apostila de direito tributário i - carlos victor (2009)

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Curso de Direito 9º Período Professor: Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 1 A P O S T I L A DE D I R E I T O T R I B U T Á R I O I Professor Carlos Victor Muzzi Filho ATUALIZADA ATÉ FEVEREIRO DE 2009 Todos os direitos reservados. Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH. Esta apostila não dispensa a leitura dos bons autores de direito tributário, devendo ser considerada mero complemento da referida leitura e das aulas.

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Curso de Direito – 9º Período Professor: Carlos Victor Muzzi Filho

Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor.

1

A P O S T I L A

DE

D I R E I T O T R I B U T Á R I O I

Professor Carlos Victor Muzzi Filho

ATUALIZADA ATÉ FEVEREIRO DE 2009

Todos os direitos reservados.

Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no

Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH.

Esta apostila não dispensa a leitura dos bons autores de direito tributário,

devendo ser considerada mero complemento da referida leitura e das aulas.

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Curso de Direito – 9º Período Professor: Carlos Victor Muzzi Filho

Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor.

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Í N D I C E

1º Ponto: Introdução (Direito Financeiro e Direito Tributário) 04

Direito Financeiro e Direito Tributário 04

Receita pública 05

Direito Tributário: conceito, autonomia científica e outras denominações 06

2º Ponto: Tributo e espécies tributárias 08

Acepções da palavra tributo 08

A definição do artigo 3º do CTN 09

O art. 4º do CTN: a denominação do tributo e o produto de sua arrecadação 12

Espécies tributárias 13

Extrafiscalidade e parafiscalidade e outras classificações dos tributos 17

Imposto 18

Taxa 20

Contribuição de melhoria 24

Contribuição especial 25

Empréstimo compulsório 31

Outras figuras (tributárias e não tributárias) 32

3º Ponto: Competência e Repartição de Receita Tributária 35

Competência tributária 35

Repartição de receitas tributárias 40

4º Ponto: Sistema Constitucional Tributário e limitações ao poder de tributar 42

Limitações ao poder de tributar 42

Princípios Constitucionais Tributários: 43

a) segurança jurídica (legalidade, irretroatividade, anterioridade/noventena) 44

b) justiça tributária (igualdade, capacidade contributiva, não confisco) e 48

princípios/regras correlatos (progressividade, seletividade, generalidade,

universalidade e não-cumulatividade)

c) Federação (proibição de vedação ao tráfego, de discriminação de origem/destino, 54

uniformidade geográfica)

d) Outros princípios constitucionais relacionados com a tributação 56

5º Ponto: Sistema Constitucional Tributário e imunidades 59

Imunidades: aspectos gerais 59

Imunidades genéricas: 61

Imunidade recíproca 62

Imunidade de templos de qualquer culto 64

Imunidade de partidos políticos, sindicatos, instituições de educação e de 65

assistência social, sem fins lucrativos

Imunidade de livros, jornais, periódicos 67

Imunidades específicas 69

Imunidades e tributos indiretos 70

6º Ponto: Fontes do Direito Tributário 72

Legislação Tributária 72

Lei Complementar 73

Lei Ordinária 76

Medidas provisórias e leis delegadas 76

Tratados internacionais 76

Decretos e normas complementares 77

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7º Ponto: Vigência e Aplicação da Legislação Tributária 78

Vigência no tempo 78

Vigência no espaço 79

Aplicação da legislação tributária 80

Lei expressamente interpretativa 80

Retroatividade benigna 80

8º Ponto: Interpretação e Integração da Legislação Tributária 82

Regras e métodos gerais de interpretação jurídica 83

Regras específicas do CTN 83

Institutos, conceitos e formas de Direito Privado 84

Interpretação econômica 85

9º Ponto: Norma tributária, obrigação tributária e fato gerador 87

Norma tributária. Estrutura. 87

Aspectos da norma tributária (destaque: base de cálculo e alíquotas) 88

Relação jurídica tributária. 90

Obrigação tributária no CTN 91

Fato gerador no CTN 92

Fato gerador presumido 93

Norma antielisão e interpretação econômica 94

10º Ponto: Aspecto subjetivo da obrigação tributária 96

Sujeito ativo: competência tributária e capacidade tributária 96

Sujeito passivo: contribuinte e responsável tributário 97

Capacidade tributária passiva 97

Domicílio tributário 98

Contribuinte e solidariedade tributária 98

Responsabilidade tributária: sujeição passiva direta e indireta 99

Substituição tributária 100

Responsabilidade de sucessores 100

Responsabilidade de terceiros 103

Responsabilidade por infrações 105

Denúncia espontânea 106

Responsabilidade processual 106

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1º Ponto: Introdução (Direito Financeiro e Direito Tributário)

Direito Financeiro e Direito Tributário

Receita pública

Direito Tributário: conceito, autonomia científica e outras denominações

Direito Financeiro e Direito Tributário

1. Direito Financeiro é disciplina mais ampla do que Direito Tributário, abrangendo o estudo, sob o

ângulo jurídico, de toda atividade financeira do Estado. O Direito Financeiro, que deriva do Direito

Administrativo, tem por objeto a disciplina do orçamento público, das receitas públicas (entre as quais

se incluem as receitas tributárias) da despesa pública e da dívida pública (Luciano Amaro). O Direito

Tributário, nesse contexto, pode ser visto como especialização do Direito Financeiro, tendo como objeto

o estudo de parte das receitas públicas, quais sejam, as receitas tributárias.

2. Em termos de direito positivo brasileiro, o Direito Financeiro é objeto de tratamento

constitucional, especialmente nos artigos 163 a 169 da Constituição Federal. Em cada esfera de governo

(União, Estados, Distrito Federal e Municípios), há leis financeiras próprias (art. 165 da Constituição

Federal):

a) lei do plano plurianual, que estabelece, de forma regionalizada, diretrizes, objetivos e metas da

Administração Pública para as despesas de capital e outras delas continuadas e para as relativas aos

programas de duração continuada (§ 1º do art. 165);

b) lei de diretrizes orçamentárias (LDO), que compreende as metas e prioridades da

Administração Pública, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orienta a

elaboração da lei orçamentária anual, dispondo sobre as alterações da legislação tributária e estabelecendo

a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento (§ 2º do art. 165);

c) lei orçamentária anual, que compreende o orçamento fiscal, o orçamento de investimento das

empresas públicas e sociedades de economia mista, e o orçamento da seguridade social (§ 5º do art. 165).

Há, ainda, dois grandes diplomas legais que cuidam do Direito Financeiro, traçando as chamadas

normas gerais de Direito Financeiro:

a) Lei 4.320/64, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos

orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal; e

b) Lei Complementar 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF), que estabelece normas de

finanças públicas voltadas para a responsabilidade da gestão fiscal.

3. À semelhança do Direito Econômico, também o Direito Financeiro, tanto quanto o Tributário,

guardam relação com a Economia, com a Contabilidade, entre outros ramos do conhecimento científico

que igualmente cuidam do fenômeno financeiro estatal. Aliás, o tributo não é conceito exclusivamente

jurídico, sendo ilusória a pretensão de compreendê-lo apenas sob a ótica jurídica.

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Receita pública

4. Ao estudo do Direito Tributário, em suas relações com o Direito Financeiro, interessa

principalmente o conceito de receita pública. Embora haja inúmeras controvérsias, assim se define, para

os fins desta apostila, o conceito de receita pública: é a entrada que, integrando-se no patrimônio público

sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como

elemento novo e positivo (Aliomar Baleeiro). Em regra, distingue-se a receita do ingresso, pois que este

último (ingresso) é a entrada que ulteriormente será restituída, como ocorre no empréstimo e nos

depósitos (Ricardo Lobo Torres).

5. Há, como se disse, infindáveis discussões acadêmicas sobre a classificação da receita pública (ver

Aliomar Baleeiro, Uma Introdução à Ciências das Finanças; Alberto Deodato, Manual de Ciência das

Finanças; Rubens Gomes de Sousa, Compêndio de Legislação Tributária; e, mais recentemente, Ricardo

Lobo Torres, Curso de Direito Financeiro e Tributário, e Regis Fernandes de Oliveira, Curso de Direito

Financeiro).

6. Entre as classificações, tem-se a seguinte (baseada em propostas de Aliomar Baleeiro, Ricardo

Lobo Torres e Luciano Amaro), que se mostra útil para a compreensão das finanças do Estado:

Entradas de recursos nos cofres públicos

entradas provisórias (ou ingressos) entradas definitivas (ou receitas)

Observe-se que Aliomar Baleeiro denomina de ―ingressos públicos‖ o gênero que, no quadro

acima, foi denominado de entradas, dividindo esse ingressos em ―movimentos de fundos ou de caixa‖

(entradas provisórias, no quadro acima) e receitas (entradas definitivas, no quadro acima).

7. Os ingressos (ou entradas provisórias) são depósitos, cauções, fianças e empréstimos (inclusive os

empréstimos compulsórios).

Já as receitas (ou entradas definitivas) subdividem-se em: a) receitas originárias; e b) receitas

derivadas.

As receitas originárias decorrem da ―exploração‖ do patrimônio público, decorrendo de negócios

de direito privado (―economia privada‖), podendo se dar (Baleeiro): a) a título gratuito (exemplos:

doações, bens vacantes, usucapião, etc.); ou b) a título oneroso (doações com encargo, preços públicos).

As receitas derivadas decorrem do ―ius imperii‖, negócios de ―economia pública‖, sendo

divididas em: a) tributos; b) penalidades e confisco; e c) reparações de guerra.

8. Apenas para fins de informação, também é bastante conhecida a classificação de Edwin Seligman,

adotada por Rubens Gomes de Sousa, que tem como base a relação que haveria entre o interesse público e

o interesse privado, no momento de arrecadar recursos para o Estado:

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a) preços quase privados: predomina, principalmente, o interesse particular, havendo apenas

eventual interesse público (ocorre quando o Estado exerce atividade econômica também exercida pelo

particular; hoje, com a redução do papel do Estado, reduzem-se os exemplos de preços quase privados,

porque, em regra, esta atividade econômica – telefonia, energia elétrica – é exercida por particulares);

b) preços públicos: receitas na qual ainda predomina o interesse particular, mas já existe interesse

geral ou coletivo (o exemplo é o preço cobrado pelos Correios e Telégrafos);

c) taxas (que Luigi Einaudi, outro tributarista do início do Século XX, denominava preço

político): receita arrecadada em virtude, principalmente, do interesse público, mas há interesse particular,

perfeitamente identificável, do contribuinte (refere-se à atividade que somente poderia ser exercida pelo

Estado, não por particulares);

d) contribuições: predomina, também, o interesse público, mas não haveria a identificação de um

contribuinte, senão que ―determinada classe ou categoria de particulares‖ (Rubens Gomes de Sousa); e

e) impostos: receita em que há, exclusivamente, o interesse público, sem se considerar as

vantagens que possam, ou não, advir para o contribuinte ou para a comunidade.

As taxas, as contribuições e os impostos seriam obrigatórios e, por isso, elencados sob o título

comum de tributos.

Direito Tributário: conceito, autonomia científica e outras denominações

9. O Direito Tributário, nesse contexto, cuida da receita tributária, é apenas um setor do direito

financeiro (Luciano Amaro), abrangendo todo o conjunto de princípios e normas reguladoras da criação,

fiscalização e arrecadação das prestações de natureza tributária (Luciano Amaro). Há, como sempre,

divergências doutrinárias, sem maior importância prática, em termos de graduação em Direito.

10. Discute-se, ainda, a autonomia científica do Direito Tributário, predominando o entendimento de

que ele possui autonomia didática. Autores como Geraldo Ataliba destacam sempre que o Direito

Tributário é parte do Direito Administrativo (assim como o Direito Financeiro também é parte do Direito

Administrativo).

Paulo de Barros Carvalho afirma o ―caráter absoluto da unidade do sistema jurídico‖, motivo

pelo qual afirmar a autonomia científica ou até mesmo a autonomia didática ―não deixaria de ser a cisão

do incindível, a seção do inseccionável‖. E, efetivamente, nenhuma especialidade do Direito pode

pretender-se autosuficiente, porque há inúmeras relações entre as diversas disciplinas, os diversos ramos

do Direito. Por isso a expressão falso problema da autonomia do direito tributário, porque a discussão

não teria maior sentido, eis que qualquer autonomia dos ramos do direito existiria, apenas, para fins

didáticos.

11. Anote-se a distinção que se pode fazer entre direito tributário positivo e ciência do direito

tributário. Segundo Paulo de Barros Carvalho, ―são dois mundos que não se confundem‖. Direito

positivo é ―o complexo de normas jurídicas válidas num dado país‖, sendo que suas proposições

(normas) têm caráter eminentemente prescritivo (Paulo de Barros Carvalho). A Ciência do Direito seriam

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a disciplina que explica aquele complexo, sendo que suas afirmações (doutrinas) têm caráter

eminentemente descritivo. Paulo de Barros Carvalho lembra, assim, que o direito positivo rege-se pela

lógica deôntica (ou do dever ser, ou lógica das normas – válido ou inválido), enquanto a Ciência do

Direito vincula-se à lógica apofônica (ou alética, ou lógica das ciências ou clássica – falsidade ou

verdade).

12. O Direito Tributário já foi denominado Direito Fiscal (muito comum, ainda hoje, em Portugal e

na França) e também Direito Financeiro. No Brasil, predomina hoje a expressão Direito Tributário,

inclusive em sede normativa (ver, por exemplo, art. 24, I, da Constituição Federal).

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2º Ponto: Tributo e espécies tributárias

Acepções da palavra tributo

A definição do artigo 3º do CTN

O art. 4º do CTN: a denominação do tributo e o produto de sua arrecadação

Espécies tributárias

Extrafiscalidade e parafiscalidade e outras classificações dos tributos

Imposto

Taxa

Contribuição de melhoria

Contribuição especial

Empréstimo compulsório

Outras figuras (tributárias e não tributárias)

Acepções da palavra tributo

13. Os doutrinadores apontam as várias acepções, isto é, os vários significados que são atribuídos ao

vocábulo tributo. Ora ele é utilizado como quantia em dinheiro, ora é a prestação decorrente da relação

jurídica tributária, ora é empregado como objeto do direito do sujeito ativo. além de outras acepções de

natureza não jurídica (fala-se, por exemplo, em tributo a Bob Marley, no sentido de homenagem a Bob

Marley)

14. Juridicamente, há conhecida definição em nosso direito positivo (art. 3º do Código Tributário

Nacional, Lei nº 5.172/1966, recepcionado pela Constituição Federal como lei complementar). Para

Geraldo Ataliba, o CTN conceitua tributo de forma excelente e completa; Paulo de Barros Carvalho, ao

contrário, afirma que esta definição contém partes prescindíveis e redundantes, nas quais o político,

despreocupado com o rigor, comete erros grosseiros. Sacha Calmon Navarro Coelho, na linha de

Ataliba, refere-se à excelência dogmática do conceito do tributo no Direito brasileiro: o conceito de

tributo no sistema brasileiro, fruto de intensa observação do fenômeno jurídico, é dos mais perfeitos do

mundo.

15. Questiona-se também a existência de um conceito constitucional de tributo. Este conceito, se há,

não está expresso, devendo ser inferido a partir de disposições esparsas da Constituição Federal. O tema

não encontra uniformidade na doutrina. Anote-se que, segundo o art. 146, III, a, da Constituição Federal,

―cabe à lei complementar (...) estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,

especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies‖, o que permite afirmar que, expressamente,

a Constituição não quis definir o que seja tributo. Ricardo Lobo Torres sustenta a constitucionalização do

conceito de tributo, porque o Constituinte, ao elaborar a Constituição, teria implicitamente aceitado o

conceito posto no CTN, que teria, assim, sido constitucionalizado, isto é, pressupostos pela Constituição.

16. Vários autores destacam, outrossim, a vinculação do conceito de tributo a um dado ordenamento

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jurídico positivo. Diz Geraldo Ataliba que o conceito de tributo há de ser formulado, hoje, de modo

diverso, relativamente ao passado. Sofreu evolução. Pode modificar-se e até desaparecer. (...) Como todo

conceito jurídico-positivo, é mutável, por reforma constitucional.

17. Em minha opinião, o atual regramento jurídico-positivo, no Brasil, já evoluiu desde a edição do

CTN, há quarenta anos, devendo ser repensado ou revisto o conceito de tributo. Todavia, apesar de, no

Brasil, o conceito de tributo estar passando por alterações inegáveis, a doutrina não tem se preocupado

com tais alterações. Assim, continua a ser adotado, sem nenhuma dúvida, o conceito de tributo contido no

art. 3º do CTN, a despeito de inovações normativas que contradizem ou não se conformam integralmente

àquele conceito.

Exemplo dessas inovações se tem na regra introduzida no parágrafo único do art. 146 da

Constituição Federal (conforme EC 42/2003), cujo inciso I cogita de um ―regime único de arrecadação

de impostos e contribuições‖, sendo uma de suas característica a sua natureza opcional para o

contribuinte. Trata-se do chamado Supersimples ou Simples Nacional (regulamentado pela Lei

Complementar nº 123, de 2006), que se constitui, em minha opinião, em um novo tributo, e não apenas

em um regime único de arrecadação. Insista-se, contudo, que tal questão ainda não foi desenvolvida no

plano doutrinário, motivo pelo qual, para fins do curso de graduação, adota-se o conceito decorrente do

art. 3º do CTN.

A definição do artigo 3º do CTN

18. O conceito legal de tributo (art. 3º do CTN): Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em

moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e

cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. A seguir, decompõe-se este conceito, a

fim de estudá-lo com maior cuidado.

19. (Tributo é) “toda prestação (...) compulsória”

Tributo é obrigação legal (ou ―ex lege‖), isto é, o dever de pagar decorre de previsão legal, pouco

importando que o contribuinte queira, ou não, pagar o tributo. O contribuinte, normalmente, até quer

praticar o fato gerador do tributo (isto é, a situação que dá origem ao dever de pagar o tributo): quer

vender bem imóvel (fato gerador do ITBI – Imposto sobre a Transmissão Onerosa de Bens Imóveis, por

ato inter vivos), quer auferir renda (fato gerador do IR – Imposto de Renda), quer vender mercadoria

(fato gerador do ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços), entre outros. Entretanto,

ele não precisa querer pagar, nos exemplos, o ITBI, ou o IR, ou o ICMS, porque a prestação tributária é

compulsória, vale dizer, praticado o fato gerador, incide a regra tributária, surgindo o dever tributário de

pagar o valor devido.

Luciano Amaro critica a redação do art. 3º do CTN, afirmando que tal dispositivo certamente quis

expressar que o nascimento da obrigação de prestar (o tributo) é compulsório (ou forçado), no sentido de

que esse dever se cria por força de lei (obrigação ex lege), e não da vontade dos sujeitos da relação

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jurídica (obrigação ex voluntate).

De modo mais preciso, pode se dizer que a vontade do contribuinte se mostra irrelevante na

formação da obrigação tributária, que surge mesmo contra a sua vontade. Esta a distinção clara que há

entre a obrigação legal e a chamada obrigação contratual ou voluntária (―ex contractu‖ ou ―ex

voluntate‖), que surge apenas como decorrência da manifestação de vontade da pessoa. O locatário se

obriga a pagar o aluguel, desde que, antes, tenha concordado em celebrar o contrato de locação.

Como mencionado acima, a previsão contida no art. 146, parágrafo único, da Constituição Federal

(acrescentado pela EC 42/3003), especialmente em seu inciso I, abre espaços para se sustentar a

existência de tributos opcionais (que, na prática, já se fazem presentes no nosso ordenamento jurídico,

embora a doutrina não mostre preocupação com estas inovações normativas). Repita-se, contudo, que,

para fins deste curso de graduação, ainda deve prevalecer o entendimento de que o tributo é sempre

compulsório.

20. (Tributo é prestação) “pecuniária, (...) em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir”

Esta a passagem mais criticada na definição legal de tributo. Afirma-se que a expressão ―em

moeda‖ é redundante, porque ―prestação pecuniária‖ é prestação ―em moeda‖. Luciano Amaro afirma

que a parte final, ―ou cujo valor nela se possa exprimir‖, apenas faria ecoar a redundância já decorrente

do emprego dos termos ―prestação pecuniária‖ e ―em moeda‖.

Paulo de Barros Carvalho critica a alusão à ―moeda ou cujo valor nela se possa exprimir‖, muito

embora reconheça que, tal como posto no art. 3º do CTN, outras prestações cujo valor possa ser expresso

em moeda integrariam o conceito legal de tributo, como seria o serviço militar ou o serviço eleitoral.

Esta, aliás, a tese de Alfredo Augusto Becker, renegada pela maioria dos doutrinadores (Geraldo Ataliba,

Luciano Amaro, Sacha Calmon, Hugo de Brito Machado, entre outros).

Rubens Gomes de Sousa e Eduardo Marcial Ferreira Jardim, em posição intermediária, afirmam

que o art. 3º do CTN quis alcançar hipóteses, excepcionais, em que o crédito tributário se extinguiria, por

exemplo, com a dação em pagamento (forma de pagamento, segundo o Direito Civil, que é feita com a

entrega de prestação diversa daquela devida). Hugo de Brito Machado admite esta hipótese, mas entende

inútil a previsão, porque a dação em pagamento seria exceção. Enfim, apesar da amplitude da expressão

valor [que] nela se possa exprimir, predomina a tese de que tributo é prestação pecuniária.

21. (Tributo é prestação) “que não constitua sanção de ato ilícito”

Tributo não é penalidade, não é sanção pela prática de ato ilícito (as multas de trânsito, as multas

ambientais, por exemplo, não são tributos).

Esta afirmação de que tributo não pode ser ―sanção de ato ilícito‖ provoca, por outro lado, muita

discussão sobre a chamada tributação do ilícito. Há autores que afirmam não poder ser o tributo a

consequência (sanção) pelo descumprimento de dever jurídico, o que não impediria, contudo, a tributação

de situações que, sendo manifestações de capacidade contributiva, tivessem origem em atos ilícitos. Há

expressão latina, ―pecunia non olet‖ (que é imputada ao Imperador Tito Flávio Vespasiano, 7-79 DC),

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invocada nesse sentido: não importa a origem, de tal modo que mesmo a renda obtida ilicitamente.

Nesse contexto, não se deveria tributar, por exemplo, o tráfico de drogas pelo ICMS (imposto que

incide sobre o comércio de mercadorias); todavia, poder-se-ia admitir a tributação da renda auferida com

o tráfico de drogas, porque o Imposto de Renda, neste caso, não incidiria diretamente sobre a atividade

ilícita, mas sobre a renda (ainda que originada de um ato ilícito, o tráfico de drogas). O tema desperta

muita polêmica na doutrinária, e será retomado, quando do estudo do fato gerador.

Atenção para a hipótese prevista no art. 182, § 4º, da Constituição Federal, relativa ao IPTU.

Embora o dispositivo refira-se à ―pena‖, não se trata, propriamente, de sanção, mas de medida indutora

do ―adequado aproveitamento‖ da ―área incluída no plano diretor‖. O termo pena não foi empregado

em sentido técnico. Tem-se, aqui, exemplo da chamada função extrafiscal dos tributos, que não implica

em sua transformação em sanção. Na extrafiscalidade, a tributação assume também função regulatória,

sendo empregada para inibir ou induzir comportamentos na sociedade, mas esses comportamentos

induzidos ou inibidos são comportamentos lícitos (o tema será retomado mais adiante).

22. (Tributo é prestação) “instituída por lei”

A vinculação à lei é a consagração do princípio da legalidade, que funciona como condição de

validade para a instituição do tributo. Assim, a prestação pecuniária compulsória, que não constitua

sanção por ato ilícito (isto é, o tributo), para ser validamente exigida, deve estar prevista em lei; se não

estiver, será tributo inválido.

Observe-se que a alusão à lei vem sendo atenuada, ao longo do tempo, até porque, segundo a

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os tributos podem ser criados também por medida

provisória. Este entendimento foi consolidado com a EC 32/2001, antes da qual era possível a contínua

reedição de medidas provisórias, às vezes por anos, de tal modo que tributos eram criados e disciplinados

apenas por aquele instrumento. Ademais, como adiante abordado, há tributos que devem ser criados por

lei complementar, embora a regra seja a criação por lei ordinária.

23. (Tributo é prestação) “cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Há autores que criticam a expressão, porque, cada vez mais, os tributos são objeto de lançamento

por homologação (ou autolançamento), os quais dispensariam qualquer ―atividade administrativa‖

(Luciano Amaro). O contribuinte pagaria o tributo sem nenhuma intervenção estatal, cabendo ao Estado,

apenas, o controle ―a posteriori‖ do cumprimento da obrigação tributária.

Eduardo Marcial Ferreira Jardim afirma que tal cláusula nada diz com a configuração do tributo,

ou seja, a forma de se cobrar (exigir) o tributo não afeta a sua natureza.

Rubens Gomes de Sousa, todavia, afirma que esta expressão – ―cobrada mediante atividade...‖ –

seria, em última análise, o elemento definidor do tributo em contraste com outras receitas públicas, vale

dizer, o que definiria o tributo seria o tipo de atividade administrativa empregada na sua arrecadação.

Esta afirmação me parece exagerada, porque a forma de se cobrar o tributo, efetivamente, não influi em

sua natureza, ajustando-se às conveniências do fisco.

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Curso de Direito – 9º Período Professor: Carlos Victor Muzzi Filho

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O art. 4º do CTN: a denominação do tributo e o produto de sua arrecadação

24. O art. 4º do CTN complementa o conceito de tributo, dizendo sobre aspectos que não influenciam

o conceito de tributo.

25. O nome adotado pelo legislador, bem como as demais características formais são irrelevantes (art.

4º, I, do CTN). O legislador não precisa ser jurista, de modo que o uso de denominações inadequadas já

foi muito comum. Atualmente, há maior esmero legislativo na definição das novas exações, não havendo,

assim, tentativa de disfarçar determinado tributo com o emprego desta ou daquela denominação

equivocada. Ainda que haja, porém, o disfarce não prevalecerá, por força do art. 4º, I, do CTN.

De igual forma, características formais não seriam suficientes para definir a natureza específica

do tributo, o que, de certa maneira, contradiz a parte final do art. 3º do CTN, que, como visto, justamente

invoca característica formal (a forma de cobrança) para definir o que seja tributo.

26. O destino do produto da arrecadação também não é relevante para a definição do tributo (inciso

II do art. 4 º do CTN). Para Geraldo Ataliba, o art. 4º do CTN talvez seja o mais feliz de todos os

existentes aqui no Código. Ainda com Ataliba, a destinação da receita é despesa pública, sendo, assim,

matéria afetada ao Direito Financeiro.

No plano constitucional, a Constituição Federal tem disposição expressa vedando a vinculação da

―receita de impostos a órgão, fundo ou despesa‖, embora faça várias ressalvas (art. 167, IV, com última

redação da EC 42/2003; ver ainda § 6o do art. 216 da Constituição Federal, conforme EC 42/2003).

27. Todavia, diante da importância que as chamadas contribuições especiais vêm assumindo na vida

tributária, vários autores têm afirmado que, constitucionalmente, a destinação do produto da

arrecadação passou a ser importante, ao menos para o estudo das contribuições, porque a própria

Constituição de 1988 assim o previu (Misabel Derzi; Luciano Amaro; e Marco Aurélio Greco). Cogita-se,

então, de tributos finalísticos, os quais teriam sua validade condicionada ou vinculada ao destino dado ao

produto da arrecadação (conforme opinião de alguns autores).

Confira-se, por exemplo, o § 1º do art. 149 da Constituição Federal, que vincula a receita da

―contribuição previdenciária ao custeio (...) do regime previdenciário‖ (também art. 195 da Constituição

Federal); a contribuição de iluminação pública, de modo semelhante, destina-se ao ―custeio do serviço de

iluminação pública‖ (art. 149-A da Constituição, conforme EC 39/2002). Fenômeno análogo ocorre

quanto aos empréstimos compulsórios (art. 148 da Constituição Federal).

A EC 45/2004, tratando do Poder Judiciário, também deu destinação específica à taxa judiciária:

―as custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades

específicas da Justiça” (art. 98, § 2º, da Constituição Federal).

O tema ainda está em aberto, já existindo obras que dele cuidam especificamente (v.g., Werther

Botelho, Da Tributação e sua Destinação. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, e Marco Aurélio Greco,

Contribuições - Uma Figura Sui Generis. São Paulo: Dialética, 2000). Em minha opinião, embora seja

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relevante a destinação dada ao produto arrecadado com o tributo - sob o ângulo político, ético, e mesmo

sob o ângulo da moralidade administrativa, do Direito Financeiro – me parece muito difícil que este

controle possa ser feito apenas pelo Direito Tributário, porque o critério de validação do tributo seria

posterior ao seu pagamento. Além de dificuldade lógico-jurídica, há dificuldades práticas em estabelecer

relação direta entre o valor pago pelo contribuinte e o valor gasto pelo Poder Público. Assim, sob o

ângulo prático, a regra do art. 4o., II, do CTN, continua sendo a mais factível, embora, repito, no plano

ideal, fosse extremamente recomendável que o Direito Tributário pudesse regular, não só a arrecadação

de recursos, mas o seu posterior gasto.

Espécies tributárias

28. Visto o conceito de tributo (gênero), passa-se ao exame de suas espécies. A classificação das

espécies tributárias também é tema recheado de polêmicas doutrinárias e jurisprudenciais. Várias

classificações já foram propostas, havendo sempre a tensão entre conceitos doutrinários e regras de

direito positivo. Às vezes, explicar o direito positivo é tarefa bastante ingrata, principalmente quando as

normas tributárias têm por objetivo a resolução de problemas econômicos ou fiscais bem concreto, não se

considerando, na busca deste objetivo, as proposições doutrinárias ou os conceitos teóricos. Por isso,

então, a existência do que Sacha Calmon, jocosamente, apelidou de ornitorrincos jurídicos, criados pelo

legislador em desarmonia com a lição da academia.

29. Geraldo Ataliba afirma que a classificação das espécies tributárias, ou a definição da natureza

específica do tributo (nos termos do art. 4º do CTN), deve tomar em consideração os ―cânones

constitucionais‖. Há inúmeros outros critérios de classificação, propostos pelo Direito Financeiro, mas

estes critérios não são necessariamente jurídicos, muito embora possam fornecer elementos para inspirar

o trabalho legislativo (elementos pré-jurídicos, segundo Ataliba).

30. A Constituição Federal afirma, à primeira vista, que seriam três as espécies tributárias: impostos,

taxas e contribuição de melhoria (art. 145, incisos I a III). Há ressalvas, porém (indicadas a seguir, no

item nº 41).

A Constituição de 1946 fazia referência aos impostos (arts. 15, 19 e 29), à contribuição de

melhoria (inciso I do art. 30), às taxas (inciso II) e a ―quaisquer outras rendas que possam provir do

exercício de suas atribuições e da utilização de seus bens e serviços‖ (inciso III). Não dizia, porém, que

estas três últimas figuras (art. 30) fossem tributos. A EC 18, de 06.12.1965 afirmou que ―o sistema

tributário nacional compõe-se de impostos, taxas e contribuições de melhoria‖ (art. 1º). Esta regra foi

repetida pelo art. 18 da Carta de 1967. Também no art. 18 da EC 1/1969.

Tradicionalmente, pois, as Constituições, desde 1946, adotam classificação tripartida (impostos,

taxas e contribuições de melhoria).

31. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172), que é de 1966, adotou também a classificação

tripartida (art. 5º), com ressalvas (conforme exposto, mais adiante, no item nº 41).

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32. Esta classificação decorre da divisão que se faz, no plano doutrinário, entre tributos não

vinculados a uma atividade estatal e tributos vinculados a uma atividade estatal (Sacha Calmon, Geraldo

Ataliba, entre tantos outros), distinção esta que foi incorporada pelo legislador brasileiro, segundo a

opinião doutrinária predominante.

Por esta teoria, a natureza específica do tributo (isto é, a espécie do tributo) deve ser apurada a

partir da análise do fato gerador (conforme art. 4º do CTN: ―a natureza específica do tributo é

determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação‖). Este o entendimento, v.g., de Sacha, Ataliba,

Bernardo Ribeiro de Moraes. Fato gerador, por agora, é a situação que, descrita em lei, faz surgir a

obrigação de pagar o tributo (obrigação tributária).

Se esta situação (isto é, o ―fato gerador‖) estiver relacionada (vinculada) a uma ação estatal, o

tributo será tributo vinculado (a uma atividade estatal). Se tal situação (―fato gerador‖) não estiver

relacionada (vinculada) a nenhuma ação estatal, ele será tributo não-vinculado (a uma atividade estatal).

33. Vários autores – conforme exposto também em tópico posterior – afirmam que esta ―natureza

específica‖ deve ser apurada a partir, não apenas do exame do ―fato gerador‖, mas também do exame da

―base de cálculo‖ do tributo (v.g., Misabel Derzi e Paulo de Barros Carvalho). Há aqueles que ainda

concentram importância na ―base de cálculo‖, relegando a segundo plano o ―fato gerador‖, como

elemento definidor da ―natureza específica do tributo‖ (v.g., Alfredo Augusto Becker). O tema será

retomado, quando se estudar a base de cálculo dos tributos, bastando assentar, por agora, a premissa de

que o fato gerador é o que determina a natureza específica do tributo (isto é, a espécie tributária).

34. A Constituição Federal vincula as taxas e a contribuição de melhoria a uma ação estatal, sendo,

por isso, tributos vinculados.

As taxas podem ser instituídas ―em razão do exercício do poder de polícia‖ ou em razão da

―utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte

ou postos a sua disposição‖ (inciso II do art. 145). São, o ―exercício do poder de polícia‖ e a prestação

de serviço público, típicas atividades estatais, motivo pelo qual a taxa é tributo vinculado (isto é, tem seu

fato gerador vinculado a uma atividade estatal).

A contribuição de melhoria é ―decorrente‖ de obras públicas (inciso III do art. 145). No caso,

atividade estatal é a realização de obra pública.

Por serem vinculadas a uma atuação estatal, as taxas e contribuições podem ser exigidas por

qualquer ente federativo, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, desde que eles exerçam a

atividade estatal correspondente.

35. Os impostos, por sua vez, não merecem nenhuma referência específica da Constituição (inciso I

do art. 145). Ela discrimina quais os âmbitos de incidência dos impostos federais, estaduais (ou distritais)

e municipais (ou distritais), atribuindo a cada entidade da Federação a competência para instituir os

impostos. Os fatos (ou situações) considerados pela Constituição, em relação aos impostos, não guardam

nenhuma relação com uma atividade estatal (importação, exportação, rendas e proventos, operações de

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circulação de mercadorias, etc.), sendo atividades dos sujeitos passivos (―contribuintes‖).

Por não ser vinculado a uma atividade estatal, o imposto somente pode ser criado pela entidade

tributante designada (competente) pela Constituição Federal.

36. A teoria dos tributos vinculados e não vinculados é, assim, insumo para se fazer a repartição

constitucional de competência tributária (Sacha Calmon). Rubens Gomes de Sousa, aliás, afirma que a

classificação dos tributos seria desnecessária, não fosse a sua aplicação prática para a repartição daquela

competência constitucional. A questão será retomada no exame da competência tributária.

37. O Código Tributário Nacional acolheu a teoria dos tributos vinculados e tributos não vinculados,

conceituando, em seu art. 16, o que é imposto: ―Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador

uma situação independente de qualquer atividade estatal especifica, relativa ao contribuinte‖. Já os

tributos vinculados (a uma atividade estatal) são definidos no art. 77 (taxas) e no art. 81 (contribuição de

melhoria).

Na taxa, a vinculação seria direta (ou imediata) à atividade estatal, sendo indireta (ou mediata) na

contribuição de melhoria (Geraldo Ataliba). Isso porque, em relação às taxas, basta o exercício do poder

de polícia ou a prestação de serviço público específico e divisível; na contribuição de melhoria, além da

atuação estatal (realização de obra pública), deveria haver benefício para o contribuinte (valorização do

imóvel).

38. Várias são as classificações doutrinárias das espécies tributárias. Sucintamente, podem se

elencadas as seguintes:

a) Os tributos são impostos ou taxas (v.g., Pontes de Miranda, Alfredo Augusto Becker).

Quaisquer outras figuras se encaixariam nestes dois tipos, cuja distinção se baseia na vinculação ou não

vinculação do fato gerador a uma atividade estatal. Simplificadamente, diz-se que o tributo é vinculado

(taxa) ou não vinculado (imposto), não havendo nenhum gênero intermediário.

b) Os tributos são impostos, taxas ou contribuição de melhoria (v.g., Geraldo Ataliba, Paulo de

Barros Carvalho, Roque Carrazza). Classificação muito difundida, mantém a distinção feita na

classificação anterior (item a), mas acrescenta uma espécie intermediária, a contribuição de melhoria, a

qual exigiria uma atuação do Estado (obra pública) e um fato do sujeito passivo (valorização do imóvel).

Para esta classificação doutrinária, outras figuras tributárias, como o empréstimo compulsório e

contribuições em geral, se encaixariam naqueles três tipos.

c) Os tributos são impostos, taxas, contribuição de melhoria e empréstimo compulsório (Fábio

Fanucchi). Distingue o empréstimo compulsório como espécie autônoma, em função de ser o empréstimo

compulsório tributo restituível. Recordar que, no plano do Direito Financeiro, os empréstimos não seriam

considerados tributos, porque não constituem receita pública (entrada definitiva), mas ingresso (entrada

provisória). No plano do direito positivo, contudo, os empréstimos compulsórios foram definidos como

tributos, até para oferecer maior garantia aos contribuintes.

d) Os tributos são impostos, taxas, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e

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contribuições especiais (Ives Gandra, Celso Bastos, Hugo de Brito, Eduardo Marcial Jardim). É a

classificação também aceita no STF: De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as

taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145..., os artigos 148 e 149 aludem a duas

outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo

compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse

das categorias profissionais e econômicas (RE 146.733-SP, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ,

143/684).

39. Além destas classificações, anote-se que Luciano Amaro oferece classificação peculiar: a)

impostos; b) taxas (aqui incluída a contribuição de melhoria); c) contribuições e d) empréstimos

compulsórios.

40. Também Sacha Calmon Navarro Coelho apresenta classificação própria, bastante analítica,

embora conservando as três figuras tradicionais:

a) impostos, divididos em:

a.1) impostos gerais,

a.2) impostos restituíveis (empréstimo compulsório); e

a.3) impostos especiais ou afetados ou finalísticos (contribuições não-sinalgmáticas para

a seguridade social, contribuições corporativas e contribuições interventivas, mencionadas no art. 149 e

no art. 195 da Constituição Federal);

b) taxas (tributos vinculado); e

c) contribuições (tributos vinculados), divididas em:

c.1) contribuição de melhoria;

c.2) contribuição especial retributiva (contribuição previdenciária).

Observe-se que Sacha Calmon separa as contribuições em duas categorias diferentes. As

contribuições interventivas (ou CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), as

contribuições corporativas (devidas aos chamados Conselhos Profissionais, de Medicina, de Engenharia e

Arquitetura, etc., ressalvando-se o caso da contribuição para a OAB, examinada no tópico nº 88, adiante),

e as contribuições previdenciárias, todas elas não-sinalagmáticas (notadamente as contribuições do

empregador), cujas características seriam de impostos, porque os fatos geradores são situações não

vinculadas a uma atividade estatal, não havendo previsão de contraprestação pelo Poder Público.

Já as contribuições especiais sinalagmáticas (art. 195 da Constituição Federal, notadamente as

contribuições dos empregados, dos diretores e sócios de empresas, entre outras) teriam características da

contribuição de melhoria, porque estariam vinculadas a uma atividade estatal (a previdência pública), mas

exigiriam um benefício relacionado com o sujeito passivo (a aposentadoria, a pensão, etc.).

41. A Constituição Federal, muito embora relacione três espécies tributárias (art. 145 – impostos,

taxas e contribuições de melhoria), também se refere aos empréstimos compulsórios (art. 148), às

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contribuições sociais de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias (art. 149), à

contribuição para custeio do serviço de iluminação pública (art. 149-A, conforme EC 39/02) e às

contribuições sociais previdenciárias (art. 195). Não se pode deixar de lado, finalmente, o pedágio,

mencionado no inciso V do art. 150, cuja natureza tributária (ou não) ainda provoca polêmica, como

adiante examinado.

De modo semelhante, o CTN, além das figuras clássicas (relacionadas no art. 5º), refere-se

genericamente a outras espécies tributárias (art. 217, acrescentado pelo Decreto-lei 27/1966), como

―contribuição sindical‖, ―contribuição destinada ao FGTS‖, etc.

42. A variedade de classificações apenas demonstra a dificuldade que há na organização doutrinária

da receita tributária, até porque, do ponto de vista prático, ao Estado interessa o volume da arrecadação,

pouco importando a forma pela qual se dá a entrada do recurso.

Extrafiscalidade e parafiscalidade e outras classificações dos tributos

43. Há outras classificações dos tributos, baseadas na destinação do recurso (falando-se, então, de

tributos fiscais e tributos parafiscais) e na finalidade da tributação (tributos fiscais e tributos

extrafiscais).

44. Quanto à destinação dos recursos, há os tributos fiscais, que vêm a ser aqueles cuja receita é

destinada aos cofres do Estado (entendido como unidades federadas, isto é, União, Estados, Municípios

ou Distrito Federal).

Tributos parafiscais são aqueles cuja receita é destinada a pessoas diversas das pessoas estatais,

para atendimento, em regra, de suas próprias finalidades (Geraldo Ataliba). Há, nos tributos parafiscais, a

transferência da capacidade tributária, pois que outra pessoa jurídica (normalmente de direito público)

assume a função de arrecadar o tributo, que é criado pela entidade federativa. Seria o caso da contribuição

para entidades de classe (exceto a contribuição para a OAB, que merece tratamento especial da

jurisprudência, como indicado no item nº 88), das contribuições previdenciárias (destinada ao INSS –

Instituto Nacional do Seguro Social, que é autarquia federal) e da contribuição sindical (destinada aos

sindicatos, nos termos do art. 579 da Consolidação das Leis do Trabalho, que não se confunde com a

contribuição confederativa, do art. 8º, IV, da Constituição Federal, que não é tributo); tais tributos são

criados pela União Federal, mas outras entidades detêm a capacidade para os arrecadar.

Para Geraldo Ataliba, a noção de parafiscalidade é inútil, só se prestando para tentar excluir do rol

dos tributos diversas exigências que são tributárias. Baleeiro afirma ser a parafiscalidade um ―neologismo

afortunado‖, mas com funções meramente didáticas.

45. Quanto à finalidade, tributos fiscais (ou com finalidade arrecadatória) são aqueles que se destinam

a prover de recursos o ente público (Luciano Amaro).

Já os tributos extrafiscais (ou com finalidade regulatória) teriam ainda, ou principalmente, a

finalidade de induzir comportamentos (Luciano Amaro). Exemplo típico de função extrafiscal é a

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cumprida pelos impostos sobre o comércio exterior; também o IPTU progressivo (art. 182, § 4º, II, da

Constituição Federal) é exemplo de tributo nitidamente extrafiscal.

Discute-se se apenas os impostos teriam função extrafiscal, ou se as taxas também teriam esta

função. Aliomar Baleeiro e Luciano Amaro entendem que sim, as taxas podem cumprir – e, de fato,

muitas vezes cumprem – funções regulatórias. No STF, como visto mais adiante, há precedentes

reconhecendo a validade de utilização extrafiscal de taxas.

Observe-se que todos os tributos têm função fiscal e extrafiscal, sendo a classificação feita a partir

da predominância desta ou daquela função.

46. Há outras classificações que, costumeiramente, são aplicadas apenas aos impostos (mas que

eventualmente podem ser estendidas a tributos). Assim, os impostos são separados em impostos reais

(que tomam em consideração, principalmente, a coisa tributada o objeto da tributação, isto é, o

patrimônio, a renda, etc.) e impostos pessoais (que tomam em consideração qualidades do sujeito

passivo, como ocorre, no Brasil, com o Imposto de Renda).

Outra classificação importante separa os tributos em tributos indiretos dos tributos diretos. Esta

classificação, diz Luciano Amaro, tem fundo econômico, porque toma em conta a repercussão financeira,

uma vez que o tributo, sendo (economicamente) custo, pode ter seu ônus financeiro transferido para

terceiros. Assim, o contribuinte de direito (aquele que deve pagar o tributo) repassa o custo financeiro

deste tributo para o contribuinte de fato (na maioria das vezes, o consumidor). O Direito, porém, se

apropria desta distinção (ver, por exemplo, o art. 166 do CTN), disciplinando a repercussão jurídico-

financeira do tributo, que ocorre, no Brasil, em relação ao ICMS e ao IPI, tributos (impostos) nos quais o

ônus financeiro é transferido, também por mecanismos jurídicos, do contribuinte de direito (o industrial,

ou o comerciante) para o contribuinte de fato (o consumidor).

Esta classificação (tributos diretos e indiretos) é muito criticada, mas assume relevância prática em

sede de repetição de indébito (isto é, devolução do que foi pago indevidamente), porque o art. 166 do

CTN, como assinalado, acolhe esta distinção. A doutrina, em grande maioria, afirma que esta

transferência do encargo financeiro para o contribuinte de fato deve ser jurídica, isto é, deve decorrer de

mecanismos previstos na legislação tributária (ICMS e IPI). Se não fosse assim, todos os impostos

seriam, economicamente, transferíveis (comporiam o custo do contribuinte).

Imposto

47. Há, como já assinalado, conceito legal de imposto, derivado da teoria dos tributos vinculados e

não-vinculados a uma ação estatal (art. 16 do CTN): ―Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato

gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal especifica, relativa ao contribuinte‖.

48. Costuma-se afirmar, doutrinariamente, que os impostos destinar-se-iam ao custeio das despesas

gerais do Estado. Paulo de Barros Carvalho, nesse sentido, lembra que há lições doutrinárias que

salientam a particularidade de o produto da arrecadação dos impostos convergir para as despesas

gerais do Estado, enquanto as taxas e contribuições de melhoria se destinariam a despesas específicas

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(nesse sentido, Rubens Gomes de Sousa, em obra doutrinária elaborada antes do CTN; Amílcar de Araújo

Falcão; Luciano Amaro; Marcial Jardim).

Rubens Gomes de Sousa, após o CTN, registrou que a forma mais comum e mais errada de se

distinguir o imposto da taxa ocorre pela referência à vinculação da receita. Porém, na verdade, é pela

vinculação ou não do fato gerador que tal limitação se estabelece. E, efetivamente, diante do art. 4º do

CTN, a relação entre o produto da arrecadação e seu destino (despesas gerais) é irrelevante. Paulo de

Barros Carvalho, também nesse sentido, critica as lições doutrinárias antes referidas: Reflexões dessa

natureza, todavia, ainda que possam ser úteis para a Ciência das Finanças, nada acrescentam ao estudo

do Direito Tributário, que tem na lei, como dado jurídico fundamental, o objeto precípuo de suas

investigações. Sobremais, o art. 4º da Lei n. 5.172/66 [CTN] é incisivo ao proclamar que o destino do

produto arrecadado é irrelevante para dizer da natureza específica do tributo (também Geraldo Ataliba

tem idêntica opinião, em obra escrita conjuntamente com Rubens Gomes de Sousa e Paulo de Barros

Carvalho).

Apesar disso, muitas vezes, a (suposta) vinculação dos impostos às despesas gerais do Poder

Público é invocada como critério para definir os impostos, o que é equivocado, na teoria clássica do

Direito Tributário, porque a definição das espécies tributária leva em conta o fato gerador, e não a

destinação do produto arrecadado, destinação esta que se insere no campo do Direito Financeiro.

49. Repita-se que, relativamente aos impostos, a Constituição Federal, expressamente, veda a

vinculação de sua arrecadação a órgão, fundo ou despesa (art. 167, IV – norma de Direito Financeiro).

Há, porém, muitas exceções:

a) receita partilhada entre os entes tributantes (arts. 158 e 159);

b) recursos destinados à saúde (art. 198, § 2º);

c) recursos destinados ao ensino (art. 212);

d) recursos destinados à administração tributária (art. 37, XXII);

e) recursos destinados à prestação de garantais às operações de crédito por antecipação de receita

(art. 165, § 8º e art. 167, § 4º).

f) recursos destinados por Estados e Distrito Federal a fundo estadual de fomento à cultura,

limitados a até 0,5% da receita tributária líquida (§ 6O

do art. 216 da Constituição, conforme EC

42/2003); e

g) recursos destinados ao Fundo Social de Emergência, que vigorou entre 1994 e 1999 (art. 71 do

ADCT) e aos Fundos de Combate à Pobreza instituídos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos

Municípios (art. 82).

50. A jurisprudência do STF afirma a inconstitucionalidade das eventuais vinculações não autorizdas

pela Constituição, devendo ser observado que, em determinado caso, tendo havido majoração do imposto,

com o fim de atender à construção de casas populares (o Estado de São Paulo aumentou a alíquota do

ICMS em 1% , passando de 17% para 18%), o STF julgou inconstitucional a própria majoração (RE

183.906-SP, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio), e não apenas a vinculação dos recursos (como foi proposto

por alguns Ministros, no julgamento daquele RE 183.906-SP).

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51. Existem várias formas de classificação dos impostos, como exposto linhas atrás. O CTN adotou a

seguinte classificação, mais por razões práticas do que por critérios científicos: impostos sobre o

comércio exterior; sobre o patrimônio e a renda; sobre a produção e a circulação; impostos especiais;

impostos extraordinários.

52. Os impostos são rigidamente previstos na Constituição Federal (impostos federais, art. 153;

impostos estaduais, art. 155; impostos municipais, art. 156), sendo que a competência para a sua

instituição é exclusiva e excludente (Sacha Calmon).

Taxa

53. A taxa é uma espécie de tributo vinculada a uma atuação estatal, que pode ser:

a) o exercício do poder de polícia (art. 145, II, da Constituição Federal; art. 77 do CTN); o CTN

define o que seja poder de policia (art. 78) e o seu regular exercício (parágrafo único do art. 78);

b) a utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao

contribuinte ou postos à sua disposição (art. 145, II; art. 77 do CTN); o CTN define o que seja utilização

potencial ou efetiva (art. 79, incisos I, a e b) e serviços específicos (art. 79, II) e divisíveis (art. 79, III).

54. A vinculação da taxa é à atividade estatal, isto é, desde que haja atuação estatal (poder de polícia

ou prestação de serviços, nos termos do CTN), pode ser exigida a taxa.

Não há, assim, vinculação da receita com o custeio da atuação estatal (Geraldo Ataliba, Sacha

Calmon, Misabel Derzi, Paulo de Barros Carvalho, Rubens Gomes de Sousa – depois do CTN). Como já

anotado, porém, há séria divergência doutrinária (v.g., Luciano Amaro e, especialmente, Eduardo Marcial

Jardim, que afirma a inconstitucionalidade do art. 4º, II, do CTN). Assim, há posição teórica a sustentar

que a taxa se qualificaria como tributo destinado a custear despesas específicas que lhe motivaram a

criação (serviço público específico e divisível ou poder de polícia). Em minha opinião, contudo, o que

define a taxa é a atividade estatal (trata-se, repita-se, de tributo vinculado a uma atividade estatal), que é

seu fato gerador.

O Supremo Tribunal Federal, em vários precedentes, afirma que o produto da arrecadação da taxa

não pode ser destinado a entidades privadas (associação de juízes, advogados, ou servidores do

judiciário). Poderia haver, todavia, vinculação a despesa específica, não se aplicando a vedação do art.

167, IV, da Constituição, que se refere apenas a imposto, não a taxa.

Conferir, novamente, o § 2º do art. 98 da Constituição Federal, que instituiu vinculação entre a

taxa judiciária e o produto de sua arrecadação.

55. Há precedentes do STF que ainda afirmam que a base de cálculo da taxa não pode exceder o

custo do serviço (nesse sentido, ADIn. 948-GO, Pleno, Rel. Min. Francisco Rezek, RTJ, 172/778; e

ADIn. 1.772-MG-MC, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ, 175/35), o que comprometeria,

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teoricamente, a utilização extrafiscal da taxa, além de reforçar a posição teórica sobre destinar-se a taxa a

custear despesa pública específica. Contudo, nesses precedentes, que versaram sobre taxas judiciárias,

destacou-se, mais especialmente, a necessidade de haver limites para os valores da taxa, não avançando o

STF nas questões relativas à função extrafiscal da taxa e o destino de sua arrecadação.

56. Quanto à base de cálculo da taxa, a Constituição Federal dispõe que a taxa não pode ter base de

cálculo própria de imposto (art. 145, § 2º, CF).

Para Hugo de Brito Machado, esta vedação não significa apenas que imposto e taxa não podem ter

bases de cálculo idênticas, mas também que o critério eventualmente adotado pelo legislador, para a base

de cálculo da taxa, não pode ser pertinente ao contribuinte, pois critérios pertinentes ao contribuinte são

próprios de imposto.

O STF tem posição menos rigorosa, porém, entendendo que não pode haver coincidência entre as

bases de cálculo de imposto e taxa. Admite, então, que seja utilizado para base de cálculo da taxa critério

relativo ao contribuinte, sem tomar em consideração, dessa forma, critérios relativos à atividade estatal.

Exemplo se tem na taxa de fiscalização da localização do estabelecimento, que normalmente adota

como critério a área do imóvel (tantos reais por metro fiscalizado); esta área do imóvel é critério relativo

ao [imóvel do] contribuinte, mas o STF entendeu ser ele compatível com a Constituição Federal

(conforme RE 115.683, 1ª Turma, Rel. Min. Oscar Corrêa; RE 102.524, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves;

após 1999, esse entendimento foi reforçado: RE 214.569, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão; RE 220.316,

Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão; e RE 232.393, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso; anteriormente a 1999,

predominava o entendimento de que a área do imóvel não poderia ser utilizado. v.g.: ERE 115.683,

Pleno, Rel. Min. Célio Borja). Esclareça-se que a área do imóvel é também um dos critérios – mas não o

único – para se apurar o valor venal do imóvel, que é base de cálculo do IPTU.

Em outros casos o STF também validou, a despeito da opinião doutrinária predominantemente

contrária, a adoção de critérios que se relacionavam com atividades do contribuinte, como o valor da

causa, na taxa judiciária (conforme ADIn. 948-GO, Pleno, Rel. Min. Francisco Rezek, RTJ, 172/778; e

ADIn. 1.926-PE-MC, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ, 171/428), ou o patrimônio líquido, na

taxa de fiscalização do mercado de valores mobiliários (conforme RE 177.835, Pleno, Rel. Min. Carlos

Velloso).

Para muitos autores, repita-se, a taxa deve adotar, ou valor fixo, ou critério que diga respeito ao

custo da atividade estatal que é seu fato gerador

57. Com relação à taxa pelo exercício do poder de polícia, é de se ressaltar que o CTN conceituou

poder de polícia (e, curiosamente, vários autores de Direito Administrativo se valem do conceito dado

pelo CTN). Este conceito legal é bastante amplo, de modo a abranger quaisquer atividades

administrativas que limitam, condicionam ou restrinjam atividades dos particulares. Aliomar Baleeiro

afirma que a listagem é exemplificativa.

Destaque-se que este poder de polícia deve ser exercido de forma ―regular‖, o que também é

definido pelo CTN. O poder de polícia é regular quando exercido pelo ―órgão competente nos limites da

lei aplicável, com observância do processo legal (...), sem abuso ou desvio de poder‖ (parágrafo único do

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art. 78).

58. A doutrina afirma que a taxa pelo poder de polícia dependeria do efetivo exercício do poder, ao

contrário da prestação de serviço, que poderia ser cobrada pela utilização potencial. Entretanto, a

jurisprudência do STF admite a cobrança, desde que exista aparato administrativo destinado ao exercício

do poder de polícia, não havendo necessidade de se comprovar o ato de polícia (RE 80.441-ES, Pleno,

Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 88/882).

59. No que tange à prestação de serviço público, o CTN faz distinção entre o que é específico e o que

é divisível (art. 79, incisos II e III, respectivamente). E a maioria dos autores repete o CTN, como se vê

em Baleeiro: É específico quando possa ser separado em unidade autônoma de intervenção da

autoridade, ou de sua utilidade, ou de necessidade pública, que o justificou: – p. ex., a existência do

corpo de bombeiros para o risco potencial do fogo. É divisível quando possa funcionar em condições tais

que se apure a utilização individual pelo usuário: – a expedição de certidões, a concessão de porte de

armas, a aferição dos pesos e medidas etc. Há autores, porém, que afirmam, como afirma Hugo de Brito

Machado, que significam a mesma coisa, pois um serviço não pode ser divisível se não for específico.

Também afirma Hugo de Brito Machado que o serviço público seria específico e divisível quando

decorresse de atividade provocada pelo contribuinte, o que me parece falho, por não alcançar o serviço

potencial (que não é provocado, então, pelo contribuinte).

Em muitas situações é realmente tormentosa definir se o serviço é específico e divisível, não

sendo possível apontar marcos teóricos adotados pela jurisprudência, que resolve topicamente os casos

controversos. Em minha opinião, ambos os conceitos – específico e divisível - retratam o mesmo

fenômeno, visto de ângulos diversos: a divisibilidade se daria em relação ao sujeito passivo (destinatário

da ação estatal); a especificidade se daria em relação ao Estado, que exerceria a atividade em relação a

destinatários específicos (prestador do serviço).

Não interessa, de outro lado, que o serviço público seja posto à disposição de todos (serviços ―uti

universi‖), porque mesmos estes serviços universais podem ser taxados, se, por alguma forma, puderem

ser apropriados ‗uti singuli‘ (Sacha Calmon e Bernardo Ribeiro de Moraes). O exemplo mais elucidativo,

em minha opinião, é o serviço judiciário, pois a prestação jurisdicional, que está constitucionalmente

assegurada a todos (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal), pode ser entregue de modo divisível (por

determinado órgão judicante) e específico (a determinadas pessoas, parte na ação judicial).

60. Além de específico e divisível, o serviço deve ser utilizado efetiva ou potencialmente pelos

contribuintes (art. 77, inciso I, do CTN). Para que haja cobrança pelo serviço potencial, sua utilização

deve ser compulsória, devendo ainda existir ―atividade administrativa em efetivo funcionamento‖ (letra b

do inciso I do art. 77 do CTN).

Há polêmica na definição do que seja utilização compulsória. Para Rubens Gomes de Sousa,

serviço de utilização compulsória seria aquele em que se configuraria o dever de o contribuinte utilizá-lo,

porque, em não utilizando, haveria infração administrativa. Para Hugo de Brito Machado, serviço

compulsório seria aquele que atenderia determinadas necessidades que não poderiam ser atendidas de

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outra forma. Já para Luciano Amaro, serviço compulsório seria o serviço colocado à disposição apenas de

um grupo determinado de cidadãos, sendo de justiça que o serviço seja financiado pelos indivíduos

integrantes desse grupo que dispõe do serviço.

61. Esta discussão sobre utilização compulsória do serviço público deságua na questão relativa às

diferenças entre a taxa e a tarifa (ou preço público).

Há interminável discussão quanto à distinção entre ambas as figuras. Averbe-se, porém, que a

controvérsia surge em relação à prestação de serviço público, porque, relativamente ao exercício do

poder de polícia, não há controvérsia, porque tal exercício somente dá ensejo a taxa, não a tarifa.

A posição mais radical é sustentada por Ataliba, Marco Aurélio Greco e Ives Gandra (entre

outros): serviço público, ainda que concedido, somente pode ser remunerado por taxa. Preço seria

remuneração contratual, e prestação de serviço público não decorreria de contrato. Baseia-se tal

interpretação na literalidade do art. 145, II, que vincula a taxa à prestação de serviço público.

Para Luciano Amaro, se o serviço público deve ser realizado por imperativo de ordem pública,

somente pode ser remunerado por taxa. Este ―deve ser‖ varia no tempo e no espaço, mas Luciano Amaro

realça que o preço somente pode ser cobrado nos termos do contrato, admitindo que o contrato preveja a

cobrança pela simples colocação do serviço à disposição (seria o caso das assinaturas básicas de

telefone).

Sacha afirma que o critério é político, podendo o legislador escolher, ou a taxa, ou o preço

público. Conforme sua opção, porém, ficaria vinculado ao regime jurídico peculiar a cada figura. Assim,

o cidadão, em se tratando de preço, poderia dispensar o serviço; se se tratasse de taxa, porém, o serviço

poderia ser compulsoriamente cobrado, desde que posto à disposição. Ressalva, porém, que, em relação

ao poder de polícia, e em relação ao serviço prestado diretamente pelo Estado, a remuneração deve se dar

por meio de taxa (cita art. 150, § 3º; art. 175, par. único, III, da Constituição Federal). A solução para a

dúvida, desse modo, sempre decorreria de critérios políticos (Ferreiro Lapatza, autor espanhol).

Para Hugo de Brito Machado, se o serviço é obrigatório (isto é, a prestação não pode ser obtida de

outra forma), impõe-se a adoção da taxa; se houver opção de não utilizar, ou utilizar outro serviço, pode

ser adotada tarifa ou taxa, a critério do legislador (com conseqüências no regime jurídico aplicável a uma

ou outra espécie).

62. O STF, em decisão muito citada, concluiu que o problema, sim, é o de saber se o indivíduo, diante

do serviço público prestado pelo Estado, tem, pelo menos, o direito de não usar dele, sem sofrer punição

por isso. E mais: o preço público decorre de relação contratual, ainda que esta nasça de um contrato de

adesão. Mas, nem nos contratos de adesão se retira à parte contratante a faculdade de aderir, ou não, ao

contrato, sem que sua não-adesão lhe torne necessária a comissão de um ilícito administrativo (RE

89.876-RJ, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, RDA 142/31-72; anteriormente a este RE, ver Súmula

545/STF).

A polêmica não se encerrou, pois em decisões mais recentes, o próprio STF voltou atrás,

baseando-se em decisões anteriores ao RE 89.876-RJ. Confira-se, nesse sentido, decisões monocráticas

do Min. Marco Aurélio (AI 225.143-SP, DJ, 04.11.1998) e da Minª. Ellen Gracie (RE 201.630-DF, DJ,

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05.04.2002), em que se anotou: a jurisprudência do Excelso Pretório tem assente ser preço público ou

tarifa, e não taxa, a remuneração do serviço de abastecimento de água. Em termos de decisões

colegiadas, conquanto destituídas de maiores argumentações, veja-se Ag.Rg. no RE 429.644-SC, 1a.

Turma, Rel. Min. Cezar Peluso (DJ, 24.3.s006) e EDcl. no RE 447.536-SC, 2a. Turma, Rel. Min. Carlos

Velloso.

Já no STJ, ao que parece, predomina o entendimento firmado pelo STF no RE 89.876-RJ, devendo

ser conferidos, entre outros, Resp. 665.738-SC, 1a. Turma, Rel. Min. José Delgado (DJ, 4.11.2004), REsp.

167.489-SP, 1ª Rel. Min. José Delgado (DJ, 24.08.1998) e REsp. 127.960-RS, 2ª Turma, Rel. Min.

Francisco Falcão (DJU, 1º.07.02), do qual se retira a seguinte passagem: Tendo-se em conta a

obrigatoriedade de ligação de toda a construção habitável à rede de água e esgotos, tem-se que os

valores cobrados por este serviço não podem ser caracterizados como tarifa, além do que o legislador do

Município, não tem liberdade para estabelecer o que vai cobrar, até mesmo porque a definição do

serviço público quem estabelece é a Constituição Federal e não o legislador ordinário.

Em minha opinião, a orientação decorrente do RE 89.876-RJ, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves é a

mais segura. Tratando-se, então, de serviço compulsório, isto é, serviço em relação ao qual não haja

alternativa lícita, somente se pode adotar a taxa, nunca a tarifa (ou preço público). Se houver, porém,

alternativa lícita, passível a adoção de taxa ou tarifa, com implicações no regime jurídico a ser aplicada a

cada uma daquelas formas. Em relação aos serviços públicos concedidos (ou permitidos) a particulares,

me parece que o regime tarifário (e não o tributário, próprio da taxa) se impõe, dada a necessidade de se

preservar, em concessões ou permissões do serviço público, o equilíbrio econômico-financeiro (art. 37,

XXI, e art. 175, da Constituição Federal). O regime tributário, por seu maior rigor formal, não atenderia a

eventuais urgências na fixação de tarifas.

Contribuição de melhoria

63. Segundo a Constituição, a contribuição de melhoria é tributo ―decorrente de obra pública‖. Teria,

então, a Constituição admitido contribuição de melhoria sem valorização do imóvel? Para Hugo de Brito,

não, sendo inadmissível a interpretação meramente literal. Também Sacha afirma que a contribuição é de

―melhoria‖, não sendo exigível se não há melhoria, mas pioria. Logo, estaria implícita a necessidade de

haver melhoria em decorrência de obra pública.

64. Segundo o CTN, a contribuição ―é instituída para fazer face ao custo das obras públicas‖,

cogitando do limite total (despesa realizada) e do limite individual (acréscimo para o imóvel beneficiado),

na forma do art. 81.

O Decreto-lei 195/1967, entretanto, deu outra conotação à contribuição de melhoria: “fato gerador

é o acréscimo do valor do imóvel localizado em áreas beneficiadas direta ou indiretamente por obra

pública‖. O art. 2º do Decreto-lei 195/67 arrolou as obras públicas que podem dar origem à contribuição

(relação taxativa, segundo Hugo de Brito). Prevê-se como limite o custo da obra (art. 4º), determinando-

se a publicação de edital, que deve conter diversos elementos (art. 5º), dentre eles o plano de rateio

(inciso IV do art. 5º), facultando-se ao contribuinte a possibilidade de impugnação (art. 6º).

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65. Sacha Calmon critica o Decreto-lei 195/1967, afirmando-o inconstitucional, porque a contribuição

destina-se a recuperar o custo da obra, e não a tributar a ―mais-valia imobiliária‖. Geraldo Ataliba

discorda, afirmando que o tributo se volta para a ―mais-valia‖, pois que a contribuição supõe, não apenas

a obra pública, mas principalmente a valorização do imóvel. Ataliba critica, ainda, a burocracia prevista

no Decreto-lei 195/67 para a cobrança da contribuição de melhoria, tudo em razão da equivocada

(segundo ele) preocupação com o custo da obra.

66. Na prática, assinale-se, a contribuição é tributo pouco utilizado, dada as dificuldades para sua

implantação (notadamente nos termos do Decreto-lei 195/67), e certa resistência sociológica a esta forma

de tributação (empregada, historicamente, na Inglaterra, e, após a Segunda Guerra Mundial, na Alemanha

Ocidental). Teoricamente, porém, deveria ser forma tributária mais utilizada, justamente porque permite

ao Poder Público ressarcir-se de despesas que, realizadas em prol de toda a população, revertem em

benefícios mais acentuados para determinadas pessoas.

Contribuição especial

67. Rubens Gomes de Sousa, há muitos anos, propunha que as contribuições fossem categoria

tributária residual: o que não fosse imposto ou taxa, seria contribuição.

68. Atualmente, as contribuições vão se constituindo na principal fonte de receitas da União, tendo

havido um ―boom‖ de contribuições, após a Constituição de 1988. É pertinente, contudo, fazer breve

histórico das contribuições, no direito positivo brasileiro:

a) a Constituição Federal de 1934 referia-se à contribuição previdenciária (art. 121, § 1º, letra h);

b) a Constituição de 1967 referia-se também à contribuição corporativa (art. 159, § 1º) e à

contribuição de intervenção no domínio econômico (art 159, § 9º), além da contribuição previdenciária

(art. 158, XVI); idem a Emenda n. 1/1969 (art. 21, § 2º, I);

c) a Emenda Constitucional n. 8/1977, segundo entendimento consagrado pelo STF, retirou as

contribuições do âmbito tributário, não podendo mais, a partir de então, ser consideradas tributos

(conforme art. 43, I e X, EC 01/69).

d) a Constituição Federal reinseriu as contribuições no campo tributário: art. 149, art. 149-A (EC

39/2002), art. 177, § 4º (EC 33/2001), art. 212, § 5º (EC 14/1996), art. 239, art. 240 e ADCT (art. 56, art.

72, art. 74, art. 75, art. 84 e art. 85).

69. A contribuição é definida por Geraldo Ataliba como tributo vinculado. Há divergência, afirmando

Marcelo Guerra Martins que as contribuições, em semelhança aos impostos, são tributos não vinculados.

Para outros autores, convém insistir, a contribuição não teria feição própria (não seria espécie tributária),

podendo assumir o caráter de imposto, taxa ou mesmo contribuição de melhoria (nesse sentido, Paulo de

Barros Carvalho e Sacha Calmon), sendo, desse modo, tributo não vinculado ou vinculado, conforme o

caso. O STF, contudo a considera espécie tributária autônoma, ao lado dos impostos, taxas, contribuição

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de melhoria e empréstimos compulsórios, conforme adiante explicado.

70. Doutrinariamente, ainda não há consenso sobre a definição da contribuição, no sistema jurídico

brasileiro, podendo se afirmar que o conceito – normativo e doutrinário – de contribuição vem sendo

construído aos poucos. A propósito, nem mesmo a denominação é livre de polêmicas, optando-se, aqui,

por contribuições especiais apenas para abreviar a discussão (―brevitatis causa‖).

Ricardo Lobo Torres observa a dificuldade de se estudar as contribuições, cuja classificação, no

Brasil, se faz sobretudo com fulcro na CF, mercê da enumeração nela contida. Esse é um dos assuntos

difíceis do nosso direito constitucional tributário, pelas sucessivas mudanças introduzidas no texto maior

e pela insegurança do Supremo Tribunal Federal. Realmente, as contribuições especiais vêm sendo

tratadas a partir de enfoque eminentemente prático, decorrente de alterações feitas na Constituição

Federal para atender, principalmente, às necessidades de caixa da União Federal (e, no caso da

contribuição de iluminação pública, do caixa dos Municípios).

71. Podem ser compiladas algumas definições que apontam para os critérios mais usados para se

definir a contribuição especial, distinguindo-a das demais espécies tributárias. Registre-se, porém, a

ausência de unanimidade ou consenso em relação aos critérios que, eventualmente, permitiriam afirmar

ser as contribuições especiais uma espécie tributária autônoma, distinta das figuras tradicionais.

Luciano Amaro define a contribuição especial como tributo com destinação determinada,

exercitável por entidade estatal ou paraestatal, no qual a nota da divisibilidade (em relação aos

indivíduos) não é essencial, sendo essencial a destinação a uma atuação específica.

Hugo de Brito Machado realça que a contribuição especial é tributo que se caracteriza pela

finalidade. Não pela simples destinação do produto da respectiva arrecadação, mas pela finalidade de

sua instituição.

José Eduardo Soares de Melo aponta a destinação constitucional (fundos, entidades, categorias

profissionais, verba orçamentária específica etc.), beneficiando diretamente a terceiros e, indiretamente

aos seus contribuintes, como a nota distintiva da contribuição especial.

Marcelo Guerra Martins sublinha que a contribuição especial tem destinação e finalidade

específicas, constitucionalmente definidas (por exemplo, a intervenção no domínio econômico, a

seguridade social, etc.), devendo haver uma relação lógica e jurídica entre o sujeito passivo e a

finalidade da contribuição, ainda que esta relação seja indireta e longínqua (ainda nesse sentido, Roque

Carrazza e Geraldo Ataliba).

72. De outra ponta, Sacha Calmon não concorda com a definição (tributária) das contribuições

especiais por sua finalidade, dizendo que a relevância da validação finalística é fundamental, agora sim,

para controlar o poder de tributar. Em sua opinião, as contribuições de intervenção econômica seriam

impostos, com a denominação de contribuições, e deveriam desaparecer, na medida em que se restringe

cada vez mais a intervenção do Estado no domínio econômico (conforme art. 170 da Constituição

Federal). Já as contribuições corporativas seriam odiosas e antiquadas, nasceram com o fascismo e os

governos autoritários ou intervencionistas do entreguerras (1920 a 1940). Nessa toada, para Sacha,

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apenas as contribuições previdenciárias pagas pelos segurados da Previdência Social poderiam ser, de

fato, espécie tributária autônoma, embora as assemelhe às contribuições de melhoria, porque os fatos

geradores são prestações do Estado, eventuais e futuras (aposentadorias, pensões, benefícios diversos),

cujos destinatários são os contribuintes (empregados, trabalhadores autônomos, etc.)

73. Em minha opinião, há muito que se avançar doutrinariamente, no que concerne às contribuições

especiais, muito embora, a cada dia, me convenço que são melhores os argumentos segundo os quais as

contribuições especiais ou são espécie de taxa, ou são espécie de impostos (Sacha Calmon e Paulo de

Barros Carvalho).

Veja-se, por exemplo, a especial relação que deveria existir entre a finalidade da contribuição e

seus sujeitos passivos (princípio da referibilidade). Segundo Ricardo Lobo Torres, por exemplo, as

contribuições especiais são contraprestação devida pela [prestação de] seguridade social e outros

benefícios na área social garantidos pelo Estado a determinado grupo da sociedade, de que decorre

benefício especial para o cidadão que dele participa. Esta relação pode ser facilmente visualizada em

certas contribuições de intervenção no domínio econômico, ou nas contribuições corporativas, mas torna-

se muito tênue em relação a outras contribuições especiais, como, por exemplo, a contribuição

previdenciária devida pelo empregador, que resulta em benefícios para o empregado, e não para o seu

contribuinte (empregador). Outro exemplo é a contribuição para o custeio do ensino fundamental público

(chamada salário-educação), prevista no § 5º do art. 212 da Constituição Federal, em relação à qual não

há benefício para a empresa que a paga. Somente com boa vontade é que se pode, muito indiretamente,

enxergar eventual relação entre a empresa e a aposentadoria do trabalhador (no caso da contribuição

previdenciária do empregador) ou entre a empresa e a educação fundamental (no caso da contribuição

para o salário-educação).

74. Também quanto à finalidade das contribuições especiais há muita controvérsia, voltando-se a

discussões sobre o destino da receita arrecadada com tal tributo.

De modo geral, aceita-se que as contribuições especiais sejam tributos finalísticos, isto é, tributos

cuja criação visa atender determinada finalidade, constitucionalmente prevista. Alguns autores realçam

que esta finalidade não se confunde com a destinação efetiva dos recursos, no mundo dos fatos, para

aquele fim. A finalidade ou destinação legal é requisito inafastável para a caracterização da

contribuição; a destinação no plano fático é questão de Direito Financeiro, cuja inobservância pode

gerar penalização dos responsáveis, mas não a invalidade do tributo (Leandro Paulsen). Outros autores,

contudo, exigem que a finalidade constitucional seja efetivamente respeitada, razão pela qual a não

destinação efetiva dos recursos comprometeria a validade do tributo: o contribuinte pode opor-se à

cobrança de contribuição que não esteja afetada aos fins, constitucionalmente admitidos; igualmente

poderá reclamar a repetição do tributo pago, se, apesar da lei, houver desvio quanto à aplicação dos

recursos arrecadados (Misabel Derzi).

A adoção da finalidade como causa para a criação da contribuição especial desloca o enfoque até

agora dado aos tributos, como bem observa Marco Aurélio Greco: ao invés de se perquirir o fato gerador

(vinculado ou não vinculado a uma atividade estatal) que daria ensejo à cobrança do tributo, haveria que

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se perquirir a finalidade a ser buscada. Preciso, assim, Sacha Calmon, ao acentuar ser a finalidade

importante instrumento para controlar o poder de tributar.

Todavia, volto a dizer, não vejo como vincular a validade jurídica do tributo à (posterior)

destinação dos recursos, dadas as dificuldades práticas (e também teóricas) dessa validação pelo

resultado. Infelizmente, a má-aplicação da receita tributária ainda escapa do campo tributário, não

devendo – pela impossibilidade de se tornar efetivo este controle – ser empregada como critério para

afirmar a validade, ou não, do tributo.

75. Para além da discussão sobre ser a contribuição especial uma nova espécie tributária, o STF já fez

distinção entre as contribuições especiais previstas na Constituição Federal, a partir de interpretação do

seu art. 149, baseando-se na lição do Min. Carlos Velloso (v.g., RE 148.754-RJ, Pleno):

CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS (OU CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS LATO SENSU)

a) contribuições sociais (ou sociais stricto sensu), divididas em:

a.1) contribuições de seguridade social

a.1.1) previdenciárias (art. 195, I a IV)

a.1.2) outras contribuições de seguridade social (art. 195,§ 4º)

a.2) contribuições sociais gerais (art. 149)

b) contribuições de intervenção no domínio econômico (art. 149)

c) contribuições corporativas (art. 149)

76. Hugo de Brito discorda, não reconhecendo a figura genérica das contribuições sociais ―lato

sensu‖, apesar da literalidade do art. 149. Divide as contribuições, assim, em: a) contribuições

previdenciárias; b) contribuições de intervenção no domínio econômico; c) contribuições de interesse de

categorias profissionais ou econômicas.

77. Sob o ângulo do direito positivo, diversas disposições vêm sendo acrescentadas à Constituição

Federal, desenhando-se um perfil constitucional das contribuições, que não parece, como disse, ter muitas

preocupações teóricas, senão que adaptar a Constituição às necessidades financeiras da União Federal, ou

eventuais ajustes na economia brasileira. Destaque-se as seguintes normas específicas, relativamente às

contribuições especiais:

a) em relação às contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, por força de

alterações decorrentes da EC 33/2001 e, depois, da EC 42/2002:

a.1) foram excluídas de seu campo de incidência as ―receitas decorrentes de exportação‖

(inciso I do § 2º do art. 149), em claro incentivo à política de exportações;

a.2) determinou-se a incidência sobre ―a importação de produtos estrangeiros ou

serviços‖ (inciso II do mesmo § 2º do art. 149), hipótese em que poderão ser sujeitos passivos,

tanto pessoas jurídicas, quanto pessoas físicas (§ 3º do art. 149);

a.3) as alíquotas destas contribuições poderão ser ―ad valorem‖, isto é, percentual sobre o

―faturamento, a receita bruta ou o valor da operação (...) ou o valor aduaneiro‖ (letra a do inciso

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III do § 2º do art. 149), ou poderão ser específicas (letra b do inciso III do § 2º do art. 149;

exemplo, R$ 0,10 por litro de combustível).

a.4) há a possibilidade de as contribuições se tornarem monofásicas, incidindo apenas em

uma operação de uma cadeia econômica (§ 4º do art. 149).

b) em relação à CIDE/combustíveis (isto é, contribuição de intervenção econômica relativa à

importação ou comercialização de petróleos e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool

combustível):

b.1) poderá ser adotada alíquota diferenciada por produto ou uso (art. 177, § 4º, a,

modificado pela EC 33/2001);

b.2) a alíquota poderá ser reduzida ou restabelecida por ato do Executivo, sem necessidade

de respeitar o princípio da anterioridade (art. 177, § 4º, b, observando que o valor máximo deve

ser fixado em lei, de modo que o Executivo pode apenas reduzir ou restabelecer aquele valor

máximo);

b.3) os recursos arrecadados devem ser destinados ao pagamento de subsídios a preços ou

transporte de álcool combustível/gás natural e derivados/derivados de petróleo; ao financiamento

de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; e ao financiamento de

programas de infra-estrutura de transportes.

Registre-se que a Lei 10.336, de 2001, criou a CIDE/combustíveis, havendo alterações

posteriores.

c) em relação às contribuições sociais gerais (especialmente em relação às contribuições

previdenciárias):

c.1) há definição constitucional dos fatos geradores e bases de cálculo que podem ser

adotados (incisos I a IV do art. 195, sendo que o inciso IV foi acrescentado pela EC 42/2003);

estas contribuições que encontram referência genérica na Constituição (e, por isso, não constituem

novas fontes), não dependem de lei complementar, segundo entendimento majoritário do STF.

c.2) outros fatos geradores (―outras fontes‖) poderão ser definidos, obedecendo-se, porém,

à exigência de lei complementar (art. 195, § 4º);

c.3) poderão ser adotadas, em relação às contribuições devidas pelos empregadores,

alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização

intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho

(art. 195, § 9º, modificado pela EC 47, de 2005; a parte sublinhada é que foi acrescentada ao texto

antigo, modificado antes pela EC 20/1998).

c.4) há regras especiais sobre imunidade (art. 195, § 7º), sobre as contribuições devidas por

produtores, parceiros, meeiros, arrendatários e pescadores artesanais (art. 195, § 8º), sobre o

momento de aplicação da lei nova (art. 195, § 6º); e

c.5) determinou-se a adoção da não-cumulatividade, em relação às contribuições incidentes

sobre receita, faturamento e importação, cabendo à lei definir os setores da atividade econômica

aos quais se aplicará tal não-cumulatividade (art. 195, § 12, conforme EC 42/2003). Em minha

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opinião, porém, não se tem propriamente não-cumulatividade, havendo imprecisão terminológica,

porque a não-cumulatividade é técnica que se aplica em relação a tributos plurifásicos (que

incidem sobre várias fases de uma mesma cadeia econômica, como ocorre no ICMS e no IPI, em

que um mesmo produto é tributado nas várias etapas de sua circulação). No caso das contribuições

em exame, esta (falsa) não-cumulatividade corresponde a um sistema de deduções de itens que

compõem a base de cálculo das contribuições.

78. Exemplos de contribuições, segundo José Eduardo Soares de Melo:

a) contribuições sociais genéricas:

a.1) PIS (art. 239, da Constituição, Lei 10.833/2003, Lei 10.925/2004, Lei 10.865/2004,

entre outras);

a.2) FGTS (LC 110/2001);

a.3) Salário-educação (art. 212, § 5º, da Constituição);

a.4) CPMF (art. 74, 75, do ADCT; Lei 9.311/96).

b) contribuições de intervenção no domínio econômico:

b.1) AFRMM (Adicional de Frete para a Renovação da Marinha Mercante; o STF, RE

177.137-RS, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, afirmou ser irrelevante, ―sob o aspecto tributário‖,

o fato de que o Fundo da Marinha Mercante já não mais existia);

b.2) CIDE/transferência de tecnologia (Lei 10.618/200 e Lei 10.332/2001 – recursos

destinados ao Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico Tecnológico);

b.3) FUST (Lei 9.998/2000 – universalização dos serviços de telecomunicações);

b.4) FUNTEL (Lei 10.052/2000 – desenvolvimento das telecomunicações);

b.5) CIDE/combustíveis (art. 177, CF/1988);

b.6) CONDECINE (Lei 10.4542002 – indústria cinematográfica);

b.7) contribuição de iluminação pública (art. 149-A, CF/1988);

c) contribuições corporativas: sistema sindical (SESI, SENAI, SESC, SEBRAE, conforme art.

240, CF/1988) e profissões regulamentadas;

d) contribuições sociais de seguridade social:

d.1) COFINS (Lei 10.833/03);

d,2) previdenciárias propriamente ditas (Lei 8.212/91);

d.3) CSLL (contribuição social sobre o lucro líquido, Lei 7.689/88);

d.4) contribuições de loterias (Lei 8.212/91);

d.5) atividades rurais e pesca artesanal (Lei 8.212/91);

d.6) PASEP (Lei 10.637/02);

d.7) contribuições de servidores públicos federais, estaduais e municipais, nos termos das

respectivas leis (conforme § 1º do art. 149).

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79. O Min. Carlos Velloso inclui o PIS entre as contribuições previdenciárias (e não entre as sociais

gerais, como faz Soares de Melo, ao meu ver, mais acertadamente); as contribuições ao

SESC/SENAC/SENAI etc. entre as contribuições sociais gerais (e não entre as corporativas); e a do

SEBRAE entre as CIDE (e não nas corporativas).

80. Em regra, vale anotar, à União cabe estabelecer as contribuições, excetuadas:

a) contribuições para previdência dos servidores públicos (que, além da União, também Estados e

Municípios podem instituir – art. 149, § 1º, da CF/1988); e

b) contribuição de iluminação pública (somente Municípios e Distrito Federal – art. 149-A,

CF/1988).

81. Acerca da contribuição de iluminação pública (art. 149-A, acrescentado pela EC 39/2002),

registre-se que sua origem está na rejeição, pelo STF, das antigas taxas de iluminação pública, cobradas

pelos Municípios (conforme Súmula 670/STF). Adotou-se, então, a contribuição de iluminação pública,

cuja finalidade é o ―custeio do serviço de iluminação pública‖, permitida inclusive a cobrança ―na fatura

de consumo de energia elétrica‖ (parágrafo único do art. 149-A).

Em Belo Horizonte, a Lei Municipal 8.468, de 30.12.2002, instituiu a CCIP – Custeio dos

Serviços de Iluminação Pública. Contribuinte da CCIP é o proprietário ou possuidor de imóvel, edificado

ou não, situação em logradouro público alcançado pelos serviços de iluminação pública (art. 4º). Há

isenção para os imóveis residenciais que consumam até 80KWh por mês (art. 5º). O valor da CCIP é

calculado a partir da Tarifa Convencional de Iluminação Pública, que é fixada pela agência federal,

correspondendo a um percentual daquela Tarifa (art. 6º e Tabela Anexa). A cobrança é mensal (Tabela

Anexa).

Empréstimo compulsório

82. Previstos no art. 148 da Constituição Federal, os empréstimos compulsórios, em minha opinião, e

diante da larga margem para utilização das contribuições pela União, perderam sua utilidade, tanto que

não houve instituição de novos empréstimos, após a Constituição Federal

Antes da EC 1/69, não eram tidos pela jurisprudência do STF como tributos (Súmula 418;

cuidado, porque tal súmula está notoriamente superada, embora conste em algumas compilações de

jurisprudência). Prevalecia a tese de que se tratava de contrato coativo (Santiago Dantas). Após a EC

1/1969 afirmou-se seu tratamento tributário, sendo espécie de tributo, muito embora a EC 1/1969

remetesse para a lei complementar definir os ―casos especiais‖ que autorizariam a instituição dos

empréstimos compulsórios.

O CTN cuidou, em seu art. 15, dos empréstimos compulsórios, elencando os ―casos especiais‖,

quais sejam, guerra externa ou sua iminência (inciso I do art. 15), calamidade pública (inciso II) e

conjuntura que exija a absorção temporária de poder aquisitivo (inciso III). A lei que instituísse o

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empréstimo, que não precisava ser lei complementar, deveria ―obrigatoriamente‖ dispor sobre o prazo do

empréstimo e as condições de seu resgate (parágrafo único do art. 15).

83. Na vigência da Constituição Federal de 1988, que constitucionalizou por assim dizer, as normas

do CTN, os empréstimos compulsórios devem ser instituídos por lei complementar:

a) para atender a despesas extraordinárias decorrentes de guerra externa (iminência) ou de

calamidade pública – hipótese que não se sujeita ao princípio da anterioridade (art. 150, III, b);

b) para investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional – sujeitando-se,

aqui, ao princípio da anterioridade.

84. A guerra externa, a calamidade e o relevante interesse nacional seriam causas do empréstimo

compulsório; as despesas decorrentes destas causas seriam a finalidade dos empréstimos.

85. A aplicação dos recursos será vinculada à despesa (parágrafo único do art. 148).

86. Segundo Luciano Amaro, não há norma constitucional que permita afirmar a natureza vinculada

ou não vinculada do empréstimo compulsório. Por isso, Sacha Calmon, nessa mesma linha, diz que o

empréstimo compulsório poderá assumir características de imposto (não vinculado) ou taxa (vinculado),

sendo mais comum a primeira hipótese.

O STF admitiu, de passagem, que o empréstimo compulsório escolhesse como fato gerador

situação que estivesse inserta no âmbito de competência dos Estados ou Municípios (RE 121.336, Pleno,

Min. Sepúlveda Pertence).

87. Há discussões, hoje meramente teóricas, sobre os efeitos tributários de eventual inadimplência do

Fisco (caso não restitua o empréstimo) ou desvio na aplicação dos recursos. O que se disse sobre a

contribuição especial, quanto a este último aspecto (desvio de recursos), pode ser repetido em relação ao

empréstimo compulsório. Vale registrar, contudo, a observação de Leandro Paulsen, segundo a qual, se o

Fisco não restitui o empréstimo, caberia ação de cobrança, e não ação de repetição de indébito, porque o

tributo continuaria a ser devido.

Outras figuras tributárias e não tributárias

88. Ao Poder Público, no mais das vezes, interessa a entrada de recursos públicos, sendo pouco

importante a forma jurídica adotada. Em todo o mundo, surgem figuras que, por razões práticas, não são

enquadradas no conceito jurídico de tributo. Na Espanha, aliás, há estudos sobre tributos atípicos. No

Brasil, igualmente, encontram-se situações peculiares, relativamente à classificação das espécies

tributárias:

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a) contribuição paga pelo empregador para o FGTS do empregado: não é tributo (STF, RE

100.249, Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira RTJ, 136/681), mas verba trabalhista, tanto que o empregado

pode pleiteá-la diretamente do empregador, na Justiça do Trabalho.

Ressalve-se, porém, as contribuições previstas na LC 110/2001 (porque destinadas a cobrir o

―déficit‖ resultante de novas formas de correção monetária do FGTS), devidas pelos empregadores (com

várias hipóteses de isenção), que possuem natureza tributária (ADIn. 2.556-DF e 2.568-DF, Pleno, Rel.

Min. Moreira Alves, DJ, 17.10.02). Estas contribuições são: a) de 10% sobre o montante de todos os

depósitos devidos, referentes ao FGTS, no caso de despedida de empregado sem justa causa (art. 1o. da

LC 110/01); e b) 0,5% sobre a remuneração devida, a cada mês, aos empregados (art. 2o. da LC 110/01;

esta contribuição deve ser paga até o 63º mês após a publicação da LC 110/2001).

b) Pedágio: referência no art. 150, V, da CF/1988, para dizer que ele não se constitui em limitação

ao tráfego de bens ou pessoas. Por isso, muitos autores afirmam ser o pedágio espécie de taxa (Luciano

Amaro; Min. Carlos Velloso); para outros, seria preço público, embora pudesse assumir a feição de taxa

(Sacha Calmon, Min. Sepúlveda Pertence).

O STF negou natureza tributária ao pedágio, qualificando-o como preço público (ADIn. 800-RS,

Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ, 18.12.92). Contudo, posteriormente, ao julgar o RE 181.475-RS, 2ª

Turma, Rel. Min. Carlos Velloso (DJ, 25.06.99), o STF sustentou tese oposta, afirmando o pedágio tem

natureza jurídica de taxa.

Atualmente, com a privatização das rodovias, em minha opinião, tende a se alastrar o uso do

pedágio como preço público, porque a cobrança de taxa dificultaria a atuação das empresas

concessionárias, notadamente no que se refere à eventual manutenção do equilíbrio econômico-financeiro

dos contratos.

c) Contribuição confederativa (art. 8º, IV, da Constituição Federal), segundo o STF, não é tributo,

porque decorre de decisão da assembléia do sindicato (voluntária), destinando-se a custear o ―sistema

confederativo da representação sindical respectiva‖.

Não se confunde esta contribuição confederativa com a contribuição sindical (contribuição

corporativa), prevista no art. 579 da Consolidação das Leis do Trabalho, que possui natureza tributária.

d) Contribuição para a OAB, em minha opinião, seria típica contribuição corporativa. Por razões

extra-tributárias, porém, a jurisprudência do STJ assim não entende, como mostra o seguinte precedente:

―Diante da natureza intrínseca da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, que não se equipara à

autarquia propriamente dita, denota-se que as contribuições recebidas pela entidade, efetivamente, não possuem

natureza tributária. Pensar de modo diferente, data venia, é crer que a OAB faz parte da administração pública e

que os valores que recebe a título de anuidade equivalem a dinheiro público. A corroborar com esse entendimento,

a douta Ministra Eliana Calmon já assentou ‗com base na jurisprudência da Corte e na doutrina, ser a OAB

autarquia de natureza especial, mas as contribuições por ela cobradas não têm natureza tributária e não se

destinam a compor a receita da Administração Pública, mas a receita da própria entidade, o que afasta a

incidência da Lei n. 6.830/80‘ (REsp. n. 497.871-SC, in DJ de 2/6/2003)‖ (STJ, REsp. 449.760-SC, 2ª Turma, Rel.

Min. Franciulli Netto, DJU, 12.04.04).

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e) Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), disciplinada pelas Leis 7.990/89 e

8.001/90 (que disciplinam o art. 20, § 1º, da Constituição Federal), não é tributo. Segundo o STF,

constitui-se tal compensação em preço público, Isto é, receita originária patrimonial, decorrente da

exploração do patrimônio da União. Há, todavia, polêmica, eis que para alguns autores seria, sim, tributo

(Roque Carrazza), havendo, ainda, quem afirme se tratar de indenização.

89. Outros tantos casos poderiam ser citados, valendo, para resumir, lembrar a lição de Hugo de Brito

Machado, segundo a qual haveria, no Brasil, muito tributo oculto ou disfarçado, isto é tributos que

assumem feições diversas, configurando burla à Constituição. Exemplifica, Hugo, com o valor de outorga

(nas licitações para concessão de serviços públicos); sobrepreços nos preços públicos (nesse sentido,

confira-se RE 117.315-RS, Pleno do STF, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 132/888); e preços públicos em

que o serviço é de uso compulsório (cita o caso da rede de esgotos, no Ceará). São casos sempre difíceis,

embora me pareça que, em relação ao valor de outorga, tem-se mecanismo próprio do Direito

Administrativo, adotado como critério para a concessão de serviço público.

De todo modo, dada a vinculação que existe entre o conceito de tributo e o direito positivo,

sempre surgirão casos difíceis, especialmente porque o legislador não está preso a esquemas ou

conceituações teóricas.

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3º Ponto: Competência Tributária

Competência tributária

Repartição de receitas tributárias

90. No Estado Federal, em que há unidades autônomas (com capacidade política de editar normas

jurídicas), há que se garantir a estas unidades – União, Estados, Distrito Federal e Municípios –

capacidade econômico-financeira, para que a autonomia política possa ser plenamente exercida. Duas

são, basicamente, as formas de garantir autonomia financeira: a atribuição de competência tributária e a

repartição (partilha) de recursos tributários.

Competência tributária

91. Competência tributária é entendida, pelos tributaristas, como o poder de criar tributos. Atenção:

a Constituição não cria tributos; ela outorga competência tributária, ou seja, atribui aptidão para criar

tributos. O tributo, em regra, é criado por lei ordinária (ou medida provisória, embora haja casos em que

se exige a lei complementar). Então, anote bem: A Constituição não cria tributos; ela outorga

competência aos entes federados para os criar.

92. De modo geral, os tributaristas distinguem a competência privativa (que, de modo geral, se aplica

à criação de impostos) da competência comum (que diz respeito à criação de taxas e contribuições de

melhoria). Também em relação à União Federal, se fala de competência privativa para instituir

contribuições especiais e empréstimos compulsórios, aspectos abordados mais adiante.

Repare-se que, no Direito Tributário, não se faz distinção (feita no Direito Constitucional), entre

competência privativa e competência exclusiva, tomando-se as expressões como sinônimas. Sacha

Calmon, já se anotou em outra passagem, afirma que a competência para criar impostos, no Brasil, é

exclusiva e excludente.

93. Em relação à criação de impostos, competência privativa, tem-se a seguinte divisão:

União Federal

a) competência ordinária

> imposto de importação (II)

> imposto de exportação (IE)

> imposto de renda (IR, IRPF, IRPJ e IRRF)

> imposto sobre produtos industrializados (IPI)

> imposto sobre operações de crédito, câmbio, seguro (IOF)

> imposto territorial rural (ITR)

> imposto sobre grandes fortunas (a ser criado por lei complementar);

> impostos residuais (a ser criados por lei complementar, conforme art. 154, I, da Constituição)

b) competência extraordinária (art. 154, II, CONSTITUIÇÃO FEDERAL).

> impostos extraordinários (ou impostos de guerra)

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Estados (e Distrito Federal)

> imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA)

> imposto sobre transmissões causa mortis e doações (ITCD)

> imposto sobre > circulação de mercadorias e

> prestações de serviços > de comunicações

> de transportes interestadual e intermunicipal (ICMS)

Municípios (e Distrito Federal)

> imposto sobre propriedade predial e territorial urbana (IPTU)

> imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS ou ISSQN)

> imposto sobre transmissão onerosa e inter vivos de imóveis (ITBI)

94. Registre-se, com relação à competência para instituir impostos, que a competência extraordinária

da União Federal se limita aos impostos extraordinários, que somente podem ser exigidos ―na iminência

ou no caso de guerra externa‖, que deverão ser suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua

criação (art. 154, II, da Constituição).

Haveria, na adoção de impostos extraordinários, a possibilidade de bi-tributação (Luiz Ricardo

Gomes Aranha), repetindo-se fatos geradores de impostos de competência estadual, municipal ou mesmo

da competência federal. Isso porque o inciso II do art. 154 cogita da criação de impostos extraordinários

que podem ou não ser da competência federal.

Em função desta competência extraordinária da União Federal, vários autores (Paulo de Barros

Carvalho, Luciano Amaro) afirmam que somente a União teria realmente competência privativa, visto

que ela, União, poderia instituir impostos (extraordinários) idênticos aos impostos estaduais e municipais.

95. Quanto aos impostos residuais, devem ser eles criados por lei complementar, não podem ser

cumulativos e não podem repetir fato gerador ou base de cálculo dos impostos já discriminados na

Constituição (art. 154, I).

96. Em relação à competência estadual, anote-se que já houve um quarto imposto estadual, o AIR

(Adicional de Imposto de Renda), revogado pela EC 3/93. Rigorosamente, esta supressão de um imposto

estadual poderia ser entendida como tendente a abolir a forma federativa, por representar ofensa à

autonomia financeira (Misabel Derzi), de modo que haveria inconstitucionalidade da Emenda

Constitucional (art. 60, § 4 º, I, da Constituição). Todavia, os Estados não questionaram esta redução de

competência tributária, não havendo maior repercussão jurídica (talvez porque politicamente a extinção

do AIR tenha sido assimilada pelos Estados).

97. Também os Municípios já puderam instituir o IVVC (Imposto sobre Venda a Varejo de

Combustíveis Líquidos e Gasosos, exceto óleo diesel), revogado pela EC 03/93. Repete-se, aqui, a

ponderação feita no item anterior.

98. Observe-se, outrossim, que o art. 147 da Constituição Federal trata do que Sacha Calmon define

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como competência múltipla, qual seja, a competência da União para instituir impostos estaduais, em

Territórios Federais (se houver Territórios, algum dia), e, eventualmente, instituir também impostos

municipais, se o Território não tiver municípios, além da competência do Distrito Federal para cobrar os

impostos municipais.

99. Em relação a outros tributos, é possível falar de competência privativa da União Federal para

instituir:

a) empréstimos compulsórios (art. 148); e

b) contribuições especiais (art. 149), com três exceções

b.1) competência estadual para instituir contribuições previdenciárias, destinadas a custear

os regimes previdenciários dos servidores públicos estaduais (art. 149, § 1º);

b.2) competência municipal para instituir:

b.2.1) contribuições previdenciárias, destinadas a custear os regimes

previdenciários dos servidores públicos municipais (art. 149, § 1º);

b.2.2) contribuição de iluminação pública: instituída apenas pelos Municípios e

também pelo Distrito Federal (art. 149-A, da Constituição).

100. Quanto a taxas e contribuições de melhoria, repita-se, haveria competência comum, pois que a

unidade federada que exercesse a atividade estatal (à qual se vincula o fato gerador do tributo) seria

competente para instituir tal tributo (taxa ou contribuição de melhoria). Hugo de Brito Machado, aliás,

afirma que esta competência não seria definida pelo Direito Tributário, mas pelo Direito Administrativo:

não pertence ao Direito Tributário a questão de saber qual daquelas pessoas é competente para o

exercício da atividade estatal a que se vincula a instituição do tributo.

Luciano Amaro critica, todavia, a denominação competência comum, dizendo que, se o ―comum‖

se refere à espécie tributária (taxas e contribuições de melhoria), então também a competência para

instituir impostos seria comum, porque todos os entes federativos poderiam instituir impostos. Reafirma,

pois, que se trata, no que tange a taxas e contribuições de melhoria, competência igualmente privativa,

definindo-se pela competência para exercer determinadas atividades estatais.

101. O Código Tributário Nacional contém normas que versam sobre a competência tributária, algumas

muito criticadas pela doutrina, porque, diz Paulo de Barros Carvalho, nada acrescentariam, apenas

repetindo preceitos que, em verdade, decorreriam da Constituição. Assim, por exemplo, o art. 6º do CTN

diz que a competência tributária é competência legislativa plena, observando-se o que se contém na

Constituição Federal, nas Constituições Estaduais, nas Leis Orgânicas e no próprio CTN. Segundo Paulo

de Barros Carvalho, tal artigo merece críticas já a partir da afirmação de que a competência tributária

seria limitada pela Constituição Federal: as competências resultam justamente do feixe de limitações que

a Constituição estatui. Não existe, anteriormente a elas, uma atribuição jurídica de competência

legislativa plena que, por obra de ressalvas limitativas, se vai constringindo. Os mandamentos

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constitucionais são postos de uma só vez.

Aliomar Baleeiro apenas observa que por competência plena se entende competência para legislar

sobre todos os aspectos pertinentes à tributação: época e forma de pagamento, competência dos órgãos

administrativos, etc.

102. Esclarece o CTN, por outro lado, que a repartição (partilha) de recursos tributários não afeta a

competência tributária (art. 6º, parágrafo único, do CTN). Assim, o fato de o Município, por exemplo,

participar da receita de tributo de competência do Estado, não legitima aquele Município a interferir na

competência tributária estadual.

103. O CTN também dispõe que a competência tributária é indelegável (art. 7º do CTN). Admite-se,

porém, a delegação das funções de arrecadação e fiscalização, o que caracteriza os tributos parafiscais. A

EC 42/03 previu a delegação da arrecadação e fiscalização do ITR aos Municípios (art. 153, § 4º, III),

hipótese em que o produto da arrecadação pertencerá integralmente ao Município (art. 158, II, também

nos termos da EC 42/03).

A atribuição da arrecadação e da fiscalização compreende as garantias e privilégios processuais

que competem ao delegante (§ 1º do art. 7º). Desse modo, a execução judicial de um tributo federal, cuja

arrecadação seja atribuída a uma autarquia, far-se-á pelo rito da execução fiscal, garantindo-se à autarquia

os mesmos privilégios que a União teria, fosse ela a pessoa a arrecadar e fiscalizar aquele tributo.

Esta delegação prevista no CTN é, ademais, ato unilateral, podendo ser revogada a qualquer

tempo (§ 2º do art. 7º).

104. O art. 7o. do CTN, convém realçar, conduz à questão relativa à distinção entre competência e

capacidade tributárias. Capacidade tributária é a aptidão para figurar na relação jurídica tributária,

como sujeito ativo (ou sujeito passivo). O tema será retomado, no estudo da sujeição ativa na relação

tributária, mas, em regra, nos tributos parafiscais, há dissociação entre competência e capacidade

tributária.

105. Discute-se, ainda, se a atribuição de capacidade tributária (parafiscalidade) pode ser feita para

pessoas jurídicas de direito privado. Aliomar Baleeiro não admite, mas, em nosso sistema jurídico, os

sindicatos, que são pessoas jurídicas de direito privado, detêm capacidade tributária para cobrar

contribuição sindical. Há resistência doutrinária, porém, a ampliação destas hipóteses.

106. A atribuição da função de receber (recolher) o tributo a pessoas de direito privado, por outro lado,

não é delegação de competência (§ 3º do art. 7º). Aliomar Baleeiro, expressamente, afirma que a

delegação para arrecadação ou fiscalização é restrita às pessoas de Direito Público. Esta hipótese, do §

3º do art. 7o. do CTN, seria ―cometimento‖, que muitas vezes é encargo imposto a pessoas jurídicas de

direito privado, alcançando, hoje em dia, as instituições financeira que recebem o tributo.

107. A competência tributária, por ser indelegável, igualmente não é transferida pelo seu não

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exercício, ou seja, não se perde a competência por não se exercer, como dispõe o art. 8º do CTN.

108. Em termos teóricos, Paulo de Barros Carvalho atribui as seguintes características à competência

tributária: indelegabilidade, irrenunciabilidade e incaducabilidade.

Paulo de Barros rejeita tese de Roque Carrazza, sobre ser a competência tributária privativa

(porque, extraordinariamente, a União poderia repetir impostos estaduais e municipais, como já visto),

inalterável (porque, também como já visto, houve modificação na competência tributária, v.g., AIR e

IVVC) e facultativa (porque, no seu entender, o ICMS não seria facultativo, dado o seu caráter nacional;

os demais impostos seriam facultativos).

Em minha opinião, não se justifica a ressalva feita por Paulo de Barros Carvalho, quanto à suposta

não facultatividade do ICMS, de modo que mais razão tem Roque Carrazza, quando acrescenta às

características da competência tributária a facultatividade. A discussão, porém, se me afigura absurda,

porque, na prática, seria inconcebível a qualquer Estado não instituir o ICMS.

Repartição de receitas tributárias

109. Outra forma de se assegurar a autonomia financeira se tem na repartição (ou partilha) de receitas

tributárias, tema disciplinado nos artigos 157 a 161 da Constituição Federal e em leis complementares

(LC 61/1989, 62/89, 63/89 e 91/1997). Para Hugo de Brito Machado, a repartição de receitas tributárias é

forma de equalizar as desigualdades regionais, permitindo que Estados e Municípios mais pobres também

obtenham recursos.

110. A repartição pode se dar de modo direto, com a entrega de determinado percentual da receita

tributária, ou indiretamente, mediante a formação de fundos de participação, a partir dos quais é feito

rateio entre os destinatários da receita partilhada.

111. Esquematicamente, tem-se o seguinte quadro, relativamente aos Municípios:

Receitas Federais

Imposto de Renda: totalidade do IR incidente na fonte, sobre rendimentos pagos a qualquer título pelos Municípios

e suas autarquias e fundações (art. 158, I)

ITR: 50%, relativamente aos imóveis localizados no seu território, podendo chegar a 100%, se o Município

assumir a arrecadação do tributo (art. 153, § 4º, III; combinado com art. 158, II)

IOF: 70% , na incidência sobre ouro/ativo financeiro-instrumento cambial, conforme a ―origem‖, isto é, local da

extração (art. 153, § 5º)

Receitas Estaduais

IPVA: 50% do IPVA (Estados), conforme local de licenciamento dos veículos (art. 158, III)

ICMS: 25% do ICMS (Estados), sendo ¾ na proporção do valor adicionado fiscal – VAF e ¼ na forma de lei

estadual (art. 158, inciso IV e parágrafo único)

IPI: 25% da parte que os Estados receberem da União (art. 159, § 3º);

CIDE/combustíveis: 25% do que os Estados receberem da União (art. 159, § 4º, conforme EC 42/03).

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112. Quanto à participação dos Estados e do Distrito Federal:

Receitas Federais

Imposto de Renda: totalidade do IR incidente na fonte, sobre rendimentos pagos a qualquer título pelos Estados e

suas autarquias e fundações (art. 157, I)

Impostos residuais: 20% (art. 157, II)

IPI: 10%, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados (art. 159, II)

IOF: 30% do IOF, na incidência sobre ouro/ativo financeiro-instrumento cambial, conforme a ―origem‖, isto é,

local da extração (art. 153, § 5º)

CIDE/combustíveis: 29%, na forma da lei (art. 159, III, conforme EC 44/04)

113. Indiretamente, a participação em receitas tributárias se faz por meio de fundos de participação:

a) Fundo de Participação dos Estados (FPE), disciplinado pela LC 62/1989 (art. 159, I, a, da

Constituição) e formado por recursos do:

IR (21,5%)

IPI (21,5%)

b) Fundo de Participação dos Municípios (FPM), partilhado na forma da LC 62/89 (art. 159, I, b,

da Constituição) e formado por recursos do:

IR (22,5%)

IPI (22,5%)

IPI e IR (1%), entregues em dezembro de cada ano (conforme EC 55, de 2007).

c) Fundo Regional (Norte/Nordeste/Centro-Oeste), partilhado na forma de leis específicas (art.

195, I, c, da Constituição Federal) e formado por recurso do:

IR (3%)

IPI (3%)

114. Inicialmente, pretendeu-se salvaguardar os recursos partilhados, mas a EC 3/93 e a EC 29/00

alargaram as hipóteses em que poderia haver a retenção das receitas partilhadas (art. 160 e parágrafo

único). Destaque-se, especialmente, as hipóteses de retenção para pagamento de dívidas dos Municípios

em relação à União (e suas autarquias) e aos Estados (e suas autarquias), e de dívidas dos Estados em

relação à União (e suas autarquias). Hoje, são comuns as retenções de recursos do FPM e do FPE, a fim

de saldar dívidas municipais e estaduais, o que, de certo modo, compromete a autonomia financeira de

Estados e Municípios.

115. O Tribunal de Contas da União faz o cálculo das quotas no FPE e no FPM (art. 161, parágrafo

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único), sendo obrigatória a divulgação mensal dos tributos arrecadados, dos recursos recebidos, etc. (art.

162). Os recursos são repassados diretamente para as contas bancárias de Estados e Municípios.

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4º Ponto: Sistema Constitucional Tributário e limitações ao poder de tributar

Limitações ao poder de tributar

Princípios Constitucionais Tributários:

a) segurança jurídica (legalidade, irretroatividade, anterioridade/noventena)

b) justiça tributária (igualdade, capacidade contributiva, não confisco) e

princípios/regras correlatos (progressividade, seletividade, generalidade,

universalidade e não-cumulatividade)

c) Federação (proibição de vedação ao tráfego, de discriminação de

origem/destino, uniformidade geográfica)

Outros princípios constitucionais relacionados com a tributação

Limitações ao poder de tributar

116. No título relativo à tributação e ao orçamento, a Constituição Federal dedica o Capítulo I ao

sistema tributário nacional (art. 145 a art. 162; o Capítulo II é dedicado às finanças públicas). A menção

ao sistema constitucional tributário traduz a idéia de conjunto organizado de partes relacionadas entre si

e interdependentes (Hugo de Brito Machado) ou conjunto de princípios constitucionais que informa o

quadro orgânico de normas fundamentais e gerais do direito tributário, vigentes em determinado país

(Geraldo Ataliba).

117. O sistema constitucional tributário cuida da competência tributária e da repartição das receitas

tributárias (temas estudados no ponto anterior), assim como das limitações constitucionais ao poder de

tributar.

118. O sistema tributário constitucional cuida, enfim, do poder de tributar.

119. Convém assinalar, porém, que a partir da concepção do Estado Democrático de Direito, o poder

de tributar não é um poder em si ilimitado, que careça de limitações externas. Em verdade, trata-se de

poder limitado, ou melhor dizendo, o poder de tributar, no Estado Democrático de Direito, deve ser

entendido, não mais como poder, mas como competência tributária, porque só existe poder de tributar

onde houver competência tributária. Assim, a competência tributária traduz a idéia de uma prerrogativa,

de um atribuição (de criar tributos) que nasce já limitada. E essa competência, que já demarca a

capacidade impositiva do Estado (em sentido amplo), ainda sofre limitações, decorrentes dos princípios

constitucionais e das imunidades (que poderiam ser definidas como regras de incompetência tributária).

120. Teoricamente, pois, as limitações ao poder de tributar são instrumentos definidores (ou

demarcadores) da competência tributária dos entes políticos, no sentido de que concorrem para fixar o

que pode ser tributado e como pode sê-lo, não devendo, portanto, ser encaradas como ‗obstáculos‘ ou

‗vedações‘ ao exercício da competência tributária ou ‗supressão dessa competência‘ (Luciano Amaro).

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Voltando ao Direito Administrativo, se a Administração somente pode fazer o que está autorizado

pelo direito (ao contrário do particular, que pode fazer tudo o que não estiver proibido pelo direito), a

competência tributária não pode ser qualificada como vedada, senão que inexistente (Luciano Amaro),

razão pela qual, no que ela não estiver autorizada (existente), é contrária à Constituição Federal.

121. As limitações ao poder de tributar, denominação tradicionalmente empregada no Direito

Tributário, são formadas pelos princípios e as imunidades, mas estas últimas, como assinalado mais

adiante, assumem a feição de regras jurídicas (espécie de norma jurídica), que estabelecem a

incompetência tributária (Paulo de Barros Carvalho). Misabel Derzi ainda registra que de princípios

podem ser extraídas as imunidades, embora a recíproca não seja correta.

122. Há outras limitações ao poder de tributar que não decorrem diretamente da Constituição, mas de

normas infraconstitucionais (Luciano Amaro). Aliás, o ―caput‖ do art. 150 da Constituição Federal,

tratando dos princípios e imunidades, registra que aquele rol deve ser aplicado ―sem prejuízo de outras

garantias asseguradas ao contribuinte‖.

Princípios constitucionais tributários

123. Voltando ao Direito Constitucional, o princípio é norma jurídica. As normas jurídicas podem ser

princípios ou regras (Kildare Carvalho), de modo que os princípios não estão fora do direito positivo

(Jorge Miranda). Aponta-se, em relação aos princípios, o seu elevado grau de abstração (J. J. Gomes

Canotilho), admitindo a ponderação de interesses na sua aplicação (Canotilho). Princípio é mandamento

nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes

normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência (C.A.

Bandeira de Mello).

124. Os princípios constitucionais tributários vêm, em regra, elencados no art. 150 da Constituição

Federal. Em muitos casos, são reiterações de princípios constitucionais gerais, repetidos no sistema

tributário, como que para acentuar sua força e importância.

125 Didaticamente, podem ser separados em princípios:

a) que preservam a segurança jurídica e a não-surpresa dos contribuintes;

a.1) legalidade e tipicidade (art. 150, I);

a.2) irretroatividade (art. 150, III, a);

a.3) anterioridade (art. 150, III, b); e

a.4) noventena (art. 150, III, c, conforme EC 42/03).

b) que dizem respeito à justiça tributária na tributação;

b.1) isonomia (art. 150, II);

b.2) capacidade contributiva (art. 145, § 1º); e

b.3) proibição de confisco (art. 150, IV).

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c) que resguardam o pacto federativo.

c.1) proibição de limitações ao tráfego (art. 150, V);

c.2) princípio da uniformidade da tributação (art. 151, I e II);

c.3) proibição de discriminação em função da origem ou destino (art. 152);

c.4) proibição de isenções heterônomas (art. 151, III).

126. Além dos princípios acima mencionados, há outros princípios pertinentes a determinados tributos

(por exemplo, não-cumulatividade e seletividade, aplicáveis ao ICMS e ao IPI), os quais, muito embora

sejam definidos pela doutrinária majoritária como verdadeiros princípios, mais parecem regras,

pertinentes a determinados tributos, justamente porque seu âmbito de aplicação é bem restrito (ver adiante

itens nº 173 a 179).

a) segurança jurídica (legalidade, irretroatividade, anterioridade/noventena)

127. Os princípios relativos à segurança jurídica se voltam para aspectos formais da tributação, visando

evitar surpresas na tributação.

128. O princípio da legalidade tem sua origem imputada à Magna Carta inglesa (Século XIII), quando

os nobres anglo-saxônicos impuseram ao Rei Guilherme a necessidade de haver prévia autorização para a

cobrança do tributo (―no taxation, without representation‖). Nossa Constituição Federal trata, de forma

genérica, do princípio da legalidade no art. 5º, II, o qual é reiterado, no campo tributário, no art. 150, I.

Teoricamente, pois, somente há tributação com o consentimento dos contribuintes, consentimento este

manifestado pelos representantes destes contribuintes (os legisladores), por intermédio da lei (em sentido

amplo).

Veja-se, porém, que os contribuintes, de modo geral, não se julgam bem representados por seus

legisladores, e os tributos são vistos, ainda, como imposição estatal, contra a qual o contribuinte não tem

mecanismos eficazes de oposição.

129. Distingue-se o princípio da legalidade do princípio da tipicidade, visto que, segundo Sacha

Calmon, Paulo de Barros Carvalho, entre outros, a tipicidade é a legalidade material ou conteúdo da

legalidade (utiliza-se ainda a expressão reserva legal ou, ainda, estrita legalidade), exigindo, à

semelhança do Direito Penal, que não somente o fato gerador, mas que todos os elementos necessários à

exigência do tributo estejam previstos em lei (base de cálculo, alíquota, lançamento, etc.). Fala-se, por

isso, em matéria tributária, em legalidade cerrada.

Misabel Derzi, convém registrar, aponta que a idéia de tipicidade, importada do ―tatbestand‖

alemão, se opõe à idéia de conceito determinado e fechado. O que, no Brasil, se denominou tipo fechado

seria um contra-senso, porque o tipo teria como características a abertura, gradação, inteireza, sentido e

aproximação. Oposto ao tipo, então, seria o conceito fechado, que exauriria as hipóteses de definição. O

tipo teria como nota, justamente, o fato de não ser fechado, permitindo sua extensão ou contração.

Misabel Derzi, ao invés de tipicidade, prefere falar em princípio da especificação conceitual.

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130. Em minha opinião, não há necessidade de se fazer a distinção entre legalidade e tipicidade,

porque, ao final, tem-se o princípio da legalidade, com maior ou menor extensão, de modo a abranger

todos os aspectos necessários para a incidência da norma jurídica, ou não. Sob este ângulo, aliás, a

legalidade tributária é assimilada à legalidade penal, que também se define como legalidade cerrada.

131. Para a criação ou aumento de tributos, exige-se, em regra, lei ordinária. Há exceções, porém, nas

quais é exigida a lei complementar (impostos residuais, art. 154, I; empréstimos compulsórios, art. 148;

contribuições previdenciárias residuais, art. 195, § 4º).

132. Medida provisória (MP) também pode instituir tributos, conforme antigo entendimento do

Supremo Tribunal Federal. Na doutrina, porém, entende-se, majoritariamente, que não poderia a medida

provisória criar tributo, por haver quebra da legalidade, que deveria ser entendida em sentido formal e

material (Misabel Derzi, Paulo de Barros Carvalho, Sacha Calmon, Hugo de Brito Machado, Ives Gandra,

entre outros, não admitiam a medida provisória em matéria tributária; admitiam-na, porém, Luciano

Amaro, Eduardo Marcial Jardim, Marco Aurélio Greco). Apesar das críticas doutrinárias, pacificou-se o

entendimento jurisprudencial sobre a criação de tributos por medida provisória.

Após a EC 32/2001, a Constituição Federal referiu-se expressamente à medida provisória em

matéria tributária, impondo-se, porém, a necessidade de conversão da MP em lei, antes do último dia do

exercício em que editada (§ 2º do art. 62). Se se exigir, contudo, lei complementar para a criação ou

majoração do tributo, não poderia ela ser substituída pela MP (art. 62, § 1º, III).

Segundo Luciano Amaro, opinião que tem minha adesão, reduziram-se as distorções com a EC

32/01, tornando-a um instrumento eficaz para atuação pontual do Poder Legislativo, sem permitir, porém,

a substituição da lei pela medida provisória (o que ocorria, antes da EC 32/01, com as sucessivas e

inesgotáveis reedições de medidas provisórias).

133. Lei delegada também é, em tese, instrumento para criação de tributos, porque a matéria tributária

não é objeto de vedação no art. 68 da Constituição Federal. Na prática, não é utilizada, ao menos no

âmbito federal, porque o Executivo já dispõe da medida provisória.

134. Há, todavia, exceções ao princípio da legalidade, isto é, há temas tributários que podem ser

tratados por normas infralegais:

a) alíquotas dos impostos aduaneiros (Importação e Exportação), do IPI e do IOF, cabendo a lei

fixar os limites e as condições para a alteração dessas alíquotas (art. 153, § 1º);

b) isenções, reduções de base de cálculo, etc., em relação ao ICMS, tema tratado por convênios

entre os Estados (art. 155, § 2º, XII, g); estes convênios, celebrados na forma da LC 24/1975, são

normalmente ratificados por decretos do Poder Executivo, o que provoca fortes críticas doutrinárias

(Sacha Calmon, por isso, refere-se ao ICMS como imposto bandoleiro, isto é, fora-da-lei), malgrado a

jurisprudência do STF legitime tal procedimento (RE 106.965-SP, 1a. Turma, Rel. Min. Rafael Mayer,

DJ, 29.11.1985; o precedente refere-se à Carta de 1967, com a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, mas

a orientação não se alterou com a Constituição de 1988);

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c) redução e restabelecimento (ver observação no item seguinte) das alíquotas do ICMS

monofásico sobre combustíveis e lubrificantes, previsto no art. 150, § 2º, XII, h (conforme art. 155, § 4º,

IV, nos termos da EC 33/01), observando-se que a Constituição permitiu a instituição de ICMS

monofásico, por lei complementar, o que ainda não ocorreu;

d) redução e restabelecimento das alíquotas da CIDE/petróleo e derivados (art. 177, §4º, I, b,

conforme EC 33/01); repare-se, contudo, que a Constituição afirma que a alíquota poderia ser reduzida ou

restabelecida por ato do Poder Executivo, vale dizer, se exigiria que a lei fixasse o valor máximo,

podendo o Executivo variar a alíquota até este máximo.

e) prazo de recolhimento dos tributos (segundo jurisprudência do STF, a antecipação, mediante

decreto estadual, da data de recolhimento do ICMS não ofende os princípios constitucionais da

legalidade e da anterioridade, conforme RE 182.971-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão).

135. Obviamente que, se a criação ou o aumento do tributo estão sujeitos ao princípio da legalidade,

também a revogação ou a redução do tributo se sujeitam à legalidade. Há, outrossim, na Constituição

Federal, norma expressa exigindo que benefícios fiscais em sentido amplo (subsídio ou isenção, redução

de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão) sejam concedidos por lei

específica, que deve ser editada pelo próprio ente competente para instituir o tributo (art. 150, § 6º).

136. Reforça-se, no âmbito tributário, o princípio da irretroatividade geral das leis (art. 5º, XXXVI).

Desse modo, o princípio da irretroatividade, em matéria tributária, significa que a lei tributária que

aumento ou reduza tributos não pode alcançar fatos geradores ocorridos antes da sua vigência (art. 150,

III, a).

137. Hugo de Brito Machado realça que a vigência ocorre, no mínimo, quando da publicação da lei,

não podendo haver vigência anterior à lei. Refere-se o citado autor a casos em que o Diário Oficial da

União teria circulado secretamente, isto é, às vésperas do ano-novo, quando já não havia expediente nas

repartições públicas.

138. Calha acentuar que também a revogação do tributo não retroage, a não ser que haja expressa

disposição legal, que corresponderá, então, à remissão do crédito tributário (isto é, ao perdão da dívida

tributária).

139. A irretroatividade geral é reforçada, no Direito Tributário, pelo princípio da anterioridade (e,

também, pelo princípio da noventena ou anterioridade nonagesimal.

140. Com efeito, em virtude do princípio da anterioridade, o tributo deve ser cobrado no exercício

seguinte àquele em que foi publicada a lei que o instituiu (art. 150, III, b). Assim, para ser exigido em

2008, o tributo deve ser criado por lei publicada em 2007.

141. Essa regra, entretanto, não assegurava ao contribuinte a não-surpresa, porque o tributo poderia ser

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instituído ou aumentado no dia 31 de dezembro (o dia seguinte, 1º de janeiro, já seria o exercício

seguinte). A EC 42/03, assim, acrescentou o princípio da noventena (art. 150, III, c), que já existia

apenas em relação às contribuições de seguridade social (art. 195, § 6o, da Constituição). Em virtude da

noventena, então, além de ser publicada no exercício anterior (anterioridade), a lei ainda tem sua eficácia

postergada para ―noventa dias da data em que haja sido publicada‖.

Nas contas de Luciano Amaro, para se exigir o tributo em 1º de janeiro, a lei deve ser publicada

até 2 de outubro do ano anterior.

142. A noventena, cabe reiterar, já existia para as contribuições sociais destinadas ao custeio da

seguridade social, desde a promulgação da Constituição de 1988 (art. 195, ―caput‖ e § 6º). Segundo

Luciano Amaro, para as demais contribuições (sociais gerais, de intervenção no domínio econômico,

corporativas e de iluminação pública) seria também exigida a anterioridade (nesse sentido, ainda, o STF,

ADIn. 2.556-MC, Rel. Min. Moreira Alves).

Todavia, a noventena do § 6º do art. 195 da Constituição era vista como uma diminuição da

garantia da anterioridade (por isso, falava-se em anterioridade mitigada); na prática, porém, a noventena

era mais útil do que a anterioridade, porque permitia ao contribuinte, ainda que no mesmo exercício, se

programar, ao longo de noventa dias, para a cobrança de novo tributo.

Daí sua extensão, pela EC 42/03, para todos os tributos, compreendendo-se como uma verdadeira

ampliação, e não mitigação, da anterioridade.

143. O princípio da anterioridade não se confunde com o princípio da anualidade, princípio em

função do qual o tributo somente poderia ser exigido se houvesse previsão orçamentária para sua

cobrança. Doutrinariamente, encontram-se lições afirmando a exigência da anualidade, ainda que não

mais exista regra expressa. Embasam-se estas lições no art. 165, § 2o, da Constituição, que determina à lei

de diretrizes orçamentárias que disponha sobre alterações da legislação tributária, mas estas lições não

encontram nenhuma repercussão na jurisprudência.

144. A Constituição prevê exceções à anterioridade (conforme art. 150, § 1º), que alcançam, como

regra geral, tributos que assumem funções regulatórias (extrafiscais) ou tributos que têm sua exigência

condicionada a situações de emergência:

a) empréstimo compulsório para guerra/calamidade pública (art. 148, I);

b) Imposto de Importação e Imposto de Exportação (art. 153, I e II);

c) IPI (art. 153, IV);

d) IOF (art. 153, V);

e) impostos extraordinários (art. 154, II);

f) contribuições sociais, destinadas ao custeio da seguridade social (art. 195);

g) normas sobre alíquotas da CIDE/combustíveis (art. 177, § 4º, I, b);

h) normas sobre alíquotas do ICMS/monofásico/combustíveis e lubrificantes (art. 155, § 4º, IV).

145. Há, também, exceções à noventena (conforme § 1º do art. 150, segundo EC 42/03; os itens com

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asterisco indicam coincidência com as exceções à anterioridade), que se justificam igualmente por

funções extrafiscais ou por situações emergenciais:

a) *empréstimo compulsório para guerra/calamidade pública (art. 148, I);

b) *Imposto de Importação e Imposto de Exportação (art. 153, I e II);

c) Imposto de Renda (art. 153, III);

d) *IOF (art. 153, V);

e) * impostos extraordinários (art. 154, II);

f) normas que fixam a base de cálculo do IPVA (art. 155, III) e do IPTU (art. 156, I).

146. Existe muita controvérsia sobre a necessidade de a lei que revogar isenção submeter-se à

anterioridade. O art. 104, III, do CTN entende que, sim, aplica-se a anterioridade, entendimento que é

chancelado pela doutrina. A jurisprudência do STF, porém, admitia a aplicação imediata da lei nova ao

argumento de que não se criou tributo novo (RE 204.062-ES, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso; ainda

RTJ 33/177, 35/249), embora seja possível encontrar precedentes afirmando a aplicação da anterioridade,

sempre que se reduzir benefícios fiscais antes concedidos ao contribuinte (ADIn. 2.325, Pleno, Rel. Min.

Marco Aurélio). O tema deve ser retomado no estudo das isenções.

b) Justiça tributária (igualdade, capacidade contributiva, não confisco) e princípios/regras

correlatos (progressividade, seletividade, generalidade, universalidade e não-

cumulatividade)

147. Além dos princípios tributários que se ocupam da forma da tributação, há outra categoria de

princípios que vão se ocupar, por assim dizer, do conteúdo da tributação, de forma a torná-la mais justa.

Por isso, então, me refiro a eles como princípios pertinentes à justiça tributária.

148. Genericamente, o princípio da igualdade está previsto no art. 5º, ―caput‖ (todos são iguais

perante a lei, sem distinção de qualquer natureza) e inciso I (homens e mulheres são iguais em direitos e

obrigações). Especificamente, há previsão no sistema tributário (art. 150, II), princípio da igualdade

tributária, que faz lembrar a sempre citada definição de Rui Barbosa (a igualdade consiste em tratar

igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais). Segundo San Tiago Dantas, a igualdade não é

uniformidade de tratamento jurídico, mas tratamento proporcionado e compensado, de seres vários e

desiguais.

149. Distingue-se, ainda, a igualdade na lei, que se destina ao legislador, e a igualdade perante a lei,

que se dirige ao aplicador da norma jurídica (ver MI 58-DF, Rel. Min. Celso de Mello).

150. Nos termos do art. 150, II, da Constituição Federal, é vedado instituir tratamento desigual entre

contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Proíbe-se, ainda, qualquer distinção por motivo

de ocupação profissional ou função, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos

ou direitos (parte final do citado inciso). A parte final do inciso II do art. 150 da Constituição Federal teve

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o claro objetivo de impedir a manutenção de antigos privilégios fiscais, especialmente em sede do

Imposto de Renda (conferir, no STF, RE 236.881-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Maurício Corrêa; MS 20.858-

DF, Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão).

151. Há muitas dificuldades em se aferir a isonomia ou a igualdade, seja no campo tributário, seja em

outros campos jurídicos. É sempre muito complicado definir quando o legislador pode discriminar (tratar

desigualmente), ou qual a medida dessa desigualdade. San Tiago Dantas dizia ser igualdade

proporcional, e não igualdade matemática ou paritária.

152. Destaque-se, ainda, a extrafiscalidade, técnica de tributação que se baseia, justamente, na

discriminação. A doutrina, em regra, admite a compatibilidade da extrafiscalidade com a isonomia,

justamente porque aquela seria fórmula para se desigualar os desiguais. O STF enfrentou diversas

questões relativas à violação, ou não, do princípio da igualdade, nos quais entendeu ser possível

discriminar por motivo extrafiscal, desde que a distinção seja razoável (ADIn-MC 1.643-DF, Pleno, Rel.

Min. Maurício Corrêa). Exemplos:

a) admitiu-se, assim, que sociedades civis de profissão legalmente regulamentada fossem

impedidas de aderir ao SIMPLES (ADIn-MC 1.643-DF, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa);

b) admitiu-se, ainda, que às sociedades civis formadas por profissionais liberais fosse aplicado

regime diferenciado do recolhimento do ISSQN (RE 236.604-PR, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso);

c) o STF também admitiu a redução do IPVA para as empresas que empregassem funcionários

com idade superior a 40 anos (ADIn-MC 1.276-SP, Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti);

d) admitiu, ainda, distinção no IPVA de automóveis movidos a gasolina e a álcool (RE 236.931, 1ª

Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão);

e) não admitiu, porém, concessão de benefícios de IPVA para veículos destinados ao transporte

escolar, realizado por cooperativa (ADIn-MC 1.655-AP, Pleno, Min. Maurício Corrêa).

153. Ao se deparar com norma tributária que outorgue, de modo desigual, benefício tributário a apenas

determinados contribuintes, o Poder Judiciário poderia, em tese, estender o benefício tributário às pessoas

dele excluídas. Porém, o STF sempre tendeu a afirmar a impossibilidade de se fazer essa extensão do

benefício, ao argumento de que não se poderia tornar legislador positivo, mas apenas legislador negativo.

Segundo o Min. Sepúlveda Pertence, determinado vício ―não autorizava a extensão do benefício a quem

não foi contemplada pela lei. Desse modo, ao acolher a pretensão do contribuinte, o Tribunal a quo

avançou sobre os limites da função jurisdicional, chocando-se, como alegado no recurso extraordinário,

contra os princípios da separação e independência dos poderes‖ (RE 213.201, 1a. Turma, DJ,

12.09.1997).

Ver também discussão no RE 102.553, Pleno, Rel. Min. Francisco Rezek (RTJ, 120/725),

especialmente voto do Min. Octavio Gallotti: ―Não é lícito ao juiz dissociar prescrições da lei, conexas

ou dependentes umas das outras, de tal modo inseparáveis, que se deva presumir que a legislatura não

adotaria uma desacompanhada da outra. (...) Entendo que um benefício fiscal increpado de

discriminatório não possui o condão de estender, aos contribuintes dele excluídos, o favor impugnado.

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Tal ampliação escaparia aos lindes do controle jurisdicional e ingressaria na esfera da atividade

legislativa‖.

154. Paralelamente, à igualdade, cogita-se do princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º,

CF, que se utiliza, porém, da expressão capacidade econômica). Por ele, sempre que possível, os

impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Esta

regra existia na Constituição de 1946, desapareceu na Carta de 1967/1969, retornando com a Constituição

de 1988.

155. Alguns autores afirmam que a capacidade contributiva é mero desdobramento da igualdade

(Alberto Xavier), ou está contido na igualdade (Paulo de Barros Carvalho), ou é critério para se alcançar a

igualdade (Alcides Jorge Costa). Outros, como Luciano Amaro e Marco Aurélio Greco, afirmam que

igualdade e capacidade contributiva não se confundem, muito embora se avizinhem. Hugo de Brito

Machado reconhece que, às vezes, isonomia e capacidade contributiva parecem se confundir, admitindo

que este possa ser tomado como critério de valoração da igualdade (à semelhança de Alcides Jorge

Costa).

Em sentido inverso, Misabel Derzi afirma que a capacidade contributiva é suporte de vários outros

princípios, que dela se desprendem ou são meros corolários (destaca, especialmente, a igualdade e o não

confisco).

156. Em minha opinião, a capacidade contributiva seria o aspecto positivo da isonomia, que, segundo

o art. 150, II, da Constituição, possui feição negativa: é vedado instituir tratamento desigual entre aqueles

que se encontram em situação equivalente. Já a capacidade contributiva impõe o dever de desigualar,

tornando pessoal os impostos e graduando-os, segundo a capacidade econômica do contribuinte. Nesse

mesmo tom, Alberto Xavier e Lima Gonçalves.

157. Para Geraldo Ataliba, a capacidade econômica corresponde à real possibilidade de diminuir-se

patrimonialmente, sem destruir-se e sem perder a possibilidade de persistir gerando a riqueza de lastro à

tributação.

158 O que significa a expressão sempre que possível? Segundo Luciano Amaro, significa a

possibilidade de que, dependendo das características de cada imposto, ou da necessidade de se utilizar o

imposto com finalidades extrafiscais, a capacidade contributiva e a pessoalidade podem ser

excepcionadas. Hugo de Brito Machado discorda, afirmando que o caráter pessoal é que pode ser, em

determinados casos, excepcionado, mas a capacidade econômica deve sempre ser considerada.

159. Misabel Derzi distingue entre a capacidade econômica objetiva, que obrigaria o legislador a

eleger como fato gerador os fenômenos que indicassem, efetivamente, a existência de riqueza, da

capacidade econômica subjetiva, entendida como capacidade real de determinada pessoa, considerada

suas peculiaridades, pagar impostos. A pessoalidade, assim, seria a capacidade econômica

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subjetivamente considerada.

Afirma Misabel, em harmonia com Luciano Amaro, que impostos suportados pelo consumidor

final não poderiam ser pessoais (embora pudesse ser aferida a capacidade econômica, objetivamente

considerada), havendo, por isso, mecanismos constitucionais para se substituir a pessoalidade (como a

seletividade, mais adiante abordada).

160. Em regra, limita-se a capacidade contributiva aos impostos, uma vez que estes são os tributos não

vinculados a uma atividade estatal; nos tributos vinculados, não haveria, a princípio, que se cogitar de

capacidade contributiva do contribuinte. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, porém,

reconhece que taxas podem ser também informadas pela capacidade contributiva, como se vê, por

exemplo, na ADIn. 453-DF, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes (DJ, 16.03.2007): 1. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. 2. Art. 3o, da Lei no 7.940, de 20.12.1989, que considerou os auditores

independentes como contribuintes da taxa de fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários.

3. Ausência de violação ao princípio da isonomia, haja vista o diploma legal em tela ter estabelecido

valores específicos para cada faixa de contribuintes, sendo estes fixados segundo a capacidade

contributiva de cada profissional. 4. Taxa que corresponde ao poder de polícia exercido pela Comissão

de Valores Mobiliários, nos termos da Lei no 5.172, de 1966 - Código Tributário Nacional. 5. Ação

Direta de Inconstitucionalidade que se julga improcedente (conferir ainda RE 177.835-PE, Pleno, Rel.

Min. Carlos Velloso, DJ, 25.05.2001).

161. Tormentosa, ainda, a relação entre capacidade contributiva e função extrafiscal, sendo que Hugo

de Brito Machado critica a concessão de incentivos fiscais (especialmente em relação ao IR), porque

muitas vezes os incentivos ignoram a capacidade contributiva dos contribuintes, beneficiando grandes

empresas que poderiam, sim, pagar o imposto. Este é, sem dúvida, um tema ainda aberto, sem critérios

gerais que possam resolver os casos, que sempre demandam análise tópica.

168. Complementando a idéia de justiça tributária, há o princípio da vedação ao confisco, isto é, nos

termos da Constituição, é vedada a utilização do tributo com efeito de confisco (art. 150, IV). Definir o

que é confisco, entretanto, também é tarefa também complicada, envolvendo o balanceamento de

princípios constitucionais.

Luciano Amaro afirma que este princípio também não é preceito matemático, mas critério

informador, não só da atividade legislativa, mas principalmente da jurisdicional, tendo em vista as

características da situação concreta. A Constituição de 1934 dizia, matematicamente, que nenhum

imposto poderá ser elevado além de 20% do seu valor ao tempo do aumento (art. 185). Segundo Hugo de

Brito Machado, o confisco implica na proibição da utilização do tributo como instrumento de absorção,

pelo Estado, dos meios de produção, impedindo que o Estado suprima o denominado setor privado.

169. O STF tem se detido sobre o tema, antes mesmo da consagração explícita do princípio do não-

confisco, baseando-se na garantia constitucional da propriedade. Sob a vigência da Constituição de 1946,

o STF invocou inclusive a teoria do desvio de poder para afirmar a inconstitucionalidade da lei tributária

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que perturbasse a vida econômica, aniquilasse ou embaraçasse as possibilidades de trabalho honesto e

impedisse ou desencorajasse atividades lícitas e proveitosas (RE 18.331, Pleno, Rel. Min. Orozimbo

Nonato).

170. Este efeito confiscatório deve ser aferido tomando-se em consideração o conjunto de tributos

incidentes sobre a atividade do contribuinte (Hugo de Brito Machado), e não cada tributo

individualmente. O STF adotou a posição de Hugo de Brito Machado, na ADIn-MC 2.010-DF, Pleno,

Rel. Min. Celso de Mello: A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade

da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o

montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que

ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a

União Federal, no caso)‖ (ver, contudo, a divergência do Min. Moreira Alves, que fez observações bem

críticas sobre a inviabilidade da tese adotada pelo STF).

171. O STF também estende a proteção concedida pelo princípio do não-confisco às multas tributárias,

embora a norma constitucional refira-se a tributo (ADIn. 551-RJ, Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão). Hugo

de Brito Machado critica a posição do STF, por entender que tributo não se confunde com multa, que é

sanção pela prática de ato ilícito, ao passo que o tributo não pode ser sanção por ato ilícito.

Em alguns casos, o STF chegou a reduzir multas, fixando novos percentuais (RE 78.291, Rel.

Min. Aliomar Baleeiro; RE 81.550, 2ª Turma, Rel. Min. Xavier de Albuquerque; RE 91.707, Rel. Min.

Moreira Alves); em outros casos, todavia, apenas afastou a multa confiscatória, não se admitindo que o

STF atuasse positivamente, fixando novo valor (RE 92.165, 2ª Turma Rel. Min. Décio Miranda).

172. O STF ainda admite que a aferição do confisco seja feita em tese, isto é, em sede de controle

concentrado de constitucionalidade (ADIn. 1.075-DF, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, que ficou

vencido, por entender que eventual efeito confiscatório haveria de ser apurado em cada caso concreto).

No plano concreto, todavia, o STF vem se recusando a analisar, em recursos extraordinários, ofensas ao

princípio do não-confisco, relativamente à multa tributária, argumentando que esta análise implicaria em

reexame de matéria de fato (o que não seria possível, em sede de recurso extraordinário, conforme

Súmula 279/STF). Nesse sentido: RE 239.397, Rel. Min. Ilmar Galvão; AG 196.465, Rel. Min. Carlos

Velloso; e RE 220.284, Rel. Min. Moreira Alves; admitindo, porém, o exame em grau de RE (AG

202.902, Rel. Min. Marco Aurélio).

173. Isonomia, capacidade contributiva, não-confisco, dessa maneira, formam o núcleo dos princípios

que cuidam da justiça tributária. Há, porém, outros princípios (talvez fosse melhor dizer regras, mas a

doutrina, tradicionalmente, refere-se a eles como princípios) que, embora pertinentes a alguns impostos

específicos, complementam os ideais de justiça tributária.

174. Princípio da seletividade: relativo aos IPI (art. 153, § 3º, I, Constituição Federal) e ao ICMS (art.

155, § 2º, III, Constituição Federal). Veja-se que, em relação ao IPI, a Constituição foi imperativa (―será

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seletivo‖), sendo facultativa em relação ao ICMS (―poderá ser seletivo‖).

Como decorrência da seletividade, quanto mais essencial for o produto tributado, menor deverá

ser o imposto, valendo acentuar que o conceito de essencial varia com o tempo. Produtos que, no passado,

eram de alto luxo (geladeira e televisão, por exemplo), hoje se integram à vida cotidiana até das famílias

mais humildes.

175. A EC 42/03, em relação ao IPVA, previu a possibilidade de ser adotadas alíquotas diferenciadas

em função do tipo e utilização do veículo (art. 155, § 6º, II, Constituição Federal).

Em minha opinião, estas alíquotas diferenciadas são manifestação da seletividade, mas não

haveria necessidade de sua expressa previsão. A lei poderia prever, como sempre previu, alíquotas

diferenciadas, fundando-se diretamente na isonomia e na capacidade contributiva (tratando diversamente,

pois, contribuintes em situações diversas). A Constituição Federal, porém, foi emendada para abreviar

discussões judiciais sobre a constitucionalidade da diferenciação de alíquotas.

Também em relação ao IPTU foi prevista a diferenciação de alíquotas, em função da localização

e do uso do imóvel (art. 156, § 1º, II, Constituição Federal, conforme EC 29/00).

Finalmente, com relação às contribuições sociais devidas pelos empregadores (art. 195, I), a

Constituição também permitiu a adoção de alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da

atividade econômica ou da utilização intensiva de mão de obra (§ 9º do art. 195, conforme EC 20/98).

176. Princípio da progressividade: relativo ao IR (art. 153, § 2º, Constituição Federal), ao ITR (art.

153, § 4º, I, Constituição Federal) e ao IPTU (progressividade em razão do valor do imóvel, conforme art.

156, § 1º, I, Constituição Federal, conforme EC 29/00; e progressividade no tempo, conforme art. 182, §

4º, II, Constituição Federal).

A progressividade implica no aumento da alíquota, conforme aumente a base de cálculo,

tributando-se mais aqueles que podem pagar mais.

Houve, antes da EC 29/00, grande discussão sobre a progressividade no IPTU (ver Súmula

668/STF; discussão análoga também se deu em relação ao ITBI, conforme Súmula 656/STF), tendo o

STF admitido que ela somente poderia ocorrer na forma do art. 182, § 4º, II, Constituição Federal, isto é,

progressividade no tempo. Quanto à progressividade em função do valor do imóvel (chamada

progressividade fiscal, em oposição à progressividade no tempo, que seria extrafiscal), o STF a rejeitou,

fundando-se no caráter real, e não pessoal, do IPTU (Súmula 668/STF). Foi necessário modificar a

Constituição, EC 29/00, para que o STF admitisse a progressividade fiscal no IPTU (Súmula 668).

Vários doutrinadores, como Sacha Calmon, Misabel Derzi, entre outros, posicionaram-se contra o

entendimento adotado no STF, vendo na progressividade mera decorrência da isonomia e da capacidade

contributiva, motivo pelo qual não necessitaria haver previsão expressa, ainda que para impostos reais.

178. Princípios da universalidade e da generalidade: são relativos ao IR (art. 153, § 2º, II), podendo

ser inferidos do princípio da isonomia. Historicamente, porém, justifica-se sua inserção, a fim de evitar

odiosos privilégios, que ao longo dos anos foram assegurados para deteminadas categorias profissionais

(como a isenção para juízes, promotores, professores, fiscais, deputados, etc.).

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A generalidade refere-se aos rendimentos a ser tributados (todos os rendimentos,

independentemente da denominação utilizadas).

Já a universalidade refere-se ao âmbito de incidência (todas as pessoas que aufiram renda).

179. Princípio da não-cumulatividade: relativo ao IPI (art. 153, § 3º, II) e ao ICMS (art. 155, § 2º, I).

Visa impedir o efeito cascata, nos tributos sobre consumo, evitando que o consumidor final seja

excessivamente onerado: assim, nos impostos plurifásicos (que incidem sobre várias fases de uma mesma

cadeia econômica, o imposto devido na operação anterior pode ser compensado/abatido do imposto

devido na operação seguinte).

Em relação às contribuições sociais devidas pelos empregadores e incidentes sobre a receita ou

faturamento, assim, como em relação às contribuições sociais devidas pelo importador de bens ou

serviços, a EC 42/03 permitiu à lei definir quais os setores da atividade econômica aos quais se aplicará a

regra da não-cumulatividade (§ 12 do art. 195 da Constituição Federal). Previu-se, ainda, que, em

havendo substituição (total ou parcial) da contribuição social sobre a folha de salários pela contribuição

social sobre a receita ou faturamento, também poderia ser prevista, em lei, a aplicação da não-

cumulatividade (§ 13 do art. 195, também acrescentado pela EC 42/03). A doutrina, porém, vem

criticando estas normas, porque não se trataria, rigorosamente, de não-cumulatividade, porque tais

contribuições não são plurifásicas, como ICMS e IPI.

c) Federação (proibição de vedação ao tráfego, de discriminação de origem/destino

e uniformidade geográfica)

180. O Estado brasileiro é estado federal (art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), decorrendo daí, na

esfera tributária, certos princípios que interferem no poder de tributar. Rigorosamente, porém, estes

princípios poderiam ser extraídos do princípio da isonomia, referindo-se, então, à isonomia na

Federação.

181. Segundo o princípio da vedação a limitações ao tráfego de pessoas e bens (art. 150, V,

Constituição Federal), os entes federados não podem, por meio de tributos, impor limitações ao tráfego,

interestadual ou intermunicipal, de pessoas ou bens. Esta proibição, certamente, não afeta os impostos

constitucionalmente discriminados, que afetam este tráfego, como o ICMS, que incide sobre a circulação

de mercadorias ou o transporte de pessoas. Nesse caso, há que se compatibilizar a vedação constitucional

(art. 150, IV) com a permissão constitucional (art. 155, II).

Luciano Amaro afirma que a vedação às limitações ao tráfego já decorreria da própria partilha de

competência tributária, na medida em que somente os Estados poderiam instituir imposto

interestadual/intermunicipal sobre o tráfego de pessoas e bens (ICMS), havendo vários limites a esta

instituição, previstos em lei complementar e em resolução do Senado Federal (que fixa alíquotas máximas

e mínimas). Para Luciano Amaro, pois, o que estaria em causa, em última análise, seria a liberdade de

locomoção (de pessoas e bens), mais do que a não-discriminação de bens ou pessoas, prestigiando-se a

liberdade de comércio e o princípio federativo.

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182. Ressalva-se, na própria Constituição, a cobrança de pedágio, observando Hugo de Brito Machado

que a norma constitucional visou, justamente, dirimir discussões doutrinárias sobre o tema. A alusão ao

pedágio, porém, como já visto, recrudesce a polêmica sobre a eventual natureza tributária do pedágio.

183. Conforme o princípio da uniformidade geográfica da tributação (art. 151, I, II, da Constituição

Federal), a Federação deve ser uma unidade geográfica, política e econômica, razão pela qual:

a) a União não pode instituir tributo que não seja uniforme em todo território nacional, ou que

implique em distinção ou preferência em relação a Estado/DF/Município, em detrimento do outro; tem-se,

nesse caso, nova manifestação do princípio da igualdade (expressão particularizada do princípio da

igualdade, segundo Ricardo Lobo Torres), a evitar privilégios odiosos (Ricardo Lobo Torres).

Veja-se, todavia, que a própria Constituição admite o tratamento desuniforme, admitindo, então, a

concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico

entre as diferentes regiões do país (art. 151, I, parte final); volta, aqui, toda a discussão sobre os limites da

extrafiscalidade;

b) especialmente sobre a tributação da renda das obrigações da dívida pública dos

Estados/DF/Município e a tributação da remuneração e proventos dos servidores públicos, é

expressamente vedada a adoção de níveis superiores para a tributação das obrigações federais e da

remuneração dos servidores federais (art. 151, II).

Luciano Amaro afirma que o dispositivo é ocioso e odioso, porque leva à conclusão de que os

não-servidores poderiam ser tributados em níveis superiores aos aplicáveis aos servidores públicos.

Efetivamente, a regra poderia ser inferida a partir do princípio da igualdade, ou mesmo da imunidade

recíproca (com relação à tributação da renda das obrigações)

184. O princípio da vedação à discriminação da origem/destino (art. 152 da Constituição) pode ser

relacionado com a uniformidade econômica, razão pela qual a Constituição afirma expressamente que

Estados, Distrito Federal e Municípios não podem estabelecer diferença tributária entre bens e serviços,

em razão de sua procedência ou de seu destino. Apesar de formado por várias autonomias, o Estado

Federal deve guardar a uniformidade econômica referida por Aliomar Baleeiro, de modo que não pode

haver discriminação em razão da origem ou do destino dos bens e serviços tributados.

Tem-se, aqui, por outras palavras, reflexo do princípio da uniformidade, no plano estadual e

municipal.

185. Finalmente, há na Constituição o princípio da proibição de isenções heterônomas (art. 151, III,

da Constituição Federal), que expressa a autonomia política e financeiras dos entes federados.

A União Federal não pode instituir isenções de tributos de competência estadual, distrital ou

municipal, regra que é inovadora, em relação à Carta de 1967/1969 (cujo art. 19, § 2º, dispunha que ―a

União, mediante lei complementar e atendendo a relevante interesse social ou econômico social, poderá

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conceder isenções de impostos estaduais e municipais‖). Hoje, pois, cada ente é competente para dispor

sobre os tributos de sua competência (ver, ainda, art. 150, § 6º, da Constituição Federal), razão pela qual

se afirma que as isenções devem ser autônomas (isto é, veiculadas autonomamente pelo ente federado),

não podendo ser heterônomas (impostas por outro ente, no caso, a União).

Segundo Misabel, esta regra do art. 151, III, da Constituição Federal, decorre diretamente do

princípio federativo, não havendo necessidade de ser expressa.

186. Há, entretanto, casos restritos em que a lei nacional (e não meramente a lei federal) pode dispor

sobre isenções de tributos determinados, o que ocorre em relação ao ICMS (art. 155, § 2º, XII, e e f; vale

anotar, porém, que estas alíneas perderam sua eficácia prática, na medida em que a EC 42/03 exonerou as

exportações, em relação ao ICMS, conforme inciso X, a, do mesmo art. 155; logo, não há mais o que

excluir da incidência do imposto, em relação às exportações) e ao ISSQN (art. 156, § 3º, I). Aliás, não há

como negar certa predominância da União Federal, visto que a lei complementar tem importante missão

no Direito Tributário, definindo, v.g., fato gerador e base de cálculo dos impostos previstos na

Constituição (art. 146, III, a). De todo modo, esta predominância decorre da atuação da União como

ordem nacional, e não como ordem federal.

187. Remanesce, outrossim, discussão com relação a isenções previstas em tratados internacionais,

que são celebrados pela União Federal, havendo muita polêmica doutrinária sobre a validade de se impor

tais tratados a Estados e Municípios. O STF começou a julgar esta questão, em 1999, havendo voto do

Min. Ilmar Galvão afirmando que os tratados internacionais poderiam conceder isenção de tributos

estaduais ou municipais; este julgamento terminou recentemente, após longo pedido de vista do Min.

Sepúlveda Pertence, prevalecendo o voto do então Relator (RE 229.096, Pleno). Baseia-se este

entendimento na afirmação de que, no plano internacional, não atua a parte (União, ente federal), mas o

todo, a República Federativa do Brasil, sendo obrigadas, então, todas as partes (entes federal, estaduais e

municipais).

d) Outros princípios constitucionais relacionados com a tributação

188. Além dos princípios apontados, há outros princípios que se aplicam à tributação, e que são

previstos em normas esparsas da Constituição Federal, ou mesmo são tidos como princípios implícitos do

sistema constitucional.

189. Relacionando-se com o Direito do Consumidor, há o chamado princípio da transparência fiscal

(art. 150, § 5º), prevendo que a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos

acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços. A disposição, embora inserida no âmbito

tributário, tem maior relação com o direito do consumidor, inserindo-se dentre as prerrogativas dos

consumidores (e não necessariamente dos contribuintes), e ainda não foi implementada.

190. Luciano Amaro, de outro lado, lembra que, no título dedicado à ordem econômica e financeira, há

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outros princípios que têm reflexos no campo tributário. Assim:

a) Há determinação para tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte

brasileiras, aqui sediadas (art. 170, inciso IX, Constituição Federal); este dispositivo deve ser conjugado

com o art. 179 também da Constituição Federal, que determina tratamento jurídico diferenciado para

microempresas e empresas de pequeno porte, com simplificação, redução ou eliminação das

obrigações tributárias (também administrativas, creditícias, previdenciárias).

A EC 42/03 foi ainda mais longe, determinando que a lei complementar defina tratamento

diferenciado e favorecido para microepresas/pequeno porte, relativamente ao ICMS, as contribuições

para a seguridade social (art. 195, I, da Constituição Federal, especialmente CSLL, PIS e COFINS).

Permitiu, inclusive, a instituição de regime único de arrecadação de impostos e contribuições federais,

estaduais e municipais (parágrafo único do art. 146, conforme EC 42/03, o que veio a ser implementado

pelo Simples Nacional, ou Super Simples, disciplinado pela LC 123/2006).

b) Existe, ainda, previsão de adequado tratamento tributário das cooperativas (art. 146, III, c),

tema que provoca muita discussão no plano judicial, para se definir o que seria este adequado tratamento.

c) Há também determinação para incentivar o reinvestimento de capital estrangeiro (art. 172,

Constituição Federal), o que implica na utilização da extrafiscalidade como mecanismo de atração de

investimentos estrangeiros no Brasil.

d) Prevê-se a igualdade de tratamento tributário entre empresas públicas/sociedades de

economia mista e empresas privadas, quando aquelas explorem atividade econômica de produção ou

comercialização de bens e serviços ou de prestação de serviços (art. 173, § 1º, II e § 2º).

e) Há possibilidade de se estabelecer critérios especiais de tributação, para prevenir

desequilíbrios da concorrência (art. 146-A, conforme EC 42/03), tema que se relaciona com o Direito

Econômico (ou Direito da Concorrência).

191. Todos estes casos, em realidade, envolvem questões interdisciplinares (Direito e Economia; e, no

campo jurídico, Direito Tributário, Direito Econômico, Direito da Concorrência, por exemplo), e se

relacionam com as funções extrafiscais da tributação, que ainda pode ser inferida do art. 174,

Constituição Federal, quando autoriza o Estado a incentivar a atividade econômica, o que, segundo

Luciano Amaro, pode ocorrer por intermédio de normas tributárias.

Não são, dessa maneira, princípios propriamente tributários, senão que possuem reflexos diretos

na ordem tributária, que se torna instrumento de políticas econômicas, de defesa do consumidor, de

concorrência, etc.

192. Cabe especial referência, por fim, ao princípio da praticidade, tantas vezes invocado, na

jurisprudência e na doutrina, embora não tenha despertado interesse mais profundo no campo teórico.

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Regina Helena Costa, na que talvez seja a única obra teórica de maior fôlego sobre o princípio da

praticidade ou praticabilidade, anota que as leis devem ser exeqüíveis, até para que possa haver isonomia

na aplicação do direito, de modo que o princípio da praticidade se relacionaria, ao fim e ao cabo, com a

justiça tributária (Praticabilidade e justiça tributária. São Paulo: Malheiros, 2007).

Há trabalhos esparsos da Profa. Misabel Derzi (Revista de Direito Tributário, vol. 83/67), de Igor

Mauler Santiago, entre outros, abordando os variados problemas que decorrem da aplicação da

praticidade no Direito Tributário, princípio este que, também jurisprudencialmente, já foi invocado pelo

STF (v.g., ADIn. 1.851-AL, Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão).

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5º Ponto: Sistema Constitucional Tributário e imunidades

Imunidades: aspectos gerais

Imunidades genéricas:

Imunidade recíproca

Imunidade de templos de qualquer culto

Imunidade de partidos políticos, sindicatos, instituições de educação e de

assistência social, sem fins lucrativos

Imunidade de livros, jornais, periódicos

Imunidades específicas

Imunidades e tributos indiretos

Imunidades: aspectos gerais

193. O poder de tributar, como já se disse, não é, no Estado Democrático de Direito, um poder natural

do Estado, porque ele nasce com a Constituição e vem moldado pelas limitações constitucionais ao poder

de tributar (normas e princípios constitucionais). Mais adequado, desse modo, cogitar de competência

tributária, e não de poder de tributar.

Misabel Derzi afirma que os princípios tributários dizem respeito aos requisitos a serem

observados (forma e conteúdo) para o exercício da competência tributária. Esta competência tributária,

portanto é medida do poder de tributar (melhor até dizer, como já se disse, que no atual estágio do Direito

Tributário o poder de tributar é a competência tributária), e ela decorre das normas de competência

(propriamente dita) e das normas de incompetência (imunidades).

194. Ainda com Misabel Derzi: a imunidade é, portanto, regra de exceção e de delimitação da

competência, que atua, não de forma sucessiva no tempo, mas concomitantemente. A regra de imunidade,

assim, nega competência ou denega poder para instituir tributos.

E prossegue Misabel Derzi, em lição que deve ser lida com toda a atenção: Bem se vê que as

imunidades são um non sense se analisada isoladamente. Somente relacionadas a uma norma atributiva

de poder tributário, perdem o sentido absoluto de ‗regra de incompetência‘, assumindo a dimensão que

devem ter: regra de negação que atua parcialmente sobre outra, reduzindo-lhe a extensão.

195. A imunidade tem relações com a isenção e a não-incidência, figuram símiles porque, em última

análise, afastam ou impedem a tributação.

Em lições que hoje parecem não ser as mais completas, diziam renomados autores que a

imunidade é a não-incidência constitucionalmente qualificada, sendo a isenção a não-incidência

legalmente qualificada (nesse sentido, Luiz Emygdio F. da Rosa Jr. e Rubens Gomes de Sousa), de

modo que isenção e imunidade seriam espécies de não-incidência, sendo a imunidade a não-incidência

com ―status‖ constitucional da imunidade, enquanto a isenção seria a não-incidência a operar no plano

infraconstitucional.

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196. Sacha Calmon (e, no mesmo sentido, José Souto Maior Borges), afirmam que a não-incidência

seria um não-ser, enquanto isenção e imunidade seriam entes legais positivos ou declarações expressas

do legislador (técnicas de tributação). Nesse mesmo sentido, Segundo Hugo de Brito Machado assinala

que a não-incidência é a situação em que a regra jurídica de tributação não incide, porque não se

configuraram os pressupostos de fato.

Zelmo Denari critica este posicionamento: dir-se-ia que o conceito de não-incidência é inútil

porque se o fato se desloca do campo da incidência não deve ser objeto de consideração jurídica.

Sucede, porém, e não raro, que o legislador, para aclarar obscuridades define hipóteses de não-

incidência, subtraindo-as à exigência tributária.

197. O tema será retomado, quando do estudo específico das isenções tributárias (hipótese de exclusão

do crédito tributário, segundo o CTN), mas a explicação teórica das imunidades, a partir do seu confronto

com as normas de competência, mostra mais claramente o que realmente ocorre com relação a elas,

imunidades. O campo de incidência tributária (isto é, as situações que, em tese, serão passíveis de sofrer

a incidência das normas tributárias) é fixado pela Constituição Federal, que se vale de normas positivas

(as normas de competência) e de normas negativas (as imunidades), que demarcam aquele campo de

incidência, fixando até onde podem ir e onde não podem ir as normas tributárias de incidência, a serem

estabelecidas pelo legislador infraconstitucional.

E, no plano infraconstitucional, a incidência da norma tributária seria delimitada pela conjugação

também de normas positivas (normas de incidência) e normas negativas (normas de isenção), a demarcar

as situações que, normativamente, serão fato gerador de obrigações tributárias.

198. Doutrinariamente, são propostas algumas classificações das imunidades, sendo as mais

importantes:

a) imunidades subjetivas, que levam em consideração a pessoa beneficiada (imunidade recíproca,

partidos políticos, etc.);

b) imunidades objetivas, que levam em conta determinados situação (imunidade dos templos, de

livros, papéis); para Ruy Barbosa Nogueira, haveria ainda possibilidade de se conjugar ambos os tipos

mencionados, considerando-se, então, aspectos subjetivos e objetivos.

c) imunidades genéricas (previstas no art. 150, VI, da Constituição Federal), e aplicáveis aos

impostos em geral (embora haja autores, como Hugo de Brito Machado, que as estendam para outras

espécies tributárias); e

d) imunidades específicas, porque relacionadas a situação especialmente definidas, seja em relação

a determinados tributos, seja em relação a determinados sujeitos passivos, espalhadas ao longo da

Constituição Federal.

199. A jurisprudência do STF afirma que se deve dar interpretação ampliativa às imunidades (RE

174.476, Pleno, Rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio). Interpretação teleológica das normas de

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imunidade tributária, de modo a maximizar-lhes o potencial de efetividade (RE 237.718-SP, Pleno, Rel.

Min. Sepúlveda Pertence, DJ, 06.09.2001).

200. Doutrinariamente, costuma-se asseverar que as imunidades consagrariam direitos fundamentais, e

que assim não poderiam ser suprimidas. Houve um caso, porém, de supressão de imunidade, prevista no

art. 153, § 2º, II (que impedia a incidência do IR sobre rendimentos de aposentadoria e pensão, pagos pela

Previdência Social, a pessoas com idade superior a 65 anos), tendo o STF entendido como legítima tal

supressão. Fez-se distinção, assim, entre imunidades genéricas (que seriam direitos fundamentais) e

específicas (que escapariam desta categoria):

1. Mostra-se impertinente a alegação de que a norma art. 153, § 2º, II, da Constituição Federal

não poderia ter sido revogada pela EC nº 20/98 por se tratar de cláusula pétrea. 2. Esta norma não

consagrava direito ou garantia fundamental, apenas previa a imunidade do imposto sobre a renda a um

determinado grupo social. Sua supressão do texto constitucional, portanto, não representou a cassação

ou o tolhimento de um direito fundamental e, tampouco, um rompimento da ordem constitucional vigente

(RE 732.600-SP, 2a Turma, Relª. Minª. Ellen Gracie, RTJ, 192/1.062).

Imunidades genéricas

201. As imunidades genéricas, em regra, referem-se a impostos, como preceitua a Constituição Federal,

no art. 150, VI. Esta a interpretação do STF, seja em relação à Carta de 1967/1969, seja em relação à atual

Constituição, em didático precedente da relatoria do Min. Carlos Velloso:

Contribuição sindical. Imunidade. CF, 1967, art. 21, § 2º, I, art. 19, III, b, CF, 1988, art. 149, art.

150, VI, b. A imunidade do art. 19, III, da CF/67, (CF/88, art. 150, VI) diz respeito apenas a impostos. A

contribuição é espécie tributária distinta, que não se confunde com o imposto. É o caso da contribuição

sindical, instituída no interesse de categoria profissional (CF/67, art. 21, § 2º, I; CF/88, art. 149), assim

não abrangida pela imunidade do art. 19, III, CF/67, ou art. 150, VI, CF/88 (RE 129.930, Rel. Min.

Carlos Velloso, DJ, 16.08.1991).

Mais recentemente, a tese foi reiterada, em relação às contribuições - a imunidade tributária diz

respeito aos impostos, não alcançando as contribuições (Ag.Rg. no RE 378.144, Rel. Min. Eros Grau,

DJ, 22.04.2005) – e às taxas - a imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, a) somente é aplicável

a impostos, não alcançando as taxas (RE 364.202, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ, 28.10.2004).

Existe divergência doutrinária, dizendo Hugo de Brigo Machado, por exemplo, com base no

princípio federativo, que a imunidade recíproca abrange, seguramente, também os demais tributos. É que

o tributo, como expressão que é da soberania estatal, não pode ser exigido de quem a tal soberania não

se submete, porque é parte integrante do Estado, que da mesma é titular. Outros autores veem na

concessão da imunidade o reconhecimento da ausência de capacidade contributiva, de modo que ela,

imunidade, deveria alcançar qualquer tributo que tomasse em conta a capacidade contributiva (conforme

Humberto Ávila, citando Gilberto Ulhôa Canto, e mencionando especificamente as contribuições sociais).

A jurisprudência do STF, todavia, vem se mostrando insensível a esses argumentos teóricos, limitando a

imunidade recíproca aos impostos.

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Imunidade recíproca

202. A imunidade recíproca (imunidade intragovernamental), aponta a doutrina, poderia ser inferida a

partir do princípio federativo ou do princípio que consagra a capacidade contributiva, porque o Estado

(em sentido amplo) não teria capacidade contributiva, devendo arrecadar apenas os recursos necessários

para cumprir suas funções. Todavia, no Brasil, a imunidade recíproca está expressamente prevista no art.

150, VI, a, da Constituição: é vedado instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos

outros, o que dispensa, em nosso Direito Tributário, a busca por justificativa principiológica.

203. Interpreta-se ampliativamente a alusão constitucional a patrimônio, renda ou serviços, isto é, não

se considera rigorosamente patrimônio, renda ou serviços, tal como definidos no Código Tributário

Nacional. Daí porque se reconheceu a imunidade de Estados e Municípios em relação ao IOF (STF,

Ag.Rg. no AI 174.808, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ, 1º.07.1996; e Ag.Rg. no AI 172.890, Rel. Min.

Marco Aurélio, DJ, 19.04.96) e ao antigo IPMF, imposto que antecedeu a atual CPMF (ADIn. 939-DF,

Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, DJU, 18.03.1994).

Ainda se o imóvel público for objeto de concessão ou permissão de uso, estende-se a imunidade,

segundo o STF: IPTU. Imóveis que compõem o acervo patrimonial do Porto de Santos, integrantes do

domínio da União. Impossibilidade de tributação pela municipalidade, independentemente de

encontrarem-se tais bens ocupados pela empresa delegatária dos serviços portuários, em face da

imunidade prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal (RE 253.394, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ,

11.04.2003).

204. A imunidade recíproca estende-se às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder

Público, apenas no que diz respeito ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados às finalidades

essenciais (ou às atividades decorrentes das essenciais) das autarquias e fundações (art. 150, § 2º, da

Constituição Federal).

O STF tem precedentes limitando subjetivamente a imunidade às entidades expressamente

mencionadas na Constituição, não permitindo sua extensão a sociedades de economia mista e empresas

públicas (por exemplo, RE 90.470-PB, Pleno, Rel. p/ o acórdão Min. Néri da Silveira, caso relativo à

ECT – Empresa de Correios e Telégrafos, que é empresa pública).

Mais recentemente, porém, outros precedentes encaminham-se para a tese oposta, estendendo a

imunidade a empresas públicas (no caso concreto, a mesma ECT), ao argumento de que ela exerce

serviço público monopolizado pela União Federal (conforme RE 407.099-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos

Velloso). A imunidade, nesta óptica, torna-se objetiva, tomando em consideração, principalmente, não a

pessoa (autarquia ou fundação), mas a atividade por ela exercida (serviço público típico da Administração

Pública). Confira-se: Constitucional. Tributário. Imposto sobre a propriedade de veículos automotores

(IPVA). Imunidade recíproca. Empresa brasileira de correios e telégrafos (ECT). Exame da índole dos

serviços prestados. Diferenciação entre serviços públicos de prestação obrigatória e serviços de índole

econômica. Art. 150, VI, a, e § 3º da Constituição. Em juízo cautelar, reputa-se plausível a alegada

extensão da imunidade recíproca à propriedade de veículos automotores destinados à prestação de

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serviços postais (Ag.Rg. na ACO 765, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa, DJ, 15.12.2006). No mesmo

sentido, tratando de serviços prestados por outra empresa pública, INFRAERO, o STF afirmou a

aplicação da imunidade recíproca: A Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária - INFRAERO

está abrangida pela imunidade tributária recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da CF (...), haja vista

tratar-se de empresa pública federal que tem por atividade-fim prestar serviços de infra-estrutura

aeroportuária, mediante outorga da União, a quem constitucionalmente deferido, em regime de

monopólio, tal encargo (CF, art. 21, XII, c) (Ag. Rg. No RE 363.412, Rel. Min. Celso de Mello,

Informativo STF 475).

205. Não se aplica a imunidade recíproca, nos casos em que há (art. 150, § 3º, da Constituição Federal):

a) exploração de atividade econômica regida pelas normas aplicáveis às empresas privadas; ou

b) em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelos usuários;

Hugo de Brito Machado entende que, literalmente, não há negar que qualquer das duas hipóteses,

isoladamente, afasta a imunidade. Propõe, contudo, interpretação que sistematize as duas hipóteses, para

que a hipótese prevista na letra b somente se aplique nos casos em que a atividade exercida se enquadre

na letra a.

O STF, ao reconhecer a imunidade recíproca para a ECT e a INFRAERO, afirmou também que

estas empresas públicas não exerceriam atividade econômica, mas serviço público monopolizado pela

União (conforme item anterior), apesar de haver contraprestação. Prestigiou-se, assim, a distinção

proposta por Hugo de Brito Machado, separando, pois, a atividade econômica do serviço público,

aplicando-se a imunidade a esta última hipótese.

Observe-se que a eventual prestação de serviço público por empresas privadas concessionárias de

serviço público afastaria a imunidade, porque estas empresas privadas estariam, então, exercendo

atividade econômica, segundo aponta Humberto Ávila (ver, adiante, item nº 207).

Assinale-se, ainda, que estas exceções à imunidade recíproca também poderiam ser inferidas a

partir de outros princípios constitucionais, notadamente aqueles que regem a atividade econômica (art.

170 e seguintes), bastando lembrar que o art. 173, § 1º, II, e § 3º, da Constituição Federal, já seria

suficiente para afastar a imunidade, sem necessidade do que se contém no § 3º do art. 150 da mesma

Constituição.

206. Também não se aplica a imunidade recíproca (art. 150, § 3º) à hipótese de particular adquirir

imóvel pertencente a pessoa jurídica de direito público beneficiada pela imunidade, devendo ser exigido

o imposto sobre a transmissão de bens. Esta a parte final do mencionado § 3º do art. 150: a imunidade

nem exonera o promitente comprador de pagar o imposto relativamente ao bem imóvel. O STF estendeu

a imunidade à hipóteses de aquisição de bem imóvel por entidade beneficiada pela imunidade (RE

235.737, Rel. Min. Moreira Alves).

207. Ainda sobre a imunidade recíproca, o CTN dispõe:

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a) que ela não impede a atribuição, por lei, de responsabilidade pela retenção de imposto na fonte,

e não dispensa os entes federados de praticar atos, previstos em lei, para assegurar o cumprimento de

obrigações tributárias por terceiros (art. 9º, § 1º);

b) que ela não se aplica aos serviços públicos concedidos (art. 13), permitindo, porém que

mediante lei especial, a União conceda isenção de tributos federais, estaduais e municipais para os

serviços que ela conceder (parágrafo único do art. 13). Em minha opinião, esta ressalva esbarra no art.

151, III, da Constituição Federal.

Imunidade de templos de qualquer culto

208. Prevista no art. 150, VI, b, da Constituição Federal (é vedado instituir impostos sobre templos de

qualquer culto), a regra não alcança somente o prédio, mas tudo o que seja necessário para o exercício do

culto (Hugo de Brito Machado). Não se deve fazer juízo de valor sobre o conteúdo do culto, até porque a

Constituição Federal garante o livre exercício dos cultos religiosos (art. 5o, VI).

Há muita discussão sobre a aplicação da imunidade, em relação a outras atividades, que embora

não sejam ligadas diretamente ao culto, são (supostamente) destinadas a financiá-lo (exemplo: locação de

imóveis, exploração de estacionamento, etc.). Hugo de Brito Machado é contra, para não transformar o

culto em verdadeira empresa. Também Sacha Calmon e Aliomar Baleeiro comungam desse

entendimento, e o STF fez referência a ele, muito embora, naquele caso concreto, o Tribunal tenha

apreciado a imunidade de ordem religiosa que prestava assistência social (RE 237.718, Pleno, Rel. Min.

Sepúlveda Pertence).

209. Atualmente, porém, a tendência no STF parece ser pela ampliação do alcance da imunidade de

templos de qualquer culto, que alcançaria, por exemplo, o IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se

encontram alugados. A imunidade prevista no art. 150, VI, b, CF, deve abranger não somente os prédios

destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços ‗relacionados com as finalidades

essenciais das entidades nelas mencionadas‘. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor

interpretativo das alíneas b e c do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as

hipóteses das alíneas referidas (RE 325.822, Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ, 14.05.2004; no mesmo

sentido, Ag.Rg. no AI 651.138, 2a Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJ, 17.08.2007).

A Constituição Federal diz que a imunidade se aplica apenas ao patrimônio, renda ou serviços

vinculados às finalidades essenciais do templo (vetor interpretativo, art. 150, § 4º), e, considerando a

diretrizes para a interpretação ampliativa das imunidades, há que se estender a imunidade para outras

atividades que, comprovadamente, se destinem a custear as atividade religiosas (por analogia, Súmula

724/STF).

O tema, contudo, mostra-se polêmico, porque há preocupações com o caráter laico do Estado, que

poderia ser comprometido, se as imunidades se tornassem estímulo à criação ou ao desenvolvimento de

cultos religiosos. Por outro ângulo, porém, a restrição da imunidade poderia refletir preconceito religioso,

de todo questionável.

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Imunidade de partidos políticos, sindicatos, instituições de educação e de assistência social, sem

fins lucrativos

210. Prevista no art. 150, VI, c, a imunidade de partidos políticos, sindicatos de trabalhadores,

instituições de educação e de assistência social diz-se imunidade condicionada, porque deve atender aos

requisitos da lei, conforme determinado na parte final da letra c do inciso VI do art. 150 (patrimônio,

renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos

trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os

requisitos da lei), sendo que, atualmente, o art. 14 do CTN dispõe sobre tais requisitos.

A jurisprudência do STF não exige que lei complementar disponha sobre estes requisitos, por

entender que o art. 150, VI, c, não se referiu à lei complementar, mas à lei (RE 225.602, Pleno, Rel. Min.

Carlos Velloso). Em sentido oposto, porém, o STF fez a seguinte distinção, que me parece muito

apropriada: Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304) e na linha da melhor

doutrina, o que a Constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a

fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial

imune; não, o que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina

infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar (ADI 1.802-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,

DJ, 13.02.2004).

Majoritariamente, a doutrina também se bate pela exigência de lei complementar, com base no art.

146, II da Constituição Federal, porque cabe à lei complementar regular as limitações constitucionais ao

poder de tributar; assim, sendo a imunidade uma limitação constitucional, sua regulamentação

dependeria de lei complementar.

Repare-se que, após a Constituição de 1988, ao fazer modificação no art. 14 do CTN, o legislador

optou pela lei complementar, editando, então, a LC 104/2001.

211. Relativamente às contribuições da seguridade social, a Constituição previu ―isenção‖ para as

entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas por lei (art. 195, §

7º), sendo esta norma entendida como norma de imunidade (porque contida no corpo da Constituição). O

art. 55 da Lei 8.212/1991 trata destas exigências (repare-se que, aqui, o legislador não foi tão precavido,

sujeitando-se à discussão sobre a validade formal destas exigências contidas, não em lei complementar,

mas em lei ordinária).

212. Não se exige que as entidades de assistência social e de educação exerçam suas atividades

gratuitamente. A exigência é a de que tais entidades não distribuam lucros, admitindo-se a ocorrência de

superávit (Luciano Amaro). Sacha Calmon ressalta que a existência de lucro é até presumida pelo CTN,

que apenas veda a distribuição de qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer

título (art. 14, I, do CTN, na redação da LC 104/2001). Sem lucro ou superávit, diz Sacha Calmon, a

atividade de assistência ou de educação poderia se inviabilizar economicamente.

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213. As exigências do art. 14 do CTN, necessárias para o gozo da imunidade, são as seguintes:

a) não pode haver distribuição de patrimônio ou renda, a qualquer título;

b) os recursos devem ser aplicados integralmente no País, e nas finalidades institucionais;

c) deve haver escrituração regular das receitas e despesas.

Sacha Calmon acrescenta mais duas exigências, que complementam o sentido da norma legal: d)

que o patrimônio, em caso de extinção, seja destinado a fim público; e e) que a instituição não possa se

transformar em empresa mercantil. Evita-se, assim, que a criação de entidade assistencial seja apenas um

meio para se capitalizar uma futura empresa.

214. Veja-se que a LC 104/2001 modificou o art. 14, I, do CTN, aumentando as exigências, visto que,

atualmente, elas não devem distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer

título, e, anteriormente, elas não deveriam distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas

rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado. A expressão a qualquer título, hoje, é muito

mais ampla.

215. Se faltar os requisitos, suspende-se a imunidade (§ 1º do art. 14 do CTN). Sacha, porém, ressalva a

necessidade de se garantir o direito à ampla defesa à instituição. Luciano Amaro critica o dispositivo,

assinalando que a imunidade não é benefício que se concede ou se suspende, de modo que a entidade, ou

goza da imunidade, ou não goza.

216. Quanto à imunidade de atividades correlatas às atividades de assistência social e de educação, o

STF tem entendimento ampliativo, valendo conferir a já citada Súmula 724/STF, observando-se que ainda

há discussões sobre a extensão do raciocínio à imunidade dos templos, malgrado precedentes mais

recentes apontarem também para este entendimento ampliativo (conforme item nº 209, retro).

A título de ilustração, anote-se que o STF reconheceu que o fato de os imóveis estarem sendo

utilizados como escritório e residência de membros da entidade não afasta a imunidade prevista no

artigo 150, inciso VI, alínea c, § 4º da Constituição Federal (RE 221.395, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ,

12.05.2000). Também reconheceu que eventual renda obtida pela instituição de assistência social

mediante cobrança de estacionamento de veículos em área interna da entidade, destinada ao custeio das

atividades desta, está abrangida pela imunidade prevista no dispositivo sob destaque (RE 144.900, Rel.

Min. Ilmar Galvão, DJ, 26.09.1997). Por fim, ainda assentou que o fato de uma entidade beneficente

manter uma livraria em imóvel de sua propriedade não afasta a imunidade tributária prevista no art.

150, VI, c da Constituição, desde que as rendas auferidas sejam destinadas a suas atividades

institucionais, o que impede a cobrança do IPTU pelo Município (RE 345.830, Relª. Minª Ellen Gracie,

DJ, 08.11.2002).

Não se estendeu a imunidade, entretanto, a colônia de férias de sindicato: Inexistência de

imunidade tributária por não ser o patrimônio ligado às finalidades essenciais do sindicato. (...)

Afirmado pelo acórdão recorrido que a colônia de férias não é destinada às finalidades essenciais do

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sindicato, para se chegar a entendimento diverso seria necessário o reexame dos fatos e das provas,

inadmissível no recurso extraordinário (Súmula 279) (Ag.Rg. no RE 245.093, Rel. Min. Sepúlveda

Pertence, DJ, 07.12.2006).

217. Houve muita controvérsia, ainda sobre a eventual imunidade de entidades de previdência fechada.

Após muita discussão, que ainda não se esgotou inteiramente, fixou-se a interpretação nos termos da

Súmula 730/STF. Assim, para haver imunidade, não pode haver contribuição dos beneficiários, porque,

se houver, perde-se a característica de assistência, assumindo caráter de relação contraprestacional (vale

dizer, o segurado paga para obter benefício, denotando capacidade contributiva).

218. Quanto aos partidos políticos, devem eles estar regularmente constituído (estende-se a imunidade

às fundações instituídas por estes partidos), nos termos da legislação eleitoral.

219. A Constituição Federal refere-se apenas a entidades sindicais dos trabalhadores (o que abrange

sindicatos e centrais sindicais). Hugo de Brito Machado critica, entendendo aplicar-se a imunidade

também aos sindicatos de empregadores. Sacha Calmon estende a imunidade às centrais sindicais.

Imunidade de livros, jornais, periódicos

220. No que tange à imunidade de livros, jornais, papéis e o papel destinado a sua impressão, a

jurisprudência é casuística, valendo realçar que a Súmula 657/STF encaminha-se no sentido de ampliar o

alcance de tal imunidade, estendendo-a aos filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de

jornais e periódicos.

221. Afirma-se, outrossim, o caráter objetivo desta imunidade, porque se dirigiria ao continente, e não

ao conteúdo, não interessando, assim, o que fosse publicado nos livros, jornais e periódicos.

Nesse contexto, admite-se que a imunidade alcance as listas telefônicas (RE 101.441, Pleno, Rel.

p/ acórdão Min. Sydney Sanches; antes não se admitia, conforme RE 104.563, 1ª Turma, Rel. Min. Oscar

Corrêa).

Também já se admitiu a imunidade para álbuns de figurinhas, realçando, justamente, que a norma

constitucional não se preocupa com o conteúdo da publicação, ou, como afirmado na decisão, como juízo

subjetivo acerca da qualidade cultural ou valor pedagógico de uma publicação: Álbum de figurinhas.

Admissibilidade. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua

impressão tem por escopo evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística,

científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à

educação. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou

didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. Não cabe

ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito

tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural

ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil (RE 221.239, Relª Minª

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Ellen Gracie, DJ, 06.08.2004).

Esta apostila, segundo o STF, também estaria imune à tributação: O preceito da alínea d do inciso

VI do artigo 150 da Carta da República alcança as chamadas apostilas, veículo de transmissão de

cultura simplificado (RE 183.403, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ, 04.05.2001).

222. Afastou-se, porém, a imunidade, em relação a publicidades, veiculadas mediante encartes

impressos: Encartes de propaganda distribuídos com jornais e periódicos. ISS. Art. 150, VI, d, da

Constituição. Veículo publicitário que, em face de sua natureza propagandística, de exclusiva índole

comercial, não pode ser considerado como destinado à cultura e à educação, razão pela qual não está

abrangido pela imunidade de impostos prevista no dispositivo constitucional sob referência, a qual,

ademais, não se estenderia, de qualquer forma, às empresas por eles responsáveis, no que concerne à

renda bruta auferida pelo serviço prestado e ao lucro líquido obtido (RE 213.094, Rel. Min. Ilmar

Galvão, DJ, 15.10.1999).

Também não se aceitou a imunidade para calendários comerciais (RE 87.633, 2ª Turma, Rel.

Min. Cordeiro Guerra).

O Min. Moreira Alves, ao votar favoravelmente à imunidade das listas telefônicas, ressalvou o

caso de agendas, cardápios e catálogos comerciais (RE 101.441), que não seria alcançado pela

imunidade em tela.

223. A imunidade foi estendida ao papel e ao filme (fotográfico), utilizados para a confecção de capas

de livros: Papel: filmes destinados à produção de capas de livros. CF, art. 150, VI, d. Material

assimilável a papel, utilizado no processo de impressão de livros e que se integra no produto final —

capas de livros sem capa-dura — está abrangido pela imunidade do art. 150, VI, d. Interpretação dos

precedentes do Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, nos RREE 174.476/SP, 190.761/SP,

Ministro Francisco Rezek, e 203.859/SP e 204.234/RS, Ministro Maurício Corrêa (RE 392.221, Rel. Min.

Carlos Velloso, DJ, 11.06.2004).

224. Afastou-se, porém, a imunidade a outros insumos necessários à edição de livros e jornais:

Imunidade conferida pelo art. 150, VI, d da Constituição. Impossibilidade de ser estendida a outros

insumos não compreendidos no significado da expressão ‗papel destinado à sua impressão‘. Precedentes

do Tribunal (Ag.Rg. no RE 324.600, Relª Minª Ellen Gracie, DJ, 25.10.2002).

225. De outro lado, sendo objetiva, a imunidade não beneficiaria o editor, de modo que este deveria

arcar com tributos incidente sobre o faturamento, o lucro, os serviços prestados, excluindo-se do campo

de tributação apenas os impostos incidentes sobre o livro, sobre a publicação ou sobre o papel. Nesse

sentido, se decidiu que não há de ser estendida a imunidade de impostos prevista no dispositivo

constitucional sob referência, concedida ao papel destinado exclusivamente à impressão de livros,

jornais e periódicos, aos serviços de composição gráfica necessários à confecção do produto final (RE

230.782, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ, 10.11.2000). Ainda nesse tom: Anistia do art. 150, VI, d, da

Constituição Federal. IPMF. Empresa dedicada à edição, distribuição e comercialização de livros,

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jornais, revistas e periódicos. Imunidade que contempla, exclusivamente, veículos de comunicação e

informação escrita, e o papel destinado a sua impressão, sendo, portanto, de natureza objetiva, razão

pela qual não se estende às editoras, autores, empresas jornalísticas ou de publicidade — que

permanecem sujeitas à tributação pelas receitas e pelos lucros auferidos. Conseqüentemente, não há

falar em imunidade ao tributo sob enfoque, que incide sobre atos subjetivados (movimentação ou

transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira) (RE 206.774, Rel. Min. Ilmar

Galvão, DJ, 29.10.1999).

Em minha opinião, todavia, o STF decidiu de forma contraditória com sua jurisprudência, ao

resolver que empresas editoras de listas telefônicas não pagariam ISS sobre os serviços que prestam:

Imunidade tributária (livros, jornais e periódicos): listas telefônicas. Firmou-se a jurisprudência do STF

no sentido de que a imunidade constitucional assegurada à publicação de periódicos impede a cobrança

de ISS sobre a edição de listas telefônicas (RE 114.790, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ, 03.10.1997).

226. Interessante questão surge, por fim, em relação ao livro eletrônico, predominando, na doutrina, o

entendimento de que também ele é beneficiado pela imunidade (mas não a base física, o disquete, o CD-

rom em que editado o livro eletrônico). E, nessa linha de raciocínio, pode ser lembrado o seguinte

precedente do STF: O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Recursos Extraordinários nºs

190.761 e 174.476, reconheceu que a imunidade consagrada no art. 150, VI, d, da Constituição Federal,

para os livros, jornais e periódicos, é de ser entendida como abrangente de qualquer material suscetível

de ser assimilado ao papel utilizado no processo de impressão (RE 193.883, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ

1º.08.1997).

Imunidades específicas

227. Há diversas outras situações, bem específicas, em relação às quais a Constituição Federal prevê

imunidades:

a) imunidade para exportação, em relação ao IPI (art. 153, § 3º, III), às contribuições sociais e às

CIDE (art. 149, § 2º, I, EC 33/01), ao ICMS (art. 155, A 2º, XII, a, EC 42/03);

b) imunidade para pequenas glebas rurais, definidas em lei, em relação ao ITR (art. 153, § 4º, II,

EC 42/03);

c) imunidade para petróleo e combustíveis derivados do petróleo e para a energia elétrica, em

operações interestaduais, relativamente ao ICMS (art. 155, § 2º, X, b);

d) imunidade para serviços de comunicação por radiodifusão sonora e de sons e imagens de

recepção livre e gratuita, em relação ao ICMS (art. 155, § 2º, X, d);

e) imunidade para transmissão por incorporação, fusão e cisão de empresas, em relação ao ITBI

(art. 156, § 2º, I); e

f) imunidade para transmissão de bens para fins de reforma agrária (art. 184, § 5º).

228. Prevê-se, ainda, imunidade em relação às contribuições para a seguridade social:

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a) para entidades beneficentes de assistência social, conforme já mencionado (art. 195, § 7º);

b) para aposentados e pensionistas do regime geral de previdência (art. 195, II; esta imunidade foi

estendida pelo STF para os servidores públicos, em relação aos valores correspondentes ao teto da

aposentadoria do regime geral (conforme, ADIn. 3.105-DF, Pleno, Rel. para o acórdão Min. Cezar

Peluso, RTJ, 193/137).

229. Relativamente a taxas, a Constituição prevê imunidade para os carentes, em relação à taxa

judiciária (art. 5º, inciso LXXIV) e às taxas de registro de nascimento e óbito (art. 5o, inciso LXXVI).

Ainda quanto a taxas, há previsão de imunidade para algumas ações judiciais, mencionadas

também no art. 5º, incisos LXXIII (ação popular) e LXXVII (habeas corpus, habeas data e atos

necessários ao exercício da cidadania).

Finalmente, há previsão de imunidade, não apenas para carentes, mas para todos, para o direito de

petição e a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimentos de

situações de interesse pessoal (art. 5º, XXXIV), bem como para o casamento civil (art. 226, § 1o).

Imunidade e tributos indiretos

230. Há muita discussão sobre o alcance da imunidade (especialmente a imunidade recíproca e das

entidades citadas na letra c do inciso IV do art. 150) em relação aos tributos indiretos (IPI e ICMS), nos

quais se pode distinguir o contribuinte de direito e o contribuinte de fato, que efetivamente arca com o

custo financeiro do tributo.

Para Aliomar Baleeiro (acompanhado pela maior parte dos doutrinadores), haveria que se

considerar, para apuração da imunidade, a situação do contribuinte de fato, porque ele é que sofre,

efetivamente, o ônus financeiro da tributação. Nestes termos, e por exemplo, o Município, ao adquirir

mercadorias, não deveria pagar o ICMS, por ser ele, Município, contribuinte de fato (contribuinte de

direito seria, neste caso, o comerciante).

No STF predominou, porém, tese oposta, sustentada pelo Min. Bilac Pinto, segundo a qual

somente se aplicaria a imunidade se o ente federativo fosse contribuinte de direito, porque o contribuinte

de fato seria alguém alheio a relação jurídica tributária. Hugo de Brito Machado também sustenta,

veementemente, este entendimento. Conferir, ainda, a Súmula 591/STF.

231. A partir da década de 1980, o STF deu sinais de que poderia rever o entendimento até então

esposado (tese de Bilac Pinto), acolhendo, então, a tese de Baleeiro.

Assim, já se decidiu, v.g., que a imunidade alcançaria o IPI e o Imposto de Importação, quando

importado bem que se destina ao uso da entidade imune (RE 88.671, 1ª Turma, Rel. Min. Xavier de

Albuquerque).

Depois, decidiu-se que não há imunidade na venda de pães, promovida por entidade de assistência

social, porque o ICMS seria suportado, de fato, pelo adquirente (RE 115.096, Rel. Min. Octávio Gallotti;

também RE 191.067-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves).

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Mais recentemente, contudo, nos Emb.Div. no RE 210.251-SP, Pleno, Rel. p/ acórdão Min.

Gilmar Mendes, considerou-se imune a venda de pães feita por entidade de assistência social, dando-se

interpretação mais elastecida ao objetivo da imunidade (vencidos Min. Moreira Alves, Min. Celso de

Mello e Minª. Ellen Gracie).

232. O tema, entretanto, está longe de merecer uma solução definitiva, porque o STF já decidiu,

também recentemente, que não há imunidade sobre o ICMS incidente em contas de energia elétrica, pagas

pelo Município, porque o sujeito passivo é a companhia de energia elétrica: (...) o fornecedor da

iluminação pública não é o Município, mas a Cia. Força e Luz Cataguases, que paga o ICMS à Fazenda

Estadual e o inclui no preço do serviço disponibilizado ao usuário. A imunidade tributária, no entanto,

pressupõe a instituição de imposto incidente sobre serviço, patrimônio ou renda do próprio Município

(ADI 457-MC, Rel. Min. Carlos Britto, DJ, 11.02.2005).

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6º Ponto: Fontes do Direito Tributário

Legislação Tributária

Lei Complementar

Lei Ordinária

Medidas provisórias e leis delegadas

Tratados internacionais

Decretos e normas complementares

233. Segundo Paulo de Barros de Carvalho, entende-se, como fonte do direito tributário: a) os órgãos

habilitados pelo sistema para produzirem normas, numa organização escalonada, e b) a própria

atividade desenvolvida por essas entidades, tendo em vista a criação de normas. Luciano Amaro ainda

acrescenta que fontes são modo de expressão do direito.

234. Também no plano doutrinário, Paulo de Barros Carvalho distingue: a) as fontes do direito

positivo; e b) as fontes da Ciência do Direito.

Legislação tributária

235. O Código Tributário Nacional define, no primeiro artigo de sua segunda parte (Livro Segundo –

Normas Gerais de Direito Tributário), o alcance da expressão legislação tributária (art. 96). Veja-se que

a expressão é ampla, não se confundindo com outras expressões (lei tributária, por exemplo), e o CTN a

utiliza com precisão, sendo exemplos o art. 113, § 2º, segundo o qual ―a obrigação tributária decorre da

legislação tributária‖, e o art. 114, segundo o qual ―fato gerador da obrigação principal é a situação

definida em lei‖. A doutrina acrescenta, todavia, que, submetendo-se o Direito Tributário ao princípio da

legalidade, sua fonte mais importante é a lei.

As fontes formais do Direito Tributário seriam, então, primariamente:

a) Constituição Federal (e Emendas à Constituição);

b) Leis complementares;

c) Leis ordinárias (leis delegadas e medidas provisórias);

d) Tratados e convenções internacionais

Secundariamente, haveria:

a) decretos;

b) normas complementares, definidas no art. 100 do CTN.

A fonte seria primária quando tivesse capacidade de inovar a ordem jurídica, sendo secundária a

fonte que apenas regulamentasse (sem inovar) a regra primária.

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Lei complementar

236. Merece destaque, no Direito Tributário, a lei complementar (não confundir com norma

complementar, tratada no art. 100 do CTN), criação da doutrina francesa (com desenvolvimento também

pela doutrina italiana), que foi introduzida em nosso sistema constitucional pela Constituição de 1967.

237. Embora ainda persista muita discussão, é possível dizer que melhor razão tem Paulo de Barros

Carvalho (dentre outros) que define a lei complementar a partir de critério ontológico-formal, isto é, será

lei complementar aquela que versar sobre matéria expressa ou implicitamente indicada na Constituição

(critério ontológico), sendo aprovada a partir de procedimento especial, e não apenas ―quorum‖ especial

(critério formal). Daí vêm as seguintes conclusões:

a) se lei complementar (critério formal) tratar de matéria não submetida à lei complementar (vale

dizer, se faltar o critério ontológico), não se terá lei verdadeiramente complementar, mas lei ordinária,

que poderá ser modificada por nova lei ordinária, ainda que formalmente (e apenas formalmente) a lei

revogada seja lei complementar;

b) se lei ordinária (critério formal) tratar de matéria submetida à lei complementar (critério

ontológico), será tal lei ordinária inválida, por lhe faltar requisito constitucionalmente exigido

(procedimento especial para aprovação).

238. Hugo de Brito Machado, registre-se, entende que se caracteriza a lei complementar por seu

aspecto formal, e não em razão de seu conteúdo, razão pela qual, na letra a (indicada acima), a lei

ordinária não poderia modificar a lei complementar. Nesse sentido, o STJ vem decidindo, a respeito de

isenção relativa à COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), concedida pela LC

70/91 e (supostamente) revogada pela Lei 9.430/96:

―A Lei Complementar nº 70/91, em seu art. 6º, inc. II, isentou da COFINS as sociedades civis de

prestação de serviços de que trata o art. 1º do Decreto-Lei nº 2.397, de 22 de dezembro de 1987,

estabelecendo como condições somente aquelas decorrentes da natureza jurídica das referidas

sociedades. A isenção concedida pela Lei Complementar nº 70/91 não pode ser revogada pela Lei nº

9.430/96, lei ordinária, em obediência ao princípio da hierarquia das leis” (REsp. 752.017-PR, 2ª

Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ, 19.09.2005).

No próprio STJ, contudo, há resistência a esta tese, tendo o Min. Teori Albino Zavascki

ressalvado seu ponto de visto pessoal, ―no sentido de que lei formalmente complementar, mas

materialmente ordinária, pode ser revogada por lei ordinária, sendo, portanto, legítima a revogação,

operada pela Lei 9.430/96, da isenção prevista no art. 6º da LC 70/91‖ (REsp. 751.052-SP, 1ª Turma,

DJ, 19.09.2005). Esta, ainda, a tônica que predomina no STF, como se vê na seguinte decisão, também

sobre a LC 70/91:

―A jurisprudência desta Corte, sob o império da Emenda Constitucional nº 1/69 – e a

Constituição atual não alterou esse sistema –, se firmou no sentido de que só se exige lei complementar

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para as matérias cuja disciplina a Constituição faz tal exigência, e, se porventura, a matéria disciplinada

por lei cujo processo legislativo observado tenha sido a lei complementar, não seja daquelas para que a

Carta Magna exige esta modalidade legislativa, os dispositivos que tratam dela se têm como dispositivos

de lei ordinária‖ (ADC 1-DF, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves).

239. Nesse contexto, não se vê, necessariamente, hierarquia entre lei complementar e lei ordinária,

porque ambas teriam campos de atuação (critério ontológico) distintos. Porém, em função do

procedimento especial, com quorum mais qualificado, para a lei complementar, admitir-se-ia que a lei

complementar tratasse de temas submetidos à lei ordinária, mas o contrário não seria possível, justamente

porque à lei ordinária faltaria aquele procedimento especial, com quorum qualificado.

240. Admite-se, contudo, teoricamente, hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária quando

aquela seja ―lex legum‖, isto é, lei como sobre fazer leis. Seria o caso, por exemplo, da lei complementar

mencionada pelo art. 59, parágrafo único, da Constituição Federal, que dispõe sobre a elaboração,

redação, alteração e consolidação das leis (conferir LC 95/1998). A hierarquia, então, seria formal

(Paulo de Barros Carvalho), e, além da própria LC 95/1998, seria exemplo de lei complementar

hierarquicamente superior a lei complementar referida no art. 146 da Constituição Federal, qual seja, o

próprio Código Tributário Nacional (Min. Carlos Velloso). Neste caso, a lei complementar traçaria

normas gerais, normas estas que condicionariam as normas específicas, a ser editadas pelos entes

parciais, o que ocorre em matéria tributária, como adiante assinalado.

241. A Constituição Federal, em várias passagens, refere-se à lei complementar em matéria tributária.

242. Destaque-se, de início, o art. 146 da Constituição Federal, que elenca três funções para a lei

complementar:

a) dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária (inciso I);

b) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (inciso II);

c) estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária (inciso III, letras a a d, esta última

acrescentada pela EC 42/03).

243. Doutrinariamente, alguns autores (Paulo de Barros Carvalho e Geraldo Ataliba, v.g.) afirmam que

a norma constitucional deve ser entendida da seguinte forma: a lei complementar deve conter normas

gerais de direito tributário sobre: a) conflitos de competência; e b) regulação das limitações

constitucionais ao poder de tributar. Se assim não fosse, dizem eles, haveria ofensa ao princípio

federativo, diminuindo-se o campo de atuação de Estados e Municípios.

Predomina, porém, o entendimento de que é tríplice a função da lei complementar (conforme item

anterior, letras a, b e c), o que teria sido referendado pelo CTN, ao tratar, no Livro Segundo, das normas

gerais de direito tributário.

244. Conferir, no art. 24 da Constituição Federal (mais especialmente nos §§ 1º a 4º), as relações entre

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as normas gerais e a chamada competência concorrente, que alcança o direito tributário (inciso I).

Diz Ricardo Lobo Torres que normas gerais é expressão ambígua, eis que elas,

fundamentalmente, são aquelas que estampam os princípios jurídicos de dimensão nacional [e não

apenas federal, estadual, ou municipal, esclareço], constituindo objeto de codificação tributária, motivo

por que o Código Tributário Nacional, originariamente editado como lei ordinária (nº 5.172 de 1966),

ganho estatura de lei complementar nos julgamentos do STF (RE 93.850, RTJ 105/194).

Em sentido semelhante, Sacha Calmon afirma que, em matéria tributária, as normas gerais são

normas sobre como fazer normas em sede de tributação, sendo que as matérias indicadas na Constituição

Federal (art. 146, III) constituem ―numerus apertus‖ (assim também Ricardo Lobo Torres), e devem ser

usadas como fatos de unificação e equalização aplicativa do Direito Tributário (...). É o caso de se dar

aplicação ao art. 24, §§ 1º a 4º. E onde se lê União, leia-se Congresso Nacional, e onde se lê lei federal,

leia-se complementar, ao menos em matéria tributária.

Sacha ainda afirma ser delicadíssimo o eventual confronto entre a norma geral (norma nacional) e

as competências privativas dos entes tributantes (norma federal, ou estadual ou municipal), reconhecendo

a procedência de argumentos deduzidos por alguns autores (Paulo de Barros Carvalho, v.g.), segundo os

quais os temas tratados no CTN (normas gerais) afetariam aquela competência privativa. Salienta,

contudo, Sacha Calmon, que o federalismo brasileiro é normativamente centralizado, financeiramente

repartido e administrativamente descentralizado, o que justificaria a predominância das normas gerais,

em nosso sistema tributário.

245. Outras leis complementares exigidas pela Constituição (conforme relação feita pelo Min. Carlos

Velloso):

a) instituição de empréstimos compulsórios (art. 148);

b) instituição de impostos sobre grandes fortunas (art. 153, VII;

c) impostos residuais (art. 154, I);

d) definição da competência em relação a algumas situações especiais do ITCD (art. 155, § 1º,

III);

e) definição de produtos semi-elaborados, para fins de incidência do ICMS, e diversas outras

matérias relativas a este mesmo imposto (art. 155, § 2º, XII, e, da Constituição Federal; esta norma perdeu

seu sentido útil, haja vista que a EC 42/2003 alterou o art. 155, § 2o, X, a, da Constituição Federal,

tornando imune as exportações para fins de ICMS, conforme indicado retro no item 227, a, imunidade

esta que tornou desnecessária a lei complementar prevista no inciso XII, e);

f) definição de serviços não abrangidos pelo ICMS, para fins de incidência do ISSQN, e outras

matérias relativas ao imposto municipal (art. 156, § 3º)

g) criação de outras fontes de custeio para a previdência social (art. 195, § 4º); e

h) repartição de receita tributária (art. 161).

Ainda estariam submetidas à lei complementar, conforme alterações decorrentes da EC 42/03:

i) definição de regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados,

do Distrito Federal e dos Municípios (art. 146, III, d e parágrafo único);

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j) critérios especiais de tributação, para prevenir desequilíbrios da concorrência (art. 146-A).

Lei ordinária

246. A lei ordinária é o veículo que, em regra, institui os tributos. Instituir tributos é definir o seu fato

gerador (hipótese de incidência), definindo os contribuintes, a base de cálculo, as alíquotas, as

penalidades, etc. (princípio da tipicidade). O art. 97 do CTN define as matérias que devem ser tratadas

por lei:

a) instituição de tributos ou sua extinção;

b) majoração de tributos ou sua redução (recordar, quanto à redução, o § 6º do art. 150 da

Constituição Federal);

c) definição do fato gerador e do sujeito passivo (ressalvar que, com relação ao Imposto de

Exportação, os produtos que se sujeitam à tributação são definidos por ato do Executivo, conforme art.

237 da Constituição Federal);

d) fixação de alíquotas e bases de cálculo (ressalvar as exceções constitucionais, art. 153, § 1º,

relativas ao II, IE, IPI e IOF);

e) cominação de penalidades;

f) hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de crédito tributário (conferir, novamente, art. 150,

§ 6º, da Constituição Federal).

247. Recorde-se que a fixação de prazo para recolhimento do tributo não é matéria submetida à lei,

segundo entendimento predominante na jurisprudência (v.g., RE 253.395, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar

Galvão).

248. Entende-se, de outro lado, que a modificação da base de cálculo, que torne mais oneroso o tributo,

corresponde à sua majoração. Mas não é majoração a atualização do valor monetário da base de cálculo

(Súmulas 160/STJ).

Medidas provisórias e leis delegadas

249. Quanto às medidas provisórias e leis delegadas, remete-se às considerações feitas quando do

exame do princípio da legalidade.

Tratados internacionais

250. Também quanto aos tratados e convenções internacionais, recorde-se a discussão em relação ao

alcance do princípio da proibição de isenções heterônomas. Atenção, ainda, para o art. 98 do CTN, que

afirmar haver revogação ou modificação da legislação tributária pelos tratados e convenções, tema que é

de natureza essencialmente constitucional, antes que tributário.

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Decretos e normas complementares

251 As polêmicas relativas ao poder normativo do decreto, no direito tributário, são análogas às do

direito administrativo. Os decretos são normas secundárias, que não podem inovar a ordem jurídica. A

polêmica surge exatamente no momento de definir o que seria inovação. O tema, porém, refoge aos

objetivos desta apostila e do conteúdo programático da disciplina.

252 O CTN ainda cogita das chamadas normas complementares (art. 100 do CTN), que seriam

inferiores aos decretos. Segundo o CTN, são normas complementares:

a) atos normativos emanados das autoridades administrativas;

b) decisões administrativas que tenham eficácia normativa (pareceres normativos);

c) práticas reiteradas (costume tributário);

d) convênios (atenção para os convênios em relação ao ICMS).

253 Quem obedece estas normas não pode ser penalizado, nem se pode exigir do contribuinte

pagamento de juros e correção monetária (art. 100, parágrafo único, do CTN). Tem-se, aqui, manifestação

da boa-fé ou da segurança jurídica em matéria tributária.

254. Merece especial destaque o convênio, previsto na Lei Complementar 24/75, que trata de benefícios

fiscais em sede de ICMS.

A interpretação jurisprudencial confere muita força a estes convênios, porque a matéria neles

disciplinada independe de lei para entrar em vigor, bastando a ratificação feita por decreto do Executivo

(conforme LC 24/75). Sacha Calmon, como explicado ao se tratar do princípio da legalidade, critica

asperamente esta interpretação, dizendo que o ICMS, por força dos convênios, seria, imposto bandoleiro,

isto é, fora da lei. Fora do campo tributário, vale realçar, é pacífico o entendimento de que convênios,

sendo ato do Executivo, não dependem de aprovação do Legislativo, motivo pelo qual, reiteradamente, o

STF afirma ser inconstitucional as normas que vinculam a eficácia dos convênios, celebrados pelo

Executivo, à aprovação do Legislativo.

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7º Ponto: Vigência e Aplicação da Legislação Tributária

Vigência no tempo

Vigência no espaço

Aplicação da legislação tributária

Lei expressamente interpretativa

Retroatividade benigna

Vigência e aplicação da legislação tributária

255. A vigência da legislação tributária, no tempo e no espaço, rege-se pelo direito comum,

excetuando-se as situações especificamente previstas no Código Tributário Nacional (art. 101 do CTN).

Obviamente que, relativamente à norma tributária, também se aplicam princípios constitucionais que,

para garantir segurança jurídica ao contribuinte, impõem limites temporais à vigência da legislação

tributária (princípios da irretroatividade, da anterioridade e da noventena).

256. Entende-se como vigência, aqui, a aptidão da norma jurídica para incidir, isto é, a aptidão para

produzir efeitos jurídicos (Hugo de Brito Machado). Vigência, assim, é a propriedade das regras

jurídicas que estão prontas para propagar efeitos, tão logo aconteçam, no mundo fático, os eventos que

elas descrevem (Paulo de Barros Carvalho). Vigência não é validade, mas relação que existe entre a regra

jurídica e o sistema do direito posto (Paulo de Barros Carvalho).

Vigência, outrossim, não se confunde com a aplicação da legislação, pois que aplicação se

confunde com incidência (Paulo de Barros Carvalho). Hugo de Brito Machado, porém, faz a seguinte

distinção, que me parece pertinente: a incidência é automática (e teórica), caracterizando-se sempre que a

situação de fato prevista na norma vigente ocorre no mundo real. A aplicação já é ―ato de alguém‖, que

reconhece (declara) a incidência da norma jurídica. Nesse mesmo sentido, Alberto Xavier bem distingue a

aplicação do direito (que ele define como ato jurídico heterônomo que faz a ponte entre a norma e o fato,

exprimindo por um juízo sintético a sua adequação), afirmando que ela não se confunde com toda e

qualquer operação lógica pela qual se procede à subsunção, porque a aplicação é ato de autoridade

(heterônomo), o que a distingue, ainda do mero cumprimento da norma jurídica.

Vigência no tempo

257. Admite-se, até por força do art. 101 do CTN, a aplicação da regra geral posta na Lei de Introdução

ao Código Civil (art. 1º: ―salvo disposição contrária‖, a vigência da lei se dá 45 dias após a sua

publicação). Também deve ser considerada a Lei Complementar 95/98, que determina seja a vigência da

lei nova de forma expressa, contemplando-se prazo razoável de ―vacatio legis‖, admitindo-se a entrada

em vigor na data de sua aplicação apenas para lei de pequena repercussão (art. 8º). A doutrina afirma,

porém, que, se descumprida a exigência, ainda é aplicável a regra do art. 1º da Lei de Introdução ao

Código Civil (Hugo de Brito Machado e Luciano Amaro).

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Ressalte-se mais uma vez a necessidade, ainda, de se obedecer, conforme o caso, os princípios da

anterioridade e da noventena.

258. De modo especial (afastando, pois, as regras da Lei de Introdução), o CTN disciplinas as seguintes

situações (art. 103):

a) atos administrativos normativos, previstos no art. 100, I, do CTN (portarias, resoluções,

instruções, etc.), salvo disposição em contrário, entram em vigor na data da publicação;

b) decisões administrativas com eficácia normativa, previstas no art. 100, II, do CTN, salvo

disposição em contrário, 30 dias após a data da publicação;

c) convênios, previstos no art. 100, IV, na data neles prevista (se não houver previsão, aplica-se a

regra genérica da Lei de Introdução, segundo Hugo de Brito Machado; ainda quanto aos convênios,

aqueles relativos ao ICMS entram em vigor, salvo disposição em contrário, trinta dias após a publicação,

conforme art. 6º da LC 24/1975).

259. O princípio da anterioridade é tratado ainda no art. 104 do CTN, norma que deve ser lida com o

devido cuidado, dado o alargamento da anterioridade nas Constituições de 1967/1969 e de 1988.

Segundo o art. 104 do CTN, o princípio da anterioridade (a ser aplicado a todos os tributos, co exceção

das ressalvas expressamente contidas na Constituição Federal), alcança os dispositivos que:

a) instituam ou aumentam impostos (leia-se tributos);

b) definam novas hipóteses de incidência (o que, na minha opinião, importa na instituição do

tributo, sendo reiteração da alínea anterior); e

c) extingam ou reduzam isenções, salvo se a nova lei for mais favorável.

260. Quanto às isenções, tema a ser estudado no Direito Tributário II, vale relembrar que a

jurisprudência do STF, interpretando os princípios constitucionais, afirma que a revogação da isenção não

precisaria seguir a anterioridade (embora pareça estar em alteração este entendimento jurisprudencial).

Ainda quanto às isenções, anotar que as isenções condicionadas (previstas no art. 178 do CTN) não

podem ser modificadas por lei nova. Estes temas, porém, serão estudados quando se examinar, de perto,

as isenções.

Vigência no espaço

261. De modo geral, a vigência se limita ao território do ente que edita a norma jurídica. Esta, contudo,

é uma recomendação antes prática do que teórica, porque apenas excepcionalmente se conseguir aplicar

(vale dizer, tornar eficaz) a lei de um país em território estrangeiro. Em tese, a norma jurídica pode valer

até no espaço sideral.

Tratados internacionais, nesse passo, conferem caráter extraterritorial às normas tributárias, que

se aplicam a fatos ocorridos no estrangeiro; mas há norma interna que reconhece (ou admite) esta

extraterritorialidade da lei estrangeira.

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262. No plano interno, o art. 102 do CTN admite que, mediante convênios ou normas gerais expedidas

pela União, seja conferida extraterritorialidade à legislação estadual, distrital ou municipal. Esta regra,

segundo Aliomar Baleeiro, tem muita importância no que diz respeito às prerrogativas dos órgãos de

fiscalização tributária. Hoje em dia, acrescentaria, também se mostra muito pertinente em relação aos

casos de substituição tributária, quando o chamado substituto tributário esteja localizado fora dos limites

territoriais do ente tributante.

Aplicação da legislação tributária

263. A regra geral é a de que a lei tributária aplica-se, imediatamente, aos fatos geradores futuros e aos

fatos geradores pendentes (art. 105 do CTN). Tem-se, aqui, aplicação do princípio da irretroatividade.

Com relação, porém, aos fatos geradores pendentes (vale dizer, as situações que se iniciaram sob a

vigência da lei antiga e serão concluídas já sob a vigência da lei nova), há grande controvérsia sobre o

chamado fato gerador periódico, que se configura em determinado período de tempo (v.g., o exercício

financeiro, para o Imposto de Renda). Quando do estudo do fato gerador, o tema será retomado.

264. O art. 106 do CTN disciplina hipóteses de aplicação retroativa das leis tributárias, que se dá,

basicamente, em duas situações: leis interpretativas e leis que excluem penalidades.

Lei expressamente interpretativa

265. O CTN afirma que, em qualquer caso, se aplica retroativamente a lei interpretativa, excluindo-se

apenas a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados (art. 106, I). O dispositivo é

muito criticado, porque, ante o princípio constitucional da irretroatividade, ou a lei interpretativa inova o

ordenamento jurídico (e, nesse caso, não pode ser aplicada retroativamente), ou não inova nada, sendo

inútil sua edição (Luciano Amaro). Na prática, tem-se pouca utilidade, dada a resistência criada à

chamada lei interpretativa.

Exemplo recente veio na Lei Complementar 118/2005, cujo art. 3º deu interpretação ao art. 168, I,

do CTN, sendo, pois, lei expressamente interpretativa. O STJ entendeu, todavia, que esta lei

interpretativa não produziria efeito retroativo, visto que a interpretação dada divergia daquela adotada

pelo STJ, de tal forma que, ao invés de interpretar, a LC 118/05 teria inovado, não podendo, por isso, ser

retroativa (EREsp. 327.042, Rel. Min. João Otávio Noronha). Este entendimento, em última análise, torna

inútil a regra do art. 106, I, do CTN, malgrado o tema ainda deva ser analisado pelo STF.

Retroatividade benigna

266. De outro lado, à semelhança do Direito Penal, também o Direito Tributário prevê a aplicação

retroativa da norma jurídica que:

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a) deixa de definir determinado fato como infração (art. 106, II, a);

b) deixa de tratar o fato como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não

haja fraude e não tenha havido falta de pagamento do tributo (art. 106, II, b);

c) comina penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática (art. 106,

II, c).

267. A aplicação retroativa, nestes casos, se dá apenas enquanto não haja ―ato não definitivamente

julgado‖. Para Aliomar Baleeiro, esta definitividade compreende o julgamento administrativo e o

judicial. Interpretando-se ―a contrario sensu‖ o inciso II do art. 106 do CTN, conclui-se que se o ato já

tiver sido definitivamente julgado, não há aplicação retroativa (ao contrário do Direito Penal, em que a

retroatividade se dá ainda quando haja trânsito em julgado – art. 2º, parágrafo único, Código Penal, e art.

5º, XL, Constituição Federal). Aliomar Baleeiro, sem explicar, afirma que a ―interpretação‖ do art. 2º do

CP ―é aplicável às letras a e c do art. 106, nº II‖.

Alguns autores afirmam que as letras a e b dizem a mesma coisa (Paulo de Barros Carvalho; Hugo

de Brito Machado); outros entendem que a letra b aplica-se às chamadas obrigações acessórias (Eros

Grau).

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8º Ponto: Interpretação e Integração da Legislação Tributária

Regras e métodos gerais de interpretação jurídica

Regras específicas do CTN

Institutos, conceitos e formas de Direito Privado

Interpretação econômica

268. As dificuldades da interpretação da legislação tributária são idênticas às das demais normas

jurídicas. A afirmação de que o intérprete não cria, não inova, mas apenas declara o significado e o

alcance do mandamento legal (Hugo de Brito Machado), é alvo de muita polêmica, no plano da Teoria

Geral do Direito.

269. Nos termos em que empregada pelo CTN, a interpretação deve ser confrontada com a integração,

que ocorre quando não existe norma expressa e específica para o caso que se tem de resolver (Hugo de

Brito Machado). Este o sentido do art. 108 do CTN, que faz escala hierárquica dos instrumentos a ser

empregados, ―na ausência de disposição expressa‖:

a) analogia;

b) princípios gerais de direito tributário;

c) princípios gerais de direito público; e

d) eqüidade.

Luciano Amaro afirma não haver fundamento para esta escala hierárquica, até porque os

princípios constitucionais se impõem sobre todo o ordenamento jurídico. Misabel Derzi afirma que esta

hierarquia obriga apenas os agentes fiscais, não o Judiciário, que se pode valer do critério que julgar mais

acertado.

270. Dos métodos de integração previstos no CTN, assinale-se:

a) que a analogia é a aplicação, a um determinado caso, da previsão normativa que foi feita para

caso semelhante (análogo) – ―ubi eadem ratio, eadem jus‖ (onde houver a mesma razão, deve haver o

mesmo direito);

b) princípios gerais de direito tributário são aqueles previstos na Constituição Federal, explícita ou

implicitamente (Hugo de Brito Machado);

c) princípios gerais de direito público: também referidos, explícita ou implicitamente, na

Constituição, como o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, o princípio da boa-

fé, o princípio da indisponibilidade do interesse público, entre outros.

d) eqüidade, definida – vagamente – como a justiça no caso concreto (Hugo de Brito Machado).

Para Luciano Amaro, a eqüidade atua nos casos de vazios axiológicos, corrigindo, por assim dizer, a

aplicação da lei que, diante de situações peculiares, pode acarretar resultado inverso àquele pretendido

pela norma legal.

271. Ainda sobre a integração, ressalve-se:

a) não se pode exigir tributo por analogia, isto é, a analogia não justifica a exigência de tributo não

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previsto em lei (art. 108, § 1º);

b) a eqüidade não pode dispensar o pagamento do tributo devido (art. 108, § 2º).

Estas ressalvas acabam por limitar o âmbito de aplicação da analogia e da eqüidade, no direito

tributário.

Regras e métodos gerais de interpretação jurídica

272. A doutrina cogita dos métodos de interpretação, quais sejam, segundo Hugo de Brito Machado: a)

interpretação gramatical (ou literal); b) interpretação histórica; c) interpretação sistemática; d)

interpretação teleológica.

273. Luciano Amaro acrescenta que, quanto ao resultado, a interpretação pode ser: a) extensiva

(aumenta o alcance da norma, para incluir situações que, literalmente, não estariam nela abrangidas; b)

restritiva (o processo inverso, diminuindo o alcance da norma para retirar situações que, literalmente,

estariam nela abrangidas); c) estrita (não se acresce, nem se diminui nada).

Regras específicas do CTN

274. O art. 111 prevê hipóteses em que a interpretação deve ser literal:

a) normas tributárias sobre suspensão (v.g., moratória, depósito, recurso administrativo,

parcelamento, liminar em mandado de segurança) ou exclusão do crédito tributário (v.g., isenção e

anistia);

b) outorga de isenção;

c) dispensa do cumprimento de obrigações acessórias.

A doutrina afirma que a hipótese b está contida na a, visto que, pelo CTN, a isenção é espécie de

exclusão do crédito tributário (Hugo de Brito Machado). A justificativa para esta exigência do CTN está

no fato de que as hipóteses mencionadas já são exceções, que não devem ser ampliadas (o resultado da

interpretação deve ser estrito, segundo Hugo de Brito Machado).

275. Já o art. 112 cuida da interpretação benigna, à semelhança do que ocorre no Direito Penal (―in

dubio pro reo‖). Assim, a interpretação da lei tributária que define infrações ou impõe penalidades deve

ser mais favorável ao réu, sempre que houver dúvida:

a) quanto à capitulação legal do fato;

b) à natureza, às circunstâncias materiais do fato ou à natureza ou à extensão dos seus efeitos;

c) à autoria, à imputabilidade, ou à punibilidade;

d) à natureza da penalidade ou à sua graduação.

Para Luciano Amaro, a aplicação deste dispositivo deve ser ampla, razão pela qual, qualquer que

seja a dúvida, sobre a interpretação da lei punitiva ou sobre a valorização dos fatos concretos

efetivamente ocorridos, a solução há de ser a mais favorável ao acusado. Não me parece pertinente,

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porém, aplicar as regras do art. 112 do CTN quando há dúvida sobre outros aspectos das normas

tributárias (v.g., configuração ou não do fato gerador), porque a doutrina rechaça a aplicação de princípios

como em dúvida, interpreta-se em favor do contribuinte, ou, em dúvida, interpreta-se em favor do fisco.

Institutos, conceitos e formas de Direito Privado

276. O direito tributário é dito direito de sobreposição, porque suas normas supõem (ou pressupõem)

regras e conceitos de outros ramos do direito. Os impostos, por exemplo, incidem sobre a propriedade,

sobre a transmissão de bens imóveis, conceitos tipicamente de direito privado. Há, portanto, inevitáveis (e

complicados) contatos entre o direito tributário e o direito privado (e também com outros ramos do

direito).

277. O CTN tenta destrinçar o tema, e os arts. 109 e 110, que dele cuidam são muito polêmicos.

278. De modo sucinto, o art. 109 do CTN admite que a determinação dos efeitos tributários do

institutos, conceitos e formas de direito tributário possam ser fixados pela legislação tributária. Assim,

segundo Hugo de Brito Machado, se determinado conceito de direito privado não for adequado aos fins

do Direito Tributário, o legislador pode adaptá-lo. Aliomar Baleeiro exemplifica, dizendo que a quitação

(conceito de direito privado), no Direito Tributário, é dada sob ressalva implícita de revisão do crédito

tributário.

Hugo de Brito Machado ainda ressalva que o art. 109 do CTN menciona os princípios gerais de

direito privado, os quais não interfeririam nos efeitos tributários dos institutos, conceitos e formas de

direito privado; no seu entendimento, porém, as regras de direito privado interfeririam, sim, nos efeitos

tributários, não podendo ser modificados.

279. O art. 110 do CTN, por outro lado, proíbe qualquer alteração dos institutos, conceitos e formas de

direito privado, nas hipóteses em que eles foram utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição

(Federal, Estadual) ou Leis Orgânicas Municipais, para definir ou limitar competências tributárias. A

idéia é a de que o legislador não poderia alterar o conceito de propriedade, por exemplo, empregado pela

Constituição Federal, porque esta alteração afetaria a própria distribuição da competência tributária (que é

constitucional).

280. Dito de outra forma, conceitos, institutos e formas de direito privado empregados pela norma

constitucional, para definir as competências tributárias, não poderiam ser alterados pelo legislador

tributário, o qual, entretanto, poderia alterar os efeitos tributários de tais conceitos, institutos e formas.

281. Em minha opinião, não deve supor que as normas tributárias, insertas no corpo da Constituição ou

contidas nas normas infraconstitucionais, sejam objeto de normas próprias de interpretação, visto que o

direito tributário é também direito. O que o CTN quis fazer foi criar um sistema próprio de interpretação

de normas tributárias, mas não conseguiu.

Veja, nesse tom, o art. 110 do CTN, que conduz a um impasse lógico, ao menos no plano do

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direito constitucional. Realmente, se a Constituição é a origem do ordenamento positivo, não existem

institutos, conceitos e formas de direito privado que tenham sido por ela empregados, ao definir as

competências tributárias, porque o direito privado vai nascer a partir da Constituição (após sua

promulgação). Juridicamente, pois, todas as normas jurídicas são posteriores à Constituição (daí porque

se cogita, no direito constitucional, do princípio da recepção), de modo que, ao definir as competências

tributárias, o constituinte não poderia ter considerado conceitos, institutos ou formas de direito privado.

Chega-se, então, a uma encruzilhada insuperável, a partir de aplicação literal dos arts. 109 e 110

do CTN: ou a legislação infraconstitucional vai poder alterar os institutos, conceitos e formas de direito

privado (o que diminui a força normativa da própria Constituição), ou a Constituição vai ser interpretada

a partir do que se contém naquela legislação (o que igualmente diminui a força normativa da

Constituição).

O tema, em regra, é tratado literalmente pela doutrina, sem maior atenção para as conexões que

existem entre o Direito Constitucional e o Direito Tributário.

Interpretação econômica

282. Ainda sobre a interpretação no direito tributário, há muita discussão sobre a teoria da

interpretação econômica do direito tributário. Observe-se que o tema será retomado no exame do fato

gerador e da norma antielisiva (art. 116 do CTN).

283. Há autores que afirmam ter o CTN, no art. 109, adotado a chamada interpretação econômica (Luiz

Emygdio F. da Rosa Jr.). A maioria, porém, nega peremptoriamente esta adoção, invocando a norma

posta no art. 110 do mesmo CTN. Baleeiro aduz que o CTN se apresenta tímido quanto à interpretação

econômica – insinua-a, mas não a erige em princípio básico.

284. A interpretação econômica vem do Direito alemão (estando muito vinculada ao período nazista, o

que aumenta o tom das críticas), apregoando que a lei tributária, quando elege determinada situação

(jurídica) como fato gerador, tem em mira a relação econômica subjacente que esta situação traduz. O

conteúdo econômico deveria prevalecer sobre a fórmula jurídica. A questão é muito polêmica, e envolve,

ao final, postura ideológica (visão mais fiscalista ou menos fiscalista).

285. O CTN, no mencionado art. 110, parece ter afastado a interpretação econômica, fazendo

prevalecer o significado jurídico das expressões empregadas pela Constituição Federal. Repito, porém,

que em minha opinião o art. 110 do CTN não resolve muita coisa, na medida em que não se pode adotar,

sem maiores preocupações, a afirmação de que a norma constitucional deva ser interpretada pelas leis

ordinárias que, antes da vigência da própria Constituição, definiram conceitos, institutos e formas de

direito privado.

286. Mais recentemente, a LC 104/2001 acrescentou parágrafo único ao art. 116 do CTN, que cuida do

fato gerador, e previu a possibilidade de a autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios

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jurídicos com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos

elementos constitutivos da obrigação tributária. Esta norma, alvo também de acalorada discussão

doutrinária, teria consagrado, para grande número de autores, a interpretação econômica no direito

tributário brasileiro. O tema será aprofundado no momento de se estudar a norma geral antielisão.

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9º Ponto: Norma tributária. Estrutura.

Aspectos da norma tributária (destaque: base de cálculo e alíquotas)

Relação jurídica tributária.

Obrigação tributária no CTN

Fato gerador no CTN

Fato gerador presumido

Norma antielisão e interpretação econômica

Norma tributária. Estrutura

287. A norma jurídica tributária é tema de vários trabalhos, mas ela, a não ser pelo seu conteúdo, em

nada se distingue da norma jurídica civil, ou comercial, ou trabalhista, etc.

288. Estruturalmente, a norma jurídica assume, em regra, a seguinte feição:

HIPÓTESE (ou DESCRITOR) CONSEQÜÊNCIA (ou PRESCRITOR)

(dever ser)

289. Assim, a norma jurídica tributária, aqui considerada, é típica norma de conduta, espécie que tem a

seguinte estrutura:

Se ‗X‘, deve ser ‗Y‘ (sendo X a hipótese que, se ocorrida, provoca a conseqüência Y)

290. Observe-se que, muitas vezes, atreladas às normas de conduta, vêm as normas sancionantes, que,

no exemplo citado, podem assim ser resumidas:

Se não for ‗Y‘, deve ser ‗Z‘ sendo Y a conseqüência que, em sendo descumprida, acarreta a aplicação da

sanção Z.

291. Além das normas de conduta e das normas sancionantes, a doutrina (Norberto Bobbio) aponta:

a) normas organizatórias (que instituem os órgãos do Estado, as instituições, as pessoas, etc.);

b) normas de competência (que atribuem potestades àqueles órgãos, instituições, etc.);

c) normas técnicas (que estabelecem procedimentos ou formas para a o exercício de direitos e

deveres, como votar, como ajuizar ação, como editar uma lei, etc.).

292. Aqui, a referência à norma tributária deve ser compreendida como referência à norma (regra) de

conduta, muito embora, no plano tributário, também haja normas (regras) de organização, de

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competência, técnicas e sancionantes. Esta norma (regra) tributária pode também ser assim

esquematizada:

FATO GERADOR (hipótese) OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA (conseqüência)

(dever ser)

293. Confira-se, a esse respeito, o art. 114 do CTN, segundo o qual fato gerador da obrigação

principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. E o § 1º do art. 113

do CTN, complementando esta definição, afirma que a obrigação principal surge com a ocorrência do

fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo.

294. Normalmente, emprega-se a expressão fato gerador, embora ela seja muito criticada, por retratar

duas situações distintas, quais sejam:

a) a previsão abstrata, teórica, contida na lei tributária; e

b) a situação concreta, real, decorrente da incidência da norma tributária.

295. Geraldo Ataliba, para distinguir estas situações, propôs a adoção da seguinte nomenclatura:

a) hipótese de incidência, que seria aquela previsão abstrata contida na lei; e

b) fato imponível, que seria a situação concretamente ocorrida no plano real.

Hugo de Brito Machado adota esta orientação, embora opte pela expressão fato gerador no lugar

de fato imponível.

Aspectos da norma tributária (destaque: base de cálculo e alíquotas)

296. Doutrinariamente, Geraldo Ataliba aponta vários aspectos da hipótese de incidência, que

formariam um todo unitário, mas que poderiam ser destacados, para fins de melhor compreensão

(didática) da norma tributária. Estes aspectos seriam:

a) aspecto material – que vem a ser a ação ou o estado que constitui o núcleo da hipótese, e quase

sempre se manifestar por um verbo (ser proprietário, ou ter renda, etc.); é muito comum confundir-se o

aspecto material com o próprio fato gerador, tal a importância que aquele aspecto assume na

configuração do tributo;

b) aspecto espacial – que indica as coordenadas de espaço (Município, Estado, etc.);

c) aspecto temporal – que indica as coordenadas de tempo (1º de janeiro, saída da mercadoria,

etc.);

d) aspecto pessoal – que indica os sujeitos (quem deve pagar e a quem deve pagar);

e) aspecto quantitativo – o que ou quanto pagar (base de cálculo e alíquotas).

297. Paulo de Barros Carvalho distingue estes vários aspectos (que ele chama de critérios), a saber:

a) na hipótese, estão os aspectos: material; espacial; e temporal

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b) na conseqüência, os aspectos: subjetivo e quantitativo

Sacha discorda, entendendo que o aspecto subjetivo também se aloja na hipótese, e não na

conseqüência. Esta divergência teórica conduz, em algumas questões específicas, a conclusões

divergentes, notadamente no que tange à configuração, ou não, da obrigação tributária.

298. Destaque-se, nesse ponto, o aspecto quantitativo da norma tributária.

Em regra, o valor do tributo não é fixado de forma fixa. Vários autores, aliás, questionam a

constitucionalidade de eventual tributo fixo, por entender que ele violaria o princípio da capacidade

contributiva. Na prática, o valor fixo é muito empregado nas taxas, até porque, nesse caso, não haveria

ofensa à capacidade contributiva, por se tratar de tributo vinculado.

A fórmula mais adotada, contudo, é a variável, mediante a escolha de uma base de cálculo, sobre

a qual se aplica uma alíquota, como adiante explicado.

299. Base de cálculo, assim, é a grandeza instituída na conseqüência da regra-matriz tributária, e que

se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato

jurídico [fato gerador], para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação

pecuniária (Paulo de Barros Carvalho).

300. A doutrina dá grande importância à base de cálculo prevista na norma tributária, porque ela,

novamente com Paulo de Barros Carvalho, exerce três funções no campo tributário:

a) medir as proporções reais do fato tributável;

b) compor a específica determinação da dívida;

c) confirmar, infirmar ou afirmar a natureza específica do tributo.

301. Por isso, muitos autores complementam o art. 4º do CTN, para concluir que a natureza jurídica

específica do tributo é determinada pelo fato gerador (aspecto material) e pela base de cálculo. Misabel

Derzi acrescenta, a esse propósito, que a Constituição Federal de 1988 deu acentuada importância à base

de cálculo, que passou a ser utilizada também para distinguir o imposto da taxa (§ 1º do art. 145 da

Constituição Federal). Confira-se, ainda, Alfredo Becker, para quem o critério objetivo e jurídico para a

determinação da natureza jurídica (gênero e espécie) do tributo é a base de cálculo.

302. A respeito ainda do § 1o. do art. 145 da Constituição Federal, anote-se que o Supremo Tribunal

Federal o tem aplicado de forma restritiva, isto é, apenas em relação a taxas e impostos. Segundo o STF, a

Constituição Federal não vedaria que outras espécies tributárias (impostos e contribuições, especialmente)

tivessem base de cálculo idêntica (conforme RE 228.321-S, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, Informativo

STF 125). Segundo Leandro Paulsen, inexiste vedação a que se tenha identidade de fato gerador e base

de cálculo entre impostos e contribuições de seguridade social.

303. Observe-se, finalmente, que, segundo a Constituição Federal, com relação aos impostos ali

definidos, cabe à lei complementar definir as respectivas bases de cálculo, o que é feito no Livro I do

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CTN. Como exemplo, veja-se o art. 44, que define a base de cálculo do Imposto de Renda, ou o art. 33,

que define a base de cálculo do IPTU. O legislador ordinário (federal ou municipal, nos exemplos

citados) não pode se afastar destas definições contidas na lei complementar.

304. Alíquota: em regra, é o percentual que deve incidir sobre a base de cálculo, estando prevista na

legislação que cria o tributo. Em várias situações (ICMS, ISSQN, IPVA), a Constituição Federal atribui

ao Senado Federal (por resolução) ou à lei complementar, a missão de fixar alíquotas mínimas ou

alíquotas máximas (por exemplo, art. 155, § 2o, inciso IV, da Constituição Federal, em relação ao ICMS;

art. 156, § 3o, I, da Constituição, em relação ao ISSQN).

Este tipo de alíquota (percentual) é denominado ―alíquota ‗ad valorem‘‖, distinguindo-se da

chamada alíquota específica, na qual se fixa determinado valor monetário por unidade de medida

(exemplo: R$ 5,00 por litro de combustível; R$ 2,00 por metro de tecido, técnica utilizada nos impostos

aduaneiros). A taxa judiciária, atualmente, também adota este método, fixando-se valores específicos para

determinadas faixas de valores de valor da causa (por exemplo, entre R$ 0,00 e R$ 50.000,00, a taxa é de

R$ 100,00), o que muitas vezes passa a impressão de se tratar de valor fixo, mas se trata de valor

específico variável conforme a base de cálculo adotada (valor da causa).

Relação jurídica tributária e obrigação tributária

305. Realizada, então, a hipótese da norma jurídica, surge uma relação jurídica, de natureza

obrigacional.

Relação jurídica é o vínculo por meio do qual se atribui a uma pessoa (em sentido jurídico) um

direito subjetivo e a correspondente imposição a outra pessoa de um dever ou de uma sujeição (Manuel

Domingues de Andrade).

A relação jurídica obrigacional, ou a obrigação, é a relação jurídica em que uma pessoa pode

exigir de outra uma prestação que satisfaz um interesse da primeira (Fernando Noronha). Há muitas

outras relações jurídicas, como a relação de paternidade, a relação de propriedade, que se distinguem da

obrigação (relação jurídica obrigacional).

306. A obrigação tributária (ou relação jurídica obrigacional tributária), segundo Sacha Calmon, é o

cerne do Direito Tributário, porque o objeto do Direito Tributário, portanto, é a relação jurídica que se

estabelece entre o Estado e as pessoas, tendo em vista o pagamento do tributo por estas últimas. A

obrigação tributária, assim, é a conseqüência da norma tributária, porque, configurada a hipótese da

norma tributária, instala-se, automática e infalivelmente, a relação jurídica que permite ao Estado

(credor) exigir do contribuinte (devedor) o pagamento do tributo (objeto).

307. Em novo esquema:

HIPÓTESE

(ser proprietário de imóvel, em Belo Horizonte, em 1º de janeiro)

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(dever ser)

CONSEQÜÊNCIA

(o Município/credor exigir do contribuinte/devedor o pagamento de x reais)

Ou, no plano tributário, a hipótese de incidência, quando ocorrida no mundo real, isto é, quando

deixa de ser abstrata e se concretiza, implica na seguinte situação:

FATO GERADOR

(hipótese)

(dever ser)

OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA (conseqüência)

Obrigação tributária no Código Tributário Nacional

308. Segundo o CTN (art. 113), a obrigação tributária classifica-se em:

a) obrigação principal – surge com a ocorrência do fato gerador, e tem por objeto o pagamento do

tributo ou de penalidade pecuniária;

b) obrigação acessória – prevista na legislação tributária (expressão ampla, conforme art. 96 do

CTN), e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação

ou fiscalização dos tributos.

309. O CTN é criticado por vários autores (Paulo de Barros Carvalho, Sacha Calmon e Luciano

Amaro), uma vez que, no § 1º do art. 113, assimilou a obrigação de pagar tributo com a obrigação de

pagar penalidade, sendo ambas integrantes do conceito de obrigação tributária principal. Sacha afirma

que a referência do mencionado § 1º às penalidades teve o objetivo, apenas, de dizer que a forma de

cobrança de ambos, tributo e penalidade, seria idêntica, conquanto sejam realidades jurídicas diversas.

310. Atenção para a idéia de obrigação tributária acessória (§ 2º do art. 113), que não se confunde

com a obrigação acessória do Direito Civil, a qual depende da obrigação dita principal. Muitos autores,

assim, optam por denominar de deveres formais ou deveres instrumentais as obrigações acessórias,

porque elas não dependem da obrigação principal (ver, por exemplo, o parágrafo único do art. 194 do

CTN).

A obrigação acessória, ao contrário da obrigação principal, não tem por objeto um ―dare‖, mas

um ―facere‖ ou ―non facere‖, isto é, não seria obrigação de dar, mas obrigação de fazer ou não fazer.

Exemplos: inscrever-se na repartição fiscal (CPF, CNPJ, etc.), emitir documentos fiscais, prestar

informações, escriturar livros fiscais, etc.

De resto, o CTN não cuidou de indicar, em relação à obrigação acessória, qual seria seu fato

gerador, mas percebe-se que ele não decorreria necessariamente da lei, mas da legislação tributária.

311. Finalmente, também o § 3º do art. 113 do CTN é alvo de várias críticas, uma vez que,

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teoricamente, não há conversão da obrigação acessória (de fazer ou não fazer) em obrigação principal (de

dar). Em verdade, o descumprimento da obrigação acessória (norma de conduta) é hipótese de uma outra

obrigação (norma sancionante), que impõe uma penalidade ao infrator.

Fato gerador no CTN

312. Os artigos 114 e 115 do CTN definem o fato gerador da obrigação principal e da obrigação

acessória, respectivamente. Fica expresso, assim, que o fato gerador é a hipótese que, se realizada, faz

surgir uma conseqüência, que é a obrigação tributária (principal ou acessória).

313. O artigo 116 do CTN define o aspecto temporal do fato gerador (ou o aspecto temporal da

hipótese da norma tributária), dizendo em que momento se considera ocorrido o fato gerador, em se

tratando de situações de fato (ver inciso I do art. 116), e em tratando de situação jurídica ou de direito (ver

inciso II do art. 116). Há, todavia, dificuldades em se apurar o que é situação de fato e de direito, como

aponta Hugo de Brito Machado. Como exemplo, se diz que a prestação de serviço seria situação de fato,

no caso do ISSQN, enquanto a propriedade, no caso do IPTU (ou a transmissão da propriedade, no caso

do ITBI), seria situação de direito.

314. Acrescente-se que, em se tratando de fato gerador que configure situação jurídica, o art. 117

regulamenta as hipóteses em que se tem ato ou negócio jurídico condicional. Ver incisos I e II do art.

117, segundo os quais, a condição suspensiva impede a configuração do fato gerador, ao passo que a

condição resolutiva implica na realização do fato gerador.

315. Doutrinariamente, ainda se faz distinção entre:

a) fato gerador instantâneo (aquele cujo aspecto material ocorre em um momento único, como na

saída da mercadoria, no caso do ICMS);

b) fato gerador periódico (aquele cujo aspecto material ocorre em um lapso de tempo determinado,

sendo exemplo típico o Imposto de Renda, apurado anualmente);

c) fato gerador continuado (aquele cujo aspecto material retrata uma situação jurídica, que

permanece no tempo, de modo que o legislador escolhe um momento para se considerar ocorrido o fato

gerador, como ocorre nos impostos sobre a propriedade, cujo fato gerador ocorre em 1º de janeiro, em

Belo Horizonte e Minas Gerais, por exemplo).

Paulo de Barros Carvalho entende ser irrelevante esta classificação, que nada acrescentaria de

importante, dado que, em relação a cada fato gerador, existiria um momento ou instante, escolhido pelo

legislador, para se ter como ocorrido o fato gerador (que, nesse sentido, sempre seria instantâneo).

318. O art. 118 do CTN afasta o efeito tributário da validade jurídica dos atos (jurídicos) praticados

pelos contribuintes, responsáveis ou terceiros, bem como dos efeitos ou natureza daqueles atos. Isso

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significa que, se o fato gerador do tributo é determinado ato ou negócio jurídico, como a alienação de

imóveis, a eventual anulação deste negócio jurídico não afetaria o fato gerador, que se consideraria já

ocorrido. Também a eventual ilicitude do negócio não afetaria o fato gerador da obrigação tributária.

Há controvérsia sobre esta orientação do CTN, dado que, para alguns autores (Hugo de Brito

Machado, Misabel Derzi), o Direito seria uno, não se podendo admitir que determinada situação seja

ilícita para o Direito Civil, ou Penal, etc., mas não seja para o Direito Tributário. Outros autores (Aliomar

Baleeiro) entendem que seriam premiar duplamente a ilicitude, caso não se tributasse aquele ato ilícito,

voltando-se, aqui, à pecúnia sobre a tributação do ilícito (―pecunia non olet‖).

319. Recorde-se, aqui, a tributação sobre fatos ilícitos, recomendando-se a leitura, no STF, do HC

77.530, 1a. Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, em que se asseverou que a exoneração tributária dos

resultados econômicos de fato criminoso – antes de ser corolário do princípio da moralidade – constitui

violação do princípio da isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética.

Anote-se que a discussão pode se tornar ainda mais interessante, deixando-se de lado argumentos

éticos, se se considerar, por exemplo, a anulação de um negócio jurídico que se constituiu em fato gerador

de obrigação tributária. Nesse caso, por força do art. 118 do CTN, nenhum efeito terá a anulação do

negócio jurídico.

Fato gerador presumido

320. Inovando no Direito Tributário, a EC 03/93 chancelou a substituição tributária para frente,

admitindo, no plano constitucional a cobrança de imposto, ainda quando não ocorrido o fato gerador do

tributo (art. 150, § 7o. da Constituição Federal, nos termos da EC nº 3, de 1993; no plano

infraconstitucional, já havia previsão anterior, objeto de muita discussão judiciária, que a EC 03/93

pretendeu resolver). Trata-se do assim chamado fato gerador presumido. Teoricamente, o art. 150, § 7º,

da Constituição Federal, destrói a estrutura da norma jurídica, porque a obrigação (conseqüência) surge

antes do fato gerador (hipótese).

Aqui, o rigor jurídico (ou a concepção teórica) cedeu diante da exigência prática, embora possa ser

buscada explicação teórica para o fenômeno: a ocorrência do fato gerador seria presumida (ou

condicional), surgindo deste fato gerador presumido a obrigação tributária. Posteriormente, caso não

confirmada a ocorrência do fato gerador (ou condição resolutiva), o valor pago deve ser devolvido.

321. Anote-se que o STF reconheceu, antes mesmo da EC 3/1993, a constitucionalidade da substituição

tributária para frente (v.g., RE 216.867-SP, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves), legitimando inclusive a

adoção da chamada base de cálculo presumida (ADIn. 1.851-AL, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves).

Quanto à validade da base de cálculo presumida, ou o direito do contribuinte a eventuais diferenças

decorrentes da adoção da substituição tributária, porém, não se tem ainda como pacificada a questão,

tendo sido retomada a questão, após o julgamento da ADIn. 1.851-AL, na ADIn. 2.777-SP, Pleno, cujo

julgamento ainda não se encerrou (estando indefinida a solução da questão).

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Norma antielisão e interpretação econômica

322. Destaque-se, ainda, o parágrafo único do art. 116 do CTN, acrescentado pela LC 104/2001.

Segundo esta norma, ―observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária‖, a

autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de

dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da

obrigação tributária.

Instalou-se grande polêmica doutrinária sobre o tema, para se definir a constitucionalidade do

dispositivo e o seu alcance, acaso constitucional. Trata-se, então, de norma antielisão fiscal, isto é,

instrumento para o Fisco tributar as situações consideradas sob o enfoque econômico, e não jurídico.

323. Volta-se, aqui, ao que se examinou sobre interpretação tributária, especialmente nos arts. 109 e

110 do CTN. Tanto a norma antielisão (parágrafo único do art. 116), quanto as normas sobre

interpretação (arts. 109 e 110), conduzem à chamada interpretação econômica.

A interpretação econômica, desenvolvida pela doutrina alemã, no início do Século XX (estando

muito vinculada ao período nazista, porque Enno Becker, um de seus principais autores, era vinculado ao

regime nazista), apregoa que a lei tributária, quando elege determinada situação (jurídica) como fato

gerador, tem em mira a relação econômica subjacente que esta situação traduz. O conteúdo econômico

deve, por isso, prevalecer sobre a fórmula jurídica.

Ao permitir, então, que a autoridade administrativa, ―observados os procedimentos a serem

estabelecidos em lei ordinária‖, desconsidere atos ou negócios jurídicos praticados, o CTN teria

realçado o conteúdo econômico, antes da fórmula jurídica.

324. Recomenda-se, para quem quiser aprofundar no tema, duas obras, com posições diferentes sobre o

assunto: Planejamento Tributário (Marco Aurélio Greco) e Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma

Antielisiva (Alberto Xavier). Há, também, mais recente, estudo do Prof. Sacha Calmon sobre o art. 116

do CTN.

325. Em minha opinião, o tema envolve a ponderação entre os princípios tributários relativos à

segurança jurídica e os princípios tributário relativos à justiça fiscal. Nesse contexto, a interpretação a

partir de critérios econômicos deve ser repensada, sim, tendo-se como vetor interpretativo o princípio da

capacidade econômica, de modo que formas jurídicas distintas, que traduzam capacidade econômica

equivalente, deveriam ser consideradas pela autoridade fiscal. É claro que a experiência histórica

brasileira provoca arrepios quando se considera a hipótese de se privilegiar o conteúdo econômico à

forma jurídica, mas este é um risco que se deve correr na busca por um sistema tributário mais justo.

326. É bem verdade que, para além das questões envolvendo princípios tributários, a norma geral

antielisão poderia ser questionada a partir do princípio da autonomia da vontade, de modo que o

contribuinte teria liberdade de contratar, optando – licitamente – pela forma jurídica que lhe for mais

conveniente, inclusive no que tange aos custos tributários. Este argumento, porém, mais fortalece do que

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enfraquece a norma geral antielisão, pois que a autonomia da vontade é cada vez mais constrangida, como

demonstram o Código de Defesa do Consumidor e as normas que regulam a concorrência.

327. Acrescente-se que o Código Civil realçou a causa dos negócios jurídicos, dispondo, no art. 166,

inciso III, ser nulo o negócio jurídico cujo motivo determinante, comum ambas as partes for ilícito, ou

tiver por objetivo fraudar lei imperativa (inciso VI). A causa (ou motivo) do negócio jurídico, em direito

civil, é apresentada como a função econômico-social daquele negócio jurídico (Moreira Alves; Humberto

Theodoro Júnior), de modo que a utilização de um negócio jurídico para fins diversos implicaria em

adotar-se motivo ilícito, sendo possível questionar, mesmo no âmbito civil, a validade daquele negócio

jurídico. Por que não questionar, também, os efeitos tributários?

328. Por outros termos, a discussão sobre a cláusula geral antielisiva é complexo, envolve questões

relativas à interpretação no direito tributário, e às relações entre direito tributário e direito privado,

devendo ser objeto de amplos debates teóricos, que não reduzam o tema a um maniqueísmo entre o bem e

o mal, ou entre o fisco e o contribuinte.

329. Por fim, anote-se que, tradicionalmente, distingue-se a elisão fiscal da evasão fiscal; esta, seria

medida ilícita, visando suprimir ou reduzir a incidência tributária, após a ocorrência do fato gerador; já

aquela, elisão, seria medida lícita, preventivamente adotada pelo contribuinte (antes, pois, da ocorrência

do fato gerador), de modo a reduzir ou evitar a tributação, no exercício da autonomia privada.

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10º Ponto: Aspecto subjetivo da obrigação tributária

Sujeito ativo: competência tributária e capacidade tributária

Sucessão de sujeitos ativos

Sujeito passivo: contribuinte e responsável tributário

Capacidade tributária passiva

Domicílio tributário

Contribuinte e solidariedade tributária

Responsabilidade tributária: sujeição passiva direta e indireta

Substituição tributária

Responsabilidade de sucessores

Responsabilidade de terceiros

Responsabilidade por infrações

Denúncia espontânea

Responsabilidade processual

330. Se o CTN precisa de uma reforma, certamente a parte dedicada à sujeição tributária

(especialmente a sujeição passiva) é a que primeiro deveria ser reformada.

Sujeito ativo: competência tributária e capacidade tributária

331. Segundo o CTN, sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da

competência para exigir o seu cumprimento (art. 119). Esta norma consagra a distinção entre

competência tributária (aptidão para instituir o tributo) da capacidade tributária ativa (aptidão para

cobrar o tributo).

A competência tributária, já se viu, é indelegável (art. 7º); mas a capacidade tributária é

delegável, porque o ente tributante pode atribuir ―as funções de arrecadar ou fiscalizar tributos‖ (art. 7º).

É o que geralmente ocorre nos tributos parafiscais.

Nesses casos, convém recordar, transferem-se também os privilégios e garantias próprias do ente

tributante (art. 7º, § 1º).

332. Doutrinariamente, discute-se se esta capacidade tributária ativa poderia ser delegada a pessoas

jurídicas de direito privado. Aliomar Baleeiro sustentava que não, mas os autores, atualmente, afirmam

que também poderia haver atribuição de capacidade tributária ativa a entidades privadas (Luciano

Amaro, Misabel Derzi e Paulo de Barros Carvalho). Argumenta-se que a própria Constituição admitiu, ao

prever a contribuição sindical (art. 8º, IV), que é cobrada por sindicatos, que são pessoas jurídicas de

direito privado.

333. O art. 120 do CTN cogita da hipótese de desmembramento territorial, afirmando, então, que,

salvo disposição em contrário, a pessoa constituída fica sub-rogada nos direitos da pessoa desmembrada,

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aplicando a legislação desta, até que a nova legislação entre em vigor.

Segundo Luciano Amaro, há, no art. 120, duas coisas distintas: sucessão e recepção legislativa.

Há críticas à previsão de sub-rogação, questionando-se a violação de direitos adquiridos do ente político

desmembrado (Marco Aurélio Greco). Na prática, a lei que desmembra trata do assunto, o que é admitido

pelo CTN (―salvo disposição de lei em contrário...‖).

334. Doutrinariamente, afirma-se que também há sub-rogação nos deveres (Rubens Gomes de Sousa e

Luciano Amaro). O tema não é tratado no CTN, mas a lógica jurídica impõe esta conclusão.

335. Há outras hipóteses, além do desmembramento, como, por exemplo, a fusão ou a incorporação,

nas quais deve ser feita aplicação analógica da regra do art. 120 (Luciano Amaro).

Sujeito passivo: contribuinte e responsável tributário

336. No pólo passivo da obrigação tributária (principal), o CTN distingue duas figuras (art. 121,

parágrafo único):

a) contribuinte (aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitua o fato

gerador);

b) responsável (aquele que, sem ser contribuinte, é incluído, por lei, no pólo passivo da

obrigação).

337. Contribuinte e responsável são, segundo o art. 121 do CTN, sujeitos passivos da obrigação

principal, isto é, pessoas obrigadas ao pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária.

338. O sujeito passivo da obrigação tributária acessória é a pessoa obrigada às prestações que são

objeto daquela obrigação. Repare-se que não apenas o contribuinte ou responsável serão sujeitos passivos

da obrigação acessória (conforme art. 194, parágrafo único, do CTN).

Capacidade tributária passiva

339. Observe-se que as convenções particulares, relativamente à responsabilidade pelo pagamento de

tributos (isto é, à sujeição passiva tributária) não podem ser invocadas contra o Fisco. O CTN, porém,

admite que a lei disponha de modo contrário (art. 123). Tem-se, aqui, exemplo da modificação dos efeitos

dos princípios de direito privado, tal como permitido pelo art. 109 do CTN.

340. O art. 126 do CTN é um desdobramento do art. 118 do CTN (Hugo de Brito Machado),

desvinculando a capacidade civil da capacidade tributária. Assim, a capacidade tributária passiva:

a) não depende da capacidade civil da pessoa natural;

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b) não depende de achar-se a pessoa natural sujeita a limitações civis, comerciais, profissionais, ou

mesmo da administração direta de seus bens; e

c) não depende de estar a pessoa jurídica regularmente constituída.

No plano do Direito Civil, os atos praticados por tais pessoas seriam nulos/anuláveis; no Direito

Tributário, porém, nenhuma importância têm estas peculiaridades.

Domicílio Tributário

341. O domicílio tributário não é, necessariamente, o domicílio civil. Tributariamente, vigoram as

seguintes regras:

a) o sujeito passivo pode escolher seu domicílio (art. 127 do CTN);

b) excepcionalmente, o Fisco pode recusar a escolha, quando impossibilite ou dificulte a

arrecadação ou a fiscalização do tributo (§ 2º do art. 127);

c) se o sujeito passivo não escolher, o CTN fixa critérios supletivos, a saber:

c.1) residência habitual ou centro habitual de atividade, no caso de pessoa natural;

c.2) sede ou lugar em que ocorreram os fatos que deram origem à obrigação, no caso de

pessoa jurídica de direito privado;

c.3) local em que há repartição, no território do ente tributante, no caso de pessoas jurídica

de direito público.

Solidariedade tributária passiva

342. O CTN cogita da solidariedade tributária (art. 124), dizendo:

a) que há solidariedade entre as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o

fato gerador da obrigação principal (inciso I);

b) que há solidariedade quando a lei expressamente designar (inciso II).

343. Sacha Calmon afirma que a solidariedade do inciso I do art. 124 é natural. Decorre do interesse

comum existente na situação de fato.

Para a maioria dos autores (Sacha, Luciano Amaro, Hugo de Brito Machado), este interesse

comum não precisa estar previsto na lei que disciplina cada imposto.Porém, na hipótese do inciso II, sem

lei específica, não haveria a solidariedade, ao contrário dos casos de solidariedade natural, hipótese do

inciso I, em que, havendo de fato o interesse comum, haveria a solidariedade (que decorreria, pois,

diretamente do CTN).

Hugo de Brito Machado observa que este interesse comum ainda deve ser interesse jurídico, isto

é, interesse que decorre de uma situação jurídica, como é o caso daquela que se estabelece entre os

cônjuges.

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344. Quanto à hipótese do inciso II, a doutrina tende a reconhecer limites à atuação do legislador, não

admitindo, em regra, que qualquer um possa ser solidariamente obrigado. Haveria, assim, necessidade de

exigir, ao menos, uma ligação indireta deste obrigado solidário com o fato gerador (Luciano Amaro,

Paulo de Barros Carvalho).

345. Efeitos da solidariedade tributária, segundo o CTN:

a) não comporta o beneficio de ordem (parágrafo único do art. 124);

b) em regra, o pagamento feito por um dos obrigados aproveita os demais (art. 125, I);

c) em regra, a isenção ou remissão exonera a todos os obrigados, salvo se concedidas em caráter

pessoal, hipótese em que remanesce a solidariedade dos demais quanto ao saldo (II); e

d) a interrupção da prescrição, contra ou em favor, prejudica ou beneficia a todos (III).

Responsabilidade tributária: sujeição passiva direta e indireta

346. Tradicionalmente (Rubens Gomes de Sousa, Hugo de Brito Machado), tem-se o seguinte esquema

doutrinário sobre a responsabilidade tributária:

direta: contribuinte

sujeição passiva

indireta responsável por substituição

por transferência

347. Sacha Calmon (dentre outros autores), propõe nova classificação, criticando as previsões do CTN.

O outro esquema seria o seguinte:

contribuinte

sujeição passiva direta substituto tributário do contribuinte

indireta por sucessão

por imputação legal (terceiros)

por assunção voluntária (garantes)

348. Segundo Sacha Calmon, na substituição tributária não haveria, propriamente, substituição, porque

a obrigação tributária já teria, em seu nascedouro, o substituto tributário como sujeito passivo. Não

haveria, assim, a substituição, entendida como saída do contribuinte e entrada do substituto

(responsável). Alfredo Augusto Becker, criticando a expressão substituição, diz que, se houvesse

propriamente substituição, seria ela pré-legislativa.

349. O CTN, como visto, distingue o contribuinte do responsável, sendo responsável quem não for

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contribuinte. Os responsáveis, ainda segundo o CTN, seriam:

a) sucessores (arts. 129 a 133);

b) terceiros (arts. 134 a 135); e

c) infratores (art. 136 a 138).

Já para parte da doutrina, a responsabilidade seria, como anotado no anterior, responsabilidade por

sucessão, por imputação legal ou por assunção voluntária, hipóteses adiante explicadas.

Substituição tributária (art. 128 do CTN)

350. Recorde-se a discussão doutrinária sobre ser a substituição tributária forma de sujeição passiva

indireta (Hugo de Brito Machado) ou direta (Sacha Calmon).

351. No plano do direito positivo, a substituição tributária deve estar prevista na lei que disciplina cada

tributo, sendo necessária a existência de relação (ao menos indireta) entre o substituto (terceira pessoa) e

o substituído (que seria o contribuinte). Esta relação deve existir para que o substituto possa se ressarcir

ante ao substituído, recuperando o que pagou.

O CTN admite que a legislação preveja: a) ou a exclusão completa da responsabilidade do

substituído; b) ou a exclusão parcial, podendo lhe ser atribuída responsabilidade supletiva pelo

cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Doutrinariamente, admite-se que a atribuição de responsabilidade tributária por substituição possa

ser parcial, porque, se se pode atribuir integralmente, poderia se atribuir parcialmente (Luciano Amaro).

352. A substituição tributária é muito utilizada, distinguindo-se, principalmente em relação ao ICMS, a

substituição para frente (em relação à qual se aplica o art. 150, § 7º, da Constituição Federal – fato

gerador presumido) da substituição para trás (o adquirente da mercadoria fica responsável pelo

pagamento do tributo que seria devido pelo vendedor).

353. Há controvérsia sobre a equiparação da retenção na fonte à substituição tributária. Para Hugo de

Brito Machado, a retenção na fonte seria espécie de substituição tributária; para outros autores, como

Sacha Calmon e Marco Aurélio Greco, há apenas a atribuição de uma obrigação acessória (dever de reter

– ―facere‖ – o tributo devido pelo contribuinte). Em minha opinião, a retenção na fonte pode ser qualquer

das duas situações, dependendo de sua regulamentação pela legislação específícia. No caso do IRPF, por

exemplo, as normas federais permitem a conclusão de que o retentor é verdadeiro substituto tributário,

que assume integralmente a responsabilidade pelo pagamento do tributo. A mesma situação se tem com

relação ao ISSQN (LC 116/03).

Responsabilidade dos sucessores

354. A responsabilidade dos sucessores alcança as obrigações tributárias surgidas até o momento em

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que ocorre a sucessão (art. 129 do CTN). Não importa a data de constituição do crédito tributário

(formalização), mas a data da ocorrência do fato gerador.

355. Regras relativas à responsabilidade dos sucessores, nos casos de impostos sobre bens imóveis

(IPTU e ITR), assim como taxas e contribuições de melhoria relativa a imóveis:

a) o comprador fica responsável pelos tributos devidos pelo vendedor (art. 130 do CTN), salvo se

constar do título de aquisição a prova da quitação. Hugo de Brito Machado afirma que este dispositivo

institui o tributo como ônus real.

b) no caso de imóvel adquirido em hasta pública, não há propriamente sucessão (apesar do que

dispõe o parágrafo único do art. 130 do CTN), pois que sub-rogação ocorreria sobre o respectivo preço

(na hipótese do ―caput‖, a sub-rogação se dá na pessoa dos respectivos adquirentes). Nestes casos, pois,

o credor tributário, e não o devedor, é quem recebe o preço pago pelo comprador, na hasta pública.

356. No caso de sucessão particular, especialmente aquisição e remissão (de bens móveis, porque, em

se tratando de imóveis, aplica-se a regra do art. 130 do CTN), o art. 131, I, do CTN dispõe que o

adquirente e o remitente são responsáveis pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos (por

exemplo, o IPVA incidente sobre o veículo alienado).

Na redação original do CTN (modificada pelo Decreto-lei 28/1966), acrescentava-se, na parte

final do referido inciso I, a expressão ―com inobservância do art. 191‖, que se refere à exigência de

certidão negativa de débitos tributários. Assim, ampliou-se a responsabilidade do adquirente, valendo

acrescentar que, para Hugo de Brito Machado, aplica-se analogicamente a regra contida no parágrafo

único do art. 130, relativa à aquisição em hasta pública.

Observação: remitente seria, aqui, aquele que faz a remição, isto é, ato de pagar a dívida e resgatar

um bem (Hugo de Brito Machado). Aliomar Baleeiro ainda distingue remissão/remitir/remitente (que é o

perdão da dívida – ato do credor) da remição/redimir.

357. Tratando-se de sucessão universal, aplicam-se as regras postas nos incisos II e III do art. 131 do

CTN, relativas à responsabilidade pelos tributos devidos pelo ―de cujus‖, que alcança os sucessores a

qualquer título (herdeiros, legatários, etc., conforme o Direito das Sucessões), inclusive o meeiro, embora,

tecnicamente, o meeiro (antes do Código Civil/2002) não fosse sucessor (hoje, em determinadas

situações, pode ser, conforme art. 1.829 do Código Civil).

Estes sucessores são responsáveis pelos tributos devidos pelo falecido até a data da partilha ou

adjudicação, embora limitada ao valor do quinhão, do legado ou da meação (inciso II do art. 131;

conferir, ainda, art. 1.792 do Código Civil).

O inciso III do art. 131 parece ter disposição parece repetir o inciso anterior. Segundo Luiz

Alberto Gurgel de Faria, a análise sistemática e teleológica dos dois dispositivos demonstra: a) que o

espólio seria responsável pelos tributos devidos pelo falecido, respondendo, ainda, pelos tributos surgidos

após o falecimento, mas antes da partilha; b) os herdeiros/meeiro apenas responderiam quando o espólio

não tivesse quitado tais tributos. Esta a regra, aliás, do Direito Civil (arts. 1.791 e 1.792).

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358. No caso de sucessão de pessoas jurídicas de direito privado, a regra geral é a de que a nova

pessoa jurídica (resultante de fusão, transformação ou incorporação) é responsável pelos tributos

devidos pela pessoa jurídica fundida, transformada ou incorporada (art. 132 do CTN).

O CTN não se refere à cisão, entendendo a doutrina que esta situação se encaixa na regra contida

no art. 133 do CTN (a seguir comentada).

Sacha observa que a transformação não seria hipótese propriamente de sucessão, porque haveria a

alteração, apenas, da roupagem jurídica (sociedade anônima, em vez de sociedade por cotas, por

exemplo).

A mesma regra do ―caput‖ do art. 132 do CTN se aplica quando a pessoa jurídica é extinta, mas

os sócios (ou seus sucessores) continuam a exploração da atividade por ela exercida, sob a mesma ou

outra razão social ou sob firma individual (parágrafo único do art. 132). Baleeiro fala, aqui, em

sobrevivência da unidade econômica.

359. O CTN cuida, especificamente, da responsabilidade (por sucessão) nos casos de aquisição de

fundo de comércio ou estabelecimento (art. 133 do CTN). Para alguns autores, o CTN cuida, aqui, da

hipótese de cisão, porque o fundo de comércio ou determinado estabelecimento é separado da pessoa

jurídica, passando a integrar o patrimônio de outra pessoa jurídica.

Veja-se, porém, a opinião divergente de Luciano Amaro, para quem, ante a omissão do CTN, a

responsabilidade tributária nos casos de cisão estaria disciplinada pela Lei das S/A (Lei 6.404/1976, art.

229 e art. 233).

No STJ, entendeu-se que a cisão seria uma das formas de sucessão empresarial, estando regulada,

pois, pelo CTN, nos termos dos arts. 132 e 133 (REsp. 970.585-RS, 1a Turma, Rel. Min José Delgado,

DJ, 7.4.080)

Em minha opinião, os casos de cisão podem ser enquadrados, sim, no art. 133 do CTN. Segundo

esta norma, em havendo alienação de estabelecimento:

a) há integral responsabilidade do adquirente, se o alienante cessar a exploração da atividade

(inciso I do art. 133);

b) há responsabilidade subsidiária do adquirente, se o alienante continuar a exploração da

atividade ou, no prazo de até seis meses contados da data da alienação, iniciar nova atividade, no mesmo

em outro ramo de negócios (inciso II).

Há discussão doutrinária para saber se integralmente, no art. 133, I, do CTN, quer dizer

exclusivamente ou solidariamente. Quanto à responsabilidade subsidiária, significa ela que, antes de

cobrar a dívida do adquirente, deve ser ela cobrada do alienante.

360. A LC 118/05 acrescentou os §§ 1º a 3º ao art. 133, tratando, especialmente, dos casos de

alienação judicial em processo de falência ou recuperação judicial.

A regra geral é a de que a aquisição, em processo de falência, ou a aquisição de filial ou unidade

produtiva, em processo de recuperação judicial, não implica em responsabilidade tributária do adquirente

(§ 1º do art. 133).

Esta regra geral não se aplica, porém, se o adquirente for sócio da sociedade falida ou em

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recuperação judicial, ou se for sócio de empresa controlada pelo falido ou em recuperação judicial (art.

133, § 2º, I). Também não se aplica se o adquirente for parente do devedor falido ou em recuperação

judicial (ou de qualquer dos seus sócios), nos termos do inciso II do referido § 2º do art. 133. Finalmente,

se o adquirente for considerado agente do falido, praticando o ato para fraudar a sucessão tributária, não

se aplica a regra do § 1º do art. 133 (inciso III do referido § 2º do art. 133 do CTN).

O § 3º do art. 133, outrossim, dispõe sobre o produto arrecadado com a alienação judicial da

empresa, filial ou unidade produtiva, vinculando-o ao pagamento, após ficar um ano depositado, ao

pagamento de créditos extraconcursais ou créditos que preferem ao tributário.

361. Há sucessão nas penalidades, ou apenas nos tributos? Em todas as hipóteses até aqui tratadas –

arts. 129 a 133 –, o CTN refere-se a tributos ou crédito tributário. Em outras passagens, o CTN refere-se

expressamente às multas (art. 134, parágrafo único, por exemplo).

Há mais tempo, o STF entendia que, ante a literalidade do CTN, não haveria sucessão nas multas

(RE 89.334-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Cunha Peixoto; ainda RTJ 69/211; 77/457; e 98/733). O STJ,

atualmente, entende que há transferência das penalidades, especialmente as meramente moratórias:

1. Os arts. 132 e 133, do CTN, impõem ao sucessor a responsabilidade integral tanto pelos

eventuais tributos devidos quanto pela multa decorrente, seja ela de caráter moratório ou punitivo.

2. A multa aplicada antes da sucessão se incorpora ao patrimônio do contribuinte, podendo ser

exigida do sucessor, sendo que, em qualquer hipótese, o sucedido permanece como responsável.

Portanto, é devida a multa, sem se fazer distinção se é de caráter moratório ou punitivo, visto ser ela

imposição decorrente do não pagamento do tributo na época do vencimento.

3. Na expressão "créditos tributários" estão incluídas as multas moratórias.

4. A empresa, quando chamada na qualidade de sucessora tributária, é responsável pelo tributo

declarado pela sucedida e não pago no vencimento, incluindo-se o valor da multa moratória.

5. Precedentes das 1ª e 2ª Turmas desta Corte Superior e do colendo STF‖ (REsp. 432.049-SC, 1ª

Turma, Rel. Min. José Delgado; ainda REsp. 499.147-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, com ampla

citação de outros precedentes do STJ).

362. Há, igualmente, divergências doutrinárias sobre a sucessão nas multas. Sacha distingue, por

exemplo, a situação dos herdeiros da pessoa natural (para quem não deveria haver transferência) e os

sucessores da pessoa jurídica (para quem a não transferência seria incentivo à fraude). Luciano Amaro

não admite, de modo geral, a responsabilidade por multas.

Responsabilidade de terceiros

363. O CTN, no art. 134, cogita da responsabilidade de terceiros, isto é, pessoas que, em virtude de

relações jurídicas (de direito civil, de direito comercial, etc.) que mantêm com contribuintes, são incluídas

no pólo passivo. É o caso de pais, tutores, curadores, inventariante, síndico, tabeliães e sócios, no caso de

liquidação de sociedade de pessoas (conferir incisos I a VII).

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Curso de Direito – 9º Período Professor: Carlos Victor Muzzi Filho

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364. Luciano Amaro, com razão, critica o fato de o CTN dizer que estes terceiros respondem

solidariamente (art. 134), visto que esta responsabilidade:

a) depende da impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo

contribuinte; e

b) depende de atos ou omissões daqueles terceiros, que impliquem no não pagamento do tributo.

Não haveria, assim, solidariedade, mas subsidiariedade, porque os terceiros somente poderiam ser

demandados em havendo aquela impossibilidade (Eduardo Marcial Ferreira Jardim).

365. Esta espécie de responsabilidade também alcança as penalidades moratórias, havendo, aqui,

expressa menção do CTN (parágrafo único do art. 134).

366. Já o art. 135 do CTN cogita da responsabilidade pessoal daquelas pessoas referidas no art. 134

(inciso I do art. 135), assim como de mandatários, prepostos, empregados, diretores, gerentes ou

representantes de pessoas jurídicas (incisos II e III). Entendem Aliomar Baleeiro e Luciano Amaro que,

nesse caso, se as pessoas referidas no art. 135 atuam com excesso de poderes ou infração de lei/contrato

social/estatutos, assumem elas o pólo passivo da obrigação tributária, afastando o contribuinte.

367. A disciplina que o CTN dá ao tema é, realmente, bastante confusa, tanto que Eduardo Marcial

Jardim vê identidade entre as hipóteses do art. 134 e do art. 135. Em qualquer delas, deveria haver

infração à ordem jurídica, exigindo-se do terceiro o cumprimento da obrigação tributária apenas ser for

impossível esta exigência diretamente do contribuinte.

Luciano Amaro entende que o excesso de poderes ou infração, cogitada no art. 135 do CTN, seria

algo mais do que o ato ou omissão a que se refere o art. 134. Para que a responsabilidade se desloque do

contribuinte para o terceiro, é preciso que o ato por este praticado escape totalmente das atribuições de

gestão ou administração, o que freqüentemente se dá em situações nas quais o representado ou

administrado é (no plano privado), assim como o Fisco (no plano público), vítima de ilicitude praticada

pelo representante ou administrador (Luciano Amaro). Sacha, em sentido semelhante, vê no art. 135 um

agravamento da previsão contida no anterior art. 134 do CTN.

368. O art. 135 não faz ressalvas quanto às penalidades, como faz o art. 134. Para Aliomar Baleeiro,

esta omissão significa que, ―a contrario sensu‖ abrange quaisquer penalidades e obrigações acessórias,

e não apenas as penalidades moratórias (parágrafo único do art. 134).

369. Luciano Amaro lembra outro caso de responsabilidade, de funcionário público, previsto no art.

208, equiparando-o à hipótese do art. 135 do CTN. Se o funcionário emite, dolosa ou fraudulentamente,

certidão negativa que contenha erro contra o Fisco, torna-se responsável pelo pagamento do tributo e

juros de mora.

370. Tema que desperta muita polêmica é o relativo à responsabilidade de sócios. Apesar da confusão

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que existe acerca do art. 135 do CTN, atualmente, e resumidamente, pode se dizer que, no plano

jurisprudencial, para se configurar a responsabilidade do sócio:

a) exige-se a prática de ato contrário ao direito, que seja praticado pelo sócio-gerente (e não sócio

meramente cotista, a não ser que este cotista seja, de fato, o gerente), não bastando, então, a

inadimplência da empresa (dentre os atos contrários ao direito, o mais comum seria a dissolução irregular

ou extinção de fato da sociedade, o que permitiria presumir que os bens da empresa foram apropriados

pelos sócios – dilapidação patrimonial); e

b) esta responsabilidade seria subsidiária, isto é, apenas quando não fosse possível exigir o

pagamento do contribuinte, exigir-se-ia tal pagamento do responsável. Não haveria, de todo modo,

impedimento na manutenção também da responsabilidade da empresa, contrariando o que a doutrina

afirma, a respeito do art. 135 do CTN (ver item nº 36, ―retro‖).

371. A posição jurisprudencial difere bastante da posição doutrinária, sendo evidente, em minha

opinião, a edição de normas que dêem novo tratamento à responsabilidade tributária. Tal como tratada,

hoje, as perplexidades que surgem no estudo mais aprofundado do tema são inevitáveis. Recomenda-se,

sobre o tema, a obra do Prof. Antônio Carlos Murta, sobre a responsabilidade dos sócios nas sociedades

de responsabilidade limitada. E, no estudo do processo de execução fiscal, a questão ainda será retomada.

372. Acrescente-se, por fim, que a LC 123/2006, Lei do Simples Nacional, introduziu nova espécie de

responsabilidade tributária. Segundo o art. 9o, as baixas das micro e pequenas empresas ocorrerão

―independentemente da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas‖, o que

não prejudica a imputação de responsabilidade aos sócios ou aos administradores.

Responsabilidade por infrações

372. O CTN ainda cogita de responsabilidade por infrações, sendo que Luciano Amaro critica a

inclusão deste tópico no capítulo da sujeição passiva. Para ele, o CTN se utiliza do termo

responsabilidade com os mais variados sentidos, o que provoca muita confusão. Baleeiro esclarece que o

art. 137 refere-se à responsabilidade pelas infrações (multas), o que não afasta a responsabilidade do

contribuinte pelo tributo devido.

373. Em regra, a responsabilidade por infrações tributárias é objetiva (art. 136), não dependendo da

intenção do agente/responsável, da efetividade, natureza ou extensão dos atos. Sacha elogia o dispositivo

(embora os doutrinadores, em geral, o critiquem), ressalvando que a regra comporta temperamentos: a)

seja pela lei específica (―salvo disposição de lei em contrário‖); b) seja pelo emprego da eqüidade (art.

108 do CTN).

A responsabilidade objetiva se justifica, ainda, porque o direito tributário lida muito com a

responsabilidade de pessoas jurídicas, sendo espinhosa, então, discussão sobre dolo da pessoa jurídica na

prática de infração. Para simplificar, adota-se a responsabilidade objetiva.

Baleeiro, porém, lembra casos em que o STF, ante a boa-fé do contribuinte, cancelou penalidades

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aplicadas pelo Fisco.

375. O art. 137 atribui, então, responsabilidade pessoal ao agente (isto é, aquele que, mesmo não sendo

contribuinte, pratica o ato, representando terceiro), nos seguintes casos:

a) inciso I – quando o ato praticado for definido como crime tributário (a não ser que ele esteja

cumprindo ordens, hipótese na qual a responsabilidade será do mandante);

b) inciso II – quando a infração exija o chamado dolo específico (também dito dolo de resultado,

isto é, vontade de obter um determinado resultado com a ação realizada – Luciano Amaro);

c) inciso III – quando a infração tenha sido praticada também contra aqueles que são

representados pelo agente que, com dolo específico, atua de forma contrária ao direito.

Denúncia espontânea

376. O art. 138 exclui a penalidade, quando o contribuinte/responsável, antes de qualquer

procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionada com a infração (parágrafo único do

art. 138), comunica a infração (denúncia espontânea) e efetua o pagamento do tributo. É a chamada

denúncia espontânea.

Quando o próprio contribuinte/responsável deve calcular o tributo (lançamento por

homologação), o CTN exige o pagamento do tributo devido e juros de mora; quando o tributo deve ser

calculado pelo Fisco (lançamento de ofício), o contribuinte deve aguardar o cálculo a ser feito pela

repartição fiscal.

377. O antigo Tribunal Federal de Recursos havia sumulado que, para se configurar a denúncia

espontânea, necessário era o pagamento integral do crédito, não bastando o mero parcelamento (Súmula

208). O Superior Tribunal de Justiça, após muitas idas e vindas, parece ter referendado a orientação do

TFR, de modo que, para haver denúncia espontânea, não bastaria o parcelamento do débito, mas o seu

integral pagamento. O tema foi tratado pela LC 104/01, que tratou do tema no art. 155-A, § 1º.

Responsabilidade de índole processual

378. Em minha opinião, além dos casos previstos no CTN, legislação processual prevê hipóteses de

responsabilidade, que complementam os casos tratados na lei tributária. Assim, por exemplo, o art. 568 do

CPC (que faz alusão ao responsável tributário, assim definido na legislação própria – inciso V) e o art.

4º da Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/80).