antropologia e saúde

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  • 7/31/2019 antropologia e sade

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    Antropologia e Sade

    Maria Ins de Freitas Custdio

    Da dcada de 90 at a atualidade surgiu uma nova preocupao na Academia em estudar asade considerando o homem, seus relacionamentos scio-culturais, sua maneira de lidar com

    o mundo e consigo prprio, com sua psiqu e comportamento em seu meio.

    Na busca de uma anlise sobre a origem do homem, sua forma humana e suas reaes diante

    das doenas, os estudiosos sobre o tema sade/doena utilizaram-se da interdisciplinaridadeentre as teorias produzidas nas Universidades, as pesquisas de campo, visitando famlias emdomiclios, considerando suas experincias oriundas da convivncia hospitalar.

    A nfase produzida pelas Cincias Sociais direcionou-se para as questes da sadepblica/coletiva destacando a pessoa, o corpo e a doena. O enfoque deste estudo, a

    construo do indivduo, do corpo e dos sentimentos ligados aos distrbios da sade.

    A inteno de criar um conjunto de caractersticas prprias e exclusivas para umaantropologia especializada na sade e doena no partilhada pela maioria dos cientistas

    sociais, mdicos e agentes da sade.

    Ao contrrio da opinio fechada das Cincias Sociais na dcada de 70, a antropologia social,

    bem vinda hoje, no campo das cincias mdicas em prol da construo de solues para sanaras demandas sociais da sade pblica.

    Alguns temas destacam-se no mbito das Instituies e na poltica:

    criao de mecanismos viabilizadores da prxis das cincias sociais no cotidiano dapopulao inerente s cincias mdicas, abordando questes como: gnero, sexualidade,formao de cidadania, Aids , sade mental; controle de natalidade, etc;

    novas metodologias de avaliao nos cursos de graduao e ps-graduao;

    oportunidades de mercado editorial na produo acadmica dotado de menosburocracia e interesses particulares;

    apoio s pesquisas pelas agncias nacionais e aos pesquisadores atravs definanciamentos nas reas das cincias mdicas e humanas.

    Neste contexto, conta-se com a pluralidade das diversas disciplinas pensando um caminhomelhor para os problemas da sade coletiva.

    A antropologia conta com a filosofia, com a sociologia, com a psicologia, com a histria e,

    neste leque de orientaes terico-metodolgicas nasce um cuidado com o ser humano,

    representado numa antropologia calcada em fontes nacionais e internacionais.

    Na antropologia de Marcel Mauss, a atividade do pensamento coletivo simblica,desprezando o pensamento individual, suas representaes de sade e doena mostram pormeio da deduo dos fenmenos orgnicos a crena dos indivduos a partir de conceitos,

    smbolos e estruturas cristalizadas no meio em que pertencem.

    As significaes sociais resultam da cultura de cada povo, fortalecidas em pleno contexto

    situacional, local de manifestao.

    Doutoranda do Programa de Estudos Ps-Graduados em Cincias Sociais da Pontifcia Universidade Catlica

    de So Paulo. 2007.

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    De outro lado, h a possibilidade de realizao de mtodos quantitativos e qualitativos empesquisas de campo envolvendo indivduos, grupos, enfatizando os comportamentos, osmotivos, as idias, as crenas.

    Esses valores traduzidos na linguagem cotidiana, no desprezam a preocupao de algunspesquisadores frente questo ecolgica ambiental aplicada aos estudos envolvendo pessoas

    doentes e a grupos determinados.

    A rigor, faz-se necessria a organizao da investigao cientfica atrelada abordagemhistrica e a origem das realidades social e histrica.

    Para crer num trabalho confivel etnogrfico, a fonte oral vem sendo utilizada como mtodocapaz de entender o sentido do ser doente ou saudvel, reconstruindo a lgica das

    representaes produzidas e socializadas durante a sua construo.

    Modelos atuais de referncia.

    Os estudos de representaes/significados ou smbolos e prticas da sade e doena apontam

    para o entendimento cultural dos grupos analisados ultrapassando a objetividade dos estudos

    epidemiolgicos doena rapidamente alastrvel numa populao (HOUAISS, 2001:170)reconhecendo limitaes em seu uso, como:

    vantagem das representaes sobre a prtica;

    utilizao de modelos tradicionais de significao sobre o corpo, a sade e a doena;

    necessidade de focar a doena como experincia, questionando a atual anlise sobdados empricos somente.

    A antropologia da sade prope uma nova maneira de pensar e agir em relao ao corpo, acultura e individualidade de cada ser humano, imbuda da teoria da complexidade do pensador

    francs Edgar Morin:

    A complexidade uma palavra problema e no uma palavra soluo. O pensamento complexo noo que evita ou suprime o desafio, mas o que ajuda a revel-lo e, por vezes mesmo, a ultrapasss-lo. Acomplexidade aparece certamente onde o pensamento simplificador falha, mas integra nela tudo o quepe em ordem, clareza, distino, preciso no conhecimento. (MORIN, 2001:22).

    Cada sociedade assimila as encenaes do corpo e da doena de maneira peculiar,considerando os aspectos scio-culturais da populao atendida, monitorada por saberes

    biomdicos.

    Se entendida como fenmeno social, a doena estabelece uma relao entre as ordensbiolgica e social, abrangendo o indivduo corporalmente e socialmente, dessa maneira, o

    papel da antropologia da sade, tratar a doena, superando os limites biolgicos do corpo eas explicaes biomdicas do homem.

    Cultura e doena.

    Na sociedade moderna, o papel da cultura popular, seus significantes e significados,somatizam os elementos de crenas e costumes de vrios grupos, acompanhados da mdia e

    de uma variedade de informaes responsveis por interpretaes discursivas dos mdicosdedicados causa.

    O signo de estar doente entendido como a percepo de sensaes e sintomas desagradveis:

    cansao; dor de cabea;

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    dor no corpo; sono;

    fraqueza; falta de apetite; febre, e etc,

    Identificados pelo mdico ou pelo paciente, representam a doena como uma construo

    social, traduzida e culturalmente assumida pelos simpatizantes.Doenas como a Aids, cncer, hansenase (lepra), tuberculose, so encaradas diferentementepor homens e mulheres de um mesmo grupo, com ou sem diagnstico biomdico.

    Nessa linha, analiticamente, o gnero construiu-se por duas vias:

    construo social;

    de forma relacional.

    Para entender a sexualidade, a compreenso do processo histrico e seu desenvolvimento noBrasil, condio, sine qua non, bem como, a tica, a cincia e a poltica, componentes

    responsveis pela apropriao dos valores e significados dos modelos masculino e femininode nossa ambincia.

    Novamente, a antropologia da sade interfere nas interpretaes empricas, factuais, prontas e

    acabadas da construo de sujeito e objeto, norteando os estudos por meio de reflexes,apresentando as incertezas inerentes ao homem, sociedade e a espcie.

    Religio e doena.

    Para acompanhar a evoluo de determinado distrbio da sade, seguindo rigorosamente o

    tratamento indicado por especialista ou no (principalmente os alcolatras e portadores deAids; distrbios psicolgicos e abandono de parentes), o paciente nutre-se tambm do apoioreligioso.

    Nesses casos, a antropologia da sade analisa os relatos dos informantes, estruturando umperfil responsvel pelas causalidades, considerando a vivncia da pessoa, sua doena e os

    envolvidos.

    O resultado da pesquisa mostra a reao do paciente e suas aes, edificando sua identidadeindividual e social.

    As religies condenam em sua maioria os doentes, reforando a idia de culpa, afirmando, sera doena, um castigo das ordens superiores pela ausncia de compromisso de f do enfermo

    para com a crena.

    A enfermidade mental estudada por meio de narrativas, depoimentos, estudos de casos defamlias ou histrias de vida contadas por familiares ou terceiros. Os pesquisadores

    reconstituem as informaes (verdicas ou delirantes) atribuindo no final do estudo umaavaliao e um cuidado adequado doena.

    Esse mtodo pressupe uma forma de conhecimento prtico, diferenciado do saber mdico,enfatiza a capacidade de expresso e reflexo do enfermo sobre sua doena, diagnosticando oproblema nas fontes patolgica e biolgica.

    No entanto, preciso distinguir o conhecimento erudito do popular, haja vista, o surgimentodas formas de comunicao, ressocializaes, aprendizagem, ou melhor, da recusa s

    intervenes.

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    A antropologia da sade coletiva/pblica articula a linguagem simblica da doena, buscando:

    revelao das identidades sociais nas relaes de gnero;

    condies scio-relacionais da gerontologia;

    estudos sobre a juventude;

    temticas preocupantes com a sade e o bem estar do indivduo na sociedade.

    A antropologia da sade institui e viabiliza prticas entre pensamentos e aes, teorias e

    experincias de vida dos doentes. Organiza os smbolos e as categorias das doenas, por meiode fontes produtoras de sentido, sejam, biolgicas, polticas, sociais, econmicas e culturais.

    Utilizando-se do bom senso entre os paradoxos:

    coletivo/indivduo;

    vida/morte;

    cincias mdicas/cincias sociais;objetividade/subjetividade.

    A antropologia da sade/doena, procura desvendar caminhos menos convergentes e

    construtivismos mais eficientes, num futuro prximo.

    Referncias Bibliogrficas:

    ALVES. PC & Rabelo MCM (org.) 1998. Antropologia e sade. Traando identidade e explorando fronteira.

    Fio-cruz-Relume Dumar, Rio de Janeiro.

    ALVES. PC & Rabelo MCM (org.) 1998. Repensando os estudos sobre representaes e prticas, pp. 107-121 InPC Alves & MCM Rabelo (org.) Op. Cit.

    HOUAISS, Antnio (1915-1999) e Villar, Mauro de Salles (1939-). Minidicionrio Houaiss da Lngua

    Portuguesa/Antnio Houaiss e Mauro de Salles Villar, elaborado no Instituto Antnio Houaiss de Lexicografia e

    Banco de Dados da Lngua Portuguesa S/C Ltda. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

    MORIN, Edgar. Introduo ao Pensamento Complexo. Instituto Piaget. 3 edio, 2001.