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 FERNANDO PESSOA ORTÓNIMO Características temáticas  Características estilísticas - Características gerais Temas O fingimento poético Fernando Pessoa Ortónimo e a Heteronímia  Fernando Pessoa conta e chora a insatisfação da alma humana. A sua precariedade, a sua limitação, a dor de pensar, a fome de se ultrapassar, a tristeza, a dor da alma humana que se sente incapaz de construir e que, comparando as possibil idades miseráveis com a ambição desmedida, desiste, adormece “num mar de sargaço” e dissipa a vida no tédio. Os remédios para esse mal são o sonho, a evasão pela viagem, o refúgio na infância, a crença num mundo ideal e oculto, situado no passado, a aventura do Sebastianismo messiânico, o estoicismo de Ricardo Reis, etc.. Todos estes remédios são tentativas frustradas porque o mal é a própria natureza humana e o tempo a sua condição fatal. É uma poesia cheia de desesperos e de entusiasmos febris, de náusea, tédios e angústias iluminados por uma inteligência lúcida – febre de absoluto e insatisfação do relativo.  A poesia está não na dor experimentada ou sentida mas no fingimento dela, apesar do  poeta partir da dor real “a dor que deveras sente”. Não há arte sem imaginação, sem que o real seja imaginado de maneira a exprimir-se artisticamente e ser concretizado em arte. Esta concretizaçã o opera na memória a dor inicial fazendo parecer a dor imaginada mais autêntica do que a dor real. Podemos chegar à conclusão de que há 4 dores: a real (inicial), a que o poeta imagina (finge), a dor real do leitor e a dor lida, ou seja, intelectualizada, que provém da interpretação do leitor.  Características temáticas · Id entidade per dida (Quem me dirá sou?”) e in ca pa cidade de au to - definição (“Gato que brincas na rua (...)/ Todo o nada que és é teu./ Eu vejo-me e estou sem mim./ Conhece-me e não sou eu.”) · Consciência do absurdo da existência · Recu sa da real idad e, enquant o apar ência (“Há entre mim e o real um véu/à própria concepção impenetrável”) · Tensão sinceridade/fing imento, consciência/incon sciência · Oposição sentir/pensar, pensamento/vontade , esperança/d esilusão · Anti-sentimentalismo: intelectualização da emoção (“Eu simplesmente sinto/ Com a imaginação./ Não uso o coração.” –  Isto)

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FERNANDO PESSOA ORTÓNIMO

Características temáticas   Características estilísticas - Características gerais

Temas O fingimento poéticoFernando Pessoa Ortónimo

e a Heteronímia

 

Fernando Pessoa conta e chora a insatisfação da alma humana. A sua precariedade, asua limitação, a dor de pensar, a fome de se ultrapassar, a tristeza, a dor da alma humanaque se sente incapaz de construir e que, comparando as possibilidades miseráveis com aambição desmedida, desiste, adormece “num mar de sargaço” e dissipa a vida no tédio.

Os remédios para esse mal são o sonho, a evasão pela viagem, o refúgio na infância, acrença num mundo ideal e oculto, situado no passado, a aventura do Sebastianismo

messiânico, o estoicismo de Ricardo Reis, etc.. Todos estes remédios são tentativasfrustradas porque o mal é a própria natureza humana e o tempo a sua condição fatal. Éuma poesia cheia de desesperos e de entusiasmos febris, de náusea, tédios e angústiasiluminados por uma inteligência lúcida – febre de absoluto e insatisfação do relativo.

 

A poesia está não na dor experimentada ou sentida mas no fingimento dela, apesar do poeta partir da dor real “a dor que deveras sente”. Não há arte sem imaginação, sem queo real seja imaginado de maneira a exprimir-se artisticamente e ser concretizado emarte. Esta concretização opera na memória a dor inicial fazendo parecer a dor imaginadamais autêntica do que a dor real. Podemos chegar à conclusão de que há 4 dores: a real(inicial), a que o poeta imagina (finge), a dor real do leitor e a dor lida, ou seja,intelectualizada, que provém da interpretação do leitor.

 

Características temáticas

· Identidade perdida (“Quem me dirá sou?”) e incapacidade de auto-definição (“Gato que brincas na rua (...)/ Todo o nada que és é teu./ Eu vejo-me e estou

sem mim./ Conhece-me e não sou eu.”)· Consciência do absurdo da existência

· Recusa da realidade, enquanto aparência (“Há entre mim e o real um véu/à própriaconcepção impenetrável”)

· Tensão sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência

· Oposição sentir/pensar, pensamento/vontade, esperança/desilusão

· Anti-sentimentalismo: intelectualização da emoção (“Eu simplesmente sinto/ Coma imaginação./ Não uso o coração.” –  Isto)

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· Estados negativos: egotismo, solidão, cepticismo, tédio, angústia, cansaço, náusea,desespero

· Inquietação metafísica, dor de viver

· Neoplatonismo

· Tentativa de superação da dor, do presente, etc., através de:

- evocação da infância, idade de ouro, onde a felicidade ficou perdida e ondenão existia o doloroso sentir: “Com que ânsia tão raiva/ Quero aquele outrora!” – “Pobre velha música”

- refúgio no sonho, na música e na noite

- ocultismo (correspondência entre o visível e o invisível)

- criação dos heterónimos (“Sê plural como o Universo!”)

· Intuição de um destino colectivo e épico para o seu País (Mensagem)

· Renovador de mitos

· Parte de uma percepção da realidade exterior para uma atitude reflexiva (constrói umaanalogia entre as duas realidades transmitidas: a visão do mundo exterior é fabricada emfunção do sentimento interior)

· Reflexão sobre o problema do tempo como vivência e como factor de fragmentaçãodo “eu”

· A vida é sentida como uma cadeia de instantes que uns aos outros se vão sucedendo,sem qualquer relação entre eles, provocando no poeta o sentimento da fragmentação eda falta de identidade

· O presente é o único tempo por ele experimentado (em cada momento se é diferentedo que se foi)

· O passado não existe numa relação de continuidade com o presente

· Tem uma visão negativa e pessimista da existência; o futuro aumentará a suaangústia porque é o resultado de sucessivos presentes carregados de negatividade

As temáticas:

ü O sonho, a intersecção entre o sonho e a realidade (exemplo: Chuva oblíqua – “E os navios passam por dentro dos troncos das árvores”);

ü A angustia existencial e a nostalgia da infância (exemplo:  Pobre velha

música – “Recordo outro ouvir-te./Não sei se te ouvi/Nessa minha infância/Queme lembra em ti.” ;

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ü Distância entre o idealizado e o realizado – e a consequente frustração(“Tudo o que faço ou medito”);

ü A máscara e o fingimento como elaboração mental dos conceitos queexprimem as emoções ou o que quer comunicar (“Autopsicografia”, verso “O

 poeta é um fingidor”);

ü A intelectualização das emoções e dos sentimentos para a elaboração da arte(exemplo: Não sei quantas almas tenho – “O que julguei que senti”) ;

ü O ocultismo e o hermetismo (exemplo: Eros e Psique)

ü O sebastianismo (a que chamou o seu nacionalismo místico e a que deuforma na obra Mensagem;

ü Tradução dos sentimentos nas linguagem do leitor, pois o que se sente éincomunicável.

 

Características estilísticas

· A simplicidade formal; rimas externas e internas; redondilha maior (gosto pelo popular) que dá uma ideia de simplicidade e espontaneidade

· Grande sensibilidade musical:

- eufonia – harmonia de sons

- aliterações, encavalgamentos, transportes, rimas, ritmo

- verso geralmente curto (2 a 7 sílabas)

- predomínio da quadra e da quintilha

· Adjectivação expressiva

· Economia de meios:

- Linguagem sóbria e nobre – equilíbrio clássico

· Pontuação emotiva

· Uso frequente de frases nominais

· Associações inesperadas [por vezes desvios sintácticos – enálage (“Pobre velhamúsica”)]

· Comparações, metáforas originais, oxímoros

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· Uso de símbolos

· Reaproveitamento de símbolos tradicionais (água, rio, mar...)

 

- Coexistem 2 correntes:

- Tradicional: continuidade do lirismo português (saudosismo)

- lírica simples e tradicional – desencanto e melancolia

- Modernista: processo de ruptura - heterónimos

- Pessoa ortóniomo (simbolismo, paulismo, interseccionismo)

 Na poesia de Fernando Pessoa como ortónimo coexistem duas vertentes: a tradicional ea modernista.

Alguns dos seus poemas seguem na continuidade do lirismo português outrasiniciam o processo de ruptura, que se concretiza nos heterónimos ou nas experiênciasmodernistas.

A poesia, a cujo conjunto Pessoa queria dar o título Cancioneiro, é marcada peloconflito entre o pensar e o sentir, ou entre a ambição da felicidade pura e a frustraçãoque a consciência de si implica (como por exemplo no poema   Ela canta, pobre

ceifeira nos versos “O que em mim sente ‘stá pensando./Derrama no meu coração”).Fernando Pessoa procura através da fragmentação do “eu” a totalidade que lhe

 permita conciliar o pensar e o sentir. A fragmentação está evidente por exemplo,em Meu coração é um pórtico partido, ou nos poemas interseccionistas Horaabsurda , Chuva oblíqua e Não sei quantas almas tenho (verso “Continuamente meestranho”). O interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade,surge como tentativa para encontrar a unidade entre a experiência sensível e ainteligência.

A poesia do ortónimo revela a despersonalização do poeta fingidor que fala e que

se identifica com a própria criação poética, como impõe a modernidade. O poeta recorreà ironia para pôr tudo em causa, inclusive a própria sinceridade que com o fingimento, possibilita a construção da arte.

Características: - dor de pensar 

- angústia existencial

- nostalgia

- desilusão

- visão negativa do mundo e da vida

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- solidão interior 

- inquietação perante o enigma indecifrável do mundo

- tédio

- falta de impulsos afectivos de quem já nada espera da vida

- obsessão de análise

- vagos acenos do inexplicável

- recordações da infância

- cepticismo

 

- Estilo e Linguagem: - preferência pela métrica curta

- linguagem simples, espontânea, mas sóbria

- pontuação (diversidade)

- gosto pelo popular (quadra)

- métrica tradicional: redondilha (7)- musicalidade

 

Temas

 Sinceridade/fingimento

Intelectualização do sentir = fingimento poético, a única forma de criação artística

(autopsicografia, isto)

Despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica com a própria criação poética

Uso da ironia para pôr tudo em causa, inclusive a própria sinceridade

Crítica de sinceridade ou teoria do fingimento está bem patente na união de contrários

Mentira: linguagem ideal da alma, pois usamos as palavras para traduzir emoções e pensamentos (incomunicável)

 

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Consciência/inconsciência

Aumento da autoconsciência humana

Tédio, náusea, desencontro com os outros (tudo o que faço ou medito)

Tentativa de resposta a várias inquietações que perturbam o poeta

Sentir/pensar

Concilia o pensar e o sentir 

Obsessão da análise, extrema lucidez, a dor de pensar (ceifeira)

Solidão interior, angústia existencial, melancolia

Inquietação perante o enigma indecifrável do mundo

 Nega o que as suas percepções lhe transmitem - recusa o mundo sensível, privilegiandoo mundo inteligível

Fragmentação do eu, perda de identidade – sou muitos e não souninguém à interseccionismo entre o material e o sonho; a realidade e a idealidade;realidades psíquicas e físicas; interiores e exteriores; sonhos e paisagens reais; espiritual

e material; tempos e espaços; horizontalidade e verticalidade. O tempo e a degradação: o regresso à infância

Desencanto e angústia acompanham o sentido da brevidade da vida e da passagem dosdias

Busca múltiplas emoções e abraça sonhos impossíveis, mas acaba “sem alegria nemaspirações”, inquieto, só e ansioso.

O passado pesa “como a realidade de nada” e o futuro “como a possibilidade de tudo”.

O tempo é para ele um factor de desagregação na medida em que tudo é breve eefémero.

Procura superar a angústia existencial através da evocação da infância e de saudadedesse tempo feliz - nostalgia do bem perdido, do mundo fantástico da infância.

Poemas:

- “Meu coração é um pórtico partido” - fragmentação do “eu”

- “Hora Absurda” - fragmentação do “eu”, interseccionismo

 

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- “Chuva Oblíqua” - fragmentação do “eu”: o sujeito poético revela-se duplo, na busca de sensações que lhe permitem antever a felicidade ansiada,mas inacessível.

- interseccionismo impressionista: recria vivências que se

interseccionam com outras que, por sua vez, dão origem a novascombinações de realidade/idealidade.

- “Autopsicografia” - dialéctica entre o eu do escritor e o eu poético, personalidadefictícia e criadora.

- criação de 1 personalidade livre nos seus sentidos e emoções <>sinceridade de sentimentos

- o poeta codifica o poema q o receptor descodifica à suamaneira, sem necessidade de encontrar a pessoa real do escritor 

- o acto poético apenas comunica 1 dor fingida, pois a dor real continua no sujeito que tenta 1 representação.

- os leitores tendem a considerar uma dor que não é sua, mas queapreendem de acordo com a sua experiência de dor.

- A dor surge em 3 níveis: a dor real, a dor fingida e a “dor lida”

O fingimento poético

A poesia de Fernando Pessoa Ortónimo aborda temas como o cepticismo e o idealismo,a dor de pensar, a obsessão da análise da lucidez, o eu fragmentário, a melancolia, otédio, a angústia existencial, a inquietação perante o enigma indecifrável do mundo, anostalgia do mundo maravilhoso da infância.

O Fingimento poético é inerente a toda a composição poética do Ortónimo e surgecomo uma nova concepção de arte.

A poesia de Pessoa é fruto de uma despersonalização, os poemas “Autopsicobiografia”e “ Isto” pretendem transmitir uma fragilidade estrutural, todavia, escondem uma

densidade de conceitos.

O Ortónimo conclui que o poeta é um fingidor: “ finge tão completamente / que chega a pensar se é dor/ a dor que deveras sente/”, bem como um racionalizador de sentimentos.

A expressão dos sentimentos e sensações intelectualizadas são fruto de uma construçãomental, a imaginação impera nesta fase de fingimento poético. A composição poéticaresulta de um jogo lúdico entre palavras que tentam fugir ao sentimentalismo eracionalização. “ e assim nas calhas de roda/ gira a entreter a razão / esse comboio decorda/ que é o coração”.

O pensamento e a sensibilidade são conceitos fundamentais na ortonímia, o poeta brincaintelectualmente com as emoções, levando-as ao nível da arte poética.

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O poema resulta, então ,de algo intelectualizado e pensado .

O fingimento está, pois, em toda arte de Pessoa. O Saudosismo que se encontra na obrade Pessoa não é mais do que “vivências de estados imaginários” : “ Eu simplesmentesinto/ com a imaginação/ não uso o coração”.

Fernando Pessoa Ortónimo e a Heteronímia

Ricardo Reis

- epicurismo: carpe dieme disciplina estóica

- indiferença céptica;ataraxia

- semipaganismo;classicismo

- vive o drama dafugacidade da vida e dafatalidade da morte

Alberto Caeiro

- paganista existencial

- poeta da Natureza e da simplicidade

- interpreta o mundo a partir dossentidos

- interessa-lhe a realidade imediata eo real objectivo que as sensações lheoferecem

- nega a utilidade do pensamento; éantimetafísico

Dissimulação Fragmentação

Despersonalização

FERNANDO

PESSOA

 

Fingimento

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Álvaro de Campos

- decadentismo: o tédio, ocansaço e a necessidadede novas sensações

- futurismo esensacionismo: exaltaçãoda força, da violência, doexcesso; apologia dacivilização indústrial;intensidade e velocidade (a euforia desmedida)

- intimismo: a depressão,o cansaço e a melancolia

 perante a incapacidadedas realizações; assaudades da infância

Pessoa Ortónimo

- tensão

sinceridade/fingimento

consciência/inconsciência

sentir/pensar 

- intelectualização dos sentimentos

- interseccionismo entre o material eo sonho, a realidade e a idealidade

- uma explicação através doocultismo

MENSAGEM

 No universo poético de Fernando pessoa, a Mensagem foi o seu único livro que não

teve como tema o próprio EU do poeta mas sim a nação portuguesa que ele viamergulhada num profundo negativismo e marasmo.

Este pequeno livro constituído por 44 poemas, possui uma essência épica eencontra-se dividido em 3 partes distintas: BRASAO, MAR PORTUGUES EENCOBERTO.

D. Sebastião havia deixado a nação entregue aos Filipes, e desde então o paísnão mais se erguera da mediocridade.

A crença neste mito seria decisiva pois levaria toda a nação a acreditar que haviaainda um destino grandioso a alcançar e que faltava " CUMPRIR-SE PORTUGAL".

O desafio lançado por Pessoa revela a sua insatisfação com o tempo presenteque se vivia em Portugal e de forma megalómana e mística sente-se o arauto de umsonho quase utópico.

Integração de Mensagem no universo poético Pessoano:

Integra-se na corrente modernista, transmitindo uma visão épico-lírica do destino

 português, nela se salientando o Sebastianismo, o Mito do Encoberto e o V Império.

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Estrutura formal e simbólica de Mensagem

Mensagem é a expressão poética dos mitos – não se trata de uma narrativa sobre osgrandes feitos dos portugueses no passado, como em Os Lusíadas, mas sim, de umcantar de um Império de teor espiritual, da construção de uma supra-nação, através daligação ocidente/oriente: não são os factos históricos propriamente ditos sobre os nossosreis que mais importam; são sim as suas atitudes e o que eles representam, sendo oassunto de Mensagem a essência de Portugal e a sua missão a cumprir. Daí seinterpretem as figuras dos reis nos poemas de Mensagem como heróis mas mais queisso, como símbolos, de diferentes significados.

1ª Parte – BRASÃO: o princípio da nacionalidade (em que fundadores e antepassadoscriaram a pátria)

  “Ulisses” – símbolo da renovação dos mitos: Ulisses de facto não existiu mas bastou asua lenda para nos inspirar. A lenda, ao penetrar na realidade, faz o milagre de tornar avida “cá em baixo” insignificante. É irrelevante que as figuras de quem o poeta se vaiocupar tenham tido ou não existência histórica! (“Sem existir nos bastou/Por não ter vindo foi vindo/E nos criou.”). O que importa é o que elas representam. Daí seremfiguras incorpóreas, que servem para ilustrar o ideal de ser português.

  “D. Dinis” – símbolo da importância da poesia na construção do Mundo: Pessoa vê D.Dinis como o rei capaz de antever o futuro e interpreta isso através das suas acções – ele

 plantou o pinhal de Leiria, de onde foi retirada a madeira para as caravelas, e falou da

“voz da terra ansiando pelo mar”, ou seja, do desejo de que a aventura ultrapasse amediocridade.

  “D. Sebastião, rei de Portugal” – símbolo da loucura audaciosa e aventureira: oHomem sem a loucura não é nada; é simplesmente uma besta que nasce, procria emorre, sem viver! Ora, D. Sebastião, apesar de ter falhado o empreendimento épico,FOI em frente, e morreu por uma ideia de grandeza, e essa é a ideia que deve persistir,mesmo após sua morte (“Ficou meu ser que houve, não o que há./Minha loucura, outrosque a tomem/Com o que nela ia.”)

2ª Parte – MAR PORTUGUÊS: a realização através do mar (em que heróisempossados da grande missão de descobrir foram construtores do grande destino da

 Nação)

 “O Infante” – símbolo do Homem universal, que realiza o sonho por vontade divina:ele reúne todas as qualidades, virtudes e valores para ser o intermediário entre oshomens e Deus (“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”)

  “Mar Português” – símbolo do sofrimento por que passaram todos os portugueses: aconstrução de uma supra-nação, de uma Nação mítica implica o sacrifício do povo (“Ómar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal!”)

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  “O Mostrengo” – símbolo dos obstáculos, dos perigos e dos medos que os portugueses tiveram que enfrentar para realizar o seu sonho: revoltado por alguémusurpar os seus domínios, “O Mostrengo” é uma alegoria do medo, que tenta impedir os

 portugueses de completarem o seu destino (“Quem é que ousou entrar/Nas minhas

cavernas que não desvendo,/Meus tectos negros do fim do mundo?”)3ª Parte – O ENCOBERTO: a morte ou fim das energias latentes (é o novo ciclo que seanuncia que trará a regeneração e instaurará um novo tempo)

“O Quinto Império” – símbolo da inquietação necessária ao progresso, assim como osonho: não se pode ficar sentado à espera que as coisas aconteçam; há que ser ousado,curioso, corajoso e aventureiro; há que estar inquieto e descontente com o que se tem eo que se é! (“Triste de quem vive em casa/Contente com o seu lar/Sem um sonho, noerguer da asa.../Triste de quem é feliz!”) O Quinto Império de Pessoa é a mística certezado vir a ser pela lição do ter sido, o Portugal-espírito, ente de cultura e esperança, tantomais forte quanto a hora da decadência a estimula.

“Nevoeiro” – símbolo da nossa confusão, do estado caótico em que nos encontramos,tanto como um Estado, como emocionalmente, mentalmente, etc.: algo ficouconsubstanciado, pois temos o desejo de voltarmos a ser o que éramos (“(Que ânsiadistante perto chora?)”), mas não temos os meios (“Nem rei nem lei, nem paz nemguerra...”)

Fernando Pessoa acreditava que, através dos seus textos, poderia despertar asconsciências e fazê-las acreditar e desejar a grandeza outrora vivenciada. Espera poder contribuir parar o reerguer da Pátria, relembrando, nas 1ª e 2ª partes da Mensagem, o

 passado histórico grandioso e anunciando a vinda do Encoberto (3ª parte), na figuramítica de D.Sebastião, que anunciaria o advento do Quinto Império.

Preconizava para Portugal a construção de um novo império, espiritual, capaz deelevar os Portugueses ao lugar de destaque que outrora ocuparam a nível mundial. Esta

  projecção ficar-se-ia a dever a um “poeta ou poetas supremos” que, pela suagenialidade, colocariam Portugal, um país culturalmente evoluído, como líder de todosos outros.

Na realidade, Fernando Pessoa antevê a possibilidade da supremacia dePortugal, não em termos materiais, como no tempo de Camões, mas em termosespirituais É nesta nova concepção de Império que assenta o carácter simbólico e míticoque enforma a epopeia pessoana e que, inevitavelmente, destacará a figura destesuperpoeta, em detrimento da de Camões.

A comparação entre "Os Lusíadas" e a "Mensagem" impõe-se pelo próprio facto de estaser, a alguns séculos de distância e num tempo de decadência - o novo mito de pátria

 portuguesa.

 

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Os LusíadasMensagem

ü Homens reais com dimensõesheróicas mas verosímeis;

ü Heróis de carne e osso, bravos masnunca infalíveis;

ü Heróis mitificados, desincarnados,carregando dimensões simbólicas

  Brasão ® Terra ® Nun’ÁlvaresPereira

  Mar Português ® Mar ® Infante D.Henrique

O encoberto ® Ar ® D. Sebastião

(de uma terra de dimensões conhecidas parte-se à descoberta do mar e constrói-seum império. Depois o império se desfez e osonhos e o Encoberto são a raiz a esperançade um Quinto Império)

ü Herói colectivo: o povo português

ü Virtudes e manhas

ü Heróis individuais exemplares(símbolos)

ü D. Sebastião (rei menino) a quem OsLusíadas são dedicados;

“tenro e novo ramo”

ü D. Sebastião mito “loucura sadia”

Sonho, ambição

(repare-se que d. Sebastião é a últimafigura da história a ser mencionada, comose se quisesse dizer que Portugalmergulhou, depois do seudesaparecimento num longo período de

letargia)ü Celebração do passado – história ü Glorificação do futuro – símbolos

ü Messianismo a mola real dePortugal

üü Narrativa comentada da história

de Portugal (cf. Jorge Borges deMacedo)

Teoria da história de Portugal

ü Metafísica do Ser português

ü Três mitos basilares: ü Tudo é mito

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o Adamastor 

o Velho do restelo

o A ilha dos amores

“o mito é o nada que é tudo”

ü acção ü contemplação

ü altiva rejeição do realü império feito e acabado ü Portugal indefinido,

atemporalü ü Saudade profética ® saudades do

futuroü Façanhas dos barões assinalados ü Matéria dos sonhosü Temporalidade ü Atemporalidade místicaü Síntese pagão e cristão ü Síntese total (sincretismo religioso)ü D. Sebastião como enviado de Deus

 para alargar a Cristandadeü Portugal como instrumento de Deus

(os heróis cumprem um destino que osultrapassa)

ü cabeça da Europa ü Rosto da Europa que aguardaexpectante o que virá

 

O projecto da Mensagem é o de superar o carácter obsessivo e nacional d’OsLusíadas no imaginário mítico-poético nacional. Os Lusíadas conquistaram o título de“evangelho nacional” e foram elevados à categoria de símbolo nacional.A Mensagem logo no seu título aponta para um novo evangelho, num sentido místico,ideia de missão e de vocação universal. O próprio título indicia uma revelação, umainiciação.

Pessoa previa para breve o aparecimento do “Supra-Camões” que anunciará o

“Supra-Portugal de amanhã”, a “busca de uma Índia Nova”, o tal “porto sempre por achar”.A Mensagem entrelaça-se, através de um complexo processo intertextual,

com Os Lusíadas, que por sua vez são já um reflexo intertextual da Eneida e daOdisseia. Estabelece-se portanto um diálogo que perpassa múltiplos tempos históricos.Pessoa transforma-se num arquitecto que edifica uma obra nova, com moderbnidade,mas também com a herança da memória.

Em Camões memória e esperança estão no mesmo plano. Em Pessoa, o objecto daesperança transferiu-se para o sonho, daí a diferente concepção de heroísmo.

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Pessoa identifica-se com os heróis da Mensagem ou neles se desdobra num  processo lírico-dramático. O amor da pátria converte-se numa atitude metafísica,definivel pela decepção do real, por uma loucura consciente. Revivendo a fé no QuintoImpério, Pessoa reinventou um razão de ser, um destino para fugir a um quotidiano

absurdo.O assunto da Mensagem é a essência de Portugal e a sua missão por cumprir.

Portugal é reduzido a um pensamento que descarna e espectraliza as personagens dahistória nacional.

A Mensagem é o sonho de um império sem fronteiras nem ocaso. A viagem realé metamorfoseada na busca do “porto sempre por achar”.

“A Mensagem comparada com Os Lusíadas é um passo em frente. Enquanto Camões,em Os Lusíadas  , conseguiu fazer a síntrese entre o mundo pagão e o mundo cristão,

  Pessoa na Mensagemconseguiu ir mais longe estabelecendo uma harmonia total,  perfeita, entre o mundo pagão, o mundo cristão e o mundo esotérico.”(Cirurgião: 1990,19)

“A Mensagem é algo mais, muito mais, que uma mera viagem temporal e espacial pelamitologia, pré-história e história de Poortugal. É essencialemente uma viagem pelomundo labirintico dos mistérios e dos enigmas e dos símbolos e dos signos secretos, emdemanda da verdade.” (Cirurgião: 1990,155) Cirurgião, António

1990 O olhar esfíngico da Mensagem de Fernando Pessoa INLC, Ministério daEducação

 A Mensagem reparte-se em dois vectores:

ü busca ôntica – procura da essência da lusitanidade e definição da nossaidiossincrasia

ü inquirição – questionação do mesmo histórico a seguir e a fazer seguir como projecto nacional colectivo

Pessoa é um exemplo desta obsessão nacional – a espera de um Messias.A história de Portugal não oferece problemas à elaboração de um mito nacional. Elaestá cheia de elementos e contém já um grande mito, o sebastianismo. Pessoadistinguiu o seu sebastianismo, apelidando-o de racional. O regresso de D. Sebastião éassociado ao aparecimento do Quinto Império. Pessoa abandona os Impérios materiais

 para elaborar impérios espirituais – Grécia, Roma, Cristandade, Europa pós-renascentista e, agora, Portugal. O Quinto Império já estava escrito nas trovas doBandarra e nas quadras do Nostradamus. O nacionalismo tradicional é superado por um nacionalismo cosmopolita.

Pessoa, criador do fundo e da forma do mito, anuncia-se como um supraCamões. A realidade é activada pelo Mito (força catalizadora).

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Sebastianismo

O sebastianismo é um mito nacional de tipo religioso.

«D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco...»

O sebastianismo, fundamentalmente, o que é? É um movimento religioso, feito em voltaduma figura nacional, no sentido dum mito. No sentido simbólico D. Sebastião éPortugal: Portugal que perdeu a sua grandeza com D. Sebastião, e que só voltará a tê-lacom o regresso dele, regresso simbólico ( como, por um mistério espantoso e divino, a

 própria vida dele fora simbólica ( mas em que não é absurdo confiar. D. Sebastiãovoltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco, vindo da ilhalongínqua onde esteve esperando a hora da volta. A manhã de névoa indica,evidentemente, um renascimento anuviado por elementos de decadência, por restos da

 Noite onde viveu a nacionalidade.

ü D. Sebastião não morreu porque os símbolos não morrem. O desaparecimentofísico de D. Sebastião proporciona a libertação da alma portuguesa.

ü D. Sebastião aparece cinco vezes explicitamente na Mensagem (uma vez nasQuinas, outra em Mar português e três vezes nos Símbolos).Aliás, pode mesmo dizer-se que o Brasão e o Mar português são a preparação

 para a chegada do Encoberto, na sua qualidade de Messias de Portugal.

ü D. Sebastião faz uma espécie de elogio da loucura (condenação da matéria esublimação do espírito)

O três é um número que exprime a ordem intelectual e espiritual (o cosmos nohomem). O 3 é a soma do um (céu) e do dois (a Terra). Trata-se da manifestação dadivindade, é a manifestação da perfeição, da totalidade.

O sete assume também uma extrema relevância, senão vejamos, sete foram osCastelos que D. Afonso III conquistou aos mouros, sete são os poemas de Os Castelos .

O sete corresponde aos 7 dias da criação, assim como as 7 figuras evocadas são também

as fundadoras da nacionalidade (Ulisses fundou Lisboa, Viriato uma nação, Conde D.Henrique um Condado, D. Dinis uma cultura, D. João uma dinastia, D. Tareja e D.Filipa fundaram duas dinastias). Pessoa manteve na sua obra a ideia do número setecomo número da criação.

O sete é o número da perfeição dinâmica. É o número de um ciclo completo.O sete articula-se com o quatro. Os 7 protagonistas de Os Castelos vêm dos 4 cantos domundo (França, Inglaterra, Ibéria e Grécia). Note-se que cada período lunar tem 7 dias eexistem 4 fases que fecham o ciclo. Perpassa a ideia de algo que se completa, de umciclo que se fecha. O sete é um símbolo de totalidade, de união do feminino com omasculino. Consciente dessa tradição, Pessoa divide o 7 em duas partes – D. João, o

 primeiro e D. Filipa de Lencastre, ou seja, o animus e a anima, o yin e o yang, o Adão eEva, o Sol e a Lua.

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O cinco está ligado às chagas de Cristo, às Quinas e aos cinco impérios sonhados por Nabucodonosar. Os quatro impérios já havidos foram a Grécia, roma, a Cristandadee a Europa pós-renascentista. Se o 5º império fosse material, Pessoa não teria dúvidasem apontar Inglaterra, mas como o 5º Império é o do ser, da essência, do imaterial, o

 poeta não tem dúvidas em apontar Portugal.

Se o sete é o número da perfeição, o três da divindade, o cinco é o número daevolução espiritual do homem.

Pessoa escolheu cinco mártires da nação para corresponderem às cinco quinas(D.Duarte, D. Pedro, D. Fernando, D. João e D. Sebastião). O Brasão está dividido em5 partes, tantas quantas as partes do nosso símbolo heráldico – Campos, Castelos,Quinas, Coroa e Grifo).

 N’Os Lusíadas as quinas representam os cinco reis vencidos por D. AfonsoHenriques na Batalha de Ourique.

O doze assume relevância na segunda parte da Mensagem - Mar Português.Doze são os poemas de Mar Português , 12 eram os discípulos de Cristo, 12 osCavaleiros da Távola Redonda, 12 os meses do ano, 12 os signos do zoodíaco. Onúmero 12 é o número da acção. Nesta parte da Mensagem, Portugal está fundado navida activa (a posse dos mares).

O oito é o número das pontas da Cruz da Ordem de Cristo, a cruz que ascaravelas ostentavam. Oito letras tem Portugal e oito letras tem Mensagem.

 Sebastianismo e V Império

Excertos de Fernando Pessoa:

A interpretação inicial dos cinco impérios remonta ao Velho Testamento.

"...A divisão é: Império Grego (sintetizando todos os conhecimentos, toda a experiênciados antigos impérios pré-culturais); o Império Romano (sintetizando toda a experiência

e cultura gregas e fundindo em seu âmbito todos os povos formadores, já ou depois, danossa civilização); o Império Cristão (fundindo a extensão do Império Romano com acultura do Império Grego, e agregando-lhe elementos de toda a ordem oriental, entre osquais o elemento hebraico); e o Império Inglês (distribuindo por toda a terra osresultados dos outros três impérios, e sendo assim o primeiro de uma nova espécie desíntese

O Quinto Império, que necessariamente fundirá esses quatro impérios com tudo quantoesteja fora deles, formando pois o primeiro império verdadeiramente mundial, ouuniversal.

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Este critério tem a confirmá-lo a própria sociologia da nossa civilização. Esta éformada, tal qual está hoje, por quatro elementos: a cultura grega, a ordem romana, amoral cristã, e o individualismo inglês. Resta acrescentar-lhe o espírito deuniversalidade, que deve necessariamente surgir do carácter policontinental da actual

civilização. Até agora não tem havido senão civilização europeia; a universalização dacivilização europeia é forçosamente o mister do Quinto Império.

Em geral concebe-se como cristão esse Império, e a ele se alude como, seguindo-se aoReino de Anticristo, sendo a Segunda Vinda do Cristo. A hipótese, não emergindonecessariamente dos factos - nem dos sociológicos, nem dos proféticos - é contudoaceitável. Não a defenderemos; não a opugnaremos. Contra a primazia, neste pontoimperial, da religião cristã, tem-se oposto o igual direito a uma primazia, que podeminvocar as religiões maometana, budista, e outras. Se, porém, o império universal, ouquinto império, há-de ter um carácter religioso, o que, não estando provado, é contudo

 provável, não é de supor que seja fora do cristianismo. Das duas outras religiões, que poderiam concorrer a esse império maior, a maometana é estreita. A budista, sobretudona forma teosófica em que se tem espalhado, é mais aceitável como universal, pois, defacto, pretende ser não propriamente uma religião, senão o espírito de todas elas.Sucede, porém, que o budismo está fora do esquema moral da civilização europeia,dentro da qual se há-de dar, ainda que universalizando-se, a formação do quintoimpério. Qualquer que seja esse quinto império, há-de incluir e sintetizar os quatro queo precederam, pois assim foi cada um deles incluindo, e sintetizando os que vieramantes dele. Ora a cultura grega, a ordem romana, a moral cristã mesmo, em alguns dos

seus pormenores, estão fora do esquema budista. De todas as religiões, só o cristianismotem o preciso carácter sincrético: formado com a base da metafísica grega, distribuídocom a base do imperialismo romano, construído já com um sincretismo que inclul asreligiões orientais, incluindo aquelas de onde o budismo emergiu, o cristianismoabsorverá ainda com facilidade o individualismo inglês, que veio depois, por isso que ocristianismo é essencialmente individualista, como a cultura grega, em queobscuramente se funda. O que não poderá ser é o cristianismo católico. Esse tornou-seincapaz de um sincretismo novo; nem poderia incluir o individualismo inglês, que lhe éoposto, e que, como é o distintivo do quarto império, terá que entrar como elemento noquinto, dada a lei de formação dos impérios adentro de uma civilização...

...Aliás, este triunfo final do cristianismo encontra-se acentuado nas poucas profeciasque temos sobre o assunto, e às quais podemos atribuir, no profeta, uma independênciadas suas próprias opiniões e desejos - único fundamento para tomar a profecia como

 profecia a valer, e não como expressão de um sonho próprio. Uma é a do verso de Nostradamo, posto no fim das centúrias para que se repare que se reporta ao fim das"coisas" - isto é, da civilização a que pertencemos.

Religion du nom des mers vaincra,

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sendo que o cristianismo é a religião dos mares, governada pelo signo de Pisces, enascido o seu fundador de Maria, que quer dizer "mares" em latim.

A outra é a profecia, ainda mais curiosa, de S. Francisco de Paula. Este diz que haveráuma "religião nova" - repare-se bem, "nova"- (Lusitanus torce inutilmente a frase, aointerpretá-la; se S. Francisco de Paula quisesse dizer uma religião velha para que haviade chamar-lhe nova?); mas essa religião será imposta ou desenvolvida por uns a quemchama "crucíferos". O serem crucíferos indica que a religião é cristã, pois a cruz é osímbolo essencial do cristianismo (embora exista, porém, só acessoriamente, nasimbologia de outras religiões); mas o ser a religião "nova" indica que não é católica,

 pois para S. Francisco de Paula, que era, claro está, católiico, um cristianismo nãocatólico é uma religião nova.

A profecia de Nostradamo é aceitável, por "imparcial", pois assim são todas as profecias

desse homem extraordinário; essas e as do Terceiro Corpo do nosso Bandarra. A profecia de S. Francisco de Paula é igualmente aceitável, pois é evidentemente"imparcial" a profecia de um católico que, embora involuntariamente, profetiza a quedada sua própria religião."

 

Outros excertos de Fernando Pessoa que aludem ao espírito imperial português

"...Portugal grande potência construtiva, Portugal Império ( aqui, sim, é que, através de

grandeza e de decadência, se revela o nosso instinto, e se mantém a nossa tradição.Somos, por índole uma nação criadora e imperial. Com as Descobertas, e oestabelecimento do Imperialismo Ultramarino, criámos o mundo moderno ( criaçãoabsoluta, tanto quanto socialmente isso é possível, que não simples elaboração ourenovação de criações alheias. Nas mais negras horas da nossa decadência, prosseguiu,sobretudo no Brasil, a nossa acção imperial, pela colonização; e foi nessas mesmashoras que em nós nasceu o sonho sebastianista, em que a ideia do Império Portuguêsatinge o estado religioso.

Portugal tem pois condições orgânicas para ser uma grande potência construtiva oucriadora, um Império. Uma coisa, porém, é dizer-se que Portugal tem condições para sê-lo; outra é predizer que o será. A pergunta não exige esta segunda demonstração, que,aliás, por extensa não poderia ser aqui dada. Nem há mester que se diga, também, emque consistirá presumivelmente essa criação portuguesa, qual será o sentido e oconteúdo desse Quinto Império. Fora preciso um livro inteiro para o dizer, nem chegouainda a hora de dizer-se."

"....Há um terceiro português, que começou a existir quando Portugal, por alturas de El-Rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez asDescobertas, criou a civilização transoceânica moderna, e depois foi-se embora. Foi-seembora em Alcácer Quibir, mas deixou alguns parentes, que têm estado sempre, e

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continuam estando, à espera dele. Como o último verdadeiro Rei de Portugal foi aqueleD. Sebastião que caiu em Alcácer Quibir, e presumivelmente ali morreu, é no símbolodo regresso de El-Rei D. Sebastião que os portugueses da saudade imperial projectam asua fé de que a família se não extinguisse..."

 O Sebastianismo, o Desejado, o Encoberto

"O sebastianismo é um mito nacional de tipo religioso.

«D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco...»

O sebastianismo, fundamentalmente, o que é? É um movimento religioso, feito em voltaduma figura nacional, no sentido dum mito.

 No sentido simbólico D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza comD. Sebastião, e que só voltará a tê-la com o regresso dele, regresso simbólico ( como, por um mistério espantoso e divino, a própria vida dele fora simbólica ( mas em que nãoé absurdo confiar.

D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco, vindoda ilha longínqua onde esteve esperando a hora da volta. A manhã de névoa indica,evidentemente, um renascimento anuviado por elementos de decadência, por restos da

 Noite onde viveu a nacionalidade. O cavalo branco tem mais difícil interpretação. Podeser Sagitário, signo do zodíaco, e conviria, em tal caso, perceber o que a referência

indica, perguntando, por exemplo, se há referência à Espanha (de quem, segundo osastrólogos, Sagitário é signo regente), ou se há referência a qualquer trânsito de planetano signo de Sagitário. O Apocalipse porém, fornece outra hipótese sobre este assunto.De difícil interpretação, também, é a Ilha....

....O que seja propriamente o sebastianismo - hoje mais vigoroso do que nunca, naassombrosa sociedade secreta que o transmite cada vez mais ocultamente de geração emgeração, guardado religiosamente o segredo do seu alto sentido simbólico e português,que pouco tem que ver com o D. Sebastião que se diz ter morrido em África, e muito

com o D. Sebastião que tem o número cabalístico da Pátria Portuguesa -, eis o que não étalvez permitido desvendar. Mas, para interesse dos leitores, não é talvez mal cabidoexplicar qual a data marcada para o Grande Regresso, em que a Alma da Pátria sereanimará, se reconstituirá a íntima unidade da Ibéria, através de Portugal, se derrotaráfinalmente o catolicismo (outro dos elementos estrangeiros entre nós existentes einimigo radical da Pátria) e se começará a realizar aquela antemanhã ao QuintoImpério." (Fernando Pessoa)

 

As profecias do Bandarra anunciam o Quinto Império, o regresso de D. Sebastião e osdestinos de Portugal.

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«Há muitas vezes acontecimentos cuja importância é velada no tempo em que se dão.»

São três os pontos essenciais da profética do Bandarra: o Quinto Império, a ida eregresso de El-Rei D. Sebastião, e os destinos de Portugal. O primeiro ponto preocupa-oem comum com toda a profética europeia, e, em certo modo, a hebraica; o segundo

 ponto preocupa-o mais que a outros profetas, estranhos. A nossa nação; como, porém,em um dos seus sentidos, o "regresso" de D. Sebastião se prende com a mesma ideia doQuinto Império, não faltam em profetas estranhos, e nomeadamente em Nostradamus,alusões inequívocas - que veremos - a este "regresso".... (Fernando Pessoa)

ALBERTO CAEIRO – O MESTRE INGÉNUO

(1889 - 1915)  Fernando Pessoa explicou a “vida”de cada um de seus heterónimos. Assim apresentaa vida do mestre de todos, Alberto Caeiro:

"  Nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão, nem educação quase alguma, só instrução primária; morreram-lhe cedo o paie a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia comuma tia velha, tia avó. Morreu tuberculoso." 

Pessoa cria uma biografia para Caeiro que se encaixa com perfeição na sua poesia,

como podemos observar nos 49 poemas da série O Guardador de Rebanhos. SegundoPessoa, foram escritos na noite de 8 de Março de 1914, de um só fôlego, seminterrupções. Esse processo criativo espontâneo traduz exactamente a buscafundamental de Alberto Caeiro: completa naturalidade.

 “Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é.Mas porque a amo, e amo-a por isso,Porque quem ama nunca sabe o que amaNem por que ama, nem o que é amar...”

 

 Nasceu em em 1889, em Lisboa, e morreu em 1915, mas viveu quase toda a sua vidano campo. Não teve profissão, nem educação quase nenhuma: apenas a instrução

 primária. era de estatura média, frágil, mas não o aparentava. Era louro, de olhos azuis.Ficou órfão de pai e mãe muito cedo e deixou-se ficar em casa a viver dos rendimentos.Vivia com uma tia velha, tia-avó. Escrevia mal o Português. É o pretenso mestre de A.de Campos e de R. Reis. É anti-metafísico; é menos culto e complicado do que R. Reis,mas mais alegre e franco. É sensacionista. Alguns temas de eleição:

•  Negação da metafísica e valorização da aquisição do conhecimento através das

sensações não intelectualizadas.; é contra a interpretação do real pelainteligência; para ele o real é a exterioridade e não devemos acrescentar-lhe as

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impressões subjectivas. Os poemas O Mistério das coisas, onde está ele? e Souum guardador de rebanhos mostram-nos estas ideias.

•  Negação de si mesmo, projectado em Quem me dera que a minha vida fosse umcarro de bois;

• Atracção pela infância, como sinónimo de pureza, inocência e simplicidade,

 porque a criança não pensa, conhece pelos sentidos como ele, pela manipulaçãodos objectos pelas mãos, como no poemaCriança desconhecida e sujabrincando à minha porta;

• Poeta da Natureza, na sua perpétua renovação e sucessão, da Aurea Mediocritas,da simplicidade da vida rural;

• A vivência da passagem do tempo não existe, são só vivências atemporais: otempo é ausência de tempo.

Alberto Caeiro apresenta-se como um simples “guardador de rebanhos”,que só se importa em ver de forma objectiva e natural a realidade, com a qualcontacta a todo o momento. Daí o seu desejo de integração e de comunhão coma natureza.

Para Caeiro, “pensar” é estar doente dos olhos. Ver é conhecer ecompreender o mundo, por isso, pensa vendo e ouvindo. Recusa o pensamentometafísico, afirmando que “pensar é não compreender”. Ao anular o pensamentometafísico e ao voltar-se apenas para a visão total perante o mundo, elimina ador de pensar que afecta Pessoa.

Caeiro é o poeta da Natureza que está de acordo com ela e a vê na sua

constante renovação. E porque só existe a realidade, o tempo é a ausência detempo, sem passado, presente ou futuro, pois todos os instantes são a unidade dotempo.

Mestre de Pessoa e dos outros heterónimos, Caeiro dá especialimportância ao acto de ver, mas é sobretudo inteligência que discorre sobre assensações, num discurso em verso livre, em estilo coloquial e espontâneo.Passeando a observar o mundo, personifica o sonho da reconciliação com ouniverso, com a harmonia pagã e primitiva da Natureza.

É um sensacionista a quem só interessa o que capta pelas sensações e aquem o sentido das coisas é reduzido à percepção da cor, da forma e daexistência: a intelectualidade do seu olhar volta-se para a contemplação dosobjectos originais. Constrói os seus poemas a partir de matéria não-poética, masé o poeta da Natureza e do olhar, o poeta da simplicidade completa, daobjectividade das sensações e da realidade imediata (“Para além da realidadeimediata não há nada”), negando mesmo a utilidade do pensamento.

Vê o mundo sem necessidade de explicações, sem princípio nem fim, e

confessa que existir é um facto maravilhoso; por isso, crê na “eterna novidade domundo”. Para Caeiro o mundo é sempre diferente, sempre múltiplo; por isso,

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aproveita cada momento da vida e cada sensação na sua originalidade esimplicidade.

“Alberto Caeiro parece mais um homem culto que pretende despir-se da farda pesada dacultura acumulada ao longo dos séculos.”

“Poeta bucólico de espécie complicada.”

“Pastor metáfora.”

Para Caeiro fazer poesia é uma atitude involuntária, espontânea, pois vive no presente, não querendo saber de outros tempos, e de impressões, sobretudo visuais, e porque recusa a introspecção, a subjectividade, sendo o poeta do real objectivo.

Caeiro canta o viver sem dor, o envelhecer sem angústia, o morrer sem desespero,

o fazer coincidir o ser com o estar, o combate ao vício de pensar, o ser um ser uno, enão fragmentado.

· Discurso poético de características oralizantes (de acordo com a simplicidade dasideias que apresenta): vocabulário corrente, simples, frases curtas, repetições, frasesinterrogativas, recurso a perguntas e respostas, reticências;

· Apologia da visão como valor essencial (ciência de ver)

· Relação de harmonia com a Natureza (poeta da natureza)

· Rejeita o pensamento, os sentimentos, e a linguagem porque desvirtuam a realidade (anostalgia, o anseio, o receio são emoções que perturbam a nitidez da visão de quedepende a clareza de espírito)

Características:

· Objectivismo

- apagamento do sujeito

- atitude antilírica

- atenção à “eterna novidade do mundo”

- integração e comunhão com a Natureza

- poeta deambulatório

· Sensacionismo

- poeta das sensações tal como elas são

- poeta do olhar 

- predomínio das sensações visuais (“Vicomo um danado”) e das auditivas

- o “Argonauta das sensações verdadeiras”

· Anti-metafísico

(“Há bastante metafísica em não pensar em

· Panteísmo Naturalista

- tudo é Deus, as coisas são divinas (“Deus

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nada.”)

- recusa do pensamento (“Pensar é estar doente dos olhos”)

- recusa do mistério

- recusa do misticismo

é as árvores e as flores/ E os montes e oluar e o sol...”)

- paganismo

- desvalorização do tempo enquantocategoria conceptual (“Não quero incluir otempo no meu esquema”)

- contradição entre “teoria” e “prática”

CARACTERÍSTICAS ESTILÍSTICAS

- Discurso em verso livre, em estilo coloquial e espontâneo. Proximidade da linguagemdo falar quotidiano, fluente, simples e natural;

- Pouca subordinação e pronominalização

- Ausência de preocupações estilísticas

- Versilibrismo, indisciplina formal e ritmo lento mas espontâneo.

- Vocabulário simples e familiar, em frases predominantemente coordenadas, repetições

de expressões longas, uso de paralelismo de construção, de simetrias, de comparaçõessimples.

- número reduzido de vocábulos e de classes de palavras: (dando uma impressão de pobreza lexical) pouca adjectivação, predomínio de substantivos concretos, uso deverbos no presente do indicativo (acções ocasionais) ou no gerúndio. (sugerindosimultaneidade e arrastamento).

Frases predominantemente coordenadas, uso de paralelismos de construção, decomparações simples

- Verso livre

- Métrica irregular 

- Despreocupação a nível fónico

- Pobreza lexical (linguagem simples,familiar)

- Adjectivação objectiva

- Pontuação lógica

- Predomínio do presente do indicativo

- Frases simples

- Predomínio da coordenação

- Comparações simples

- Raras metáforas

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 Alberto Caeiro

- Vê a realidade de forma objectiva e natural

- Aceita a realidade tal como é, de forma tranquila; vê um mundo sem necessidade de

explicações, sem princípio nem fim; existir é um facto maravilhoso.

- Recusa o pensamento metafísico (“pensar é estar doente dos olhos”), o misticismo e osentimentalismo social e individual.

- Poeta da Natureza

- Personifica o sonho da reconciliação do Universo, com a harmonia pagã e primitiva da Natureza

- Simples “guardador de rebanhos”

- Inexistência de tempo (unificação do tempo)

- Poeta sensacionista (sensações): especial importância do acto de ver 

- Inocência e constante novidade das coisas

- Mestre de Pessoa e dos outros heterónimos

- Relação com Pessoa Ortónimo – elimina a dor de pensar 

- Relação com Pessoa Ortónimo, Campos e Reis – regresso às origens, ao paganismo primitivo, à sinceridade plena

Mestre do ortónimo e dos heterónimos

Filosofia de Caeiro:

*é anti-religião;

*é anti-metafísica;

*é anti-filosofia;

Características:

Importância dos sentidos, nomeadamente a visão;

O incomodo de pensar associado à tristeza;

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Ele não quer pensar, mas não o consegue evitar;

Escreve intuitivamente;

Para ele a natureza é para usufruir, não é para pensar;

Desejo de despersonificação (de fusão com a natureza);

Ligação das orações por coordenações e subordinações;

Poeta bucólico, do real e do objectivo;

Valorização das sensações;

Amor pela vida e pela natureza;

Preocupação apenas com o presente;

Critica ao subjectivismo sentimentalista;

Na Linguagem:

Predomínio do Presente do Indicativo;

Figuras de estilo muito simples;

Vocabulário simples e reduzido; (pobreza lexical);

Uso da coordenação para a ligação das orações;

Frases incorrectas;

Aproximação à linguagem falada, objectiva, familiar, simples;

Repetições frequentes;

Uso do paralelismo;

Pouca adjectivação;

Uso dos substantivos concretos;

Ausência da rima;

Irregularidade métrica;

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Discurso em verso livre;

Estilo coloquial e espontâneo;

RICARDO REIS – O POETA DA RAZÃO

Heterónimo de Fernando Pessoa

Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa, é o poeta clássico, da serenidadeepicurista, que aceita, com calma lucidez, a relatividade e a fugacidade de todas ascoisas. “Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio”, “Prefiro rosas, meu amor, à pátria”ou “Segue o teu destino” são poemas que nos mostram que este discípulo de Caeiroaceita a antiga crença nos deuses, enquanto disciplinadora das nossas emoções esentimentos, mas defende, sobretudo, a busca de uma felicidade relativa alcançada pelaindiferença à perturbação.

A filosofia de Ricardo Reis é a de um epicurismo triste, pois defende o prazer domomento, o “carpe diem”, como caminho da felicidade, mas sem ceder aos impulsosdos instintos. Apesar deste prazer que procura e da felicidade que deseja alcançar,considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade – ataraxia.

Ricardo Reis propõe, pois, uma filosofia moral de acordo com os princípios do

epicurismo e uma filosofia estóica:

- “Carpe diem” (aproveitai o dia), ou seja, aproveitai a vida em cada dia, comocaminho da felicidade;

- Buscar a felicidade com tranquilidade (ataraxia);

- Não ceder aos impulsos dos instintos (estoicismo);

- Procurar a calma, ou pelo menos, a sua ilusão;

- Seguir o ideal ético da apatia que permite a ausência da paixão e a liberdade(sobre esta apenas pesa o Fado).

Ricardo Reis, que adquiriu a lição do paganismo espontâneo de Caeiro, cultivaum neoclassicismo neopagão (crê nos deuses e nas presenças quase divinas que habitamtodas as coisas), recorrendo à mitologia greco-latina, e considera a brevidade, afugacidade e a transitoriedade da vida, pois sabe que o tempo passa e tudo é efémero.Daí fazer a apologia da indiferença solene diante o poder dos teus e do destinoinelutável. Considera que a verdadeira sabedoria de vida é viver de forma equilibrada eserena, “sem desassossegos grandes”.

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A precisão verbal e o recurso à mitologia, associados aos princípios da moral eda estética epicuristas e estóicas ou à tranquila resignação ao destino, são marcas doclassicismo erudito de Reis. Poeta clássico da serenidade, Ricardo Reis privilegia a ode,o epigrama e a elegia. A frase concisa e a sintaxe clássica latina, frequentemente com a

inversão da ordem lógica (hipérbatos), favorecem o ritmo das suas ideias lúcidas edisciplinadas.

A filosofia de Reis rege-se pelo ideal “Carpe Diem” – a sabedoria consiste emsaber-se aproveitar o presente, porque se sabe que a vida é breve. Há que noscontentarmos com o que o destino nos trouxe. Há que viver com moderação, sem nosapegarmos às coisas, e por isso as paixões devem ser comedidas, para que a hora damorte não seja demasiado dolorosa.

- A concepção dos deuses como um ideal humano

- As referências aos deuses da Antiguidade (neo-paganismo) greco-latina são umaforma de referir a primazia do corpo, das formas, da natureza, dos aspectos exteriores,da realidade, sem cuidar da subjectividade ou da interioridade - ensinamentos de Caeiro,o mestre de todos os heterónimos

- A recusa de envolvimento nas coisas do mundo e dos homens

· Epicurismo

- busca da felicidade relativa

- moderação nos prazeres

- fuga à dor 

- ataraxia (tranquilidade capaz de evitar a perturbação)

- prazer do momento

- Carpe Diem (caminho da felicidade, alcançada pelaindiferença à perturbação)

- Não cede aos impulsos dos instintos

- calma, ou pelo menos, a sua ilusão

- ideal ético de apatia que permite a ausência da paixão ea liberdade

· Estoicismo : considera ser 

 possível encontrar a felicidade

desde que se viva em conformidade

com as leis do destino que

regem o mundo, permanecendo

indiferente aos males e às

 paixões, que são perturbações da razão

- aceitação das leis do destino (“... a

vida/ passa e não fica, nada deixa e

nunca regressa.”)

- indiferença face às paixões e à dor 

- abdicação de lutar 

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- autodisciplina· Horacianismo

- carpe diem: vive o momento

- aurea mediocritas: a felicidade possível no sossego docampo (proximidade de Caeiro)

· Paganismo

- crença nos deuses

- crença na civilização da Grécia

- sente-se um “estrangeiro” fora da

sua pátria, a Grécia· Culto do Belo, como forma de superar a efemeridadedos bens e a miséria da vida

· Intelectualização das emoções

· Medo da morte

· Quase ausência de erotismo, em contraste com o seumestre Horácio

· Neoclassicismo

- poesia construída com base em ideias

elevada

- Odes (forma métrica por excelência)

CARACTERÍSTICAS ESTILÍSTICAS

- Submissão da expressão ao conteúdo: a uma ideia perfeita corresponde uma

expressão perfeita- Estrofes regulares de verso decassílabo alternadas ou não com hexassílabo

- Verso branco

- Recurso frequente à assonância, à rima interior e à aliteração

- Predomínio da subordinação

- Uso frequente do hipérbato

- Uso frequente do gerúndio e do imperativo

- Uso de latinismos (astro, ínfero, insciente...)

- Metáforas, eufemismos, comparações, imagens

Estilo construído com muito rigor e muito denso

- Classicismo erudito:

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- precisão verbal

- recurso à mitologia (crença e culto aos deuses)

- princípios de moral e da estética epicurista e estoica

- tranquila resignação ao destino

- Poeta Intelectual, sabe contemplar: ver intelectualmente a realidade

- Aceita a relatividade e a fugacidade das coisas

- Verdadeira sabedoria da vida é viver de forma equilibrada e serena

- Características modernas no poeta: angústia e tristeza

- Linguagem e estilo:

- privilegia a ode, o epigrama e a elegia.

- usa a inversão da ordem lógica, favorecendo o ritmo das suas ideias disciplinadas

- estilo densamente trabalhado, de sintaxe alatinada, hipérbatos, apóstrofes, metáforas,comparações, gerúndio e imperativo.

- verso irregular e decassilábico

“Reis procura simplesmente aderir ao momento presente, gozá-lo, sem nada mais pedir.”

*”epicurista triste”- (Carpe Diem)- busca do prazer moderado a da ataraxia;

*busca do prazer relativo;

*estoicismo – aceitação calma e serena da ordem das coisas;

*moralista – pretende levar os outros a adoptar a sua filosofia de vida;

*intelectualiza as emoções;

*temática da miséria da condição humana do FATUM (destino), da velhice, dairreversibilidade da morte e da efemeridade da vida, do tempo;

*espírito grave , ansioso de perfeição;

*aceitação do Fado, da ordem natural das coisas;

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Na Linguagem:

*linguagem erudita alatinada, quer no vocabulário (latinismos), quer na construção defrase (hipérbato);

*preferência pela Ode de estilo Horácio;

*irregularidade métrica;

*gosto pelo gerúndio;

*uso frequente do imperativo;

*estilo laboriosamente trabalhado; elegante; pesado;

*importância dada ao ritmo;

ÁLVARO DE CAMPOS

Heterónimo de Fernando Pessoa

Álvaro de Campos surge quando Fernando Pessoa sente “um impulso paraescrever”. O próprio Pessoa considera que Campos se encontra no «extremo oposto,inteiramente oposto, a Ricardo Reis”, apesar de ser como este um discípulo de Caeiro.

Campos é o “filho indisciplinado da sensação e para ele a sensação é tudo. Osensacionismo faz da sensação a realidade da vida e a base da arte. O eu do poeta tentaintegrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou possibilidade de existir.

Este heterónimo aprende de Caeiro a urgência de sentir, mas não lhe basta a«sensação das coisas como são»: procura a totalização das sensações e das percepçõesconforme as sente, ou como ele próprio afirma “sentir tudo de todas as maneiras”.

Engenheiro naval e viajante, Álvaro de Campos é configurado “biograficamente” por Pessoa como vanguardista e cosmopolita, espelhando-se este seu perfil particularmentenos poemas em que exalta, em tom futurista, a civilização moderna e os valores do

 progresso.

Cantor do mundo moderno, o poeta procura incessantemente “sentir tudo de todas asmaneiras”, seja a força explosiva dos mecanismos, seja a velocidade, seja o própriodesejo de partir. “Poeta da modernidade”, Campos tanto celebra, em poemas de estilotorrencial, amplo, delirante e até violento, a civilização industrial e mecânica, comoexpressa o desencanto do quotidiano citadino, adoptando sempre o ponto de vista dohomem da cidade.

TRAÇOS DA SUA POÉTICA

- poeta modernista

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- poeta sensacionista (odes)

- cantor das cidades e do cosmopolitanismo (“Ode Triunfal”)

- cantor da vida marítima em todas as suas dimensões (“Ode Marítima”)

- cultor das sensações sem limite

- poeta do verso torrencial e livre

- poeta em que o tema do cansaço se torna fulcral

- poeta da condição humana partilhada entre o nada da realidade e o tudo dos sonhos(“Tabacaria”)

- observador do quotidiano da cidade através do seu desencanto

- poeta da angústia existencial e da auto-ironia

topo

1ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS – DECADENTISMO (“Opiário”, somente)

- exprime o tédio, o enfado, o cansaço, a naúsea, o abatimento e a necessidade de novassensações

- traduz a falta de um sentido para a vida e a necessidade de fuga à monotonia- marcado pelo romantismo e simbolismo (rebuscamento, preciosismo, símbolos e

imagens)

- abulia, tédio de viver 

- procura de sensações novas

- busca de evasão

“E afinal o que quero é fé, é calma/ E não ter estas sensações confusas.”

“E eu vou buscar o ópio que consola.”

topo

2ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS

-FUTURISTA/SENSACIONISTA

 Nesta fase, Álvaro de Campos celebra o triunfo da máquina, da energia mecânicae da civilização moderna. Sente-se nos poemas uma atracção quase erótica pelasmáquinas, símbolo da vida moderna. Campos apresenta a beleza dos “maquinismos emfúria” e da força da máquina por oposição à beleza tradicionalmente concebida. Exalta o

  progresso técnico, essa “nova revelação metálica e dinâmica de Deus”. A “OdeTriunfal” ou a “Ode Marítima” são bem o exemplo desta intensidade e totalização das

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sensações. A par da paixão pela máquina, há a náusea, a neurastenia provocada pela poluição física e moral da vida moderna.

- celebra o triunfo da máquina, da energia mecânica e da civilização moderna

- apresenta a beleza dos “maquinismos em fúria” e da força da máquina

- exalta o progresso técnico, a velocidade e a força

- procura da chave do ser e da inteligência do mundo torna-se desesperante

- canta a civilização industrial

- recusa as verdades definitivas

- estilisticamente: introduz na linguagem poética a terminologia do mundo mecânicocitadino e cosmopolita

- intelectualização das sensações

- a sensação é tudo

- procura a totalização das sensações: sente a complexidade e a dinâmica da vidamoderna e, por isso, procura sentir a violência e a força de todas as sensações – “sentir tudo de todas as maneiras”

- cativo dos sentidos, procura dar largas às possibilidades sensoriais ou tenta reprimir, por temor, a manifestação de um lado feminino

- tenta integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou possibilidade de existir 

- exprime a energia ou a força que se manifesta na vida

- versos livres, vigorosos, submetidos à expressão da sensibilidade, dos impulsos, dasemoções (através de frases exclamativas, de apóstrofes, onomatopeias e oxímoros)

Futurismo

- elogio da civilização industrial e da técnica (“Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!”, Ode Triunfal )

- ruptura com o subjectivismo da lírica tradicional

- atitude escandalosa: transgressão da moral estabelecida

Sensacionismo

- vivência em excesso das sensações (“Sentir tudo de todas as maneiras” – afastamentode Caeiro)

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- sadismo e masoquismo (“Rasgar-me todo, abrir-me completamente,/ tornar-me passento/ A todos os perfumes de óleos e calores e carvões...”, Ode Triunfal )

- cantor lúcido do mundo moderno

3ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS – PESSIMISMO

Perante a incapacidade das realizações, traz de volta o abatimento, que provoca “Umsupremíssimo cansaço, /íssimo, íssimo, íssimo, /Cansaço…”. Nesta fase, Campos sente-se vazio, um marginal, um incompreendido. Sofre fechado em si mesmo, angustiado ecansado. (“Esta velha angústia”; “Apontamento”; “Lisbon revisited”).

O drama de Álvaro Campos concretiza-se num apelo dilacerante entre o amor do mundoe da humanidade; é uma espécie de frustração total feita de incapacidade de unificar emsi pensamento e sentimento, mundo exterior e mundo interior. Revela, como Pessoa, amesma inadaptação à existência e a mesma demissão da personalidade íntegra., o

cepticismo, a dor de pensar e a nostalgia da infância.

- caracterizada pelo sono, cansaço, desilusão, revolta, inadaptação, dispersão, angústia,desânimo e frustração

- face á incapacidade das realizações, sente-se abatido, vazio, um marginal, umincompreendido

- frustração total: incapacidade de unificar em si pensamento e sentimento; e mundoexterior e interior 

- dissolução do “eu”

- a dor de pensar 

- conflito entre a realidade e o poeta

- cansaço, tédio, abulia

- angústia existencial

- solidão

- nostalgia da infância irremediavelmente perdida (“Raiva de não ter trazido o passadoroubado na algibeira!”, Aniversário)

topo

TRAÇOS ESTILÍSTICOS

- verso livre, em geral, muito longo

- assonâncias, onomatopeias (por vezes ousadas), aliterações (por vezes ousadas)

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- grafismos expressivos

- mistura de níveis de língua

- enumerações excessivas, exclamações, interjeições, pontuação emotiva

- desvios sintácticos

- estrangeirismos, neologismos

- subordinação de fonemas

- construções nominais, infinitivas e gerundivas

- metáforas ousadas, oximoros, personificações, hipérboles

- estética não aristotélica na fase futurista

-

Linhas Temáticas Expressividade da linguagem" O canto do Ópio;

" O desejo dum Além;

" O canto da civilização moderna;

" O desejo de sentir em excesso;

" A espiritualização da matéria e amaterialização do espírito;

" O delírio sensorial;

" O sadomasoquismo;

" O pessimismo;

" A inadaptação à realidade;A angústia, o tédio, o cansaço;

" A nostalgia da infância;

" A dor de pensar.

Nível fónico

a) Poemas muito extensos e poemascurtos;

  b) Versos brancos e versos rimados;

c) Assonâncias, onomatopeiasexageradas, aliterações ousadas;

d) Ritmo crescente/decrescente ou lentonos poemas pessimistas

Nível morfossintáctico

a) Na fase futurista, excesso deexpressão: enumerações exageradas,

exclamações, interjeições variadas,versos formados apenas com verbos,mistura de níveis de língua,estrangeirismos, neologismos, desviossintácticos;

  b) Na fase intimista, modera o nívelde expressão, mas não abandona atendência para o exagero.

 Nível semântico

a) apóstrofes, anáforas, personificações, hipérboles, oximoros,

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metáforas ousadas, polissíndetos.