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Anuário da Produção Acadêmica Docente Vol. III, Nº. 5, Ano 2009
Maria Cristina M. Barbosa Faculdade Anhanguera de Valinhos [email protected]
ENSINO-APRENDIZAGEM: PRESSUPOSTOS HISTÓRICO-FILOSÓFICOS1
RESUMO
A Educação é um fenômeno próprio do Homem, daí porque a sua compreensão, bem como a do ato de ensinar-aprender que a constitui, passa pela compreensão da natureza humana. Trata-se de um artigo de iniciação à Filosofia da Educação que visa estabelecer as dimensões antropológicas, axiológicas e epistemológicas fundamentais para a concepção do ensino-aprendizagem.
Palavras-Chave: filosofia da educação; fundamentos; ensino-aprendizagem.
ABSTRACT
Education is a typical expression of men, for this reason the comprehension of it, and also of the teaching-learning act that education is constituted, can not be understood without the discussion about human nature. This article introduces Educational Philosophy, and at the moment that anthropological, axiological and epistemological dimensions are established as key characteristics for teaching-learning.
Keywords: philosophy of education; foundations; teaching-learning.
1 Material da 1ª. aula da Disciplina Fundamentos Teóricos do Ensino Aprendizagem, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.
Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato
Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]
Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE
Informe Técnico Recebido em: 23/05/2009 Avaliado em: 27/01/2010
Publicação: 21 de abril de 2010
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1. INTRODUÇÃO
Qualquer atividade que se queira intencional e eficaz necessita ter bem claros os
pressupostos teóricos que orientarão suas ações. A atividade educativa não seria
diferente, e é nesta perspectiva que se insere este trabalho.
Trata-se de uma reflexão, sob o ponto de vista da Filosofia da Educação a
respeito dos fundamentos teóricos do processo de ensino-aprendizagem, com o objetivo
de contribuir para com a docência, possibilitando que tornemos nossas práticas cotidianas
mais eficazes e significativas.
2. PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS2 DO ENSINO-APRENDIZAGEM
Entendendo que educar significa produzir os consensos humanos3 e sociais básicos e
fundamentais para a vida em comunidade, percebe-se que esta significação se altera na
História em função daquilo que, em cada tempo, foi considerado básico e fundamental
pelas diversas sociedades, ao mesmo tempo em que se constata que esta “produção de
consensos” não esteve, necessariamente, vinculada à existência da escola, senão vejamos.
As comunidade tribais pré-históricas4 conseguiam estabelecer a relação entre os
saberes já existentes e a sua continuidade nas novas gerações utilizando-se das formas
difusas e universais de ensino-aprendizagem, onde todos ensinavam tudo a todos,
oralmente, através dos ritos e dos mitos. Produzia-se o viver comunitário fundado,
consensualmente, no respeito aos mais velhos e nos seus “saberes”; na reprodução dos
mitos e ritos; e no entendimento de que tudo acontecia no ritmo da natureza. A
aprendizagem se dava sem a figura “oficial” do professor e sem a existência da escola e, o
que ainda hoje é o mais encantador, sem a existência de castigos5, uma vez que o ritmo do
aprender era o da própria natureza.
Aquele que ensinava, precisava ter olhar observador (para perceber o ritmo da
natureza), paciência (para esperar que os resultados aparecessem no seu devido tempo) e
2 A História da Educação será, aqui, tratada de forma generalista, como um “cenário espaço-temporal”, onde os fundamentos filosófico-epistemológicos do ensino-aprendizagem irão se estabelecer. 3 Consenso não é unanimidade nem homogeneidade. Consenso é o que resulta, em comum, após a explicitação das diferenças. 4 Pré- história entendida aqui em seu sentido literal; período caracterizado pela tradição oral dos mitos e dos ritos, quando os povos ainda não tinham a escrita para registro dos acontecimentos, 5 A coerção no ensino-aprendizagem aparece nas sociedades mais complexas, em que a necessidade do ensino organizado se faz presente e a educação deve “ganhar tempo” para cobrir a distancia entre a natureza do aprendiz e o que se espera que ele aprenda. Ganha-se tempo e violenta-se a natureza. Poderíamos indagar a respeito das torturas tribais nos ritos de iniciação a que todos são submetido, mas aí a dimensão não é a do ensinar-aprender e sim a do marcar o corpo como sinal de pertencimento ao grupo. Conforme Clastres (1979, p. 125-130) “o corpo é uma memória” do pertencimento social.
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respeito à “natureza diferente” de cada aprendiz. E, aquele que aprendia, o fazia por
imitação o que, às vezes produzia o engano, mas não o erro que merecesse ser punido.
[As] crianças (nas sociedades orais) seguem os adultos nas mais diferentes atividades [...] imitam os adultos, e ao imitá-los, estão imitando os próprios heróis culturais, pois foram eles que fundaram todas as formas de fazer as coisas no interior das culturas. Assim, um homem pesca como pesca porque assim faziam seus antepassados míticos que lhes transmitiram estes conhecimentos. (CALEFFI apud ARANHA 2006, p. 36)
Estas comunidades se transformam muito lentamente e de maneira desigual,
atendendo a especificidades dos lugares e das culturas diferentes a que pertencem. Ainda
há tribos assim vivendo, ensinando e aprendendo na África, na Austrália e no interior do
Brasil, por exemplo. Mas, a História é um permanente movimento e as transformações
foram ocorrendo, exigindo novos saberes e novas formas de ensinar estes saberes.
A revolução agrícola e o pastoreio, a produção de excedentes comercializáveis, a
conseqüente sedentarização e maior complexidade dos agrupamentos humanos
produziram tantas e tão profundas transformações que redefiniram as formas do convívio
social 6, reordenaram os papéis sociais, criaram demandas por uma melhor administração
deste viver coletivo, re-significando o papel das lideranças, dos governantes e de suas
funções político-religiosas. Todos estes eventos exigiam uma nova Educação e também
um ensino organizado, sistematizado, o que deu origem às escolas.
Continuava sendo preciso educar, produzir os consensos humanos e sociais
básicos para a vida em comunidade, mas estes consensos agora resultariam de novos
ambientes e de novas necessidades. A escola surgiu para atender a estas novas
necessidades: era preciso qualificar pessoas para compor os quadros administrativos deste
novo Estado7, bem como para formar sacerdotes para a sustentação das bases teocráticas
deste mesmo poder. Foram, portanto, os primeiros formandos de nossas primeiras escolas
os administradores – funcionários públicos e os sacerdotes –, não nos esquecendo que a
formação na área da saúde compunha o saber sacerdotal, como revela, por exemplo, a
história do Egito.
Mas, que escola era esta? E o ensino-aprendizagem como se estruturava?
Tratava-se de uma escola de caráter elitista, nem todos poderiam ser
funcionários-públicos ou médicos-sacerdotes, uma vez que para a educação antiga a
capacidade de aprender se encontrava vinculada à condição social do indivíduo. Tratava-
6 Há interessantes observações mostrando que os ordenamentos religiosos tentavam responder a estes “novos tempos”. Assim é que dos “Dez Mandamentos” judaico-cristãos três se referem a Deus e os outros sete se referem à ordenação social dos novos tempos de “Homens não mais nômades”. 7 Estado aqui não está sendo entendido como o Estado moderno, mas sim como estrutura administrativa de governo e de poder.
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se de uma forma de aculturação da aristocracia escravista. Só freqüentava a escola quem
possuísse escravos para trabalhar por ele, pois a escola era o “lugar do ócio”.
Outro traço fundamental desta escola era o autoritarismo, não só pela sua
vinculação à aristocracia, mas também pelos pressupostos filosóficos e epistemológicos
em que se fundava: a sustentação teocrática de seus saberes. Os conteúdos a serem
ensinados se sustentavam na “verdade sagrada” que seria a explicação última de todas as
coisas. Como decorrência, o eixo ensino aprendizagem se sustentava na reprodução, uma
vez que aquilo que estava sendo ensinado era de caráter sagrado e, portanto, deveria ser
aceito e reproduzido, nunca discutido.
Nesta escola, o ensino se dava a partir do livro-texto, que era também o livro da
religião oficial ou hegemônica. Assim, o livro-sagrado era o livro estudado. As estratégias
de aprendizagem consistiam na leitura, repetição e memorização das “verdades” nele
contidas. O bom professor seria aquele capaz de, através destas estratégias, levar o aluno
a reproduzir os valores sagrados desejáveis (no fundo, toda escola era escola de moral). O
bom aluno seria aquele que melhor reproduzisse os “modelos sagrados” – e o castigo
deveria ser usado para a correção de rumo daqueles que se afastassem deste padrão
modelar.
Em torno dos séculos VII e VI a.C., na Grécia, surgem aqueles pensadores que
iriam se opor a este modelo explicativo da realidade a partir do mítico, do sagrado. São
eles os chamados “filhos da cidade”, os filósofos, intelectuais de um mundo que agora
dispunha da acessibilidade8 à escrita, o que possibilitava a divulgação dos diferentes
aspectos da vida social e política das comunidades, bem como das divergências nos
costumes e no entendimento do que seriam o Homem9 e a Verdade.
Ao “dessacralizar” as explicações, o filósofo estimulou o debate argumentativo
(sem espaço no mundo teocrático) e redefiniu como deveriam ser produzidos os
consensos humanos e sociais básicos e fundamentais para a vida em comunidade.
É neste contexto que surgirá a PAIDÉIA grega — Projeto de Formação Integral e
Permanente do Homem grego — e o pensar filosófico sobre esta Paidéia se tornará
referencial para as Ciências da Educação ainda hoje, a ponto de ser possível falar em uma
PAIDÉIA Medieval, PAIDÉIA Moderna e até em uma PAIDÉIA Pós-Moderna, pois o
termo se tornou sinônimo de Projeto-Pedagógico Educacional.
8 A aristocracia escravista não acabara. Mas, a escrita, utilizando-se de um novo tipo de alfabeto, se tornara mais “popular”. 9 A expressão Homem, neste texto, terá sempre o sentido de HUMANO, com todas as possibilidades de gênero constitutivas da condição humana.
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Ao discutir os fins da Paidéia, os gregos esboçaram as primeiras linhas conscientes da ação pedagógica e assim influenciaram por séculos a cultura ocidental. As questões: O que é melhor ensinar? Como é melhor ensinar? Pra que ensinar? Enriqueceram as reflexões dos filósofos e marcaram as diversas tendências. (ARANHA 2006, p. 68).
3. PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS DO ENSINO-APRENDIZAGEM
Após as reflexões sobre a PAIDÉIA grega, os eixos orientadores de qualquer Projeto
Pedagógico-Educacional seriam estabelecidos em cima das mesmas questões. Não mais se
poderia pensar a Educação sem que as seguintes perguntas fossem feitas:
Quem é o Homem que será educado? (Aluno)
É preciso discutir os vários entendimentos do humano, originando desta reflexão
a Antropologia Filosófica.
O que deverá ser ensinado a este Homem? (Conteúdo) E por que? (Finalidade).
É preciso repensar os VALORES, contrapondo-se os valores emergentes aos
valores decadentes de uma sociedade, para que se escolha o que é básico e fundamental
para ser ensinado. Neste momento, toda a educação será política porque refletirá uma
tomada de posição diante de valores.
Ao mesmo tempo, é preciso refletir sobre a finalidade do ensinar-aprender, uma
vez que as finalidades se sustentam em cima daquilo que é entendido como o mais
importante, ou seja, a finalidade também traduz um valor.
Como corolário destas questões, surge a da AVALIAÇÃO, pois esta terá
significado à medida que não perde de vista a FINALIDADE do ato de educar. Origina-se
desta reflexão a Axiologia Filosófica.
Como este Homem conhece e aprende? (Métodos e Procedimentos).
É preciso entender os pressupostos do CONHECIMENTO que sustentam as
estratégias de ensino-aprendizagem, tornando factível a Educação. Origina-se desta
reflexão a Epistemologia Filosófica.
A partir, portanto, dos questionamentos feitos à Paidéia grega, o que se entende
por ensinar e aprender, no ocidente, tomou novos rumos.
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Entretanto, o que não pode ser esquecido é que as perguntas-problema são as
mesmas, as respostas é que serão diferentes dependendo das variadas condições em que
foram pensadas e explicitadas. Há interferência dos diferentes olhares, das diversas
ciências, dos variados ambientes em que o fenômeno educativo acontecerá, das
particularidades espaço-temporais, das variações político-ideológicas, das transformações
sócio-tecnológicas, enfim, do dinamismo da própria História.
Foi ao se defrontar com este emaranhado de respostas que pesquisadores da
Filosofia da Educação perceberam a existência de três eixos comuns sustentando e
organizando estas respostas
Quando se examinam as grandes articulações da História Ocidental nos últimos dois milênios, não há como negar a impressionante presença e atuação de concepções de mundo que se sucedem [...] podemos identificar três grandes caminhos trilhados pela filosofia no ocidente: o Homem numa perspectiva Essencialista; o Homem numa perspectiva Naturalista e o Homem numa perspectiva Histórico-Social. (SEVERINO 1994, p. 31-34)
Estes três entendimentos a respeito do que seja o Homem, o Conhecimento e os
Valores darão origem às várias tendências pedagógicas que ainda vigoram na nossa
prática educacional.
3.1. A Concepção Essencialista (Metafísica / Inatista / Apriorística)10
• Período histórico: Antiguidade - Idade Média (15 séculos aproximadamente).
• Principais filósofos: Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino.
Esta concepção afirma em sua Antropologia que:
O Homem é portador, desde o seu nascimento, de características essenciais,
comuns a todos (por exemplo, dons e talentos), que se reportam a “fôrmas metafísicas
originais” que são os Modelos da Perfeição de cada uma delas. Por isso, o nosso
conhecimento funda-se em tantos modelos. Temos modelos de aluno perfeito, de
professor perfeito, de amigo perfeito, de patrão perfeito, de namorada perfeita e por aí
vamos.
Não são negadas as diferenças concretas, particulares, individuais entre os
Homens, mas elas são acidentais. Na sua essência, todos os Homens são iguais, pois se
sustentam no Modelo Metafísico de seu Ser. O Homem é definido pelas características que
permanecem, não pelas que mudam.
10 Foram utilizadas as várias denominações de uma mesma concepção.
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Este entendimento se refletirá na concepção pedagógica tradicional que, ao
entender que todos os Homens são metafisicamente iguais, fundará uma prática de sala
de aula única para todos e repetitiva, pois as condições humanas da aprendizagem serão
essencialmente sempre as mesmas.
Em sua Axiologia, esta concepção dirá:
Os Valores que presidem a ação do Homem serão os valores ÉTICOS. O Homem
não é responsável por suas características metafísicas, inatas, mas é responsável pela sua
ação moral. Posso não ter nascido com o talento para, concretamente, ser o modelo de
aluno de matemática, mas sou moralmente responsável por ser VIRTUOSO (gregos) ou
SANTO (Idade Média) e, neste momento, sou responsável por “correr atrás”, por me
dedicar a esta busca da perfeição modelar.
O principal valor moral do Homem residirá na Vontade, uma vez que o dom da
inteligência, por exemplo, não depende deste Homem querê-lo ou não. Assim sendo, é
nesta busca do modelo ideal que o Homem chegará ao máximo de perfeição que sua
potencialidade permitir, nisto residirá a virtude para os antigos gregos e o mérito para os
filósofos modernos.
Cada Homem será responsável por ser bom ou mau, daí a importância do
conhecimento, pois quem melhor conhece, melhor escolhe e, certamente, será moralmente
melhor. Para o filósofo grego o Homem sábio será inevitavelmente o Homem virtuoso e
santo. Nesta concepção, até a santidade é privilégio dos “iluminados pelo saber”, e, por
isso, nós professores somos sacerdotes de uma “missão sagrada”.
Quanto à sua Epistemologia, será afirmado que o Conhecimento é apriorista, inato:
O Homem nasce com características espirituais que validarão o seu conhecimento
a priori. O espírito racional do Homem reconhece os modelos metafísicos universais em
cada situação particular. Portanto, para que este Homem aprenda ou conheça, ou ainda
“relembre”, como quer Platão, será preciso uma boa metodologia, como a Maiêutica
socrática, a Dialética platônica ou a Lógica aristotélica, utilizadas ainda hoje na pedagogia
tradicional, pois estes métodos serão capazes de levar o aluno a este saber a priori.
Nesta epistemologia, o professor será sempre a figura central, uma vez que ele é
aquele que já conseguiu “sair da caverna” (platônica), por isso tem o compromisso moral
e político de tirar os seus alunos daquela escuridão. O professor “sabe a Saída” através do
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Conhecimento, o aluno “não sabe”. (Como curiosidade, este também é o argumento de
Platão para explicar porque o filósofo deveria governar a República.)11
A Educação nesta concepção será pautada pela seguinte questão: como levar o
aluno a concretizar o modelo de perfeição que, potencialmente, já traz dentro de si?
(Atualizar potências, como diria Aristóteles.)
Usamos para atingir este objetivo as metodologias citadas e a seguinte forma de
avaliação: temos um “modelo de aluno” e os nossos alunos individualizados e concretos
serão considerados melhores ou piores à medida que mais se aproximarem ou se
afastarem deste “modelo metafísico”.
A partir deste entendimento, compreende-se figura central do professor nesta
pedagogia chamada de magistrocêntrica. “[...] apesar de constatadas diferenças entre os
seres humanos, existirá uma essência humana, um modelo a ser atingido por meio da
educação” (ARANHA, 2006b, p. 150).
A esta concepção essencialista, metafísica, corresponderá a Pedagogia
Tradicional.
3.2. Concepção Naturalista (Cientificista / Ambientalista / Positivista)
• Período Histórico: Modernidade (5 séculos aproximadamente).
• Principais Filósofos: Bacon; Locke; Descartes; Comte; Durkheim.
Esta concepção se declara contrária às explicações Metafísicas / Teológicas /
Essencialistas e em sua Antropologia afirma que:
O Homem é uma realidade natural, portador de uma Razão Natural e pode ser
explicado pelas mesmas Leis Naturais que explicam toda a natureza. Estas explicações serão
dadas por cada uma das Ciências que se propõe a estudar o Homem, em suas várias
dimensões naturais: Biologia; Psicologia; Antropologia Científica; Sociologia, Neuro-
Linguistica etc.
11 A metodologia socrática consiste fundamentalmente em “saber perguntar”, para que o aluno “coloque para fora” o a priori que já traz dentro de si. As perguntas serão diferentes dependendo dos objetivos que se queira atingir. Se quero ensinar conteúdos, ou fazer o aluno conhecer as suas reais potencialidades, as perguntas serão construtivas e amigáveis, levando-o a aprender, a isto Sócrates chama de maiêutica, que é o partejar das idéias (objetivo de formação intelectual). Mas, se quero levar o aluno a ter consciência da sua ignorância, uso a ironia, para fazê-lo compreender a máxima: “O que sei, é que nada sei” (objetivo de formação moral). A Dialética platônica se utilizará dos debates argumentativos a partir das contradições para fazer o aluno chegar ao conhecimento de qualquer ordem (intelectual ou moral). Mas, também aqui, a maiêutica ou a ironia poderão ser utilizadas e o debate poderá ser um diálogo ou uma confrontação. A Lógica aristotélica cobrará a fundamentação e a consistência do saber, bem como a exatidão argumentativa e formal com que este saber será expresso, pois, como dizia Aristóteles, uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto.
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E, em sua Axiologia, esta concepção dirá:
Os Valores que devem prevalecer sobre os demais devem ser os da realidade
natural, os que levem o Homem e qualquer outro ser vivo a viver mais e melhor, sempre de
acordo com a sua natureza. Estes valores deverão ter uma validação científica e técnica, pois
estes são os indicadores que deverão presidir as ações do Homem, para que sejam
eficazes.
Quanto à sua Epistemologia, afirma que:
O Conhecimento é Empírico: É “naturalizado”. Nada mais de modelos espirituais,
metafísicos. O Homem é portador de capacidade natural (Razão Natural) que o levará ao
conhecimento, bastando que se relacione empiricamente com a realidade, a observe, dela
retire os elementos constantes, estabeleça padrões e a explique em demonstrações lógico-
matemáticas. É o modo científico de pensar (positivismo).
É preciso conhecer para determinar a natureza de qualquer fato ou fenômeno e
depois explicitá-lo com precisão, testando a sua veracidade na constância e na forma
como se manifesta.
A Educação nesta concepção deverá ser laica e científica. O aluno será levado a
conhecer a natureza das coisas, incluindo aí a sua própria natureza, porque ao compreender a
natureza de qualquer coisa o Homem a dominará e, neste momento, terá poder sobre ela,
inclusive o poder de mudá-la DESDE QUE ISTO SEJA NATURAL. Saber se torna Poder, como
afirma Bacon.
Este é o caminho do saber, como afirma Roger Bacon: ”Da autoridade às coisas, dos
livros à natureza, das opiniões às fontes”. Para chegar a tal domínio, prioriza-se o saber
especializado.
Descartes, no seu Discurso do Método, propôs que o Homem, para melhor
entender a realidade e não se enganar, deveria dividir esta mesma realidade em quantas
partes fosse necessário para melhor analisá-la e entendê-la. E, só depois, reconstruí-la em
um exercício de síntese. A especialização passa a ser condição para que o conhecimento se
efetive com menor chance de erros.
Os métodos experimentais, científicos e matemáticos deverão nortear o ensino e
a aprendizagem. Deve-se metodicamente buscar o que é constante, o permanente debaixo
das mudanças. A diferença entre esta concepção e a concepção essencialista é que, aqui, o
permanente será da ordem da natureza e não da ordem das essências metafísicas.
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Os critérios de avaliação também deverão ser científicos e técnicos, o que supõe
serem quantificáveis para serem matemática e numericamente traduzidos. A tendência
pedagógica que resultará desta concepção filosófica será a da Pedagogia Naturalista,
Cientificista, Positivista com as denominações de Escolanovismo, Pedagogia Não-
Diretiva e Tecnicista.
3.3. Concepção Histórico-Social (Sócio-Interacionista)
• Período Histórico: Fim da Modernidade. Início da Contemporaneidade (Séculos XIX, XX e XXI).
• Principais filósofos: Hegel; Marx.
Em sua Antropologia, esta concepção afirma que:
O Homem: é um ser Natural e Histórico, determinado pelas condições objetivas
da existência, incluindo nestas condições a classe social a que pertence. Este Homem é
capaz de modificar estas condições através da Práxis (ação consciente).
O Homem se constitui como tal por meio das interações sócio-históricas. O que o
distingue dos irracionais não é a alma essencial, metafísica, nem apenas o arcabouço
biológico e sim a sua capacidade de se libertar das necessidades através do trabalho. Só no
Homem a necessidade satisfeita gera novas necessidades e, para satisfazê-las, este mesmo
Homem criou instrumentos e o trabalho e este, por seu turno, passou a ter um significado
que ultrapassa o indivíduo. A partir do trabalho, a necessidade deixa de ser uma
dimensão da impotência humana diante da natureza, para se tornar liberdade e
capacidade de realização. Este Homem assim entendido só poderá ser educado na
pedagogia do trabalho, “O que não é garantido pela natureza tem que ser produzido
historicamente pelos homens e aí se incluem os próprios Homens” (SAVIANI, 2003, p.13).
Os Valores “são definidos pelo tipo de relação de poder que os Homens
estabelecem entre si na sua prática real, sendo os critérios de avaliação da ação e da
educação eminentemente políticos”. (SEVERINO, 1994, p. 35).
Os valores, assim entendidos, definem a práxis que é uma atividade consciente e
transformadora do Homem e da realidade. É valor fundamental, porque é a partir desta
que o Homem produz o que até então não existia, seja um produto mesmo ou um
significado (produção do simbólico).
E quanto à sua Epistemologia, afirma que:
O Conhecimento é interacionista, dialético. Resulta da relação entre o Sujeito
(que conhece) e o Objeto (que é conhecido). O sujeito se percebe no mundo do objeto e o
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objeto só tem um significado a partir do sujeito. Esta é uma situação indissolúvel: Sujeito e
Objeto em permanente interação e construção de sentidos.
Este conhecimento é prático porque é experimental, terá como resultado a ação
do Homem sobre a natureza; é social porque no ato de conhecer o Homem percebe os
outros Homens como iguais a ele mesmo e com eles interage e constrói significados; é
histórico pois todo conhecimento foi adquirido e construído NA e COM a História.
Pedagogicamente, só faz sentido o saber que é construído histórico-socialmente.
A Educação. “A educação é um processo individual e coletivo de construção da
consciência social e de reconstrução da sociedade pela rearticulação política” (SEVERINO,
1994, p. 34). Os valores, assim como os critérios de avaliação, são Políticos:
Se não acredito que a desigualdade pode ser convertida em igualdade pela mediação da Educação (obviamente não em termos isolados, mas articulada com as demais modalidades que configuram a prática social global), então, não vale a pena desencadear a ação pedagógica. (SAVIANI, 1988b).
Pertencem ainda a esta concepção, as teorias sócio-interacionistas e
construtivistas que surgiram no bojo da Psicologia Cognitiva e da Lingüística e que,
devido à sua importância para as atuais teorias da aprendizagem, serão objeto de nosso
estudo em outro momento. Esta concepção dará origem à Pedagogia Interacionista,
Progressista em suas determinações Libertadora, Libertária e Crítico Social.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Educação é um fenômeno próprio dos humanos, daí porque sua compreensão e a do
ato de ensinar-aprender que a constitui, passar pela compreensão da própria natureza do
Homem. Esta nossa reflexão pretendeu mostrar como na constituição histórica do
pensamento humano sobre a Educação alguns momentos, como o da Paidéia grega foram
determinantes, bem como o da criação da escola.
Com relação à Escola, viu-se que a Educação se faz com ou sem ela.
Esta ainda é uma discussão presente nas Ciências da Educação: há autores como
Bordieu e Passeron que entendem ser a Escola uma forma de reprodução da sociedade e,
neste sentido, mantenedora do status quo. Assim também pensa Althusser ao classificá-la
como Aparelho Ideológico do Estado. Há, ainda, Illich que propõe a Desescolarização para que
realmente haja Educação. Esta linha de pensamento constitui o denominado pessimismo
ingênuo, segundo Cortela (2006).
As concepções naturalistas (positivistas) e histórico-social também divergem
quanto à função da Escola. Os primeiros entendem que a escola é a redentora social, através
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dela os Homens se adaptam à sociedade e restaura-se a ordem social que levará
inevitavelmente ao progresso. Cortela (2006) denomina esta visão de otimismo pedagógico;
os histórico-sociais entendem que a escola, juntamente com as demais forças sociais,
poderá criar as condições necessárias para transformar o mundo em que o Homem vive, é
o chamado otimismo crítico (CORTELA, 2006).
Sob qualquer aspecto, nós, educadores, somos os partejadores do futuro...
variando o que se entende por futuro e neste momento temos que recomeçar
estabelecendo os consensos humanos e sociais básicos para a vida em comunidade.
REFERÊNCIAS
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Maria Cristina Mesquita Barbosa
Graduada em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Poços de Caldas, MG (1969) e mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2002), é professor adjunta das Faculdades Anhanguera nos campi da Valinhos e Campinas unidade 1, além de ministrar aulas no curso de Capacitação Docente. Exerce, atualmente, a Coordenação do Projeto de Extensão “Faculdade Aberta da Terceira Idade” na Faculdade Anhanguera de Valinhos. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia e Filosofia da Educação atuando principalmente nos seguintes temas: filosofia, educação, ética, sociologia, didática.
ANUDO_N5_miolo-v1.pdf 84 28/5/2010 09:57:30