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97 Anuário da Produção Acadêmica Docente Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 Maria Cristina M. Barbosa Faculdade Anhanguera de Valinhos [email protected] APRENDIZAGEM: TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS 1 RESUMO Ao não percebermos que, em alguns momentos e em algumas situações o nosso saber acadêmico nos aponta para um mundo e o senso comum nos aponta para outro mundo, comprometemos o nosso desempenho profissional. Torna-se necessário compreender o sentido, o significado e a finalidade da nossa docência através do entendimento dos seus pressupostos filosófico-pedagógicos. A presente reflexão sobre as várias tendências pedagógicas (Tradicional, Cientificista e Interacionista) estabelece parâmetros para que melhor entendamos a nossa prática docente naquilo que a caracteriza: o ensinar e o aprender. Palavras-Chave: tendências pedagógicas; pedagogia: tradicional; cientificismo; interacionismo; ensino-aprendizagem. ABSTRACT When we realize that in some times and in some situations our academic knowledge points us to a world and common sense points us to another world, committed to our professional performance. It is necessary to understand the meaning, the meaning and purpose of our teaching through an understanding of its philosophical and pedagogical assumptions. This reflection on the various pedagogical trends (Traditionally, Scientific and Interactionist) establishes parameters to better understand our teaching practice what characterizes it: the teaching and learning. Keywords: educational trends; pedagogy: traditional; scientism; interactionism; teaching-learning. 1 Material da 2ª. aula da Disciplina Fundamentos Teóricos do Ensino Aprendizagem, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009. Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected] Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Informe Técnico Recebido em: 30/05/2009 Avaliado em: 27/01/2010 Publicação: 21 de abril de 2010 ANUDO_N5_miolo-v1.pdf 97 28/5/2010 09:57:31

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Anuário da Produção Acadêmica Docente Vol. III, Nº. 5, Ano 2009

Maria Cristina M. Barbosa Faculdade Anhanguera de Valinhos [email protected]

APRENDIZAGEM: TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS1

RESUMO

Ao não percebermos que, em alguns momentos e em algumas situações o nosso saber acadêmico nos aponta para um mundo e o senso comum nos aponta para outro mundo, comprometemos o nosso desempenho profissional. Torna-se necessário compreender o sentido, o significado e a finalidade da nossa docência através do entendimento dos seus pressupostos filosófico-pedagógicos. A presente reflexão sobre as várias tendências pedagógicas (Tradicional, Cientificista e Interacionista) estabelece parâmetros para que melhor entendamos a nossa prática docente naquilo que a caracteriza: o ensinar e o aprender.

Palavras-Chave: tendências pedagógicas; pedagogia: tradicional; cientificismo; interacionismo; ensino-aprendizagem.

ABSTRACT

When we realize that in some times and in some situations our academic knowledge points us to a world and common sense points us to another world, committed to our professional performance. It is necessary to understand the meaning, the meaning and purpose of our teaching through an understanding of its philosophical and pedagogical assumptions. This reflection on the various pedagogical trends (Traditionally, Scientific and Interactionist) establishes parameters to better understand our teaching practice what characterizes it: the teaching and learning.

Keywords: educational trends; pedagogy: traditional; scientism; interactionism; teaching-learning.

1 Material da 2ª. aula da Disciplina Fundamentos Teóricos do Ensino Aprendizagem, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 30/05/2009 Avaliado em: 27/01/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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1. INTRODUÇÃO

Diferenças de concepção apontam para mundos distintos, também na Educação. Em

princípio, o cotidiano do educador, assim como o da quase totalidade dos Homens2, não

se fundamenta em reflexões criticamente construídas, e sim em um “senso comum que foi

adquirido, ao longo do tempo, por acúmulo espontâneo de experiências ou por introjeção

acrítica de conceitos, valores e entendimentos vigentes e dominantes no seu meio”

(LUCKESI, 1994, p. 93). São explicações que produzem uma visão de mundo fragmentada

e, por vezes, contraditória.

A compreensão do que seja a nossa prática pedagógica também se funda em

saberes do senso comum que, no dizer de Luckesi (1994), nos ensinam o que é o bom

professor (aquele que deve dominar algumas rotinas, tais como: saber e saber apresentar

conteúdos; controlar alunos, avaliar a aprendizagem e produzir o disciplinamento); o que

é o bom aluno (deve ser passivo; deve depender do saber do professor; deve fazer as

coisas como o professor quer); e o que é o Conhecimento (um conjunto de informações

apresentadas ou lidas no livro texto, que quase sempre se torna texto sagrado), devendo ser

retido e repetido.

É a partir desta concepção de senso comum que se instala grande parte da

contradição de nossa prática em sala de aula, pois nem mesmo nós, educadores,

percebemos que, em alguns momentos e algumas situações o nosso saber acadêmico nos

aponta para um mundo e o senso comum nos aponta para outro mundo, (afinal diferentes

concepções apontam para mundos distintos) o que se traduz em comprometimento do

nosso desempenho.

Só há uma saída: o sentido, o significado e a finalidade da nossa docência

precisam ser constantemente inventariados, através da compreensão dos seus

pressupostos filosófico-pedagógicos, os quais revelarão que nossos modelos de pensar e

de agir pedagogicamente são construídos na História por outros Homens. Portanto,

apesar de serem assim como são, não precisam continuar a sê-lo.

A presente reflexão sobre as várias tendências pedagógicas pretende nos fazer

compreender melhor nossa prática docente e aquilo que a caracteriza: o ensinar e o

aprender. As várias tendências pedagógicas nos mostram que diferenças de concepção

apontam para mundos distintos, também na Educação.

2 A expressão Homem, neste texto, terá sempre o sentido de HUMANO, com todas as possibilidades de gênero constitutivas da condição humana.

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2. AS PEDAGOGIAS: TRADICIONAL, CIENTIFICISTA E INTERACIONISTA

A partir do entendimento a respeito daquilo que constitui o Homem a ser educado

(antropologia); dos valores que a ele devem ser ensinados através dos conteúdos

(axiologia); e da maneira como este Homem aprenderá (epistemologia) a Pedagogia

estabeleceu as suas grandes tendências, em conformidade com os caminhos trilhados

pelas concepções filosóficas que as fundamentam3.

Assim sendo, a concepção filosófica essencialista fornecerá os pressupostos para

a Pedagogia Tradicional; a concepção filosófica naturalista, os da Pedagogia Cientificista e

a Concepção filosófico-histórica – social fundamentará a Pedagogia Interacionista. São

diferentes concepções. O mundo da educação para o qual orientam o nosso olhar docente

será diversificado, como também será a prática que dele se origina. Para bem inventariar o

nosso cotidiano, possibilitando a nossa saída do senso comum pedagógico para a

consciência crítica, como diz Saviani (1980) é preciso compreender melhor estas

pedagogias e seus desdobramentos na sala de aula.

2.1. Pedagogia Tradicional

Tendo por pressuposto filosófico a concepção essencialista (inatista / apriorística) a

Pedagogia Tradicional entenderá que: o Homem é portador, desde o seu nascimento, de

características essenciais, comuns a todos e é definido pelas características que

permanecem, não pelas que mudam.

Este entendimento se refletirá na concepção pedagógica tradicional que, ao

entender que todos os Homens são metafisicamente iguais, fundará uma prática de sala

de aula única para todos e repetitiva, pois as condições humanas da aprendizagem serão

essencialmente sempre as mesmas. Os Valores que presidem a ação do Homem serão os

valores ÉTICOS. O Homem não é responsável por suas características metafísicas, inatas,

mas é responsável pela sua ação moral.

O Conhecimento é apriorista, inato. O Homem nasce com características

espirituais que validarão o seu conhecimento a priori. O espírito racional do Homem

reconhece os modelos metafísicos universais em cada situação particular. Portanto, para

que este Homem aprenda ou conheça, será preciso uma boa metodologia.

3 Para melhor compreender esta inter-relação ver Barbosa, M.C.M. Ensino-aprendizagem: pressupostos histórico-filosóficos. Material da 1ª. aula da Disciplina Fundamentos Teóricos do Ensino Aprendizagem, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente.Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

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Nesta epistemologia, o professor será sempre a figura central uma vez que ele é

aquele que já conseguiu aprender e por isso tem compromisso moral e político de tirar

seus alunos da ignorância. A Educação será inevitavelmente centrada na figura do

professor. Magistrocêntrica.

De modo esquemático4, a Pedagogia Tradicional poderá ser vista no Quadro 1.

Quadro 1 – Características da Pedagogia Tradicional.

Papel da escola - Preparar o Homem Culto e Virtuoso.

- A Escola deve preparar intelectual e moralmente o aluno para viver em sociedade.

Conteúdos do ensino - Enciclopédicos-Clássicos.

- Não necessitam fazer parte da vida particular do aluno, mas devem fazer parte da vida essencial de todos os homens.

Métodos de ensino - Expositivo-Dialogado (Maiêutica).

- Conteudista/-/ Verbalista.

- Repetitivo.

Relação Professor x aluno - O Professor é figura Modelar e Central.

- A Autoridade é do Professor que sabe.

- Ao aluno compete: Atenção / Silêncio / Repetição.

Pressupostos da aprendizagem - Todos os Homens possuem essencialmente o mesmo potencial de aprendizagem. Por isso os programas podem ser iguais.

- Aprendizagem receptiva.

- Avaliação Quantitativa (Conteúdos) e Ética (não colar).

Manifestações na prática escolar - Modelo vigente ainda hoje na maioria das salas de aula, da maioria das escolas.

Fonte: Elaboração e Organização: Profª Mª Cristina Mesquita Barbosa – 2009. Baseando-se em Severino (1994); Aranha (2006b); Luckesi (1994).

Esta tendência pedagógica é objeto de muitas críticas pela sua naturalização

metafísica da realidade, o que se deve ao seu comprometimento histórico com as elites e

grupos hegemônicos ao afirmar o predomínio da permanência sobre as mudanças; o

predomínio daquele que foi à escola sobre aquele que não foi; ao conceber a educação

como adequação a modelos e estereótipos ideais que se aprende a reproduzir na escola,

ratificando privilégios uma vez que, desde a sua fundação, a escola não foi para todos.

Entretanto, se a pedagogia tradicional é a mais utilizada em nossas práticas,

talvez não o seja pelo fato de a maioria de nossas aulas serem expositivas e conteudísticas,

uma vez que este tipo de aula também tem o seu lugar adequado em específicas tarefas

didáticas, tais como: passar a maior quantidade de conceitos no menor espaço de tempo.

4 O recurso do esquema será utilizado para a melhor visualização das características geras das tendências pedagógicas. Entretanto, é bom lembrar que este recurso é simplificador e reducionista, devendo ser visto como forma de compactar a

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Também não é o fato de se usar, por exemplo, um data-show que retirará da nossa prática

o seu caráter tradicional conteudístico. Não basta mudar apenas as ferramentas.

O caráter tradicional é o mais utilizado porque se sustenta em pressupostos

antropológicos, axiológicos e epistemológicos que estão sendo aceitos por nós, daí a nossa

prática. Estes pressupostos dirigem o nosso olhar e determinam as nossas posturas. É

sobre este olhar que devemos repensar nossas práticas escolares e pedagógicas.5

2.2. Pedagogia Cientificista (Positivista)

Tendo como pressuposto filosófico a concepção naturalista, a Pedagogia Cientificista /

Positivista entenderá que: o Homem é uma realidade natural, portador de uma Razão

Natural e pode ser explicado, portanto, pelas mesmas Leis Naturais que explicam toda a

natureza.

Os Valores que devem prevalecer sobre os demais devem ser os da realidade

natural, e estes valores deverão ter uma validação científica e técnica. O Conhecimento é

Empírico: é “naturalizado”. Nada mais de modelos espirituais, metafísicos. O Homem é

portador de capacidade natural (Razão Natural) que o levará ao conhecimento.

A Educação nesta concepção deverá ser laica e científica e, ao compreender a

natureza de qualquer coisa, o Homem a dominará. O saber se torna pragmático e político.

Também de modo esquemático a Pedagogia Cientificista poderá assim ser vista no

Quadro 2, na especificidade de suas subdivisões: Escola Nova; Não-Diretiva e Tecnicista.

Quadro 2 – Características das Pedagogias Naturalistas / Cientificistas / Positivistas.

Teorias/ Pedagogia Escola Nova Pedagogia não diretiva Pedagogia Tecnicista

Papel da escola • A Escola deve retratar a vida.

• Deve possibilitar Experiências Reais.

• Deve preparar para o trabalho.

• Escola deve desenvolver atitudes.

• Principal preocupação: ambiente psicológico.

• Escola deve modelar comportamentos.

• Deve produzir Homens, competentes para o mundo do trabalho.

• Capital Humano.

Conteúdos de ensino

• Conteúdo enciclopédico-científico.

• Valorização maior dos Processos do que dos Conteúdos.

• O mais importante são as relações humanas e a comunicação.

• Informações, Princípios Científicos, estabelecidos e escolhidos por especialistas.

• Eficiência e Racionalidade.

informação e, em momento algum, como simplificação reducionista da concepção filosófico-pedagógica, pois, se isto ocorresse, estaríamos produzindo um saber fragmentado e contraditório, próprio do senso comum. 5 Em Filosofia nem sempre o repensar significa mudar de idéia. Significa que entendi e escolhi conscientemente a minha prática. Esta é a passagem do senso comum para a consciência filosófica, como diz Saviani (1980).

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continuação

Teorias/ Pedagogia Escola Nova Pedagogia não diretiva Pedagogia Tecnicista

Métodos de ensino

• Aprender Fazendo.

• Método do Centro de Interesse.

• Método da Pesquisa Científica.

• O trabalho escolar deve levar ao relacionamento interpessoal e ao crescimento pessoal.

• Tecnologia Educacional.

• Controle do Ambiente.

• Transmissão.

• Recepção de Informações.

• Objetivos, Procedimentos e Avaliações Mensuráveis.

Relação Professor

x

Aluno

• Vivência Democrática.

• Professor Colaborativo.

• Aluno Solidário.

• Respeitadores das Regras Grupais.

• Professor é o facilitador.

• Professor Especialista em Relações Humanas.

• Educação centrada no aluno.

• Comunicação Técnica.

• Aluno Responsivo.

• Professor Estimulador.

Pressupostos da Aprendizagem

• Motivação.

• Aprender é Descobrir.

• Aprendizagem por interesse.

• Avaliação Continuada.

• Motivação = Desejo de auto-realização.

• Auto-Avaliação.

• Contratos de Aprendizagem.

• Auto-Gestão.

• O Ensino é um Processo de Condicionamento.

• Behaviorismo.

Manifestações na Prática Escolar

• Dificuldade para enfrentar o tradicionalismo.

• Escola com aconselhamento.

• Adequação da Escola aos modelos de racionalização do mundo do trabalho. (Taylor).

Principais Autores

• Durkheim, Dewey, Montessori, Freinet, Anísio Teixeira.

• Carl Rogers, A.S. Neill. • B. Skinner, T. Schultz.

Fonte: Elaboração e Organização: Profª Mª Cristina Mesquita Barbosa – 2009. Baseando-se em Severino (1994); Aranha (2006b); Luckesi (1994).

Esta tendência pedagógica do naturalismo/positivismo é objeto de crítica em

duas perspectivas. Primeiramente na perspectiva política, uma vez que se trata do pensar

científico da sociedade burguesa que, se por um lado, produziu o maior e mais rápido

desenvolvimento científico e tecnológico da história, produziu também o ideário científico

da domesticação humana e do colonialismo ao transpor para a relação entre os Homens os

princípios justificadores da dominação de alguns povos ou grupos por outros “mais

desenvolvidos”, (darwinismo social) entendendo ser esta uma etapa natural para que todos

atingissem a ordem e o progresso. É a naturalização daquilo que é histórico – social. Foi a

transformação do projeto elitista das sociedades escravistas, teocráticas, metafísicas em

projeto elitista da sociedade capitalista, burguesa, racional-científica. Como diriam os

filósofos da Escola de Frankfurt, a Razão Científica se torna instrumento (Razão

Instrumental) a serviço do capital e da manutenção do status quo.

A segunda, na perspectiva pedagógica, pois o saber empírico racional, baseado nas

especializações, ensinou o Homem a dividir o que nunca poderia ser dividido, ou seja, o

seu entendimento da realidade que é dinamicamente complexa e foi mecanicamente

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retalhada. A escola ajudou neste projeto e hoje está sendo obrigada a repensar suas

práticas para que os saberes não separem, mas unam de forma inter e transdisciplinar,

como querem Edgard Morin e outros que serão também objeto de nosso estudo.

2.3. Pedagogia Interacionista

Tendo por pressuposto filosófico a concepção histórico-social, a Pedagogia Interacionista

entenderá que: o Homem é um ser Natural e Histórico, capaz de modificar estas

condições através da Práxis (ação consciente). O que distingue o Homem dos irracionais é

a sua capacidade de se libertar das necessidades através do trabalho.

Os Valores são definidos pelo tipo de relação de poder que os Homens estabelecem entre

si na sua prática real, que é política. O Conhecimento é interacionista, dialético. Esta é

uma situação indissolúvel: Sujeito e Objeto em permanente interação e construção de

sentidos. A Educação: “A educação é um processo individual e coletivo” (SEVERINO,

1994, p. 34).

Ainda de modo esquemático, a Pedagogia Interacionista6 poderá assim ser vista,

no Quadro 3, considerando a especificidade de suas subdivisões: Libertadora; Libertária,

Crítico–Social.

Quadro 3 – Características da Pedagogia Histórico-Social.

Teorias Pedagogia Libertadora Pedagogia Libertária Pedagogia Crítico-Social

Papel da Escola • Educação Não-Formal.

• Transformadora Social.

• Escola Cidadã.

• Deve criar grupos auto-gestionários.

• Deve difundir conteúdos.

• Garantir bom ensino.

Conteúdos de Ensino

• Temas centrais tirados da vida dos alunos.

• Grupo escolhe o que aprender.

• Reavaliação dos conteúdos humanistas e científicos através da crítica e historicização.

Métodos de Ensino

• Diálogo.

• Grupo de discussão.

• Vivência Grupal.

• Processo coletivo.

• Autogestão.

• Relação do Conteúdo com a Vicência concreta.

Relação Professor

x

Aluno

Professor: também APRENDE.

Aluno: também ENSINA.

• Não há modelos. • Professor deve ser o adulto da relação: exigir esforço e propor conteúdos.

• Aluno – Interação crítica.

6 Pertencem ainda a esta concepção as teorias sócio-interacionistas e construtivistas que surgiram no bojo da Psicologia Cognitiva e da Lingüística e, que devido à sua importância para as atuais teorias da aprendizagem, serão objeto de estudo num momento posterior.

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continuação Teorias Pedagogia Libertadora Pedagogia Libertária Pedagogia Crítico-Social

Pressupostos da Aprendizagem

• Experiências concretas.

• O aluno deve falar a sua Palavra.

• ALEGRIA.

• Motivação.

• O vivido, como ponto de partida.

• Sem avaliação.

• O conhecimento novo funda-se no antigo.

• Parte-se do que o aluno já sabe.

Manifestações na Prática Escolar

• Engajamento Político.

• Educação Popular e de adulto.

• Estímulo à emancipação.

• Anarquismo.

• Autogestão.

• Ruptura com a ideologia dominante.

• Reflexão.

Principais Autores

• Paulo Freire / Miguel Arroyo.

• Proudhon / Bakunin / Ferrer i Guardia / Lobrot / Silvio Gallo.

• Saviani / Snyders.

Fonte: Elaboração e Organização: Profª Mª Cristina Mesquita Barbosa – 2009. Baseando-se em Severino (1994); Aranha (2006b); Luckesi (1994).

Esta tendência é bastante polêmica e recebe críticas ao seu arcabouço político–

pedagógico. Por se tratar de uma concepção filosófica fundada no marxismo, sofre as

críticas comuns a esta visão de mundo, que se iniciariam com a da politização excessiva de

todas as instâncias, inclusive as do ensinar e do aprender, coerente com a sua axiologia

que tem na política o seu valor referencial. Levada ao extremo, a concepção pode se tornar

doutrina, dificultando a relação com o seu contrário.

São também objetos de crítica: o entendimento de que o Homem, sua consciência

e sua subjetividade são construções histórico-sociais, coletivas o que levaria esta

concepção a perder de vista o Homem particular, as suas sutilizas subjetivas, o seu EU

mais íntimo, a individualidade. Perde-se com este entendimento a idéia de mérito

individual, tão benquista por metafísicos (o mérito é conquista moral, individual) e por

positivistas (o mérito é conquista individual, resultado de competências técnico-científicas).

Para a concepção histórico-social, o mérito ou o demérito resultarão de oportunidades

sociais (ou da falta delas) e esbarrarão necessariamente na concepção de classe social e do

jogo político das hegemonias (dominantes e dominados).

Do ponto de vista pedagógico, há uma discussão que permeia a própria

pedagogia interacionista, que é a dos conteúdos a serem ensinados. Houve momento em

que ao se politizar esta questão, considerou-se que os chamados conteúdos clássicos,

(humanos e científicos) por pertencerem a um mundo metafísico/positivista refletiriam a

sua origem elitista e serviriam para a dominação das massas que não se reconheceriam

nesta cultura. Numa postura ingênua, os conteúdos não mais seriam importantes, com a

sua narrativa triunfal, própria dos dominantes.

Snyders (França) e Saviani (Brasil) contestaram os seus pares. A partir da noção

de inclusão dos socialmente excluídos, observando os alunos da escola pública brasileira,

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Saviani argumenta que ao não querer ser conteudista a pedagogia interacionista produzia

uma dupla exclusão: reforçava a exclusão social já existente e criava a exclusão do saber

culto – reforçando politicamente a submissão social, através do fracasso real deste aluno

em situações que exigiam maior sofisticação do saber.

Propôs a Pedagogia crítico-social (dos conteúdos) para se contrapor a estas

ingenuidades políticas, incentivou a volta dos conteúdos às salas de aula, mas

historicizados, relativizado-se, portanto, criticamente transformados.

Se metafísicos e positivistas foram acusados de naturalizar o que seria histórico, a

concepção histórico–social/interacionista é acusada de historicizar e politizar o que pode

ser apenas natural.

3. AS NOVAS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS

Na segunda metade do século XX, mais precisamente após o final da 2ª Guerra Mundial,

inicia-se o que seria chamado de a desconstrução do projeto iluminista da Modernidade.

Este projeto poderia ser sintetizado na seguinte verdade paradigmática: A fé na

Racionalidade do Homem e no Progresso Científico.

O Homem moderno conscientizou-se da sua capacidade racional para desvendar

os segredos da natureza (criou a Ciência Moderna); encontrar soluções para seus

problemas (saber pragmático). Entendia que saber é Prever (Ciência) é Prover

(Tecnologia) e é Poder (Política). O saber seria, portanto, emancipador. O controle e

progresso seriam as máximas deste Homem.

Para atingir tais objetivos a modernidade contaria com a ajuda da Escola que se

tornara pedagogicamente naturalista/positivista, pautada pela metodologia cientificista e

pelo domínio do saber especializado, dividido, fragmentado. Dividir para conhecer;

conhecer para dominar; este seria o poder do saber. Este projeto iluminista tinha o sonho

da vitória da racionalidade técnico-científica sobre todos os problemas, fossem sociais ou

humanos ou de outra ordem, o que levaria a humanidade ao progresso e à felicidade.

O sonho acabou, no confronto com as duas guerras mundiais, Auschwitz e

Hiroshima, o desequilíbrio ecológico, a ameaça do saber a serviço de uma Razão

Instrumental, podendo a tudo destruir. Como falar em saber emancipatório após estas

barbáries?

Autores e movimentos diversos, considerados demolidores dos paradigmas da

modernidade, começaram a se manifestar contra esta visão racional científica e contra a

Pedagogia Positivista que possibilitava, através das escolas, a manutenção dos mesmos

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paradigmas universalizantes que, segundo os mesmos, eram também carentes de

conteúdo humano, afetivo, real.

Estes pensadores denominados pós-modernos propuseram novos paradigmas que

deveriam se firmar:

• No primado da anti-razão (emoção).

• No primado dos contratos afetivos (tribos).

• No primado das diferenças e alteridades.

• No primado do saber para viver aqui e agora.

• No primado da mudança sobre a permanência.

Eram necessárias uma nova Pedagogia e uma nova Escola que dessem conta

destes novos tempos. Neste contexto surge a Pedagogia Holonômica ou Pedagogia da

Unidade que tem Edgard Morin o seu pensador referencial. No Brasil, alguns pensadores

como Ugo Assman e Leonardo Boff também defendem os seguintes princípios

pedagógicos:

• O princípio unificador do Saber é o próprio Homem, que é essencialmente contraditório e complexo.

• Valorizam: o cotidiano, o vivido, o pessoal, a singularidade, o acaso, as pequenas narrativas, a multiplicidade e o multiculturalismo.

• A complexidade é a própria realidade em permanente construção e reconstrução.

• As categorias Interdiciplinariedade e Transdisciplinariedade são construídas na complexidade do real através do convívio, diálogo e trabalho em grupo.

Para Morin (2002) temos uma educação que nos preparou muito bem para

dividir e pouco nos diz a respeito do reunir. Segundo diz, isto é diabólico7, precisamos

aprender a religar8, pois esta deve ser a nova forma do pensar: o pensamento sistêmico ou

complexo9. Este é o fundamento do novo saber: o saber complexo, o saber em rede, o

saber sistêmico.

Para ensiná-lo será necessária uma nova escola que despertará o Homem para os

sete saberes que serão necessários para que viva o futuro e que, segundo Morin (2002),

são:

1) Ensinar a Conhecer.

2) Ensinar a Pensar.

3) Ensinar a Condição Humana.

7 diabolus – em latim – aquele que separa. 8 religare – em latim – ligar de novo. 9 complexus – em latim – O que está tecido, entrelaçado.

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4) Ensinar a Identidade Terrena.

5) Ensinar a Enfrentar as Incertezas.

6) Ensinar a Compreensão.

7) Ensinar a Ética do Gênero Humano.

Conclui Morin (2002) que a educação deve ser um despertar para a vida, os

saberes não devem assassinar a curiosidade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diferenças de concepção apontam para mundos distintos que se traduzirão em práticas

diferenciadas no cotidiano docente do ensino-aprendizagem.

Este relato sobre os variados caminhos da Pedagogia através da História, o

privilegiar de alguns aspectos que se configuram nas pessoas do educador e do educando

e dos conteúdos a serem ensinados e aprendidos, nos dá a certeza de que educar, no

século XXI, não se fará sem a reflexão sobre: cidadania, planetariedade, sustentabilidade,

virtualidade, globalização, transdiciplinaridade, dialogicidade sob pena de sermos

soterrados pelos fragmentos do senso comum.

Educar para incertezas, este é o grande desafio do educador em um mundo em

que a mudança substitui as permanências e os outros olhares.

REFERÊNCIAS

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Maria Cristina Mesquita Barbosa

Graduada em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Poços de Caldas, MG (1969) e mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2002), é professor adjunta das Faculdades Anhanguera nos campi da Valinhos e Campinas unidade 1, além de ministrar aulas no curso de Capacitação Docente. Exerce, atualmente, a Coordenação do Projeto de Extensão “Faculdade Aberta da Terceira Idade” na Faculdade Anhanguera de Valinhos. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia e Filosofia da Educação atuando principalmente nos seguintes temas: filosofia, educação, ética, sociologia, didática.

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