apostila cv 2009

158
Alunos e ex-alunos do programa de Pós- graduação em Psicobiologia IX Curso de Verão em Psicobiologia Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP Departamento de Psicobiologia – 2009

Upload: marcus-vinicius-alves

Post on 25-Nov-2015

262 views

Category:

Documents


15 download

TRANSCRIPT

  • Alunos e ex-alunos do programa de Ps-graduao em Psicobiologia

    IX Curso de Vero em Psicobiologia

    Universidade Federal de So Paulo UNIFESP Departamento de Psicobiologia 2009

  • Como citar: Curso de Vero em Psicobiologia. Apostila do IX Curso de Vero em Psicobiologia. So Paulo: UNIFESP; 2009

  • Coordenadores dos Mdulos Psicologia Experimental - Aline da Costa Soeiro Neurofisiologia - Ricardo T. Mazzeo Neuroanatomia - Ricardo T. Mazzeo Psicofarmacologia - Marna Eliana Sakalem Dependncia - Luciana Abeid, Tatiana Amato e Tharcila Chaves Plantas Medicinais e o SN C- Nayara Begalli Scalco Vieira Transtorno de Humor - Fernanda Armani Estresse e Ansiedade - Giovana C. de Macedo Memria e Aprendizagem - Juliana Carlota K. Soares Neuropsicologia - Carolina Mattar J. Toledo Piza e Thiago S. Rivero Biologia do Sono Francieli Ruiz da Silva Exerccio Fsico Psicobiolgia - Valter Antonio Rocha Viana Neurofisiologia - Karin Di Monteiro Moreira Neuroanatomia - Dr. Tatiana Lima Ferreira Psicofarmacologia - Dr. Paula Ayako Tiba Dependncia - Dr. Ana Regina Noto e Dr. Zila M Sanchez Transtorno de Humor - Dr. Jos Carlos Galdurz Estresse e Ansiedade - Dr. Deborah Suchecki e Dr. Ricardo Tabach Neuropsicologia - Camila Cruz Rodrigues e Ivanda S Silva Tudesco Biologia do Sono -Dr. Monica Levy Andersen Coordenao Geral Aline da Costa Soeiro Ricardo Teixeira Mazzeo Professores Responsveis Dr. Jos Carlos Galdurz Dra. Monica Levy Andersen Agradecimentos Ao Magnfico Reitor pro tempore: Marcos Pacheco de Toledo Ferraz Profa. Dra. Maria Lucia O. de S. Formigoni, chefe da Ps Graduao Profa. Dra. Maria Gabriela Meneses de Oliveira, chefe do Departamento de Psicobiologia Aos Professores do Departamento de Psicobiologia Aos funcionrios do Departamento de Psicobiologia A apostila de autoria dos alunos e ex-alunos de ps graduao do departamento de

    psicobiologia

  • PREFCIO Este o IX Curso de Vero em Psicobiologia organizado pelos alunos de Ps-Graduao do Departamento de Psicobiologia da UNIFESP. Possibilitar aos alunos o contato com os mtodos experimentais e com a prtica acadmica.

    Traar a histria da Psicobiologia com preciso no fcil. As idias iniciais provavelmente vm da obra de Descartes. O seu De Homine (1633) foi o primeiro ensaio do mundo sobre a Psicologia Fisiolgica e descreve sobre o mecanismo da reao automtica como resposta a estmulos externos, tornando-se a primeira explicao do interacionismo mente/corpo ou teoria do reflexo.

    Wilhelm Wundt (1879), mdico alemo, fundador da psicologia como disciplina acadmica inaugurou o primeiro laboratrio experimental de Psicobiologia em Leipzig. William James (1878), mdico americano pioneiro da psicologia cientfica ministrou entre 1875-1876 seu primeiro curso intitulado As relaes entre a Fisiologia e a Psicologia, tornando-se Harvard, a primeira universidade americana a trabalhar com a psicologia experimental.

    Em 1914, Knight Dunlap, psiclogo da John Hopkins publicou seu livro An Outline of Psychobiology (Um esboo da Psicobiologia) que um livro sobre a psicologia fisiolgica. Alm disso, Dunlap fundou e foi o editor chefe do peridico Psychobiology que teve apenas dois volumes entre 1917 e 1920. No editorial escreveu: Psychobiology foi criada para a publicao de pesquisas referentes interconexo entre as funes mentais e fisiolgicas. Ela incluir em seus volumes no apenas a investigao do que s vezes chamado de Fisiologia Psicolgica, mas tambm estudos de Farmacologia, Fisiologia, Anatomia, Neurologia e Psiquiatria, medida que os resultados desses estudos tenham relao explcita no problema da vida mental ou que os fatores mentais estejam includos nas condies essenciais da investigao (Dunlap 1917, p.1).

    Adolf Meyer (1866-1950) psiquiatra suo props a Psicobiologia como uma abordagem holstica que funcionaria para integrar os fatores sociais, biolgicos e psicolgicos. O processo teraputico psiquitrico comeava com uma histria completa da vida para se considerar a pessoa como um todo, num ambiente total. Era uma abordagem dinmica, funcional e pluralista.

    Portanto, a Psicobiologia consiste no estudo sobre as bases biolgicas do comportamento e , em grande parte, contribuio multidisciplinar de pesquisas em numerosas disciplinas, como a etologia, psicologia, neurologia, neurofisiologia, bioqumica, endocrinologia, farmacologia, psiquiatria e antropologia. Essas disciplinas vieram ajudar o ser humano em seu esforo para compreender biologicamente os mecanismos psicolgicos responsveis pelo comportamento, como ateno, cognio, aprendizagem, memria, emoo, sensao e percepo.

    Assim, como na Psicobiologia, este material um esforo coletivo de alunos de formaes acadmicas diferentes que buscaram integrar os diversos conhecimentos psicobiolgicos, de forma sucinta, com a finalidade de despertar interesses em futuros pesquisadores desta rea e divulgar as diversas linhas de pesquisa que os docentes e pesquisadores do Departamento de Psicobiologia vm desenvolvendo desde 1970.

    Sejam todos bem vindos!

    Monica Levy Andersen

    Jos Carlos F. Galdurz

    Universidade Federal de So Paulo

  • SUMRIO

    Psicologia Experimental 006 Neurofisiologia 016 Neuroanatomia 034 Psicofarmacologia 050 Uso, Abuso e Dependncia de Drogas 065 Plantas Medicinais e o Sistema Nervoso Central 078 Transtorno de Humor 090 Estresse e Ansiedade 096 Aprendizagem e Memria 106 Neuropsicologia 114 Biologia do Sono 129 Exerccio Fsico e Aspectos Psicobiolgicos 150

  • PSICOLOGIA EXPERIMENTAL 1. UM BREVE HISTRICO

    Na metade do sculo XIX, o avano do conhecimento em inmeros campos da cincia culminou em uma mudana progressiva na maneira de compreender o ser humano. Em resposta necessidade de estabelecer um novo entendimento dos processos subjacentes ao indivduo, Wilhelm Wundt foi um pesquisador que muito contribuiu nesta rea.

    Formado em Medicina pela Universidade de Heidelberg, Wundt estudou fisiologia com grandes nomes da poca, dentre eles o fsico Hermann von Helmholtz que o influenciou ao estudo da psicologia experimental. Ao longo de toda sua carreira, Wundt estudou, principalmente, os processos relacionados s percepes, sensaes e sentimentos.

    importante ressaltar que, at esta poca, a Psicologia ainda no havia se consolidado como uma cincia, estando atrelada aos departamentos de filosofia das universidades europias.

    Em 1874, a partir de seus conhecimentos fundamentados em uma base fortemente biolgica, Wundt escreveu Principles of Physiological Psychology (Princpios da Psicologia Fisiolgica). A publicao deste livro foi deveras importante para a criao do primeiro laboratrio de psicologia experimental, fundado por ele na Universidade de Liepzig, Alemanha, em 1879. Esta data conhecida como a criao da psicologia como uma disciplina cientfica.

    Nesta poca, a teoria da evoluo estava tendo um efeito profundo sobre vrias reas do conhecimento, e com a psicologia no foi diferente. Darwin pressupunha que, mesmo sendo claramente diferentes entre si, as espcies tambm se assemelham umas s outras, medida que compartilham a mesma histria evolutiva.

    A partir da teoria da evoluo, muitos psiclogos comearam a inferir que os processos mentais de muitos animais seriam semelhantes aos nossos. Esta idia ficou conhecida como antropomorfismo. Por exemplo, se um rato fosse colocado em um labirinto especulava-se que ele sentia-se frustrado por cometer um erro, ou confuso por no conseguir terminar uma tarefa e assim por diante. Esta maneira de compreender o comportamento animal era resqucio de uma subjetividade que no poderia ser comportada por uma psicologia que tentava criar sua prpria maneira de fazer cincia.

    No final do sculo XIX, embora vrios psiclogos tivessem comeado a fazer estudos mais rigorosos a partir de animais, a metodologia utilizada nos laboratrios de psicologia ainda era frgil. Guiado pela necessidade de uma psicologia mais objetiva, John B. Watson publicou um artigo intitulado Psychology as the behaviorist views em 1913, que rompia com a psicologia experimental da poca, fundando o Behaviorismo, chamado posteriormente de Behaviorismo Clssico. Assim, abriu-se espao para uma reformulao do objeto de estudo da psicologia bem como de seus mtodos de investigao.

    Watson, descontente com a definio da psicologia da poca como uma cincia da conscincia, afirmou que a psicologia deveria ser definida como uma cincia do comportamento. Baseando-se no realismo, Watson distinguia o mundo objetivo do mundo subjetivo. Para ele, somente o primeiro deveria ser palco de estudo da psicologia, ou seja, comportamentos que pudessem ser observados por outras pessoas. Porm, importante ressaltar que Watson no negava os processos subjetivos, mas afirmava, dado a falta de metodologia para estud-los, que estes fossem negligenciados.

  • Na dcada de 30, um pesquisador estava concluindo, em Harvard, sua tese de doutorado, estudando os processos bsicos de aprendizagem. Burrhus F. Skinner iniciou sua carreira estudando somente comportamentos publicamente observveis.

    A partir de 1945, Skinner incluiu a anlise da subjetividade em seus trabalhos, fundando, assim, o chamado Behaviorismo Radical. Ele afirmava que os comportamentos podem ocorrer de maneira pblica ou privada. Os primeiros dizem respeito a manifestaes publicamente observveis, como, por exemplo, o ato de chorar. Entretanto, neste caso, um indivduo que est chorando, tambm pode estar emitindo outros comportamentos aos quais somente ele tem acesso (comportamentos encobertos), como pensar, lembrar, sentir determinadas emoes, etc. Estes comportamentos, na perspectiva do Behaviorismo Radical, so entendidos como eventos privados uma vez que so observados somente pela pessoa que o experiencia.

    Pelo exposto neste histrico, pode-se observar que o estudo da Psicologia Experimental extenso envolvendo diversas teorias ao longo de dcadas. As diferenas de pensamento entre Skinner e Watson, por exemplo, so extensas, o que inviabiliza um aprofundamento maior desta apostila. Para uma reviso mais extensa sugere-se Guimares (2003), Schultz & Schultz (2005).

    O objetivo dos prximos tpicos ser apresentar, de forma breve, conceitos e princpios bsicos das mais diversas formas de aprendizagem que possam ser teis para a compreenso da interao entre indivduo e ambiente. 2. APRENDIZAGEM

    A aprendizagem pode ser definida como um processo pelo qual uma atividade tem origem ou modificada pela reao a um determinado estmulo, desde que essa modificao no seja decorrente de tendncias inatas de respostas (instinto), maturao, ou estados temporrios do organismo (como a fadiga). um processo que se manifesta por alteraes adaptativas no comportamento individual como resultado da experincia. importante salientar que o aprendizado no medido diretamente; o que medimos o desempenho

    Caso as mudanas observadas sejam atribudas maturao, elas ocorrero em um perodo especfico da vida do organismo, necessitando apenas de uma estimulao inicial vinda do ambiente. No caso dos instintos, tambm so necessrios estmulos especficos do ambiente para que o comportamento, geralmente estereotipado, se manifeste, sendo que este comportamento ocorrer independente de treino prvio.

    Existem duas formas distintas de aprendizado: a aprendizagem no associativa, na qual o organismo aprende sobre as propriedades de um tipo especfico de estmulo; e a aprendizagem associativa, na qual aprendida uma relao entre dois estmulos (condicionamento clssico) ou entre um estmulo e uma resposta (condicionamento operante). 3. APRENDIZAGEM NO ASSOCIATIVA

    Habituao: um comportamento adaptativo que no implica na aquisio de respostas novas e sim na perda de velhas, ou seja, a repetio de um estmulo que no apresenta ameaa ao organismo provoca uma diminuio e at supresso da resposta observada inicialmente. O comportamento adquirido rapidamente, mediante intervalos pequenos de exposio ao estmulo. Por exemplo, quando escutamos o barulho de um bate-estaca em uma construo, respostas autonmicas so desencadeadas por nosso organismo (aumento dos batimentos

  • cardacos, dilatao da pupila etc.); se o som torna-se repetido, essas respostas vo se esvaecendo.

    Sensibilizao: refere-se ao fortalecimento da resposta a estmulos que so apresentados aps um estmulo aversivo intenso. Por exemplo, quando um animal recebe um choque eltrico, a resposta a qualquer estmulo subseqente, mesmo que incuo, como um som ou uma luz, aumentada.

    Nem todos os exemplos de aprendizado no-associativo so to simples como a habituao e a sensibilizao. Alguns tipos de aprendizado mais complexos, como o aprendizado por imitao, no apresentam qualquer elemento associativo bvio. A imitao um componente importante para a aquisio da linguagem.

    Estampagem ou imprinting outro tipo de resultado da apresentao de estmulos. Quando, por exemplo, um patinho sai da casca do ovo, provvel que a primeira coisa em movimento que ele veja seja sua me, e comear a ficar perto dela. Mas, se a me no est presente e o patinho v, de incio, alguma outra coisa em movimento, tal como uma pessoa, ele ir se comportar, em relao a esse estmulo, como teria feito em relao sua me.

    Estudos dizem que h um perodo crtico de um ou poucos dias para o desenvolvimento da estampagem. Se, no exemplo do patinho, o estmulo no apresentado suficientemente cedo em sua vida, a estampagem pode no ocorrer mais. Mas, se o estmulo apresentado em condies apropriadas, o patinho comea a responder ao estmulo estampado, e umas das respostas segui-lo medida que ele se move. 4. APRENDIZAGEM ASSOCIATIVA 4.1 O COMPORTAMENTO REFLEXO (ELICIADO)

    A resposta reflexa trata-se de um comportamento inato presente em todas as espcies animais. Evolutivamente selecionado, um mecanismo fundamental que permite ao organismo responder adequadamente a certos estmulos ambientais, sendo estas reaes essenciais para a sobrevivncia do organismo (por exemplo, imagine os danos causados viso se no fosse o mecanismo reflexo de piscar os olhos diante de um estmulo).

    O estudo do comportamento reflexo iniciou-se na fisiologia. No entanto, com a observao de que determinados estmulos (agentes externos) e respostas (comportamento controlado pelos estmulos) estavam associados em relaes regulares, causais, definidas e observveis, os psiclogos tambm passaram a voltar-se para o estudo das aes reflexas, as quais podem ser definidas por meio do seguinte paradigma:

    S2 R2 Sendo que: S2 o estmulo eliciador, que representa uma mudana ambiental; pode ser lida como elicia, termo que se refere especificamente s relaes reflexas, ou seja, o mesmo que causa pela leis do reflexo. R2, chamado respondente, estabelecido como a resposta ELICIADA pelo estmulo (S2), ou seja, a mudana comportamental causada pelo estmulo.

    Esta uma frmula geral e pouco precisa do reflexo, pois no diz sobre como R2 dependente de S2. Assim, dentro do paradigma da ao reflexa existem algumas leis que so importantes para compreenso dessa dependncia e regem a regularidade da relao entre os estmulos eliciadores e os respondentes, as quais sero brevemente descritas a seguir.

  • 1) Lei do Limiar: Existe um limite determinado de intensidade, acima do qual a resposta sempre ocorrer (estmulos eliciadores), e abaixo do qual no ocorrer nenhuma resposta (estmulos subliminares). 2) Lei da Latncia: A medida que aumenta a intensidade do estmulo eliciador, diminui o tempo transcorrido at o aparecimento da resposta eliciada. 3) Lei da Intensidade-Magnitude: A medida que aumenta a intensidade do estmulo eliciador, aumenta a magnitude do respondente eliciado.

    Os estmulos eliciadores podem ser explicitados dentro de um espectro de intensidade, estando a magnitude da resposta em funo da intensidade do estmulo.

    4.2 CONDICIONAMENTO CLSSICO

    No processo do condicionamento clssico, o animal muda seu comportamento em funo de uma nova contingncia estabelecida entre um ESTMULO CONDICIONADO (CS) e um ESTMULO INCONDICIONADO (US). Esse tipo de associao varia muito em termos de complexidade, e trata-se de um processo muito importante para sobrevivncia do organismo, pois lhe permite adaptao ao meio e s suas constantes modificaes.

    A observao de que novas associaes entre estmulos externos e respostas poderiam ser estabelecidas ao longo da vida do organismo foi inicialmente constatada pelo fisiologista russo, Ivan Petrovich Pavlov, que enquanto realizava estudos sobre o mecanismo fisiolgico da digesto em ces, observou os reflexos condicionados nos animais. Pavlov acreditava haver uma relao entre o reflexo salivar observado nos seus ces e estmulos arbitrrios presentes no ambiente, os quais eram capazes de evocar o que ele chamou no comeo de secrees psquicas, e posteriormente foram denominadas de RESPOSTAS CONDICIONADAS (CR). Assim, passou a estudar exaustivamente a generalidade dessa relao, estudando a aquisio de novas ligaes estmulo-resposta, atravs do uso de ces e muitos estmulos, definindo ento o Condicionamento Clssico ou Pavloviano.

    No paradigma do condicionamento clssico, tm-se um estmulo previamente neutro (CS ex, uma campainha) que adquire a propriedade de eliciar uma resposta (CR ex, salivar) que originalmente era eliciada por outro estmulo (US ex. comida). O processo atravs do qual o CS passa a ter capacidade de eliciar CR, aps sucessivos emparelhamentos com US chamado CONDICIONAMENTO. Tal paradigma pode ser esquematizado do seguinte modo:

    S1 S2R2

    Sendo: S1: um estmulo previamente neutro S2: um estmulo incondicionado R2: uma resposta incondicionada Aps sucessivos emparelhamentos entre S1-S2, tm-se:

    S1

    S2 R2CR

    S1

    S2 R2CR

  • No entanto, para que haja essa substituio dos estmulos, necessrio um treinamento prvio, no qual ocorra seguidos emparelhamentos entre CS e US (S1-S2), numa relao temporal de estreita proximidade. Nota-se ento que preciso eliciar uma resposta antes de condicion-la. importante tambm ressaltar que, o condicionamento clssico permite que novos estmulos passem a controlar certas respostas j existentes, mas no capaz de acrescentar novas respostas ao repertrio prvio do organismo.

    Alimento (US) Salivao (UR1)

    Som (CS)

    (CR)

    Levantar a orelha (UR2)

    Alimento (US) Salivao (UR1)

    Som (CS)

    (CR)

    Levantar a orelha (UR2) Figura 1: Diagrama do condicionamento clssico dos experimentos realizados por Pavlov em ces. O alimento chamado de estmulo incondicionado (US), o som, de estmulo condicionado (CS) e a salivao, quando provocada pelo alimento, de resposta incondicionada (UR1). Aps os pareamentos, o som por si s passa a provocar a salivao no animal, e essa resposta chamada de resposta condicionada (CR). 5. CURVA DE APRENDIZAGEM Thorndike, a partir de 1898, realizou uma srie de experimentos nos quais um gato faminto deveria emitir determinada resposta para obter alimento. Aps repetidas observaes foi possvel verificar o processo de aprendizagem por tentativa e erro onde o treino iniciado de forma desordenada at que a resposta correta seja alcanada ao acaso; a seguir ocorre diminuio gradual da freqncia das respostas desnecessrias e a organizao gradual das respostas bem sucedidas.

    A partir destes estudos Thorndike estabeleceu as seguintes leis de aprendizagem. Lei do efeito: quando uma resposta leva ao xito ou a um estado satisfatrio, o

    comportamento tende a ser fortalecido; ao passo que, quando o comportamento seguido por um sofrimento tende a ser enfraquecido.

    Figura 2: Curva de aprendizagem por tentativa e erro. O tempo utilizado pelo animal para executar corretamente uma tarefa diminui ao longo do nmero de tentativas (provas).

  • lei do exerccio ou formao de hbito. a fora do vnculo entre a resposta e o estmulo determinada pelo seu uso (aumenta a freqncia da resposta) ou desuso (diminui a freqncia resposta).

    6. CONDICIONAMENTO OPERANTE No condicionamento operante diante de um determinado estmulo (S), uma dada resposta (R) ocorre e seguida de uma conseqncia (C). Esta conseqncia pode fortalecer ou enfraquecer a probabilidade de que, num momento futuro, esta resposta ocorra diante de um estmulo parecido. Quando a conseqncia aumenta a probabilidade da ocorrncia da resposta diz-se que uma conseqncia reforadora (reforo), mas se por outro lado esta conseqncia diminuir a probabilidade da resposta, diz-se que uma conseqncia punitiva (punio) PARADIGMA DO CONDICIONAMENTO OPERANTE

    S R C Sendo que: S: situao na qual a resposta ocorre R : resposta C: conseqncia Skinner e outros behavioristas da poca mostraram em seus estudos que no condicionamento operante o indivduo adquire e mantm determinados comportamentos em seu repertrio de maneira controlada pelas suas conseqncias. Em um tpico exemplo experimental, o investigador coloca um rato privado de gua em uma caixa de testes (caixas de Skinner) que possui uma alavanca (ou barra) e um comedouro. Inicialmente, o animal apresenta respostas aleatrias (seguindo as tendncias inatas de atividade exploratria). Tais respostas aleatrias emitidas pelo animal podem aparecer sem que haja a liberao de conseqncias sendo a simples observao de sua ocorrncia chamada de observao do nvel operante. As respostas observadas no nvel operante permitem ao investigador comparar os efeitos da liberao da conseqncia para uma ou mais dessas respostas, atravs da comparao da freqncia das respostas observadas no nvel operante e nas demais fases do experimento. Quando o animal no emite por tendncias inatas a resposta escolhida pelo experimentador, ou seja, quando esta no faz parte do seu repertrio, necessrio fazer a modelagem do comportamento selecionado. A modelagem trata-se de um processo no qual so reforadas as respostas que se aproximam sucessivamente da resposta que se deseja observar at que a resposta seja adquirida (modelada). Na medida que a resposta passa a ser emitida pelo organismo esta pode ser fortalecida, ou seja, promover o aumento gradual da sua freqncia ao longo do tempo em funo da liberao de uma conseqncia reforadora. No paradigma operante, sempre que o animal pressionar a barra, mesmo que de forma aleatria, imediatamente fornecido um alimento na bandeja, como conseqncia dessa resposta de presso barra. Aqui de extrema relevncia aumentar o efeito reforador do alimento, como por exemplo, priv-lo de alimento antes do experimento.

  • O efeito que uma conseqncia produz sobre o comportamento no fortalecimento operante pode ser verificado pela observao de algumas alteraes que ocorrem na forma de responder organismo. So elas:

    Mudana na taxa absoluta: aumento da taxa de resposta em relao ao nvel operante Mudana na taxa relativa: aumento da taxa desta resposta em relao a taxa de outro

    comportamento que est ocorrendo na situao. Mudanas seqenciais do responder: Transformar num elo, que sempre repetido, o

    padro ou sequncia das respostas envolvidas. Mudana na variabilidade: Aumento da estereotipia das respostas selecionadas.

    As conseqncias que seguem um operante podem ser estmulos reforadores (S+) ou reforadores. Os reforadores possuem a funo de aumentar a probabilidade de ocorrncia de uma resposta, a fora de uma conexo estmulo-resposta e a freqncia das respostas. Sendo o reforamento a operao de apresentar um reforador aps a emisso de uma resposta, este um evento que fortalece o comportamento tornando-o mais provvel no futuro. A escolha de um reforador depende da natureza da resposta a ser aprendida. Os reforadores so classificados como positivos ou negativos. Os reforadores positivos aumentam a taxa da resposta devido introduo de uma conseqncia positiva, ex: o animal pressiona a barra e obtm um reforo (alimento). No reforo negativo o animal pressiona a barra para interromper um estmulo aversivo (choque nas patas). Ambos procedimentos resultam em aumento na taxa da resposta vinculada conseqncia. Estmulos neutros tambm podem adquirir propriedades funcionais de reforadores quando so pareados em algum momento da histria do organismo com reforadores primrios ou incondicionados, o que possibilita aos primeiros reforarem e assim manter e fortalecer o comportamento. Os estmulos neutros passam a ser chamados de reforadores secundrios ou condicionados, que apresentam a propriedade de sinalizar a ocorrncia do reforo primrio e pode substitu-lo durante o aprendizado. Ex: dinheiro, carros, prestgio, honra 6.1 ESQUEMAS DE REFORAMENTO Quando toda resposta selecionada seguida de uma conseqncia reforadora pode-se dizer que o processo de reforamento segue um esquema de reforo continuo ou simples, isto , uma relao de contingncia do tipo R-S+ prevalece continuamente entre a resposta e o reforo. Porm, quando nem sempre uma resposta seguida de uma conseqncia reforadora diz-se que segue um esquema de reforamento intermitente. Os esquemas de reforamento intermitente produzem efeitos particulares e distintos na forma de responder do indivduo. (para mais detalhes ver Millenson, 1967 e Catania, 1999) H quatro tipos de esquemas de reforamento: razo fixa: depende do nmero de resposta que o organismo deve emitir . Ex: 10 respostas de presso a barra para obter uma conseqncia reforadora (alimento). razo varivel: tambm depende do nmero de repostas apresentadas pelo sujeito, porm o nmero de resposta a ser emitida varia para que a conseqncia seja liberada. Ex: mquina de caa-nqueis, programada para liberar a recompensa aps um nmero varivel de jogadas. Intervalo fixo: depende do tempo. O reforo s ocorre se uma resposta for emitida dentro de um tempo pr-fixado. Ex: remunerao por hora de trabalho. Intervalo varivel: tambm depende do tempo. Aqui o reforo s se torna disponvel se a resposta ocorrer aps um intervalo de tempo que no permanece sempre constante . Ex: tentar falar com uma pessoa ao telefone quando a linha est ocupada.

  • 7. CONTROLE AVERSIVO Como foi visto at aqui, o comportamento pode ser adquirido e mantido por suas conseqncias. Porm h uma relao na qual as conseqncias do responder tornam a ocorrncia desta resposta menos provvel. Aqui estamos falando da punio. Quando uma determinada resposta seguida de conseqncia punitiva, a probabilidade desta resposta ocorrer novamente diminui. Por exemplo, quando um rato aperta a barra, a conseqncia desta resposta um choque nas patas. Seguindo o mesmo raciocnio, uma resposta que elimina uma situao aversiva poder aumentar de freqncia pela retirada desta situao (reforo negativo) 7.1 PUNIO A operao de punio consiste em programar uma conseqncia aversiva para o responder, que o tornar menos provvel, sendo ento uma conseqncia punitiva. Vale destacar que a resposta punida e no o sujeito, e que a resposta pode reaparecer algum tempo aps a retirada da conseqncia aversiva. Seu efeito no responder depende da intensidade e da repetio da conseqncia punitiva PARADIGMA DA PUNIO

    S R S 7.2 REFORO NEGATIVO A remoo de alguns estmulos ambientais exerce efeitos de maneira poderosa no comportamento. O reforo negativo constitui-se na retirada de alguma situao aversiva. Assim quando uma resposta tem como conseqncia esta retirada, tender aumentar a freqncia quando o organismo for exposto a uma situao semelhante no futuro. PARADIGMA DO REFORO NEGATIVO

    S- R So Sendo que: S- o estmulo aversivo, R: resposta So representa a retirada do estmulo aversivo) 7.3 REFORO NEGATIVO E O COMPORTAMENTO DE FUGA E ESQUIVA Nestes paradigmas, a resposta de um organismo suspende a apresentao de um estmulo aversivo. No comportamento de fuga o estmulo aversivo est presente antes da emisso da resposta, assim a resposta que o elimina adquirida e mantida no repertrio do organismo. No comportamento de esquiva a resposta evita a ocorrncia do estmulo aversivo. Assim, diferente da fuga j que o estmulo aversivo ainda no est presente no momento em que a resposta apresentada. 8. EXTINO Diversos comportamentos podem ser adquiridos pelo indivduo e mantidos em seu repertrio seguindo os paradigmas de reforo descritos at aqui. Porm, a freqncia do responder pode retornar ao nvel operante ou at desaparecer do repertrio comportamental do indivduo assim que a conseqncia reforadora for retirada, ou seja, quando h uma quebra da relao contingencial entre a resposta e a conseqncia. Assim, a extino depende de uma nova aprendizagem, visto que no h mais uma relao entre a resposta e a conseqncia.

  • PARADIGMA DA EXTINO

    RR

    Ex: a resposta de bicar um disco emitida por um pombo suprimida pela retirada da conseqncia (alimento). O comportamento de birra de uma criana no supermercado suprimido pela ausncia de ateno fornecida pela me. Um dado relevante que a extino difere do esquecimento porque a resposta pode ser reinstalada quando for novamente reforada, e algumas vezes reaparece espontaneamente. 9. DISCRIMINAO E GENERALIZAO DE ESTMULOS Generalizao definida como o responder similar em situaes diferentes. No incio do processo de condicionamento ocorre resposta generalizada a vrios estmulos fisicamente parecidos como, por exemplo, trs estmulos sonoros (800, 812 e 825 Hz). Por outro lado, discriminao definida como o responder diferencial na presena de estmulos diferentes. Ocorrer discriminao entre os estmulos quando o responder for reforado na presena de somente um deles. 10. DIFERENAS MARCANTES ENTRE OS CONDICIONAMENTOS CLSSICO E OPERANTE

    PARA UMA COMPARAO MAIS COMPLETA VER JR MILLENSON (PRINCPIOS DE ANLISE DO COMPORTAMENTO). 11. APRENDIZAGEM LATENTE

    Pa aprendizagem no ocorre a menos que o comportamento seja reforado durante o processo de aprendizagem. Tolman, entretanto, observou que um rato privado de alimento e colocado em um labirinto para explor-lo, sem receber reforo algum, aprende algumas coisas do meio ambiente que no so observadas com o desempenho posterior, quando a tarefa passa a ter reforo (alimento), o desempenho do animal se iguala ao daquele que recebeu reforo desde o primeiro treino.

    Condicionamento Clssico Condicionamento Operante

    Comportamento involuntrio Comportamento voluntrio

    Eliciado pelo organismo (o comportamento eliciado pelo estmulo, e emitido pelo organismo).

    Emitido pelo organismo (o comportamento evocado pelo estmulo e emitido pelo organismo)

    Associao entre dois estmulos (S-S) Associao entre a resposta e um reforo (S-R)

    Respostas fisiolgicas e emocionais Comportamento ativo que leva ao reforo

  • Tolman e seu aluno, Blodgett, denominaram de aprendizado latente o aprendizado que independe de reforo e no verificado pelo desempenho. O reforo afeta o desempenho, mas no a aprendizagem.

    Uma interpretao dos resultados de Tolman e Blodgett que os animais, durante as corridas no reforadas, ocupavam o tempo explorando o labirinto. A partir do momento que encontravam o alimento no final do labirinto, demonstraram que haviam aprendido a percorrer adequadamente o mesmo. Isto , os animais tinham construdo uma espcie de mapa mental do ambiente e poderiam utiliz-lo a partir do momento que tivessem motivao para isso. Esse mapa foi chamado por Tolman de mapa cognitivo.

    A construo de um mapa cognitivo consiste, portanto, na representao mental do ambiente, que considera os estmulos e caractersticas desse ambiente e cuja funo gerar hipteses de lugar. O animal, e tambm o ser humano, integra todas essas informaes, que vo permitir que ele se oriente e se guie, escolhendo o melhor percurso e buscando rotas alternativas quando a usual permanece bloqueada por algum motivo. essa representao mental do ambiente que nos permite navegar e nos dirigir para casa estando em qualquer ponto da cidade, por exemplo.

    Como dito no incio, o objetivo deste captulo foi apresentar alguns dos conceitos e princpios bsicos da Psicologia Experimental. Para um maior aprofundamento dos tpicos abordados, recomendamos a leitura dos textos relacionados abaixo. 12. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS Cameschi, C. E., & Abreu-Rodrigues, J. (2005). Contingncias aversivas e comportamento

    emocional. In J. Abreu-Rodrigues & M. R. Ribeiro (Eds.), Anlise do Comportamento: Pesquisa, Teoria e Aplicao (pp. 113-137). Porto Alegre, RS: Artmed.

    Catania, A C (1999). Aprendizagem: comportamento, linguagem e cogniao. 4 ed. Porto Alegre: Artes Mdicas

    Guimares, R. P. (2003). Deixando o preconceito de lado e entendendo o Behaviorismo Radical. Psicologia: cincia e profisso, 23 (3), 60-67.

    Machado, L. M. C. M. (1986). Esquemas de reforamento positivo: esquemas simples. Psicologia, 12 (2), 1-15.

    Millenson J.R. (1976). Princpios de anlise do comportamento. Braslia: Coordenada. Skinner, B. F. (2003). Cincia e Comportamento Humano. Martins Fontes, So Paulo. Souza Jr., E. J. & Cirino, S. D. (2004). Esquemas de reforamento. In C. E. Costa; J. C. Luzia

    & H. H. N. Sant'Anna (Org.). Primeiros Passos em Anlise do Comportamento e Cognio. Santo Andr: ESETec

    Schultz, D. P. & Schultz, S. E. (2004). Histria da Psicologia Moderna.Thomson Learning (Pioneira), So Paulo.

    Souza, D. G. (2000). O conceito de contingncia: um enfoque histrico. Temas em Psicologia da SBP, 8(2), 125-136. Todorov, J. C. (1985). O conceito de contingencia triplice na analise do comportamento humano. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1(1), 75-87. Todorov, J. C. (1989). A psicologia como o estudo de interaes. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 5(3), 347-356.

    Watson, J. B. (1913). Psychology as the Behaviorist Views it. Psychological Review, 20, 158-177.

  • NEUROFISIOLOGIA 1. CLULAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL (SNC)

    As clulas que compe o SN possuem duas origens embrionrias. A maioria

    delas provm da parede do tubo neural, que se forma a partir da invaginao do neuroepitlio embrionrio (ectoderma). As clulas que a se desenvolvem do origem a trs linhagens celulares principais: os neuroblastos, os glioblastos e as clulas ependimrias.

    Apesar de apresentarem o mesmo plano comum, os neurnios so muito diversos mais de 50 tipos distintos j foram descritos. Essa diversidade citolgica, que resulta da diferenciao durante o desenvolvimento, tambm evidente no nvel molecular. Cada neurnio expressa uma combinao de molculas gerais e especficas. Os tipos de protenas que uma clula sintetiza dependem dos genes expressos na clula; cada tipo de clula sintetiza certas macromolculas (enzimas, protenas estruturais, constituintes de membrana e produtos de secreo) e no outras. Em essncia, cada clula o conjunto de macromolculas que ela produz.

    As clulas que compe o SN possuem duas origens embrionrias. A maioria delas provm da parede do tubo neural, que se forma a partir da invaginao do neuroepitlio embrionrio (ectoderma). As clulas que a se desenvolvem do origem a trs linhagens celulares principais: os neuroblastos, os glioblastos e as clulas ependimrias. Os neuroblastos originam os diferentes tipos de neurnios do SN, os glioblastos originam a macrglia (astrcitos, oligodendrcitos, clulas de Schwann) e as clulas ependimrias formam o revestimento interno dos ventrculos cerebrais e plexo coride.

    Embora a grande maioria das clulas do SN desenvolva-se a partir da parede do tubo neural, existem clulas que no se originam do neuroepitlio, mas sim do tecido mesenquimal embrionrio, o caso das clulas da micrglia. Estas, apesar de serem constituintes do tecido nervoso, guardam propriedades herdadas de sua origem mesenquimal. No SNC adulto existem basicamente duas classes distintas de clulas: os neurnios e as clulas da glia (Figura 1). 2. NEURNIOS UNIDADES FUNCIONAIS Estruturalmente, um neurnio tpico apresenta trs regies morfologicamente definidas: o corpo celular, os dendritos e o axnio e suas terminaes pr-sinpticas, como pode ser visto na figura abaixo. Alm disso, os neurnios podem ser classificados com base em suas polaridades.

    A maioria dos neurnios tem caractersticas principais em comum. O corpo celular contm o ncleo, local de armazenamento da informao gentica, gerando dois tipos de estruturas celulares, axnios e dendritos.

  • Figura 1. Representao esquemtica das principais clulas presentes no SNC.

    Os axnios, elementos transmissores dos neurnios podem variar muito de comprimento; alguns podem se estender mais de 3 metros.

    No entanto essas estruturas so muito estreitas (0,2 a 20 m de dimetro) em comparao com o dimetro do corpo celular (50 m ou mais). Os ramos de um nico axnio podem formar sinapses com at outros 1000 neurnios. Enquanto o axnio o elemento de sada do neurnio, os dendritos (apical e basal) so elementos de entrada.

    Corpo Celular: o centro metablico da clula. Contm o ncleo e o citoplasma com organelas inseridas, responsveis pela sntese protica do neurnio. Em geral, a partir do corpo celular originam-se dois tipos de prolongamentos: os dendritos e o axnio. De acordo com o nmero de prolongamentos que se originam do corpo celular os neurnios so classificados em: unipolares (s possuem um prolongamento que pode funcionar como superfcie receptiva ou terminal liberador; so caractersticos do sistema nervoso dos invertebrados), bipolares (possuem dois prolongamentos funcionalmente especializados: os dendritos e o axnio), pseudo-unipolares (possuem um prolongamento nico que emerge do corpo celular e se divide em dois, ambos atuando como axnio; so caractersticos da medula espinhal conduzindo informaes sensoriais) e multipolares (possuem um axnio e muitos dendritos, estrutura que permite grande nmero de aferncias sinpticas, sendo o tipo de neurnio mais encontrado no crebro dos mamferos).

    Axnio: uma estrutura de aspecto tubular fino que se estende do corpo celular do neurnio e atinge distncias que variam de micrmetros a metros antes de atingir seu alvo e terminar numa sinapse. Uma srie de protenas especializadas na membrana plasmtica axonal permite que o axnio transmita, rapidamente, sinais eltricos pela sua extenso, do corpo celular ao terminal. O axnio se origina do corpo celular a partir de uma formao cnica denominada zona de disparo. Normalmente, o axnio s se ramifica intensamente na sua poro terminal e, alm disso, seu dimetro tambm permanece mais ou menos sem alteraes ao longo do seu comprimento. Estas ramificaes que ocorrem na poro terminal dos axnios so denominadas terminaes pr-sinapticas. Sua estrutura, assim como a dos

  • dendritos, mantida por uma armao celular, o citoesqueleto, que embora presente em todas as clulas, apresenta propriedades nicas em neurnios.

    Dendritos: so estruturas neuronais que tendem a ser mais finas e curtas quando comparados aos axnios; freqentemente so amplamente ramificados, dando origem a uma densa rede de dendritos denominada rvore dendrtica. Anlise por microscopia confocal e reconstruo tri-dimensional, revelou a presena de diversas microestruturas nos dendritos, denominadas de espinhas dendrticas (mas nem todos os neurnios possuem espinhas dendrticas). Estas surgem na ramificao dendrtica principal e representam o local por onde se d a entrada de informaes que os neurnios recebem de outras clulas (aferncias). Semelhante aos axnios, a membrana plasmtica dos dendritos possui um conjunto particular de protenas que permitem que realizem suas respectivas funes. Isso significa que essas protenas especializam a membrana dendrtica de forma a permitir que essa estrutura receba e integre as diversas informaes provenientes de outras clulas. Sua funo no se restringe a receber informaes apenas, mas em alguns casos, os dendritos compartilham juntamente com os axnios da habilidade de transmitir sinais eltricos. Em muitas clulas, as informaes de entrada e de sada (aferncia e eferncia, respectivamente) ocorrem no mesmo conjunto de processos tipo dendritos. 3. CLULAS DA GLIA As clulas da glia so muito mais numerosas que os neurnios, sendo que existe de 10 a 50 vezes mais clulas gliais que neurnios no sistema nervoso de vertebrados. O nome glia provm da palavra grega glue, que significa cola, pois essa era a funo atribuda a essa classe de clulas. Acreditava-se que a importncia das mesmas residisse no fato de manterem os neurnios unidos. Atualmente sabe-se que estas clulas possuem diversas funes importantes no SNC como, por exemplo:

    proporcionar sustentao, dando firmeza e estrutura ao crebro, alm de separar e ocasionalmente isolar grupos de neurnios entre si;

    formao da bainha de mielina, por dois tipos celulares. A bainha um material isolante presente em grande parte dos neurnios, importante para a manuteno da propagao do sinal neuronal;

    remoo de detritos que possam surgir aps leso ou morte neuronal; tamponamento e manuteno da concentrao dos ons potssio (K+) no meio

    extracelular; captao e remoo de transmissores qumicos liberados pelos neurnios; guiar a migrao dos neurnios e o crescimento dos axnios durante o

    desenvolvimento cerebral; participao na criao do revestimento dos capilares cerebrais criando a

    barreira hematoenceflica que impede o acesso de substncias txicas ao crebro;

    existem evidncias de que algumas clulas da glia no SN dos vertebrados participam da nutrio de clulas neuronais.

  • So divididas em duas grandes classes: a micrglia e a macrglia. Existem trs subtipos de clulas da macrglia que predominam no sistema nervoso de vertebrados: os oligodendrcitos, as clulas de Schwann e os astrcitos. 3.1 Micrglia

    A micrglia, cujas clulas tm origem mesodrmica, o grande mediador da resposta imunolgica no crebro, sendo denominadas os macrfagos residentes do SNC. Assim, postula-se que essas clulas possam ter funes similares aos leuccitos. Contudo, so as clulas menos compreendidas do SNC. No se sabe ao certo qual o papel da micrglia no estado fisiolgico normal. Trabalhos mais recentes tm demonstrado que essas clulas desempenham um papel vital no desenvolvimento do SN e na patognese de doenas do SNC. Uma caracterstica dessas clulas a capacidade de se tornarem reativas. Podem ser recrutadas durante processos infecciosos, injria e crises convulsivas, expressando inmeros antgenos, o que sugere que sejam as principais clulas apresentadoras de antgenos no SNC. Acredita-se que a micrglia esteja ativada em diversas patologias incluindo esclerose mltipla, demncia relacionada SIDA (Sndrome de Imunodeficincia Adquirida), assim como em diversas doenas neurodegenerativas como a doena de Parkinson e a de Alzheimer. 3.2 Oligodendrcitos e Clulas de Schwann

    A bainha de mielina produzida pelos oligodendrcitos. Cada oligodendrcito capaz de revestir e manter a bainha de mielina em diversos neurnios. A bainha de mielina no reveste totalmente os axnios, cada segmento mielinizado chamado de internodo, pois ao final de cada segmento existe uma poro no revestida chamada nodo de Ranvier (Figura 2). Fisiologicamente, a mielina possui propriedade de isolamento, dessa forma o potencial de ao que percorre o neurnio capaz de saltar de n para n. Esse salto do potencial de ao (conduo saltatria), que garante uma conduo rpida do estmulo em neurnios com axnios de dimetro pequeno. J no sistema nervoso perifrico (SNP), a mielina produzida pelas clulas de Schwann, sendo que cada uma dessas clulas reveste um nico segmento axonal. O tipo de mielina produzida pelos oligodendrcitos e clulas de Schwann difere at certo ponto na composio qumica. A mielina proveniente de ambas as clulas possui como componente a Protena Bsica de Mielina (PBM); no entanto, o subtipo presente em ambas difere, alm de diversos outros componentes. A mielina produzida pelos oligodendrcitos possui a PBM do tipo I. Aparentemente, a PBM1 impede a regenerao do axnio frente leses. O mesmo no ocorre na mielina produzida perifericamente.

  • Figura 2. Representao esquemtica do citoesqueleto neuronal. A estrutura celular basicamente mantida pelos microtbulos e neurofilamentos. Essas protenas tambm so responsveis pela plasticidade neuronal. Outros fatores tambm possuem papel central na sinalizao desses eventos como as protenas Tau e MAP2. A conduo do sinal eltrico pelo axnio tem sua eficincia aumentada pela presena da bainha de mielina e de seus nodos de Ranvier. 3.3 Astrcitos

    Os astrcitos so as clulas gliais mais numerosas, possuem esse nome pelo corpo celular com formato irregular e rudemente semelhante a uma estrela. Tendem a ter longos processos, alguns dos quais acabam em um terminal em forma de p, que faz contato com neurnios do crebro e medula espinhal, de forma a transportar nutrientes necessrios para essas clulas. Alguns outros astrcitos contatam seus terminais junto aos vasos sangneos cerebrais (p vascular), estimulando, assim, as clulas endoteliais dos vasos a produzirem uma juno do tipo tight. As junes tight limitam a passagem de substncias do vaso sangneo para as demais clulas do SNC, e criam uma barreira de proteo entre o sistema vascular e o crebro. Alm disso, estas clulas tambm emitem projees junto aos axnios, formando um envoltrio ao redor dos nodos de Ranvier. Aparentemente, os astrcitos so importantes para a manuteno da estabilidade desses locais.

    Sua participao tambm importante no processo de migrao neuronal durante o desenvolvimento e no tamponamento e manuteno das concentraes inicas do meio extracelular, o que pode ser importante na formao, maturao, manuteno e eficcia das sinapses.

  • 4. TIPOS DE SINAPSES

    A comunicao intercelular resultado da passagem de informaes de uma parte do SN para outra. A transferncia de informaes distingue o crebro mais claramente dos demais rgos, sendo realizada por meio das sinapses. O termo sinapse provm da palavra grega conectar e foi introduzido pelo fisiologista britnico Charles Sherrington no final do sculo XIX. A compreenso da estrutura sinptica e sua funo indispensvel para o entendimento de como o crebro funciona. At pouco tempo atrs, considerava-se que uma sinapse fosse formada basicamente por dois elementos: o terminal pr-sinptico e a ps-sinapse. Em algumas sinapses, ambos esto separados por um espao quase que virtual denominado fenda sinptica. No entanto, com as recentes descobertas dos mecanismos de interao entre neurnios e clulas da glia, supe-se, mais especificamente, que os astrcitos desempenhem um papel muito importante no funcionamento da transmisso de informaes, sendo considerado um terceiro elemento na formao da sinapse.

    As sinapses podem ser classificadas em diferentes categorias: (1) eltricas ou qumicas, (2) excitatrias ou inibitrias.

    As sinapses eltricas possuem uma morfologia simtrica (no h particularidades morfolgicas que permitam a distino entre os elementos pr e ps-sinpticos, vistos por Microscopia Eletrnica), e a transferncia de informaes ocorre no sentido bi-direcional, o que caracteriza essas sinapses. Existe uma rea de justaposio entre as membranas pr- e ps-sinpticas, na qual se encontram especializaes denominadas junes gap. As junes de membrana do tipo gap so verdadeiros poros que fazem a conexo clula-a-clula e permitem a passagem livre de ons e pequenas molculas do citoplasma de uma clula para outra. Uma forma de se verificar se duas clulas so unidas por junes do tipo gap pela administrao de um corante de baixo peso molecular como o Luciffer Yellow. Esse corante permite identificar clulas acopladas porque se difunde rapidamente do citoplasma de uma clula para a sua vizinha.

    Os canais formados pelas junes gap oferecem uma baixa resistncia para a passagem dos ons e pequenas molculas, sem perda dos mesmos para o espao extracelular; assim o sinal transmitido pouco atenuado. Duas propriedades funcionais se devem a esse modo de transmisso: (1) a j citada transferncia de informao bi-direcional, na qual a simetria funcional acompanha a simetria estrutural, e (2) a transmisso rpida de sinais, onde no existe atraso do sinal como ocorre nas sinapses qumicas. O papel funcional desse tipo de sinapse a conseqente sincronizao da atividade eltrica em uma grande populao de neurnios.

    As sinapses qumicas possuem assimetria morfolgica, com caractersticas distintas entre os elementos da pr- e ps-sinpticos. O terminal pr-sinptico a poro final do axnio levemente mais intumescido e contm mitocndrias e uma variedade de estruturas vesiculares. Normalmente, as vesculas esto agrupadas na adjacncia da membrana do terminal (Figura 3), no ponto de maior proximidade com a membrana da clula ps-sinptica. nesse tipo de sinapse que se encontra presente a fenda sinptica, por isso no existe contato direto entre as membranas das duas clulas. No elemento ps-sinptico no existe a presena de vesculas

  • adjacentes membrana, mas, freqentemente, uma estrutura altamente eletrondensa est associada membrana da ps-sinapse, denominada de densidade ps-sinptica. Acredita-se que o significado funcional desta estrutura seja o de auxiliar a ancoragem de receptores de neurotransmissores na membrana do elemento ps-sinptico.

    Alm da assimetria morfolgica, sabe-se que nesse tipo de sinapse a transferncia de sinais ocorre de forma unidirecional, sempre no sentido do neurnio pr- para o ps-sinptico. Como mencionado anteriormente, a sinapse qumica sofre um atraso na transmisso do sinal, cerca de alguns milissegundos at que esta seja transferida para o elemento seguinte. O atraso na transferncia dos sinais deve-se s diversas etapas necessrias para a liberao de um mediador qumico (neurotransmissor) e sua conseqente ao nos receptores da ps-sinapse. Algumas vezes os efeitos causados por essa estimulao podem ser de longa durao, resultando em mudanas considerveis na clula alvo (ps-sinptica). 5. SINALIZAO NEURONAL 5.1 POTENCIAL DE MEMBRANA

    O fluxo de informao nos neurnios e entre eles realizado por meio de sinais qumicos e eltricos. Particularmente, a sinalizao eltrica importante para a transferncia rpida de informaes por longas distncias. Os sinais eltricos potencial receptor, potencial sinptico e potencial de ao so todos produzidos por variaes transitrias do fluxo de corrente inica para dentro e para fora da clula, o que gera um potencial eltrico entre as faces da membrana celular e afasta este potencial do seu valor de repouso.

    O controle do fluxo de corrente dado pelos diferentes canais inicos inseridos na membrana plasmtica das clulas. Existem dois grandes tipos de canais inicos: (1) canais que permanecem constantemente abertos e que normalmente no so influenciados por fatores externos, mas so importantes para a manuteno do potencial de repouso da membrana e (2) canais que se encontram fechados na condio de repouso, cuja abertura e fechamento dependem de fatores externos, tais como: alteraes no potencial de membrana, presena de um ligante ou estiramento da membrana.

    Para compreender como ocorre o fluxo de informaes nas clulas e entre cada uma delas, de incio necessrio conhecer as propriedades eltricas da membrana plasmtica, o papel desempenhado pelos canais inicos nela inseridos e a importncia dos componentes presentes no fluido intra- e extracelular (ons e nions orgnicos).

    No repouso, o neurnio tem excesso de cargas positivas na face externa da membrana e excesso de cargas negativas na face interna. Essa separao de cargas origina uma diferena de potencial eltrico: potencial de membrana (Vm) que o potencial intracelular (Vint) menos o potencial extracelular (Vext). No repouso, este potencial de membrana tem valores de 60 a 70 mV, e denominado de potencial de repouso da membrana. Assim as sinalizaes eltricas que ocorrem nos neurnios resultam de breves alteraes do potencial de repouso da membrana, e essas alteraes podem ser despolarizantes (diminuindo a separao de cargas

  • atravs da membrana) ou hiperpolarizantes (aumentando a separao de cargas atravs da membrana) dependendo do fluxo efetivo de ctions e/ou nions para dentro ou para fora da clula.

    O potencial de repouso da membrana gerado e mantido pela diferena de concentrao inica entre os meios intra e extracelular. Assim, dos quatro tipos mais abundantes de ons encontrados dentro e fora da clula temos que o Na+ e o Cl- esto mais concentrados no meio extracelular; j o K+ e os nions orgnicos (A-), como aminocidos e protenas, esto mais concentrados no meio intracelular (ver tabela abaixo). Esta diferena de concentrao inica gera dois tipos de foras (1) a fora qumica, de difuso, dada pela diferena de concentrao de ons e (2) a fora eltrica, de presso eletrosttica, dada pela diferena de cargas positivas e negativas dispostas nos dois lados da membrana. A resultante destas duas foras - a fora eletroqumica - tem componentes qumicos e eltricos provenientes da fora de difuso e da fora eletrosttica, respectivamente. Distribuio dos principais ons na membrana de um axnio gigante de lula. Citoplasma Fludo Extracelular Potencial de Nernst* on (mM) (mM) (mV) K+ 400 20 -75 Na+ 50 440 +55 Cl- 52 560 -60 A- 385 * Potencial de membrana no qual no h fluxo de ons pela membrana da clula.

    Assim, tomando o on K+ como exemplo, a fora de difuso atua no sentido de efluxo do on, pois o mesmo encontra-se mais concentrado no meio intracelular do que no extracelular. Contudo, a fora eltrica atua no sentido oposto, mantendo o potssio, um ction, no interior da clula que negativo. A resultante entre estas foras o potencial de equilbrio do K+.

    Atravs da equao de Nernst, encontram-se os valores de potencial de Nernst para qualquer on presente em ambos os lados da membrana e que seja permevel mesma. Em relao ao Na+, sua concentrao maior no meio externo do que no meio interno, e por isso tende a fluir para dentro da clula. Alm disso, o Na+ tambm direcionado para o interior da clula pelo gradiente eltrico (j que o meio intracelular mais negativo). Assim, um forte gradiente eletroqumico faz com que o Na+ entre na clula pelos de canais de Na+ abertos, no sentido de levar o Vm para os valores de ENa. Contudo, por estes clculos vemos que o potencial de membrana na condio de repouso situa-se prximo ao potencial de equilbrio do K+ (EK). Isto ocorre porque a quantidade de canais de K+ abertos durante a condio de repouso muito maior do que os de Na+, dessa forma o Vm desloca-se para prximo do valor de EK, mas no chega nem perto dos valores de ENa.

    O fluxo de ons atravs da membrana produto da fora eletroqumica em funo da permeabilidade da membrana ao on. Na clula em repouso (Vm = VR); relativamente poucos canais de Na+ esto abertos, de tal forma que a permeabilidade ao mesmo baixa. Como resultado, o fluxo de Na+ pequeno, ainda que as foras qumica e eltrica o forcem para o interior da clula. O gradiente de concentrao do K+ para fora da clula um pouco maior do que a fora eltrica que

  • o mantm no interior, mas como a permeabilidade desse on grande (a permeabilidade do K+ cerca de 100 vezes maior do que o do Na+), devido ao maior nmero de canais abertos, a fora exercida pelo efluxo de K+ suficiente para balancear o influxo de Na+. Contudo, a manuteno do valor do potencial de repouso da clula necessita de outro mecanismo funcionante, pois o constante efluxo de potssio e influxo de sdio, dissiparia os gradientes inicos entre os meios intra e extracelulares.

    A dissipao dos gradientes de Na+ e K+ evitada pelas bombas de Na+/K+ na membrana. A bomba Na+/K+ retira o Na+ do interior da clula ao mesmo tempo em que insere K+. Como a bomba Na+/K+ opera contra o gradiente eletroqumico necessrio um gasto energtico para mant-la ativa, o chamado transporte ativo. Desta forma, no potencial de repouso da membrana, a clula encontra-se em um estado estvel (steady state), onde ocorre gasto energtico para garantir o gradiente inico atravs da membrana. Quando essa condio atingida pode-se dizer que os gradientes de concentrao para Na+ e K+ permanecem constantes.

    Em se tratando agora do on Cl-, em clulas onde no existem bombas de Cl-, o Vm determinado apenas pelos fluxos de Na+ e K+, j que suas concentraes so mantidas pela bomba Na+/K+. Assim a concentrao de Cl- altera-se livremente conforme as foras passivas de potencial eltrico e gradiente de concentrao. Nessa situao o Cl- estaria igualmente distribudo nos dois lados da membrana e teria um ECl = Vm. Entretanto, em clulas do sistema nervoso, existem bombas de Cl- que transportam esse on ativamente para o exterior da clula, de forma que a relao [Cl-]o /[Cl-]i ligeiramente maior do que aquela estabelecida apenas pelas foras passivas. O efeito de aumento no gradiente de Cl- que o ECl torna-se menos negativo que o Vm. Essa diferena entre ECl e Vm resulta do pequeno influxo de Cl- que balanceado ativamente pela extruso de Cl- pela bomba (obs: os nions orgnicos [A-] no so capazes de sair da clula, por isso encontram-se apenas no seu interior contribuindo para a diferena de potencial da membrana). Embora os fluxos de Na+ e K+ definam o potencial de repouso da membrana, este valor no igual ao potencial de equilbrio do Na+ nem do K+. Assim o potencial da membrana em repouso ser influenciado pelas concentraes interna e externa dos dois ou mais ons envolvidos e pela permeabilidade da membrana a estes ons. 5. 2 POTENCIAL DE AO (PA)

    O potencial de ao uma das formas de transferncia de informao decorrente da alterao no potencial de membrana e, que, posteriormente, convertido em sinalizao qumica. Como visto anteriormente, o potencial de membrana, na condio de repouso, mantido por um equilbrio dinmico entre os componentes dos meios intra e extracelulares. O Na+ e o K+ so os principais constituintes na manuteno do potencial de repouso.

    Agora o que veremos como uma alterao no potencial de repouso leva transmisso de informaes por sinais eltricos ao longo do neurnio. A primeira descrio do fenmeno do potencial de ao foi feita pelo fisiologista alemo Emil DuBois-Reymond em 1849. Mas, somente 100 anos atrs que os mecanismos bsicos do fenmeno passaram a ser compreendidos em termos de propriedades especficas de protenas de membrana os chamados canais inicos de Na+ ou K+ dependentes de voltagem.

  • Por meio de tcnicas mais precisas de registro de voltagem e corrente eltrica pela membrana, tal como o patch clamp, inmeros conhecimentos foram adquiridos com relao a esses canais. Alan Hodgkin, Andrew Huxley e Bernard Katz foram os principais responsveis pelo avano nos conhecimentos envolvendo o potencial de ao, conhecimentos sobre a participao de cada um dos canais inicos e a cintica de funcionamento dos mesmos.

    De incio, quando um neurnio recebe um pequeno estmulo despolarizante ocorre a abertura de canais de Na+ e K+ dependentes de voltagem. Os canais inicos que esto permanentemente abertos tambm do origem a uma corrente eltrica, denominada de Il (proveniente do termo ingls leakage current). Ento, com um baixo estmulo despolarizante so trs as fontes de corrente geradas: a Il que j estava presente na clula em repouso, a INa decorrente da abertura dos canais de Na+ dependentes de voltagem e a IK decorrente da abertura dos canais de K+ dependentes de voltagem. Assim, nessa situao, a IK e a Il seriam capazes de contrabalanar a ao despolarizante dada pela INa. No entanto, uma das principais caractersticas do potencial de ao que ele um fenmeno do tipo tudo-ou-nada. Essa caracterstica pode ser compreendida observando a cintica dos canais dependentes de voltagem (voltage-gated channels ou voltage open channels - VOC), que so assim denominados porque sua abertura e fechamento so respostas dadas frente a alteraes no potencial de membrana.

    Assim, devido maior sensibilidade dos canais de Na+ a alteraes de voltagem e a sua cintica mais veloz, os canais anteriormente abertos promovem a abertura de mais canais de Na+ dependentes de voltagem. Esse evento em cascata atinge um ponto onde a despolarizao da membrana acaba por atingir o chamado limiar de disparo. Uma vez atingido o limiar de disparo, a clula capaz de deflagrar um potencial de ao. Comumente, o potencial de ao representado como um grfico que retrata as alteraes do potencial de membrana (Figura 4). Nesse grfico, pode-se observar uma fase inicial de ascenso que representa a despolarizao. Aps atingir o pico mximo de despolarizao, ocorre um declnio do potencial de mebrana no sentido de re-estabelecer o VR. Depois de atingir o valor de VR, a clula ainda sofre uma pequena hiperpolarizao (aumenta a negatividade do potencial de membrana).

    A deflagrao do potencial de ao ocorre com um aumento maior da INa, resultado do maior nmero de canais de Na+ dependentes de voltagem, que supera a IK e a Il. Dessa forma, o influxo de Na+ excede a corrente de efluxo. A abertura de alguns VOCs de Na+ estimula a abertura de mais VOCs de Na+. Ento, o potencial limiar (VT) um valor especfico no qual a rede de corrente inica (INa + IK + Il) muda de sentido, ao invs de ser uma corrente para o exterior da clula, passa a ser uma corrente em direo ao interior. Isso causa uma deposio de cargas positivas no meio intracelular dado por um maior influxo do Na+. Esse fenmeno representa a fase ascendente do grfico de potencial de membrana durante o potencial de ao.

    Outro evento que ocorre, alm da ativao dos VOCs de Na+, a abertura dos VOCs de K+. Embora esses canais tambm sejam ativados pela mudana do Vm, a despolarizao continua, pois os VOCs de K+ tm uma cintica mais lenta em relao aos VOCs de sdio e, por isso, a abertura desses canais mais tardia.

    A abertura dos VOCs de Na+ conduz o Vm em direo ao potencial de equilbrio do Na+ (ENa). Entretanto, essa abertura em cascata dos canais de Na+ dependentes

  • de voltagem no continua indefinidamente. Conforme o Vm se aproxima do valor de ENa (i.e. pico mximo da despolarizao), os VOCs de Na+ inicialmente abertos vo se fechando. Esse fechamento dos canais de Na+ um estado alterado, pois na realidade esses VOCs tornam-se inativos e, dessa forma, passam a ser refratrios a qualquer outro estmulo despolarizante, ainda que esse estmulo seja de alta intensidade.

    Os VOCs de Na+ fecham-se a medida que os VOCs de K+ so abertos, proporcionando uma corrente repolarizante no sentido oposto corrente do Na+. Dessa forma o declnio observado no grfico de Vm, na verdade, o resultado desses dois acontecimentos, inativao dos VOCs de Na+ somada a um maior nmero de VOCs de K+ abertos. Os VOCs de Na+ retornam do seu estado inativado para o fechado no momento em que a despolarizao cessa e o Vm atinge valores de VR. Nesse mesmo instante, os VOCs de K+, que esto no seu grau mximo de abertura, comeam a se fechar. Entretanto, esse fechamento no ocorre to rpido quanto o dos VOCs de Na+ e, por isso, ainda que o VR tenha sido alcanado um efluxo de ons K+ continua do meio intra- para o extracelular, explicando o efeito hiperpolarizante. Com o fechamento total dos VOCs de K+ a clula retorna para sua condio de repouso.

    Na maioria dos neurnios, os potenciais de ao so seguidos por um perodo refratrio breve, dividido em duas fases: um perodo refratrio absoluto que ocorre imediatamente aps o potencial de ao e um perodo refratrio relativo que se segue ao anterior. Na primeira fase impossvel excitar uma clula, independentemente do quo intenso o estmulo despolarizante aplicado. O mesmo no ocorre no perodo seguinte que denominado de refratrio relativo porque se o estmulo aplicado for intenso, ento a clula capaz de eliciar um novo potencial de ao. O perodo inteiro de refrao dura por milissegundos e conseqncia dos canais de Na+ ainda inativados e os VOCs de K+ ainda abertos.

    Em geral, os mecanismos bsicos para gerao do potencial de ao so os mesmos em todos os neurnios. Embora os diferentes tipos de canais inicos proporcionem distintos graus de excitabilidade da membrana, o mecanismo primordial de tudo-ou-nada para gerao do potencial de ao , na maioria das vezes, o mesmo em todos os neurnios e clulas musculares.

    Existem diferenas importantes que vo alm das variaes de tipo e densidade de canais nas clulas do sistema nervoso. A variao topogrfica desses canais tambm tem conseqncias funcionais relevantes. A membrana dos dendritos, corpo celular, zona de disparo, terminais nervosos e o axnio possuem uma grande variedade de canais. O axnio, por

    Figura 4. Esquema representativo de um potencial de ao.

  • exemplo, pode ter uma variedade e distribuio tal de canais que est vinculado a sua funo de conduzir o estmulo de uma regio outra. 5.3 PROPAGAO DO POTENCIAL DE AO

    Agora que compreendemos como o potencial de ao gerado, resta entender como ele se propaga ao longo do axnio. Em geral, o potencial de ao produzido em um determinado ponto da membrana excita as regies adjacentes a este ponto. Como conseqncia, os canais de Na+ nestas regies abrem-se imediatamente e o potencial de ao vai sendo propagado. Este processo acontece repetidamente, sendo que a despolarizao trafega ao longo da extenso de toda a fibra nervosa. A transmisso do processo de despolarizao ao longo da fibra nervosa ou muscular denominada de impulso nervoso ou muscular, respectivamente. A propagao do potencial de ao ocorre nas duas direes a partir do ponto inicial, e at mesmo por todos os ramos de uma fibra nervosa, at que toda a membrana seja despolarizada.

    Para maximizar a capacidade do organismo de responder a variaes do seu ambiente, os neurnios devem conduzir os sinais com grande rapidez. Contudo, um sinal de voltagem decresce em amplitude conforme a distncia percorrida pelo neurnio. Assim diversas caractersticas do SN surgiram para compensar algumas dificuldades relacionadas com a eficincia da propagao da sinalizao neuronal. Neste sentido, as propriedades eltricas passivas dos neurnios, que so constantes e no se alteram durante a sinalizao, desempenham um importante papel na manuteno do potencial gerado. Essas propriedades passivas so trs: resistncia da membrana, capacitncia da membrana e resistncia axial intracelular ao longo dos dendritos e do axnio. Estas propriedades determinam: o decurso temporal do potencial sinptico gerado, se o potencial sinptico gerado em um dendrito produzir despolarizao sub ou supraliminar na zona de gatilho (no cone axnico) e a velocidade com que ser conduzido o potencial de ao uma vez que ele tenha sido gerado.

    A relao entre as propriedades passivas eltricas dos neurnios fornece a constante de comprimento e a constante de tempo que esto diretamente relacionadas com a eficincia da conduo neuronal. A constante de comprimento do neurnio dada pela relao entre a resistncia da membrana e a resistncia axial, e definida como a distncia ao longo do dendrito - a partir do ponto inicial de despolarizao - na qual a variao do potencial de membrana decai a 37% do valor inicial. Assim, quanto maior for a constante de comprimento de um neurnio, a corrente poder percorrer maior distncia ao longo do dendrito antes de se dissipar pela membrana, o que influenciar na somao espacial, processo pelo qual os potenciais sinpticos gerados em diferentes regies do neurnio podem somar-se na zona de gatilho. Outra constante, que o produto da resistncia da membrana pela sua capacitncia a constante de tempo () - influenciar o decurso temporal do potencial sinptico e desta maneira afetar a somao temporal, processo pelo qual aes sinpticas consecutivas num mesmo stio so adicionadas na clula ps- sinptica. Assim, quanto maior a constante de tempo do neurnio, maior a capacidade de somao temporal e maior a probabilidade de somao de estmulos, por exemplo. Essas propriedades de somao temporal e espacial dos neurnios so dadas pelas propriedades eltricas passivas e sero muito importantes no processo de integrao neuronal, visto mais adiante.

  • A despolarizao inicial ocasionada pela gerao do potencial de ao propaga-se, eletrotonicamente, ao longo do axnio. Essa propagao faz com que a regio adjacente de membrana alcance tambm o limiar para disparo do potencial de ao. A onda de despolarizao no ocorre ao mesmo tempo em toda a extenso da membrana. Inicialmente uma pequena poro despolarizada (por isso chamada zona ativa), enquanto as demais regies permanecem em repouso (zona inativa). Sendo assim, a propagao vai da zona ativa para as zonas inativas adjacentes em virtude da diferena de potencial entre estes dois locais. Uma vez que a zona inativa alcana o limiar de disparo, os VOCs de Na+ dessa regio se abrem, o Na+ entra no meio intracelular por gradiente eletroqumico e a despolarizao torna-se maior. Dessa forma, a despolarizao altera uma zona de inativa para ativa e a regio anteriormente ativa torna-se passiva novamente. Existe uma onda repolarizante que segue o sentido oposto despolarizao.

    Em geral, quanto maior o dimetro de um axnio, menos corrente necessria para atingir o limiar de disparo do potencial de ao. Quanto maior o dimetro, menor a resistncia oferecida pelo citoplasma no sentido longitudinal, pois, conforme aumenta a rea de seco do axnio, mais fcil se propagar a corrente.

    A taxa de propagao passiva do sinal eltrico varia inversamente com o produto das variveis racm (resistncia axial e capacitncia por unidade de comprimento do axnio, respectivamente). A mielinizao diminui o racm, pois o cm inversamente proporcional a espessura do material de isolamento (mielina). Reduzindo o valor do produto racm, a taxa de propagao passiva da despolarizao aumenta e o potencial de ao tambm propaga-se mais velozmente.

    Como j citado, o potencial de ao diminui, gradualmente, medida que se propaga passivamente ao longo do axnio (dada resistncia axial). Para conter esse decrscimo do sinal e evitar que o potencial de ao entre em extino completa, a bainha de mielina interrompida a cada 1-2 mm pelos nodos de Ranvier. Embora esse espao seja pequeno, ele contm uma alta densidade de VOCs de Na+, capazes de gerar uma intensa corrente despolarizante em resposta propagao passiva da regio adjacente. Assim, a distribuio regular desses nodos impulsiona a amplitude do potencial de ao periodicamente, prevenindo que ele se dissipe ao longo do axnio.

    O potencial de ao, que se propaga rapidamente pela regio revestida com mielina (devido baixa capacitncia), diminui de velocidade ao chegar em cada n de Ranvier (devido alta capacitncia). Conseqentemente, o potencial de ao parece saltar rapidamente de nodo para nodo. Esse comportamento, em axnios mielinizados, que d o nome de conduo saltatria. A conduo saltatria tambm metabolicamente favorvel, pois menos energia dispendida na manuteno da bomba Na+/K+, uma vez que a corrente inica flui apenas nos nodos das fibras mielinizadas.

    Esse o mecanismo bsico da conduo dos sinais eltricos (potencial de ao) ao longo do neurnio. Geralmente, quando o potencial de ao chega a regio dos terminais sinpticos, na extremidade oposta entrada do estmulo, esses sinais eltricos so convertidos em sinais qumicos pela liberao dos neurotransmissores na fenda sinptica. Os mediadores qumicos so reconhecidos por receptores especficos da clula seguinte, e a ativao dos receptores na membrana ps-sinptica capaz de converter o sinal qumico em sinal eltrico novamente.

  • 5.4 INTEGRAO DOS SINAIS A maioria das clulas nervosas recebem diversas aferncias numa mesma

    regio, e todo o conjunto de estmulos, sejam despolarizantes ou hiperpolarizantes (potencial excitatrio ps-sinptico PEPS; potencial inibitrio ps-sinptico PIPS, respectivamente), so recebidos e transmitidos ao corpo celular. Esse conjunto de sinais integrado; conforme o resultado final dessa integrao, o neurnio decide se o estmulo final integrado suficiente ou no para deflagrao do potencial de ao, na zona de disparo.

    Dois fatores intrnsecos clula influenciam a integrao dos sinais: a constante de espao e a constante de tempo, como visto anteriormente. A constante de espao est relacionada chegada de dois estmulos num mesmo local da clula, j a constante de tempo relaciona-se chegada de dois estmulos ao mesmo tempo. Supondo que dois estmulos excitatrios atinjam uma nica clula, se esse neurnio tiver uma alta constante de tempo pode ocorrer a somao temporal, que como resultado apresenta uma maior durao do PEPS final; se o mesmo neurnio tiver uma alta constante de espao, por sua vez, ocorre a somao espacial que permite que os PEPS sejam somados, conferindo uma maior amplitude no PEPS final. Dessa forma, a constante de tempo fornece a durao do PEPS, enquanto que a constante de espao est relacionada amplitude dos mesmos.

    Aps a reviso realizada neste captulo sobre a estrutura e o funcionamento das clulas do SNC seria necessrio compreender quais funes estariam relacionadas com as diferentes reas cerebrais e como estas diferentes regies interagem na realizao de tarefas multimodais. As funes mentais esto localizadas em reas especficas do crebro. Mas tambm tem se tornado claro que funes mentais complexas requerem integrao de informao de diversas reas cerebrais. Isso por sua vez tem levantado a questo: Como essa informao cognitiva distribuda e paralela processada juntamente? Em qual rea cortical a integrao ocorre? E como a integrao trazida?

    O crebro produz uma percepo integrada, pois as clulas nervosas esto interconectadas de forma precisa e ordenada, conforme um planejamento que no varia muito entre os indivduos normais. Todavia, as conexes no so exatamente idnticas em todos os indivduos. As conexes entre as clulas podem ser modificadas pela atividade ou aprendizado. Lembramos de eventos especficos porque a estrutura e conexes entre as clulas so modificadas por esses eventos.

    Algumas reas corticais servem a funes integrativas de alta ordem que no so nem puramente sensoriais nem puramente motoras, mas associativas. Essas reas do crtex de alta ordem, que agora ns chamamos de reas associativas, servem para associar entrada de informao sensorial resposta motora e, efetuar aqueles processos mentais que intervm entre a entrada de informao sensorial e sada de informao motora. Os processos mentais atribudos a essas reas incluem interpretao de informao sensorial, associao de percepes com experincias prvias, focalizao de ateno, e explorao de ambiente.

    Como funo principal do sistema nervoso, temos a percepo do meio, e respostas adequadas. A percepo se d atravs do Sistema Sensorial, enquanto a de respostas devido ao Sistema Motor.

  • 6. SISTEMAS SENSORIAIS E PERCEPO

    O meio externo pode ser percebido, para entao ser interpretado, atravs de diferentes receptores especializados. Um estmulo, sendo captado por um receptor, apresenta quatro atributos principais: intensidade, durao, localizao e modalidade. O estmulo, percebido, ocasiona em uma sensao, que pode ou no levar a percepo.

    Sensao a capacidade de codificar certos aspectos da energia fsica e qumica representando-os como impulsos nervosos capazes de serem compreendidos pelos neurnios. A percepo, por sua vez, pode ser compreendida como a capacidade que alguns animais apresentam de vincular os sentidos a outros aspectos da existncia, como o comportamento, nos animais de forma geral, e o pensamento, no caso dos seres humanos. A percepp apresenta um nvel de complexidade mais alto do que a sensao e atingiu nveis mais altos na espcie humana: somos capazes de planejar e construir novos objetos, alguns deles destinados a aumentarem ainda mais a nossa capacidade perceptual, indagar-nos sobre a origem, o passado e o futuro das coisas que percebemos e at mesmo imaginarmos coisas imperceptveis, na ausncia de qualquer estimulao sensorial correspondente.

    Estudos celulares dos sistemas sensoriais oferecem uma nova viso de como um estmulo na superfcie do corpo pode ser convertido em sensaes e ao planejada. 6.1 MUNDO REAL X MUNDO PERCEBIDO

    O tombamento de uma rvore, em uma floresta, na ausncia de qualquer animal, produz som? A Terra era azul antes que o Homem a visse do espao? Os neurocientistas concordam em responder negativamente a essas perguntas. Ao cair no cho, a rvore produz vibraes que se propagam pelos meios materiais circundantes at se dissiparem. Mas essas vibraes s se transformam em som se houver nas proximidades algum ser vivo dotado de um sistema nervoso com capacidade de capt-las e perceb-las como tal. Do mesmo modo, a Terra no tem cor se as radiaes de diferentes comprimentos de onda que ela reflete no puderem ser absorvidas seletivamente pelos neurnios sensoriais especializados da viso, no s humana. Existem, portanto, dois mundos na natureza: o mundo real e o mundo percebido. E, se o mundo real diferente do mundo percebido, torna-se muito importante compreender o que os torna diferentes, e como isso ocorre.

    o sistema nervoso, em particular as regies neurais que compem os sistemas sensoriais, o responsvel por esse fenmeno de percepo do mundo. 6.2 Componentes estruturais dos sistemas sensoriais

    Todo sistema sensorial composto por neurnios interligados, formando circuitos neurais que processam a informao vinda do ambiente. O ambiente, externo ou interno em relao ao organismo, a origem dos estmulos sensoriais. Estes, so captados atravs dos receptores sensoriais, que nada mais so do que clulas especialmente adaptadas para captar a energia incidente.

    Como j mencionado, os reptores so especficos, isto , especializados na deteco de certas formas de energia, por exemplo: energia mecnica

  • (mecanoceptores), luminosa (fotoceptores), trmica (termoceptores), qumica (quimioceptores) e diversas formas de energia que pem em risco a integridade do tecido, causando a dor (terminaes nervosas livres). Isto ocorre por possurem, em sua membrana plasmtica, protenas capazes de absorver seletivamente uma nica forma de energia. Alm disso, cada tipo de receptor subdivide-se em subtipos ainda mais especficos: h mecanoceptores que detectam sons, h os que detectam estmulos sobre a pele, h os que detectam alongamento dos msculos e outros. Tambm h fotoceptores especializados em detectar radiao prxima do azul, outros mais sensveis radiao prxima do verde, e assim por diante.

    Quando um estimulo percebido pelo receptor, de forma proporcional a seus parmetros (intensidade, etc), h a transduo da energia captada, formando um primeiro potencial, chamado de potencial gerador ou receptor. Ele se propaga ao longo da membrana e ativa outros canais inicos que produzem potenciais de ao, ou ento provocam a liberao de neurotransmissores que ativam outras clulas nervosas da cadeia sensorial.

    Vale ressaltar que h uma proporcionalidade entre o estmulo e a resposta, o que significa que o potencial receptor realmente traduz as caractersticas principais do estmulo: sua intensidade e sua durao. A converso destes potenciais receptores para potenciais de ao denominada codificao. A codificao pode ocorrer na mesma clula receptora, em uma segunda clula conectada com o receptor por meio de uma sinapse qumica, ou mesmo um terceiro ou quarto neurnio na cadeia sensorial.

    Geralmente os sistemas sensoriais so constitudos por conjuntos organizados de receptores, s vezes formando rgos receptores, como o olho e o ouvido, outras vezes distribudos por uma vasta superfcie de captao de estmulos, como a pele. Sendo assim, raramente um estmulo atinge um nico receptor, mas vrios de uma s vez. O SNC recebe, ento, um mapa codificado em potenciais de ao que representa a topografia do estmulo. Isso se deve parcialmente organizao topogrfica que caracterstica de muitos sistemas sensoriais, e que envolve o agrupamento de fibras nervosas e corpos celulares lado a lado, de acordo com a posio espacial dos receptores. Estabelecem-se assim vias paralelas, que realizam independentemente o processamento de diferentes aspectos dos estmulos sensoriais. Tomada isoladamente, toda clula sensorial, e no s os receptores, ativada por uma poro restrita do ambiente, o campo receptor. Assim, cada um dos receptores ativados por um estmulo possui um campo receptor caracterstico situado em um determinado ponto da superfcie estimulada. Os receptores adjacentes aos receptores da regio estimulada possuem campos receptores ligeiramente diferentes e assim sucessivamente. O mesmo pode ser dito de cada uma das fibras nervosas que veiculam o cdigo de freqncia de potenciais de ao que representa o estmulo. assim tambm para cada um dos neurnios de segunda ordem e para aqueles de ordem superior no sistema. Desse modo, todos os neurnios de uma via sensorial apresentam campos receptores, alguns menores, outros maiores, alguns de organizao simples, outros mais complexos. 7. SISTEMA MOTOR

  • 7.1 O ARCO REFLEXO Aps a percepo sensorial pode ocorrer a produo de um comportamento

    associado. Examinaremos em termos gerais a produo de um comportamento conhecido como um reflexo simples de estiramento o reflexo patelar. Um desequilbrio transitrio do ambiente pode estimular neurnios sensoriais e produzir um reflexo motor, atravs de um neurnio motor. Esse tipo de reflexo constitui um grupo especial de reflexos denominados de espinhais, ou seja, todo o comportamento restrito a conexes com a medula e no chega ao encfalo. So geralmente mediados por circuitos monossinpticos, nos quais os neurnios sensoriais esto diretamente conectados aos neurnios motores.

    O reflexo patelar e seus componentes anatmicos esto representados na figura 6. Uma leve batida do tendo patelar, que liga o msculo quadrceps femoral patela, produz um reflexo rpido de estiramento (como um chute), atravs da contrao do msculo da coxa, quadrceps femoral, e relaxamento dos msculos flexores opostos da parte de trs da coxa.

    Figura 6: O reflexo patelar um exemplo se um sistema reflexo monossinptico,um comportamento simples controlado por conexes diretas entre os neurnios sensoriais e motores. Bater levemente na patela com um martelo de reflexo causa um puxo no tendo do quadrceps femoral. Quando o msculo estirado, reagindo i puxo no tendo, a informao a respeito dessa mudana no msculo transmitida por neurnios aferentes (sensoriais) para o Sistema Nervoso Central. Na medula

  • espinal, os neurnios sensoriais agem diretamente nos neurnios motores extensores que contraem o quadrceps. Alm disso, os neurnios sensoriais agem indiretamente, por meio de interneurnios, para inibir os neurnios motores flexores, que de outra forma contrairiam os msculos opostos (squios tibiais). Essas aes combinam-se para produzir o comportamento reflexo. Nesse desenho esquemtico cada neurnio motor extensor e flexor representa uma populao de muitas clulas (divergncia neuronal). Os corpos celulares dos neurnios sensoriais mecanoceptores envolvidos no reflexo patelar esto agrupados prximos medula espinal em um gnglio da raz dorsal. Um ramo do axnio do neurnio sensorial vai at o msculo quadrceps femoral e o outro se localiza centralmente da medula espinhal. O ramo da medula espinhal faz sinapse com os neurnios motores que tem seus corpos celulares localizados no gnglio da raiz ventral. O neurnio motor inerva o msculo quadrceps femoral e controla a contrao muscular. Esse neurnio tambm faz conexes com neurnios controladores dos msculos antagnicos contrao em questo, facilitando o movimento reflexo de estiramento (figura 6). 8. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    CARSON, N.R. - Structure and functions of cells of the Nervous System. In: Physiology Behavior. 5 Ed. Boston. Paramount, 1994. P.19-46

    HOF, P.R.; TRAPP, B.D.; VELLIS,J.; CLAUDIO, L.; COLMAN, D.R. - The cellular components of Nervous Tissue. In: Zigmound, M.J.; Bloom, F.E.; Landis, S.C.; Roberts, J.L.- Fundamental Neuroscience. San Diego. Academic Press., 1999, p. 41-70.

    KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSEL, T.M. - Principles of Neural Science. 4. Ed. New York. McGraw-Hill Companies, 2000.

    GUYTON, A.R.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Mdica. 9 Ed. Philadelphia Guanabara Koogan. 1997.

    LENT, R. - Cem Bilhes de Neurnios. 1. Ed. So Paulo. Atheneu 2001. SCHATZERBERG, A. F.; NEMEROFF, C. B. Textbook of Psychopharmacology

    The American Psychiatric Publishing. 3 Ed, Washington, DC; London, England, 1995, p. 89 103.

  • NEUROANATOMIA 1. TCNICAS EM NEUROANATOMIA

    Alm da anlise macroscpica do tecido cerebral, feita pela dissecao e observao a olho nu, podem ser usados mtodos microscpicos que permitem visualizar no os diferentes tecidos nervosos, mas sim as suas clulas e fibras, marcando os ncleos neuronais, suas projees e aferncias. H diferentes tcnicas que podem ser empregadas, sendo que cada uma nos permite um tipo diferente de visualizao e evidencia uma parte em especial do tecido.

    Antes de abordar as principais tcnicas usadas em neuroanatomia, se torna importante discorrer sobre alguns conceitos, cruciais para o entendimento de algumas dessas tcnicas.

    O neurnio, unidade anatomo-funcional do sistema nervoso central, uma unidade trfica. Assim, se uma parte do axnio lesada, o corpo celular tambm acaba prejudicado, tanto quanto a terminao axonal.

    Sendo assim, uma leso em determinado local do axnio acarreta em uma degenerao antergrada (no sentido de propagao do sinal, afetando a bainha de mielina e o axoplasma - adiante) quanto em uma degenerao retrgrada (ao contrrio da propagao de sinal, com degenerao do corpo celular e dendritos - atrs).

    Caso a leso seja muito grande, pode afetar outros neurnios, que no foram diretamente lesados. H ento uma degenerao transneuronal, por falta de fatores trficos.

    Dito isso, levando em considerao o histrico das tcnicas em neuroanatomia, temos os principais mtodos na seguinte ordem:

    Mtodo de Nissl - utiliza colorao por tionina ou cresil violeta; evidencia os

    ncleos celulares; Mtodo mieloarquitetnico (Weigert) - mtodo que cora a mielina, por

    colorao de Weigert. reas pobres em mielina se apresentam brancas, enquanto que reas ricas na substncia so coradas em cinza;

    Mtodos Histoqumicos - busca por enzimas, e distino/agrupamento de neurnios de acordo com o padro de concentrao/distribuio delas, levando em considerao seu aspecto neuroqumico;

    Mtodos de Golgi - cora todo o neurnio e suas ramificaes, permitindo assim a visualizao dele por inteiro (anatomia das clulas nervosas); grande riqueza de detalhes das clulas;

    Tcnica de Marchi - evidencia a mielina em degenerao (imagem positiva da tcnica de Weigert); importante para estudo de traumas;

    Mtodo de Nauta e suas variantes - marcam o axoplasma em degenerao; permite evidenciar as aferencias do local lesionado;

    Tcnicas Degenerativas: exigem muito esforo e so pouco sensveis; h problema das fibras de passagem. Dois mtodos: por traadores antergrados (captados pelos dendritos, e passados ao axonio at o boto terminal) e retrgrados (captados pelos terminais axonais e acumulados no soma).

  • Tcnica radioautogrfica (antergrado) - no degenerativa. O traador usado um aminocido radioativo, captado pelos dendritos e que migram at os terminais axonais. Identifica local de injeo e por onde vo axnios que saem dele. Muito mais sensvel do que tcnicas degenerativas, pois no h leso de fibras de passagem;

    Controle retrgrado - traador peroxidase do rbano silvestre (HRP), captado pelos terminais axonais, e migra at o corpo celular; usada geralmente para confirmar a tcnica antergrada (injeta os alvos e verifica se h marcao do local de injeo da antergrada);

    Tcnica de rastreameto retrgrado - por traadores fluorescentes (de rpida degradao).

    Controle antergrado - o traador uma protena de um microorganismo. Identifica com exatido as eferncias do local injetado;

    Tcnicas de dupla marcao - utilizao de um traador antergrado ou retrgrado e uma substncia endgena. Confirma projeo do local injetado mais local injetado, ou projeo para o local injetado mais local injetado, respectivamente.

    Tcnicas de Imuno histoqumica - usadas para substancias endgenas, como enzimas de sntese de transmissores, o prprio neurotransmissor, receptores, hormnios, e assim por diante. utilizado um anticorpo especfico para o antgeno desejado (que a prpria substncia endgena). Apresenta grande especificidade e sensibilidade;

    Tcnicas de transporte transneuronal usando vrus neurotrpicos - dependendo da cepa utilizada, pode fazer marcao antergrada ou retrgrada, pelo fluxo axoplasmtico, passando transsinapticamente para os prximos neurnios. H assim um mapeamento do sinal (propagao sinptica);

    Tcnica do C-FOS - mede ativao das vias neurais. A protena FOS expressada imediatamente aps a ativao da via neural, e a tcnica permite visualizao dessa ativao;

    Tcnicas de imagem - importantes por serem tcnicas no invasivas. Podem ser:

    Tomografia computadorizada - com emisso de psitrons; quanto mais ativa uma rea nervosa, maior o afluxo sanguneo e maior o metabolismo. Assim, reas visualizadas em cores mais quentes sao mais ativas do que em cores frias;

    Imagens por ressonncia magntica (MRI) - alta resoluo; permite correlao da leso com funes perdidas e remanescentes. Ressonncia magntica funcional - evidencia locais mais ativos por metabolismo de glicose e presena de oxihemoglobina ou desoxihemoglobina. Ideal para visualizar quais reas se relacionam com quais tarefas.

    2. ORGANIZAO DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL: FILOGNESE, ESTRUTURA E EMBRIOLOGIA.

  • 2.1 FILOG