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ANÁLISE DE ACIDENTES RESIDENCIAIS: UMA APLICAÇÃO PRÁTICA DO SUS - SYSTEM USABILITY SCALE COM USUÁRIOS DE PRODUTOS DOMÉSTICOS Walter Franklin Marques Correia (FBV) [email protected] Este artigo apresenta uma confluência de dados pertinentes a um estudo de campo junto a acidentes com produtos de consumo, realizado na cidade de Recife-PE, Brasil, alinhavados à influência da usabilidade na utilização destes produtos. O teexto perpassa por etapas comumente utilizadas no desenvolvimento de produtos e como testes voltados para a área de usabilidade podem fazer com que um produto obtenha uma maior aceitabilidade pelo público em geral, tornando-o mais seguro durante seu procedimento de uso. São demonstrados quatro estudos de caso de acidentes, simulados, baseados no relato e em fatos ocorridos com usuários, e uma aplicação do SUS - System Usability Scale (Sistema de Escala de Usabilidade) para cada produto envolvido. Ao final do artigo é possível encontrar as principais conclusões do estudo dentro do binômio segurança e usabilidade. Palavras-chaves: SUS, Escala de Usabilidade, Ergonomia, Produto XXVIII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO A integração de cadeias produtivas com a abordagem da manufatura sustentável. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2008

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  • ANÁLISE DE ACIDENTES

    RESIDENCIAIS: UMA APLICAÇÃO PRÁTICA DO SUS - SYSTEM USABILITY SCALE COM USUÁRIOS DE PRODUTOS

    DOMÉSTICOS

    Walter Franklin Marques Correia (FBV) [email protected]

    Este artigo apresenta uma confluência de dados pertinentes a um

    estudo de campo junto a acidentes com produtos de consumo,

    realizado na cidade de Recife-PE, Brasil, alinhavados à influência da

    usabilidade na utilização destes produtos. O teexto perpassa por

    etapas comumente utilizadas no desenvolvimento de produtos e como

    testes voltados para a área de usabilidade podem fazer com que um

    produto obtenha uma maior aceitabilidade pelo público em geral,

    tornando-o mais seguro durante seu procedimento de uso. São

    demonstrados quatro estudos de caso de acidentes, simulados,

    baseados no relato e em fatos ocorridos com usuários, e uma aplicação

    do SUS - System Usability Scale (Sistema de Escala de Usabilidade)

    para cada produto envolvido. Ao final do artigo é possível encontrar as

    principais conclusões do estudo dentro do binômio segurança e

    usabilidade.

    Palavras-chaves: SUS, Escala de Usabilidade, Ergonomia, Produto

    XXVIII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO A integração de cadeias produtivas com a abordagem da manufatura sustentável.

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    1. Estratégia e design dentro de um estudo de caso envolvendo acidentes

    De acordo com Chiozzotti (1995), o estudo de caso é uma caracterização abrangente para designar uma diversidade de pesquisas que coletam e registram dados de um caso particular ou de vários casos particulares a fim de organizar um relatório ordenado e critico de uma experiência, ou avaliá-la analiticamente, objetivando tomar decisões a seu respeito ou propor uma ação transformadora. Assim, para fins de apresentação deste artigo, foi realizado um estudo de caso com uma amostra de quatro acidentes extraídos da aplicação de questionários apresentados por Correia (2001). A seleção da amostra que compôs os acidentes estudados foi feita aleatoriamente a partir de contato com alguns respondentes que haviam registrado o seu e-mail nos questionários. Os objetivos deste estudo de caso foram: a) analisar detalhadamente cada acidente; b) fazer uma análise da atividade através de um fluxograma da tarefa; c) executar uma análise criteriosa das causas dos acidentes; e d) verificar o grau de usabilidade dos produtos. A tabela a seguir (tabela 1) apresenta os produtos que fizeram parte do estudo e os respectivos acidentes causados.

    Produto Tipo de acidente

    Furadeira Corte e contusão Chuveiro elétrico Choque elétrico Chave de fenda Corte Ventilador Corte e contusão

    Tabela 1 – Produtos e respectivos acidentes que fizeram parte do estudo O estudo de caso envolveu os usuários vítimas de acidentes. Foi pedido a estes que: a) respondessem a uma entrevista prévia sobre como aconteceu o acidente; b) fizessem uma simulação registrada, de tais acidentes; c) respondessem o questionário do SUS – System Usability Scale (Sistema de Escala de Usabilidade). Este último visou avaliar o grau de usabilidade de cada um dos produtos mencionados, segundo Stanton e Young (1999).

    2. Procedimentos do estudo de caso

    Durante a etapa de entrevista com cada um dos usuários, vítima de algum tipo de acidente, seguiu-se o roteiro proposto por Weegles (1996), e desta forma, levou-se em consideração diversos aspectos do acidente como por exemplo: como este ocorreu, qual a opinião do usuário acerca do mesmo, quais os aspectos mais relevantes com relação ao produto e o local do acidente, quais as condições em que o ambiente se encontrava no momento do evento, e qual era a condição psicofisiológica do usuário quando da ocorrência do acidente.

    As simulações dos acidentes foram feitas a partir dos relatos que foram transmitidos pelos usuários, uma vez que se objetivava uma reconstituição da situação para futura análise. Foi pedido para que cada usuário descrevesse o acidente, repetidas vezes, para que ao final da simulação se obtivesse uma reconstituição o mais verossímil possível do fato acorrido. As considerações feitas foram baseadas (i) na “voz do usuário”, onde foram registradas as suas descrições e opiniões a respeito do acidente, e (ii) no próprio discernimento do autor para a reconstituição do mesmo. A avaliação de cada um dos questionários SUS foi feita de forma subjetiva, pois depende da opinião do próprio usuário, e sua quantificação e cálculos foram feitos a partir dos parâmetros disposto pelo próprio SUS.

    3. Análise dos acidentes

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    Como mencionado anteriormente, todos os acidentes recolhidos através dos questionários foram registrados e analisados detalhadamente de acordo com o que era relatado pelos usuários. O que é apresentado nesta sessão se resume a apresentação de cada um dos acidentes, uma análise da atividade com descrição das ações realizadas pelos os usuários até o momento do acidente através de um fluxograma da tarefa e, finalmente, as respectivas árvores de falhas desenvolvidas especificamente para analisar tais situações.

    3.1. Acidente com uma furadeira manual

    O acidente com a furadeira ocorreu quando o usuário tentava fazer um furo na parede para colocação de uma bucha com gancho com uma furadeira manual (figura 1). As fotos, apresentadas nas figuras 2 e 3, estão simulando o uso da furadeira no momento do acidente. A furadeira é a mesma com a qual o usuário sofreu o acidente.

    Figuras 1, 2 e 3 – Imagens da furadeira e de sua simulação de uso para o acidente

    O acidente ocorreu quando o usuário tentou furar a parede e, devido a uma resistência excessiva, resolveu inclinar a broca durante a operação. Neste momento, a broca partiu-se e atingiu o rosto do usuário. Houve contusão e um pequeno corte. Uma parte da broca permaneceu presa a furadeira. Para um melhor entendimento das etapas da atividade de uso da furadeira, foi desenvolvido um fluxograma da tarefa, o que pode ser observado na figura 5.

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    Figura 5 – Fluxograma da tarefa para o uso da furadeira

    As ações que culminaram no acidente foram descritas da seguinte forma pelo usuário:

    − Escolha do equipamento;

    − Procura pela broca ideal para a bucha em questão;

    − Uso do manual para referência da broca;

    − Início da atividade com o uso das duas mãos;

    − Leve inclinação para tentar romper a barreira encontrada (parte mais resistente da parede);

    − A furadeira trava e a broca se parte indo um pedaço de encontro ao rosto do usuário;

    − Corte e machucado no rosto do usuário.

    O manual recomendava que o usuário sempre utilizasse a furadeira em posição perpendicular ao plano de ação utilizado, que neste caso é a parede, o que deveria estar 90° com relação a mesma. A inclinação adotada pelo usuário pode ter resultado na quebra da broca. Na árvore de falhas referente a furadeira (figura 6) estas considerações podem ser visualizadas com maiores detalhes de acordo com o executado pelo usuário.

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    Figura 6 – Árvore de falhas para o acidente com a furadeira

    Caso o usuário tivesse uma maior experiência com a atividade desenvolvida (o que afirmara não possuir), ele saberia que uma parede mais resistente requer um tipo de broca que, quando não é mais grossa (utilizando-se uma bucha com parede mais espessa a seguir) deve ser mais resistente (de outro material).

    3.2. Acidente com um chuveiro elétrico

    O chuveiro e a simulação de uso para o acidente analisado são apresentados nas figuras 7 a 9, e é o mesmo produto que provocou o acidente. Até o momento da entrevista a usuária não o havia consertado. Na descrição do acidente, a usuária afirmou que o botão de regulagem do termostato travou e ela tentou liberá-lo, segurando o chuveiro com uma mão e acionando-o, com mais força, com a outra. Neste momento foi vítima de uma descarga elétrica de pouca intensidade, causando apenas susto, sem danos maiores.

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    Figuras 7, 8 e 9 – Imagens do chuveiro elétrico e de sua simulação de uso para o acidente

    Ainda apesar do ocorrido, do acidente, a usuária afirma estar continuando a utilizar o mesmo chuveiro, mas sem o aquecimento da água, deixando o regulador de temperatura inutilizado. A partir do relato desta foi feito um fluxograma com todas as etapas da atividade de uso do chuveiro elétrico. Tais atividades são descritas na figura 10 na página a seguir.

    Figura 10 – Fluxograma da tarefa para o uso do chuveiro elétrico

    O fluxograma da tarefa foi construído durante o momento da entrevista e ajudou a usuária a relembrar detalhes do acidente.

    As etapas descritas pela usuária são, resumidamente, descritas como as que se seguem:

    − Colocação do plug do chuveiro elétrico na tomada;

    − Tentativa de mudar o botão de regulagem do termostato para a temperatura “verão”;

    − Botão com dificuldade para ser acionado;

    − Colocação das duas mãos para obtenção de um maior apoio para acionamento do botão;

    − O botão é ativado bruscamente;

    − A usuária leva um choque.

    A usuária afirmou ter tentado encontrar o manual de instruções para solucionar o problema de travamento do botão de regulagem. Como não encontrou, achou que seria capaz de resolver o problema. Este procedimento é mostrado na imagem a seguir da árvore de falhas (Figura 11).

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    Figura 11 – Árvore de falhas para o acidente com o chuveiro elétrico

    O enguiço do botão foi causado por problemas do próprio aparelho devido ao uso prolongado do produto. A chave de temperatura possivelmente foi danificada depois de ter sido trocada de posição várias vezes, por conta da preferência de cada um dos usuários (moradores da residência). Embora este fato deve ser levado em consideração, tal atividade deveria ser considerada como normal e o material do botão de regulagem do termostato ter sido dimensionado para uma vida útil compatível com tal função. Porém, uma proteção contra choques na base do produto deveria ter sido desenvolvida e colocada no produto, tendo em vista os riscos a que um usuário está submetido.

    3.3. Acidente com uma chave de fenda

    O usuário entrevistado relatou que a chave de fenda que ele utilizava no momento do acidente era mais fina do que a que está representada na foto a seguir (figuras 12), porém, esta representa bem a atividade que fora executada por ele.

    De acordo com o relatado na entrevista, o usuário afirmou que estava tentado parafusar a moldura de madeira da porta. Ele inclinou a chave de fenda e, ao imprimir força, o cabo da chave de fenda partiu-se fazendo com que a haste de metal cortasse na mão direita do usuário, conforme demonstrado na simulação (figuras 13 e 14). Segundo o mesmo, o corte não teve maiores gravidades.

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    Figura 12, 13 e 14 – Imagens da chave de fenda e de sua simulação de uso para o acidente

    O fluxograma com todas as etapas da atividade da atividade está detalhado na figura 15 a seguir.

    Figura 15 – Fluxograma da tarefa para o uso da chave de fenda

    As seguintes atividades foram descritas pelo usuário até o momento do acidente:

    − O usuário força o parafuso contra a superfície de madeira a fim de se fazer um furo guia para a colocação do mesmo com a chave de fenda;

    − Coloca a chave de fenda na cabeça do parafuso;

    − Inicia-se a atividade de parafusar, na tentativa de se “abrir rosca” (fazer com que o parafuso entre sem precisar de uma broca);

    − Aumenta-se a força para acelerar o processo;

    − O usuário inclina a chave de fenda, de forma não proposital;

    − A chave de fenda quebra em uma parte do cabo;

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    − A haste de metal cortou a mão do usuário com a quebra do cabo.

    Fica claro que o material utilizado na fabricação da chave de fenda não era de boa qualidade, pois quebrou-se com muita facilidade para um produto que fora adquirido há pouco tempo pelo o usuário. A árvore de falhas a seguir (figura 16) retrata o relato do usuário durante a simulação do acidente com a chave de fenda.

    Figura 16 – Árvore de falhas para o acidente com a chave de fenda

    A chave de fenda é um produto que, ao contrário da furadeira e de outros produtos, não vem com manual de instruções explicando-se o seu uso correto. Algumas vezes pode ser observado, na embalagem de uma caixa de chave de fenda, algumas indicações do tipo de material e suas finalidades, porém, a ausência de instruções de uso é clara. Muitas vezes pensa-se que por um produto ser supostamente muito fácil de ser utilizado este não necessite de explicações com relação ao seu uso. Porém, existem os mais diversos tipos de usuários, e um produto pode ganhar mais funções do que àquelas a que se destinava originalmente.

    A inclinação dada pelo usuário possivelmente não teve a ver com a quebra do produto, pois o tipo de atividade a que este se destina requer certos movimentos e posições dos seus usuários e, deve ser dimensionado para tal.

    3.4. Acidente com um ventilador

    O acidente ocorreu quando a usuária tentou fazer a limpeza nas hélices do ventilador. Ao tentar soltar a última trava que prendia a grade de proteção a outra grade presa ao corpo do ventilador, sentiu resistência e impôs mais força com o dedo polegar. A trava quebrou-se e a

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    usuária contundiu e cortou o dedo na rebarba que ficou presa ao que restou da trava. O ferimento foi leve não causando maiores danos a usuária.

    Figura 17, 18 e 19 – Imagens do ventilador e de sua simulação de uso para o acidente

    O ventilador que causou o acidente descrito neste item é o mesmo usado na simulação acima (figuras 17 a 19). O detalhe é que a trava que estava quebrada ainda continuava sem conserto até o momento da simulação. Cabe ressaltar que, para efeitos de simulação a presença desta não se fez totalmente necessária. A usuária afirmou que leu o manual de instrução várias vezes antes de retirar a grade do ventilador devido a imensa dificuldade encontrada ao tentar abri-lo. Baseando-se na descrição e apresentação das atividades desenvolvidas pela usuária, elaborou-se um fluxograma da tarefa para a limpeza do ventilador (figura 20).

    Figura 20 – Fluxograma da tarefa para o uso do ventilador

    As etapas que precederam e culminaram no acidente forma as seguintes:

    − Fazer limpeza do ventilador;

    − Tentativa de abrir a grade;

    − Destravamento das travas de segurança da grade (5 travas);

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    − Na última trava houve uma maior dificuldade para abrir;

    − A trava se quebra, machucando e cortando a usuária.

    Todas as etapas descritas acima podem ser vista na árvore de falhas mais claramente, em sua seqüência lógica. Foi percebido na análise in-loco que as travas do ventilador eram realmente bem difíceis de serem retiradas. Na figura 21, tem-se a representação esquemática do acidente por meio da árvore de falhas.

    Figura 21 – Árvore de falhas para o acidente com o ventilador

    O objetivo principal desta etapa do estudo era o de analisar mais profundamente as causas dos acidentes que puderam ser registrados. Observa-se que, para cada um dos acidentes pode ser constatado que uma parcela da culpa pelo acidente, seja por falta de atenção ou o próprio descuido, pertencia ao usuário. No entanto, estas culpas passam a ser relativas uma vez que todos os acidentes poderiam ter sido evitados se os produtos tivessem sido projetados com uma maior ênfase nos elementos de advertência e nos itens de segurança, e que tivesse sido dado uma atenção especial na prevenção do mau uso dos mesmos.

    Também pode ser visto que os produtos analisados não apresentavam características de um produto “amigável”. Tal fato deve considerar (i) sua composição física (ii) seus componentes, (iii) seu manual de instrução e (iv) as advertências no produto. Para cada um dos casos apresentados pode-se perceber pelo menos um destes fatores.

    4. Questionamento com os usuários: aplicação do SUS

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    O SUS apresenta ao inquirido um sistema com algumas perguntas que devem ser respondidas marcando-se em uma escala de satisfação de acordo com o nível de concordância ou discordância para cada questão. Após serem respondidas, codifica-se as respostas e calcula-se, através de um coeficiente dado pelo próprio SUS, o grau de usabilidade de um dado produto.

    4.1. Procedimentos para a aplicação do SUS

    De acordo com as recomendações feitas por Stanton e Young (1999), foram seguidos todos os procedimentos para a aplicação do SUS, indo desde a explanação sobre de que se tratava o questionário até a sua ponderação e análise. Através deste procedimento, foi possível obter-se resultados considerados satisfatórios para o estudo com os usuários. Os cálculos que são apresentados nas tabelas seguintes (tabelas 1 a 4) foram feitos baseados nos questionários do SUS respondidos pelos usuários seguindo-se a ordem apresentada pelos autores. Para uma compreensão adequada das respostas dos usuários, considera-se o valor “0” (zero) como sendo o escore mais baixo para o nível de usabilidade e “100” (cem) como sendo o escore mais alto.

    4.2. Análise do SUS para a furadeira

    Para o primeiro caso, da furadeira, os cálculos se apresentaram da seguinte forma na tabela 1:

    Escore dos itens de número ímpar = Posição na escala – 1

    Escore dos itens de número par = 5 – Posição na escala

    Item 1 2 – 1 = 1 Item 3 4 – 1 = 3 Item 5 2 – 1 = 1 Item 7 5 – 1 = 4 Item 9 3 – 1 = 2

    Item 2 5 – 2 = 3 Item 4 5 – 3 = 2 Item 6 5 – 2 = 3 Item 8 5 – 5 = 0 Item 10 5 – 4 = 1

    Soma dos números ímpares (NI) = 11 Soma dos números pares (NP) = 9 Total da soma dos itens = NI + NP = 20 Escore total de usabilidade para SUS Total dos itens x 2,5

    = 20 x 2,5 = 50

    Tabela 1 – Cálculo para o nível de usabilidade da furadeira

    No exemplo da furadeira, percebeu-se um nível de usabilidade no valor de 50. Considerando-se a escala de 0 a 100 apresentada, nota-se que um nível de 50 para usabilidade em produtos de consumo já pode ser considerado como abaixo de moderado.

    4.3. Análise do SUS para o chuveiro elétrico

    Para o chuveiro elétrico o usuário apresentou no início uma pequena dificuldade para responder o questionário, porém, após algum tempo e tendo as dúvidas sido esclarecidas, obteve-se os resultados apresentados na tabela 2.

    Escore dos itens de número ímpar = Posição na escala – 1

    Escore dos itens de número par = 5 – Posição na escala

    Item 1 5 – 1 = 4 Item 3 5 – 1 = 4 Item 5 1 – 1 = 0 Item 7 4 – 1 = 3 Item 9 4 – 1 = 3

    Item 2 5 – 5 = 0 Item 4 5 – 2 = 3 Item 6 5 – 5 = 0 Item 8 5 – 5 = 0 Item 10 5 – 2 = 3

    Soma dos números ímpares (NI) = 14 Soma dos números pares (NP) = 6

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    Total da soma dos itens = NI + NP = 20 Escore total de usabilidade para SUS Total dos itens x 2,5

    = 20 x 2,5 = 50

    Tabela 2 – Cálculo para o nível de usabilidade do chuveiro elétrico. Pode-se constatar que o chuveiro elétrico do estudo, apresenta um nível de usabilidade de 50. O que, similarmente ao produto anterior, deve ser considerado de baixo a moderado.

    4.4. Análise do SUS para a chave de fenda

    Para o terceiro caso, a chave de fenda, fora constatado o escore de 67,5, chegando-se com isso a um nível de usabilidade mais alto do que o percebido nos outros produtos, porém, ainda aquém do desejado, tendo em vista que um produto quando desenvolvido e deve atender plenamente as necessidades dos seus usuários. Os cálculos para este produto podem ser observados na tabela a seguir (tabela 3)

    Escore dos itens de número ímpar = Posição na escala – 1

    Escore dos itens de número par = 5 – Posição na escala

    Item 1 5 – 1 = 4 Item 3 4 – 1 = 3 Item 5 1 – 1 = 0 Item 7 4 – 1 = 3 Item 9 5 – 1 = 4

    Item 2 5 – 1 = 4 Item 4 5 – 1 = 4 Item 6 5 – 4 = 1 Item 8 5 – 5 = 0 Item 10 5 – 1 = 4

    Soma dos números ímpares (NI) = 14 Soma dos números pares (NP) = 13 Total da soma dos itens = NI + NP = 27 Escore total de usabilidade para SUS Total dos itens x 2,5

    = 27 x 2,5 = 67,5

    Tabela 3 – Cálculo para o nível de usabilidade da chave de fenda 4.5. Análise do SUS para o ventilador

    Para o ventilador foi observado os valor apresentado na tabela a seguir (tabela 4).

    Escore dos itens de número ímpar = Posição na escala – 1

    Escore dos itens de número par = 5 – Posição na escala

    Item 1 5 – 1 = 4 Item 3 3 – 1 = 2 Item 5 2 – 1 = 1 Item 7 4 – 1 = 3 Item 9 5 – 1 = 4

    Item 2 5 – 3 = 2 Item 4 5 – 1 = 4 Item 6 5 – 3 = 2 Item 8 5 – 5 = 0 Item 10 5 – 2 = 3

    Soma dos números ímpares (NI) = 14 Soma dos números pares (NP) = 11 Total da soma dos itens = NI + NP = 25 Escore total de usabilidade para SUS Total dos itens x 2,5

    = 25 x 2,5 = 62,5

    Tabela 4 – Cálculo para o nível de usabilidade do ventilador De acordo com as respostas da usuária, o nível de usabilidade para o ventilador chega aos 62,5, o que ainda pode ser considerado como insatisfatório. De uma maneira geral pode ser constatado que os produtos apresentam-se dentro de uma faixa na escala de usabilidade que varia de 50 a 67,5. Este índice deve ser considerado baixo, já que um produto deve atender bem o nível máximo de satisfação de seus usuários (ou seja, os 100% ou 100 pontos).

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    O SUS permitiu, através dos pontos onde os usuários mais se queixaram, tentar desenvolver soluções que busquem suprir deficiências em determinadas área do produto. Como por exemplo, caso um usuário discorde fortemente que um produto ou sistema seja fácil de aprender a ser utilizado, deve-se pensar em como uma interface mais amigável pode ser aplicada a tal produto ou sistema, conforme citado por Stanton e Young (1999) e por Stanton e Barber (2002).

    5. Conclusões e lições aprendidas sobre os principais dados obtidos

    Pode ser constatado que, apesar da relutância dos usuários em refazer o acidente ora alegando dificuldades de se lembrar o que houve, e ora dizendo que não tinham mais os produtos, os resultados foram satisfatórios. As simulações ocorreram nas residências dos usuários acidentados, o que deixa as mesmas mais próximas do real com relação ao que fora sucedido. Isso foi pedido diretamente a cada um dos usuários vitimados com algum tipo de acidente. A metodologia de Weegles (1996) foi seguida passo a passo, em sua maior parte, para uma correta análise e avaliação do estudo.

    Por meio da construção da árvore de falhas foi possível verificar onde ocorreram algumas falhas, tanto do produto quanto do próprio usuário. Fica claro também que, apesar da tentativa de reconstituição (simulação) do acidente, todos estavam cientes de que alguns detalhes ou pormenores poderiam ter sido esquecidos. O SUS, utilizado nas entrevistas, foi de fundamental importância para atestar que os produtos em questão possuem relativamente baixo nível de usabilidade, apesar de que pode-se contestar o fato de que a opinião fora dada com relação a cada produto causador de um acidente. Os autores do SUS não definem se índices como 40, 50 ou 60 são níveis baixos, mas atestam que numa escala de 0 a 100, estes dois seriam os extremos negativos e positivo respectivamente, o que pode assegurar que índices abaixo de 70 a 80, atestam, de uma maneira geral, produtos com baixos índices de usabilidade, ou que poderiam ser melhor estudados em suas concepções.

    Pode-se dizer que os acidentes analisados ocorreram por culpa do produto, e quando da culpa do usuário, atesta-se a falta de atenção dos mesmos para certas normas de segurança e usabilidade. Segundo Jordan (1998) e Vendrame (2000), é um erro dos projetistas e desenhistas projetarem para si próprios achando que os usuários vão agir e pensar como eles. Projetar para crianças, idosos, pessoas com algum tipo de deficiência ou limitação, homens ou mulheres, altos ou baixos, requer um grau discernimento diferente para cada caso, e é neste ponto onde estará o diferencial entre um bom produto e um mau produto.

    É preciso deixar claro que não basta apenas o fator estético ou cumprir algumas de suas funções, é necessário desempenhá-la bem e corretamente, possuir uma concepção formal e estética em consonância com a proposta a que se destina e principalmente ao público que se pretende atingir. Os casos acima demonstram apenas uma parte de uma amostra acidental retirada de uma capital brasileira. Foram muitos casos encontrados em apenas uma pequena parcela não representativa. Estimam-se que os números representativos e com significância sejam tão altos quanto os que foram encontrados. Segundo depoimento de um dos usuários entrevistados: “Temos em casa produtos e eletrodomésticos que são facilmente armas brancas, ou melhor, invisíveis, que podem nos ferir a qualquer momento”.

    Conforme Abbott e Tyler (1997), assim como em alguns países da Europa, percebe-se a necessidade de um sistema de monitoramento que possa demonstrar o quão alarmantes são os números de acidentes de cunho doméstico, e sobretudo, aqueles envolvendo produtos de consumo, com um intuito não somente de evitar-se litígios e situações constrangedoras para

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    algumas empresas, mas principalmente, de se evitar mais acidentes por meio da conscientização sobre a real necessidade de serem feitos mais estudos voltados a segurança do consumidor dentro e fora de casa.

    6. Referências Bibliográficas

    ABBOTT, H. & TYLER, M. Safer by Design. A guide to the management and law of designing for product safety. England, Gower, 1997.

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