antropologia do bairro

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    Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre, ano 15, n. 32, p. 382-385, jul./dez. 2009

    Roberto Antonio Capiotti da Silva

    GRAVANO, Ariel. Antropologa de lo barrial : estudios sobre produccin simblica de la vida urbana. Buenos Aires: Espacio, 2003. 296 p.

    Roberto Antonio Capiotti da Silva*

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasil

    A obra de Ariel Gravano chama a ateno para a recorrncia da noo de bairro no plano das signifi caes, prticas e discursos de profi ssionais e leigos sobre os chamados problemas urbanos. A proposta do autor parte da explo-rao do bairro no apenas como paisagem urbana, cenrio de acontecimen-tos, mas como espao simblico e ideolgico, que adquire e constri valores e como referente de identidades sociais urbanas, o que ele denomina barrial.

    Dentro de uma perspectiva antropolgica, somos levados ao universo dos bairros de Buenos Aires e regio metropolitana. A abordagem apresen-tada pelo autor se apoia nos conceitos de imaginrio e identidade social que, entendidos em uma relao dialtica, dariam conta da relao entre os condi-cionamentos contextuais gerados e detectados do exterior dos grupos urbanos (atribuio por marcas externas, relaes sociais objetivas e processos de se-gregao urbana) e os produzidos dentro desses mesmos grupos (autoatribui-o, representaes, interao e manipulao simblicas).

    Metodologicamente, o autor busca cruzar os sentidos obtidos pela anli-se dos discursos dos habitantes de Buenos Aires, coletados em encontros etno-grfi cos, com os discursos produzidos por instituies governamentais, meios de comunicao e trabalhos acadmicos, procurando desvendar como so construdas e alimentadas associaes, identidades e tradies aos bairros.

    O livro composto de trs grandes partes: na primeira o autor aponta para a categoria bairro atravs de suas marcas externas, suas caractersticas estruturais e histricas. Apresenta um panorama de como o bairro adquire va-lores ideolgico-simblicos na vida cotidiana dos habitantes citadinos atravs de processos gerados e detectados do exterior dos grupos sociais.

    * Doutorando em Antropologia Social.

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    Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre, ano 15, n. 32, p. 382-385, jul./dez. 2009

    Antropologa de lo barrial

    O segundo captulo trata da formao dos bairros atravs da reviso bi-bliogrfi ca de estudos histricos sobre o desenvolvimento das cidades desde a Antiguidade at a Amrica do Sul contempornea. Os bairros surgem como setores privados da cidade em contraposio aos setores pblicos e adminis-trativos, localizados no centro. A diferenciao e heterogeneidade dos bairros so entendidas como consequncia do fenmeno urbano moderno, sendo as relaes de classe o elemento diferenciador que se expressa na heterogeneida-de das moradias, na segregao espacial e no acesso desigual urbanizao.

    No ltimo captulo da primeira parte, o autor apresenta trs variveis que tanto na dimenso sincrnica quanto na histria caracterizam o conceito de barrial: a identidade social, estabelecida quando os atores sociais assumem identifi car-se ou pertencer a distintos bairros como forma de distinguir-se e condicionar as condutas coletivas; a segmentalidade, particularidade que tem os bairros de incluir no seu interior setores com identidades heterogneas, sem perder a relao de integrao dentro da mesma unidade; a tipicidade, que a atribuio de categorizaes genricas, dicotmicas e estereotipadas sobre determinadas identidades barriais, estabelecendo uma relao direta entre a imagem negativa ou positiva de um bairro com o comportamento de seus habitantes.

    Na segunda parte do livro, o autor trata do bairro vivido, dando nfase aos signifi cados dados pelos moradores ao barrial. Como ferramenta de an-lise procura obter as matizes de traos manifestados no nvel dos discursos, como indicaes das imagens (defi nidas como refl exo signifi cativa de um referente) que os atores fazem de seu bairro.

    A investigao inicia em um bairro considerado no imaginrio social como tipicamente operrio e de classe mdia, mas fundamentalmente como um bairro: Villa Lugano. Os elementos signifi cativos referidos nos discursos dos moradores: solidariedade, tranquilidade, enraizamento, relaes de vizi-nhana, gosto, bondade, pobreza, familiaridade e tradio operria em con-junto conformam o eixo axiolgico da identidade barrial, defi nida como o conjunto de valores que servem de suporte ao sistema de representaes sim-blicas ou de produo ideolgica desses atores com referncia ao bairro.

    A identidade barrial, no entanto, no est livre de contradies, estas emetem a falta de controle de alguns aspectos das condies de existncia dos atores sociais: falta de controle da juventude e da mulher dentro da instituio familiar; a juventude praticante de delitos dentro de seu prprio bairro e as

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    Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre, ano 15, n. 32, p. 382-385, jul./dez. 2009

    Roberto Antonio Capiotti da Silva

    mudanas no bairro no que diz respeito aos servios urbanos, aos aconteci-mentos histricos e s transformaes sociais e econmicas, que minariam elementos tidos como signifi cativos: a familiaridade, tranquilidade, as rela-es de vizinhana e a prpria tradio operria com a diminuio do setor industrial.

    Partindo da contradio o autor passa para a oposio analisando um no-bairro, o conjunto habitacional Lugano Uno y Dos, classifi cado como prximo na geografi a e pertencente ao bairro formal, mas longe no signifi cado do que seria o bairro. Tal como um fantasma urbano, nas palavras do autor, o no-bairro representa uma marca simblica na cidade vivida como expe-rincia de maior carter imaginrio que de comprovao emprica.

    Nessa perspectiva, o complexo habitacional visto como resultado da modernidade, em oposio ao bairro tomado como tradicional e como fruto de invases ilegais rompendo a homogeneidade do barrial como valor, que estima a caracterstica popular do bairro, mas condena os vileiros preguiosos que no trabalham e que por incapacidade de adquirir moradias da forma legal invadiram o complexo. A nica soluo para estes seria a adaptao identi-dade barrial, o que possibilitaria a sua incluso ou a sua sada.

    Sob outro ponto de vista, o autor mostra que os habitantes do complexo se identifi cam como moradores do bairro e os jovens, apontados como os prin-cipais responsveis pelo rompimento da tranquilidade e da familiaridade pelos residentes tradicionais, so aqueles que se manifestam mais identifi cados com os valores do bairro.

    Na parte fi nal, o autor no apresenta concluses defi nitivas, mas uma perspectiva ampla que visa enriquecer a anlise e os futuros estudos, inventa-riando as mltiplas dimenses que conformariam o paradigma barrial. Este incluiria a dimenso estrutural do bairro, consequncia da apropriao desi-gual do excedente urbano, concretizada no processo de segregao, a sociali-dade, resultado da forma e signifi cado que adquirem as relaes interpessoais nos bairros, a identidade barrial entendida como a potencialidade do bairro de construir identidades sociais e a dimenso simblica, onde o bairro aparece como condensao de signifi cados que expressam confl itos estruturais, com capacidade de construir e ser construdo pelo imaginrio social.

    Numa sntese das ideias do autor, o barrial conforma um modelo de mundo, uma forma de posicionar-se ante o transcorrer do tempo histrico, uma maneira de relacionar-se com os outros e de defi nir quem so os outros.

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    Antropologa de lo barrial

    uma grande metfora social que utiliza o espao do bairro como pretexto para intercomunicar e relacionar outros sentidos mais profundos.

    Esse esforo monumental do autor de construir um modelo explicativo abarcando o imaginrio e a identidade social na conceituao do barrial acaba por afetar a construo textual tornando a obra pouco etnogrfi ca, mas esse detalhe no retira o mrito do estudo de privilegiar os aspectos sociais, sim-blicos e culturais que conformam os modos de habitar e usufruir os espaos urbanos e de propor novas formas de vislumbrar os problemas urbanos.

    Nesse sentido, a obra assume vital importncia no s para pesquisa-dores, estudantes e profi ssionais de antropologia, como tambm para todos aqueles que se interessam pelas questes e problemas urbanos.