apostila aea cinema

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A Ideologia Disney no Cinema

A Arte de SonharOnde a imaginao salva o dia... Onde toda histria de Cinderela vira realidade... Onde o pas das maravilhas o seu destino...Lus Buuel disse uma vez: "Basta a um homem prisioneiro fechar os olhos para que tenha o poder de fazer explodir o mundo"; eu acrescento, parafraseando-o: "Bastar que a pupila branca da tela possa refletir a luz que lhe prpria para fazer explodir o Universo..." Mas atualmente podemos dormir tranqilos porque a luz cinematogrfica est cuidadosamente dosada e dominada. Nenhuma das artes tradicionais manifesta desproporo to grande entre as possibilidades que oferece e suas realizaes. Porque age de maneira direta sobre o espectador, apresentando-lhe seres e coisas concretas, porque o isola, graas ao silncio e escurido, do que se poder chamar de seu habitat psquico. O cinema capaz de pr o espectador em xtase melhor que qualquer outra expresso humana, uma arma magnfica e perigosa se manejada por um esprito livre. o melhor instrumento para exprimir o mundo dos sonhos, das emoes, do instinto. O mecanismo criador de imagens cinematogrficas , por seu funcionamento, o que, entre todos os meios de expresso humana, lembra melhor o trabalho do esprito durante o sono. O filme parece uma imitao involuntria do sonho. Jacques B. Brunius observa que a noite que invade pouco a pouco a sala equivale ao de fechar os olhos. ento que comea, na tela e no fundo do homem, a incurso noturna no inconsciente; as imagens, como no sonho, aparecem e desaparecem por intermdio de fuses; o tempo e o espao tornam-se flexveis, retraem-se ou distendem-se vontade; a ordem cronolgica e os valores relativos de durao no correspondem mais realidade; a ao cclica deve realizar-se em alguns minutos ou vrios sculos; os movimentos aceleram os atrasos. E eis a essncia cinematogrfica jorrando de maneira inslita de um filme andino, de uma comdiabufa ou de um dramalho. Zavattini disse uma coisa muito significativa: "Os piores filmes que pude ver, os que me mergulham num sono profundo, contm sempre cinco minutos maravilhosos; ora, os melhores filmes, os mais cobertos de louvores, no contam com mais de cinco minutos vlidos". Isso quer dizer que em todos os filmes, bons ou maus, alm e apesar das intenes dos realizadores, a poesia cinematogrfica luta para vir tona e se manifestar sempre... O cinema assim...E assim a magia do cinema: um mundo de imagens, sons e nostalgia. Uma arte de sonhos...Uma arte para sonhar...

Maurcio R. Silva Filho & Leandro Machado

ndiceOs Trs Porquinhos (1933) Branca De Neve E Os Sete Anes (1937) Pinocchio (1940) Fantasia (1940) Al Amigos (1943) & Voc J Foi Bahia (1944) Bambi (1942) Dumbo (1941) Cinderela (1950) Alice No Pas Das Maravilhas (1951) Peter Pan (1953) A Dama E O Vagabundo (1955) A Bela Adormecida (1959) 101 Dlmatas (1961) Mary Poppins (1964) A Espada Era A Lei (1963) Mogli, O Menino Lobo (1967) Os Aristogatas (1970) Robin Hood (1973) Puff O Ursinho Guloso (1977) Bernardo & Bianca (1977) O Ratinho Detetive (1986) Oliver E Seus Companheiros (1988) O Co E A Raposa (1981) O Caldeiro Mgico (1985) A Pequena Sereia (1989) A Bela E A Fera (1991) 8 10 12 15 15 17 17 19 22 23 24 26 26 28 29 30 30 31 31 31 32 32 34 35 37 38

Aladdin (1992) O Rei Leo (1994) Pocahontas (1995) O Corcunda De Notre Dame (1996) Mulan (1998) Tarzan (1999) A Nova Onda Do Imperador (2000) Atlantis O Reino Perdido (2001) Lilo & Stitch (2002) Planeta Do Tesouro (2002) Irmo Urso (2003) Nem Que A Vaca Tussa (2004) A Princesa E O Sapo (2009) Rapunzel (2010) Hrcules (1997) Fantasia 2000 (2000) Toy Story (1995) Toy Story 2 (1999) Toy Story 3 (2010) Vida De Inseto (1998) Monstros S/A (2001) Procurando Nemo (2003) Os Incrveis (2004) O Galinho Chicken Little (2005) Carros (2006) Ratatouille (2007) Wall-E (2008) Shrek (2001) Shrek 2 (2004) Shrek Terceiro (2007)

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Wallace & Gromit: A Batalha Dos Vegetais (2005) A Noiva Cadver (2005) A Fuga Das Galinhas (2000) A Viagem De Chihiro (2001) O Castelo Animado (2005) As Bicicletas De Belleville (2004)

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Parte 1:

O Prncipe Sombriourante a maior parte de sua vida pblica, Walt Disney foi conhecido no mundo como tio favorito de todos. Foi amado por milhes, por seus cartoons que apresentavam Mickey Mouse, Pato Donald, Pateta e Pluto, e muitos situam suas animaes entre as mais bem realizadas do gnero. Foi saudado como um homem gentil, reverenciado como marido amoroso e extremoso pai de duas adorveis crianas, e homenageado como um dos cidados exemplares de Hollywood. Se a vida de Walt Disney fosse um livro aberto, presumivelmente cola-lo-amos ao lado da Bblia. Houve, no entanto, um outro lado mais sombrio e privado desse personagem extraordinariamente popular. Entre as muitas conquistas menos festejveis est aquela que, em 1940, aos vinte e nove anos de idade, transformou Walt Disney em espio do governo dos EUA, dentro do prprio pas. Sua misso era reportar as atividades dos atores, escritores, produtores, diretores, tcnicos e ativistas sindicais de Hollywood que o FBI suspeitava de subverso poltica. Disney entendia seu posto no FBI no s como um dever patritico, mas tambm como obrigao moral. Tornou-se to obsessivamente devotado causa da espionagem quanto o fora um dia em produzir filmes. Menos de um ano depois, o Estdio Disney foi alvo de uma devastadora e generalizada greve de animadores. Seus artistas mais talentosos, frustrados em conseqncia de longas jornadas de trabalho e baixos salrios, foram impedidos de se organizar, visando negociaes coletivas. Depois de muitas tentativas fracassadas de fundar um sindicato independente, promoveram uma ao trabalhista que teve inicio no comeo da primavera e durou at o final do vero. Entre os lderes da greve estavam Arthur Babbitt, considerado por muitos o maior artista dentro da equipe universalmente reconhecida como a melhor da industria de animao; David Hilberman, outro animador bastante respeitado e Herb Sorrel, um ativista sindical de fora da empresa. Antes mesmo de se chegar a um acordo, cada um deles foi publicamente acusado por Disney de ser comunista. Por muitos anos subseqentes, os trs foram submetidos a implacveis investigaes por parte do FBI, e sofreram danos irreparveis, tanto em sua reputao quanto em sua carreira. Walt Disney acreditava que os lideres da greve haviam cometido um ato de profunda imoralidade contra o estdio. Seu pai, um fundamentalista do Meio-Oeste, o havia educado acreditando que a lealdade ao chefe de famlia era o mais verdadeiro teste do carter de uma pessoa. Desobedecer a um pai era ato de imoralidade que trazia ignonimia ao chefe de famlia. Como adulto, Tio Walt considerou-se no apenas um empregador de animadores mas o paterfamilias de um grupo de talentosos, se no imaturos meninos, como freqentemente se referia aos seus artistas, a maioria dos quais contratara sem experincia anterior e treinara, oferecendo-lhes trabalho de grande oportunidade. Quando esses mesmos artistas reivindicaram representao sindical e entraram em greve para forar a questo, Disney considerou essa iniciativa como um ato de traio familiar, recusou-se a negociar de boa f com eles e chegou a ponto de se aliar a conhecidos membros do crime organizado para reforar sua resistncia. Uma vez declarada a greve, Disney determinou que aqueles que a lideravam deveriam pagar um alto preo pelos seus atos.

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poca da greve, o FBI, sob a liderana de J. Edgar Hoover, se afirmara como o mais eficaz e rude instrumento das industrias para golpear ativistas que buscavam organizar e sindicalizar trabalhadores no cinema. Quando o movimento sindical ganhou seu primeiro ponto de apoio em Hollywood, com a formao do Writers Guild (Sindicato dos Roteiristas), em 1931, o FBI ficou atento. Hollywood, o FBI sabia, havia conquistado a ateno do pas, e quando os filmes falavam, o publico escutava. O FBI, temendo que o contingente de escritores de Hollywood por ele considerado esquerdista, pudesse usar os filmes para estimular uma revolta de mbito nacional, transformou a industria cinematogrfica em primeiro grande alvo na guerrilha contra a subverso via mdia de massa. Embora o ambiente conservador de Hollywood fosse liderado pelos chefes principais dos estdios, quando J. Edgar Hoover precisou de um soldado de lealdade incondicional, escolheu Walt Disney, o diretor de um dos menores e menos poderosos estdios independentes. E com boa razo. No comeo de sua carreira, 1918, Hoover, na poca ainda um subordinado do Bureau, viu-se envolvido em uma perseguio movida pelo FBI aos que fugiam do recrutamento da Primeira Guerra Mundial. Na poca, Walt Disney, ento um garoto de dezessete anos, chamou pela primeira vez a ateno, no porque houvesse tentado escapar do alistamento militar, mas porque forjara as assinaturas dos pais em uma carta de autorizao, numa fracassada tentativa de se juntar ao exercito, enquanto ainda era menor. O Bureau, sempre atento a recrutas potenciais, registrou esses numerosos jovens to ansiosos em combater pela ptria a ponto de mentir para entrar no exercito. Anos mais tarde, quando o FBI conduziu uma investigao preliminar rotineira dos antecedentes de Disney, descobriu que o exercito, ctico quanto sua idade, solicitara a Disney a apresentao da certido de nascimento, depois que este contou ao recrutador haver nascido em Chicago, a 5 de dezembro de 1901. Quando Walt requisitou uma copia do certificado ao Bureau de registros, foi informado de que no existia tal certido de nascimento. Saber da inexistncia da certido de nascimento deixou Disney muito perturbado e aprofundou o sentimento de distanciamento e desconfiana que j nutria pelo pai. Pelo que Walt podia lembrar, Elias Disney havia sido um patriarca desptico que acreditava no uso exagerado da punio fsica para impor disciplina. Uma das fantasias de Walt, durante a infncia, comum entre crianas maltratadas, era a de que o pai o tratava mal porque no o amava, e o motivo era porque Elias no era seu verdadeiro pai. Agora a desconfiana assumia uma dimenso mais profunda e sombria. Quando Disney descobriu que sua certido de nascimento no fora encontrada e talvez no existisse, temeu ter descoberto inadvertidamente a pista de um terrvel segredo de que talvez no fosse absolutamente uma fantasia. Ele poderia ter sido, de fato, adotado na infncia, ou pior, uma criana ilegtima. Assim comeou a investigao que se estenderia por toda a vida para descobrir quem eram seus verdadeiros pais. Em 1940, Hoover ofereceu a Disney os ilimitados servios do FBI para ajudar a desvendar seu passado, em troca do apoio de Walt para garantir o futuro da nao. Essa era uma oferta que Disney no podia recusar a de conseguir, de uma s vez, servir a ptria, demonstrar lealdade, confirmar sua probidade a Hoover, o chefe idealizado de mais nova das famlias ampliadas, e tambm desvendar os segredos de sua prpria identidade. A tentao era irresistvel, com realidade e fantasia provocantemente misturadas. Walt, o patriarca ferido de um grupo de meninos que havia destrudo a estrutura moral do seu estdio famlia, tinha agora a oportunidade de se transformar no menino de Hoover. Ao faz-lo, poderia no somente se redimir da vergonha que o acompanhava e suavizar a raiva sentida em relao aos que contra ele se haviam rebelado e, portanto, o haviam trado, como tambm encontrar conforto no amor de um padrasto dos mais irresistveis.

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Parte 2:

O Rei de uma nova Fantasias primeiros cinco filmes animados de Disney BRANCA DE NEVE E OS SETE ANOES, PINQUIO, BAMBI, DUMBO e FANTASIA foram todos concludos entre 1936 e 1941. O assim chamado perodo ureo da animao Disney terminou no mesmo ano em que a greve contra o estdio teve inicio. Cada um desses filmes, considerados como as mais finas jias de sua carreira de produtor de filmes animados, refletia aspectos do tema maior e nico de Disney: a santidade da famlia e as trgicas conseqncias quando ela violada. Nesses cinco filmes, todos os heris de Disney comeam com grandes defeitos de personalidade, exteriorizados pela perda ou ausncia da figura dos pais. A procura por essa figura transforma-se, em ultima instancia, na busca pela conquista da integridade espiritual. O drama exteriorizado, alm disso, por uma serie de objetos que ameaavam a conquista herica: a maa envenenada de branca de Neve; o nariz que cresce em Pinquio; o incndio na floresta de Bambi; as orelhas estranhas de Dumbo; e, na seqncia clmax de FANTASIA, a escurido da temvel noite que se alastra, antes da chegada da reconfortante alvorada. No obstante, Disney rejeitou todos os significados desses desenhos, com exceo dos literais, que cavalgam a superfcie de suas tramas. Analise psicolgica, ou realmente qualquer forma de introspeco, insistia, no significavam nada para ele. No via utilidade alguma na psiquiatria, tanto em sua obra quanto na sua vida, considerando-a parte da mesma conspirao judeu-marxista que trabalhara para destruir seu estdio. Tambm zombava da sugesto de que seu relacionamento com Hoover tinha razes em algum tipo de conflito emocional no resolvido com Elias, seu pai. Ironicamente, a cegueira emocional de Disney na vida real revelou-se a fonte dessa grande viso artstica. Era precisamente sua negativa consciente que limitava sua percepo e, conseqentemente, seu controle sobre a fora subtextual de seus filmes, e o libertava das barreiras da autorepresso cautelosa. As fantasias puramente instintivas exteriorizadas por Disney eram a chave do apelo universal que seus filmes exercem sobre as crianas de todas as idades. Para os jovens, a trama do conto de fadas, de msticas e exticas historias de herosmo serve como um entretenimento seguro, destitudo de qualquer sugesto de personalizao. Para os adultos, o desejado retorno inocncia da juventude perdida acrescenta uma profundidade temtica, embora abstrata, s apresentaes. Depois da greve de 1941, Disney desiludiu-se do filme animado e, atravs de sua aliana com o FBI, lanou-se no papel do seu maior personagem at ento, um heri da vida real empenhado em livrar a nao dos elementos subversivos que ameaavam a grande famlia norteamericana. Enquanto outros perseguiam indivduos dentro do sistema, Disney

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terminou perseguindo o prprio sistema de Hollywood o qual, acreditava, conspirava para impedi-lo de atingir o sucesso que seus trabalhos, ele achava, mereciam. Apesar da popularidade alcanada por seus filmes, ele continuava convencido de que o Old Boys Club (Clube dos veteranos), composto em sua maioria de judeus que controlavam os trs principais ramos do sistema produo, distribuio e exibio havia trabalhado para limit-lo produo, onde se gastava dinheiro, e lhe negava acesso completo distribuio e exibio, onde se ganhava dinheiro. Disney, forado a permanecer margem do curso principal da industria, acreditava-se um filho bastardo de Hollywood. Externou a raiva que isso lhe provocava tentando destruir a estrutura e, por conseguinte, os centros de poder da industria. No final, realizou seu objetivo como um dos litigantes do memorvel caso da Suprema Corte, que considerou o sistema de estdio um monoplio ilegal. Essa deciso encerrou o domnio dos grandes na distribuio e exibio e, alem disso, mutilou uma industria j claudicante, em conseqncia das investigaes governamentais em sua poltica e da nova concorrncia da televiso livre. Prximo ao fim da sua vida, sua atuao semanal como anfitrio de um popular seriado de televiso que levava seu nome reforou sua imagem publica como o bondoso tio de todos. Essa imagem foi ainda mais reforada pelo monumento que ele construiu sua prpria lenda, batizado com o nome de Disneylndia, um parque de diverses dedicado memria da infncia feliz que nunca tivera. A Disneylndia confirmou o lugar de Disney na iconografia da genuna e inocente infncia norte-americana, ao lado de torta de maas, frias de vero, beisebol, sorvete e, naturalmente, Mickey Mouse. Por ocasio de sua morte, aos sessenta e cinco anos de idade, os obiturios lamentavam o falecimento do grande homem da famlia norte-americana, que havia oferecido ao mundo o prazer de seus filmes, programas de televiso e parques temticos. Esquecidos nos muitos tributos ficaram o fato de ter criado a Associao Hollywoodiana que intimidava, como aliados civis do governo vigilante, todos aqueles que a Associao considerava subversivos; seu depoimento amigvel perante a House Un-American Activities Comittee HUAC (Comisso das atividades Antiamericanas); o medo da ilegitimidade que carregou por toda a vida e a busca pela mulher que acreditava, pudesse ser sua verdadeira me; seus 25 anos de trabalho secreto para o FBI, suas virulentas atividades anti-sindicais; sua associao com o crime organizado; e sua implacvel obsesso de pr fim quilo que acreditava ser um sistema de estdio liderado por um bando de imigrantes judeu-europeus corruptos. De modo tipicamente hollywoodiano, a morte simplesmente tornou Disney maior que a vida. O logotipo de sua assinatura continuou a ser universalmente reconhecido como uma garantia de entretenimento familiar. Mas no final, depois de examinar o intimo conflitante de Disney, que tanto inspirou sua arte e Disney era um artista de primeira categoria -, podemos apreciar toda a sua grandeza: Durante toda a sua vida, o gnio brilhante de Disney manifestou-se em meio a densas sobras de nuvens emocionais. E para melhor focalizar as grandes realizaes de Disney, precisamos assisti-las do anfiteatro de sua alma perturbada.

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Parte 3:

De Homens e Ratosurante algum tempo, o cinema de animao foi considerado o primo pobre do cinema tradicional. Caracterizado pela produo de desenhos animados, coube-lhe ainda a pecha de ser coisa de criana. Na verdade, trata-se de uma arte sofisticada, complexa j que mistura vrias linguagens artsticas tais como a msica, a pintura, o desenho e a literatura e abstrata, pois capaz de representar, com poucos traos, a inteno dos objetos, animais, seres fantsticos, etc. Os primrdios do cinema de animao incluem os nomes de alguns pioneiros, como o de James Stuart Blackton. Ingls, emigrado para os Estados Unidos, Blackton entrou para o cinema por acaso. Jornalista e desenhista do Evening World de Nova York, foi encarregado de fazer uma entrevista com Thomas Edison, em 1896. Esse props que a conversa fosse no seu estdio, onde Blackton poderia fazer o seu retrato diante da cmera. O jornalista encantou-se com o novo invento de Edison e pouco tempo depois fundou, com Albert E. Smith, o Vitagraph que se tornaria um dos estdios mais importantes da sua poca. Em 1907, Blackton decide retomar o seu talento para o desenho e inicia sua carreira no cinema de animao produzindo o filme HUMOROUS OF FUNNY FACES. Tratava-se de um desenho que apresentava uma mo, que desenhava num quadro negro os rostos de um homem e de uma mulher. Quando a mo saa de cena, os rostos adquiriam vida, mexendo os olhos. Na volta da mo, as faces eram apagadas e no quadro negro apareciam novos desenhos. A histria do cinema de animao menciona ainda, uma polmica quanto ao verdadeiro pai do desenho animado. Alguns historiadores atribuem a Emile Cohl, nascido em Paris, em 1857, a verdadeira paternidade. Um dado importante de ser citado que Cohl era amigo de Mlis, que provavelmente o influenciou na adoo do cinema como carreira. O perodo de sua maior produtividade estendeu-se de 1906 a 1912, durante o qual realizou filmes notveis como: FANTASMAGORIA (1907) e FANTOCHES (1908) e tantos outros, ultrapassando uma centena de filmes, todos de curta durao. O ano de 1919 marcou o cinema de animao americano com a criao de um personagem que fez sucesso at os dias de hoje: o Gato Flix. Pat Sullivan e Otto Messmer foram os autores desse personagem que foi considerado um dos mais consistentes e duradouros do cinema. Mais uma dupla notabilizou-se no cinema de animao americano antes do surgimento dos grandes estdios, so os irmos Fleischers. Max Fleischer criou o personagem Koko, o palhao, que nasceu de um tinteiro. Fundou com seu irmo Dave Fleischer, em 1921, a Out of the Inkwell Films, produzindo centenas de desenhos at o final da dcada.

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No entanto, o que distinguiu o trabalho dos Fleischers foi a animao do marinheiro Popeye, personagem criado por Elzie Segar, que vendeu os direitos de utilizao do desenho para a dupla. Outra personagem que destacaram foi Betty Boop, que sacudiu o moral e os bons costumes da poca. Mas uma parceria histrica ainda estava por vir. Ela aconteceu quando Walt Disney e Ub Iwerks comearam a trabalhar nesse momento coincidindo com o surgimento dos estdios Disney, em 1922. Walt Disney nasceu em 1901, em Chicago, onde teve uma educao bastante rigorosa e severa, principalmente por parte de seu pai, Elias Disney. Esta educao fez de sua vida uma intensa devoo tanto aos desenhos, quanto sua ptria. Aps servir Cruz Vermelha, Walt, que j havia estudado desenho e caricatura, resolve trabalhar em algumas agncias publicitrias onde conhece seu futuro scio Ub Ikers, com quem faz, em 1923 seu primeiro filme LITTLE RED RIDING HOOD (Chapeuzinho Vermelho). Ainda entre 1923/26 estreou sua srie ALICE (mistura de animao com filme comum) e depois inventou o Coelho Oswald - "mais comum, mais terra a terra, menos expressivo tambm que seu modelo, o Gato Flix". Foram feitos 26 filmes at que seu produtor foi falncia acabando com a produo. Assim Disney, quase contra sua vontade teve de adotar Mickey Mouse. J nesta poca (com seu irmo cuidando da parte financeira do estdio), Disney ocupou-se principalmente em coordenar as produes, sendo Ub quem efetivamente desenhava. Curiosamente, este nunca teve seus crditos. Mickey, com uma grande sorte, tornou-se um heri quando a animao, j desgastada viu na msica e nos rudos uma salvao: "Enquanto Fleischer se limitava a ilustrar seus desenhos com canes populares inglesas, Disney compreendeu que uma nova comicidade poderia nascer da aliana do som e do desenho. (...) A comicidade dos primeiros filmes de Mickey eram quase sempre baseadas em gags musicais: pianos com movimentos de animais, panelas que tocam um carrilho, bailados executados por personagens que se multiplicavam, maxilar de vaca utilizado como xilofone, etc.. Era iniciada, ento uma srie de animais animados, a Vaca Florabella, o co Pluto, o parvo Pateta e seu famoso Pato Donald, entre outros. A arte de Walt Disney atingiu seu apogeu durante o perodo anterior Guerra. A marca maior de seus filmes sempre foi, alm da poesia e da inocncia, a comdia - que notavelmente foram inspiradas em inmeras comdias e clssicos americanas (como Mack Sennett, por exemplo).

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Parte 4:

Quem tem medo do Lobo Mau?ssim como acontecera virtualmente com todas as suas revelaes criativas, Walt uma vez mais deixara que seu inconsciente o conduzisse. Seu sonho de produzir um filme com dez minutos baseado na estria de OS TRES PORQUINHOS teve, assim como a inspirao para o Mickey Mouse, suas razes nas lembranas de suas relaes com a sua me e com Charlie Chaplin. O conto de fadas dos irmos Grimm fala da estria de trs porquinhos, cujas personalidades so ilustradas pelo modo como cada um aborda a construo de sua casa. Dois usam materiais frgeis, fceis de serem trabalhados e gastam pouco tempo, enquanto o terceiro, laboriosamente, constri a sua com tijolos e argamassa. Quando o lobo aparece, ele sopra e derruba as duas primeiras casas, mas no consegue passar pela porta do terceiro. Essa era outra estria que a me lhe havia lido em criana, e o sonho lhe viera no muito depois de ter assistido a uma reprise do filme mudo de Charlie Chaplin, O GAROTO, de 1921, um filme baseado nas relaes de um vagabundo com seu filho adotado. Em O GAROTO, o vagabundo interpretado por Chaplin encontra um recm-nascido abandonado na soleira de sua porta e o leva para dentro como se fosse seu. O ncleo emocional do filme tambm seu centro fsico, a vitria dramtica do vagabundo sobre os funcionrios do orfanato local que anos mais tarde surgem para levar o menino para adoo. Em resposta, Chaplin mostra-se literalmente altura da situao, correndo por cima dos telhados com uma graa angelical, para interceptar a carroa do orfanato e salvar seu filho. Disney transformou a imagem dos funcionrios do orfanato batendo porta do Vagabundo no principal conceito imagem de sua verso de OS TRES PORQUINHOS o lobo batendo porta um plgio to evidente que quando foi perguntado a respeito, Walt replicou: Bem, talvez essa imitao no seja de todo m. Pela primeira vez a trama se transformou em fator de importncia em um filme de Disney. Como a estria de OS TRES PORQUINHOS era essencialmente ilustrativa, mais que buclica, elucidando que o material do nosso carter, e no os blocos escolhidos para se construir a prpria casa, o fator determinante do nosso destino, Disney sentiu que tinha de encontrar um meio de definir fisicamente a moralidade. Disney no queria trs personagens idnticos para intensificar o sentido dramtico, mas trs indivduos para aprofund-los. Com OS TRES PORQUINHOS, a animao adquiriu perspectiva emocional. Walt queria que os porquinhos cantassem, enquanto construam suas casas. O resultado foi Quem tem medo do lobo mau, uma cano que saiu diretamente das bocas dos trs porquinhos para o topo das paradas de sucesso, enquanto se transformava no hino nacional extra-oficial da era da Depresso e tambm em um dos empreendimentos mais rentveis de Disney. Embora a forte mensagem moral da cano fosse entoada pelo porquinho esperto em um verso que exaltava as virtudes do trabalho rduo, era com o refro ingnuo dos porquinhos Quem tem medo do Lobo Mau? que todos se identificavam. Essa mensagem de recusa a se entregar ao medo teve tamanha penetrao, que muitos acreditavam ter sido a inspiradora de um dos mais memorveis slogans de mobilizao da era da Depresso, de autoria de Roosevelt: A nica coisa que devemos temer o prprio temor.

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Quem tem medo do Lobo Mau?Com palha eu fao a casa Pra no me esforar Na minha casinha Eu toco a flautinha Eu gosto de brincar! De vara minha casa onde eu vou morar Mas eu no me amofino Vou tocando violino O que eu gosto de danar! Eu fao a minha casa Com pedra e com tijolo Pra trabalhar no sei danar Pois no sou nenhum tolo Ele no sabe brincar, nem cantar, nem danar S o que sabe trabalhar Podem rir, danar e brincar Que no vou me aborrecer Mas no vai ser brincadeira Quando o lobo aparecer Quem tem medo do Lobo mau, Lobo mau, Lobo mau (BIS) Dou um soco no nariz Eu dou-lhe um bofeto Eu dou-lhe um pontap Derrubo ele no cho Quem tem medo do Lobo mau, Lobo mau, Lobo mau (BIS)

Conto dos Trs PorquinhosEra uma vez, trs porquinhos que viviam com sua me.Um dia ela lhes disse: - Queridos filhos, penso que j so grandinhos para viverem sozinhos e poderem trabalhar. Tm braos fortes e no lhes falta inteligncia para pensar o que melhor para cada um. Primeiro tm que construir suas prprias casas perto uns dos outros e contarem com todos os perigos que possam surgir. Os porquinhos puseram-se a caminho... De todos os trs, o pequeno era o mais trabalhador, o do meio era trapalho e o maior era preguioso. Como o maior era preguioso, fez uma casa de palha para ser o mais rpido. O do meio fez uma casa de madeira, pois tambm no gostava muito de trabalhar. Mas, o mais novo, o mais trabalhador, fez a sua com cimento e tijolos. Um dia, apareceu um lobo que com um sopro, derrubou a casa do mais velho e com outro sopro deitou abaixo a casa do porquinho do meio. Os porquinhos muito amedrontados correram para a casa do irmo mais novo com o lobo correndo atrs deles para os comer. O porquinho abriu-lhes a porta rapidamente e, os irmos, entraram muito admirados por verem uma casa to forte e to bonita. O lobo pensava que a derrubava, soprava e dizia: - Soprarei soprarei e a casa derrubarei! Mas a casa era to forte que ele no a conseguiu derrubar. Por isso, muito envergonhado fugiu e no voltou mais. Os porquinhos ficaram to felizes que fizeram uma grande festa.

Os Trs Porquinhos (1933) Tema: Formao do Carter, Valor do Trabalho, Fraternidade, Coragem, Enfrentar os Medos. Filmes Alternativos: TOMATES VERDES FRITOS (1991)

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Parte 5:

Pele Branca como a Neve, Lbios rubros como a Rosae BRANCA DE NEVE E OS SETE ANES, fosse basicamente sobre Branca de Neve, teria sido logo esquecido depois do lanamento em 1937 e hoje seria apreciado apenas por motivos histricos, por ser o primeiro longa-metragem de animao a cores. Para dizer a verdade, a personagem Branca de Neve um pouco enfadonha, nada atuante, mas sua existncia inspira outros a agirem. Ao longo dos anos, o erro da maioria dos inmeros imitadores de Disney tem sido confundir os ttulos dos filmes com o assunto. BRANCA DE NEVE E OS SETE ANES no trata apenas de Branca de Neve e do Prncipe Encantado, mas tambm dos sete anes e da Rainha M e de um sem-nmero de seres da floresta e dos cus, desde o pssaro azul que enrubesce at a tartaruga que passa a vida inteira tentando subir um lance de escadas. A grande inspirao no foi criar Branca de Neve, mas sim criar o mundo que a cerca, imaginando um filme em que todos os ngulos e todas dimenses inclussem algo vivo e em movimento. Nunca se vira algo semelhante s tcnicas de BRANCA DE NEVE E OS SETE ANES. O cinema de animao era considerado um entretenimento infantil, seis minutos de gags envolvendo ratos e patos, antes do cinejornal e do filme principal. BRANCA DE NEVE demonstrou que a animao poderia libertar um filme da armadilha do espao e tempo; que gravidade, dimenso, limitaes fsicas e regras do movimento poderiam ser vencidas pela imaginao dos animadores. Consideramos, por exemplo, o momento em que Branca de Neve canta Im Wishing (Eu Desejo) enquanto olha para o fundo do poo. Disney propicia-lhe um ouvinte: um pombo se assusta, foge voando e depois retorna para ouvir o restante da cano. Em seguida, o ponto de vista muda drasticamente e vemos Branca de neve l no alto, a partir da superfcie brilhante do poo. O mais importante elemento de continuidade o uso de personagens auxiliares. Menores e maiores, srios e cmicos. Um fotograma no pode conter apenas um personagem por muito tempo, falas extensas so raras, nmeros de musica e dana so freqentes e a ao principal sublinhada pelo grupo de personagens que a refletem ou a ela reagem. Outro achado, foi fazer os personagens expressarem fisicamente suas personalidades. E fez isso sem lhes atribuir rostos engraados ou roupas estranhas (embora isso fizesse parte), mas estudando estilos de linguagem corporal para depois exager-los. Os sete anes, Soneca, Zangado, Dunga, e assim por diante, personificam seus prprios nomes. Mas essa simples analogia se tornaria montona, se eles no interpretassem cada fala e cada movimento com exagerada linguagem corporal, e suas roupas no estivessem em sintonia com suas personalidades. Outra inspirao so os diferentes centros de gravidade dos personagens. Uma herona como Branca de Neve alta e aparece sempre em p. Mas toda a movimentao dos personagens cmicos centrada e emanada dos traseiros. Nos filmes, comum rodopiarem, se chocarem de costas e carem sentados. Alm disso, so rolios, baixos, ternos, exagerados e divertidos, sendo suas personalidades sempre construdas de baixo para cima. Outro contraponto interessante a presena dos animais vivendo estrias paralelas. Branca de Neve no sobe sozinha as escadas da casa dos anes: acompanhada por um bando de animais. Os esquilos correndo depressa e a tartaruga num laborioso passo.

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Como acontece aos grandes artistas, a tela foi para Disney, o campo de batalha para o conflito entre seu intelecto e suas emoes. Sua adaptao intelectual da relao maternal de Branca de Neve com os seus anes apresentou uma verso idealizada de sua identificao emocional com esse material, particularmente na autodescrita relao paternalista com seus empregados. Na luta de Branca de Neve para assumir o comando do prprio destino, ameaado pelas negras foras do mal, Disney encontrou uma poderosa metfora de sua prpria luta pela sobrevivncia na arena de Hollywood, cujo mercado, percebia sombrio e competitivo. A fidelidade de Disney ao aspecto liberal de seu material original, permitiu que seu filme encontrasse um vasto publico entre as crianas. Foi, no entanto, a ressonncia clssica do filme que ajudou a projetar seus conflitos ntimos e tornou Branca de Neve igualmente, ou talvez ainda mais, sedutor aos adultos. Do caos profissional de sua obra e das inseguranas emocionais de sua vida, Disney produziu uma obra unificada de grande profundidade, ao mesmo tempo, bsica e sofisticada, sombria e luminosa, tangvel e ilusria, nica e, ainda assim universal. O tema bsico do filme tambm conseguiu tocar um ponto critico da sociedade. A luta de Branca de Neve contra sua temvel madrasta transformou-se em vivida metfora, identificando os temores de uma nao prestes a entrar em conflito mundial, quando as sombrias foras do mal pareciam ameaar a prpria existncia dos EUA. Em todos os nveis, ento, Branca de Neve foi uma conquista gigantesca, to cativante quanto qualquer obra jamais produzida por um cineasta. Houve muita discusso de como a cena em que o Caador se aproxima para matar Branca de Neve deveria ser apresentada. Walt estava preocupado de como seria a reao da platia quanto a idia de um desenho matar outro desenho. Eles achariam engraado ou sentiriam a verdadeira emoo que os animadores queriam transmitir? A resposta veio na premiere do filme. Segundo o animador Ward Kimball, ele mesmo podia escutar as pessoas chorando durante a cena em que os anes tiram suas toucas e se ajoelham em volta do esquife de Branca de Neve. O que se v em BRANCA DE NEVE E OS SETE ANES uma tela sempre brilhando e palpitando de movimento e inveno onde se insere a estria principal, apavorante como em todos os contos de fada, envolvendo a Rainha M, o sinistro espelho Mgico, a maa envenenada, o sepultamento em uma urna de vidro, a tempestade de raios, a salincia rochosa e a queda fatal da rainha. As crianas lidam bem com esse material porque so tmidas como os pssaros e os animais, que fogem e depois voltam para lanar mais um olhar curioso...

Branca de Neve e os Sete Anes (1937) Temas: Rainha M (Inveja, Lei da Ao

e Reao), Escravo do Espelho (Obsesso), Maa (O Engano das Aparncias, Desejo, O Perigo de Presentes de Pessoas Desconhecidas), Castelo da Rainha M (Mundo de Maldades e Mentiras Reflexo da Mentalidade da Rainha), Floresta (Viagem de Auto Conhecimento da Escurido para a Luz Medos Interiores / Estado de Vcio e Ignorncia dos Homens), Anes (Sabedoria, Conscincia Humana, Fraternidade), Caador (tica, Razo, Coragem, Inteligncia).

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Parte 6:

Um Menino de Verdade...estria do pequeno boneco e a sua busca para se transformar num menino de verdade o triunfo da narrao de uma estria com moral. Ser que a cultura popular j produziu uma parbola mais inesquecvel do que esta, que versa sobre os perigos de se contar uma mentira? A estria simplesmente maravilhosa. Ela contm elementos que seria aperfeioados pela formula Disney, mas a linha principal do conto tem um diablico e audacioso argumento para atingir as crianas. A chave a vontade de Pinocchio de se transformar num menino de verdade, no somente um boneco de madeira que pode andar e conversar sem cordis. Numa analise mais profunda, todas as crianas querem ser reais e duvidam que possam ser. Uma das sugestes do filme que deixemos para Pinocchio a incumbncia de se transformar em um ser humano por conta prpria. Ele tem a figura paterna suprida por Gepetto, o bondoso construtor de bonecos, mas que muito esquecido e pode ser facilmente enganado. E temos o Grilo Falante que se candidata para ser a conscincia de Pinocchio, e consegue, sem ser muito bem qualificado para isso. O que Gepetto, a Fada Azul e o Grilo Falante fazem por Pinocchio oferecer-lhe uma viso uma idia do que ele deveria se empenhar em buscar. As crianas sabem que tm que ser boas e sabem que so fracas quando tentadas. Pinocchio assume o lugar de todas elas quando deixa de ir escola e se permite ser entretido por Joo Honesto, e Gideo. A guinada aparece como uma surpresa: o filme abre com a suave melodia de When You Wish Upon a Star, e Gepetto na hora de dormir brinca com o boneco e conversa com Figaro e Cleo. A mgica visita da Fada Azul encantadora. O grilo falante um novo e bem disposto amigo. E de repente Pinocchio agarrado por dois vigaristas que o vendem para Stromboli, o vil apresentador de um show de marionetes. Ele se descobre como um boneco artista, que canta e dana sem ajuda de cordas (Eu no tenho cordis). O Grilo Falante que no era um grande analista d de ombros e fica imaginando que se Pinocchio uma estrela, no precisa mais dele. (O que um ator quer com uma conscincia, afinal?). Por que ser que o Grilo falante no sabe como Gepetto ficar preocupado? Talvez pelo fato de grilos no entenderem o amor humano. Pinocchio tenta fugir, mas aprisionado numa gaiola por Stromboli. Quando visitado pela fada Azul (numa das cenas mais bonitas j vistas num filme), conta-lhe as suas mentiras e descobre que o seu nariz cresce, e cresce, e cresce at que ele cria galhos e folhas e um ninho com dois passarinhos! Olhe para as crianas sua volta durante esta cena, e voc ver que ficam completamente fascinadas pela confirmao das suas culpas e dos seus medos. A Fada Azul suspende temporariamente o castigo, mas Pinocchio se mete novamente em encrencas, escudado por Joo Honesto e levado fora para a Ilha dos Prazeres, onde pequenas crianas fumam, jogam bilhar e so transformadas em mulas para trabalhar nas minas de sal (D suficiente espao para um menino mau e logo ele far de si mesmo um tolo). Por meio do veneno do tabaco e dos seus pecados, crescem as orelhas, cascos de animais e um focinho; quantas crianas decidiram naquele momento nunca fumar? Pinocchio e o grilo Falante fogem e chegam afinal at Gepetto, somente para descobrir que o velho homem desaparecera. Pinocchio se sente abandonado, e na platia os olhos das crianas crescem espantosamente e ficam midos. A Fada Azul, a suprema solucionadora de problemas, manda um pombo-correio avisando que Gepetto est aprisionado na barriga de monstro, a baleia.

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Isto nos conduz grande seqncia final, onde finalmente Pinocchio se pe a prova. O pice uma cascata de imaginao visual. Todo mundo se lembra da baleia tentando fustigar Pinocchio depois que ele acende uma fogueira dentro dela para faz-la espirrar. Todavia, esta ao precedida por uma longa e mgica seqncia na qual o boneco e o grilo andam pelo cho do oceano, cruzando com peixes, flores, do mar, corais e outras criaturas. PINOCCHIO trata do livre-arbtrio: A Fada Azul permite que Pinocchio exista, mas com alguns cordes ainda presos a ele. No tem alma e, portanto, embora respire, no vive. E apesar de se esforar, Pinocchio logo desviado do seu caminho, incapaz de resistir, porque lhe falta uma convico moral humana, a alma...Pinocchio s se envolve em problemas, porque deixa de ouvir a conscincia imposta ele O Grilo Falante para seguir seus prprios instintos. Sem duvida, ao ser projetado atravs das lentes do psiquismo de Disney, PINOCCHIO revela uma forte embasamento fundamentalista: A luta pela auto-redeno e o destino infernal espera dos que no tem fora de esprito para resistir aos demnios inerentes ao prazer. Em ltima analise, o filme se transforma em uma jornada pelo ntimo de Disney, envolvendo a questo de sua prpria filiao e, portanto, de seu eu real. Mas para Disney, ao contrrio de seu equivalente de madeira, a busca da identidade real continuaria... E se Disney focalizou, em BRANCA DE NEVE, a luta de duas figuras maternais, a boa Branca de Neve, a me adotiva de sete anes, em oposio imperiosa Rainha M, sua madrasta, em PINOCCHIO, o conflito foi transferido para duas figuras paternas opostas, o bom Gepetto, e o mau titiriteiro Stromboli. PINOCCHIO uma parbola para crianas, e muitas geraes cresceram com a lembrana das palavras deixe a sua conscincia gui-lo e Uma mentira cresce e continua crescendo at que fica to evidente como o nariz em seu rosto. O poder do filme se origina, na minha opinio, do fato de ele realmente tratar de alguma coisa palpvel. No se trata somente de uma fabula forjada ou de um inconseqente conto de fadas, mas de uma narrativa com reverberaes em profundos arqutipos. E isso no mentira.

Pinocchio (1940) Temas: Livre Arbtrio, Ao e Reao, Mentira, Vcios e Defeitos Filmes Alternativos: UM ESTRANHO NO NINHO (1975)

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Parte 7:

Sonhos Expressionistasom a aproximao do fim do ano de 1940, FANTASIA, a meditao gtica de Walt, banhada em pesada msica clssica e impregnada de sombrias vises de medo, solido, contrio e tristeza, estreou em todo o pas. Embora ningum pudesse adivinhar poca, FANTASIA acabaria sendo a pira fnebre dos sonhos de Disney, de cujas runas em cinzas emergiria o pavoroso pesadelo de uma terrvel vingana. FANTASIA era, essencialmente, um exerccio intelectual. Como tal ficou sobrecarregado de autoconscincia. Sem uma estrutura de formato reconhecvel, ou a ancora de uma narrativa linear, o filme revelou-se falso, deixando a maioria do publico confusa na poca. Desde a abertura, com seqncias ao vivo, apresentando o crtico musical Deems Taylor como narrador, trajando fraque negro, e com os malabarismos visuais, tentando se passar como sofisticao cultural, o filme desenrolou uma serie de vinhetas confusas. No seu primeiro movimento puramente expressionista, abstraes visuais ilustravam os sons de uma musica discordante. A isso se segue a esquisitice muda do Aprendiz de Feiticeiro, durante o qual um Mickey Mouse silencioso seve a um mago parecido com Merlin. Em seguida , assistiu excertos do Sute Quebra Nozes, A Sagrao da Primavera, e Sinfonia Pastoral, visualizados com grandiosidade que obscurece os poucos e maravilhosos momentos de diverso leve e suave. Na penltima seqncia de FANTASIA, A Night in the Bald Mountain, Disney inesperada e surpreendentemente mudou o humor do filme ao tentar visualizar o Deus do Mal e da Morte, com o personagem Chernobog, semelhante a um grgula. A esse se segue Ave Maria, o movimento final do filme, no qual uma procisso luz de velas dos que adoravam o Deus da Luz celebra o amanhecer. O filme consiste basicamente de oito segmentos animados, acompanhados da melhor msica clssica de grandes mestres. O maestro Leopold Stokowski ficou a cargo de reger a Orquestra da Filadlfia:

Toccata And Fugue In D MinorA abertura do programa fica por conta do segmento "Toccata And Fugue In D Minor" do compositor Johann Sebastian Bach. Pela primeira vez, Disney e seus artistas se arriscaram no mundo da abstrao, produzindo um grande segmento onde a equipe de efeitos especiais teve a chance de colocar todo o seu talento a vista na tela. Ainda que no tem a mesma carga de entretenimento dos prximos desenhos, "Toccata" pode ser considerado a seqncia mais ousada de todo o filme. De fato, provavelmente nunca vimos ou veremos outra obra como esta em animao. Ainda temos um bom modo de dar a tonalidade ao filme, com metade do segmento sendo composto de cenas de Stokowski e a orquestra.

O Sute Quebra-NozesO prximo segmento se trata do famoso bal "The Nutcracker Suite" de Tchaikovsky. Disney e seus artistas tomaram um caminho diferente da tradicional estria envolvendo brinquedos, fazendo uma prpria interpretao da msica. O que veremos na tela um nmero que simboliza as estaes do ano atravs de fadas aladas e outros elementos da natureza, como

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flores e peixes bailarinos, cogumelos chineses e ainda cravos russos. O diretor Samuel Armstrong faz um competente trabalho interligando todas as partes individuais do bal em apenas uma pea, com cada uma delas simbolizando uma estao do ano.

O Aprendiz de Feiticeiro"O Aprendiz de Feiticeiro" de Paul Dukas o terceiro nmero e talvez o menos ambicioso de "Fantasia", o que no o torna diminutivo diante dos outros segmentos. A verdade que "O Aprendiz" a mais famosa e querida das peas entre o pblico, sendo que foi o pontap inicial para a produo de todo o resto do filme. Este um dos nicos segmentos que retrata exatamente a histria idealizada pelo compositor ao escrever a msica, e neste caso vemos Mickey no papel do feiticeiro afobado que quer aprender seu ofcio antes da hora. Ele rouba o chapu mgico de seu mestre e d vida um bando de vassouras para encher o caldeiro de gua no seu lugar. Como resultado de sua teimosia, o camundongo cria algo que nem ele mesmo sabe controlar. Fred Moore o diretor de animao do Mickey neste segmento e foi o principal responsvel pela renovao do design do personagem vista aqui. Ele ganhou olhos muito mais expressivos e um corpo com formas mais flexveis e ainda, de certa forma, crveis.

A Sagrao da PrimaveraDos msicos cujas composies foram usadas em "Fantasia", o nico vivo na poca era Igor Stravinsky, cuja criao "The Rite of Spring" vista na tela como uma explicao cientfica da evoluo da vida na Terra, desde os primeiros seres microscpicos aos gigantes dinossauros. Stravinsky, que na poca disse que a interpretao de Disney era exatamente o que ele havia imaginado, anos depois declarou um certo descontentamento com o desenho, mas isso provavelmente se deve s alteraes feitas na msica sem sua permisso.

Sinfonia PastoralAbrimos o segundo ato do programa com sexta composio de Bethoven, "The Pastoral Simphony", que rendeu provavelmente o segmento mais gracioso da fita. Com seu cenrio mitolgico, o Monte Olimpo, o elenco de personagens composto de figuras to fantasiosas quanto cavalos alados que cortam o cu, stiros que saltam pelos campos, cupidos e ainda centauros e suas namoradas centaurettes. Curiosamente, a msica originalmente escolhida para a pea era "Cydalise" de Pyern, mas Walt resolveu mudar para Bethoven quando sentiu que esta no fornecia o suporte suficiente para desenvolver a histria.

A Dana das Horas"Dance of the Hours" de Ponchielli entra em cena no momento propcio, principalmente para agradar aqueles que estavam achando o filme dramtico demais. Uma stira ao bal clssico que representa as horas do dia por um grupo de animais: Avestruzes, hipoptamos, elefantes e jacars.

Night on Bald Montain & Ave MariaO grande final de "Fantasia" vem na forma da unio de duas peas que completam uma a outra. A primeira "Night on Bald Mountain" de Modeste Mussorgsky, ilustrada pelo demnio Chernobog que vive no alto da montanha, e na noite de Hallowen vem atormentar as almas do vilarejo. Este poderoso desenho se afirma ainda nos dias de hoje como o mais sinistro e adulto j produzido pelo estdio, algo que dificilmente seria aceito pelos executivos nos dias de hoje, devido aos padres do 'politicamente correto'. A maravilhosa animao de Chernobog por Vladimir Tytla ajuda ainda mais a complementar a apresentao. Interligado como "Bald Mountain", vem a belssima e mundialmente famosa "Ave Maria" de Franz Schubert, que fecha o filme. Talvez o mais simples dos segmentos - uma procisso religiosa que segue at

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uma capela gtica - e ainda um dos mais complexos, com os intrincados design de Kay Nielsen e um dos mais extensivos usos da cmera multiplanos.

Fantasia (1940) Temas: Sensibilizao

Musical, Interao entre imagem e som, Conceitos Visuais; O Sute Quebra-Nozes (Deus Criador, Natureza); O Aprendiz de Feiticeiro (Ansiedade, Pacincia, Valor do Trabalho); A Sagrao da Primavera (Criao, Evoluo); Sinfonia Pastoral (Valor da Amizade, Alegria, Felicidade, Carpiem Diem); Dana das Horas (Respeito s Diferenas) Night on Bald Mountain & Ave Maria (Cu e o Inferno) Filmes Alternativos: A NOVIA REBELDE (1965)

Contexto Histrico Disney vai a Guerra!!!Em 1941 - ano da greve em seu estdio - j havia um ano da entrada de Disney no FBI. Colaborava, reportando atividades de atores, escritores, produtores, diretores, tcnicos e ativistas sindicais de Hollywood que o FBI suspeitava de subverso poltica. Disney entendia seu posto no FBI no s como dever patritico, mas tambm como obrigao moral. Justamente por isto, considerou a greve de seus funcionrios, que eram submetidos a longas jornadas de trabalho nem sempre to bem remuneradas, como uma traio de filhos para pai. Chegou a ponto de aliar-se ao crime organizado para reforar sua resistncia. Em troca dos relatos, Hoover (seu "padrasto" do FBI), dava -lhe a grande possibilidade de investigar sobre seus verdadeiros pais. Neste mesmo ano, Disney vem ao Brasil. Por detrs da sua vinda estava Nelson Rockfeller proprietrio da rdio RKO. "Era o esforo - conjunto de guerra, responsvel pela ida de Ary Barroso a Hollywood, compondo msica para diversos filmes, assim pela de Carmem Miranda e pela vinda de um tcnico (experimentado nas artes marciais) e de uma gigantesca agncia de propaganda arquitetada por Nelson Rockfeller, no seu formidvel esforo de derrubar os Pases integrantes do Eixo, em luta contra o mundo Democrtico, e tentar restabelecer a liberdade dos povos contra qualquer opresso (...)". nesta visita, que posteriormente, desenvolveria o personagem Z Carioca nos filmes Salutos Amigos (Al Amigos) em 1943 e The Three Caballeros (Voc j foi Bahia?) em 1944. Podemos ter uma demonstrao significativa da poltica de boa vizinhana adotada na poca assim como a participao do Brasil. "Falando imprensa carioca, sua chegada monumental, teve oportunidade de se referir ao grande prestgio que gozava o Brasil na Amrica do Norte, no s entre o povo, mas tambm nos circuitos da imprensa, rdio, cinema nos meios artsticos e culturais decorrentes no s de um entendimento, como tambm pela posio ocupada pelo nosso pas na defesa da democracia contra a agresso totalitria, evidenciada pela valorizao das coisas brasileiras. Na verdade o front econmico se movimentava para assegurar o acesso s matrias primas estratgicas. ainda neste ano que os EUA entram oficialmente na Guerra. Walt passou, ento, a ser requisitado pela Marinha, pelo Exrcito e pela Aeronutica a colaborar no esforo da Guerra com desenhos patriotas, como por exemplo, desenhos ensinando a reconhecer um navio amigo de um inimigo. Quando a guerra acabou em 1945, os irmos Disney deviam cinco milhes aos bancos. Saram da crise novamente em 1950 com Cinderella.

Al Amigos (1943) & Voc j foi Bahia (1944) Temas: Folclores Regionais

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Parte 8:

Mame...Mame...Mame?!?lanamento de BAMBI em 1942, cuja produo se iniciara em 1939, teve um desempenho de bilheterias pfio. O filme era visualmente o mais gracioso dentre todos os clssicos de Disney, no muito diferente das suas lembranas idealizadas da fazenda em Marceline, mostrando como nica verdadeira fera, o animal Homem. Em BAMBI, o mundo de sonho metafrico de bons animais que ilustra a condio humana perfeita e pacifica, em oposio ao mundo de pesadelo de PINOCCHIO e seus maus meninos que, literalmente, se transformam em animais. Embora BAMBI seja um filme de extraordinrio encanto superficial, sendo sua floresta uma das mais adorveis cenas panormicas feitas por Disney, a fora emocional da fita reside nas abstraes de sua complexidade autobiogrfica. Realizado durante o perodo em que os pais de Disney faleceram, BAMBI revela o melanclico desejo de Disney de retornar infncia e revisitar os animais que foram os primeiros a comover sua alma artstica. O incndio que destri a floresta de BAMBI, no clmax da estria, em verdade o raivoso reconhecimento de Walt dessa impossibilidade. A estria reflete muito das pessoas que viviam na poca. A imponncia do pai de Bambi, por exemplo, mostra exatamente o perfil paterno da poca. Aquela imagem que tinha que ser respeitada e que estava acima do bem e do mal. Algum que assiste ao filme hoje em dia pode estranhar esse distanciamento entre pai e filho, mas se olharmos para trs veremos que no exageraram quando fizeram o pai de Bambi dessa maneira. Pode parecer um filme com enredo fraco, que no chega a lugar nenhum. Mas o filme vai muito alm de uma simples estria, ele conta a maior de todas, a histria da vida! Como nascemos, como crescemos, como nos acostumamos com certas situaes, como nos sentimos frgeis, como lidamos com as perdas... Enfim, BAMBI o resumo da vida e assim sendo, quase impossvel no tirarmos algumas lies dele. BAMBI foi a ltima grande animao a ser produzida por Walt Disney em um perodo de oito anos. Os incentivos dos estdios guerra e a produo de filmes em massa sobre o tema, deixaram todos os artistas mobilizados pela causa, deixando os grandes projetos de lado por um longo perodo. As dificuldades de conseguir incentivos fiscais para grandes produes, restries em obter material de prioridade... Enfim, a crise econmica pela qual Walt Disney passou, refletiria na produo de seus filmes. O prximo grande animado seria "Cinderela", de 1950.

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A morte da me de BambiNum recente encontro de escritores na Frana, um americano de quem eu nunca tinha ouvido falar, mas cult de muitos franceses, Jerome Charyn, revelou que a grande tragdia da vida dele, o que marcou sua personalidade e provavelmente sua literatura para sempre, foi a morte da me do Bambi. Muitos riram, mas eu entendi imediatamente o que ele queria dizer. Temos mais ou menos a mesma idade. Somos da gerao que nunca se recuperou da morte da me do Bambi. Todos os nossos parmetros de maldade, injustia e perda vm desta experincia. A descoberta de que me tambm morre um trauma comum a todas as espcies, desde o primeiro bicho, mas s quem assistiu morte da me do Bambi no cinema com uma idade impressionvel teve uma evidncia grfica, arrasadora, deste fato. Nossa gerao foi feliz at os cinco ou seis anos, depois nunca mais foi a mesma. Culpa do Walt Disney, que ainda nos traria a imagem do elefante Dumbo sendo embalado pela tromba da sua me presa numa jaula de circo, para acabar de vez com todas as nossas iluses sobre a vida .

Luis Fernando Verssimo

A morte da me do Bambi, um dos momentos mais inesperados e inesquecveis de qualquer filme Disney embora emblemtico por geraes, deve ser trabalhado com plena naturalidade nos dias de hoje. As crianas, bombardeadas de violncia na televiso, no se impressionam, como as crianas da dcada de 40. Pelo contrrio, essa gerao mudou o enfoque da cena, transformando o homem como o principal vilo da estria. Em tempos de Aquecimento Global e Efeito Estufa, a cena uma tima oportunidade de despertar conscincia ecolgica.

Como trabalhar o tema...

Bambi (1942) Temas: Deus

e a Criao, Ecologia, Perfeio Divina, Perdas, Humildade, Amizade, Amor Materno, Morte e Renovao. Filmes Alternativos: A MARCHA DOS PINGINS (2006) DUMBO gira em torno de um beb elefante e sua me que viajam com o circo. As grandes orelhas de Dumbo o estigmatizam, fazendo com que parea diferente e cmico, tornando a me superprotetora em relao aos sentimentos de sua cria. Um dia, um menininho aparece no circo e caoa de Dumbo, dando inicio a um quase motim. A me de Dumbo leva a culpa e , em conseqncia, separada de seu beb e trancada em uma jaula. Em sua dor, Dumbo consolado por um pequeno camundongo, Timoty; este o ajuda a descobrir que capaz de voar, batendo as orelhas. Uma aberrao transforma-se ento em beno, enquanto sua me, reintegrada, orgulhosamente o observa ao lado. Com uma sensibilidade incrvel, o filme trata de assuntos como o preconceito de forma sutil, mas deixando bem claro que esse tipo de coisa existe e que o filme est ali para denunci-las. Toda a simplicidade da estria passa longe de se tornar um empecilho para o desenvolvimento ideolgico do filme, que tem como pano de fundo mostrar aos que assistem, que temos que conviver com as diferenas da melhor forma possvel. Dois trechos do filme a cena em que Dumbo e sua me aprisionada tocam-se mutuamente com as trombas, e a do elefante cor-de-rosa, em que Dumbo, por acidente, ingere um pouco de lcool, cai no sono, e tem um pesadelo que o leva a descobrir sua capacidade de voar so altamente divertidos, visualmente admirveis e emocionalmente eficazes.

Dumbo (1941) Temas: Preconceitos,Materno, Superao.

Aceitamento das Diferenas, Alcoolismo, Amor

Filmes Alternativos: JANELA INDISCRETA (1954)17

Parte 9:

Voc precisa de uma Abbora!rovavelmente o mais popular dos clssicos de Walt Disney, esta verso animada de CINDERELA j faz parte da nossa cultura popular e, assim como ocorreu com BRANCA DE NEVE E OS SETE ANES anos antes, se firmou como a verso definitiva do famoso conto-de-fadas. Lanado em 1950, CINDERELA (tambm conhecido como A GATA BORRALHEIRA at alguns anos atrs) foi o primeiro verdadeiro longa-metragem Disney desde BAMBI de 1942. Devido aos problemas financeiros enfrentados pelo estdio no perodo de guerra e ps-guerra, Walt se viu obrigado a produzir filmes de forma mais econmica, produzindo longas da unio de diversos curtas animados. A produo de CINDERELA foi um grande risco para Walt e, caso o filme no fosse um sucesso, poderia significar o fim dos estdios Disney. Como sabemos atualmente, essa histria teve um final feliz. No h uma pessoa no mundo que no conhea o conto de Cinderela ou uma de suas diversas interpretaes. Inspirado na verso de Charles Perraut, o filme Disney conta a histria da menina que fica sobre os cuidados de sua cruel madrasta aps a morte de seu pai. Atormentada por suas feias e invejosas meias-irms, Cinderela obrigada a trabalhar como criada em sua prpria casa. Ainda assim, a garota cresce cada vez mais bonita e nunca perde a esperana de que um dia as coisas possam melhorar. Esse dia chega quando o Rei convoca todas as jovens solteiras do reino para um baile em homenagem ao Prncipe, e todos sabemos para onde a histria ir a partir desse ponto. Como j foi dito acima, CINDERELA foi produzido em uma poca problemtica para os estdios Disney, e isso significava que Walt no poderia ousar em caros experimentos como havia feito com seus primeiros longas-metragens. Essa implicao refletida na tela, pois os visuais de CINDERELA so muito mais simples do que os vistos em PINQUIO e BAMBI (a no ser pelos imaginativos cenrios inspirados pela diretora de arte Mary Blair) e a animao dos personagens mais presa s limitaes das referncias com atores reais. Deste modo, o filme se sustenta na fora de sua histria e no charme de seus personagens, e so estes os fatores chave para o seu sucesso. CINDERELA a clssica histria da menina em apuros, e o que faz a mesma funcionar o fato de podermos nos identificar com o sofrimento da personagem. Quando Cinderela tem seu vestido rasgado e deixada para trs, nos sentimos mal ao vermos todos os sonhos da jovem serem jogados fora, mas ao mesmo tempo sentimos uma grande satisfao quando ela finalmente sucede sobre suas adversrias ao final. Walt Disney j foi alvo de muitas feministas por suas heronas passivas e complacentes, mas a verdade que Cinderela uma personagem muito mais forte do que Branca de Neve, e pode ser considerada uma antecessora das atuais heronas independentes como Bela e Pocahontas. Apesar de ser bondosa e sonhadora, Cinderela no se deixa subestimar por sua madrasta e meias-irms, e at mesmo possuiu uma ponta de ironia em algumas de suas falas (Talvez deva interromper a... lio de msica). Quando fica sabendo sobre o baile, por exemplo, ela assume sua posio como parte da famlia e lembra que o convite tambm se estende a ela. Um dos ingredientes principais para o sucesso da personagem a voz de Ilene Woods, que possui uma qualidade de princesa de contosde-fada, mas tambm uma autoconfidncia e segurana que a torna uma herona contempornea. Mas o que torna Cinderela uma herona ainda mais forte a presena de uma perversa vil. A Sra. Tremaine no apenas uma das mais assustadoras vils dos estdios Disney, mas tambm

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uma das mais reais. No sendo provida de nenhuma espcie de poder mgico, a Madrasta uma pessoa fria e calculista que faz todo o trabalho sujo com suas prprias mos, no tendo medo de mostrar suas verdadeiras cores na frente dos outros personagens e no medindo esforos para fazer a vida de Cinderela miservel. Sua introduo uma das mais interessantes de qualquer personagem Disney, sendo apresentada em meio s sombras apenas com seus olhos em realce. A vil ainda proporciona alguns dos melhores momentos de atuao no filme, graas poderosa animao de Frank Thomas e a rspida e elegante voz da atriz Eleanor Audley. O espectador pode sentir em sua dominadora expresso o dio que sente por Cinderela, e seus brilhantes dilogos alternam entre linhas calmas e frias e momentos de sbita fria. Assim como em BRANCA DE NEVE E OS SETE ANES, apenas a histria de Cinderela no seria o bastante para carregar um longa-metragem inteiro, ento aqui temos a introduo de uma galeria de animais que fazem companhia para a personagem-ttulo. O subpiloto dos ratinhos Jaque e Tat e sua rivalidade com o gato Lcifer perfeitamente inserido na histria principal ao final, Cinderela apenas sucede porque os ratinhos tambm sucedem sobre seu adversrio. O grande destaque dado aos personagens cmicos, fazem de CINDERELA um filme mais leve e menos sombrio que BRANCA DE NEVE e A BELA ADORMECIDA, mas h alguns momentos brilhantemente dirigidos que merecem destaque. Um deles a cena em que as meias-irms rasgam o vestido de Cinderela, momento de pnico interpretado com o uso de uma edio rpida e um dramtico uso de cores. Outro a quando os ratinhos devem percorrer a longa escadaria a fim de levarem a chave para Cinderela a tempo, em uma cena com suspense digno de um filme de Alfred Hitchcock. Apesar de no ter a ambio de FANTASIA ou PINQUIO, CINDERELA um dos filmes mais satisfatrios emocionalmente produzidos por Walt Disney, e isso o que o faz permanecer uma das mais memorveis obras do estdio. Ainda que no esteja exatamente no mesmo patamar dos filmes j citados, CINDERELA no perdeu nem um pouco de seu charme mais de cinqenta anos aps seu lanamento.

Cinderela (1950) Temas: Gata Borralheira

(Humildade, Valor do Trabalho, Coragem), A expectativa do baile (Esperana, F, Sonhos), A Confeco do Vestido (Valor da Amizade), Fada Madrinha (Anjo da Guarda) Irms de Cinderela (Vaidade, Orgulho, Egosmo), Madrasta (dio), Sapato de Cristal (Representao da Alma, Realizao de um Sonho, Conquista), Cinderela (Feminismo)

Filmes Alternativos:

DREAMGIRLS (2007), A ESPERANA (2005), O DIABO VESTE PRADA (2006)

LUTA

PELA

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Parte 10:

Alice e o Tempoositivamente, ALICE NO PAIS DAS MARAVILHAS se distingue entre todos os outros filmes do estdio por fugir do que temos em mente como "o padro Disney": a herona no tem nenhum grande propsito ou dilema - ela apenas uma espectadora das coisas que acontecem ao seu redor; h pouco ou nenhum comprometimento com a realidade. Alice uma menina curiosa e cansada de seu mundo montono. Acaba caindo no maluco Pas das Maravilhas ao seguir o apressado Coelho Branco. L conhece personagens como os irmos gmeos Tweedle-Dee e Tweedle-Dum, o Gato Risonho e a Lagarta, toma ch com a Lebre Maluca e o Chapeleiro Louco e participa de um jogo de cricket com a Rainha de Copas. A falta de uma protagonista com maior personalidade e de um foco central para a histria podem ter deixado alguns espectadores indiferentes ao filme, mas h muito que se admirar no filme, a comear por seus aspectos tcnicos: com o trabalho da artista Mary Blair servindo de grande inspirao para os artistas, o mundo "de verdade" de Alice retratado com cenrios detalhados e fieis realidade, enquanto, o Pas das Maravilhas retratado com formas exageradas e irregulares, com texturas estilizadas e grandes reas dos cenrios pintadas com mnimas tonalidades de cor. Os efeitos especiais so usados em todo o seu potencial, com lgrimas gigantes transformando-se em uma enchente, a vela de um bolo estourando em fogos de artifcio e o ponto alto do filme, em que o exrcito de cartas de baralho da Rainha desfila enquanto uma cornucpia de cores pisca diante de nossos olhos. Alice uma obra que permite muitas interpretaes. Uma delas pode ser a de que a obra representa uma associao muito forte com a adolescncia. Parece que ela entra nessa aventura sem pensar em nada, to de repente quanto se entra na adolescncia. Podemos ver no filme: No mesmo instante, l se foi Alice atrs dele, sem nem parar para pensar de que jeito que ia conseguir sair depois. A toca era a entrada de um tnel, que continuava um pouco para adiante e depois descia pela terra adentro, to de repente que Alice nem teve tempo de pensar, antes de comear a cair numa coisa que parecia ser um poo muito fundo e Continuava caindo, caindo, caindo. Ser que a queda no ia chegar ao fim nunca ?. E a questo do tamanho nos faz novamente lembrar da adolescncia. Ela parece integrar todos os episdios da estria. Alice est sempre crescendo e diminuindo dependendo da situao e isso certas vezes conveniente ou no para ela. Logo no inicio, Alice tem seu tamanho reduzido, que parece sugerir insignificncia. A transformao pela qual Alice passa leva-a a refletir sobre a possibilidade de reduzir at acabar, fazendo-a sumir completamente, como uma vela. O tamanho pequeno a faz pensar em si mesma como algo insignificante: As coisas esto piores que nunca - pensou a pobre criana - pois nunca fui to pequena assim antes, nunca!. E tambm no episdio no qual ela pensa em se fingir de duas quando diz Mas agora no adianta nada fingir que sou duas pessoas pensou a pobre Alice Na verdade estou to mnima que o que sobrou de mim, mal chega a fazer uma pessoa decente. Esses episdios parecem corresponder, portanto, ao arqutipo da criana pequena ou insignificante. Noutro momento, Alice bebe o lquido de nova garrafa e torce para que os efeitos sejam os desejados: Espero que me faa crescer de novo, porque estou realmente cansada de ser esta

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coisinha to pequenininha. Comparamos isso com o fato de, em alguns momentos, o adolescente se sentir como uma criana, insignificante e incapaz de exercer um papel na sociedade. H tambm episdios nos quais Alice cresce de modo desenfreado. Na casa do coelho ela fica presa por ter crescido demais. Comparamos isso com a insatisfao adolescente de crescer e ter a responsabilidade de fazer o que a sociedade espera dele, ficar preso em convenes. Isso representado tambm no episdio da lagoa de lgrimas no qual se v Pobre Alice! O mximo que ela conseguia fazer, se deitasse de lado, com a cara no cho, era botar um olho diante da porta e olhar o jardim. Entrar tinha ficado mais impossvel do que nunca. Ento ela sentou e comeou a chorar de novo. E nesse mesmo episdio observam-se contrastes da adolescncia quando ela ordena a si mesma que pare de chorar por ser feio uma menina to grande chorando daquele jeito, mas o conselho no lhe adianta de nada e ela continua a chorar. Mas possvel perceber uma grande quantidade de circunstncias nas quais o tamanho representa novas possibilidades para Alice como representa o ser criana ou ser adulto para um adolescente. Sendo pequena ela pode entrar no jardim, mas sendo grande ela pode pegar a chave. Sendo grande ela tambm se sente mais confiante em relao ao julgamento no ltimo captulo do livro. Alice passa a superar seus obstculos graas a efeitos mgicos prprios do novo mundo no qual foi inserida. H uma passagem na qual seu pescoo cresce muito e ela tem uma possibilidade inimaginvel de observao. uma nova viso do mundo. Como a nova perspectiva de um adolescente sobre o mundo. Porque depois de experincias vividas principalmente nessa idade temos uma nova viso de mundo, uma nova viso das situaes. Mesmo sentindo saudades dos seus velhos tempos como no momento no qual ela diz Em casa era muito mais agradvel pensou a coitada eu no ficava toda hora aumentando e diminuindo, nem encontrando camundongos e coelhos que ficam me dando ordens. J estou quase me arrependendo de ter entrado na toca do coelho, Alice gosta desse novo mundo, e logo contrape acontece que essa vida por aqui pode ser bem divertida, de to estranha que !. O mesmo acontece com adolescentes que gostavam de suas vidas como crianas, mas adoram as novas possibilidades que a adolescncia os traz. As novidades do pas das maravilhas (e, por que no dizer, do tamanho) fazem-na sentir a potncia do recurso mgico, desej-lo para sentir-se invencvel quando eu for grande, vou escrever um conto de fadas. como se dissesse que gostaria de dominar seu mundo, controlar suas regras, regular suas engrenagens. Encontra-se toda uma questo de formao de personalidade. Podemos perceber isso no trecho da conversa com a lagarta que pergunta a Alice quem ela e ela, por sua vez responde A senhora me desculpe, mas no momento no tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manh, mas j mudei uma poro de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que no possa me explicar, Dona Lagarta, porque justamente a que est o problema. Posso explicar uma poro de coisas, mas no posso explicar a mim mesma. E exatamente assim que acontece com o adolescente, as mudanas so rpidas e grandes e no se tem noo de quem se , porque a cada dia voc muda ao menos um pouco. Ao final, ao longo do julgamento, Alice vai crescendo num ritmo menos acelerado se comparado com todas as outras vezes nas quais ela cresceu. Mas o limite desta transformao o tamanho natural da menina. Tamanho que tinha antes de entrar na toca atrs do coelho. Que muito maior que o tamanho das criaturas ali presentes. Ela se torna mais confiante com seu tamanho e se v numa nova condio para dialogar com o mundo. Assim, conseguimos entender a coragem de Alice na cena final do julgamento, ainda no sonho, momentos antes de acordar, em que confronta a Rainha, sem se importar com nenhuma das

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ameaas. Quando mandada calar, a menina investe contra as cartas dizendo Quem se importa com vocs - disse Alice, que j tinha crescido at voltar ao seu tamanho verdadeiro. Vocs no passam de cartas de baralho. Pouco a pouco ela se sente mais segura e passa a se entender com seu tamanho real e a partir da est pronta para acordar de seu sonho como um adolescente que amadurece partindo para a vida adulta. Depois de Alice acordar sua irm fica pensando nela Ela imaginou como sua irmzinha (...) ia se transformar em mulher feita e como ela guardaria, nos anos mais maduros, o corao simples e amoroso de sua infncia. E como reuniria em volta de si outras crianas, seus filhos, e faria seus olhinhos ficarem brilhantes e curiosos com (...) o sonho que tivera com o Pas das Maravilhas muito tempo antes. Parece que algum que j passou pela adolescncia falando dela, com certa nostalgia e saudade. Parece que a irm de Alice percebe que ela cresceu.

Alice no Pas das Maravilhas (1951) Temas: Adolescncia, Mocidade, MedosConvenes Sociais

e Fantasias, Paradigmas,

Filmes Alternativos:

O MGICO DE OZ (1939), A VIAGEM DE CHIHIRO (2005), O LABIRINTO DO FAUNO (2006)

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Parte 11:

Peter e o TempoETER PAN o tempo. Hook e o crocodilo tambm so o tempo, mas em aspectos diferentes do tempo. A fbula em si j pertence ao senso-comum, tendo sido, desde Disney em 1953, vrias vezes adaptada para o cinema, tv, teatro, literatura: trs irmos so levados para a Terra do Nunca por um garotinho sem me e que nunca cresceu. Histria para por criana para dormir. Boi tambm. O que muda o modo como contada, que permanece atual. Contada por um narrador ora observador e ora personagem, uma vez que conversa com os outros personagens e com os seus leitores, a histria se desenvolve como um grande interldio real-fantstico na vida da famlia Darling. O sobrenome da famlia d indicaes da sua constituio, assim como o pirata James Hook tem um gancho no lugar de uma das mos. Os nomes prprios assumem conotaes narrativas, como os deuses nos mitos dos cultos religiosos atravs dos tempos. Entretanto, a leitura de PETER PAN se faz permeada por essa noo de que alm de fbula infantil tambm uma reflexo sobre o passar do tempo. A narrativa deixa de ser um mero episdio feliz da infncia para ganhar uma dimenso transcendente, alm da literalidade que lemos de incio. Peter Pan, garoto-que-no-cresce, envelhece enquanto personagem da fbula e passa a ser o tempo estagnado na infncia imaginativa e imagtica, tal qual o prprio romance, originalmente uma pea de teatro. James Hook a possibilidade, do ponto de vista infantil sempre de crescer e ser obliterado pelas vicissitudes de uma vida de responsabilidades. A sua roupa de pirata lhe concede ares maquiavlicos associados s mesmas supracitadas responsabilidades. E o crocodilo? O crocodilo a morte. Ele o relgio que faz tique-taque e que um dia some ou quebra e termina a histria. Seja ela a do Capito Hook ou a do leitor que se d conta de que perdeu os jogos de imaginar da infncia e mesmo que se empenhe no pode recuper-los e que o seu envelhecer e subseqente morte so uma realidade. Ns sempre nos imaginamos eternos, Peter Pan de J. M. Barrie diz que no. Peter Pan mora na Terra do Nunca, onde as crianas no crescem nem ficam mais velhas. s vezes, durante a infncia nos foi permitido visit-lo, para ouvir suas histrias egocntricas, e fazer a limpeza de primavera da sua casa entre as fadas.

Peter Pan (1953) Temas: Adolescncia,Convenes Sociais

Mocidade, Medos e Fantasias, Paradigmas,

Filmes Alternativos: EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA (2004)

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Parte 12:

Nesta Linda Bella Nottem 1955, eles dividiram um prato de espaguete e entraram para a histria... Lady uma pequena cocker spaniel que chega casa de uma tradicional famlia europia, no incio do sculo XX, para trazer alegria ao local. O tempo passa, ela cresce. A querida senhora da famlia fica grvida e, com isso, Lady passa a se sentir em segundo plano. Amparada pelos amigos Fiel, um co que perdeu o faro, e Joa, ela tenta se confortar com a nova fase de sua vida justamente quando Vagabundo, um co que costuma passear pelas ruas da cidade, cruza sua vida. Quando os donos da casa precisam viajar, eles chamam a tia Sarah para cuidar do nenm recmnascido. Dona de dois gatos malvados causa um desespero interior em Lady, que a leva a fugir de casa. Cabe ento a Vagabundo faz-la refletir sobre a situao e dar a volta por cima. Algumas das mais belas cenas de toda a histria do cinema tambm foram realizadas neste longa. Como no pensar no filme e no lembrar do inesquecvel jantar no beco do restaurante italiano, onde os dois cachorrinhos comem uma bela macarronada e se beijam atravs de um macarro que interliga as duas bocas? Simplesmente apaixonante. Alis, esse uma outra caracterstica forte dos grandes clssicos da Disney, de nos fazer identificar com as situaes vividas pelos personagens, mesmo estes sendo animais - e nos emocionar com isso. A Disney fez a acertadssima opo de no se entregar ao clich do amor impossvel entre duas "pessoas" de classes diferentes e trabalhou o roteiro em cima de outro conflito, o do retorno para casa com um sub-texto interessantssimo sobre liberdade x responsabilidade. Criado em uma poca pr Easy Rider estadunidense, o filme se torna historicamente importante tambm, afinal, todos querem viver livres, mas como Lady pergunta a Vagabundo, mas quem cuidaria dos bebs?. O filme mais lento, charmoso, delicado do que os demais tambm. D um passo de cada vez, sem pressa, nos apresentando tudo de forma forte e deliciosa. Regado com belssimas canes, uma viagem apaixonante e at mesmo os clichs no incomodaro. Se h falhas (alguns personagens que passam rpido demais na estria, influenciam o caminho dos personagens e depois so esquecidos mais rpido ainda), essas se tornam pequenas perante a declarao de amor que A DAMA E O VAGABUNDO o maior e melhor animal de estimao que o cinema j teve.

A Dama e o Vagabundo (1955) Temas: Universalidade do Amor, Liberdade vs. Responsabilidade. Filmes Alternativos: CASABLANCA (1942), NOIVO NERVOSO,NOIVA NEURTICA (1977)

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Parte 13:

Espada da Verdade v certa ao Destino Que o mal caia e o bem triunfe!entre todos os contos de fadas clssicos adaptados por Disney para as telonas, A BELA ADORMECIDA ocupa um lugar de destaque. Walt Disney instigou seus artistas a criarem "ilustraes em movimento", isto fazer com que cada fotograma tivesse vida independente do filme em si, como uma bela ilustrao. Ele pediu sua equipe de animadores que "criassem personagens os mais reais possveis, quase de carne e osso, e que se identificassem com eles". Como modo de garantir isso, modelos-vivos foram filmados para servir como objeto de estudo e de referncia aos artistas. A fim de enriquecer o visual ilustrativo do filme, Disney requisitou os servios de um grande ilustrador de cenrios do estdio, o talentoso artista Eyving Earle. Earle fez uma fuso das influncias gticas francesas, italianas e renascentistas com seu prprio estilo abstrato de realismo, criando a beleza formal e o desenho estilizado que se v em A BELA ADORMECIDA. Um dos exemplos desta tcnica consistia em desenhar objetos em primeiro plano com a mesma definio com que se desenhava uma rvore ao fundo, a 15km de distncia. A influncia de Earle tambm pde ser sentida no desenho dos personagens, cujo trao era marcadamente vertical e angular, em contraste com os desenhos mais arredondados e suaves das produes de animao anteriores do estdio. A BELA ADORMECIDA, uma realizao tcnica espetacular que se aproveitou de todos os recursos do formato widescreen, foi o primeiro longa-metragem animado a ser filmado em bitola 70mm. Empregando um processo at ento indito, chamado Technirama-70, os artistas Disney foram capazes de criar cenas panormicas em um Technicolor reluzente, incluindo uma animao cheia de mincias de detalhes. A iluso impressionante de profundidade de campo e dimenso do filme fruto do casamento dos recursos da cmera de planos mltiplos e do widescreen. A trilha instrumental de A BELA ADORMECIDA uma coadjuvante da ao nas telas - a msica acentua o apelo emocional da estria, conferindo ainda mais impacto e emoo s cenas de amor entre o prncipe e a princesa, s cenas cmicas das trs fadinhas e cena climtica do duelo final entre o prncipe e o drago. O filme inclui ainda cinco canes retiradas do bal original de Tchaikovsky, que ganharam letras e foram transformadas em temas dos personagens. "Once Upon a Dream" e "I Wonder" so interpretadas por Mary Costa. As demais so "Hail the Princess Aurora", "The Sleeping Beauty Song" e a cmica cano "Skumps", interpretada pelos dois reis. A BELA ADORMECIDA explora simbolicamente um processo de crescimento e maturao dos adolescentes com o qual se pode explorar tambm outros valores to importantes para a realidade dos jovens: As foras do mal e as foras do bem. Crescimento, maturao, responsabilidade, proteo excessiva dos pais que no impedem o rumo dos acontecimentos. A adolescncia um perodo de grandes e rpidas mudanas, caracterizada por espaos de completa passividade e letargia, alternando com atividade frentica, at mesmo de comportamento perigoso para "darmos provas" ou para descarga de tenses interiores. Este comportamento do vaivm adolescente encontra expresses em A BELA ADORMECIDA. Numa interpretao contempornea, por exemplo, o fuso onde ela se pica (a agulha), pode ser considerado como um smbolo de drogas pesadas que podem levar morte.

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Os presentes das fadas na altura do batizado da criana tm como justificao o contraste com a praga da bruxa m: Ao fim de quinze anos a princesa espetar o dedo no fuso de uma roca e morrer. A ltima das fadas boas consegue mudar a ameaa de morte em um sono de cem anos. (...) O que pode parecer um perodo de passividade como a morte, no fim da meninice, no seno um perodo de crescimento sossegado e de preparao, do qual a pessoa sair adulta, pronta para a unio sexual, ou seja, a adolescncia. Todos os meticulosos esforos envidados pelo Rei para evitar a praga lanada pela Rainha Malvola falham. Remover todas as rocas do reino no evita o fatdico destino quando a filha chega aos quinze anos, tal como a fada havia profetizado. Sejam quais forem as precaues tomadas pelo pai, quando a filha estiver madura para tal, comear a puberdade. A ausncia temporria de ambos os pais, quando isto acontece simboliza a incapacidade deles protegerem os filhos das vrias crises de crescimento pelas quais todo o ser humano tem de passar. Em A BELA ADORMECIDA constatamos que no s ela, mas todo o seu mundo - os seus pais, todos os habitantes do castelo - retornam vida no momento em que ela retorna. Se formos insensveis ao mundo, este deixa de existir para ns. Quando a Bela Adormecida entrou no sono, tambm o mundo adormeceu para ela.

A Bela Adormecida (1959) Temas: Maldio do Sono (Karma,

Destino, Puberdade, Convenes Sociais, Comportamento do Adolescente), Fadas Madrinhas (Anjo da Guarda), Prncipe (Coragem, Superao, Honra, nimo, Luta pelos Objetivos) 101 DALMATAS foi um dos ltimos desenhos animados realizados sob a superviso do mestre Walt Disney. Baseado no livro homnimo de Dodie Smith, a estria se passa na cinzenta Londres, onde um casal de dlmatas tem quinze filhotes de uma s vez. Os donos da casa e dos animais recebem a visita de Cruela Cruel, uma velha esnobe e cruenta como lhe convm o nome. Seu desejo comprar quantos dlmatas surgir e com eles confeccionar um casaco de peles. Ao saber da existncia dos quinze pequeninos, decide seqestralos e lev-los sua sinistra manso. Mas l existem mais 84 filhotes, todos sem saber que a morte os aguarda. Em resumo, a histria trata de seqestro e resgate. O primeiro de se esperar, quando conhecemos a vil Cruela e suas intenes. O resgate torna-se assim o motivo de aventura e tenso do desenho, que tambm conta com uma boa dose de diverso. Cachorros, gatos e outros bichos se juntam para encontrar os filhotes e tentar salv-los.

101 Dlmatas (1961) Temas: Amizade, Famlia, Responsabilidade, Inteligncia, Ecologia Filmes Alternativos: 101 DLMATAS (1996)

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Parte 14:

Supercalifragilisticexpialidociousalt havia comeado o ano de 1941 acreditando que FANTASIA seria o veiculo para o renascimento de Mickey Mouse. Mas terminou com mltiplas imagens de morte. A morte de seu pai, a morte do seu estdio, a morte do seu esprito criativo. Desde ento, sentindo-se trado por sua famlia de grevistas, reagiu da mesma forma que o pai, abandonando-os ao terreno comum da animao que haviam compartilhado. Walt nunca mais realizou nada que se comparasse s suas realizaes do perodo de quatro anos compreendidos entre BRANCA DE NEVE e FANTASIA e por cerca de 20 anos, Disney pouco interferiu na produo do estdio, mantendo-se ausente em praticamente todas as criaes. Mas em 1962, depois de 101 DLMATAS, Disney relanou com sucesso, um dos seus fracassos comerciais, FANTASIA. O renascimento do filme foi impulsionado por vrias crticas entusiasmadas dos jornalistas da poca. A critica reanimou Disney, induzindo-o a agir nem tanto em razo do louvor que, achava, h muito era devido FANTASIA, mas pelo elogio excessivo. Disney, ento, sentiu-se compelido a realizar outra obra-prima, agora pela ultima vez. Para sua grande despedida, ele espreitou uma vez mais o prisma de sua alma , a fim de produzir algo que seria a sntese de sua grande obra. No filme, com as cores vivas de uma radiosa comedia, sombreado por contedo emocional e redimido pela alegria fsica, Disney finalmente iluminou por completo sua viso de fada madrinha personificada por uma pequena e doce bab inglesa, conhecida como Mary Poppins. Quando a produo comeou, Walt viu-se obcecado por MARY POPPINS como no ficara por nenhum outro filme, animado ou no, desde VOCE J FOI A BAHIA? Trabalhou durante meses, dia e noite, mudando-se para o escritrio no estdio, como fizera com freqncia nos velhos tempos. Exigiu que tudo, mesmo o detalhe mais insignificante, fosse executado exatamente como queria e no lhe importava quanto tempo ou dinheiro fosse gastos at se dar por satisfeito. Esse envolvimento incansvel e obsessivo patenteou-se na tela. A mistura perfeita de ao real e animao de MARY POPPINS transformaram o romance original, uma serie de episdios mal relacionados, em uma descrio da natureza da fantasia infantil. Em MARY POPPINS, Walt criou um mundo onde a identidade, felicidade, expresso e satisfao eram determinadas somente pelas alegrias da liberdade fsica. Um mundo, como Mary informa ao sr. Banks, um tipo decididamente nada fsico, onde nada tinha de ser explicado. Disney alem disso, estabeleceu uma relao com os personagens da famlia do filme, como sendo um autobiogrfico quebra-cabea emocional, cujas peas pareciam preencher as lacunas de sua obra. Os dois filhos de Banks, Jane e Michael, evocam as imagens de Walt e Roy (seu irmo) na infncia: os rebentos obedientes, reservados, traumatizados, de um pai disciplinador e desprovido de humor e de uma me amorosa, mas ineficaz. A estrutura emocional e fsica do Sr. Banks liga Walt a Elias (seu pai, completo, e at com o fino bigode), no papel de um chefe de famlia benevolente, mas pouco amoroso. Mary Poppins, por seu lado, irreal, literalmente uma fada, embora de algum modo consiga reter a essncia de uma mame real. Ela pode ser firme, adorvel, mgica e, quando necessrio, autoritria sem excessos, em sua determinao de salvar as crianas Banks e humanizar seus pais.

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Tambm ela espelha uma imagem de Disney, o qual foi, a seu modo, a melhor bab a servio da eterna infncia. Bert, o limpador de chamins e principal musico da banda de um homem s, entretm uma multido no parque com um numero mambembe, reminiscncias do passado de Disney o estagio inicial da carreira do jovem, que cresceria e se transformaria no homem dos sete instrumentos, frente do prprio estdio. Bert tambm possui o dom de desenhar, e seus esboos na calada, dispostos em seqncias semelhantes a tantos storyboards de filmes de animao, transformam-se em passagem para o mundo mgico da diverso. E assim somos introduzidos ao magistral tema visual, a jornada redentora que nos leva, atravs dos desenhos mgicos, do restrito mundo da realidade adulta ao mundo livre da fantasia infantil. Em MARY POPPINS, a liberdade definida como um desprendimento do jugo que o tempo impe, a liberao, enfim da alma. Quando, no clmax do filme, o Sr. Banks passa por sua transformao e humanizado, juntamente com o excntrico banqueiro Sr. Dawes Snior, a impresso novamente de grande liberao. Muito mais que aos personagens de comportamento infantil e crianas adquirindo um novo senso de maturidade, o filme reala adultos sendo redimidos pela liberao da eterna criana em seu interior. MARY POPPINS a magistral descrio do eterno triunfo da esperana sobre o ceticismo, da juventude sobre a velhice, da vida sobre a morte. o grandioso monumento de Disney imortalidade. O filme foi indicado 13 Oscars e recebeu cinco os de Edio, Som, Cano, Efeitos Visuais e Atriz. Julie Andrews, a favorita desde a humilhao sofrida na escolha do elenco de My Fair Lady Minha Bela Dama, ironicamente venceu a disputa com Audrey Hepburn, indicada ao Oscar pelo papel que justamente seria de Andrews. Ainda assim, essa conquista foi obscurecida por nuvens de desesperana. Disney tornou a mergulhar em profunda depresso. Por ironia, foi o enorme sucesso de MARY POPPINS que a desencadeou. O acontecimento que lhe proporcionara sensao de redeno pessoal e profissional, embora por breve perodo, foi seguido pelo letrgico desalento de se saber incapaz de super-lo.

Mary Poppins (1964) Temas: Liberdade Fsica Sentir-se Jovem, Quebra de Paradigmas,Reforma ntima; Juventude vs Velhice; Esperana vs Ceticismo, Famlia, Esperana Filmes Alternativos: CIDADO KANE (1941), HOOK (1991)

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Parte 15:

A Idade das Trevasm 14 de dezembro, Lillian Disney passou a tarde sozinha ao lado de Walt. A uma certa altura, ele tentou se levantar da cama e no conseguiu. Ela o abraou por um longo tempo, at que Walt caiu no sono. Mais tarde, naquela noite, ele acordou e passou uma hora calma com Roy, que abandonou o quarto em lagrimas, pouco antes das dez horas. meia noite, Walt pediu que a cabeceira de sua cama fosse erguida de modo a poder ver o estdio pela janela. Roy ordenara que todas as luzes se mantivessem acessas at segunda ordem. Na manh seguinte, seu sistema circulatrio entrou em colapso e Disney faleceu. O MUNDO HAVIA PERDIDO seu tio favorito...

1901 ~ 1966A morte de Walt Disney criou uma crise interna na liderana do estdio. A empresa lentamente se partiu em dois campos, um, composto dos criativos homens de Walt, e outro dos administrativos homens de Roy. Dentro dessa dualidade estrutural, o estdio funcionou relativamente em paz nos anos seguintes, produzindo uma serie de filmes moderadamente lucrativos, porem perfeitamente descartveis em sua maioria. O estdio mergulhava no torpor de seu perodo mais improdutivo: A Idade das Trevas da Animao. A ESPADA ERA A LEI foi um dos ltimos longas do estdio Disney supervisionado pelo prprio Walt, que encerraria sua carreira com o excelente MOGLI, O MENINO LOBO, em 1967. Trata-se de uma verso divertida da infncia do rei Arthur, adaptada do livro de T.H. White. A histria muito simples: o mago Merlin torna-se mentor do jovem Arthur, sem saber que este se tornar o rei da Inglaterra. Talvez, por causa da simplicidade, esta seja uma das realizaes mais fracas entre as obras realizadas enquanto Disney estava vivo. O roteirista Bill Peet no escolheu o melhor mtodo para enriquecer o argumento: optou por carregar nos dilogos e acabou por obter pouca fluncia na ao. A partir de certo momento, as "aulas" de Merlin ao garoto se tornam muito previsveis. J se nota tambm a simplificao no desenho que marcaria as produes dos anos 70, a pior poca da Disney. H at mesmo repetio de movimentos de personagens, o que surpreende a quem conhece o virtuosismo de animao exibido em obras anteriores. O duelo de transformaes entre Merlin e a bruxa Madame Min (chamada de "Kim" pela dublagem antiga) no s hilariante como tambm uma aula de caricatura. Duvida? Tente desenhar a mesma expresso facial num bode e num caranguejo. Se no conseguiu, assista: Merlin demonstra essa mgica e outras ainda mais prodigiosas.

A Espada era a Lei (1