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ANSIEDADE FACE À MORTE NA TERCEIRA IDADE
Natália Pereira1
RESUMO
Introdução e Objetivos: As alterações sociais ocorridas nas últimas décadas determinaram
os mais velhos como sendo pessoas dispensáveis. Apesar dos avanços da ciência e da
medicina no último século, a morte é uma realidade da qual ninguém consegue fugir. Tanto
ciência como religião mostram-se incapazes de responder às questões que esta coloca e, com
o avançar da idade, cresce o sentimento de que a morte se encontra mais próxima criando
medos e ansiedades. A partir de questões como solidão e satisfação com a vida, pretende-se
perceber a influência da idade, género e o ter uma atividade na ansiedade face à morte.
Metodologia: A amostra é constituída por 80 idosos, sendo 50% mulheres e 50% homens,
com idades compreendidas entre os 65 e 80 anos (M=72,4), 50% da amostra frequenta uma
universidade sénior, onde participam regularmente em atividades. Como instrumentos foram
usadas a Escala de Solidão da UCLA, a Escala de Satisfação com a Vida e o Questionário de
Ansiedade Face à Morte. A entrevista fez parte da metodologia, permitindo que os idosos
falassem de si, quais as suas expectativas e receios.
Conclusão: Há efetivamente uma alta prevalência de ansiedade face à morte nos idosos, mas
contariamente ao que se esperava, os valores médios da perceção da solidão são
relativamente baixos e são as mulheres que, com o avançar da idade, parece que se adaptam
melhor que os homens à situação de solidão. Os frequentadores da universidade,
particularmente as mulheres, são indivíduos mais satisfeito com a vida e menos sós.
Palavras-chave: Terceira idade, morte, ansiedade, satisfação com a vida.
1 Mestre em Relação de Ajuda e Intervenção Terapêutica. Doutoranda em psicologia.
UAL – Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal
E-mail: [email protected]
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ABSTRACT
Introduction and Objectives: The social changes that have occurred in recent decades
determined the older people as expendable. Despite the advances in science and medicine in
the last century, death is a reality that no one can escape. Both science and religion appear to
be unable to answer the questions it poses and with advancing age, the feeling grows that
death is closer creating fears and anxieties. From issues such as loneliness and life
satisfaction, we intend to understand the influence of age, gender and having an activity in
anxiety towards death.
Methodology: The sample consists of 80 seniors, being 50% men and 50% women, aged
between 65 and 80 years (M =72,4), 50% of the sample attends a university senior and
regularly participate in activities. The instruments used were the UCLA Loneliness Scale, the
Scale of Life Satisfaction Questionnaire and Anxiety Towards Death. The interview was part
of the methodology, allowing the elderly to speak of themselves, what their expectations and
fears.
Conclusion: There is effectively a high prevalence of anxiety in face of death in the elderly
but contrary to expected mean values of perception of loneliness are relatively low and
women as they advance in age, looks like they adapt better than men to the situation of
loneliness. The ones who frequent the university, particularly women, are individuals more
satisfied with life and less alone.
Keywords: Senior, death, anxiety, satisfaction with life.
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“Mortality, I take it, is the central fact of pratical existence;
death is the central fact of life”.
Michael Oakeshott
Experience and Its Modes
INTRODUÇÃO
A morte faz parte da vida e do processo natural de desenvolvimento de todos os
organismos. No entanto, a sociedade moderna vive num constante processo de negação desta
última fase da vida, encarando-a somente quando esta se torna inevitável.
Pode dizer-se que a grande vitória da medicina, tem sido o adiar da morte graças a novos
medicamentos e a revolucionários tratamentos. Mas este progesso tem um preço a pagar e
toda esta tecnologia acaba por distorcer a perspetiva de tempo limite de vida, que se espera
sempre que não termine.
É sabido que a morte tem associado o medo pelo desconhecido, e por isso, doentes ao
serem informados de que não têm possibilidade de cura ou doentes em fase terminal, passam
por aquilo que Kübler-Ross na sua obra Sobre a morte e o morrer, classificou como processo
de terminalidade: negação e isolamento, raiva, negociação, depressão e aceitação (Kübler-
Ross, 1969/1998).
É sabido que a população portuguesa está envelhecida, com números sempre crescentes
de idosos, segundo o Censos de 20112, a população com 65 e mais anos é de 2,023 milhões
2 Resultados provisórios do Censos de 2011, divulgados a 7-12-2011, em www.INE.pt, acedido a 6-3-2013.
4
de habitantes, o que representa 19% do total da população, tendo crescido na última década
em 19%.
Com a melhoria das condições de vida, a esperança de vida alargou-se em 15,8 anos para
os homens e 16,0 anos para as mulheres, entre 1970 e 20103.
Uma vez que à morte se associa imediatamente os idosos, não podemos deixar de refletir
sobre o que é ser velho e quais as suas implicações.
Também se sabe que, tipicamente, a população feminina fica viúva, uma vez que a sua
esperança de vida é superior à dos homens. Com a morte do cônjuge há a perda do
companheiro de uma vida e os laços emocionais são duramente afetados, particularmente se a
mulher viveu uma vida em que o seu papel se baseava na vida conjugal.
Nesta faixa etária é muito comum as mulheres viverem sozinhas tanto devido ao
falecimento dos maridos, como ao afastamento dos filhos que entretanto organizaram as suas
vidas noutras paragens.
Pode mesmo dizer-se que a solidão é um dos aspetos mais graves do envelhecimento
humano e particularmente das mulheres, sendo normalmente acompanhada por um forte
sentimento de perda: perdem-se familiares e amigos, perde-se saúde, beleza e na maior parte
dos casos capacidade financeira.
Sabendo que o envelhecimento é uma construção social, tendo o seu início
convencionalmente aos 60 anos, e que fatores como educação, classe social e género afetam o
envelhecimento, pretendemos com este trabalho, tentar perceber se estes fatores, assim como
a satisfação com a vida, influenciam a aceitação da morte e a ansiedade face a esta.
Faremos uma breve incursão histórica da visão e do simbolismo associado à morte, para
chegarmos à atualidade, a sociedade ocidental moderna.
3 Dados divulgados pelo INE, PORDATA, 7-1-2013, em www.pordata.pt, acedidoa 6-6-2013.
5
Neste estudo foi colocada a hipótese de que seriam as mulheres, viúvas e sem atividade
social que apresentariam valores mais elevados de ansiedade face à morte.
Para tal usou-se a Escala de Solidão da UCLA4, a Escala de Satisfação com a Vida
5 e o
Questionário de Ansiedade Face à Morte6. Os resultados obtidos com este último instrumento
quando foi efetuada a sua adaptação, mostraram que as pessoas idosas tinham pontuações de
ansiedade em relação à morte inferiores às dos jovens e que as pessoas residentes em lares
pareciam ser também menos ansiosas do que as que viviam em suas casas.
Em diversos estudos sobre a satisfação com a vida, no geral, os idosos nunca se
mostraram insatisfeitos com a vida que tiveram.
O ENVELHECIMENTO
O século XX trouxe grandes alterações a todos os níveis, a melhoria da saúde, dos
cuidados médicos, da alimentação, mas por outro lado também trouxe o lado perverso de
tantos benefícios. O culto da juventude em que os mais velhos se vêm ultrapassados e
penalizados, a independência e solidão com a deterioração dos laços familiares, o Estado
como substituto da família fazem parte da realidade atual.
Envelhecer passou a ser difícil, pois deixou de ser visto como um acumular de
experiências e saberes, para passar a um processo onde as pessoas se tornam seres
dispensáveis e por vezes incomodativos pelas suas múltiplas necessidades relacionadas com a
idade.
4 Construida por Russell, D. W. (1988) e adaptada à população portuguesa por Neto (1989).
5 Adaptada por Neto, Barros e Barros (1990)
6 Conte, Weiner e Plutchnic,1982, adaptação portuguesa por Simões e Neto (1994) e readaptação por Barros
(1997).
6
Envelhecer acarreta alterações naturais a nível físico e psicológico, que podem variar de
indivíduo para indivíduo e que se podem tornar num grande desafio. Estas mudanças tendem
a isolar o indivíduo, reforçadas pela perda de estatuto que advém do novo estatuto de
reformado.
Também a entrada na nesta fase pode ser geradora da perda de algum poder económico,
que se traduz em mais uma alteração nesta nova etapa da vida. No caso da nossas amostra o
facto de terem entrado na reforma, não se mostrou marcante para a maioria dos
entrevistados, situação já encontrada por Vaz, 2008, p.94, referindo que os reformados de
hoje, têm “competências adquiridas” que lhes permite usar o tempo em atividades culturais e
intelectuais.
Apesar de progressivas, todas estas mudanças se não forem bem geridas, podem dar
origem a situações de isolamento, ansiedade, tristeza e mesmo sentimento de abandono.
A nível psicológico, pode-se dizer que parece acontecer uma redução do ego (Rayner,
1982, p.241), em que o mundo exterior se torna menos controlável e por isso mais assustador.
Os primeiros estudos e teorias sobre o envelhecimento, surgem no século XIX com um
grupo de médicos que propõem o uso de novas técnicas no tratamento de idosos.
Deste grupo salientou-se Charcot, que ao utilizar o método científico de observação,
compilando registos de doentes e comparando resultados de análises clínicas, consegue
diagnosticar e detetar as doenças mais frequentes nas pessoas idosas. Concluiu também que
nem todos os orgãos envelhecem à mesma velocidade, o que indica que o envelhecimento
não é um processo simultâneo, mas que vai acontecendo ao longo do tempo.
Mais recente, a psicologia do desenvolvimento salienta estas diferenças, assim como a
infuência de fatores culturais e sociais ligados ao envelhecimento.
A OMS estima que a população acima dos 60 anos seja de 605 milhões, representando
20% da população e para 2025 prevê que atinja os 1.2 biliões e em 2050 serão 2 biliões.
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Também Portugal é afetado por este novo fenómeno, ocupando em 19967 a 11ª posição
entre os países mais envelhecidos e em que 20,3% da sua população tinha 60 ou mais anos,
passando para a 10ª posição em 20078 com 22,8% de idosos.
Face a estes números a OMS tem aconselhado a que os países se preparem e que
procedam a uma reestruturação das políticas públicas, para que possam satisfazer as
necessidades desta nova classe.
Contrariamente aos países do norte da Europa que desde há muito que desenvolveram
políticas sociais abrangendo os idosos, em Portugal continuam a faltar muitas estruturas e
serviços de apoio, apesar do muito que foi feito nos últimos anos e tal como podemos ler na
VII Revisão Constitucional de 2005, Artigo 72.º “1. As pessoas idosas têm direito à
segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que
respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização
social. 2. A política de terceira idade engloba medidas de carácter económico, social e
cultural tendentes a proporcionar às pessoas idosas oportunidades de realização pessoal,
através de uma participação activa na vida da comunidade”.
Esta faixa etária tornou-se num novo segmento de mercado, extremamente aliciante para
as empresas, uma vez que a tendência é para o seu crescimento.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), no final do século XX, substituiu o conceito
de envelhecimento saudável pelo de envelhecimento activo, no sentido de melhorar as
oportunidades de saúde, de participação e de segurança dos idosos.
Ao publicar o “Keeping Fit for Life”, como sendo um guia para os idosos, proporcionou
um conjunto de propostas e conselhos no sentido que os idosos se mantenham ativos e
7 Dados do U.S. Bureau of Census, International Programs Center, International Data Base, 1996 (Neto, 2004,
p.273).
8 United Nations. Department of Economic and Social Affairs, Population Division, in www.un.org, acedido a
6-3-2013. As diferenças com valores anteriormente referidos predendem-se com as diferentes metodologias dos
organismos que recolheram e trataram od dados.
8
saudáveis, com atividades simples como andar, fazer natação ou mesmo dançar. Alerta para a
necessidade de uma dieta equilibrada, assim como para a importância da manutenção de
atividades intelectuais e sociais.
Com efeito a nossa amostra mostra que as pessoas reconhecem a necessidade de não
ficarem imobilizadas em casa, e referem que muitas vezes apesar das muitas dores, não
deixam de sair e de andar.
Outro aspeto referido pelos entrevistado foi que, o envelhecimento lhes trouxe a
consciência “do tempo que resta de vida”. A esta tomada de consciência, podemos associar o
receio de perda da individualidade, pelo qual se lutou toda a vida e que agora tem um tempo
limitado e a esgotar-se, sendo “forçado” a libertar-se de sonhos que já não terá oportunidade
para concretizar.
SATISFAÇÃO COM A VIDA
A satisfação com a vida traz consigo associado uma grande subjetividade, pois refere-se
à avaliação que cada um faz das suas experiências e vivências. No entanto, tem sido
comprovado que a atitude e a satisfação perante a vida na velhice, parte do próprio percurso
de vida de cada um, das escolhas efetuadas e da capacidade de adaptação (Whitbourne,
1985).
A capacidade em resolver situações que possam surgir, que se traduz na capacidade em
encontrar informação e alternativas para a resolução dos problemas, é claramente uma fonte
de satisfação para os indivíduos entrevistados, tendo ficado claro que a educação e classe
social influenciam a capacidade de acesso aos recursos necessários.
A diminuição da mobilidade, a deterioração da saúde e redução do poder de compra
foram apontados como importantes fatores para a diminuição da satisfação com a vida.
9
Apesar de se saber da importância da participação dos idosos em atividades, num estudo
desenvolvido por Everard (1999), ficou demonstrado que o envolvimento de um grande
número de atividades por parte de pessoas idosas, não garante o bem estar e a satisfação. Foi
visto que a motivação para o desenvolvimento de uma qualquer atividade é mais importante
do que a atividade em si.
SOLIDÃO
Apesar da maior parte das pessoas saber o que é a solidão, na realidade este é um
conceito muito vago e que difere de pessoa para pessoa e é muito mais do que é o estar
sozinho, é um “estado de alma”. Têm sido muitas as suas definições, no entanto há alguns
pontos em comum (Neto, 2000, p. 321):
a) A solidão é uma experiência subjetiva que pode não estar relacionada com o
isolamento objetivo;
b) Esta experiência subjetiva é psicologicamente desagradável para o indíviduo;
c) A solidão resulta de alguma forma de relacionamento deficiente.
O sentimento de solidão tem em si associados outros sentimentos ou perceções, como a
dificuldade em encontrar amigos, a que se associa a perceção de exclusão ou da dificuldade
em se encaixar num grupo, a insastifação com a própria vida ou com o relacionamento
conjugal ou mesmo uma angústia exgerada em relação ao futuro e que caminhos traçar.
Por isso podemos dizer que não existe um único tipo de solidão, pois ela pode ser social,
por falta de amizades, pode ser emocional por insatisfação com o relacionamento afetivo ou
por ausência dele ou pode ainda ser um traço característico da personalidade do indivíduo.
Quando se fala de idosos tem-se associada a ideia de que este grupo etário é quem mais
sofre de solidão. No entanto Neto (p.345), refere que em diversos estudos (Rubensteisn,
10
Shaver e Peplau, 1979) este é um esteriótipo errado, tendo sido encontrados jovens a
sofrerem mais de solidão que muitos idosos.
Também em relação à diferença entre género, segundo Neto (p.347), apesar das mulheres
serem mais emotivas que os homens, este investigador não encontrou diferenças nas
pontuações quando fez a adaptaçãoda escala de solidão UCLA para a população portuguesa.
Também tem sido comprovado que as pessoas se sentem mais sós quando perdem uma
relação, por morte ou divórcio, do que pela sua não existência.
A falta de apoio de redes sociais leva a um aumento do isolamento, que por sua vez pode
ser causador de sentimentos de insegurança, que leva ao stress e a mais isolamento, tornando-
se num círculo vicioso, em que solidão provoca mais solidão.
Mas a solidão pode ser sinal de um estado depressivo ou mais grave ainda, ser o
resultado de uma doença neurodegenerativa, como a doença de Alzheimer (WHO, 2002,
p.35).
Não podemos deixar de falar na viúvez, uma vez que é um acontecimento que leva a uma
alteração da condição de vida e do estatuto. Muitas vezes associa-se a solidão à viúvez, pois a
perda do/a companheiro/a de uma vida obriga a um ajustamento que muitas vezes, em idades
mais avançadas é dificíl de ser feito.
UNIVERSIDADE SÉNIOR
Existem milhares de UTIs no mundo inteiro, com base nos exemplos franceses ou
ingleses. A primeira UTI em Portugal surgiu três anos após a criação da primeira em França,
em 1973, tendo-se este modelo implementado verdadeiramente nos últimos cinco anos, com
o nascimento de dezenas de novas UTIs, passando de 30 em 2001 para 112 em finais de
2008.
11
A primeira Universidade Sénior portuguesa nasceu em Lisboa, a UITI (Universidade
Internacional para a Terceira Idade), sendo seguinda pelo Porto e dando força ao crescimento
destas instituições.
As Universidades Seniores (UTIs) ao promoverem o ensino para idosos, com atividades
sociais, culturais, educacionais e de convívio, estimulam a participação dos indivíduos desta
faixa etária na sociedade, valorizando-os e estimulando a sua integração.
Pode-se dizer que as UTIs vão no sentido da disposição da OMS, 2002, sobre o que
deverá ser o envelhecimento ativo, que está estabelecido como sendo "o processo de
optimização de oportunidades para a saúde, participação e segurança, no sentido de aumentar
a qualidade de vida durante o envelhecimento".
Ao analisar-se as ofertas curriculares, é fácil depreender que para além do interesse
didático, está subjacente o interesse no convívio, trazendo um enorme benefício a esta
população que assim se sente envolvida em projetos, promovendo para além da valorização,
a auto-estima e a independência.
A MORTE
Geralmente, o primeiro encontro que temos com a morte, acontece-nos na infância
quando ouvimos dizer que algum familiar morreu. Possivelmente essa morte nem chega a
ter grandes repercussões na nossa vida, para além do se deixar de ver essa pessoa, até ao dia
que tomamos consciência da nossa própria mortalidade. E é aí que a morte nos assusta.
Nos dias de hoje a morte foi banalizada, sendo-nos trazida para dentro de casa a
qualquer hora do dia, pelos mass-media. Mas é uma morte distante, que não nos atinge e por
isso não nos afeta da mesma forma como se fosse de um familiar ou amigo.
Paradoxalmente faz-se de tudo para a ocultar quando toca a familiares ou conhecidos,
tendo sido criado um tabu em falar deste assunto, sendo mesmo considerado de “mau gosto”.
12
Para o ser humano, o ato de morrer para além de ser um fenómeno biológico natural,
contém uma dimensão simbólica, que tem sido estudada pelas ciências sociais e pela
psicologia, impregnada de significados que variam consoante o contexto sócio-cultural e
histórico.
A morte traz consigo o simbolismo da perda. Perda do que se tem, do que se atingiu e
acima de tudo e de forma muito marcante a tristeza e mesmo amargura do que não foi feito,
do que se gostaria de ter feito e por diversas razões foi deixado para trás.
Mas a história mostra que nem sempre foi assim, nem sempre a morte foi associada a
este sentimento de perda.
A arqueologia tem-nos mostrado, que os mortos nunca eram abandonados. As práticas
fúnebres e a conservação dos cadáveres funcionavam ,tanto antes como atualmente, como um
prolongamento da vida que não se quer deixar esquecida e onde a decomposição do corpo
pode ser vista como a perda final da individualidade.
Cada cultura tem os seus costumes associados à morte, mas tem sempre presente a
ideia de passagem para outro lado. Para que esta passagem seja bem sucedida é necessária a
ajuda dos vivos através dos rituais fúnebres, que podem demorar mais ou menos tempo,
podem ser mais ou menos elaborados.
O morto em algumas sociedades9, continua presente através destes rituais
10 em sua
memória, onde familiares e amigos se juntam em festa, que chegam a durar dias e onde
comida e bebida não faltam, tocam-se tambores e executam-se danças.
Durante muitos séculos e até à pouco tempo, a morte fazia parte do quotidiano. Tal como
o nascimento, a morte acontecia em casa entre familiares.
9 Os rituais associados à morte são transversais a todas as culturas.
10 A autora teve oportunidade de presenciar e participar em diversos destes rituais– os toka-choro – na Guiné-
Bissau durante os anos de 2011 e 2012, onde fez trabalho de campo para o seu doutoramento em psicologia.
13
A morte tinha os seus rituais, o moribundo tinha possibilidade de se despedir da família,
de expressar os últimos desejos e receber a extrema-unção. Quando a morte chegava havia
todo um aparato a cumprir, para que familiares e amigos prestassem uma última homenagem.
O luto era obrigatório e rigorosamente cumprido, como numa materialização exterior da
dor causada pela perda através da cor preta, dor esta que se vai atenuando ao mesmo tempo
que o luto vai sendo aliviado.
Durante o século XVIII e com a Revolução Industrial, desenvolve-se em Inglaterra,
França e Holanda uma nova forma de pensar, fruto do desenvolvimento científico e do
surgimento de uma nova classe social – a burguesia. Estabelece-se então a consciência do
individualismo e a visão da morte altera-se, conforme análise de Santos (2009).
O moribundo passa a ser olhado como um perigo para os da casa, como sendo uma fonte
de contaminação por micróbios e por isso era necessário afastá-lo. É aqui que a morte e o
momento de morrer sai de casa para passar a ser hospitalizada.
Filósofos como Kant e Hegel, evidenciaram a importância da morte e o reconhecimento
da “realidade da morte” (Morin, 1970, p. 244), é toda uma nova forma de pensar e de estar.
Feuerbach, 1980, diz mesmo que “a morte não é de modo algum uma brincadeira; a
natureza não desempenha uma comédia, empunha efetivamente a bandeira da morte real”.
Ao cristianismo é apontado o dedo pelo terror e obsessão à morte, que só se vence pela fé
em Cristo. Quem não crê está condenado à morte eterna, diz o evangelista S. João (3:16)
“Quem crê nele não morre”, ou como em S. Paulo11
que promete a ressurreição, mas só dos
“incorruptíveis”.
Mas é no budismo que encontramos a história mais tocante sobre a dor e a necessidade
de aceitar a morte. Um dia Buda é abordado por uma mulher, que em desespero lhe pede para
que ressuscite o filho. Em resposta, ele pede-lhe que vá primeiro buscar um grão de mostrada
11 I Cor., XV, 54-57.
14
a uma casa onde nunca tivesse entrado a morte. Com isto a mulher conclui que a morte é uma
experiência presente em todas as famílias.
O próprio Marx12
reflete sobre a morte dizendo que “A morte surge como uma árdua
vitória da espécie sobre o indivíduo (...) mas o indivíduo não passa de um ser genérico
determinado, e como tal é mortal”.
A partir do século XX entra-se no que Morin apelidou da “crise da morte” (p.261), a
morte nesta altura extravasa o seu próprio conceito, é a angústia do indivíduo que deixa de
fazer parte do grupo para se tornar num ser solitário. É a perceção de que se morre sozinho,
que mesmo acompanhado a própria morte é única e que só continuamos a existir através da
memória de outrém.
Apesar dos mais velhos estarem mais habituados à ideia da morte uma vez que já
passaram por muitas perdas, muitas vezes falta-lhes espaço para falar sobre ela, ou porque
não têm alguém com quem o fazer, ou os próprios familiares se recusam a fazê-lo,
considerando mórbido falar sobre esses assuntos.
Os resultados obtidos por Simões e Neto,1994, quando fizeram a adaptação para a
população portuguesa da escala de ansiedade face à morte, concluiram que os mais idosos
tinham pontuações mais baixa do que os mais novos, provando assim existir uma correlação
inversa entre idade e ansiedade face à morte.
METODOLOGIA
A sociedade moderna instituiu a ligação entre velhice e reforma, sendo por isso
considerados idosos os indivíduos a partir dos 65 anos, ainda que a Organização Mundial de
Saúde13
(OMS) tenha definido como idosos os indivíduos a partir dos 60 anos.
12 Marx, Karl. 1844. Manuscritos Económico-Filosófico. 13 In “Keeping fit for Life”.
15
Apesar de haver algumas diferenças nos valores cronológicos foi instituido que aos 65
anos seria o momento em que os indíviduos parariam de trabalhar, passando a depender da
sociedade em vez de contribuirem para ela. É nesta visão reducionista dos mais velhos que
estes são olhados como um peso a ser suportado pelos que trabalham.
A partir deste marco cronológico constituiu-se a amostra com 80 idosos, que se
agruparam em três intervalos: [65-70[ , [70-75] e [75-80[.
Destes idosos, 40 frequentam uma universidade sénior e o grupo de controlo de 40
idosos, não praticam qualquer atividade. Todos se mostraram interessados em participar no
estudo, salientando a importância de estudos nesta área.
A média das idades foi de 72,4 anos, sendo 50% homens e 50% mulheres. Todos os
participantes eram de nacionalidade portuguesa.
Na entrevista recolheu-se informação qualitativa e quantitativa.
O anonimato foi assegurado.
Cada entrevista demorou cerca de 20 a 30 minutos.
Foi pedida autorização à direção da universidade sénior de S. Domingos de Benfica para
a elaboração das entrevistas.
Após o preenchimento dos dados sócio-demográficos foram usados como instrumentos a
Escala de Solidão da UCLA ( Russell, D. W., 1988; adaptação portuguesa de Neto, F., 1989),
a Escala de Satisfação com a Vida (adaptada por Neto, Barros e Barros, 1990) e o
Questionário de Ansiedade Face à Morte (Conte, Weiner e Plutchnic,1982; adaptação
portuguesa por Simões e Neto, 1994 e readaptação por Barros, 1997).
A Tabela 1 apresenta a descrição sócio-demográfica da amostra.
16
Tabela 1: Caraterização sócio-demográfica da amostra (n= 80)
n %
Sexo
Feminino
Masculino
40
40
50
50
Idade
[65-70[
[70-75[
[75-80]
28
24
28
35,0
30,0
35,0
Estado Civil
Casado
Divorciado
Viúvo
41
13
26
51,25
16,25
32,50
Habilitações Literárias
Sem instrução
1º Ciclo
2º Ciclo
3º Ciclo
Secundário
Superior
7
25
7
9
21
11
8,75
31,25
8,75
11,25
26,25
13,75
Condição de Habitação
Só
Universidade
Não Universidade
Com família
Universidade
Não Universidade
26
16
10
54
24
30
32,50
20,0
12,5
67,50
30,0
37,5
Frequência Universi. Sénior
Sim
Não
40
40
50,0
50,0
17
A Escala de Solidão da UCLA construida por Russell, D. W. (1988) e adaptada à
população portuguesa por Neto (1989), é composta por 18 itens de avaliação do nível de
solidão sentida, com quatro possibilidades de resposta, desde “nunca” até “muitas vezes”. A
pontuação total é a soma dos 18 itens, mas tendo em atenção que a pontuação de alguns itens
deve ser invertida, (i.e., 1=4, 2=3, 3=2, 4=1). Itens a serem invertidos 1,4,5,8,9,13,14,17,18.
No presente estudo foi escolhida esta escala por se tratar de um instrumento que não
questiona diretamente os sujeitos sobre se sentem solidão, mas que avalia a solidão de forma
indireta. Para além disso, trata-se de uma escala curta e de fácil aplicação
A Escala de Satisfação com a Vida (SWLS), criada por Diener et al (1985), foi adaptada
para a população portuguesa por Neto, Barros e Barros (1990), é composta por 5 itens e com
sete possibilidades de resposta, tipo Likert entre o “totalmente em desacordo” até ao
“totalmente em acordo”
O Questionário de Ansiedade Face à Morte foi construido por Conte, Weiner e Plutchnic
(1982), adaptado para a população portuguesa por Simões e Neto (1994) e readaptado por
Barros (1997), com 11 itens. É uma escala tipo Likert de cinco pontos, variando desde
“totalmente em desacordo” até “totalmente de acordo”.
RESULTADOS
Na Tabela 2 pode-se observar a análise descritiva dos resultados obtidos nos três
instrumentos de avaliação: Escala de Solidão da UCLA, Escala de Satisfação com a Vida e
Questionário de Ansiedade Face à Morte.
As pontuações possíveis do nível de solidão obtido a partir da Escala de Solidão da UCL
podem variar entre 18 e 72, correspondendo os valores mais elevados a um maior nível de
solidão.
18
Tabela 2: Análise descritiva dos resultados obtidos para cada instrumento
Pela análise da Tabela 2, verifica-se que em relação à solidão sentida, os inquiridos
apresentam valores médios abaixo do que se esperava, mas mesmo assim se confirma a
hipótese que os indivíduis que frequentam uma Universidades Sénior possuem menor nível
de solidão comparativativamente com os que não frequentem a mesma.
As mulheres apresentam valores inferiores com o aumento da idade, tanto para as que
frequentam como para as que não frequentam a universidade parecendo que se adaptaram
melhor do que os homens à condição de solidão. Os homens que não frequentam a
universidade sentem-se mais sós com o aumento da idade.
Os valores mínimos e máximos da amostra foram respectivamente 18 e 55, o que
representa uma grande discrepância entre os participantes.
O valor médio obtido nesta escala foi de 28,2 este valor sugere um nível de solidão
baixo, com um desvio padrão de 8,07.
A nível da satisfação com a vida, os resultados vieram confirmar os resultados do teste
anterior, sendo que quem apresentou pontuações correspondentes a um maior sentimento de
Solidão Satisfação com a vida Ansiedade face à morte
Ativi Idade Gén. Min Max M DP Min Max M DP Min Max M DP
Univ [65-70[ F 21 36 27,43 5,71 11 32 22,71 7,67 25 34 30,43 3,41
[70-75[ 18 51 27,83 12,32 8 31 23,50 8,41 27 38 34,00 4,29
[75-80[ 18 30 25,14 3,76 20 34 27,14 5,70 18 47 31,43 4,60
[65-70[ M 18 30 24,14 4,53 18 33 26,00 6,68 25 47 34,86 8,07
[70-75[ 22 31 27,00 3,63 18 31 24,33 4,46 23 43 32,00 7,77
[75-80[ 23 31 25,29 2,75 18 32 23,71 4,42 24 43 31,43 8,18
N. Un [65-70[ F 18 50 31,71 12,53 8 31 19,43 7,87 24 39 31,57 5,09
[70-75[ 18 44 31,33 9,07 19 31 25,67 4,46 23 39 29,50 6,32
[75-80[ 21 48 29,71 9,12 14 32 24,29 6,70 25 43 34,29 5,88
[65-70[ M 20 39 26,57 6,92 16 33 25,57 6,45 30 44 34,43 5,06
[70-75[ 25 40 28,83 6,34 14 29 22,00 5,33 26 43 34,83 7,14
[75-80[ 19 55 33,71 12,01 5 31 22,29 8,40 23 39 30,00 5,63
19
solidão apresentou igualmente uma menor satisfação com a vida. A pontuação poderia variar
entre 5 e 35 pontos, tendo sido o mínimo de 5 e o máximo 34 pontos respetivamente.
Na Tabela 3 temos a análise por género e por atividade, onde se pode verificar que tal
como previsto, são as mulheres que não frequentam a universidade que apresentam valores
mais elevados de solidão com 30,9.
Tabela 3: Análise por género e por atividade
N Solidão
Universidade Não Universidade
M DP M DP
Homens 40 25,4 3,7 29,75 9,03
Mulheres 40 26,75 7,5 30,9 9,91
A Tabela 4 dá-nos os valores comparativos entre solidão, satisfação com a vida e
ansiedade face à morte, onde se constata que são os não frequentadores da universidade que
apresentam valores mais elevados na solidão (30,33) e mais baixos na satisfação com a vida
(23,18). Por sua vez são as mulheres não frequentadoras que apresentam valores mais
elevados de solidão (30,90) e mais baixos de satisfação (23,0), enquanto os homens
frequentadores da universidade apresentam valores mais baixos de solidão (25,40) e mais
elevados na satisfação com a vida (24,70).
Tabela 4: Comparação entre Solidão, Satisfação com a vida e Ansiedade face à morte
Solidão Satisfação Ansiedade
M DP M DP M DP
Geral 28,20 8,07 23,89 6,44 32,39 6,66
Univ 26,08 5,88 24,60 6,17 32,33 7,45
N. Univ 30,33 9,38 23,18 6,71 32,45 5,87
F. Geral 28,83 8,93 23,75 6,95 31,88 6,51
M. Geral 27,58 7,16 24,03 5,97 32,90 6,86
F. Univ 26,75 7,50 24,50 7,18 31,85 7,30
F. N. Univ 30,90 9,91 23,00 6,82 31,90 5,79
M. Univ 25,40 3,70 24,70 5,15 32,80 7,75
M. N.Univ 29,75 9,03 23,35 6,76 33,00 6,05
20
A nível de ansiedade face à morte, os resultados são não os esperados, sendo os homens
quem apresenta valores mais elevado. Podemos afirmar desta forma, que as mulheres
parecem ser mais descontraídas face ao final da vida.
A pontuação poderia estar entre 11 e 55, tendo-se registados valores de mínima 18 e
máxima 47.
Os valor obtidos relevam, no entanto que não existem diferenças significativas para os
frequentadores da universidade e os não frequentadores, com uma média de 32,33 e desvio
padrão de 7,45 e 32,45 com desvio padrão de 5,87 respetivamente. No entanto o desvio
padrão de quem frequenta a universidade é bastante superior a quem não frequenta,
denotando uma maior disparidade de valores.
CONCLUSÃO
O presente estudo explora a relação entre solidão, satisfação com a vida e ansiedade face
à morte, partindo do pressuposto que o ser mulher, viúva/viver só e não ter uma atividade,
que neste caso seria a frequência de uma universidade sénior, tornava o indivíduo mais
ansioso face à morte.
Concluímos que apesar dos valores médios do sentimento de solidão serem baixos no
geral, os frequentadores da universidade apresentam valores ainda mais baixos, mostrando a
importância deste tipo de atividade para combater a solidão.
As mulheres parecem ser mais resilientes que os homens, pois aparentam uma melhor
adaptação à solidão. No entanto as que não frequentam a universidade obtiveram valores
mais elevados para a solidão.
Também a pontuação da satisfação com a vida vai no mesmo sentido dos resultados da
solidão, sendo que quem obteve pontuações mais elevadas para a solidão, obteve pontuações
mais baixas para a satisfação com a vida.
21
Em relação à ansiedade mais uma vez as mulheres mostraram sentirem-se menos
ansiosas face à morte que os homens.
Podemos então dizer que as mulheres adaptam-se melhor à condição de estarem
sozinhas, que a frequência de uma universidade sénior melhora a condição de solidão tanto
para homens como para mulheres aumentando a satisfação com a vida e, que são as mulheres
quem apresenta valores inferiores de ansiedade face à morte.
Pelo fato da amostra ser constituida por idosos, alguns com escolaridade muito baixa ou
mesmo nenhuma, levou a que a maioria dos questionários não pudessem ser preenchidos
pelos próprios, tendo sido efetuados em forma de inquérito, onde o entrevistador fez as
perguntas.
Verificou-se alguma dificuldade de compreensão no preenchimento da Escala de Solidão
da UCLA.
Em relação ao teste da satisfação com a vida, podemos dizer que a maioria das pessoas,
em conversa respondeu que estavam satisfeitas com a sua vida.
A ansiedade associada à morte relaciona-se com o medo, que para alguns idosos é o “ser
comido pelos bichos” ou até “ser enterrado vivo”, o deixar de existir e o deixar a família, são
ideias muitas vezes expressas nas entrevistas e falar sobre a morte com idosos, por vezes não
é tarefa fácil.
No geral da amostra, o envelhecimento é visto como um declínio em todas as áreas,
sendo por isso considerado negativo.
A frequência de uma universidade sénior traz como beneficio o obrigar os idosos a
sairem de casa para participarem nas aulas e atividades, assim como evita o isolamento
social. No entanto nem todos têm possibilidade para a sua frequência, uma vez que estas
instituições não são comparticipadas, cobrando uma propina anual.
22
Compreender e estudar todo este processo subjetivo dos medos perante a morte no idoso,
permite que profissionais que trabalham com esta faixa-etária estejam mais alerta para esta
problemática.
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