antropologia cultural apostila

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Te r e s i n a / P I janeiro d e 2 0 1 2 Adriana Andrade Bahiense Elisabeth Feitosa da Silva Vera Bahiense

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  • Te r e s i n a / P I janeiro d e 2 0 1 2

    Adriana Andrade Bahiense

    Elisabeth Feitosa da Silva

    Vera Bahiense

  • 2 EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

  • 3EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    APRESENTAO

    Prezado aluno,

    A Faculdade Integrada do Brasil FAIBRA nasce, no incio da dcada de 2000, com a misso de integrar o Brasil na formao de professores para a Educao Bsica. O cenrio, quela poca, era desesperador: milhares de pessoas atuando na Educao Bsica sem a formao superior exigida por lei, no contexto da Dcada da Educao, objetivo maior do Governo Federal poca, preconizada pela LDB, na sua promulgao, em 1996.Passada a dcada de 2000-2010, tais objetivos no foram atingidos. A Dcada da Educao foi prorrogada, o Brasil conta hoje, segundo dados do INEP, de 2010, 623.825 professores sem formao superior, ou com formao diferente da rea que atuam, atuando na Educao Bsica. Na Regio Norte, este nmero de 74.821 mil docentes, no Nordeste, 295.345 mil. Metade deles, com toda a certeza, atuam na rea da Pedagogia.A partir de uma viso educacional contempornea, empreendedora, que alia princpios tericos fundantes da Pedagogia, a observao extrema da legalidade da educao superior e bsica, a um processo de gesto educacional dinmico e criativo, baseado na responsabilidade e na incluso social, a FAIBRA d incio a um processo que tem possibilitado a um grande nmero de professores em exerccio na educao bsica, o aperfeioamento e a concluso de estudos na rea da Pedagogia. O Programa de Educao Continuada PROEC, que oferece cursos ao nvel do aperfeioamento e da ps-graduao, utiliza, experimentalmente ao nvel do aperfeioamento, mtodo de ensino semi-presencial.Para seus processos de ensino-aprendizagem, ao nvel da graduao, da ps-graduao e do aperfeioamento, a FAIBRA produz este material que voc tem em mos. Ele fruto do trabalho da equipe que coordena o Ncleo de Educao Distncia NEAD/FAIBRA e que visa dar qualidade e mobilidade aos cursos oferecidos nos diferentes nveis de ensino e que j so base para o Credenciamento da FAIBRA no MEC, para a Educao Distncia, assim que o processo sejatotalmente homologado internamente. A FAIBRA, nunca demais ressaltar, tem a responsabilidade e executa todo o seu processo de ensino aprendizagem, mesmo que este aluno esteja longe de sua sede, no caso dos cursos de aperfeioamento e de ps-graduao. Para que possamos atuar em diferentes locais e possibilitar a incluso social de todos aqueles que nos procuram, contamos com parceiros que do suporte s atividades-meio dos nossos Ncleos de Educao Continuada. Assim, nossos alunos e professores contam com apoio administrativo local para desenvolverem seus processos de ensino, atividade-fim da Instituio. A Faculdade Integrada do Brasil FAIBRA cumpre sua misso de integrar o Brasil para a formao dos profissionais da Educao Bsica. Sentimo-nos honrados em ter voc como nosso aluno e contamos com seu empenho e dedicao para que este Curso seja um referencial na sua formao e atuao profissional. Conte com a FAIBRA atravs de cada um de seus colaboradores: tcnicos, docentes e parceiros. Eles esto sua inteira disposio.

    Profa. Dra. Vera Lcia Andrade BahienseDiretora Acadmica

  • 4 EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    FACULDADE INTEGRADA DO BRASIL FAIBRAMantida pela Associao Educacional Crist do Brasil AECB

    Credenciada pela Portaria MEC 114, de 12/01/2006.

    Diretor Geral Jonas Garcia Dias ([email protected])

    Endereos eletrnicos

    Pgina na Internet: www.faibra.edu.br

    E-mail: [email protected]

    Fone: (86) 3223-0805

    Projeto grfico, diagramao e arte final: Andr Brito

    Ficha Catalogrfica

    Educao e Antropologia Cultural. Org. BAHIENSE, Adriana, BAHIENSE, Vera L.A & SILVA,

    Elisabeth Feitosa da. Editora Faibra:Teresina, 2012.

    1. Antropologia. 2. Educao. 3. Educao e Antropologia Cultural. 4. Histria. 5. Cultura

  • 5EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    SUMRIO

    APRESENTAO........................................................................................................................ 02

    Para Comear .............................................................................................................................03

    Objetivos da Disciplina...............................................................................................................03

    Unidade I Pr Histria da Antropologia ...............................................................................04

    1.1 Introduo............................................................................................................................05

    1.2 Pr histria da Antropologia ...............................................................................................05

    1.3 A inveno do conceito de homem.......................................................................................08

    1.4 Os pesquisadores eruditos do sculo XIX............................................................................ 09

    1.5 Fundadores da Etnografia......................................................................................................10

    Leitura Complementar ..............................................................................................................11

    Unidade II Cultura Conceitos Bsicos e Perspectivas Principais ........................................14

    2.1 Homem, cultura e sociedade.................................................................................................15

    2.2 Cultura e construo social....................................................................................................16

    2.3 Cultura de massa: Industrializao Cultural............................................................................18

    Leitura Complementar...............................................................................................................19

    Unidade III Cultura na construo dos indivduos (As Identidades) Cultura

    Estruturante...............................................................................................................................22

    3.1 A Identidade Cultural na Ps - Modernidade.........................................................................23

    3.1.1 A identidade como valor....................................................................................................24

    3.1.2 Raa e identidade..............................................................................................................24

    3.1.3 Preconceito, esteretipos e discriminao..........................................................................25

    3.2 Identidades Socioculturais e a Realidade brasileira................................................................26

    3.2.1 Tentativas de se construir um carter de identidade nacional..............................................27

    3.2.2 A Imigrao das ideias: Onde tudo comeou......................................................................28

  • 6 EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    3.2.3 A Nossa identidade............................................................................................................29

    3.3 Subjetividade X Objetividade................................................................................................31

    3.4 A Educao e os Movimentos Sociais.....................................................................................32

    Leitura Complementar...............................................................................................................35

    Unidade IV Abordagem Antropolgica da educao: Contribuies para as anlises

    sociais .......................................................................................................................................384.1 O Campo e a abordagem antropolgica................................................................................39

    4.2 O homem em sociedade.......................................................................................................39

    4.3 O homem em sua diversidade...............................................................................................40

    4.4 A educao como preocupao............................................................................................41

    Leituras Complementares .........................................................................................................42

    Referncias ...............................................................................................................................47

    Sobre os Autores ........................................................................................................................56

  • 7EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    Para Comear...

    Prezado (a) aluno(a),

    A experincia de trabalhar a disciplina Educao e Antropologia Cultural realmente intrigante, portanto imprescindvel que obtenhamos conhecimentos especficos para desenvolver nossas atividades, mas sem ficarmos restritos a estes conhecimentos. Diante disso, a disciplina de Educao e Antropologia Cultural tem como objetivo principal dar aos alunos um maior conhecimento sobre a realidade em que vivemos e aguar nosso senso crtico, mas com a seriedade que somente o conhecimento acadmico pode proporcionar. O curso visa possibilitar a construo de um estudo antropolgico bsico, fundamentado em uma aproximao das abordagens tericas e metodolgicas de pesquisa que oferea ao estudante autonomia na anlise de questes ligadas a cultura, identidade e alteridade, alm de permitir uma compreenso de conceitos da Antropologia para a prtica docente, estimulando leituras sobre a escola e a educao.

    Portanto, fique atento ao material e siga a sequncia proposta para seus estudos, acompanhe as atividades sugeridas, de forma a aprimorar e aprofundar seu aprendizado.

    Objetivo da Disciplina:

    Levar o aluno a reflexo e investigao das relaes entre a sociedade, o indivduo e a cultura, na contemporaneidade, focalizando com especial relevo a educao e a escola, suas funes e relaes com a sociedade, o conhecimento e a construo de identidades pessoais, sociais e culturais.

  • 8 EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    UNIDADE I

    PR-HISTRIA DA

    Antropologia

    Objetivos especficos da unidade

    Entender o que a Antropologia e quais so seus pressupostos terico-metodolgicos. Compreender a Antropologia como uma Cincia que pesquisa o cotidiano scio-cultural da

    sociedade.

    Analisar a construo do conceito de cultura. Entender o processo de formao da Antropologia e seu campo de atuao.

  • 9EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    1. Introduo

    A Antropologia uma cincia social surgida no sculo XVIII. Porm, foi somente no sculo XIX que se organizou como disciplina cientfica. A palavra tem o seguinte significado: antropo = homem e logia = estudo.

    Estudo antropolgico

    Esta cincia estuda, principalmente, os costumes, crenas, hbitos e aspectos fsicos dos diferentes povos que habitaram e habitam o planeta. Portanto, os antroplogos estudam a diversidade cultural dos povos. Como cultura, podemos entender todo tipo de manifestao social. Modos, hbitos, comportamentos, folclore, rituais, crenas, mitos e outros aspectos que so fontes de pesquisa para os antroplogos. A estrutura fsica e a evoluo da espcie humana tambm fazem parte dos temas analisados pela Antropologia. Os antroplogos utilizam, como fontes de pesquisa, os livros, imagens, objetos, depoimentos, entre outras. Porm, as observaes, atravs da vivncia entre os povos ou comunidades estudadas, so comuns e fornecem muitas informaes teis ao antroplogo.

    1.2 Antroplogos Famosos da Histria:

    - Bronislaw Malinowski (1884-1942) valorizou o trabalho minucioso e o convvio com povos nativos como forma de obter informaes para o trabalho antropolgico.

    - Franz Boa (1858-1942) estudou vrios povos indgenas dos Estados Unidos.

    - Claude Levi-Strauss (1908-) criador do estruturalismo. Sua obra principal foi O pensamento selvagem.Extrado e adaptado de : http://www.suapesquisa.com/religiaosociais/Antropologia.htm

    1.2 Pr-histria da Antropologia

    O Renascimento explora espaos ainda desconhecidos e inicia discursos sobre habitantes que povoam aqueles lugares. A grande questo colocada a seguinte: aqueles que acabaram de ser descobertos pertencem humanidade? O selvagem tem uma alma? O pecado original tambm lhe diz respeito? Percebemos que, se no sculo XIV a questo colocada, no chega a ser solucionada e ser definitivamente resolvida apenas dois sculos depois.

    Nessa poca que se inicia um esboo sobre as duas ideologias concorrentes: a recusa do estranho, apreendido a partir de uma falta, e cujo corolrio a boa conscincia que se tem sobre si e sua sociedade; e a fascinao pelo estranho, cujo corolrio a m conscincia que se tem sobre si e sua sociedade.

    Segundo Laplatine (1988, p.38), desde a metade do sculo XIV, no debate que se torna uma controvrsia pblica entre o dominicano Las Casas e o jurista Sepulvera, esto colocados os prprios termos dessa dupla posio. Las Casas cita que queles que pretendem que os ndios sejam brbaros, responderemos que essas pessoas tm aldeias, vilas, cidades, reis, senhores e uma ordem poltica que, em alguns reinos, melhor que a nossa. Sepulvera relata que Aqueles que superam os outros em prudncia e razo, mesmo que no sejam superiores em fora fsica, so, por

  • 10 EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    natureza, os senhores; ao contrrio, porm, os preguiosos, os espritos lentos, mesmo que tenham as foras fsicas para cumprir todas as tarefas necessrias, so por natureza servos.

    As ideologias que esto por trs desse duplo discurso, permanecem vivas hoje, quatro sculos depois da polmica que opunha Las Casas a Sepulvera (LAPLATINE, 1988, p.39).

    Sculo XVIII

    At o Sculo XVIII, o saber antropolgico esteve presente na contribuio dos cronistas, viajantes, soldados, missionrios e comerciantes que discutiam, em relao aos povos que conheciam, a maneira como estes viviam a sua condio humana, cultivavam seus hbitos, normas, caractersticas, interpretavam os seus mitos, os seus rituais, a sua linguagem. S no sculo XVIII a Antropologia adquire a categoria de cincia, partindo das classificaes de Carlos Lineu e tendo como objeto a anlise das raas humanas. O legado desta poca foram os textos que descreviam as terras, a (Fauna, a Flora, a Topografia) e os povos descobertos (Hbitos e Crenas). Algumas obras que falavam dos indgenas brasileiros, por exemplo: A Carta de Pero Vaz de Caminha (Carta do Descobrimento do Brasil), os relatos de Hans Staden, Duas Viagens ao Brasil, os registros de Jean de Lry, a Viagem a Terra do Brasil, e a obra de Jean Baptiste Debret, a Viagem Pitoresca e Histrica ao Brasil. Alm destas, outras obras falavam ainda das terras recm-descobertas, como a carta de Colombo aos Reis Catlicos. Toda esta produo escrita levantou uma grande polmica acerca dos indgenas. A contribuio dos missionrios jesutas na Amrica (como Bartolomeu de Las Casas e Padre Acosta) ajudou a desenvolver a denominada teoria do bom selvagem, que via os ndios como detentores de uma natureza moral pura, modelo que devia ser assimilado pelos ocidentais. Esta teoria defendia a ideia de que cultura mais prxima do estado natural serviria de remdio aos males da civilizao.

    O sculo XIX

    No Sculo XIX, por volta de 1840, Boucher de Perthes utiliza o termo homem pr-histrico para discutir como seria sua vida cotidiana, a partir de achados arqueolgicos, como utenslios de pedra, cuja idade se estimava bastante remota. Posteriormente, em 1865, John Lubock reavaliou numerosos dados acerca da Cultura da Idade da Pedra e compilou uma classificao em que enumerava as diferenas culturais entre os perodos Paleoltico e Neoltico. Com a publicao de dois livros: A Origem das Espcies, em 1859 e A Descendncia do Homem, em 1871, Charles Darwin principia a sistematizao da teoria evolucionista. Partindo da discusso trazida tona por estes pesquisadores, nascia a Antropologia Biolgica ou Antropologia Fsica.

    A Antropologia Evolucionista

    Marcada pela discusso evolucionista, a Antropologia do Sculo XIX privilegiou o Darwinismo Social, que considerava a sociedade europeia da poca como o apogeu de um processo evolucionrio, em que as sociedades aborgenes eram tidas como exemplares, mas primitivas. Esta viso usava o conceito de civilizao para classificar, julgar e, posteriormente, justificar o domnio de outros povos. Esta maneira de ver o mundo a partir do conceito civilizacional, de superior, ignorando as diferenas em relao aos povos tidos como inferiores, recebe o nome de etnocentrismo. a Viso Etnocntrica, o conceito europeu do homem que se atribui o valor de civilizado, fazendo crer que os outros povos, como os das Ilhas da Oceania estavam situados fora da histria e da cultura. Esta afirmao est muito presente nos escritos de Pauw e Hegel.

  • 11EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    A figura do mau selvagem e do bom civilizado

    A antiguidade grega designava sob o nome de brbaro tudo o que no participava da helenidade (em referncia inarticulao do canto dos pssaros opostos significao da Linguagem humana), o Renascimento, nos sculos XVII e XVIII falavam de naturais ou de selvagens, opondo assim a animalidade humanidade. Para Laplatine (1988, p.40) o termo primitivo que triunfar no sculo XIX, enquanto na poca atual optamos por subdesenvolvidos.

    Entre os critrios utilizados a partir do sculo XIV pelos europeus para julgar se convm conferir aos ndios um estatuto humano, alm do critrio religioso, citaremos:

    DDSDUrQFLDItVLFDHOHVHVWmRQXVRXYHVWLGRVGHSHOHVGHDQLPDLV RV FRPSRUWDPHQWRV DOLPHQWDUHV HOHV FRPHP FDUQH FUXD H p WRGR R LPDJLQiULR GRcanibalismo que ir aqui se elaborar;

    DLQWHOLJrQFLDWDOFRPRSRGHVHUDSUHHQGLGDDSDUWLUGD/LQJXDJHPHOHVIDODPXPDOtQJXDininteligvel.

    Assim, no tendo alma, no acreditando em Deus, sendo assustadoramente feio, no tendo acesso linguagem e alimentando-se como um animal, o selvagem apreendido nos modos de um bestirio. Este discurso sobre a alteridade, que recorre constantemente metfora zoolgica, abre o grande leque das ausncias: sem arte, sem objetivo, sem moral, sem religio, sem razo, sem conscincia, sem lei, sem escrita, sem Estado, sem passado, sem futuro. De acordo com Laplatine (1988, p.41), Cornelius de Pauw acrescentar at, no sculo XVIII: sem barba, sem sobrancelhas, sem pelos, sem esprito, sem ardor para com sua fmea.

    No sculo XIX, Stanley, em seu livro dedicado pesquisa de Livingstone, compara os africanos aos macacos de um jardim zoolgico. Mais dois textos interessantes parecem muito reveladores desse pensamento que faz do selvagem o inverso do civilizado. So as Pesquisas sobre os Americanos ou Relatos Interessantes para servir Histria da Espcie Humana, de Cornelius de Pauw, publicado em 1774, e a famosa Introduo Filosofia da Histria, de Hegel (Laplatine, 1988, p.42).

    Laplatine (1988, p.43), aborda os seguintes aspectos:

    1) De Pauw nos prope suas reflexes sobre os ndios da Amrica do Norte. Sua convico a de que sobre estes ltimos a influncia da natureza total, ou mais precisamente negativa. Se essa raa inferior no tem histria e est para sempre condenada, por seu estado degenerado, a permanecer fora do movimento da Histria, a razo deve ser atribuda ao clima de uma extrema umidade. Eles tm, prossegue Pauw, um temperamento to mido quanto o ar e a terra onde vegetam e que explica que eles no tenham nenhum desejo sexual. Em suma, so infelizes que suportam todo o peso da vida agreste na escurido das florestas, parecem mais animais do que vegetais.

  • 12 EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    2) Ideias que sero retomadas e expressas nos mesmos termos em 1830, por Hegel, que em sua Introduo Filosofia da Histria, nos expe o horror que ele ressente frente ao estado de natureza, que o desses povos que jamais ascendero histria e conscincia de si.

    Na leitura desta Introduo, a frica, e, em especial, a frica profunda do interior, onde a civilizao nessa poca ainda no penetrou, que representa para o filsofo a forma mais nitidamente inferior entre todas nessa infra-humanidade.

    Tudo, na frica, nitidamente visto sob o signo da falta absoluta: os negros no respeitam nada, nem mesmo eles prprios, j que comem carne humana e fazem comrcio da carne de seus prximos. Vivendo em uma ferocidade bestial inconsciente de si mesmo, em uma selvageria, em estado bruto, eles no tm moral, nem instituies sociais, religio ou Estado. Petrificados, em uma desordem inexorvel, nada, nem mesmo as foras da colonizao, poder nunca preencher o fosso que os separa da histria universal da humanidade.

    A figura do bom selvagem e do mau civilizado

    A figura de uma natureza m na qual vegeta um selvagem embrutecido suscetvel de se transformar em seu oposto: a da boa natureza dispensando suas benfeitorias a um selvagem feliz. Os termos da atribuio permanecem da mesma forma que o par constitudo pelo sujeito do discurso (o civilizado) e seu objeto (o natural). O carter primitivo dessas sociedades sem escrita, sem tecnologia, sem economia, sem religio organizada, sem clero, sem sacerdotes, sem polcia, sem leis, sem Estado no constitui uma desvantagem. O selvagem no quem pensamos. A figura do bom selvagem s encontrar sua formulao mais sistemtica e mais radical dois sculos aps o Renascimento: no rousseausmo do sculo XVIII, e, em seguida, no Romantismo. Para Laplatine (1988, p.47), toda a reflexo de Lry e de Montaigne no sculo XVI sobre os naturais baseia-se sobre o tema da noo de crueldade respectiva de uns e outros, e, pela primeira vez, instaura-se uma crtica da civilizao e um elogio da ingenuidade original do estado da natureza. Lry, entre os Tupinambs, interroga-se sobre o que se passa aqum, isto , na Europa. Ele escreve, a respeito de nossos grandes usurios: Eles so mais cruis do que os selvagens dos quais estou falando. E Montaigne, sobre esses ltimos: Podemos, portanto, de fato cham-los de brbaros quanto as regras da razo, mas no quanto a ns mesmos que os superamos em toda sorte de barbrie. O selvagem ingressa progressivamente na filosofia, nos sales literrios e nos teatros parisienses. Em 1721, montado um espetculo intitulado O Arlequim Selvagem. O personagem de um Huron trazido para Paris declama no palco:

    Vocs so loucos, pois procuram com muito empenho uma infinidade de coisas inteis; vocs so pobres, pois limitam seus bens ao dinheiro, em vez de simplesmente gozar da criao, como ns, que no queremos nada a fim de desfrutar mais livremente de tudo (Laplatine,1988, p.49).

    o perodo que todos querem ver os Indes Galantes, a poca em que se exibem nas feiras verdadeiros selvagens. Manifestaes essas que constituem uma verdadeira acusao contra a civilizao.

  • 13EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    1.3 A inveno do conceito de homem

    Durante o Renascimento, esboou-se a primeira interrogao sobre a existncia mltipla do homem. Esta fechou-se muito rapidamente no sculo seguinte, no qual a evidncia do cdigo, fundador da ordem do pensamento clssico, excluiu da razo o louco, a criana, o selvagem, enquanto figuras da anormalidade. No sculo XVIII, constituiu-se o projeto de fundar uma cincia do homem, isto , de um saber no mais apenas especulativo, e sim positivo sobre o homem. Apenas no sculo XVIII, que se podem apreender as condies histricas, culturais e epistemolgicas de possibilidade daquilo que vai se tornar a Antropologia.

    O projeto antropolgico supe:

    1) A construo de um certo nmero de conceitos, iniciando pelo prprio conceito de homem, enquanto sujeito e objeto do saber; abordagem totalmente indita, j que consiste em introduzir dualidade caracterstica das cincias exatas (o sujeito observante e o objeto observado) no corao do prprio homem.

    2) A constituio de um saber que no seja apenas de reflexo, e sim de observao, isto , de um novo modo de acesso ao homem, que passa a ser considerado em sua existncia concreta, envolvida nas determinaes de seu organismo, de suas relaes de produo, de sua Linguagem, de suas instituies, de seus comportamentos. Assim comea a constituio dessa positividade de um saber emprico sobre o homem enquanto ser vivo (biologia), que trabalha (economia), pensa (psicologia) e fala (lingustica).

    3) Uma problemtica essencial: a da diferena. Coloca-se pela primeira vez no sculo XVIII a questo da relao ao impensado, bem como a dos possveis processos de reapropriao dos nossos condicionamentos fisiolgicos, das nossas relaes de produo, dos nossos sistemas de organizao social. Assim, inicia-se uma ruptura com o pensamento do mesmo, e a constituio da ideia de que a linguagem nos precede, pois somos antes exteriores a ela. Tais reflexes sobre os limites do prazer, assim como sobre as relaes de sentido e poder, eram inimaginveis antes. A sociedade do sculo XVIII vive uma crise da identidade do humanismo e da conscincia europia.

    4) Um mtodo de observao e anlise: o mtodo indutivo. Os grupos sociais podem ser considerados como sistemas naturais que devem ser estudados empiricamente, a partir da observao de fatos, a fim de extrair princpios gerais, que hoje chamaramos de leis. Esse naturalismo, que consiste numa emancipao definitiva em relao ao pensamento teolgico, impe-se em especial na Inglaterra, com Adam Smith e, antes dele, David Hume, que escreve em 1739 seu Tratado sobre a Natureza Humana. Os filsofos ingleses colocam as premissas de todas as pesquisas que procuraro fundar, no sculo XVIII, uma moral natural, um direito natural, ou ainda uma religio natural.

    Esse projeto de um conhecimento positivo do homem, isto , de um estudo de sua existncia emprica considerada por sua vez como objeto do saber, constitui um evento considervel na histria da humanidade. Um evento que se deu no Ocidente no sculo XVIII, que terminou impondo-se, j que se tornou definitivamente constitutivo da modernidade. A fim de avaliar melhor a natureza dessa verdadeira revoluo do pensamento que instaura uma ruptura tanto com o humanismo do Renascimento como com o racionalismo do sculo clssico - examinaremos mais de perto o que mudou radicalmente desde o sculo XVI.

  • 14 EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    1) Trata-se em primeiro lugar da natureza dos objetos observados. Os relatos dos viajantes dos sculos XVI e XVII eram mais uma cosmografia, do que uma pesquisa etnogrfica. O objeto de observao, nessa poca, era mais o cu, a terra, a fauna e a flora, do que o homem em si, e, quando se tratava deste, era essencialmente o homem fsico que era tomado em considerao. No sculo XVIII, traado o primeiro esboo daquilo que se tornar uma Antropologia social e cultural, constituindo-se inclusive, ao mesmo tempo, tomando como modelo a Antropologia fsica, e instaurando uma ruptura do monoplio desta.

    2) Simultaneamente, o destaque se desloca pouco a pouco do objeto de estudo para a atividade epistemolgica, que se torna cada vez mais organizada. No sculo XVIII, a questo : Como coletar? E como dominar em seguida o que foi coletado? No basta mais observar, preciso processar a observao. No basta mais interpretar o que observado, preciso interpretar interpretaes. E desse desdobramento, isto , desse discurso, que vai justamente brotar uma atividade de organizao e elaborao. O primeiro dar a essa atividade um nome: a etnologia.

    1.4 Os pesquisadores-eruditos do sculo XIX

    O sculo XVI descobre e explora espaos at ento desconhecidos e tem um discurso selvagem sobre os habitantes que povoavam esses lugares. Aps um parntese no sculo XVII, este discurso se organiza no sculo XVIII: ele iluminado luz dos filsofos, e a viagem se torna viagem filosfica. Mas a primeira tentativa de unificao, isto , de instaurao de redes entre esses lugares, e de reconstituio de temporalidades incontestavelmente obra do sculo XIX. O sculo XIX a poca durante a qual se constitui verdadeiramente a Antropologia enquanto disciplina autnoma: a cincia das sociedades primitivas em todas as suas dimenses (biolgica, tcnica, econmica, poltica, religiosa, lingstica e psicolgica). Com a revoluo industrial inglesa e a revoluo poltica francesa, percebe-se que a sociedade mudou e nunca mais voltar a ser o que era. A Europa se v confrontada a uma conjuntura indita. No sculo XIX, o contexto geopoltico totalmente novo: o perodo da conquista colonial, que desembocar em especial na assinatura, em 1885, do Tratado de Berlim, que rege a partilha da frica entre as potncias europeias e pe fim s soberanias africanas. no movimento dessa conquista que se constitui a Antropologia moderna, o antroplogo acompanhando de perto os passos do colono. Nessa poca, a frica, a ndia, a Austrlia, a Nova Zelndia passam a ser povoadas de um nmero considervel de emigrantes europeus. Uma rede de informaes se instala; so os questionrios enviados por pesquisadores das metrpoles para os quatro cantos do mundo, e cujas respostas constituem os materiais de reflexo das primeiras grandes obras de Antropologia que se sucedero em ritmo regular durante toda a segunda metade do sculo. Algumas obras publicadas neste sculo, tm uma ambio considervel seu objetivo no nada menos que o estabelecimento de um verdadeiro corpus etnogrfico da humanidade caracterizam-se por uma mudana radical de perspectiva em relao poca das luzes: o indgena das sociedades extra-europeias no mais o selvagem do sculo XVIII, tornou-se o primitivo, isto , o ancestral do civilizado, destinado a reencontr-lo. A colonizao atuar nesse sentido. Assim a Antropologia, conhecimento do primitivo, fica indissociavelmente ligada ao conhecimento da nossa origem, ou seja, das formas simples de organizao social e que evoluram para as formas mais complexas das nossas sociedades. Observaremos mais adiante, em que consiste o pensamento terico dessa Antropologia que se qualifica de evolucionista. Existe uma espcie humana idntica, mas que se desenvolve em ritmos desiguais, de acordo com as populaes, passando pelas mesmas etapas, para alcanar o nvel final que o da civilizao. A partir disso, convm procurar determinar cientificamente a

  • 15EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    sequncia dos estgios dessas transformaes.

    Para Laplatine (1988 p. 65-66), o evolucionismo encontrar sua formulao mais sistemtica e mais elaborada na obra de Morgan, e particularmente em Ancient Society, que se tornar o documento de referncia adotado pela imensa maioria dos antroplogos do final do sculo XIX. Enquanto para Pauw ou Hegel as populaes no civilizadas so populaes que, alm de se situarem enquanto espcies fora da Histria, no tm histria em sua existncia individual, Haeckel afirma rigorosamente o contrrio: a ontognese reproduz a filognese; ou seja, o indivduo atravessa as mesmas fases que a histria das espcies. Disso decorre a identificao dos povos primitivos aos vestgios da infncia da humanidade. A Antropologia do sculo XIX, que pretende ser cientfica, a considervel ateno dada: 1) a essas populaes que aparecem como sendo as mais arcaicas do mundo: os aborgines australianos, 2) ao estudo do parentesco, 3) e ao da religio. Parentesco e religio so, nessa poca, as duas grandes reas da Antropologia, ou, mais especificamente, as duas vias de acesso privilegiadas ao conhecimento das sociedades no ocidentais; elas permanecem ainda, os dois nmeros resistentes da pesquisa dos antroplogos contemporneos.

    1.5 Fundadores da Etnografia

    A etnografia, propriamente dita, s comea a existir a partir do momento no qual se percebe que o pesquisador deve ele mesmo efetuar no campo sua prpria pesquisa, e que esse trabalho de observao direta parte integrante da pesquisa. Segundo Laplatine (1988, p. 77), com Boas (1858-1942) assistimos a uma verdadeira virada da prtica antropolgica. Ele era antes de tudo um homem de campo. Suas pesquisas totalmente pioneiras foram iniciadas a partir dos ltimos anos do sculo XIX. No campo, ensina Boas, tudo deve ser anotado detalhadamente. Tudo deve ser objeto da descrio mais meticulosa, da transcrio mais fiel. Para Laplatine (1988,p.77-78), o primeiro a formular com seus colaboradores (em particular Lowie, 1971) a crtica mais radical e mais elaborada das noes de origem e de reconstituio dos estgios, Boas mostra que um costume s tem significao se for relacionado ao contexto particular no qual se inscreve. Morgan e Montesquieu tinham aberto o caminho a essa pesquisa cujo objeto a totalidade das relaes sociais e dos elementos que a constituem. Mas a diferena que, a partir de Boas, estima-se que, para compreender o lugar particular ocupado por esse costume, no se pode mais confiar nos investigadores e, muito menos nos que, da metrpole, confiam neles.Apenas o antroplogo pode dar conta cientificamente de uma microssociedade, apreendida em sua totalidade e considerada em sua autonomia terica. Assim, o terico e o observador esto finalmente reunidos pela primeira vez. Assistimos ao nascimento de uma verdadeira etnografia profissional, que no se contenta mais em coletar materiais a maneira dos antiqurios, mas procura detectar o que faz a unidade da cultura, que se expressa atravs dessas diferentes matrias. (idem, p. 77-78). Por outro lado, Boas considera que no h objeto nobre, nem objeto indigno da cincia. Em especial, a maneira pela qual as sociedades tradicionais, na voz dos mais humildes entre eles, classificam suas atividades mentais e sociais, deve ser levada em considerao. Boas anuncia, assim, a constituio do que hoje chamamos de etnocincias (idem, p.78). Ele foi um dos primeiros a nos mostrar a importncia e a necessidade para o etnlogo, do acesso a lngua da cultura na qual trabalha. A sua preocupao de preciso na descrio dos fatos observados, acrescentava-se a de conservao metdica do patrimnio recolhido.

  • 16 EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    Finalmente, foi, enquanto professor, o grande pedagogo que formou a primeira gerao de antroplogos americanos e permanece sendo o mestre incontestado da Antropologia americana na primeira metade do sculo XX.

    Malinowski (1884-1942) dominou incontestavelmente a cena antropolgica de 1922, ano de publicao de sua primeira obra, Os Argonautas do Pacfico Ocidental, at sua morte, em 1942. Ele no foi o primeiro a conduzir cientificamente uma experincia etnogrfica, isto , em primeiro lugar, a viver com as populaes que estudava e a recolher seus materiais de seus idiomas, mas radicalizou essa compreenso por dentro, e para isso, procurou romper ao mximo os contatos com o mundo europeu (idem, p.79-80).

    Ningum antes dele tinha se esforado a fundo na mentalidade dos outros, e em compreender por dentro, por uma verdadeira busca de despersonalizao, o que sentem os homens e as mulheres que pertencem a uma cultura que no nossa.

    De acordo com Laplatine (1988, p.80) instaurando uma ruptura com a histria conjetural (a reconstituio especulativa dos estgios), e tambm com a geografia especulativa (a teoria difusionista, que tende, no incio do sculo, a ocupar o lugar do evolucionismo), Malinowski considera que uma sociedade deve ser estudada enquanto uma totalidade.

    Nesta poca, a Antropologia se torna uma cincia da alteridade que vira as costas ao empreendimento evolucionista de constituio das origens da civilizao, e se dedica ao estudo das lgicas particulares caractersticas de cada cultura. O que o leitor aprende ao ler Os Argonautas que os costumes dos Trobriandeses, to profundamente diferentes dos nossos, tm uma significao e uma coerncia.

    A fim de pensar essa coerncia interna, elaborada uma teoria (o funcionalismo) que tira o modelo das cincias da natureza: o indivduo sente um certo nmero de necessidades, e cada cultura tem precisamente como funo a de satisfazer sua maneira essas necessidades fundamentais. Cada uma realiza isso elaborando instituies (economias, polticas, jurdicas, educativas...), fornecendo respostas coletivas organizadas, que constituem, cada uma a seu modo, solues originais que permitem atender a essas necessidades.

    O autor nos mostra que (1988, p. 82), para Malinowski h uma preocupao em abrir as fronteiras disciplinares, devendo o homem ser estudado atravs da tripla articulao do social, do psicolgico e do biolgico, mas para ele, convm em primeiro lugar, localizar a relao estreita do social e do biolgico, j que, para ele, uma sociedade funcionando como um organismo, as relaes biolgicas devem ser consideradas no apenas como o modelo epistemolgico que permite pensar as relaes sociais, e sim como o seu prprio fundamento. Alm disso, uma verdadeira cincia da sociedade inclui o estudo das motivaes psicolgicas, dos comportamentos, o estudo dos sonhos e dos desejos do indivduo.

    Malinowski, quanto a esse aspecto, vai muito alm da anlise da afetividade de seus interlocutores. Ele procura reviver nele prprio os sentimentos dos outros, fazendo da observao participante uma participao psicolgica do pesquisador, que deve compreender e compartilhar os sentimentos destes ltimos interiorizando suas reaes emotivas (idem, 1988, p.82).

  • 17EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    Leitura Complementar

    OS MENINOS LOBO

    Autor: Cludio de Moura Castro

    No velho conto de Rudyard Kipling Mogli, o Menino-Lobo, o autor descreve uma criana que, adotada por uma loba, cresce sem jamais haver usado uma s palavra humana, at ser encontrada e se integrar sociedade. O conto atraente, mas cientificamente absurdo. Porm, houve outros casos, supostamente reais, de crianas criadas por animais. E tambm casos reais (at recentes) de crianas que cresceram isoladas e sem oportunidades de aprender a falar. Faz tempo, meninos-lobo e outros jovens criados sem interao humana despertaram o interesse da psicologia cognitiva e da lingustica. A razo que seria um experimento natural que permitiria responder a uma pergunta crucial: esses jovens, sem conhecer palavras, poderiam pensar como os demais humanos? A questo em pauta era decidir se pensamos porque temos palavras ou se seria possvel pensar sem elas. Como os meninos-lobo no conheciam palavras, se podiam pensar, teria de ser sem elas. Nos diferentes casos de crianas criadas em isolamento, ficou clara a enorme dificuldade de ajustamento que elas encontraram ao ser reabsorvidas pela sociedade. Muitas jamais se ajustaram, fosse pelo trauma do isolamento, fosse pela impossibilidade de pensar humanamente sem palavras. Mas o fato que no desenvolveram um raciocnio (abstrato) classicamente humano. O interesse pelos meninos-lobo feneceu. Mas se aprendeu muito desde ento, e hoje no se acredita que o pensamento sem palavras seja possvel, pelo menos, o pensamento simblico que a marca dos seres humanos. Ou seja, Mogli no seria capaz de pensar. Vivemos em um mundo de palavras, diz o celebrado antroplogo Richard Leakey. Nossos pensamentos, o mundo de nossa imaginao, nossas comunicaes e nossa rica cultura so tecidos nos teares da Linguagem; ... A Linguagem o nosso meio ... a Linguagem que separa os humanos do resto da natureza. Para o neuropaleontlogo Harry Jerison, precisamos de um crebro grande (trs vezes maior do que o de outros primatas) para lidar com as exigncias da Linguagem. Portanto, se pensamos com palavras e com as conexes entre elas, a nossa capacidade de usar palavras tem muito a ver com a nossa capacidade de pensar. Dito de outra forma, pensar bem o resultado de saber lidar com palavras e com a sintaxe que conecta uma com a outra. O psiclogo Howard Gardner, com sua tese sobre as mltiplas inteligncias, talvez diga que Garrincha tinha uma inteligncia futebolstca que no transitava por palavras. Mas grande parte do nosso mundo moderno requer a inteligncia que se estrutura por intermdio das palavras. Quem no aprendeu bem a usar palavras no sabe pensar. No limite, quem sabe poucas palavras ou s usa mal tem um pensamento encolhido. Talvez veredicto mais brutal sobre o assunto tenha sido oferecido pelo filsofo Ludwig Wittgenstein: Os limites da minha Linguagem so tambm os limites do meu pensamento. Simplificando um pouco, o bem pensar quase que se confunde com a competncia de bem usar as palavras. Nesse particular no temos dvidas: a educao tem muitssimo a ver com o desenvolvimento da nossa capacidade de usar a Linguagem. Portanto, o bom ensino tem como alvo nmero 1 a competncia lingustica. Pelos testes do Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica (Saeb), na 4 srie, 50% dos brasileiros so funcionalmente analfabetos. Segundo o Programa Internacional de Avaliao de Alunos (Pisa), a

  • 18 EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    capacidade Iingustica do aluno brasileiro corresponde de um europeu com quatro anos a menos de escolaridade. Sendo assim, o nosso processo educativo deve se preocupar centralmente com as falhas na capacidade de compreenso e expresso verbal dos alunos. Ao estudar a Inconfidncia Mineira, a teoria da evoluo das espcies ou os afluentes do Amazonas, o aprendizado mais importante se d no manejo da lngua. ler com fluncia e entender o que est escrito. expressar-se por escrito com preciso e elegncia. transitar na relao rigorosa entre palavras e significados.

    No conto, Mogli se ajustou vida civilizada. Infelizmente para ns, Kipling estava cientificamente errado. Nossa juventude estar mal preparada para a sociedade civilizada se insistirmos em uma educao que produz uma competncia lingustica pouco melhor do que a de meninos-lobo.

    Atividade

    Assista ao Filme: A guerra do fogo Sinopse: Estudo profundo e delicado sobre a descoberta do fogo na pr-histria. Coube a Burgess criar uma linguagem falada e ao etnlogo Desmond Morris a linguagem corporal e gestual das tribos beneficiadas pelo fogo. Baseado no livro de J.H. Rosny Sr.

    Disponvel gratuitamente em: http://www.redefilmesonline.net/2010/11/guerra-do-fogo-dublado-ver-filme-online.html

  • 19EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    Atividades

    1) Que aspectos das relaes sociais mais chamou a sua ateno no filme?

    2) possvel identificar instituies sociais presentes na trama? Caso seja, qual o papel e a importncia de cada uma no contexto do filme?

    3) Faa uma anlise das questes referentes descoberta, construo, preservao e repasse do conhecimento.

    4) Relacione e analise os aspectos educacionais que aparecem na trama e quais as implicaes para o processo de educao dos indivduos?

    5) Como podemos explicar as relaes entre os diferentes grupos componentes do cenrio, internamente e com os outros grupos?

    6) possvel perceber como se dava a educao naquele contexto?

    7) Como voc analisa o papel da liderana naquele contexto e as suas contribuies para a educao, a busca e preservao do conhecimento?

    8) Analise a situao da mulher no contexto do filme, especialmente no tocante educao.

    9) Faa a sua avaliao pessoal sobre o filme abordando outros aspectos no relacionados nesta relao de questes.

    Dica de vdeo!Aula explicativa sobre Antropologia Cultural

    Disponvel em: http://www.youtube.com/watch?v=HYpdrrSljNs&feature=relatedDica de leitura

    Na internet...

    Leia o texto:

    Etnografia

    Autor: Fernando Rebouas

    Disponvel em: http://www.infoescola.com/Antropologia/etnografia/

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    UNIDADE II

    CULTURA CONCEITOS

    BSICOS E PERSPECTIVAS

    PRINCIPAIS

    Objetivos especficos da unidade:

    Entender a cultura e a diversidade cultural.

    Aprender sobre a importncia da Antropologia como cincia que busca compreender o outro e diferente.

    Compreender que nossa cultura e sociedade no so as nicas, nem as mais verdadeiras, originais e autnticas.

  • 21EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    2.1 Homem, cultura e sociedade

    Desde muito cedo percebemos as diferenas existentes entre o ser humano e os demais seres vivos, sobretudo os animais. Os animais constroem moradia como, por exemplo, os pssaros, buscando assim nova adaptao quando os recursos utilizados deixaram de existir, diferentemente de ns seres humanos que utilizamos vrias formas de materiais para construir nossas habitaes.

    Nos tempos primitivos, ou seja, das cavernas, ao longo de milnios, o homem passou a empregar variedades de formas e materiais sempre almejando a melhor proteo contra o frio, calor, os animais selvagens, entre outros. As comunidades foram tornando-se mais complexas com a descoberta do fogo, da fabricao de metais, utilizao da argila, da madeira, e comearam a construir casas mais bem elaboradas, conforme a organizao social e o estgio de desenvolvimento tecnolgico em que se encontravam e se encontram atualmente.

    medida que a linguagem, pensamento e uso de ferramentas possibilitaram s comunidades alterar suas estratgias de sobrevivncia - modos de produo agrcola, armazenamento e comercializao de seus produtos - comea a surgir a cultura, ou seja, o homem comea a criar cultura.

    Segundo Vannucchi (1999, p.23), a cultura tudo que no natureza. Por sua vez, toda ao humana na natureza e com a natureza. Contudo, pode-se dizer que a terra natureza, mas o plantio cultura. O mar natureza, mas a navegao cultura.

    A sociologia preocupa-se em entender a cultura, mas na Antropologia que o seu estudo aprimorado, pois a cincia que estuda o homem e as suas obras, ou seja, a cultura. Estuda tambm as semelhanas e diferenas humanas. No sculo XIX, quando iniciaram estudos sobre comunidades, os etnlogos conceituaram essas comunidades sob a tica etnocntrica, contribuindo para instituir as posies preconceituosas sobre suas culturas, inserido-as em estgios inferiores nossa sociedade dita civilizada, a partir da abordagem positivista e funcionalista.

    por esta tica que os colonizadores, quando chegaram nas Amricas e na frica, designaram as comunidades de selvagens, primitivas, sem cultura, portanto inferiores, podendo ser subjugadas, utilizando-os como subalternos, serviais e escravos.

    A etnologia, cincia que estuda o conjunto das caractersticas de cada etnia, foi questionada pelos antroplogos na segunda metade do sculo XX, pois as abordagens sero inseridas na noo de que culturas diferentes no implicam desigualdade e inferioridade. Portanto, a cultura foco central para o campo da Antropologia, ou seja, para essa cincia, a definio de cultura diz respeito a vrias reas do saber humano, tais como a agronomia, biologia, artes, literatura, histria etc.

    No sentido amplo, a palavra cultural toda atividade humana que altera a natureza, constri valores em todas as reas. Cultura tudo o que os seres humanos constroem. Com base nesse sentido, o autor Paulo Freire contribui com significativas prticas sociais e educacionais ao estimular os adultos analfabetos a se perceberem sujeitos ativos da cultura, pelas atividades que executam socialmente. Exemplo disso quando construdo um poo para armazenar gua, ou plantar uma roa, s com a sabedoria prtica.

    Contudo as variaes culturais entre os seres humanos so ligadas aos diferentes tipos de sociedades, em nveis regionais e locais. A discusso sobre cultura geralmente colocada separadamente da sociedade como se estas fossem dissociveis, mas observa-se que elas so at muito mais unidas do que deveriam ser. A mudana social um fator que leva ao desenvolvimento

  • 22 EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    humano. preciso perceber que a cultura transmitida de gerao gerao, muitas vezes, formalmente pela escrita e outras vezes pela oralidade. Em ambos os casos a cultura herdada e recriada. E a aprendizagem cultural se d quando elementos culturais so compartilhados por membros da sociedade e tornam possvel a cooperao e a comunicao.

    Componentes da Cultura

    A cultura de uma sociedade expressa por valores tais como: crenas, ideias, smbolos, como objetos, e todo o conjunto construdo operacionalmente a partir da experincia, de tcnicas, tecnologias e teorias, em cada poca histrica. Em Giddens (2005, p.38), a cultura refere-se s formas de vida dos membros de uma sociedade ou de grupos dentro da sociedade, pois sempre que pensamos no termo cultura imaginamos que so coisas mais distantes do nosso cotidiano como a arte, a literatura, pintura, msica erudita, mas a cultura to presente no nosso dia-a-dia que a todo momento a estamos compartilhando com o prximo. Segundo Marconi (2005, p.46), a cultura pode ser classificada por diversas maneiras como:

    Material - coisas materiais, bens produzidos, incluindo instrumentos, artefatos e outros objetos materiais, frutos da criao humana e resultante de determinada tecnologia.

    Imaterial - elementos da cultura que no tem substncia material como valores espirituais, morais, crenas, normas, hbitos, cujos significados so adotados e praticados pelo conjunto de grupos sociais.

    Real - todos os membros da sociedade praticam ou pensam em suas atividades cotidianas.

    Ideal - comportamentos expressos verbalmente como bens, perfeitos, para o grupo, mas que nem sempre so praticados.

    Percebe-se que estes valores so transmitidos de uma gerao para outra, levando a uma determinada cultura, que pode ser tambm interpretado como a tradio de um povo, e essas tradies so transformadas ao longo do tempo pela economia, tecnologia, saber cientfico entre outros fatores.

    Existem dois aspectos importantes que devem ser trabalhados para abordar o conceito de difuso cultural, essenciais para se compreender a dinmica cultural existente. Dentre estes fatores esto a aculturao, ou seja, a fuso de duas culturas que, entrando em contato contnuo, origina mudana nos padres da cultura de ambos os grupos, e a endoculturao, que o processo de aprendizagem e educao em uma cultura desde a infncia, cada indivduo adquire as crenas, o comportamento, os modos de vida da sociedade a que pertence. o processo de socializao. De acordo com Marconi (1998, p.64), a difuso cultural o processo na dinmica cultural, em que os elementos ou complexos culturais se difundem de uma sociedade a outra.

    O trao cultural que copiado de uma outra cultura, geralmente reinventado pela sociedade que o copiou, e no permanece do mesmo jeito, podendo mudar de significado, forma e funo. Isso assegura o carter dinmico da cultura, pois ela no esttica.

  • 23EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    2.2 Cultura e construo social

    A cultura feita pelo homem para satisfazer suas necessidades, pois atravs da cultura que ele constri a si mesmo e a sociedade. Todos somos frutos da cultura, seja ele de um determinado lugar ou tempo. atravs dela que criamos os meios necessrios para nossa sobrevivncia, com o nosso jeito de ser, nossa viso de mundo, com valores, crenas, princpios, normas, regras e leis.

    O homem est em uma posio diferenciada dos outros seres, pois ele se relaciona no seu desenvolvimento, no somente com o ambiente natural, mas tambm com uma ordem eventual e social especfica. A humanizao varivel no sentido scio-cultural, pois no existe natureza humana no sentido substrato, biologicamente fixa, que determine a variabilidade das formaes, embora seja possvel dizer que o homem tem uma natureza mais significativa, pois constri sua prpria natureza.

    Para compreendermos a realidade pessoal e social de algum, preciso entender o seu contexto social e histrico, pois os elementos culturais podem ser vistos de maneiras diferentes pela representao que os mesmos possuem em uma determinada circunstncia. atravs destas maneiras que se tem a ordem social, e ela existe como produto da atividade humana, j que isolado o homem no produz um ambiente humano; a ordem social, como produto humano, interiorizada no processo de socializao.

    A cultura um aspecto essencial e presente na vida do homem, pois define todo nosso jeito de ser, sendo a nossa prpria maneira de pensar e viver. Mas entende-se que existem culturas diferentes, na sociedade, aprender a conviver com essas diferenas se torna essencial e necessrio, tendo em vista que estamos em um mundo formado por diversas culturas, que muito se relacionamconstantemente pela facilidade do transporte e tecnologias criadas.

    Os valores e costumes entre as culturas podem ser vistos no exemplo citado por Giddens (2005, p.39), quando cita que os judeus no comem porco, enquanto os indianos comem porco, mas evitam carne de gado. Todos esses diversos aspectos de comportamento so considerados como exemplos de amplas diferenas culturais que distinguem as sociedades umas das outras.

    Para muitos estudiosos socilogos, as sociedades podem ser monoculturais e multiculturais, entretanto alguns antroplogos consideram que todas as sociedades formam-se com o entrosamento e a miscigenao de vrios povos, desde os primitivos.

    Giddens retrata que a sociedade japonesa um exemplo de monocultura, mas possvel perceber que, embora o Japo tenha traos fortssimos de uma sociedade tradicional, ela no pode ser considerada monocultural, porque vem sofrendo intensas modificaes em todas as reas de sua cultura, seja pela difuso da cultura ocidental, ou por outros aspectos.

    No Brasil, pode-se afirmar que acontece a mesma coisa. Observa-se que ter uma identidade cultural que diferencia um povo de outro, no implica considerar determinado pas como sendo exemplo de monocultura.

    A identidade cultural vai forjando novas identidades para as sociedades, Com a passagem do tempo, temos transformaes sociais que levam a outras maneiras de viver e perceber o mundo. Este assunto ser mais bem trabalhado no decorrer desta apostila.

    Segundo alguns antroplogos, as diferenas culturais nos emitem dois conceitos importantes, e que no podem ser deixados de lado como: o etnocentrismo (tendncia a privilegiar a cultura

  • 24 EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    de sua prpria sociedade para analisar outras sociedades) e o relativismo (os indivduos so condicionados a um modo de vida especfico e particular por meio do processo de endoculturao). Atravs do relativismo, o ser humano adquire seus prprios valores e sua integridade cultural; j o etnocentrismo significa a supervalorizao da prpria cultura em detrimento das demais. Neste contexto, Giddens (2005, p.40) relata:

    Toda cultura tem seus prprios padres de comportamento, os quais parecem estranhos s pessoas de outras formaes culturais. Se voc j viajou para o exterior, provavelmente est familiarizado com a sensao que pode resultar quando voc se encontra em uma nova cultura. Aspectos da vida cotidiana que voc inconscientemente toma como comuns em sua prpria cultura podem no ser parte da vida diria em outras partes do mundo. Mesmo em pases que compartilham a mesma lngua, hbitos cotidianos, costumes e comportamentos podem ser diferentes. A expresso choque cultural realmente apropriada! Frequentemente as pessoas se sentem desorientadas quando ficam imersas em uma nova cultura. Isso acontece por que elas perderam pontos de referncia familiares que as ajudavam a entender o mundo ao seu redor e ainda no aprenderam como navegar em uma nova cultura.

    Os estudiosos de sociologia querem evitar o etnocentrismo, que como j foi visto, a prtica de julgar outras culturas. Uma vez que as culturas variam tanto, reluzente que as pessoas vindas de uma cultura amena, achem difcil simpatizar com as ideias ou comportamentos daqueles de uma cultura diferente.

    Portanto, o relativismo pode ser repleto de incertezas e desafios, uma vez que suspender suas prprias crenas culturais sustentadas e examinar uma situao de acordo com os padres de uma outra cultura, ter uma viso completamente diferente e levantar questes preocupantes.

    importante destacar que existem as mais variadas formas de expresso da cultura, assim como cada localidade constri seu universo cultural; portanto, preciso compreender as diferenas entre as diversas sociedades e como, ao longo da histria, as sociedades valorizam seu universo cultural diante das outras sociedades. Uma vez que este tema bastante presente em nosso cotidiano, pois todos ns temos cultura e a nossa convivncia diria cria e recria os valores culturais constantemente, preciso compreender o ser humano como produtor de cultura desde o princpio da sua histria em sociedade, assim como os vrios artifcios por ele produzidos. A Antropologia vem para nos ajudar a compreender as diversas correntes de pensamento e conceitos que descrevem o universo cultural do homem e seu espao social.

    A cultura pode ser classificada de duas formas: cultura erudita, ou seja, o plano da escrita e da leitura, do saber universitrio, dos debates, da teoria e do pensamento cientfico e cultura popular, que a produo espontnea de um povo na sua vivncia cotidiana, assim como as expresses, conforme a rea produzida, transmitidas pela oralidade.

    Entretanto, no existe uma dicotomia pura entre prticas populares e prticas eruditas. As produes se influenciam mutuamente, no processo histrico. Por exemplo, os processos de intercmbio e influncias nas escolas de samba. Vejamos que a raiz do samba remonta aos povos africanos que para aqui vieram. No Brasil, ao longo dos sculos, foram criadas formas prprias de composio musical e temtica, como o samba de quintal carioca, e outras variaes conforme os estados. Os desfiles das escolas de samba nos anos 30 do sculo XX seguiam normas estabelecidas pela ditadura de Vargas, e, quanto aos temas, deveriam ser histricos e nacionais.

    Hoje so contratados pelas escolas de samba estilistas e coregrafos consagrados pela mdia, alm de modelos, artistas famosos de TV que desfilam com papis de destaque nas escolas. Quando pensamos em cultura popular, logo nos lembramos do carnaval, folias de reis, So Joo e bumba

  • 25EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    meu boi. Agora preciso nos indagar ao tentar compreender a cultura. Ser que a cultura brasileira isso tudo? Ser que s isto? preciso entender por que e por quem ela produzida, e como, quando e por quem consumida.

    A cultura popular existe tambm nos pases mais industrializados, embora tenha um significado especial nas sociedades chamadas de Terceiro Mundo, pelo fato de compreender um grande nmero de subculturas das quais participa uma parcela significativa da populao.

    2.3 Cultura de massa: Industrializao cultural

    Alm destas duas formas culturais estudadas podemos falar tambm da cultura de massa, nesse tipo de cultura temos uma produo industrial da cultura que vende mercadorias; mais do que isso, vende imagens do mundo e faz propaganda, para assim permanecer.

    A industrializao de cultura visa exclusivamente o consumo, buscando a integrao dos consumidores, as mercadorias culturais, agindo como uma ponte nociva entre a cultura erudita e a popular; ela nociva porque retira a seriedade da primeira e a autenticidade da segunda.

    Os meios de comunicao exercem um papel significativo nesse processo de industrializao da cultura. atravs destes meios tecnolgicos, mais precisamente o rdio e a televiso, que a cultura dizimada. Um exemplo disso so alguns cantores que ao se tornarem produtos conhecidos nacionalmente vo se afastando de suas origens pela necessidade de se manterem no mercado, atingindo grandes massas, demonstrando isso no modo de se vestirem, falarem e na linguagem das composies. Isso perceptvel principalmente nas duplas sertanejas na nossa atualidade.

    A cultura erudita tem forte ligao com a classe burguesa e o perodo do surgimento do Renascimento um marco dessa relao. Desde sua origem, a burguesia preocupou-se com a transmisso de seus conhecimentos aos seus pares, a partir de instituies como as universidades, as academias e as ordens profissionais. Com o passar dos sculos e com o processo de escolarizao, a cultura dessa elite burguesa tomou corpo, desenvolveu-se e requintou-se com a tecnologia. Essa cultura erudita ou superior, tambm designada cultura de elite, foi se distanciando da maioria da populao, pois era feita pela burguesia.

    Sobre a influncia da tecnologia na cultura, Oliveira (2001, p. 158) cita:

    A partir do final do sculo XIX, a industrializao em larga escala atingiu tambm os elementos da cultura erudita e da popular, dando incio indstria cultural. O incessante desenvolvimento da tecnologia, tornando-se cada vez mais sofisticada, principalmente nos meios de comunicao, passou a atingir um grande nmero de pessoas, dando origem cultura de massa. Ao contrrio das culturas eruditas e popular, a cultura de massa no est ligada a nenhum grupo social especfico, pois transmitida de maneira industrializada para um pblico generalizado, de diferentes camadas socioeconmicas. O que temos ento, a formao de um enorme mercado de consumidores em potencial, atrados pelos produtos oferecidos pela industria cultural.

  • 26 EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    A cultura de massa possui significativa relao com a sociedade de consumo, por seguirem a mesma lgica que a da indstria com a produo em srie. Contudo, possvel perceber que, ao produzir para as massas, ou seja, em grandes quantidades, cria-se a necessidade daquele produto apelando para o seu valor artstico.

    Por conseguinte, h estudiosos que consideram importante a difuso da cultura pela mdia para a sociedade em todos os seus aspectos, pois visa a democratizao e a socializao das informaes; para eles no se pode radicalizar nem a anlise posta em termos de separao absoluta das duas culturas, nem em relao ao papel da mdia como divulgadora de uma cultura de massa, o que s traria prejuzos para os dois tipos de cultura.

    Entende-se que a realidade muito diversificada, cada lugar e cada poca tem os seus produtos culturais, aquilo que importante num perodo da histria pode no ser no outro.

    Representaes simblicas

    Existem alguns processos simblicos presentes na nossa sociedade, como a religio, com destaque a religio catlica, as influncias do candombl, da magia e suas formas de representaes simblicas construdas historicamente no Brasil, tambm a expanso das igrejas evanglicas na sociedade brasileira contempornea e as consequncias para o imaginrio social.

    Toda religio cria uma srie de smbolos e ritos que devem ser praticados pelos fiis nos seus templos ou fora deles, para manter os laos e vnculos com os fiis. O maior ou menor grau de poder poltico, social e cultural de uma instituio religiosa varia conforme a poca histrica.

    A partir de cristo no mundo ocidental instituram-se religies diferenciadas como a catlica romana, a ortodoxa oriental, a igreja anglicana, o protestantismo com suas vrias igrejas, hoje denominadas evanglicas. Surgem tambm as religies espritas.

    com a cumplicidade da religio que imprios foram erguidos e destrudos ao longo dos sculos, como tambm propiciou o desenvolvimento das relaes materiais das sociedades, contribuindo para a construo do conhecimento filosfico, cientfico e tecnolgico da humanidade.

    Nesse sentido podemos afirmar que a religio muito visvel no cotidiano dos indivduos, essa busca pela religiosidade das populaes mapeou e remapeou as sociedades tanto do lado ocidental como oriental nesse final do sculo. Neste momento em que as sociedades esto se globalizando, as religies almejam ser aquela que tenha primazia sobre as demais e assim se torne uma religio global. Essa situao que vive a sociedade globalizada relatada aps um perodo em que a religio perde sua hegemonia no poder decisrio das naes.

    Neste captulo procuramos enfatizar bem os vrios sentidos do termo cultura e seu processo adaptativo que compreende a vida nas diferentes sociedades. Alm de conceituarmos cultura erudita, popular e abordar a cultura de massa relacionando com a realidade da sociedade brasileira.

  • 27EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    Leitura Complementar

    A MENTIROSA LIBERDADE

    Autora: Lya Luft

    Comecei a escrever um novo livro, sobre os mitos e mentiras que nossa cultura expe em prateleiras enfeitadas, para que a gente enfie esse material na cabea e, pior, na alma - como se fosse algodo-doce colorido. Com ele chegam os medos que tudo isso nos inspira: medo de no estarmos bem enquadrado, medo de no sermos valorizado pela turma, medo de no sermos suficientemente rico, magro, musculoso, de no participar da melhor balada, do clube mais chique, de no ter feito a viagem certa nem possuir a tecnologia de ponta no celular. Medo de no sermos livre.

    Na verdade, estamos presos numa rede de falsas liberdades. Nunca se falou tanto em liberdade, e poucas vezes fomos to pressionados por exigncias absurdas, que constituem o que chamo a sndrome do ter de. Fala-se em liberdade de escolha, mas somos conduzidos pela propaganda como gado para o matadouro, e as opes so tantas que no conseguimos escolher com calma. Medicados como somos (a presso, a gordura, a fadiga, a insnia, o sono, a depresso e a euforia, a solido e o medo tratados a remdio), cedo recorremos a expedientes, porque nossa libido, quimicamente cerceada, falha, e a alegria, de tanta tenso, nos escapa.

    Preenchem-se fendas e falhas, manchas se removem, suspendem-se prazeres como sendo risco e extravagncia, e nos ligamos no espelho: algum por a mais eficiente, moderno, valorizado e belo que eu? Algum mora num condomnio melhor que o meu? Em fileira ao longo das paredes temos de parecer todos iguais nessa dana de enganos. Sobretudo, sempre jovens. Nunca se pde viver tanto tempo e com to boa qualidade, mas no atual endeusamento da juventude, como se s jovens merecessem amor, vitrias e sucesso, carregamos mais um nus pesadssimo e cruel: temos de enganar o tempo, te-mos de aparentar 15 anos se temos 30, 40 anos se temos 60, e 50 se temos 80 anos de idade. A deusa juventude traz vantagens, mas eu no a quereria para sempre: talvez nela sejamos mais bonitos, quem sabe mais cheios de planos e possibilidades, mas sabemos discernir as coisas que divisamos, podemos optar com a mnima segurana, conseguimos olhar, analisar e curtir - ou nos falta o que vem depois: maturidade?

    Parece que do comeo ao fim passamos a vida sendo cobrados: O que voc vai ser? O que vai estudar? Como? Fracassou em mais um vestibular? J transou? Nunca transou? Treze anos e ainda no ficou? E ainda no bebeu? Nem experimentou uma maconhazinha sequer? E um Viagra para melhorar ainda mais? Ainda aguenta os chatos dos pais? Saiba que eles o controlam sob o pretexto de que o amam. Sai dessa! J precisa trabalhar? Que chatice! E depois: Quarenta anos ganhando to pouco e trabalhando tanto? E no tem aquele carro? Nunca esteve naquele resort? Talvez a gente possa escapar dessas cobranas sendo mais natural, cumprindo deveres reais, curtindo a vida sem se atordoar. Nadar contra toda essa louca correnteza. Ter opinies prprias, amadurecer, ajuda. Combater a nsia por coisas que nem queremos, ignorar ofertas no fundo desinteressantes, como roupas ridculas e viagens sem graa, isso ajuda.

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    Descobrir o que queremos e podemos um bom aprendizado, mas leva algum tempo: no preciso escalar o Himalaia social, nem ser uma linda mulher, nem um homem poderoso. possvel estar contente e ter projetos bem depois dos 40 anos, sem um iate, fsico perfeito e grande fortuna. Sem cumprir tantas obrigaes fteis e inteis, como nos ordenam os mitos e mentiras de uma sociedade insegura, desorientada, em crise. Liberdade no vem de correr atrs de deveres impostos de fora, mas de construir a nossa existncia, para a qual, com todo esse esforo e desgaste, sobra to pouco tempo. No temos de correr angustiados atrs de modelos que nada tm a ver conosco, mscaras, iluses e melancolia para aguentar a vida, sem liberdade para descobrir o que a gente gostaria mesmo de ter feito.

    Atividades

    1) Explique por que podemos afirmar que somente o homem possui cultura.

    2) D exemplos de cultura material e imaterial, real e ideal.

    3) Diferencie os sentidos dos conceitos de aculturao e endoculturao. Exemplifique sua resposta.

    Observe no seu cotidiano explique a importncia da cultura popular.

    5) Exemplifique os termos: Etnologia, Antropologia, Etnocentrismo.

    6) Analise a relao entre os meios de comunicao de massa e a cultura em nossa sociedade.

  • 29EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL

    Dica de vdeo!

    Homem, Cultura e Sociedade Afinal o que cultura

    Disponvel em: http://www.youtube.com/watch?v=Js3QEvdDwIo

    Cultura tambm meio de construo da sociedade sem classes

    Disponvel em: http://www.youtube.com/watch?v=OhsxDT6gGjA

    Dica de leitura

    Na internet...

    Leia o texto:

    Homem, cultura e sociedade cultura: um conceito antropolgico

    Autor: Ellen Cristiane Albacete De Moraes

    Disponvel em: http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,homem-cultura-e-sociedade-cultura-um-conceito-antropologico,33970.html

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    UNIDADE III

    CULTURA NA CONSTRUO DOS INDIVDUOS

    (AS IDENTIDADES) CULTURA ESTRUTURANTE

    Objetivos especficos da unidade:

    Refletir sobre a relao existente entre Educao e Antropologia. Entender a identidade do homem, que produz cultura, buscando entender a sociedade com a

    educao formal ou informal enquanto fenmeno/processo histrico-social.

    Estudar sobre a caracterizao e compreenso cultural brasileira e suas implicaes na educao.

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    3.1 A Identidade Cultural na Ps-Modernidade

    Os relatos acerca de identidade no so recentes. A sociedade moderna ocidental gerada com a industrializao e o desenvolvimento das cincias tericas e experimentais constri sua identidade afirmando a prioridade da razo, que ilumina e fonte de conhecimento e das aes sociais, desvinculando-se da tutela da religio. Defende no novo o modo de produo capitalista, o regime de liberdade individual, a prioridade do indivduo sobre o coletivo e constitucionalmente, os princpios de liberdade, igualdade e solidariedade, alicerce dos regimes democrticos. A identidade cultural de incio pode ser compreendida como um conjunto de caractersticas comuns pelas quais os grupos sociais constroem sentido de pertencimento. Como foi visto, a identidade construda atravs das relaes sociais, grupos humanos; ela dinmica neste contexto.

    Mas, a cultura pode existir mesmo que no haja identidade. A cultura depende em grande parte de processos inconscientes, j a identidade remete a uma norma de vinculao, necessariamente consciente. O conceito de identidade cultural foi adquirido em espao instvel das cincias sociais, ela revela as mudanas de sentido ao longo da histria, causadas pelo que se considera uma crise originada pela ao conjunta de um duplo deslocamento como: descentralizao dos indivduos, tanto no seu lugar no mundo social e cultural, quanto de si mesmos.

    Alguns estudiosos enfatizam que as discusses sobre ps-modernidade, entendida como lgica cultural do capitalismo ps-industrial, surge na crise cultural, e desencadeiam crises de conceitos fundamentais ao pensamento moderno, tais como verdade, razo, universalidade, sujeito, progresso, ideologia e outros. Ocorre uma desiluso no que refere aos nortes da modernidade, a saber : a esttica, a tica e a cincia.

    Para Castells (1999, p.22), identidade pode ser compreendida como o processo de construo de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais interrelacionados, os quais prevalecem sobre outras fontes de significado. Para um determinado indivduo ou ainda um ator coletivo, podem haver identidades mltiplas.

    Existem trs formas e origens de construes de identidade, dentre estas:

    Identidade legitimadora introduzida pelas instituies dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua dominao em relao aos atores sociais.

    Identidade de resistncia criada por atores que se encontram em posies/condies desvalorizadas ou estigmatizadas pela lgica da dominao, construindo, assim, trincheiras de resistncia e sobrevivncia com base em princpios diferentes dos que permeiam as instituies da sociedade, ou mesmo opostos a estes ltimos.

    Identidade de projeto atores sociais utilizando-se qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posio na sociedade e, ao faz-lo, de buscar a transformao de toda a estrutura social.

    A identidade agora mais do que nunca aparece em nossas vidas, entrando em nosso mundo particular, quando se levanta questionamentos os mais diversos sobre o sentido da vida e dos valores que tnhamos at ento como tradicionais e inviolveis.

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    As identidades modernas, individuais e coletivas, cada vez mais esto sendo fragmentadas, descentradas e descontnuas, as bases slidas sobre as quais se assentavam e davam sustentao a noo de identidade e aos processos de identificao, como nacionalidade, raa, classe, gnero, religio, lngua, sexualidade etc. tornaram-se vulnerveis diante da nova realidade ps-moderna.

    Percebe-se que a identidades nacionais esto se desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneizao cultural do mundo psmoderno, elas e outras identidades locais esto sendo reforadas pela resistncia globalizao. As identidades nacionais esto em declnio, mas novas identidades hibridas esto tomando seu lugar.

    Hibridas porque se constroem e se reconstroem dinamicamente nas suas prticas relacionais. Essa compreenso coloca por terra a ideia de identidade como algo esttico. Na viso de Giddeans (2005), a nfase na hibridao afasta a pretenso de se estabelecer identidades puras ou autnticas e evidencia o risco de se delimitar identidades locais autoconhecidas que se contraponham s sociedades nacionais ou globalizadas. Frente ao hibridismo e diversidade, h essas fortes tentativas de se reconstrurem identidades purificadas para restaurar a coeso e a tradio. A reafirmao de razes culturais tem sido uma das fontes de identificao em muitas regies.

    3.1.1 A identidade como valor

    As pessoas se comportam de acordo com sua realidade cultural, sendo que o papel desempenhado pela mdia toma um carter fundamental em virtude da abrangncia pela qual podemos entrar em contato com outras culturas. A partir do processo de globalizao, a cada dia estamos vendo surgir grandes preocupaes com a convivncia entre os povos, pois a diversidade grande, e assim passaram a existir influncias diretas no nosso processo cultural que antes aconteciam mais lentamente.

    No h identidade esttica, ela dinmica e vai se formando a partir dos valores que elegemos como sendo os melhores. Nem sempre esses valores so aceitos por todos e assim fazemos uma negociao de sentidos, isto , o jogo de identificaes.

    Observa-se que muito importante destacar no s as relaes de poder que envolvem a questo da identidade, mas o julgamento de valor feito frequentemente, ao nos depararmos com uma realidade diferente da nossa.

    A cultura passou a ser mais importante como referncia aos conflitos internacionais do que a ideologia ou a economia diante da realidade do mundo contemporneo. O racismo comeou a se modular e a crescer sombra do difusionismo culturalista euroamericano e do entretenimento rebarbativo oferecido s massas pela televiso e outros ramos industriais.

    Neste contexto, fica evidente a relao mdia X mercado na qual o valor cultural contrabalanado pelo esteretipo consumista que constri a identidade negra a partir dos materiais fantsticos do homem branco.

    interessante porque j observamos no supermercado e bancas de revistas o surgimento de produtos voltados para as pessoas da pele escura, produtos de higiene, beleza e revistas especializadas para este pblico. uma novidade no mercado que at pouco tempo atrs no existia. um tipo de discriminao considerada como positiva, tendo em vista que leva a uma afirmao dos negros a partir dos valores prprios de sua cultura. Da mesma forma que pessoas negras que se destacam no cenrio artstico, esportivo e em outras profisses servem como referncias positivas.

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    3.1.2 Raa e identidade

    Agora vamos tratar de raa como elemento importante para a definio de uma identidade, para tanto precisamos recorrer novamente ao conceito de identidade, desta vez com outro enfoque, ou seja, o que leva em considerao a sua origem e os elementos chave que a compem.

    A globalizao faz com que ressurja a discusso sobre as diferenas entre as culturas pela subsistncia do preconceito. Nessa nova ordem mundial, o que era superado pela homogeneizao das identidades culturais agora se torna assunto da maior importncia na luta pela sobrevivncia de grupos espalhados pelo mundo, atravs das grandes migraes de povos marginalizados em busca de sua sobrevivncia.

    Na ps-modernidade, o indivduo previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estvel est se tornando cada vez mais fragmentado, composto no de uma nica, mas de vrias identidades, algumas vezes contraditrias ou no resolvidas. Esse processo produz o sujeito conceitualizado como no tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma celebrao mvel, formada e transformada continuamente em relao s formas as quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam.

    Assim, para entendermos uma identidade de maneira mais completa preciso enfocar outros aspectos tais como espelho, inveno e a ideologia. O espelho a relao que estabelecemos com o outro, relaes de alteridade- igualdade e diferena- parmetros atravs dos quais nos definimos outros. A inveno a forma como construmos essa identidade a mscara, a persona. A ideologia o aspecto poltico, que escolhemos como sentido ou causa para vivermos.

    A palavra raa tem vrios significados, sendo aplicado em muitas situaes diferentes. Tais como o jogador que tem raa, ou raa de um povo. Portanto, pelo que foi exposto, pode-se considerar a raa como atributo biolgico, que definir sozinho uma identidade. Esta aparecer como mais um elemento no conjunto de outros que ajudaro nesse conceito, uma pessoa ou sociedade tem outras caractersticas importantes para a formao de sua cultura que no apenas a questo da cor como por exemplo os contatos existentes entre os povos provocados pela facilidade dos meios de comunicao, dos transportes, da tecnologia; esse fluxo constante de pessoas muito significativo para tudo que podemos analisar nessa questo sobre identidades.

    A busca de identidades mostra-nos que o homem, na ps-modernidade, sente a necessidade dos laos que remontam a comunidade, mesmo sabendo que uma identidade sempre ressignificada em outro meio. Esse fato s ser possvel porque os elementos que compem uma identidade no so aleatrios, eles esto em nossa bagagem social, histrica e cultural, no se eleva tudo, mas muitos so escolhidos como fundamentais no novo contexto.

    preciso que faamos uma reflexo sobre como nossa populao indgena, negra, grupos religiosos, entre outros, em nosso pas e no mundo, esto resistindo e reagindo massificao da cultura. Quais as sadas para essas populaes reprimidas pelo desenvolvimento tecnolgico?

    As minorias sociais so consideradas as novas tribos na sociedade de massa. Essas minorias, tais como os homossexuais, negros, povos indgenas, mulheres, portadores de deficincia etc. trazem um importante questionamento sobre o que normalidade e maioria.

    A nova organizao geopoltica mundial trouxe grandes mudanas no modo de vida das populaes mundiais. A alta tecnologia, tambm conhecida pela automao da sociedade, a marca deste tempo de globalizao, no qual entramos em contato direto e constante com outras culturas. No fcil lidar com os valores novos, para isso preciso uma avaliao constante sobre nossos objetivos pessoais e coletivos, levando a um forte questionamento sobre as identidades tradicionais nas quais j estvamos acostumados.

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    3.1.3 Preconceito, esteretipos e discriminao

    O preconceito, os esteretipos, bem como as discriminaes, esto relacionados com as atitudes ou comportamentos referentes aos indivduos, aos grupos, a cultura baseados em julgamentos que so mantidos mesmo diante de fatos que os contradizem; em uma sociedade capitalista a situao no poderia ser diferente.

    O preconceito envolve uma avaliao negativa de uma pessoa pelo simples fato de o identificarmos com um grupo determinado do qual temos preconceito. importante entendermos que no existem apenas grupos de minorias que so alvos de atitudes preconceituosas, mas qualquer grupo social. Segundo alguns tericos, o preconceito resultado de frustraes pessoais e podem estar relacionados com o tipo de personalidade que o indivduo apresenta. Por exemplo, uma pessoa pode ser autoritria, hostil, intolerante ou simplesmente por ser de um partido ou de religio.

    Considera que a base cognitiva do preconceito so os esteretipos, envolvidos por crenas sobre caractersticas individuais que so atribudas a indivduo ou grupo. Geralmente as crenas preconceituosas so consideradas como esteretipos negativos, por isso que muitas pessoas dizem que conceito de esteretipo muito prximo do conceito de preconceito. Os esteretipos esto ligados a uma padronizao rgida, cria-se um estigma em que no se v elemento positivo no indivduo sendo julgado na maioria das vezes, negativamente como se fossem carimbados diante de atributos dirigidos a pessoa ou grupo.

    Assim o esteretipo pode ser considerado como um comportamento funcional muitas vezes equivocado e condenatrio, pela influncia dos meios miditicos com uma viso s vezes profunda ou artificial.

    preocupante, do ponto de vista social, quando esses esteretipos so destrutivos e limitam o prprio indivduo a buscar novos conhecimentos, criam a imagem de que o mundo complexo demais, e diante disso levam o indivduo a achar que lhe convm no gastar energias e nem tempo cognitivo para vencer a situao social excludente.

    Ao vermos uma pessoa suja, desarrumada, a imagem produzida sempre a de achar que ele mendigo, um preguioso, um criminoso. A lista imensa. Chamamos esse ato de rotulao. A rotulao pode chegar ao cmulo de dizer que algum menos capaz por ser mulher.

    A questo de gnero tem se tornado uma forma de estereotipar. Por exemplo, quando estipulamos que as atividades domsticas devem ser realizadas por mulheres, estamos criando um rtulo. Desta forma, se o homem fizesse tal atividade poderia estar apresentando traos femininos; ou quando acreditamos que os homens so sempre superiores s mulheres e assim por diante, reforamos muitas vezes sem perceber os esteretipos e rtulos.

    A discriminao muitas vezes provocada e motivada pelo preconceito, pode ser dada por sexo, idade, raa/etnia, social, religiosa, por portadores de necessidades especiais, por doena, aparncia. Ela pode ocorrer no indivduo, em grupo, na instituio, na sociedade em geral, quando certas empresas deixam de contratar um excelente colaborador por ter tatuagem, ou por ser portador de necessidades especiais, entre outros.

    O preconceito est to arraigado nas relaes humanas que difcil discutirmos sobre a sua natureza, visto que ele surge por diversas funes, como defesa pessoal, posio social ou at como mecanismo de sobrevivncia, suas origens so profundas, ligadas prpria natureza humana.

    O preconceito decorrente de fontes sociais, emocionais e cognitivas. Possui suas causas classificadas em quatro categorias:

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    Competio e conflitos econmicos- considerados um dos percursos que mais conduzem os indivduos na formao de esteretipos, preconceitos e discriminao, por provocarem reaes de hostilidade, inimizadas onde antes prevalecia a paz, ou pelo menos a tolerncia mtua.

    O papel do bode expiatrio - o indivduo, quando se encontra frustrado e infeliz, tende a transferir sua agressividade para grupos visveis, aparentemente sem poder, desenvolvendo sentimentos negativos e de repulsa.

    Fatores de personalidade indivduos com personalidade autoritria tm mais propenso a desenvolver atitudes preconceituosas por serem consideradas pessoas que geralmente apresentam rigidez nas opinies, intolerncia, desconfiana, entre outros, acreditando na sua superioridade, bem como na do grupo a que pertencem.

    Causas sociais do preconceito a aprendizagem social, conformidade e categorizao social: essas causas defendem a ideia de que o preconceito criado e mantido por foras sociais e culturais. As normas sociais so aprendidas, transferidas de gerao para gerao. As conformidades so mantidas por medo de no ser aceito, por isso o indivduo cede presso social. Muitas vezes, essas so motivadas pelos meios miditicos e pelas artes, que so grandes disseminadoras de opinies e agentes de socializao. Dessa forma, ocorre o que chamamos de categorizao social, quando processamos psicologicamente as informaes, categorizando as pessoas, formando esteretipos negativos com relao a elas.

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    3.2 Identidades Socioculturais e a Realidade Brasileira

    A ressignificao dos movimentos intelectuais e populares tentou criar marcas identitrias para o povo brasileiro. A busca de construo da identidade nacional uma constante ao longo da histria da cultura brasileira. Essa busca refletiu-se nas artes, nas cincias humanas e na ideologia poltica. Os debates sempre foram complexos, com alguns pontos como: aspectos da criao de um mito fundador da nao, a identificao e a valorizao de singularidade que distinguem a cultura e a civilizao brasileira e o relacionamento com elementos estrangeiros tnico/raciais. Sempre foi demonstrada uma grande preocupao em discutir a identidade e o futuro da nao brasileira, foram propagados diferentes discursos discutindo o que ou no ser brasileiro. Assim destacaram-se polticos, militares, empresrios e especialmente artistas e intelectuais, atravs da literatura, das artes plsticas, da msica e mesmo de manifestos. Os artistas e intelectuais modernistas e ps-modernistas procuram construir prticas discursivas para tentar compreender as identidades culturais brasileiras.

    3.2.1 Tentativas de se construir um carter de identidade nacional

    Numa paisagem histrica do Brasil no incio do sculo XX, visualiza-se a cidade em processo de industrializao e urbanizao. Novos valores estavam se agregando, vindos de vrias partes do mundo no processo migratrio. Diante das grandes contradies vividas pelo Brasil, a intelectualidade procurava delinear a imagem cultural no Brasil. Inicialmente, o ser nacional do Brasil foi representado a partir do olhar estrangeiro, viajantes europeus que muitas vezes no conseguiam enxergar as construes identitrias brasileiras no sculo XIX, ao construrem discursos preconceituosos e etnocntricos sobre os grupos indgenas e as manifestaes culturais dos homens e mulheres negras. A intelectualidade brasileira se uniu no intuito de desconstruir o olhar estrangeiro que tentava inventar o Brasil pelas lentes eurocntricas, em 1920. Sabia-se que o principal problema da no-construo de uma identidade nacional era o enfraquecimento dos traos e prticas culturais endgenas em detrimento dos exgenos. Portanto, a intelectualidade era acusada de viver de costas para a cultura brasileira, ou seja, viver expatriado em sua prpria terra sonhando viver ou morrer em Paris. Assim, a misso do intelectual era vencer a percepo de sua oralidade como extica, ou seja, vencer o olhar estrangeiro que informava a viso de si prprio (OLIVEIRA, 2000, P.137).

    Os modernistas procuravam trabalhar na perspectiva do nacional e no do regional. Em 1926 surge um movimento chamado Manifesto Regionalista. Esse movimento desenvolve dois temas: a defesa da regio como unidade de organizao nacional e a conservao dos valores regionais e tradicionais do Brasil em geral, e do nordeste em particular.Os regionalistas tinham a regio como elemento constitutivo da nao, ao frisar a necessidade de uma articulao interregiona