de recurso), a

circunstância decorrente de fraude em jogos de azar, perda da chance de

realizar uma prova de vestibular ou concurso em razão de problemas no

sistema de transporte contratado, entre outras.

Cavalieri Filho

Na realidade, “a doutrina francesa, aplicada com frequência pelos nossos

Tribunais, fala na perda de uma chance (perte d’une chance), nos casos em

que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura

melhor, como progredir na carreira artística ou no trabalho, conseguir um novo

emprego, deixar de ganhar uma causa pela falha do advogado etc. É preciso,

todavia, que se trate de uma chance real e séria, que proporcione ao lesado

efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada”.

(DIREITO; CAVALIERI FILHO, 2004, p. 95).

A partir do examinado até o momento, já se constata a dificuldade da

caracterização da hipótese ensejadora de indenização, demonstrando que

dependerá efetivamente da análise do caso concreto pelo magistrado, não

podendo ser aferível sem exame de provas e dos fatos correlacionados.

Page 86: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 85

Somente para exemplificar essa dificuldade, adota-se para análise o caso da

responsabilização dos médicos e advogados pela perda de uma chance, sendo

que é imprescindivel se ressaltar que as obrigações desses profissionais liberais,

em regra, são de meio e não de resultado, ou seja, os mesmos assumem a

obrigação de aplicar todo o seu conhecimento e instrumentos possíveis para a

obtenção do resultado, mas não lhe garante como consequência necessária,

pois outros fatores externos podem implicar no não alcance do efeito esperado.

Portanto, como identificar se realmente a atuação desses profissionais liberais

acarretaram, necessariamente, na perda da chance de obter o resultado

esperado pela prestação dos serviços contratados?

Outro item que gera acirrada discussão doutrinária e jurisprudencial é sobre a

natureza do dano indenizável e a forma de sua fixação. Há quem defenda que

seria hipótese de lucro cessante, ou seja, aquilo que a vítima deixou de ganhar

em razão da conduta lesiva, enquanto outros defendem a condenação por

danos morais, visando assim somente se compensar a chance perdida, haja

vista que seria impossível o seu restabelecimento.

Portanto, resta evidente que, não sendo possível mais se alcançar o resultado

perdido em razão da conduta lesiva, não há como se reparar este dano, mas

sim se deve compensá-lo, razão pela qual a doutrina defende que o valor da

indenização seja inferior ao valor da vantagem esperada e efetivamente perdida

pela vítima (entre outros, Glenda Gonçalves Goldim, Carlos Roberto Gonçalves e

Rafael da Silva Santiago).

Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 258) defende que a quantificação do dano

deverá ser feita por arbitramento (art. 946 do CCB), de modo equitativo pelo

magistrado, “que deverá partir do resultado útil esperado e fazer incidir sobre

ele o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada”. É

possível se afirmar que esse é o critério utilizado pela jurisprudência francesa

que indeniza proporcionalmente ao montante da chance perdida (SANTIAGO,

2012, p. 17).

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 86

Verifica-se que a Teoria da Perda de Uma Chance no âmbito do direito

brasileiro ainda está em fase de construção doutrinária e jurisprudencial,

porém, fazendo uma breve pesquisa nos Tribunais pátrios, é possível se

constatar uma tendência pela aplicação dessa teoria, nas mais diversas

hipóteses.

Analisando alguns posicionamentos jurisprudenciais, Antonio Carlos Lovato e

Renato Lovato Neto concluem (2013, p. 18):

Desta forma, há um movimento na jurisprudência que

tende a aplicar a teoria da perda de uma chance em

relações jurídicas em ramos além do Direito Civil, como no

âmbito do Direito do Trabalho (como nas diversas fases

dos contratos de trabalho), Tributário (proibição de

participação em processo de licitação ou contrato com o

Poder Público em decorrência de irregularidade fiscal por

conta de erro da Fazenda Pública, como inscrição indevida

em Dívida Ativa ou não concessão de parcelamento), de

Família (como a chance de ter um relacionamento com

um filho ao qual foi negado o exercício da paternidade),

Administrativo (quando há fraudes à licitação) e Ambiental

(oportunidade de usufruir de saúde, vida e Meio Ambiente

equilibrado), na tentativa ainda de investigar se o sujeito

ativo pode ser o Estado (ou Administração Pública) e se a

vítima pode ser uma coletividade.

Caso de extrema repercussão no nosso Direito foi a questão do programa do

SBT chamado Show do Milhão, o qual será objeto de questão discursiva a ser

examinada pelos alunos a partir da análise feita em aula e das leituras

indicadas.

Page 88: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 87

Fonte: http://www.cartaforense.com.br/autor/sergio-cavalieri-filho/177

(CAVALIERI FILHO, 2004, p. 95).

Atenção

A chance tem que ser concreta (afastando-se aqui do chamado

dano hipotético, quando para a obtenção do resultado se

dependeria de outros fatores que não somente o decorrente da

chance perdida), demonstrada por provas contundentes que

houve a perda da chance de obter uma situação melhor, bem

como que esta decorreu necessariamente da conduta do agente.

A responsabilidade civil por abandono afetivo

Como já observamos, a Responsabilidade Civil tem se expandido diante do

surgimento de novas hipóteses de danos passíveis de ressarcimento e isso não

poderia ser diferente no âmbito das relações familiares, inclusive pelos mesmos

motivos que acarretaram na evolução da Responsabilidade Civil para um Direito

de Danos.

O processo de Constitucionalização e Repersonalização do Direito Civil, já

examinado nos seus efeitos no campo da Responsabilidade Civil, também

produziu efeitos marcantes nas relações familiares, acarretando no

redirecionamento de todas essas relações para a proteção da dignidade da

pessoa humana.

Mas... O que mudou?

A família afastasse das características marcantes do Código Civil de 1916 –

matrimonializada, patrimonialista, patriarcal, individualista – para assumir uma

nova dimensão em conformidade com os novos valores de nosso ordenamento

jurídico.

Page 89: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 88

A família deixa de lado o matrimônio como única forma de constituição para

alçar o princípio da pluralidade das entidades familiares, o qual pressupõe que o

principal requisito para a constituição de uma entidade familiar é o vínculo de

afeto existente entre seus membros, o que gerará a efetividade do princípio da

dignidade da pessoa humana.

O caráter patrimonial das relações familiares da legislação civil anterior, o que

marcava a maioria de suas regras, é substituído pela repersonalização dessas

relações, reestabelecendo a pessoa humana e o alcance da consagração de sua

dignidade como os objetivos das relações que unem os membros de uma

mesma família.

A repersonalização e a afetividade ínsitas nas relações familiares atingem

diretamente as relações paterno-filiais, deixando de haver um vínculo de

subordinação dos filhos em relação ao pai (exatamente, ao genitor do sexo

masculino) para se estabelecer uma relação de colaboração entre pais e filhos.

Os filhos passam a ser reconhecidos em toda a sua dimensão como sujeitos de

direitos e os pais passam a ter muito mais do que um poder sobre os filhos,

mas sim um poder-dever que vai muito além dos aspectos materiais, expande-

se para os aspectos imateriais, pois exigem dos genitores uma obrigação de

usar de todos os meios existentes para alcançar o mais amplo desenvolvimento

da personalidade dos seus filhos, da forma mais digna possível.

Restringindo-se ao exame das relações paterno-filiais para o alcance do nosso

objetivo será imprescindível se examinar os princípios do direito de família, com

roupagem constitucional, que regem essas relações. Siga em frente e confira!

Princípio da afetividade

O princípio do direito da família mais relevante é o Princípio da Afetividade,

que está diretamente relacionado ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Page 90: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 89

O desenho do afeto como elemento preponderante nas relações paterno filiais

remonta texto de João Baptista Vilella, escrito no início da década de 1980,

tratando da Desbiologização da Paternidade, criando a figura hoje amplamente

aceita de paternidade socioafetiva, aquela decorrente não de laços

consanguíneos ou legais, mas sim de laços afetivos, o famoso “filho do

coração”.

Paulo Lôbo afirma que se encontra “na Constituição Federal brasileira três

fundamentos essenciais do princípio da afetividade, constitutivos dessa

aguda evolução social da família, especialmente durante as últimas décadas do

Século XX:

todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (Artigo 227, §

6º);

a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade

de direitos (Artigo 227, §§ 5º e 6º);

a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se

os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente

protegida. (Artigo 226, § 4º).”

Fonte:

http://www2.al.rs.gov.br/valdecioliveira/Portals/valdecioliveira/Legisla%C3%A7

%C3%A3o/constituicao_federal.jpg.

Outros princípios relacionados ao direito da família

O acolhimento da afetividade como elemento preponderante nas relações de

família, em especial nas relações paterno-filiais, exige uma releitura do antigo

“pátrio-poder”, hoje chamado de poder familiar ou autoridade parental.

Page 91: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 90

Esta releitura exige o acolhimento de outros princípios diretamente

relacionados ao tema:

Princípio da paternidade responsável (§ 7º do Artigo 226 da CF).

Princípio da convivência familiar.

Princípio da soliadariedade familiar (ambos decorrentes da análise do

Artigo 227 da CF).

Partimos desse exame prévio dos princípios constitucionais que exigem uma

releitura de todo o direito de família para analisar um tema que tem gerado

exacerbadas discussões doutrinárias e jurisprudenciais: a Responsabilidade

Civil por Abandono Afetivo.

Nova concepção de poder familiar

Diante do que vimos até aqui, o afeto, a convivência contínua, o amor e

atenção são elementos integrantes da nova concepção de poder familiar?

Sem sombra de dúvidas que sim, não há como se afastar desses elementos

neste “novo” direito de família, nesta “nova” qualificação da relação paterno-

filial, como bem descreve Rodrigo da Cunha Pereira, “nem só de pão vive o

homem”.

O desenvolvimento amplo e digno da personalidade humana é um dos deveres

inerentes ao poder familiar, cabe aos pais, dentro do exercício deste dever, na

criação de seus filhos, a assistência material, afetiva e moral (art. 229 da CF).

Examinando o art. 229 da Constituição Federal, bem como a amplitude do

dever de assistência, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel (2010, p. 119)

assinala que:

Page 92: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 91

Esta regra engloba, além do sustento, a assistência imaterial

concernente ao afeto, ao cuidado e ao amor. [...]

Analisando a redação do art. 229 da CF/88, no que tange ao dever

dos pais de assistir os filhos menores, notamos a amplitude do termo

e as suas vertentes possíveis. Se, por um lado, significa ajudar,

auxiliar e socorrer, por outro, há a vertente de estar presente, perto,

comparecer, presenciar, acompanhar e até mesmo coabitar.

Portanto, é dever dos pais assistir os filhos, participar continuamente de sua

criação, de sua educação, serem presentes na vida dos mesmos, serem seus

exemplos e pontos de apoio, não somente nos aspectos materiais, mas

essencialmente morais e afetivos.

Para o campo restrito dessa análise, já se pode perceber a extensão deste

conceito e, consequentemente, visualiza-se as possíveis consequências lesivas

do abandono afetivo para a formação da personalidade dessas crianças, os

danos sofridos pelos mesmos.

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (p. 07) esclarece sobre os danos

advindos do abandono afetivo:

O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à

personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa,

dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e

se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir

na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do

cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro,

assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e

socialmente aprovada.

Parte significativa da doutrina nacional admite o ressarcimento destes danos

decorrentes do abandono afetivo (Rolf Madaleno, Rodrigo da Cunha Pereira,

Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo, entre outros – GOMES, 2011), reconhecendo

que o dever de cuidado decorrente da relação paterno-filial inclui

Page 93: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 92

necessariamente estar presente, exercer efetivamente as suas funções

paternais com todos os benefícios e encargos decorrentes da mesma para o

alcance de seu objetivo primordial – o desenvolvimento pleno da personalidade

daquele indivíduo.

Portanto, o abandono dos pais, em especial em razão da dissolução do vínculo

existente entre os genitores, ou até mesmo em razão da negativa de assumir a

paternidade ou maternidade, pode acarretar em danos ao filho, sejam estes

materiais (decorrentes do não cumprimento do dever de sustento), sejam estes

morais, estes, sim, advindos do abandono moral e afetivo, do não exercício

efetivo do poder familiar, independentemente do cumprimento da obrigação

alimentar.

De outro lado, os defensores da impossibilidade da indenização pelo

abandono afetivo (Angelo Carbone, Francisco Alejandro Horne, Danielle

Alheiros, entre outros – GOMES, 2011) afirmam que não é possível se obrigar a

ninguém a amar, não se podendo coagir os pais a amarem e terem afeto por

seus filhos, portanto, não se pode conceber o direito ao ressarcimento pela não

concessão do afeto. Outro argumento é que a simples manutenção da

contribuição material, pagamento de alimentos, seria suficiente e representaria

a afetividade (GOMES, 2011, p. 306). Da mesma forma, é plausível se utilizar

como argumento contrário à responsabilização dos pais pelo abandono dos

filhos a própria concepção de repersonalização do direito de família, sendo que

o ressarcimento financeiro seria uma forma de patrimonialização do afeto.

Ademais, ainda como argumento contrário se poderia levantar a intervenção

mínima do Estado nas relações familiares.

A par das posições doutrinárias, é possível se apontar decisões jurisprudenciais

tanto favoráveis (REsp n.º 1.159.242/SP, Apelação Cível nº 408.550-5/TJMG,

Apelação Cível n.º 0768524-9/TJPR, Apelação Cível n.º 640566-7/PR, entre

outras) como contrárias (REsp n.º 757.411/MG, REsp n.º 514.350/SP, Apelação

Page 94: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 93

Cível n.º 639544-4/TJPR, Apelação Cível n.º 576938-4/TJPR, entre outras) a

essa hipótese.

Para finalizar, transcreve-se o posicionamento de Rodrigo da Cunha Pereira (p.

2), que faz uma análise do tema em questão em correlação com a função

punitivo-pedagógica da responsabilidade civil, anteriormente examinada:

Tudo isso é bem compreensível, claro: não é possível obrigar ninguém

a amar. No entanto, a esta desatenção e a este desafeto devem

corresponder uma sanção, sob pena de termos um direito acéfalo, um

direito vazio, um direito inexigível. Se um pai ou uma mãe não

quiserem dar atenção, carinho e afeto àqueles que trouxeram ao

mundo, ninguém pode obrigá-los, mas à sociedade cumpre o papel

solidário de lhes dizer, de alguma forma, que isso não está certo e

que tal atitude pode comprometer a formação e o caráter dessas

pessoas abandonadas, afetivamente. Afinal, eles são os responsáveis

pelos filhos e isto constitui um dever dos pais e um direito dos filhos.

O descumprimento dessas obrigações significa violação ao direito do

filho. Se os pais assim não agem, devem responder por isso. Esta é a

resposta que a sociedade deve dar, por meio da Justiça, aos pais

abandônicos. A indenização estaria então monetarizando o afeto? De

maneira alguma. O valor da indenização é simbólico e tem apenas

uma função punitiva. Mais que isso: uma função educativa. Afinal,

não há dinheiro no mundo que pague o dano e a violação dos deveres

morais à formação da personalidade de um filho rejeitado.

A Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo é mais um dos temas

intrigantes dentro da Responsabilidade Civil, porém, partindo-se da concepção

de proteção da dignidade da pessoa humana, bem como do amplo

ressarcimento da vítima, além de todo o exame principiológico inerente ao

tema, demonstramos a necessidade de ampliação das pesquisas em relação à

aplicação da responsabilidade civil no campo das relações familiares.

Atividade proposta

Vamos fazer uma atividade relacionada ao tema visto anteriormente!

Page 95: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 94

O caso do Show do Milhão ficou famoso no Direito Brasileiro, pois a Justiça da

Bahia julgou procedente a demanda indenizatória condenando a parte ré ao

pagamento de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), além do prêmio que já

havia obtido até o momento em que surgiu a pergunta irrespondível (outros R$

500.000,00). Leia o caso, examine as razões do acórdão do STJ e disserte

sobre o acerto ou desacerto do julgado.

O caso do Show do Milhão ficou famoso no Direito Brasileiro, pois a Justiça da

Bahia julgou procedente a demanda indenizatória condenando a parte ré ao

pagamento de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), além do prêmio que já

havia obtido até o momento em que surgiu a pergunta irrespondível (outros R$

500.000,00). Contudo, a parte autora havia pleiteado o montante total do

prêmio de um milhão, pois entendeu que este teria sido o prejuízo auferido em

razão da perda da chance de continuar a disputa e chegar à “pergunta do

milhão”. Em grau de Recurso Especial, o Superior Tribunal de Justiça proveu

parcialmente o recurso para o fim de reduzir o valor da condenação por danos

morais para R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), conforme ementa

abaixo. Examine as razões do acórdão do STJ e disserte sobre o acerto ou

desacerto do julgado.

RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE

PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO.

PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em

programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem

viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não

indica percentual relativo às terras reservadas aos índios,

acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a

impossibilidade da prestação por culpa do devedor,

impondo o dever de ressarcir o participante pelo que

razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da

oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido.

(STJ, REsp 788459/BA, DJ 13/03/2006)

Page 96: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 95

Chave de resposta: No âmbito da Teoria da Perda de uma Chance, um dos

temas que causa ainda bastante discussão doutrinária e jurisprudencial é sobre

a natureza do dano indenizável e a forma de sua fixação. Todavia, tem sido de

consenso que, não sendo possível mais se alcançar o resultado perdido em

razão da conduta lesiva, não há como se reparar este dano, mas sim se deve

compensá-lo, razão pela qual a doutrina defende que o valor da indenização

seja inferior ao valor da vantagem esperada e efetivamente perdida pela vítima

(entre outros Glenda Gonçalves Goldim, Carlos Roberto Gonçalves e Rafael da

Silva Santiago). Consequentemente, acertada a decisão do STJ determinando a

redução do quantum indenizatório, pois este visa tão somente compensar a

perda da chance de alcançar o prêmio final, sendo evidente que não havia

absoluta certeza de que o autor lograria este objetivo se tivesse passado pela

pergunta questionada.

Material complementar

Para saber mais sobre as tendências da responsabilidade civil

brasileira leia os artigos disponíveis em nossa biblioteca virtual.

Referências

AMARAL, Ana Claudia Corrêa Zuin Mattos do; SILVA, Fernando Moreira Freitas

da. Dano moral coletivo e sociedade globalizada: o estado atual da arte e

perspectivas futuras. Disponível em:

http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=81a6f51d90af2c00. Acesso em:

18 ago. 2014.

ANDREASSA JUNIOR, Gilberto. A responsabilidade civil pela perda de uma

chance no direito brasileiro. In: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de

Andrade. Revista de Direito Privado, São Paulo: Revista dos Tribunais,

2009. p. 177-214. Disponível em: http://andreassaeandreassa.adv.br/wp-

content/uploads/2013/01/artigo13.pdf. Acesso em: 18 ago. 2014.

Page 97: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 96

DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALHIERI FILHO, Sérgio. Comentários

ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 95. v. 13.

GOMES, Fernando Roggia. A responsabilidade civil dos pais pelo abandono

afetivo dos filhos menores. Revista da ESMESC, v. 18, n. 24, 2011, p. 291-

320. Disponível em: http://www.revista.esmesc.org.br/re/article/view/33/.

Acesso em: 18 ago. 2014.

GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil.

3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 3.

GONDIM, Glenda Gonçalves. Responsabilidade civil: teoria da perda de uma

chance. Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 94, n. 840, out. 2005.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites

do dever de indenizar por abandono afetivo. Disponível em:

http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/93

65/. Acesso em: 18 ago. 2014.

LÔBO, Paulo. Princípio jurídico da afetividade na filiação.Jus Navigandi,

Teresina, a. 5, n. 41, 1 maio 2000. Disponível em:

http://jus.com.br/artigos/527" http://jus.com.br/artigos/527. Acesso em:

18 ago. 2014.

LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético. São Paulo: Revista dos Tribunais. 3.

ed. 2004.

LOVATO, Renato Neto; LOVATO, Antonio Carlos. Novas aplicações da Teoria

da Perda de uma Chance no Direito Brasileiro. Disponível em:

http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=9ad97add7f3d9f29. Acesso em:

18 ago. 2014.

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Poder familiar. In: MACIEL, Kátia

Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de direito da criança e do

adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010.

p. 81-149.

MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense,

2009.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Nem só de pão vive o homem:

Responsabilidade civil por abandono afetivo. Disponível em:

Page 98: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 97

http://www.mpce.mp.br/orgaos/CAOCC/dirFamila/artigos/05_nem.so.de.pao.viv

e.o.homem.pdf. Acesso em: 18 ago. 2014.

SANTIAGO, Rafael da Silva. Responsabilidade civil: aspectos da Teoria da

Perda de uma Chance e sua distinção dos punitive damages. Disponível em:

http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=7fe1f8abaad094e0. Acesso em:

18 ago. 2014.

SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da Responsabilidade Civil: da

erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 4. ed. São Paulo: Atlas,

2012.

_____. Novas tendências da Responsabilidade Civil Brasileira.

Disponível em:

http://www.andersonschreiber.com.br/downloads/novas_tendencias_da_respon

sabilidade_civil_brasileira.pdf. Acesso em: 18 ago. 2014.

TARTUCE, Flávio. Reflexões sobre o dano social. In: Âmbito Jurídico, Rio

Grande, v. 11, n. 59, nov. 2008. Disponível em: http://www.ambito-

juridico.com.br/ site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3537.

Acesso em: 18 ago. 2014.

Exercícios de fixação

Questão 1

A ampliação dos danos ressarcíveis decorrem necessariamente dos seguintes

fatores, exceto:

a) Dos riscos advindos da Revolução Tecnológica, incluindo aqui os

decorrentes da megatecnologia química e nuclear, pesquisas genéticas e

farmacológicas e impactos causados por intermédio das diversas

investidas sobre o meio ambiente.

b) Do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como cláusula geral

dos direitos da personalidade, estendendo a proteção desses direitos a

quaisquer aspectos da personalidade, estejam estes previstos

expressamente pela legislação ou não.

c) A manutenção da Responsabilidade Civil Subjetiva como regra geral na

legislação civil brasileira.

Page 99: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 98

d) A ampliação das hipóteses de titularidade das ações indenizatórias, por

meio do reconhecimento do dano moral coletivo, o qual visa proteger

interesses transindividuais ou supraindividuais.

Questão 2

Assinale a alternativa incorreta:

a) Na atualidade, não se pode mais estabelecer como espécies de danos

somente os materiais e morais, sendo que a ampliação das hipóteses de

danos ressarcíveis tem gerado construções doutrinárias relacionadas a

novas categorias.

b) O conceito de dano moral na doutrina brasileira ainda é permeado por

dúvidas, o que faz surgir dois conceitos distintos, um chamado de “dano

moral subjetivo”, como aquele que define o dano a partir dos efeitos

morais da lesão a um bem jurídico e outro denominado de “dano moral

objetivo”, que seria decorrente da lesão à dignidade da pessoa humana.

c) Os danos sociais seriam aquelas lesões à sociedade decorrentes de

condutas dolosas ou com culpa grave, que atingem além da vítima o

sentimento coletivo, acarretando num rebaixamento do nível de vida de

toda a sociedade.

d) O dano estético tem sido reconhecido por toda a doutrina como

subespécie de dano moral, não sendo, portanto, possível a sua

cumulação.

Questão 3

Sobre os danos morais coletivos, assinale a assertiva incorreta:

a) Os nossos Tribunais não têm reconhecido a possibilidade dos herdeiros

pleitearem indenização por danos morais sofridos pelo de cujus em vida,

haja vista a intransmissibilidade dos direitos da personalidade.

b) O dano moral coletivo tem como vítimas titulares de direitos individuais

homogêneos, coletivos ou difusos.

Page 100: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 99

c) A impossibilidade de identificação da vítima acaba sendo o argumento

levantado pela doutrina e jurisprudências contrárias ao reconhecimento

de um dano moral coletivo.

d) O dano reflexo consiste no dano que atinge pessoa indireta ligada à

vítima direta da conduta lesiva.

Questão 4

O dano estético tem sido reconhecido como outra categoria de danos, ao lado

do dano moral e do dano material. Independe para a sua configuração de que a

vítima utilize a sua beleza estética para fins profissionais, haja vista que

eventual deformidade ou afeiamento pode causar sentimentos de vexame e

humilhação em quaisquer pessoas.

a) Verdadeiro

b) Falso

Questão 5

Na ementa abaixo, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná manteve decisão

de primeiro grau que condenou um estabelecimento comercial que teve seu

alvará invalidado porque desvirtuava a sua atividade, haja vista que se tratava

de um hotel, porém funcionava no local uma casa de prostituição e um motel.

Equivocou-se, todavia, o acórdão em condenar por danos morais coletivos, pois

não há como se individualizar o titular do direito à indenização.

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ESTABELECIMENTO COMERCIAL

CUJO ALVARÁ FOI INVALIDADO ANTE AO DESVIRTUAMENTO DE SUAS

ATIVIDADES - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO, CONDENANDO O

REQUERIDO À CESSAÇÃO DAS ATIVIDADES E AO PAGAMENTO DE DANO

MORAL COLETIVO - DECISÃO ESCORREITA - CONJUNTO PROBATÓRIO APTO A

COMPROVAR AS IRREGULARIDADES PERPETRADAS - MESMO APÓS A

IMPOSIÇÃO DE VÁRIOS AUTOS DE INFRAÇÃO E TAMBÉM APÓS A CASSAÇÃO

DO ALVARÁ, O EXERCÍCIO DAS ATIVIDADES IRREGULARES PERMANECEU -

ESTABELECIMENTO QUE ERA AUTORIZADO A FUNCIONAR COMO HOTEL E NA

PRÁTICA OPERAVA COMO MOTEL E CASA DE PROSTITUIÇÃO - DANO MORAL

Page 101: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 100

COLETIVO DEVIDAMENTO ARBITRADO - VULNERABILIDADE DOS

CONSUMIDORES E TAMBÉM DOS MORADORES DA REGIÃO - SENTENÇA

MANTIDA - APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.

a) Verdadeiro

b) Falso

Questão 6

Sobre a teoria da perda de uma chance, assinale a alternativa incorreta:

a) Essa teoria teve origem na jurisprudência francesa, em especial no

âmbito da responsabilidade civil médica.

b) Não é aceita no direito brasileiro, pois acarretaria em indenização de

danos hipotéticos.

c) Essa teoria defende a possibilidade de indenização de situação em que o

ofensor interfere em um processo aleatório em que a vítima se

encontrava, a qual poderia lhe gerar uma vantagem, mas em razão

desta interferência perdeu a oportunidade de êxito.

d) A chance passível de indenização tem que ser concreta, demonstrada por

provas contundentes que houve a perda da chance de obter uma

situação melhor.

Questão 7

(CESPE-MPU-2013 - adaptada) Caso o paciente morra em decorrência de ter

recebido tratamento médico inadequado, a teoria da perda de uma chance

poderá ser utilizada como critério de apuração da responsabilidade civil por erro

médico, de acordo com entendimento do STJ.

a) Verdadeiro

b) Falso

Questão 8

Considere que James, ator profissional, tenha sido atropelado por Joaquim e,

por isso, não tenha conseguido chegar a tempo para um teste para a

contratação do novo protagonista da novela das 8 da Rede Globo. Nessa

Page 102: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 101

situação hipotética, de acordo com a teoria da perda de uma chance, James

terá direito a ser reparado pelos danos materiais consistentes no valor total dos

salários a serem percebidos se fosse contratado (dano emergente), num valor

proporcional ao que um ator famoso ganha em publicidade durante a gravação

de uma novela desse porte (lucros cessantes) e por danos morais. Verdadeiro

ou falso.

a) Verdadeiro

b) Falso

Questão 9

Em demanda indenizatória por abandono afetivo, o pai do autor da ação poderá

alegar que a sua condenação fere o Princípio da Legalidade, pois não há no

Direito Brasileiro.

a) Verdadeiro

b) Falso

Questão 10

O pai que contribui financeiramente com o sustento do seu filho, pagando

regiamente os alimentos judicialmente estipulados, não pode ser condenado a

compensar os danos advindos do abandono afetivo, sendo tal posição

consolidada na doutrina.

a) Verdadeiro

b) Falso

Aula 3

Exercícios de fixação

Questão 1 - C

Justificativa: Todas as demais assertivas indicam circunstâncias que acarretam

no surgimento de outras espécies de danos, exceto a hipótese prevista na letra

C, a qual reitera a regra clássica da responsabilidade civil subjetiva.

Page 103: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 102

Questão 2 - D

Justificativa: No que tange ao dano estético, ainda há muita divergência na

doutrina brasileira, sendo que parte da doutrina reconhece como dano

autônomo, ao lado do dano moral e do dano material, porém esta não é uma

posição unânime, pois alguns autores defendem que o dano estético é

subespécie de dano moral.

Questão 3 - A

Justificativa: Na atualidade, os nossos Tribunais, bem como a doutrina pátria,

têm defendido a transmissibilidade do dano moral, possibilitando aos herdeiros

pleitearem indenização pelos danos sofridos pelo de cujus em vida.

Reconhecem que não são os direitos personalíssimos do falecido que se

transmitem aos herdeiros, até mesmo porque com a morte esses se extinguem.

O que se transmite é o direito à indenização, direito este de conteúdo

econômico, disponível e transmissível.

Questão 4 - A

Justificativa: Por óbvio que os profissionais que dependem de sua aparência

sofreram ainda mais em decorrência do dano estético, inclusive com reflexos

econômicos em virtude do mesmo. Todavia, qualquer pessoa que venha a ser

atingida na sua integridade física e sofra deformações que causem afeiamento,

vexame ou sentimento de humilhação podem pleitear dano estético.

Questão 5 - B

Justificativa: Os Tribunais pátrios têm reconhecido a possibilidade de

condenação por danos morais coletivos, visando à tutela de bens que

extrapolam o interesse individual, como no caso das relações de consumo, o

meio ambiente, o patrimônio cultural e artístico, entre outros. Portanto, correta

a decisão ao manter a condenação por danos morais coletivos, diante do

objetivo de tutelar os valores e interesses sociais dos consumidores e dos

moradores da região. Inclusive, no corpo do acórdão cuja ementa acima foi

Page 104: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 103

transcrita, é possível se examinar a posição do Superior Tribunal de Justiça em

situações semelhantes:

“(...) I - A dicção do artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor é clara

ao possibilitar o cabimento de indenização por danos morais aos consumidores,

tanto de ordem individual quanto coletivamente. II - Todavia, não é qualquer

atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral

difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e

desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para

produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes

na ordem extrapatrimonial coletiva.”(REsp 1221756/RJ, Rel. Ministro MASSAMI

UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 10/02/2012).

Questão 6 - B

Justificativa: Em que pese ainda timidamente, a Teoria da Perda de uma

Chance tem sido aceita tanto pela doutrina como pela jurisprudência nacional.

Questão 7 - A

Justificativa: Como já tem se assentado na jurisprudência nacional, “A teoria da

perda de uma chance pode ser utilizada como critério para a apuração de

responsabilidade civil ocasionada por erro médico na hipótese em que o erro

tenha reduzido possibilidades concretas e reais de cura de paciente que venha

a falecer em razão da doença tratada de maneira inadequada pelo médico.”

(REsp 1.254.141-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/12/2012).

Questão 8 - A

Justificativa: No âmbito da Teoria da Perda de uma Chance, um dos temas que

causa ainda bastante discussão doutrinária e jurisprudencial é sobre a natureza

do dano indenizável e a forma de sua fixação. Há quem defenda que seria

hipótese de lucro cessante, ou seja, aquilo que a vítima deixou de ganhar em

razão da conduta lesiva, enquanto outros defendem a condenação por danos

morais, visando assim somente se compensar a chance perdida, haja vista que

seria impossível o seu restabelecimento. Todavia, tem sido de consenso que,

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 104

não sendo possível mais se alcançar o resultado perdido em razão da conduta

lesiva, não há como se reparar este dano, mas sim se deve compensá-lo, razão

pela qual a doutrina defende que o valor da indenização seja inferior ao valor

da vantagem esperada e efetivamente perdida pela vítima (entre outros,

Glenda Gonçalves Goldim, Carlos Roberto Gonçalves e Rafael da Silva

Santiago). Consequentemente, não haveria como condenar o Joaquim pelos

danos materiais (emergentes e lucros cessantes), pois não há como se ter

certeza de que James seria o ator escolhido para interpretar o protagonista

caso tivesse comparecido ao teste.

Questão 9 - B

Justificativa: Em que pese não haver expressa previsão legal em relação ao

abandono afetivo, este decorre da violação do dever de cuidado inerente ao

Poder Familiar, cuja definição além de decorrer de previsão legal expressa

(Artigo 1.634 do CCB e Artigo 19 do ECA) decorre de princípios constitucionais,

como o da afetividade, da solidariedade familiar, da paternidade responsável e,

em especial, da dignidade da pessoa humana. Consequentemente, a sua

violação caracteriza ato ilícito e gera o dever de indenizar (Artigo 186 e 927 do

CCB).

Questão 10 - B

Justificativa: A simples manutenção da contribuição material, pagamento de

alimentos, não é suficiente para demonstrar afetividade, sendo evidente que o

dever de cuidado representa muito mais do que cuidado material, mas inclui os

aspectos morais e afetivos. Todavia, há autores que defendem esta tese

(GOMES, 2011, p. 306).

Page 106: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 105

Introdução

Nesta nossa última aula, iremos examinar a responsabilidade civil objetiva,

fazendo um retrospecto histórico do seu surgimento até os dias atuais na

legislação pátria, demonstrando que boa parte da doutrina tem entendido que o

nosso Código Civil consagra, ao lado de uma regra geral de responsabilidade

subjetiva, uma cláusula geral de responsabilidade civil objetiva prevista no seu

Artigo 927, parágrafo único.

Após um breve histórico, analisaremos algumas das hipóteses legais de

responsabilidade objetiva, sempre com o intuito de demonstrar as suas novas

tendências e objetivos, correlacionando com os demais assuntos tratados nas

aulas anteriores.

Ao final, teremos como objetivo examinar a responsabilidade civil no Código de

Defesa do Consumidor, demonstrando que a legislação consumerista tem como

regra a responsabilidade civil objetiva, pois visa à mais ampla proteção do

consumidor. Ao final, será examinada especificamente a aplicabilidade das

normas consumeristas visando à reparação do dano decorrente do risco de

desenvolvimento.

Objetivo:

1. Estudar a responsabilidade civil objetiva, demonstrando a sua evolução

histórica e legislativa, bem como examinando as previsões do Código Civil;

2. Analisar a responsabilidade civil nas relações de consumo, em especial o

dano decorrente do risco de desenvolvimento.

Page 107: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 106

Conteúdo

Responsabilidade civil objetiva

Vamos relembrar o que é responsabilidade civil objetiva?

1. Para que foi criada?

A responsabilidade civil objetiva, como já analisado na primeira aula deste

curso, foi criada como um instrumento para facilitar o alcance do objetivo

primordial da nossa disciplina – o ressarcimento da vítima, afastando o principal

obstáculo a tal concretização, a comprovação da culpa.

2. Como surgiu?

O seu surgimento tem ligação direta com a Revolução Industrial, com a

mudança de uma sociedade eminentemente ruralista para uma sociedade

industrializada, a qual acarreta necessariamente na ampliação das hipóteses de

riscos decorrentes destas atividades ou, como afirma Teresa Ancona Lopez

(2006, p. 112), “os perigos da nova sociedade comandada por máquinas de

todos os tipos”.

3. Comprovação de culpa?

A necessidade de comprovação do elemento subjetivo – culpa – como

pressuposto para a condenação ao dever de indenizar acaba por ser uma

barreira para o alcance da função reparatória/compensatória da

responsabilidade civil, diante da multiplicação dos danos decorrentes do surto

do progresso e desenvolvimento industrial.

4. Anderson Schreiber

Anderson Schreiber (2012, p. 17) exemplifica a dificuldade de fazer prova da

culpa afirmando que:

A exigência de que a vítima demonstrasse a culpa em acidentes desta natureza

– basta pensar em acidentes de transporte ferroviário ou em acidentes de

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 107

trabalho ocorridos no interior de fábricas – tornava-se verdadeiramente odiosa

diante do seu desconhecimento sobre o maquinismo empregado, da sua

condição de vulnerabilidade no momento do acidente e de outros tantos fatores

que acabaram por assegurar à prova a alcunha de probatio diabolica.

Diante de tão odiosa prova, a qual não era possível à vítima na grande maioria

das situações, haja vista que os danos acabam surgindo do mero exercício da

atividade perigosa, o direito passou a criar instrumentos para o fim de driblar

esta exigência e possibilitar o mais amplo ressarcimento da vítima, entre eles é

possível se indicar as hipóteses legais de presunção de culpa e a aceitação da

teoria do risco (SCHREIBER, 2012, p. 18).

Primeiros estudos

Você sabia?

O marco inicial da responsabilidade civil objetiva foi a obra de Raymond

Saleilles, Les accidents de travail et la responsabilité civile: essai d’une théorie

objective de la responsabilité délictuelle, datada de 1897, a qual propunha a

imposição do dever de indenizar por um princípio simples de causalidade, que

não exigisse o exame do comportamento do agente causador do dano.

Outra obra de relevância para o estudo da responsabilidade civil objetiva é a de

Loius Josserand, o qual “defendia a ideia de risco como critério de

responsabilização”. (SCHREIBER, 2012, p. 19).

A partir dessas obras doutrinárias, desenvolveu-se o estudo da

responsabilidade civil objetiva e da teoria do risco como mecanismos

facilitadores da indenização da vítima em situações tais em que a prova da

culpa é difícil, senão impossível.

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 108

Começam a surgir gradativamente legislações que abarcam a responsabilização

independentemente de culpa, amadurecendo um dos principais institutos da

nossa disciplina na atualidade.

O Código Civil de 1916

No direito brasileiro percebe-se, numa análise breve, que o legislador do

Código Civil de 1916 se manteve na esteira da responsabilidade civil

subjetiva, exigindo como requisito indispensável para o surgimento do dever

de reparar a comprovação da culpa do agente causador do dano.

Imprescindível se faz observar, com apoio na doutrina de Anderson Schreiber

(2012, p. 20), que o Código Civil de 1916, embora tenha como regra a

responsabilidade fundada na culpa, possuía dispositivo que atendia à ideia da

responsabilidade sem culpa consubstanciado no art. 1.529, que previa que

“aquele que habitar uma casa, ou parte dela responde, pelo dano proveniente

das coisas, que dela caírem ou forem lançadas em lugar indevido”. Todavia, o

autor afirma “que a leitura objetivista deste dispositivo somente veio a ser

plenamente aceita com a consagração doutrinária da teoria do risco e com a

crescente simpatia do legislador especial pela responsabilidade objetiva”.

Outro exemplo de hipótese de responsabilidade independentemente de culpa

na legislação anterior é a previsão do seu art. 15: “As pessoas jurídicas de

direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes

que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário

ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra

os causadores do dano.”

Não podemos nos esquecer, por óbvio, as hipóteses de presunção de culpa dos

arts. 1.527 e 1.528 da legislação anterior.

O nosso legislador, da época, consagrou a responsabilidade civil objetiva em

legislações esparsas, como o Decreto n.º 2.681/1912 (Lei das Estradas de

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 109

Ferro), Lei de Acidentes de Trabalho, Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei n.º

6.453/77 (relativa às atividades nucleares), Lei n.º 6.938/81 (que trata dos

danos causados ao meio ambiente), e o Código de Defesa do Consumidor,

entre tantas outras, sendo este último o marco determinado da adoção dessa

teoria no Direito Brasileiro.

A própria Constituição Federal adota a teoria do risco administrativo no

parágrafo 6º do seu art. 37, impondo a responsabilidade objetiva ao Estado e

seus agentes e concessionários.

Ou seja, até então a regra era a responsabilidade civil subjetiva, fundada na

comprovação da culpa, e a exceção era a responsabilidade civil objetiva,

fundada na noção de risco, a qual pressupunha a existência de legislação

expressa para a sua aplicação.

Por óbvio que todo aquele processo de Constitucionalização e Repersonalização

da Responsabilidade Civil possui efeito direto sobre a modificação desta regra

na legislação civil brasileira, pois prepondera a função

reparatória/compensatória da nossa disciplina em nítido respeito ao princípio da

dignidade da pessoa humana, bem como passa a influenciar a disciplina

reparatória também o princípio da solidariedade social.

Nesse sentido, segundo Maria Celina Bodin de Moraes (2006, p. 250):

A objetivação da responsabilização, neste ponto, nada mais é do que um

aspecto de um processo maior de releitura do direito civil em virtude da

incidência dos princípios constitucionais. Ela traduz a passagem do modelo

individualista-liberal de responsabilidade, compatível com a ideologia do Code

Napoléon e do Código de 1916, para o chamado modelo solidarista, baseado na

Constituição da República, fundado na atenção e no cuidado para com o

lesado: questiona-se se à vítima deva ser negado o direito ao ressarcimento e

não mais, como outrora, se há razões para que o autor do dano seja

Page 111: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 110

responsabilizado. Trata-se, assim, de vincular diretamente a responsabilidade

civil aos princípios constitucionais da dignidade, da igualdade e da

solidariedade.

O Código Civil de 2012

Passada mais de uma década da vigência da nossa Constituição Federal, entra

em vigência o Código Civil de 2012 consagrando, por definitivo, a

responsabilidade civil objetiva, ao lado da responsabilidade civil

subjetiva.

Artigo 186 e 187 do CCB

O primeiro passo para esta mudança foi a separação da noção de ato ilícito

(Artigo 186 e 187 do CCB) das disposições atinentes à responsabilidade civil

(Artigo 927 e segs do CCB), ficando claro que o dano é o principal

pressuposto da nossa disciplina (LOPEZ, 2006, p. 113).

Artigo 927, caput combinado com o Artigo 186 do CCB

Ao lado da previsão da responsabilidade civil subjetiva (Artigo 927, caput

combinado com o Artigo 186 do CCB), a nova legislação estabelece uma

cláusula geral de responsabilidade civil objetiva em seu parágrafo único:

“haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos

especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo

autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Anderson Schreiber (2012, p. 21-22) afirma que esta norma teve como

inspiração o disposto no Artigo 493 do Código Civil Português e o Artigo 2.050

do Código Civil Italiano de 1942.

Responsabilidade subjetiva e objetiva

Page 112: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 111

A partir da vigência do Código Civil de 2012, as duas regras, a

responsabilidade subjetiva e a responsabilidade objetiva, devem

conviver pacificamente no ordenamento jurídico pátrio.

Na análise do caso concreto, deverá o intérprete analisar a aplicabilidade das

regras partindo da responsabilidade civil objetiva e tendo como regra de

remanescente a responsabilidade subjetiva.

1

A partir da situação concreta deve o intérprete primeiro examinar se há

legislação expressa prevendo a aplicação da responsabilidade civil objetiva

(como o CDC, a Legislação Ambiental, de Transportes, etc.).

2

Em caso negativo, deve examinar a aplicabilidade do parágrafo único do Artigo

927 do CCB, ou seja, se a hipótese se enquadra na categoria de atividade

normalmente desenvolvida que gere riscos para os direitos de outrem.

3

E, por último, desde que não se enquadre em nenhuma das situações

anteriores, aplicável seria a regra da responsabilidade civil subjetiva.

Boa parte da doutrina nacional entende que a regra geral ainda permanece

como sendo a responsabilidade subjetiva, sendo que na insuficiente desta é

que será aplicada a responsabilidade objetiva (Caio Mario da Silva Pereira,

Carlos Roberto Gonçalves, Sérgio Cavalieri Filho, Teresa Ancona Lopez, entre

outros).

Artigo 927 do Código Civil Brasileiro

A nossa aula se restringirá à análise detalhada da cláusula geral de

responsabilidade civil prevista no parágrafo único do Artigo 927 do Código

Civil Brasileiro. Contudo, imprescindível se faz observar outra regra de

responsabilidade civil objetiva prevista no Artigo 931 do Código Civil:

Page 113: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 112

Artigo 931:

“ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e

as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados

pelos produtos postos em circulação.”

Vamos examinar alguns pontos em que ainda pairam dúvidas na aplicabilidade

do referido parágrafo. Vários questionamentos relevantes surgem, entre eles:

Quais seriam essas atividades de riscos?

Como caracterizar uma atividade normalmente desenvolvida?

Percebe-se, como bem observa Anderson Schreiber (2012, p. 23), que o

legislador permitiu uma ampla discricionariedade jurisdicional, permitindo ao

juiz, na análise do caso concreto, partindo dos valores e princípios

constitucionais, estabelecer o que é atividade de risco normalmente

desenvolvida.

Várias são as interpretações possíveis dessas expressões.

Várias são as interpretações possíveis destas expressões (SCHREIBER, 2012, p.

24-25), há quem afirme que a atividade deve, necessariamente, ter como

finalidade a obtenção de proveitos econômicos (Carlos Roberto Gonçalves), há

quem afirme que a atividade deve ser organizada sob a forma de empresa, e

outros que afirmam que a hipótese já estava consagrada no art. 14 do Código

de Defesa do Consumidor, referente à responsabilidade pelo fornecimento de

serviços (Sérgio Cavalieri Filho).

Numa análise mais condizente com o dispositivo em comento, pode-se afirmar

que o exercício de atividade de risco não se restringiria a hipótese em que o

agente obtém proveito econômico (teoria do risco-proveito), pois em momento

algum o legislador inclui este requisito, sendo evidente que basta que a

atividade, mesmo que não lucrativa, gere riscos à coletividade (teoria do risco

Page 114: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 113

criado). Outrossim, o dispositivo em comento não se esvai na previsão do art.

14 do CDC, pois este se refere especificamente às relações de consumo,

enquanto aquele se aplicaria às demais relações em que a vítima não é o

destinatário final do serviço.

Mas então o que seria atividade normalmente desenvolvida? Teresa Ancona

Lopez (2006, p. 124) afirma que se refere, “na maioria dos casos, à atividade

empresarial e, excepcionalmente, a série de atos que a pessoa física pratica

com habitualidade pondo em risco a segurança alheia”. Adverte, por fim, que

“não podemos colocar no mesmo conceito uma atividade individual e isolada,

como a de dirigir automóveis. Nesse caso, serão os atos do motorista, e a sua

conduta diligente ou não, que estarão em julgamento.”

Finalmente, quais são esses riscos advindos de tal atividade? Anderson

Schreiber (2012, p. 25) afirma que as atividades devem gerar um “grau de risco

elevado seja porque se centram sobre bens instrinsecamente danosos (como

material radioativo, explosivos, armas de fotos, etc.), seja porque empregam

métodos de alto potencial lesivo (como o controle de recusos hídricos,

manipulação de energia nuclear, etc.).”

Por óbvio que a maioria das atividades do ser humano gera riscos a terceiros.

Poderíamos afirmar: “Viver é um risco”! Contudo, por evidente que o objetivo

da legislação não é atingir todos os riscos inerentes ao convívio social, mas,

sim, e, preponderantamente, as atividades que geram um risco fora do comum,

um risco elevado, como as atividades de transporte em geral, as atividades que

dependem para seu exercício do uso de armas de fogo, algumas atividades

esportivas, vendas de combustíveis, a construção imobiliária, fábricas de fogos

de artifícios, entre outras.

Por óbvio que cabe ao intérprete usar do bom senso, da ponderação, da

equidade, para examinar o caso concreto e distinguir as atividades que

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 114

naturalmente são perigosas e decorrem da prática cotidiana, daquelas que

geram um risco extraordinário.

Mas devemos ir mais além na Responsabilidade Objetiva, como defende

Anderson Schreiber (2012, p. 28-30). O legislador civil não previu hipóteses de

responsabilização sem a necessidade de comprovação de culpa somente

quando a atividade desenvolvida pelo agente gera risco de dano a terceiro, mas

impõe a responsabilização objetiva em situações diversas, em que não se

discute o risco da atividade, como, por exemplo, responsabilidade do habitante

pela queda de objeto de prédio (art. 938 do CCB), responsabilidade dos pais,

tutores ou curadores pelos atos dos filhos, tutelados ou curatelados (art. 932,

incisos I e II do CCB).

Nessas hipóteses não se vislumbra a análise da existência de uma atividade de

risco, mas sim constatamos, o que já analisamos anteriormente, uma

socialização dos danos, a busca da indenização tão só pela indenização, não

pela ideia de culpa, nem mesmo tão somente pela prova do exercício de

atividade de risco, mas sim pela especial finalidade de nossa disciplina: o

ressarcimento dos danos sofridos pela vítima.

Portanto, nessas circunstâncias, percebemos que a responsabilidade objetiva

revela “a sua verdadeira essência na contemporaneidade: não a de uma

responsabilidade por risco, mas a de uma responsabilidade independente de

culpa ou de qualquer outro fator de imputação subjetiva, inspirada pela

necessidade de se garantir reparação pelos danos que, de acordo com a

solidariedade social, não devem ser exclusivamente suportados pela vítima”

(SCHREIBER, 2012, p. 30).

A partir dessa constatação, voltamos ao início, ao objetivo primordial da

responsabilidade civil: a reparação ou compensação da vítima.

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 115

Código de Proteção e Defesa do Consumidor

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor foi um marco no âmbito da

responsabilidade civil objetiva no Direito Brasileiro, pois estabelece

expressamente como regra geral que:

A responsabilidade nas relações consumeristas independe da comprovação

da culpa do fornecedor.

Única exceção: a responsabilidade dos profissionais liberais, quando então

é indispensável a comprovação do elemento subjetivo.

Se não bastasse o quase absoluto afastamento das regras da responsabilidade

subjetiva, o CDC também instituiu como regra:

A responsabilidade solidária de todos os membros da cadeia produtiva e de

distribuição dos produtos e serviços, demonstrando o caráter de socialização

dos danos.

Observe a nítida intenção do legislador em oportunizar a mais ampla proteção

do consumidor nos seus primeiros artigos.

Isto acontece quando estabelece que as normas consumeristas são de ordem

pública, ou seja, de observância obrigatória.

Proteção da incolumidade físico-psíquica do consumidor

A responsabilidade civil no CDC parte de duas óticas distintas (BENJAMIN,

1990, p. 17):

Responsabilidade civil no CDC

Proteção da incolumidade físico-psíquica do consumidor através da

responsabilidade civil pelo fato do produto ou serviço.

Page 117: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 116

Proteção da incolumidade econômica do consumidor por meio da

responsabilidade civil por vício do produto ou serviço.

Proteção da incolumidade físico-psíquica do consumidor através da

responsabilidade civil pelo fato do produto ou serviço.

Sobre esta ótica estão enquadrados o que chamamos de:

Acidentes de consumo, ou seja, eventual defeito do produto ou serviço

extrapola a simples utilidade do mesmo atingindo a integridade físico-psiquíca

do consumidor, trazendo danos à sua saúde. Nessa circunstância, percebe-se

que:

“o fundamento material da responsabilidade civil pelo fato do produto (...) é o

defeito que está associado à quebra do dever geral de segurança.” (MENEZES,

2012, p. 14)

Vamos a um exemplo?

O defeito nos freios de um veículo acaba acarretando num acidente que causa

a morte ou lesões à integridade física do consumidor ou de terceiros

(consumidores equiparados pelo Artigo 17 do CDC).

Ao lado do fato do produto ou serviço, o CDC impõe responsabilidade pelo vício

do produto ou serviço, quando o produto ou serviço contratados possuem

defeitos que os tornem impróprios para a finalidade para a qual foram criados.

Portanto, relaciona-se a uma anomalia intrínseca do produto ou serviço que

causa o seu mau funcionamento ou até mesmo o seu não funcionamento. Aqui

seria o próprio defeito nos freios, independentemente de causar outros danos.

O objetivo primordial deste item é examinar os riscos de desenvolvimento, por

isso iremos nos ater às regras da responsabilidade pelo fato do produto ou

serviço.

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 117

Riscos de desenvolvimento

Mas o que seria o risco de desenvolvimento? Vamos a dois exemplos:

Caso DES

O caso americano Sindell versus Abbott Laboratories, de 1980, “envolvendo

droga cujo princípio ativo era o diethilstibestrol (por isso ficaram conhecidos

como casos ‘DES’), indicado para mulheres grávidas a fim de evitar o aborto

espontâneo, mas cujos efeitos colaterais, descobriu-se posteriormente,

potencializavam o surgimento de câncer em seus filhos” (LEVY, 2012, p. 10).

Pois então, quando do desenvolvimento do medicamento era desconhecido o

seu potencial danoso, o qual somente passou a ser percebido a posteriori,

quando atingiu os filhos das mulheres que tinham usado a droga, inclusive para

evitar o aborto espontâneo.

São riscos invisíveis e imprevisíveis, que quando do desenvolvimento do

medicamento eram desconhecidos, imperceptíveis para a sociedade científica

da época, diante dos conhecimentos existentes até aquele momento.

Caso da Talidomia

Outro exemplo de risco de desenvolvimento é o caso da Talidomida,

“medicamento utilizado por gestantes para aliviar os enjoos da gravidez e que

fora responsável diretamente pelo nascimento de bebês com deformidades

congênitas” (RODRIGUES, 2007, p. 4707).

Podemos citar diversas pesquisas que visam analisar os riscos do uso de alguns

produtos e que ainda não chegaram a qualquer conclusão, como o uso dos

celulares, do micro-ondas, dos alimentos transgênicos, entre outros, os quais já

são usados ou consumidos diariamente sem que se saiba ao certo se estes

podem trazer um prejuízo em longo prazo aos seres humanos.

Page 119: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 118

A questão que se coloca em análise é sobre a possibilidade ou não de

responsabilização dos seus fornecedores em caso de danos advindos num

futuro muitas vezes remoto.

Inicialmente cumpre advertir que a legislação consumerista não faz referência

expressa a estes riscos de desenvolvimento e consequentes danos, muito

menos sobre a possibilidade de responsabilização dos fornecedores.

Cabe examinar as regras aplicáveis à responsabilidade pelo fato do produto ou

serviço para se verificar a sua aplicabilidade nos casos de riscos de

desenvolvimento.

O defeito no produto ou no serviço

Como vimos, a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço é aquela

decorrente do acidente de consumo, quando o defeito no produto ou no

serviço extrapola a sua funcionalidade atingindo a integridade físico-psíquica

do agente (Artigo 12 e 14 do CDC).

O que seria este defeito capaz de atingir a incolumidade física ou

psíquica do consumidor?

O próprio CDC estabelece que se considera defeituoso o produto ou serviço

quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera (Artigo

12, § 1º e Artigo 14, § 1º, ambos do CDC).

Artigo 12 do CDC

Artigo 12. (...)

§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele

legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias

relevantes, entre as quais:

I - sua apresentação;

II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

Page 120: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 119

III - a época em que foi colocado em circulação.

E é exatamente no limite temporal acima destacado que paira a dúvida sobre a

possibilidade de responsabilização dos fornecedores pelo risco de

desenvolvimento.

Examinando o disposto no Artigo 12 do CDC, percebe-se que o legislador

estabelece a necessidade de análise de algumas circunstâncias para se

averiguar a constatação desse defeito.

Parte da doutrina defende que essa limitação temporal acarreta na exclusão da

responsabilidade do fornecedor, por isso defendem que o risco de

desenvolvimento é uma hipótese de excludente de responsabilidade do

fornecedor pelos danos causados ao consumidor.

Rui Stoco (2007, p. 53) leciona:

Pode-se afirmar que qualquer causa ou condição que tenha o poder

de excluir o nexo de causa e efeito assume a qualidade de excludente

da responsabilidade. Do que se conclui que, ademais do chamado

risco de desenvolvimento não ser causa ou condição que empenha

responsabilização, posto que a legislação de regência não previa tal

possibilidade por expressa vontade do legislador, por outro lado,

constitui excludente implícita da responsabilidade.

Arthur Martins Ramos Rodrigues indica ainda como um dos fundamentos

utilizados por essa parte da doutrina o disposto no inciso I do art. 6º do CDC, o

qual dispõe que “o consumidor tem o direito à proteção da vida, da saúde e da

segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de

produtos ou serviços considerados ‘perigosos ou nocivos’”. Por isso, questiona:

“como proteger um consumidor do risco criado por um produto ou serviço que

não é considerado perigoso ou nocivo?”

Page 121: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 120

Ainda seria um argumento favorável a essa tese o fato de que se impormos

responsabilização a estes fornecedores, isto acarretaria numa derrocada na

pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, diante da responsabilização

pelo estado da arte, pelos conhecimentos obtidos até aquele momento.

De outro lado, cita-se o Enunciado n.º 43 da I Jornada de Direito Civil do

Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal que estabelece

que o art. 931 do Código Civil (dispositivo semelhante ao art. 12 do CDC), ao

impor a responsabilização pelo fato do produto também incluir os riscos de

desenvolvimento.

Entre os defensores da responsabilização do fornecedor pelo risco de

desenvolvimento, Sérgio Cavalieri Filho (2005, p. 476) enquadra esses defeitos

como fortuito interno, inerente à atividade do fornecedor, razão pela qual deve

ser responsabilizado. E adverte que o risco do desenvolvimento diz respeito a

um defeito de concepção, que, por sua vez, dá causa a um acidente de

consumo por falta de segurança. Irrelevante saber, como já demonstrado, se

esse defeito era ou não previsível e, consequentemente, evitável.

Por outro lado, cumpre advertir que a imposição de responsabilização aos

fornecedores pode inclusive fomentar o desenvolvimento de pesquisas,

aumentando a segurança dos consumidores.

Considerações finais

Joyceane Bezerra de Menezes (2012, p. 17), relembrando parte do já

examinado na nossa disciplina, em especial a socialização dos danos e a tutela

à dignidade da pessoa humana, defende que:

“o cenário da sociedade de riscos está armado e os riscos de desenvolvimento

são uma realidade”, porém “não se pode creditar apenas ao consumidor o ônus

do desenvolvimento”, razão pela qual não se pode negar a responsabilização do

fornecedor pelos riscos de desenvolvimento.

Page 122: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 121

Se fizermos uma retrospectiva do que já foi examinado até aqui durante todo o

nosso curso, percebemos que, partindo-se:

Das concepções da Constitucionalização e Repersonalização do Direito;

Da evolução da responsabilidade civil para um Direito de Danos;

Da socialização dos danos e dos riscos,

Da criação de mecanismos extrajudiciais capazes de garantir o mais amplo

ressarcimento das vítimas.

...não podemos negar que é dever do fornecedor indenizar os

consumidores pelos riscos de desenvolvimento, até mesmo se partirmos de

uma interpretação teleológica do CDC, diante da nítida intenção do legislador

em proteger o consumidor.

Atividade proposta

Vamos fazer uma atividade relacionada ao tema visto anteriormente! Elabore

uma pesquisa sobre os riscos de desenvolvimento dos alimentos transgênicos,

desenvolvendo análise sobre a responsabilização ou não dos produtores.

Chave de resposta: Para iniciar a pesquisa, primeiramente, é imprescindível

examinar o que seriam os alimentos transgênicos. Para tanto, cita-se parte do

voto do desembargador Saldanha da Fonseca na Apelação Cível nº

2.0000.00.387120-5/000 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Para iniciar a pesquisa, primeiramente, é imprescindível examinar o que seriam

os alimentos transgênicos. Para tanto, cita-se parte do voto do desembargador

Saldanha da Fonseca na Apelação Cível nº 2.0000.00.387120-5/000 do Tribunal

de Justiça de Minas Gerais:

Page 123: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 122

Pois bem, depois de um estudo minucioso a respeito da questão,

cheguei à conclusão de que os transgênicos são organismos vivos,

formados a partir de alterações no seu genoma. Os genes são

alterados de forma a conferir ao organismo características

importantes para que este se destaque em relação aos outros e

aumente sua capacidade de adaptação ao meio, como: resistência a

determinadas pragas, maiores índices de componentes da sua

composição, aumento de sua produtividade, entre outros.

Pude também observar que a Engenharia Genética é uma ciência que

propicia um conjunto de técnicas que permitem, artificialmente,

alterar o material genético de um organismo, podendo referidas

modificações ocorrer das seguintes formas: transformação do material

genético entre organismos de espécies diferentes artificialmente;

transferência de material genético entre si; modificação, retirada ou

multiplicação do material genético de um organismo vivo; construção

de novos materiais genéticos fora dos organismos e posteriormente

incorporação neles próprios; etc.

Portanto, a alteração do genoma pode ser natural quando ocorre sem

a interferência do homem, ou por processos artificiais, os quais

ocorrem sob a influência única antrópica e é feita em laboratórios. Os

organismos que tiveram o seu genoma alterado, natural ou

artificialmente, são chamados de Organismos Geneticamente

Modificados (OGM).

Aí sim, chega-se no ponto que necessitamos mencionar, para não

dizer refletir, pois que as células têm a capacidade de identificar

material genético que seja estranho à sua espécie e, dessa forma,

existem mecanismos complexos para evitar que ele se integre ao seu

genoma. É através da sua membrana celular, na qual estão inseridos

complexos mecanismos que agem sobre sua estrutura, que a célula

determina o que entra e o que sai de seu interior e também, através

de outros mecanismos os quais podem fragmentar o material genético

invasor, impedindo sua replicação e inativando-o.

Assim sendo, ainda que exista uma enorme variabilidade de

organismos em cada espécie, a natureza traça limites. Espécies

Page 124: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 123

diferentes não fazem cruzamento natural, já que isto é impossível que

ocorra. Porém, artificialmente, em laboratório, é possível

transferirmos um ou mais genes (ou parte de um gene) entre

espécies diferentes. O organismo resultante deste cruzamento será

um organismo geneticamente modificado, porém um OGM

transgênico.

Nesse breve relato, pude detectar que as técnicas que “enganam” a

membrana celular de outra espécie, isto é, enganam a natureza, para

modificar organismos, fazem uso de outros micro-organismos tais

como vírus e bactérias, que possuem a capacidade de transferir seus

conteúdos genéticos para os organismos que se pretende modificar.

Referido processo de transferência de material genético de um

organismo para outro é que origina a chamada modificação genética,

com a obtenção de um transgênico.

Ainda é discutível entre os pesquisadores os possíveis riscos para a saúde das

pessoas, entre eles (http://www.idec.org.br/consultas/dicas-e-direitos/saiba-o-

que-sao-os-alimentos-transgenicos-e-quais-os-seus-riscos):

1. Aumento das alergias.

2. Aumento de resistência aos antibióticos.

3. Aumento das substâncias tóxicas.

4. Maior quantidade de resíduos de agrotóxicos.

A questão que se mostra tormentosa é se saber se de fato estes riscos se

concretizarão e quais os danos à saúde das pessoas. Em que pese existir doutrina

contrária à responsabilização pelos riscos de desenvolvimento, cumpre advertir que

numa análise principiológica não há como se negar à vítima, que em regra será a

coletividade, o direito ao ressarcimento desses danos.

Page 125: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 124

Material complementar

Para saber mais sobre danos pelo risco de desenvolvimento, indica-

se a leitura de: RODRIGUES, Arthur Martins Ramos. A tutela do

consumidor frente aos riscos do desenvolvimento, disponível

em nossa biblioteca virtual.

Referências

CAVALLIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo:

Atlas, 2005.

GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil.

3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 4.

LOPEZ, Teresa Ancona. Principais linhas da Responsabilidade Civil no Direito

Brasileiro Contemporâneo. Revista da Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo, v. 101, p. 111-152, jan./dez. 2006.

MENEZES, Joyceane Bezerra de. A Reengenharia da Responsabilidade

Civil na Sociedade de Riscos – Da Culpa à Socialização dos Riscos.

Disponível em:

http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/joyceane_bezerra_

de_menezes.pdf. Acesso em: 21 ago. 2014.

_____. O direito dos danos na sociedade das incertezas: a problemática do

risco de desenvolvimento no Brasil. Civilistica.com. ano 1, n. 1, 2012.

Disponível em: http://civilistica.com/direito-dos-danos/. Acesso em: 21 ago.

2014.

MORAES, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização do direito civil e seus

efeitos sobre a responsabilidade civil. Direito, Estado e Sociedade. v. 9. n. 9,

jul/dez 2006. p. 233-258. Disponível em:

http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Bodin_n29.pdf. Acesso em: 21 ago.

2014.

Page 126: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 125

PÜSCHEL, Flavia Portella. Funções e princípios justificadores da

responsabilidade civil e o Artigo 927, § único do Código Civil. Revista Direito

GV, v. 1, n. 1, p. 091-107, mai.2005.

RODRIGUES, Arthur Martins Ramos. A tutela do consumidor frente aos

riscos do desenvolvimento. Disponível em:

http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/arthur_martins_ramos_r

odrigues2.pdf. Acesso em: 21 ago. 2014.

SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da Responsabilidade Civil: da

erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 4. ed. São Paulo: Atlas,

2012.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. São Paulo: RT, 2007.

TARTUCE, Flávio. A responsabilidade civil subjetiva como regra geral do

Novo Código Civil Brasileiro. Disponível em:

http://www.flaviotartuce.adv.br/index2.php?sec=artigos&totalPage=2. Acesso

em: 21 ago. 2014.

Exercícios de fixação

Questão 1

(TRT 1ª 2012 - FCC - JUIZ DO TRABALHO SUBSTITUTO) No Código Civil atual,

a responsabilidade civil:

a) Continua em regra como subjetiva, excepcionando-se, entre outras, a

hipótese da atividade exercida normalmente pelo autor do dano com

risco para os direitos de outrem, quando então a obrigação de reparar

ocorrerá independentemente de culpa.

b) É objetiva como regra, excepcionando-se situações expressas de

responsabilização subjetiva.

c) É subjetiva sempre, em qualquer hipótese.

d) Em regra é subjetiva, admitida porém a responsabilidade objetiva do

empresário, como fornecedor de produtos ou de serviços, na modalidade

do risco integral.

e) É objetiva para as pessoas jurídicas, de direito privado ou público, e

subjetiva para as pessoas físicas.

Page 127: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 126

Questão 2

(TRT 2R (SP) - 2014 - TRT - 2ª REGIÃO (SP) - Juiz do Trabalho) Ressalvados

outros casos previstos em lei especial, é correto afirmar que os empresários

individuais e as empresas respondem pelos danos causados pelos produtos

postos em circulação:

a) Se houver prova de dolo ou culpa

b) Apenas se houver prova de dolo

c) Apenas se houver prova de culpa

d) Independentemente de prova de culpa

e) Desde que tais produtos tenham sido gratuitamente entregues.

Questão 3

Sobre o instituto da responsabilidade civil, assinale a alternativa incorreta:

a) A cláusula geral de responsabilidade objetiva prevista no Código Civil em

vigor está ligada à teoria do risco criado.

b) Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos

casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente

desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os

direitos de outrem.

c) O disposto no parágrafo único do Artigo 927 do CCB se refere às

atividades que geram risco fora do comum, um risco elevado, como as

atividades de transporte em geral, as atividades que dependem para seu

exercício do uso de armas de fogo, algumas atividades esportivas,

vendas de combustíveis, a construção imobiliária, fábricas de fogos de

artifícios, entre outras.

d) A legislação civil atual não adota a teoria do risco, apenas se

fundamentando na teoria da culpa.

Questão 4

A adoção da responsabilidade civil objetiva por meio de cláusula geral prevista

no parágrafo único do Artigo 927 do Código Civil é um reflexo do processo de

Constitucionalização e Repersonalização do Direito.

Page 128: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 127

a) Verdadeiro

b) Falso

Questão 5

A legislação civil previu hipóteses de responsabilidade objetiva em que não há

análise da existência de atividade de risco.

a) Verdadeiro

b) Falso

Questão 6

(TRF - 4ª REGIÃO - 2010 - TRF - 4ª REGIÃO - Juiz Federal) O advogado que

eventualmente perder o prazo de interposição de recurso contra decisão

prejudicial ao seu constituinte:

a) Responderá pelos danos causados em responsabilidade objetiva.

b) Nada responderá já que é de seu livre-arbítrio recorrer ou não.

c) Responderá por vício na prestação do serviço, devendo saná-lo.

d) Responderá pelos danos causados, mediante verificação de culpa.

e) Todas as alternativas anteriores estão incorretas.

Questão 7

(TJ-PR - 2010 - TJ-PR – Juiz) O fabricante, o produtor, o construtor, nacional

ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência

de culpa (responsabilidade civil objetiva) pela reparação dos danos causados

aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção,

montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus

produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua

utilização e riscos. Partindo desse contexto, marque a alternativa INCORRETA:

a) O produto é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor

qualidade ter sido colocado no mercado.

b) O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele

legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias

relevantes, entre as quais a sua apresentação; o uso e os riscos que

Page 129: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 128

razoavelmente dele se esperam e a época em que foi colocado em

circulação.

c) O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não serão

responsabilizados quando provarem que não colocaram o produto no

mercado; ou quando, embora tenham colocado o produto no mercado, o

defeito inexiste; ou ainda quando por culpa exclusiva do consumidor ou

de terceiro.

d) O comerciante é igualmente responsável; quando o fabricante, o

construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

quando o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante,

produtor, construtor ou importador; ou não conservar adequadamente

os produtos perecíveis.

Questão 8

Considere a seguinte situação hipotética. Em razão de falha no sistema de

freios do automóvel de sua propriedade, recém-adquirido e com poucos

quilômetros rodados, Fábio atropelou Silas. Nessa situação hipotética, Silas

pode acionar a montadora do veículo, sob o argumento da ocorrência de

acidente de consumo, em virtude de ser consumidor por equiparação.

a) Verdadeiro

b) Falso

Questão 9

Assinale a afirmativa correta:

a) Não é admitido, pela doutrina e pela jurisprudência, enquadramento dos

riscos de desenvolvimento como causa para responsabilidade civil pelo

fato do produto.

b) Em se tratando de ações de responsabilidade civil de fornecedor de

produtos e serviços de consumo, o réu que houver contratado seguro de

responsabilidade não poderá chamar ao processo o segurador, uma vez

que o CDC veda qualquer espécie de intervenção de terceiros nesse tipo

de ação.

Page 130: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 129

c) No âmbito do CDC, a responsabilidade civil é em regra subjetiva e

individual, tendo como exceção a responsabilidade do profissional liberal.

d) Uma pessoa jurídica contratou os serviços de uma empresa de

transporte aéreo de valores para transportar vários documentos e

instrumentos profissionais de São Paulo para o Rio de Janeiro. Ocorre

que, ao efetuar o transporte, a aeronave da contratada caiu sobre uma

residência localizada na cidade do Rio de Janeiro. Nesse caso, as pessoas

atingidas em solo, vítimas do acidente, devem ser consideradas

consumidoras, em conformidade com o que dispõe o CDC.

Questão 10

Um exemplo da importância do desenvolvimento da doutrina em relação aos

riscos de desenvolvimento é o caso da “Síndrome da Talidomida”. A Talidomida

é um medicamento que foi desenvolvido na Alemanha em 1954, inicialmente

como sedativo, usado para controlar a ansiedade, tensão e náuseas. Em 1957 a

Talidomida passou a ser comercializada mundialmente, mas apenas alguns

anos depois, em 1960, descobriu-se que o referido medicamento, quando

consumido por gestantes nos 3 (três) primeiros meses de gestação, interfere na

formação do feto, gerando casos de Focomelia, síndrome caracterizada pelo

encurtamento dos membros junto ao tronco do feto, podendo provocar ainda

problemas visuais, auditivos, na coluna vertebral e em casos mais raros,

problemas cardíacos e no tubo digestivo. Assim, a talidomida foi retirada do

mercado a partir de 1961. (Fonte: http://www.talidomida.org.br/oque.asp)

a) Verdadeiro

b) Falso

Probatio diabolica: Mesmo que prova diabólica, é aquela modalidade de

prova impossível ou excessivamente difícil de ser produzida como, por exemplo,

a prova de um fato negativo.

Page 131: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 130

Aula 4

Exercícios de fixação

Questão 1 - A

Justificativa: Essa é a posição majoritária na doutrina, que entende pela

manutenção da responsabilidade subjetiva como regra geral, sendo que a

responsabilidade objetiva somente seria aplicável nas hipóteses previstas

expressamente por lei, ou na hipótese do parágrafo único do Artigo 927 e do

Artigo 931 do Código Civil.

Questão 2 - D

Justificativa: A letra D está correta, conforme preceitua o Artigo 931 do CCB:

“Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais

e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados

pelos produtos postos em circulação.”

Questão 3 - D

Justificativa: Expressamente o parágrafo único do Artigo 927 adota a teoria do

risco criado, a qual imputa o dever de indenizar a toda atividade que

habitualmente exercida gere riscos de danos a outrem, independentemente

dessa atividade trazer benefício ou não para o agente causador do dano.

Questão 4 - A

Justificativa: Por óbvio que todo aquele processo de Constitucionalização e

Repersonalização da responsabilidade civil possui efeito direto sobre a

modificação desta regra na legislação civil brasileira, pois prepondera a função

reparatória/compensatória da nossa disciplina em nítido respeito ao princípio da

dignidade da pessoa humana, bem como passa a influenciar a disciplina

reparatória também o princípio da solidariedade social.

Questão 5 - A

Page 132: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 131

Justificativa: O legislador civil não previu hipóteses de responsabilização sem a

necessidade de comprovação de culpa somente quando a atividade

desenvolvida pelo agente gera risco de dano a terceiro, mas impõe a

responsabilização objetiva em situações diversas, em que não se discute o risco

da atividade, como, por exemplo, responsabilidade do habitante pela queda de

objeto de prédio (Artigo 938 do CCB), responsabilidade dos pais, tutores ou

curadores pelos atos dos filhos, tutelados ou curatelados (Artigo 932, incisos I e

II do CCB).

Questão 6 - D

Justificativa: O Artigo 14, § 4º do CDC estabelece que a responsabilidade

pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Contudo, na situação em comento, se fosse uma questão subjetiva, deveria ser

examinada a aplicabilidade da Teoria da Perda de uma Chance.

Questão 7 - A

Justificativa: Artigo 12, § 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato

de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.

Questão 8 - A

Justificativa: O Código de Defesa do Consumidor estabelece no seu Artigo 17

que, para os efeitos desta Seção (Responsabilidade pelo Fato do Produto),

equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

Questão 9 - D

Justificativa: A alternativa “a” está equivocada, pois não há posicionamento

unânime na doutrina e na jurisprudência sobre a possibilidade de

responsabilidade civil por riscos de desenvolvimento, sendo que parte da

doutrina admite a sua inclusão como hipótese de responsabilidade pelo fato do

produto e outra parte entende que esta circunstância caracteriza excludente da

responsabilidade civil, conforme preceitua o Artigo 12, § 1º, inciso III do CDC.

A alternativa “b” está incorreta, pois segundo o CDC:

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RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 132

Artigo 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e

serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão

observadas as seguintes normas:

II - o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao

processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de

Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o

pedido condenará o réu nos termos do Artigo 80 do Código de Processo Civil.

Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a

existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso afirmativo, o

ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a

denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o

litisconsórcio obrigatório com este.

A assertiva “c” está equivocada, pois no âmbito do CDC a regra é a

responsabilidade civil objetiva e solidária entre os fornecedores, com exceção

da responsabilidade dos profissionais liberais que demanda comprovação de

culpa.

A alternativa “d” está correta, porque se refere à categoria dos consumidores

por equiparação prevista no Artigo 17 do CDC.

Questão 10 - A

Justificativa: A doutrina tem citado como exemplo de risco de desenvolvimento

o caso da Talidomida, pois quando do desenvolvimento do medicamente não se

pôde identificar, pelas técnicas existentes à época, eventuais riscos para o

consumidor, porém após um período de utilização do produto ou serviço

constatou-se graves danos que poderiam acarretar ao feto de mulheres

grávidas que administrassem o medicamento.

Page 134: Apostila_Responsabilidade Civil Novas Tendências

RESPONSABILIDADE CIVIL: NOVAS TENDÊNCIAS 133

Gisele Echterhoff é Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do

Paraná (2007). Especialista em Direito Civil pelo Instituto de Direito Romeu

Felipe Bacellar (2004) e Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade

Católica do Paraná (2002). Professora do Curso de Graduação em Direito e do

Curso de Pós-Graduação em Direito Civil e Processual Civil das Faculdades

Estácio Curitiba. Assessora Jurídica da Corregedoria-Geral da Justiça do

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Autora de vários artigos científicos e

do livro "O direito à privacidade dos dados genéticos".