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Page 1: APLICAÇÃO DA TITULAÇÃO POTENCIOMÉTRICA NA AVALIAÇÃO

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APLICAÇÃO DA TITULAÇÃO POTENCIOMÉTRICA NA AVALIAÇÃO DASPOSSIBILIDADES DE USO DE SOLOS LATERÍTICOS COMO LINERS

F. E. BoffDepartamento de Geotecnia, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São PauloA. B. ParaguassuDepartamento de Geotecnia, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo

RESUMO: Com o objetivo de avaliar as cargas superficiais dos solos das formações Botucatu eSerra Geral, assim como a mistura entre eles, foi aplicado o procedimento de titulaçãopotenciométrica (KCl como eletrólito indiferente). Obtiveram-se parâmetros eletroquímicossignificativos para o estudo da retenção de contaminantes em solos lateríticos. Os resultadosmostram a predominância de cargas variáveis, que dependendo do pH possibilitam a retençãotanto de cátions como de ânions, ressaltando assim a importância do estudo com vista àaplicabilidade destes solos como liners.

1. INTRODUÇÃO

Poucos estudos tem sido desenvolvidossobre solos tropicais visando a aplicabilidadecomo liners. Uma das razões, além da falta deinvestimento em pesquisas desta natureza, é adificuldade de comparação dos poucos dadosexistentes com aqueles encontrados naliteratura, quase todos referentes a solos declimas temperados.

Misturas compactadas de solos dasformações Botucatu (arenosos) e Serra Geral(argilosos) vêm sendo estudadas para essafinalidade. Trabalhos laboratoriais realizadospor Leite et al (1998b) mostraram que aproporção em massa seca de 75% de materialarenoso e de 25% de material argiloso,coletados na região de Ribeirão Preto, possuempropriedades geotécnicas satisfatórias.

O comportamento eletroquímico dessessolos é de importância fundamental para oconhecimento da capacidade de retenção decontaminantes, porque seus minerais sãodominados por cargas superfícias variáveis,que muitas vezes não são bem caracterizadaspelas técnicas de determinação da capacidadede troca de cátions ou de ânions. Uma técnicaparticularmente útil na avaliação deste

comportamento, é a da titulaçãopotenciométrica, que será discutida na presentepesquisa.

2. CARACTERÍSTICAS DO MATERIALEM ESTUDO

As características mineralógicas,geotécnicas e físico-químicas dos solos dasformações Serra Geral e Botucatu e da suamistura encontram-se nas Tabelas 1 e 2.

Tabela 1 – Mineralogia da fração argila dossolos das formações Serra Geral (SG) eBotucatu (BT) determinada por difração deRaios-X e análise térmica diferencial.

Conteúdo mineralógico

SG Caulinita, óxidos e hidróxidos de Fe eAl (gibsita, goetita, hematita,magnetita).

BT Caulinita, óxidos e hidróxidos de Fe eAl (magnetita, bohemita, gibsita) equartzo.

Os ensaios de permeabilidade foramrealizados em corpos de prova compactados

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com energia Proctor Normal, em colunas depercolação com parede rígida, sob fluxo ecarga constantes (Leite et al., 1998a).

Tabela 2 – Características físicas e físico-químicas dos solos das formações Serra Geral(SG) e Botucatu (BT), e de sua mistura (MIX)na proporção de 25% SG e 75% BT.PROPRIEDADE SOLOS

MIX SG BTPeso específico dossólidos ρs (g/cm3)(1)

2,733 2,721 3,094

Granulomentria (%)(2)

Argila (<0.002 mm) Silte (0.002 - 0.075mm) Areia (0.075 - 0.42mm)

30,210,2359,6

4926,824,2

18,07,874,2

Limite de liquidez(%)(3)

28 49 19

Limite de Plasticidade(%)(4)

20 37 15

Índice de plasticidade(%)

8 12 4

Limite de contração(%)(5)

20 30 -

Compactação (6)

Umidade ótima w(%) Peso esp. secomáximo ρd (g/cm3)

15,1

1,880

31,25

1,505

12,14

1,960

Condutividadehidráulica (m/s)

5.10-9 2,6.10-9

5,6.10-9

Capacidade de Trocade Cátions (CTC)(meq/100g) (7)

2,20 2,75 1,15

Superfície Específica(m2/g) (7)

12,83 21,53 5,53

pH do solo (H2O) (8) 5,21 5,47 5,07 (1) ASTM D854 (American Society of TestingMaterials)(2) ABNT MB-32 (Associação Brasileira deNormas Técnicas)(3) ABNT MB-30(4) ABNT MB-31(5) ABNT MB-55(6) ABNT MB33(7) Ensaio de Azul de Metileno (Pejon, 1992)(8) Camargo et al. (1986)

3.COMPORTAMENTO DAS CARGASSUPERFICIAIS

Dependendo da composição mineralogica edas condições físico-químicas do meio, ossolos podem apresentar diferentes cargassuperficiais (carga elétrica total desenvolvidana superfície dos minerais). As diferençaspodem ser marcantes quando comparam-se,por exemplo, solos originados em climastropicais (lateríticos) e temperados.

As cargas superficiais dos minerais, emgeral, podem ser permanentes ou variáveis. Ascargas permanentes, são resultantes deimperfeições estruturais no retículo cristalino.Elas são predominantes em minerais da fraçãoargila dos solos de clima temperado, enquantoque, as cargas variáveis, são mais frequentesem solos tropicais (lateríticos), (Casanova,1989).

Os principais constituintes responsáveispelas cargas váriáveis são os argilominerais dogrupo da caulinita e os óxidos e hidróxidos deFe e Al. Nestes constituintes a quimiosorção deH+ e OH- durante a dissociação de H2Ocontribui, significativamente, para odesenvolvimento da carga, cujo sinal emagnitude dependem do pH no ambienteaquoso. Num determinado valor de pH a cargasuperficial de um sistema de solo pode sernula, e este valor é denominado de ponto decarga zero (PCZ). Neste ponto a capacidade detroca de cátions é igual a capacidade de trocade ânions se os íons envolvidos possuiremforças iônicas similares.

Dentre os métodos empregados paradeterminação das cargas superficiais dos solosutilizou-se a titulação potenciométrica, porapresentar facilidade operacional e pelaamplitude de informações que os resultadosoferecem. Quando várias curvas de titulação seinterceptam num único ponto dá-se o nome deponto de efeito salino nulo (PESZ), Parker et al(1979).

Outro termo relacionado ao PCZ é o pontode carga protônica líquida zero (PCPLZ), ondeas atividades de H+ ou OH- em solução seanulam, desde que o eletrólito usado, não tenhaefeito na carga de superfície. Este pontorepresenta um valor de pH onde as cargasvariáveis são nulas. Considera-se que o PCPLZrelaciona-se estreitamente com o PESZ, por

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isso Singh & Uehara (1988) sugerem que osinal e a magnitude da carga permanente dosolo também podem ser determinados pelascurvas de titulação potenciométrica.

Como se observa na Figura 1, o excesso decarga líquida no PESZ é devido a cargapermanente (σp), indicada pelo deslocamentodo PESZ em relação ao PCZ. A magnitude dodeslocamento do PESZ em relação ao PCZrepresenta a magnitude das cargas, enquandoque o sentido desse descolamento indica osinal. Quando há predominância de cargaspositivas o solo retém ânions, caso contrário,cátions.

Figura 1 - Efeito do pH e da concentração deNH4Cl no sinal e magnitude da carga líquida(cmol/kg = meq/100g), (modificado de Singh& Uehara, 1988).

Uma das características relacionas a essecomportamento eletroquímico (variação dacarga com o pH) em solos com predomínio decargas variáveis é a sua capacidade detamponamento (CT).

A CT é a habilidade que o solo possui emresistir à variações bruscas de pH, e é expressapela Eq. (1), Singh & Uehara (1988):

CT= S.(dσ/d pH) (1)

onde S é a superfície específica e dσ/d pH é ainclinação da curva de titulaçãopotenciométrica. Logo, curvas menosinclinadas indicam CT superiores enquantoque curvas mais inclinadas indicam CT

inferiores para o intervalo de pH considerado.A CT reflete o potencial do solo para interagirefetivamente com o contaminante iônico.Valores de CT elevados demonstram uma fortehabilidade em adsorver um íon contaminantecom carga de sinal contrário daqueleapresentado pelo solo (Yong et al., 1992).

4. RESULTADOS

O procedimento para titulaçãopotenciométrica seguiu o recomendado porCamargo et al (1986), que utiliza comoeletrólito indiferente (sem efeito na cargasuperficial) o KCl em concentrações de 0,1N;0,01N e 0,001N. Nas Figuras 2, 3 e 4 estãorepresentadas as curvas de titulação, para asamostras estudadas.

Os valores da carga permanente obtidosatravés das curvas para os solos das formaçõesSerra Geral e Botucatu, e sua mistura foramrespectivamente de 0,07, 0,01 e 0,065meq/100g com sinal negativo. Comparando-secom valores de CTC total obtidos para osmesmos materiais, que foram de 4,51; 1,15 e2,69 meq/100g (Tabela 1), observa-se que ospercentuais de carga permanente com relaçãoaos de carga variável, são pouco significativosna contribuição da carga líquida superficial dosolo.

É importante ressaltar que a CTC é útil parao estabelecimento das características de cargatotal negativa em solos com superfície de cargapermanente. No entanto, a medida que a CTCvaria conforme o pH em solos onde a cargavariável constitui uma porção significativa,estes resultados devem ser tomados comcuidado.

Curvas de PESZ e carga líquida de solo da Fm. Serra Geral

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

-0.10 -0.05 0.00 0.05 0.10 0.15 0.20 0.25

Carga (meq/100g=cmol/kg)

pH

KCl (0.1 N)

KCl (0.01N)

KCl (0.001 N)PESZ (pH=7,0)

0.07

H+ OH-

σp

Figura 2 - Determinação do PESZ e CargaLíquida do Solo da Formação Serra Geral.

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Curvas de PESZ e carga líquida de solo da Formação Botucatu.

012

3456

789

10

1112

-0.1 0 0.1 0.2

Carga (meq/100g= cmol/kg)

pH

KCl (0.01 N)

KCl (0.001 N)

KCl (0.1 N)

OH-H+

PESZ (pH= 5.3)

0.01

σp

Figura 3 - Determinação do PESZ e CargaLíquida do Solo da Formação Botucatu.

A pequena contribuição da cargapermanente à carga líquida superficial do solo,permite relacionar estreitamente os valores depH correspondente ao PESZ e ao ponto decarga zero (PCZ). Por isso, algumasinterpretações conferidas ao PESZ sãoestendidas ao PCZ.

Observa-se que nos intervalos de pH emtorno do PCZ das curvas de titulação para amistura de solos (Figura 4), as inclinações sãomais pronunciadas, indicando menorcapacidade de tamponamento (CT) e deretenção. Por outro lado, a mistura dispõe decondições equilibradas tanto para retenção decátions quanto de ânions. Afastando-se do PCZ(pH=6,6), para esquerda (pH≤4,5) ou entãopara direita (pH≥7,5), a declividade das curvasé menos acentuada indicando, respectivamente,uma capacidade de retenção mais favorávelpara ânions ou cátions.

5. CONSIDERAÇÕES GERAIS

As curvas de titulação potenciométricapermitiram caracterizar e quantificar os tiposde cargas superficiais (variável e permanente)presentes nos solos e na mistura, e determinarem que intervalos de pH são melhores ascondições para retenção de contaminantesiônicos na mistura.

Uma das vantagens apresentadas pelos solosestudados, em relação aos solos temperados, éa capacidade de retenção de ânions. É umapropriedade de considerável importância parao seu emprego na construção de liners. Estecomportamento pode ser estendido para outrossolos tropicais , onde predominam minerais decargas variáveis.

Curvas de PESZ e carga líquida para a mistura

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

-0.10 0.00 0.10 0.20 0.30

Carga (meq/100g= cmol/kg)

pH KCl (0.01 N)

KCl (0.001N)

KCl (0.1 N)

OH-H+

PESZ (pH=6.6)

0.065

σp

Figura 4 - Determinação do PESZ e CargaLíquida da mistura de solo.

6. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o apoio financeiro dasentidades CAPES e FAPESP (processo97/14557-2) imprescindível a realização destetrabalho.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

American Society for Testing and MaterialsStandard Method for Specific Gravity ofSoils; D-854.

Associação Brasileira de Normas Técnicas(1984). Solo – Análise Granulométrica;(MB 32) NBR 7181, Rio de Janeiro, 13 p.

Associação Brasileira de Normas Técnicas(1984). Solo – Ensaio de Compactação;(MB 33) NBR 7182. Rio de Janeiro, 10 p.

Associação Brasileira de Normas Técnicas(1984). Solo – Determinação do Limite dePlasticidade (MB31) NBR7180, Rio deJaneiro, 3p.

Associação Brasileira de Normas Técnicas(1984). Solo – Determinação do Limite eRelação de Contração (MB 55) NBR 7183,Rio de Janeiro, 3p.

Associação Brasileira de Normas Técnicas(1984). Solo- Determinação do Limite deLiquidez (MB30) NBR 6459, Rio deJaneiro, 6p.

Camargo, O.A.; Moniz, A.C. Moniz; Jorge, J.A. & Valadares, J.M.A.S. (1986). Métodosde Análise Química, Mineralógica e Físicade Solos do Instituto Agronômico deCampinas. Campinas: InstitutoAgronômico.

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Casanova, F.J.O.C. (1989). Eletroquímica epropriedades mecânicas dos solos. In:Colóquio de Solos Tropicais e Subtropicaise suas Aplicações em Engenharia Civil, 2.Porto Alegre, 1989. Anais Porto Alegre,CPGEC , 43-59.

Leite, J.C.; Zuquette, L. V.; Paraguassú, A.B.(1998a). An Equipament for PercolationTests in Soil Columns. In: InternationalCongress on Environmental Geotechnics,4., Lisboa, 1998. Anais. Lisboa,SPG/LNEC. 1 , 211-215.

Leite, J.C.; Zuquette, L. V.; Paraguassú, A.B.(1998b). Evaluation of Compacted Mixtureof Tropical Soils for use as Liners:Potassium and Copper ion Percolation.Proc. International IAEG Congress, 8,Balkema, Rotterdam, 1998. Anais, 2485-2490.

Parker, J.C.; Zelasny, L.W.; Sampath,S.;Harris, W.G.(1979) A Critical Evaluation

of the Extension of Zero Point of Charge(ZPC). Theory to Soil Sistems. Soil Sci.Soc. Am.J., Madison, 43, 668-673.

Pejon, O. J. (1992). Mapeamento Geotécnicoda Folha Piracicaba – SP (escala1:100.000): Estudo de AspectosMetodológicos, de Caracterização e deApresentação dos Atributos. São Carlos, ,1992. 2 volumes. Tese (Doutorado emGeotecnia) – Escola de Engenharia de SãoCarlos, Universidade de São Paulo.

Singh, U.; Uehara, G. (1988). Electrochemistryof the Double-Layer: Principles andApplications to Soils. In: SPARKS, D. L.Soil Physical Chemistry. Boca Raton,Florida, CRC Press Inc.Cap.1, 1-38.

Yong, R. N. , Mohamed, A. M. O. &Warkentin, B. P. (1992). Principles ofContaminant Transport in Soils.Amsterdam: Elsevier Science PublishersB.V., 327p.