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Faculdade de Direito de Lisboa Direito Processual Civil III Regência do Professor Doutor Rui Pinto Teresa Mouro Título II – Organização Judiciária Executiva TRIBUNAL A execução nos tribunais 1.Tribunais comuns; juízos de execução O processo executivo é um processo que corre nos tribunais (os tribunais da causa), que controlam a legalidade dos actos executivos e receberão as respectivas impugnações. Efectivamente, o exercício da função jurisdicional, em geral, e a executiva, em especial, está cometido aos tribunais e, dentro das ordens jurisdicionais (art.209/1 CRP) a execução civil corre nos tribunais judiciais ou comuns, que têm uma competência genérica para realizar a execução de todo e qualquer título executivo não reservada a um tribunal criminal. Todavia, com a Reforma de 2003, passou a admitir-se a criação de tribunais com competência exclusiva para as execuções: os juízos de execução (arts.74/2/h) e 126 da LOFTJ/2008). De salientar que, não existem juízos de execução em todas as comarcas do País. Além disso, alguns juízos de execução foram criados, mas não instalados. 2.As “secções de execução” na Reforma de 2013 Na L 62/2013, de 26 de Agosto, prevêem-se genericamente no art.81.º que o tribunal de comarca seja estruturado em instâncias centrais e locais. Sendo que, nas instâncias centrais podem ser criadas secções de competência especializada, nomeadamente de execução (art.81/2/g) e 129). Quando não sejam criadas secções de execução, a competência executiva será das instâncias centrais no âmbito das acções executivas de natureza cível de valor superior a 50.000 euros (art.117/1/b) e, residualmente, no que não esteja atribuído àquelas, às instâncias locais (art.130/1/a), em secções de competência genérica. 3.Tribunais arbitrais Um dos aspectos identitários da Reforma de 2008 foi a previsão de tribunais arbitrais institucionalizados com competência para as execuções. Seriam centros de arbitragem que assegurariam o julgamento de conflitos e adoptariam decisões de natureza jurisdicional nesta sede, bem como realizariam actos materiais de execução. O que bem se compreende, uma vez que ajudaria a descongestionar os tribunais

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Apontamentos de Direito Processual III (incompletos)

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Faculdade de Direito de Lisboa

Direito Processual Civil IIIRegência do Professor Doutor Rui Pinto

Teresa Mouro

Título II – Organização Judiciária Executiva

TRIBUNAL

A execução nos tribunais

1.Tribunais comuns; juízos de execução

O processo executivo é um processo que corre nos tribunais (os tribunais da causa), que controlam a legalidade dos actos executivos e receberão as respectivas impugnações. Efectivamente, o exercício da função jurisdicional, em geral, e a executiva, em especial, está cometido aos tribunais e, dentro das ordens jurisdicionais (art.209/1 CRP) a execução civil corre nos tribunais judiciais ou comuns, que têm uma competência genérica para realizar a execução de todo e qualquer título executivo não reservada a um tribunal criminal.

Todavia, com a Reforma de 2003, passou a admitir-se a criação de tribunais com competência exclusiva para as execuções: os juízos de execução (arts.74/2/h) e 126 da LOFTJ/2008).

De salientar que, não existem juízos de execução em todas as comarcas do País. Além disso, alguns juízos de execução foram criados, mas não instalados.

2.As “secções de execução” na Reforma de 2013

Na L 62/2013, de 26 de Agosto, prevêem-se genericamente no art.81.º que o tribunal de comarca seja estruturado em instâncias centrais e locais. Sendo que, nas instâncias centrais podem ser criadas secções de competência especializada, nomeadamente de execução (art.81/2/g) e 129).

Quando não sejam criadas secções de execução, a competência executiva será das instâncias centrais no âmbito das acções executivas de natureza cível de valor superior a 50.000 euros (art.117/1/b) e, residualmente, no que não esteja atribuído àquelas, às instâncias locais (art.130/1/a), em secções de competência genérica.

3.Tribunais arbitrais

Um dos aspectos identitários da Reforma de 2008 foi a previsão de tribunais arbitrais institucionalizados com competência para as execuções. Seriam centros de arbitragem que assegurariam o julgamento de conflitos e adoptariam decisões de natureza jurisdicional nesta sede, bem como realizariam actos materiais de execução. O que bem se compreende, uma vez que ajudaria a descongestionar os tribunais judiciais e a imprimir celeridade às execuções, sem prejuízo de serem asseguradas todas as garantias de defesa. Todavia, tal “descentralização” da competência executiva foi revogada pela L 41/2013, de 26 de Junho.

Competência funcional

1.O poder geral de controlo

Depois da Reforma de 2003 (vigorou até 30 de Março de 2009): O juiz tinha um poder discricionário de verificação e intervenção na execução, o chamado poder geral de controlo do processo. E entendia-se que este tinha uma:

i) Dimensão activa: nos termos da qual, o juiz podia oficiosa e sem necessidade de fundamento avocar o processo para verificar da legalidade dos actos processuais do solicitador de execução, podendo ainda pedir-lhe informações e esclarecimentos, e, segundo Lebre de Freitas, dar-lhe orientações genéricas ou ordens específicas – e uma dimensão passiva.

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ii) Dimensão passiva: era ao juiz que deveriam ser dirigidos os requerimentos de destituição do agente de execução e de reclamação dos seus actos.

Depois da Reforma de 2008: O legislador pretendeu extinguir este poder geral de controlo, uma vez que suprimiu a referência que lhe fazia no art.809/1, sendo também eliminada a referência de que as competências do solicitador eram exercidas sob controlo do juiz, para além de que este deixou de poder de destituir o agente de execução. Contudo, permaneceu um poder residual de controlo passivo, a título principal ou acessório, sempre que o juiz tenha de proferir despacho ou sentença ou praticar acto processual, em geral.

A título principal ou provocado, o juiz deve julgar os requerimentos de reclamação dos actos executivos e decisórios do agente de execução, apreciando a sua legalidade. Deve também conhecer de questões colocadas pelo agente de execução, partes ou terceiros intervenientes.

A título acessório ou espontâneo, o juiz pode verificar a legalidade do processado sempre que haja de conhecer de apenso declarativo – oposição à execução, à penhora, reclamação de créditos, embargos de terceiro – ou, por exemplo, autorizar o uso de força pública ou presidir à abertura de propostas por carta fechada.

A perda da dimensão activa do poder geral do processo, também ela protectora do exequente, correspondeu à possibilidade que este recebeu de destituir o agente de execução.

Depois da Reforma de 2013: Os pressupostos e conteúdo do poder geral de controlo do juiz não conheceram mudanças, como se pode depreender da leitura do art.723, essencialmente idêntico ao revogado art.809. Conquanto, por outro lado, o juiz continua a não poder destituir o agente de execução (art.720/4). Quanto ao Juiz permanece a legitimidade, atribuída pelo art.137/1 do ECS, de participar à Camara dos Solicitadores a prática de factos susceptíveis de constituírem infracção disciplinar. Pode ainda, à luz do art.723/2, aplicar multas ao agente de execução quando os pedidos do mesmo, para sua intervenção no despacho liminar ou para resolver uma questão, sejam manifestamente injustificados.

2.Competências específicas

Competências executivas: Com a Reforma de 2013 assiste-se a um aumento das competências executivas expressamente acometidas ao juiz. Além das elencadas no art.723/1, são de salientar o proferimento de despacho superveniente (art.734), a autorização da penhora de saldo bancário (art.861-A/1), o proferimento de despacho de redução ou isenção de penhora de rendimento periódico (art.824/6/7 e 738/6), autorização do uso da força pública (art.757/3), autorização de fraccionamento de imóvel divisível (art.759/1), presidência à sessão de abertura das propostas de compra em carta fechada (art.820/1); nomeação de fiscal ou administrador de estabelecimento comercial (art.782), proferimento de despacho autorizativo da abertura perante o juiz de propostas de venda de estabelecimento em carta fechada (art.800/3 e 829/2), proferimento de despacho de autorização da venda antecipada (art.814/1) e o julgamento da prestação de conta nas execuções de prestação de facto (arts.871/1 e 872/1).

Competências jurisdicionais: Está reservado ao juiz o exercício da função jurisdicional, decidindo as questões em que exista um litígio de pretensões e mediante um pedido expresso de intervenção. Em suma, o actual juiz de execução é um juiz de garantia de direitos. Nesta função estão contemplados os seguintes artigos: 723/1/c) e d), 812/7, 728 e ss, 784 e ss, 742 e ss e 788 e ss.

Na Reforma de 2013, o agente de execução perde competências para o juiz. O ponto comum é cumprir a garantia constitucional de reserva de jurisdição (art.202/2 CRP) com o consequente reforço das garantias do executado e do procedimento em geral. Assim, passou a ser matéria do juiz, as diligências prévias de acertamento e liquidação da obrigação exequenda (arts.550/3/a)/b), 714/1, 715 e 716); o incidente de comunicação de dívida conjugal (art.741 e 742) e a apreciação da qualidade dos bens e do âmbito da herança na execução de herdeiro (art.744/3).

A lei determina no art.723/2 sanções ao abuso do acesso ao juiz.

Secretaria e registos informáticos

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1.Secretaria

Gestão do andamento do processo: Nos termos do art.719, compete à secretaria, para além das competências típicas, o exercício das funções que lhe são cometidas pelo art.157, afectas à competência de gestão do expediente, a autuação e regular tramitação tanto da fase não executiva (i.e., da fase liminar) do procedimento executivo, como dos apensos e incidentes declarativos. Portanto, cabe-lhe levar nestes a cabo promoções e diligências. Já as citações nos apensos declarativos passam a ser da competência do agente de execução. Incumbe à secretaria a execução dos despachos judiciais e o cumprimento das orientações de serviço emitidas pelo juiz, nem como a prática dos actos que lhe sejam por este delegados, cumprindo-lhes realizar oficiosamente as diligências necessárias para que o fim daqueles possa ser prontamente alcançado. No art.719/4 determina-se ainda que incumbe à secretaria notificar oficiosamente o agente de execução da pendência de procedimentos ou incidentes de natureza declarativa deduzidos na execução e dos actos aí praticados que possam ter influência na instância executiva.

Guarda do processo: A função da secretaria do tribunal é também de guarda e gestão da informação, em suporte de papel ou em suporte informático virtual, que constitui o processo. Note-se que o processo executivo é um processo virtual (art.712/1), matéria que é regida pelo art.724. De salientar aqui alguns aspectos da tramitação electrónica dos processos judiciais nos tribunais de 1ª instância, que vêm referidos no art.1º da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto.

Tendo em conta que os actos processuais são, em boa medida, electrónicos, importa mencionar que em paralelo com o CITIUS, onde se acham os actos destinados ao juiz e à secretaria, existe o sistema SISAAE dos Agentes de Execução, gerido pelos próprios, que contem actos estritamente executivos.

Procurando delimitar zonas de guarda do processo, o art.551/5 veio fixar que o processo de execução corre em tribunal quando seja requerida ou decorra da lei a prática de acto da competência da secretaria ou do juiz e até à prática do mesmo; no mais corre em agente de execução.

Gestão do registo e publicidade das execuções: É da competência da secretaria, em matéria de registo informático de execuções, conhecer dos pedidos de consulta do registo informático de execuções para passagem de certificado (art.8/1/a) DL 201/2003) e a actualização da lista informática de execuções (art.16-B/2 e 3 do mesmo diploma).

2.Registo informático de execuções

Encontra-se previsto no art.806 e é regulado pelo DL 201/2003. Tem como objectivo criar mecanismos expeditos para conferir eficácia à penhora e à liquidação de bens, permitindo conhecer que execuções estão ou estiveram pendentes contra o executado possível, quais os bens envolvidos e quais os credores que aparecem a reclamar créditos. Isso facilita as decisões que o agente de execução tomará quanto aos bens a penhorar e eventuais remessas do processo ou sustações de execução sobre certos bens (art.748 e 794). Em suma, apresenta-se como um verdadeiro cadastro do executado e, quanto ao seu conteúdo, importa ter presente o art.717 e 718/1. Outro dos objectivos principais é a prevenção de eventuais conflitos jurisdicionais resultantes de incumprimento contratual, pelo que poderá o registo ser consultado por terceiros com interesse legítimo antes da concretização de certo negócio (art.718/4, quem pode consultar o registo).

3.Lista pública de execuções

É uma das novidades da Reforma de 2008/2009. Disponível por via electrónica, publicita as execuções que se tenham extinguido por não se encontrarem bens penhoráveis para pagamento total ou parcial da dívida (art.16-A/1 DL201/2003). A sua utilidade primária e permitir uma rápida detecção de casos de incobrabilidade de dívidas e desse modo, segundo no art.16-A/3, conferir eficácia à penhora e liquidação de bens, prevenir eventuais conflitos jurisdicionais resultantes do incumprimento contratual e promover o cumprimento pontual das obrigações. Contudo, é inegável a utilidade secundária de pressionar o devedor a pagar as suas dívidas, visto que é de acesso aberto a qualquer um, o que pode tocar o bom nome do devedor. (Base legal: art.16-B, 16-C e 14 e 15/1/a)/b)/e)/2, com as necessárias adaptações).

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Título III – Condições da Acção

TÍTULO EXECUTIVO

1.Conceito, natureza e funções

O título executivo é um documento, isto é, a forma de representação de um facto jurídico, como se pode depreender do art.703. Sendo que o facto jurídico que constitui a causa de pedir do pedido executivo é um facto aquisitivo de direito à prestação. O título nuns casos incorpora em sim mesmo esse facto aquisitivo – p.e., o contrato de compra e venda incorpora a constituição do direito a uma prestação de preço a favor do vendedor, art.703/1/b) -, mas, noutros casos, o título enuncia ou reconhece o facto aquisitivo – como na sentença condenatória, art.703/1/a).

O título executivo é, assim, o documento pelo qual o requerente de realização coactiva da prestação demonstra a aquisição de um direito a uma prestação, nos requisitos legalmente prescritos. Como diz Salvador da Costa, é um instrumento documental legal de demonstração da obrigação exequenda. Pelo que, podemos dizer que cumpre uma função de certificação da aquisição do direito à prestação pelo exequente, embora não seja uma função probatória em sentido próprio.

Funções de delimitação: A função de certificação do título executivo justifica uma outra função. Certificado o direito ou poder a uma prestação, dada a instrumentalidade da execução perante o direito subjectivo, ela fica determinada tanto na sua causa de pedir, como no seu pedido, isto é, na realização coactiva da prestação, pelo conteúdo do título. É esse o sentido do art.10/5. Sucessivamente, o título executivo ao determinar a causa e o pedido determina igualmente no plano objectivo o objecto da prestação – entrega de quantia certa, pagamento de quantia e prestação de facto – e o seu quantum e, por este a medida da penhora ou da apreensão. No plano subjectivo, o título executivo determinará indirectamente quem terá legitimidade para ser parte na execução: credor e devedor, em face do título (art.53), ou seus sucessores (art.54/1). Em suma, o título determina porquê, contra quem e para quê o credor requer a execução.

Função constitutiva: Teixeira de Sousa, na esteira de Alberto dos Reis, conclui que o título executivo cumpre uma função constitutiva, ou seja, ele atribui a exequibilidade a uma pretensão, possibilitando que a correspondente prestação seja realizada através das medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal. Portanto, o título executivo ao demonstrar a aquisição de um direito a uma prestação, constitui o direito à execução: somente a demonstração da aquisição do direito a prestação de acordo com a forma/formalidades fixadas na lei permite a dedução de um pedido executivo. Em suma, a produção/emissão do título é ela mesma o facto constitutivo do direito à realização coactiva da prestação.

Pressupostos processuais e condições de procedência executiva: Na realização coactiva de prestação por actos materiais, i.e., no processo executivo não há juízos de precedência com valor de caso julgado material, uma vez que este é próprio dos processos declarativos, ou seja, a decisão sobre se a pretensão do autor deve prevalecer sobre a defesa do réu. Como no processo executivo já se está no exercício de um direito reconhecido por procedência de uma pretensão, já não há condições materiais de procedência que relevem nele mesmo e juízos de absolvição/condenação do pedido – uma vez que já tiveram lugar na acção declarativa prévia ou está consumido no título executivo extrajudicial. Assim, qualquer juízo de pronúncia sobre a existência do próprio direito exequendo nos termos enunciados no título é vedado, quanto muito surgirão nos apensos declarativos da execução e decisões com valor de caso julgado material surgirão nesses processos declarativos apensados ou na sentença de execução.

No entanto, a execução tem causa de pedir e pedido, assentando sempre num acto postulativo dirigido ao Estado: a realização coactiva da prestação. Como tal, conhece a sua própria possibilidade de procedência ou improcedência do pedido. Todavia, essa procedência é instrumental da procedência declarativa, efectiva ou presumida por título extrajudicial. Ela, por sim nada certifica, apenas impõe. Essa instrumentalidade é pois assegurada pelo título executivo. Em concreto, a causa de pedir da execução, ao ser a mesma da condenação, perde qualquer sentido de necessidade de demonstração no estrito procedimento executivo, dado que ela conhecerá sempre uma expressão formal por meio do título executivo: o título demonstra-a, enquanto não for procedentemente

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impugnado na oposição à execução. Pelo contrário, se o direito substantivo ainda tiver de ser declarado, por não decorrer do título, não poderá ser executado.

(A causa de pedir não preenche a mesma função no processo declarativo e no processo executivo. No declarativo cumpre uma dupla função como elemento de individualização da situação alegada pelo autor e de delimitação dos factos que vão servir de base à apreciação da procedência. No executivo não está em discussão a existência da obrigação exequenda, pelo que a causa de pedir só serve para individualizar essa mesma obrigação.)

Natureza processual do título executivo e da obrigação exigível e determinada – condições de acção:

Decorre daqui que a acção carece sempre de apresentação de um título, sob pena de recusa ou indeferimento liminar ou superveniente. E é esse documento, como escreve Lebre de Freitas, que fará a articulação com o direito exequendo, o qual tem de ser uma obrigação certa, liquida e exigível.

De salientar que o título executivo e a obrigação não são pressupostos processuais, pois não respeitam à relação processual, mas antes à relação material e determinam se o tribunal pode ou não satisfazer o pedido do credor de realização coactiva da prestação, ou seja, a procedência do pedido executivo. Por isso se diz que o título executivo constitui conditio sine qua non da acção executiva.

Assim sendo, consideramos que o título tem a natureza jurídica de condição material e formal da realização coactiva da prestação, mas não certeza e a liquidez.

Sobre estas condições de acção poderão ser proferidos juízos de verificação ou não verificação – da exequibilidade do documento, da liquidez da obrigação. Proferidos em despachos liminar ou sucessivo (art.734) ou em sentença que conhece da oposição à execução, esses juízos não terão mais do que valor de caso julgado formal, enquanto pronúncia sobre se aquela execução conhece das condições que permitem a sua admissibilidade. Deste modo, a decisões sobre o título e os caracteres da obrigação não inquinam só por si, o direito exequendo. Portanto, concluímos que é possível isolar funcionalmente na execução a categoria da condição de acção atinente à procedência. Contudo, é uma procedência com mero valor de julgado formal, que terá induzido a doutrina a ver nele um pressuposto processual, ainda que específico, nos termos do art.620/1.

2.Características e classificação

Tipicidade e literalidade (suficiência e autonomia): A regra da tipicidade encontra-se explanada no art.703 (art.704 a 708), nos termos do qual se encontra um rol taxativo de títulos executivos, que não pode ser alargado por interpretação extensiva e, muito menos, analogia. Assim sendo, não podem as partes determinar que outros documentos possam valer como título executivo, nem retirar força executiva a títulos a que a lei tenha conferido tal valor. Para além de que são normas imperativas, não sujeitas à disponibilidade das partes.

Teixeira de Sousa alude ainda à suficiência e à autonomia do título executivo. Porventura, pode reconduzir-se esta suficiência e esta autonomia à literalidade, apontada por alguma jurisprudência. A característica de suficiência significa que o título pode cumprir toda a função seja de delimitação, seja constitutiva, seja de certificação sem necessidade de elementos complementares e, em particular, de mais processo declarativo. Por isso, Lebre de Freitas diz que o juiz não pode conhecer oficiosamente da questão de conformidade ou desconformidade entre o título e o direito que se pretende executar. Assim, quanto à obrigação exequenda pode ela ser liquida, certa e exigível em face do título, mas se o não for a lei permite diligências processuais preliminares e complementares de acertamento qualitativi e quantitativo da obrigação e de demonstração da sua exigibilidade nos arts.713 e ss. Quanto à causa ou fundamento da obrigação exequenda, se ela não constar do título deverá ser alegada no requerimento, visto que não se pode deixar de alegar a causa de pedir, isto é, a aquisição do direito à prestação, sob pena de ineptidão (art.186/2/a). Mais, tratando-se de título executivo negocial decorre do art.726/2/c) a necessidade de prova mínima do facto constitutivo.

Para Teixeira de Sousa o título executivo goza de autonomia em face do seu conteúdo: a exequibilidade do título é independente da exequibilidade da pretensão. Formalmente, a lei distingue

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entre documento e conteúdo, nomeadamente na separação entre inexistência e inexequibilidade do título (art.729/a) e b) e, do outro, factos impeditivos, modificativos e extintivos (art.729/g). pode, assim haver título como uma sentença ou um contrato e a obrigação estar extinta ou ainda não ser exigível. No entanto, esta autonomia não é absoluta. Por um lado, uma invalidade formal do próprio negócio é também um vício formal do próprio título. Na lição de TS, a invalidade formal do negócio jurídico afecta não só a constituição do próprio dever de prestar, como a eficácia do respectivo documento como título executivo. Por outro lado, concordamos com Lebre de Freitas quando nota que uma invalidade substantiva ou factos modificativos ou extintivos supervenientes à constituição do titulo, i.e., toda a desconformidade entre o título e a realidade substantiva, pode e deve ser conhecida pelo juiz, desde que a sua causa seja de conhecimento oficioso e resulte do próprio título, do requerimento inicial de execução, da acção de oposição á execução ou de facto notório ou de conhecimento oficioso pelo juiz em virtude do exercício das suas funções.

Tanto a invalidade formal, como a desconformidade material de conhecimento oficioso serão conhecidas sempre que a lei imponha ao juiz que analise o processo. Tal dever de análise da causa está nomeadamente tabelado em despacho liminar (art.726/2/c), em despacho eventual (art.734) e em decisões (liminares, saneadoras ou de sentença), dos apelos declarativos ou de incidentes, como o de habilitação.

Classificação

Quanto à natureza da entidade autora dos efeitos jurídicos:

i) títulos executivos públicos: judiciais, judiciais impróprios, administrativos;

ii) títulos executivos privados: autênticos e particulares (autenticados e simples).

Critério que toma a sentença por referência:

i) títulos judiciais: que é a sentença, ou seja, a decisão, tendencialmente final no plano do procedimento, de conhecimento de uma pretensão de resolução de um litígio com valor de caso julgado material;

ii) títulos executivos extrajudiciais: privados ou administrativos, dispensam um prévio processo judicial ou contraditório.

iii) títulos judiciais impróprios: enunciam um comando de actuação, também conhecido por injunção, de cumprimento de uma obrigação pelo devedor, no quadro de um procedimento – de injunção ou monitório – de exercício do direito de acção e de garantia do contraditório da parte contrária, sem valor de caso julgado material.

Critério do efeito material do título executivo em face do direito à prestação:

i) constitutivos da aquisição do direito à prestação;

ii) recognitivos da aquisição do direito à prestação.

Quanto ao valor como categoria legal: podem ser típicos ou avulsos.

Sentença condenatória

1.Âmbito primário

Decisões judiciais condenatórias: O título executivo judicial corresponde às sentenças condenatórias (art.703/1/a). Tentando evitar qualquer sinonímia com s sentenças proferidas em acções declarativas de condenação (art.10/3/b), importa referir que sentenças de condenação e sentenças condenatórias são figuras distintas. A alínea a) abrange não apenas as decisões proferidas em acção condenatória, mas qualquer sentença judicial que, ainda em acção de simples apreciação ou em acção constitutiva, imponha uma ordem de prestação ou comando de actuação ao réu. Cabem aqui:

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i) As sentenças de acção de condenação a título exclusivo, finais ou em saneador-sentença. Exemplo: B é condenado a pagar a A 10 000 euros a título de restituição de quantia mutuada.

ii) A parte condenatória de acção de simples apreciação em que ao pedido de reconhecimento da existência/inexistência de um facto/direito o autor tenha cumulado um pedido de condenação. Exemplo: E pede a declaração da nulidade do contrato de cv celebrado com F, por coacção física, e a condenação em pagamento de indemnização por danos morais.

iii) A parte condenatória da acção constitutiva em que ao pedido de constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica o autor tenha cumulado um pedido de condenação. Exemplo: G, pai do menor H, pede a anulação da venda que este fez a I, do automóvel e restituição da viatura à sua posse; J pede o divórcio com K e a condenação deste a pagar-lhe alimentos.

Contudo, são excluídas pela doutrina as sentenças de simples apreciação, porque não impõem um comando de actuação, e as sentenças constitutivas, porque não carecem da ulterior colaboração do réu quanto ao efeito que produzem. Ambas cumprem, pela simples prolação da sentença, o efeito pretendido pelo autor.

No plano da competência as sentenças condenatórias tanto podem vir de tribunais comuns como de tribunais arbitrais (art.705/2 CPC, art.42/7 LAV/2011). No entanto, a sua especificidade traduz-se em fundamentos adicionais de impugnação em sede dos arts.730 CPC e 48 LAV/2011.

Considerando o plano da legitimação/fundamentação pode também ser uma sentença homologatória de confissão de pedido, de transacção, de plano de insolvência (arts.192, 196, 214 e 217 CIRE), de acordo sobre alimentos ou de partilha. Naturalmente que deve ser uma sentença homologatória condenatória, mas a pré-existência de um negócio processual não lhe altera a natureza da sentença, ainda que determine específicos fundamentos de oposição à execução (art.729/i) e o negócio processual subjacente possa ser objecto de impugnação autónoma (art.291/2) e de recurso de revisão (art.696/d). O título executivo é a própria sentença e não o negócio que lhe subjaz.

Do plano da eficácia temporal, uma sentença condenatória pode também ser uma medida cautelar não especificada, que impõe uma ordem de actuação, de pagamento de quantia certa, de entrega de coisa ou se prestação de facto positivo. Exemplos na página 157.

Extensão às condenações acessórias: São equiparadas às sentenças condenatórias, os despachos e quaisquer outras decisões ou actos da autoridade judicial que condenem no cumprimento de ma obrigação (art.705/2). É o que sucede nos arts.527/1 e 529/1. O mesmo se diga quanto à condenação no pagamento de multa e/ou pagamento de indemnização por litigância de má fé (art.542/1).

2.Âmbito eventual:

Obrigações prejudicadas de fonte legal – admissibilidade de execução de condenação implícita: Tem-se discutido na doutrina se se poderiam executar obrigações que, embora para elas o autor não tenha pedido condenação no cumprimento e sobre as quais não houve pronuncia judicial expressa, se teriam constituído na esfera jurídica do réu como resultado da procedência do pedido. Embora a questão tenha sido colocada relativamente à execução de juros de mora legais não compreendidos na sentença de condenação, a questão é muito mais ampla - pelo que Alberto dos Reis e Lopes-Cardoso entendiam que na expressão “sentenças condenatórias”, o Código queria abranger todas as sentenças em que o juiz expressa ou tacitamente, impõe a alguém determinada responsabilidade, maxime, as sentenças constitutivas. Anselmo de Castro entendia que da expressão legal estariam somente excluídas da força executiva as sentenças proferidas em acções de mera apreciação.

Na doutrina recente, TS tem entendido que pode haver sentenças de simples apreciação ou constitutivas que contenham, de forma implícita, a condenação num dever de cumprimento, podendo, nesse caso, servir de título executivo.

A condenação implícita ocorre quando o pedido não deduzido não teria utilidade económica distinta e, por isso, se tivesse tido lugar a sua efectiva dedução, estar-se-ia perante uma cumulação aparente.

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Exemplo: numa acção de nulidade de um contrato, o autor que não tivesse pedido a restituição da prestação poderia, ainda assim, executar o direito à entrega da coisa.

Por seu turno, Lebre de Freitas começa por enunciar que é duvidosa, perante o princípio do dispositivo, a figura da condenação implícita, porém configurável na medida em que se tenha também por deduzido um pedido implícito. Generalizando, a ideia de condenação implícita é aceitável quando pela sentença haja sido constituída uma obrigação cuja existência não dependa de qualquer outro pressuposto.

Quanto às acções de simples apreciação, o mesmo Professor escreve que, vigorando o princípio do dispositivo, compreende-se que tal sentença não possa ser objecto de execução. No mesmo sentido se pronunciaram Remédio Marques e Abrantes Geraldes: na fórmula condenatória não precisa de ser explícita, bastando que a necessidade de execução resulte do contexto da sentença.

A sentença proferida em acção constitutiva não tem, em si mesma, efeito executivo, não obstante, sempre que a sentença proferida sore o objecto da acção contenha implícita, pela natureza do objecto, uma ordem de praticar este acto, ou de se realizar a mudança a que a acção visava, ela constituirá título executivo. Assim, para que a sentença possa servir de base à acção executiva, basta que esta obrigação fique declarada ou constituída por essa sentença. O enquadramento da pretensão do exequente nos limites do título executivo deve ser conhecido oficiosamente pelo tribunal, independentemente de o executado deduzir ou não oposição.

Posições negatórias: Para Paulo Sousa Mendes, é inegável que há decisões de simples apreciação e constitutivas que são pressupostos legais da constituição de uma obrigação do réu. Todavia, não é correcto falar em condenação implícita, pois que, na verdade, nenhuma vontade processual pode ser assacada ao tribunal nesse sentido, presumida ou tácita. O tribunal limita-se a conhecer do que lhe é pedido, não podendo condenar ou sequer declarar a obrigação prejudicada.

Um entendimento possível é o de que não se pode impor ao credor a obtenção de título senão quanto a obrigações que dependam da vontade do devedor para se constituírem. Pelo contrário, não seria conforme o art.20/1 CRP, que o credor estivesse dependente do devedor pata poder executar uma obrigação que já decorre da lei. Deste modo, e respeitando o art.10/5, as obrigações legais para serem executadas ou são reconhecidas autonomamente em título ou deveriam ser consequência de outra, por sua vez, tituladas. Aplicando esta regra à execução da sentença, a admissão de uma força executória indirecta para as obrigações prejudicadas parece inevitável. Os valores da tutela do credor perante o devedor de obrigação constituída ex lege corresponderiam assim ao princípio da economia processual para esse credor carente de tutela executiva. Isto significa que o princípio do dispositivo – i.e., é o credor que decide o seu pedido – tanto pode ser exercido no momento da declaração como no momento da execução da dívida.

Todavia, não nos podemos esquecer que estamos na presença de um favor creditoris excessivo, uma vez que a admissão de execução de obrigações sem prévia pronúncia judicial implica a restrição do princípio do contraditório: o credor executa uma obrigação que não alegou na acção declarativa, relativamente à qual o réu não se pode defender e, sobre a qual o juiz não produziu condenação. Na prática, o direito de defesa fica deferido para o momento da oposição à execução. Mas isso não significa que uma eventual impugnação ou excepção – maxime, um contradireito – terão de ser admitidas em sede do art.729/g), apesar de não estarem suportadas em factos objectivamente supervenientes.

Em suma, podemos concluir que prevalece o interesse do credor, o que, no entanto, não nos parece razoável, já que este teve a oportunidade processual de deduzir o pedido de condenação na obrigação secundária a título de pedido subsidiário prejudicado, i.e., supondo a prévia precedência do pedido prejudicial, e não o fez.

3. Sentença estrangeira: Os nossos tribunais podem executar sentenças estrangeiras condenatórias, ou seja, proferidas por tribunais não sujeitos à jurisdição portuguesa ou, sendo arbitrais, cujo processo não tenha tido lugar no território português. A este respeito: arts. 706/1 CPC, 55, 59/1/h), 61/1ª p, LAV/2011.