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Análise do discurso da revista Elle: edição especial moda e feminismo 1 Elle magazine's discourse analysis: Special Edition fashion and feminism Nome do acadêmico: Evelin Tomé Marques.² Nome do orientador: Vanessa Wendhausen Lima.³ Resumo O presente artigo tem como objetivo analisar o discurso da revista “Elle” sobre o feminismo e a forma como ele é tratado em sua edição especial intitulada “moda e feminismo” por meio de seus discursos não verbais, como campanhas publicitárias, estereótipos de modelos usadas para representar a mulher na revista, pelo conteúdo de suas matérias, bem como entender como essas publicações agendam o comportamento das mulheres. A edição especial da revista foi analisada com base na teoria da “Analise Crítica do Discurso” e encontrou contradições na fala da revista em relação a forma como a revista dissertou sobre o movimento feminista. Palavras-Chave: Revista feminina. Padrões. Mulher. Feminismo. Abstract The present article aims to analyze the Elle magazine' speech about feminism and how this is treated on its special edition entitled as "fashion and feminism" through its nonverbal speech such as advertising, models that fit to a beauty standard usually seen in magazines, for its content, as well to understand how these publications build a pattern to women behavior. The special edition of the magazine was analyzed based in the theory of the "discourse analysis" and it was found many contradictions in the magazine‟ speech regarding as to how it choose to talk about the feminist movement. Keywords : Women's Magazine. Patterns. Women. Feminism. 1 INTRODUÇÃO O presente artigo visa analisar os discursos apresentados pela revista Elle em sua edição especial intitulada moda e feminismo. Revistas femininas são consumidas em grande 1 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Jornalismo da Faculdade SATC, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Jornalismo. ² Acadêmica da fase do curso de jornalismo. ³Orientadora do artigo acadêmico.

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Análise do discurso da revista Elle:

edição especial moda e feminismo 1

Elle magazine's discourse analysis:

Special Edition fashion and feminism Nome do acadêmico: Evelin Tomé Marques.²

Nome do orientador: Vanessa Wendhausen Lima.³

Resumo

O presente artigo tem como objetivo analisar o discurso da revista “Elle” sobre o feminismo e

a forma como ele é tratado em sua edição especial intitulada “moda e feminismo” por meio de

seus discursos não verbais, como campanhas publicitárias, estereótipos de modelos usadas

para representar a mulher na revista, pelo conteúdo de suas matérias, bem como entender

como essas publicações agendam o comportamento das mulheres. A edição especial da revista

foi analisada com base na teoria da “Analise Crítica do Discurso” e encontrou contradições na

fala da revista em relação a forma como a revista dissertou sobre o movimento feminista.

Palavras-Chave: Revista feminina. Padrões. Mulher. Feminismo.

Abstract

The present article aims to analyze the Elle magazine' speech about feminism and how this is

treated on its special edition entitled as "fashion and feminism" through its nonverbal speech

such as advertising, models that fit to a beauty standard usually seen in magazines, for its

content, as well to understand how these publications build a pattern to women behavior. The

special edition of the magazine was analyzed based in the theory of the "discourse analysis"

and it was found many contradictions in the magazine‟ speech regarding as to how it choose

to talk about the feminist movement.

Keywords : Women's Magazine. Patterns. Women. Feminism.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar os discursos apresentados pela revista Elle em sua

edição especial intitulada moda e feminismo. Revistas femininas são consumidas em grande

1 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Jornalismo da Faculdade SATC, como requisito

parcial à obtenção do título de Bacharel em Jornalismo.

² Acadêmica da 8ª fase do curso de jornalismo.

³Orientadora do artigo acadêmico.

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número e seus discursos falam da mulher como um objeto. As mulheres retratadas nessa

revista têm corpos, cabelos e rostos irreais, passando uma imagem de perfeição às leitoras,

que nem sempre é possível.

O artigo também pretende mostrar como essas publicações influenciam o

comportamento da mulher identificando os discursos não verbais da revista, como anúncios e

o estereótipo das modelos utilizadas nesta edição.

Em sua edição de número 331, publicada em dezembro de 2015, a revista Elle lançou

uma edição especial intitulada: Moda e Feminismo. A edição contava com quatro capas com

títulos de “guerra” sobre a luta feminista, mas as mulheres que retratavam esses gritos de

guerra eram mulheres com corpo de difícil alcance, para aquelas que não são modelos

fotográficos ou de passarela.

A definição de que a mulher precisa estar sempre bonita, dentro do peso, se preocupar

em agradar sexualmente seu parceiro e não a si mesma, precisa ser delicada, estar sempre bem

arrumada feita por publicações de revistas femininas impõem um padrão que sua leitora deve

seguir. Os assuntos abordados falam sobre como uma mulher deve se vestir ou o que ela deve

usar para se encaixar nesse padrão. O objetivo desse artigo é analisar criticamente os

discursos passados pela revista em forma de matérias, da escolha de representação e observar

como essa publicação interfere no comportamento da mulher.

2 A HISTÓRIA DO FEMINISMO

Para compreender sobre o movimento feminista é fundamental entender a importância

desse movimento na vida da mulher, ao longo da história até os dias de hoje, como este surgiu

e quais foram os principais nomes à frente dessa luta que ainda ocorre. É preciso buscar

entender a sociedade na qual a mulher está inserida enquanto ser social e as dificuldades

encontradas durante a luta da conquista por seus direitos. Butler (1990) fala dos obstáculos

encontrados em uma sociedade na qual a mulher é oprimida pura e simplesmente pelo fato de

ser mulher. Contextualizada em um cenário social machista, a mulher se vê diante de uma

constante luta por seus direitos.

Não basta inquirir como as mulheres podem se fazer representar mais plenamente na

linguagem e na política. A crítica feminista também deve compreender como a

categoria das “mulheres”, o sujeito do feminismo, é produzida e reprimida pelas

mesmas estruturas de poder por intermédio das quais busca-se a emancipação

(BUTLER, 1990, p. 19).

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A história do movimento feminista começa há muito tempo. Inclusive há publicações

consideradas feministas, mesmo que não sejam nomeadas dessa forma, que podem ser

encontradas na história muito antes das mulheres conquistarem o direito ao voto, por

exemplo, mostrando que mesmo que elas não tivessem se unido enquanto classe para lutar já

iniciavam suas batalhas de forma individualizada. Em 1405, considerado um dos marcos do

feminismo pré-moderno, o livro “Cidade das damas”, de Christine de Pisan, fala sobre o mito

das amazonas e ataca o discurso da inferioridade das mulheres e oferece uma alternativa à sua

situação.

Contudo, tem-se a noção de que apenas na contemporaneidade é que o feminismo

ganhou força. Isso porque dada a tecnologia e meios de comunicação em constante avanço e

baseados na ideia de globalização, da troca mundial de dados e informações, o feminismo tem

aparecido com mais frequência nessas mídias. Tais mídias são meio de divulgação de

informação mais eficaz no mundo atualmente, levando conteúdo a milhões de pessoas.

Infelizmente, nem sempre o feminismo se beneficia desse avanço tecnológico, uma vez que

também se propaga com maior velocidade conceitos errôneos e reações negativas que tentam

diminuir o movimento como um todo.

Esse fenômeno inclusive se tornou um meio de prática do feminismo, chamado de

militância virtual. Grupos se reúnem virtualmente e realizam ações importantes no intuito de

promover o movimento e ajudar as mulheres. Exemplo disso é a existência de grupos de

auxílio jurídico para mulheres que vivem em lares abusivos, bem como campanha de

conscientização on-line. A luta pela igualdade de gêneros é muito importante, Silva (2008, p.

9) afirma que “a dominação do macho sobre a fêmea é a ideologia mais arraigada em nossa

cultura, por cristalizar o conceito mais elementar de poder”, as mulheres são historicamente

consideradas frágeis e inferiores aos homens.

Drummond (2012) fala que o movimento feminista, ao longo dos últimos séculos da

idade contemporânea, vem se configurando como uma das principais manifestações sociais de

caráter transformador, lutando por maiores direitos para as mulheres que, desde os primórdios

da história, estavam submetidas às vontades masculinas e inferiorizadas pelo que a sociedade

entendia como a “fragilidade do sexo”.

Um dos eventos que marcaram a participação da mulher na Revolução [termo

utilizado para descrever a luta da mulher numa sociedade opressora] ocorreu em

março de 1792, quando Pauline León leu na tribuna uma petição assinada por

trezentas mulheres, reivindicando o direito de se organizarem em Guarda Nacional.

Os revolucionários não permitiram tal organização (MARTINS, 2010, p. 5).

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O movimento feminista, como movimento político, tem seus primeiros passos ainda na

Revolução Francesa. Nesse período pode-se observar mulheres lutando tanto ao lado de

homens como sozinhas. Um fato histórico importante dessa época foi o acontecimento da

“marcha das mulheres do mercado”. Em 5 de outubro de 1779, mulheres se encaminham ao

Palácio de Versalhes para exigir o cumprimento de suas petições junto ao rei, suas

reinvindicações eram sobre os altos preços dos mercados e a fome, além de pedir pão na

frente do palácio. O resultado dessa marcha foi a mudança da família real para Paris.

[…] o feminismo adquire uma prática de ação política organizada. Reivindicando

seus direitos de cidadania frente aos obstáculos que o contrariam, o movimento

feminista, na França, assume um discurso próprio, que afirma a especificidade da

luta da mulher (ALVES; PITANGUY, 1991, p. 32).

Ainda no contexto da Revolução Francesa, é lançado o texto “Os direitos da mulher e

da cidadã”, da autora Olympe de Gouges. Esse documento foi o primeiro a mencionar

igualdade jurídica entre homens e mulheres. Olympe criou esse texto como forma de protesto

à “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, que anunciava direito de igualdade e

liberdade apenas para homens enquanto as mulheres continuavam sem o direito de votar, de

ter acesso às instituições públicas, à liberdade profissional, direitos de propriedade, entre

outros.

Considerando que a ignorância, o esquecimento ou o menosprezo dos direitos da

mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção no governo,

resolveram expor, em uma declaração solene, os direitos naturais inalienáveis e

sagrados da mulher. Assim, que esta declaração, constantemente presente a todos os

membros do corpo social, lhes lembre sem cessar os seus direitos e os seus deveres;

que, sendo mais respeitados, os atos do poder das mulheres e os atos do poder dos

homens possam ser a cada instante comparados com o objetivo de toda instituição

política; e que as reivindicações das cidadãs, fundamentadas doravante em

princípios simples e incontestáveis, sempre respeitem a constituição, os bons

costumes e a felicidade de todos (GOUGES, 1791, p. 1).

Essas lutas influenciariam mulheres por todo mundo. Seguindo esse despertar de

consciência política, as trabalhadoras fabris se encorajam a lutar, especialmente nos Estados

Unidos, onde viviam em condições precárias e recebiam salários muito baixos, que mal as

permitia condições suficientes de sobrevivência mínima. Mises (1949) leciona sobre o

trabalho infantil, criticando a distorção dos fatos ao dizer que as fábricas arrancaram as donas

de casa de seus lares ou as crianças de seus brinquedos. As trabalhadoras fabris não possuíam

outro meio para alimentar os seus filhos. Suas crianças estavam carentes e famintas. Seu

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único refúgio era a fábrica que, num primeiro momento, as salvou da miséria extrema

(MISES, 1995, p. 626).

Em 19 de abril de 1879, o direito de acesso ao ensino superior é conquistado no Brasil

para as mulheres, por meio do decreto nº 7.247/79. Apesar do direito conquistado, muitas

mulheres sofriam preconceito ao demonstrar vontade de exercê-lo.

Em 1893, uma conquista histórica para as mulheres se torna realidade: a Nova

Zelândia se torna o primeiro país a aprovar o voto feminino. Mesmo com a conquista do

direito ao voto, as mulheres ainda tinham muita luta pela frente, até mesmo o emprego era

algo distante para o sexo feminino. Para Silva (2008), até 1884, as únicas mulheres a votarem

na Inglaterra eram as solteiras ou as viúvas, donas de propriedades, moradoras nas cidades.

Até 1914, o maior emprego individual para as mulheres era o serviço doméstico e a mulher

operária era transformada em escrava do salário, mal paga e recebendo menos que o homem,

exercendo a mesma função.

Um momento crucial dessa luta das mulheres trabalhadoras, que viria a marcar o

movimento feminista, foi em 08 de março de 1911, dia no qual as mulheres funcionária da

fábrica Triangle Shirtwaist, de New York, protestavam em greve por reajuste da jornada de

trabalho que, até então, se estendia num período de 16h diárias, equiparação salarial com os

funcionários homens e melhor tratamento no ambiente de trabalho. Alguns dias depois, mais

precisamente em 25 de março de 1911, a fábrica foi incendiada e matou 126 mulheres.

Alguns anos depois, a luta em busca dos direitos políticos se fortalece ainda mais. No

início do século XX, o direito ao voto passa a ser a principal reinvindicação das mulheres.

O movimento em prol do voto feminino perpetrado no Reino Unido, no início do

século XX, pelo grupo denominado “suffragettes”, foi um dos mais combativos e o

que passou para o imaginário popular como o representante da luta em prol da

cidadania política feminina. O movimento sufragista orquestrado pelas militantes

desse grupo foi uma das manifestações coletivas que mais geraram imagens

polêmicas na época em questão (KARAWEJCZYK, 2013).

No Brasil, os primeiros registros de mulheres em busca dos seus direitos aconteceram

no século XVIII e durante o XIX, porém, mais restrito às classes média e alta da sociedade.

No Brasil, a primeira onda do feminismo também se manifestou mais publicamente

por meio da luta pelo voto. A sufragetes brasileiras foram lideradas por Bertha Lutz,

bióloga, cientista de importância, que estudou no exterior e voltou para o Brasil na

década de 1910, iniciando a luta pelo voto (PINTO, 2010, p. 1).

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A escritora e filósofa inglesa Mary Wolstonecraft afirma, em sua obra intitulada “A

Reivindicação dos Direitos da Mulher”, a defesa de que as mulheres não são, por natureza,

inferiores aos homens, mas apenas aparentam ser por falta de acesso à educação e que, por

isso, as meninas precisavam ter acesso às instituições de ensino.

O Feminismo surge e se organiza como movimento estruturado, a partir do

fenômeno da modernidade, acompanhando o percurso de sua evolução desde o

século XVIII, tomando corpo no século XIX, na Europa e nos Estados Unidos,

transformando-se, também, em instrumento de críticas da sociedade moderna. E,

apesar da diversidade de sua atuação, tanto nos aspectos teóricos, quanto nos

aspectos práticos, o Feminismo vem conservando uma de suas principais

características que é a reflexão crítica sobre as contradições da modernidade,

principalmente no que tange à libertação das mulheres (SILVA, 2008, p. 1-2).

No ano de 1910, a professora e jornalista Clara Zetkin apresenta na I Conferência

Internacional das Mulheres Socialistas a proposta do “Dia Internacional da Mulher”, mas

apenas em 1910 essa proposta foi aprovada, essa foi uma conquista importante para o

reconhecimento do principal feito da luta feminista; a conquista dos votos.

Uma delegação de feministas-socialistas partiu dos Estados Unidos para

Copenhague na Dinamarca, levando duas propostas à II Conferência Internacional

das Mulheres Socialistas e ao VIII Congresso do Partido Socialista: a

internacionalização do Dia da Mulher, que já vinha sendo comemorado em Chicago

e em Nova York, e a defesa, pelo partido, do sufrágio feminino, até então bandeira

das burguesas (MONTEIRO, 2010 p. 7).

A luta feminista por igualdade adquire, em 12 de abril de 1919, outra conquista. A

Conferência do Conselho Feminino da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou

a resolução de salário igual para homens e mulheres que desempenharem a mesma função.

Apesar disso, até hoje as mulheres tendem a ganhar 27% menos que os homens exercendo a

mesma função (BOGHOSSIAN, 2010).

No Brasil, o principal ponto da luta feminista, nos primórdios da organização do

movimento, era pela educação e pela regulamentação do voto feminino. Em 1928, Alzira

Soriano foi eleita prefeita de Lages, mas não pôde terminar seu mandato, pois a Comissão de

Poderes do Senado anulou os votos destinados a todas as mulheres. O principal nome na

conquista dos votos femininos foi Bertha Lutz, bióloga brasileira e pesquisadora do museu

nacional. Bertha fundou, em 1922, a Federação pelo Progresso Feminino. Para Campos

(2011), com a pressão do movimento revolucionário burguês, capitaneado por Getúlio Vargas

e que sepultou a República Velha, aliado às lutas da classe operária e aos intelectuais que

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rompiam o pensamento tradicional, criou-se abertura para vários avanços, incluindo a

conquista das mulheres ao voto.

Inicialmente o voto feminino não era obrigatório, conforme o artigo 121: “Os

homens maiores de sessenta anos e as mulheres em qualquer idade podem isentar-se

de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral”. A obrigatoriedade do voto

das mulheres surgiu a partir de 1946 (CAMPOS, 2011 p. 1).

Em 1949, é publicada a obra “O segundo sexo”, de Simone de Beauvoir, escritora e

filósofa que contribuiu muito para o movimento. Considerada uma figura de transgressão

social, Beauvoir tinha um pensamento à frente do seu tempo, levando o termo mulher além da

questão da sexualidade, quando esse assunto ainda não era discutido socialmente:

(...) Simone não dispunha do termo gênero, mas ela conceituou gênero, ela mostrou

que ninguém nasce mulher, mas se torna mulher e, por conseguinte, ninguém nasce

homem, mas se torna homem, ou seja: ela mostrou que ser homem ou ser mulher

consiste numa aprendizagem. As pessoas aprendem a se conduzir como homem ou

como mulher, de acordo com a socialização que receberam, não necessariamente de

acordo com o seu sexo (MOTTA, SARDENGERG, GOMES, 2000, p. 23).

Em 27 de agosto de 1962 o Estatuto da Mulher Casada foi aprovado, com a lei

4.212/1962, e garantiu que a mulher não precisava mais de autorização do marido para

trabalhar, tinha direito a herança e agora a possibilidade de requerer a guarda dos filhos em

caso de separação.

Conforme os anos passaram, o movimento ganhou força e adeptas, conseguindo

conquistar direitos para a mulher em um dos momentos mais cruciais da história democrática

do Brasil: a Constituinte de 88.

Em agosto de 1985, o Congresso cria o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher –

CNDM. No final de 1986, o CNDM realiza um encontro em Brasília, no qual

mulheres de todos os Estados comparecem com ideias e sugestões, e assim se

formaliza a Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes. Esta Carta é um

documento histórico importante, pois reúne propostas para que o Estado proteja os

direitos das mulheres, as equipare em relação aos homens em todos os setores

sociais, sejam estes familiares, trabalhistas ou mesmo políticos, e propõe formas

para o Estado efetivar tais normas. As propostas expandiam o alcance de proteção

estatal que havia até então nas Constituições anteriores, como em relação aos

direitos das mulheres no âmbito da saúde reprodutiva e igualdade dentro do

casamento, bem como erradicar a violência doméstica. A Carta foi entregue ao

Presidente do Congresso Nacional e espalhada pelas Assembleias Legislativas de

cada Estado (PIUCCO, 2014).

Surge, assim, o Lobby do Batom, que procurou pressionar os deputados para que

fizessem os direitos da mulher serem garantidos na forma democrática que se instalaria no

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país. A Constituição é o documento mais importante de um sistema jurídico-político, é a base

de toda uma nação.

O Lobby do Batom foi um movimento de sensibilização dos deputados e senadores

sobre a relevância de considerar as demandas das mulheres para a construção de

uma sociedade guiada por uma Carta Magna verdadeiramente cidadã e democrática.

De 1986 à 1988 o CNDM, juntamente com representações de organizações diversas

de direitos das mulheres da sociedade civil, visitou quase que diariamente as

lideranças e os diversos deputados, conversando, apresentando dados, estatísticas,

testemunhos, denuncias, propostas.

Circulávamos pelo Congresso Nacional de gabinete em gabinete, incorporadas a este

grande fluxo de pessoas representando as mais variadas expressões da sociedade

brasileira que enchia os corredores daquela Casa, que depois de 21 anos de um

regime totalitário tinha o compromisso histórico de restaurar os alicerces legais da

democracia, da justiça social e da igualdade de gênero, raça e etnia. Lembro-me com

nitidez deste caminhar político e da sensação de que estávamos participando como

protagonistas de um momento histórico. (PINTAGUY, s.d.)

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º determina que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta

Constituição; (BRASIL, 2016)

A partir de então, as demandas mudaram e, assim, o movimento feminista também

muda. Nunca foi e nem será suficiente garantir em lei que mulheres sejam tratadas de forma

igual, pois há nuances entre essas mulheres. Além disso, um fator ainda mais gritante do

porquê a luta ainda continua é o fato de que é necessário muito mais para que essa igualdade

seja aceita e respeitada numa sociedade moldada em alicerces do patriarcado e que manteve o

privilégio confortavelmente nas mãos brancas de homens durante o decorrer da história da

sociedade e que não pretende abandoná-lo tão cedo.

Esta subalternidade, determinante na condição feminina, é fruto do seu papel de

gênero. Sabemos que a sociedade através de suas instituições (aparelhos

ideológicos), da cultura, das crenças e tradições, do sistema educacional, das leis

civis, da divisão sexual e social do trabalho, constróem mulheres e homens como

sujeitos bipolares, opostos e assimétricos: masculino e feminino envolvidos em uma

relação de domínio e subjugação. (COSTA, 2008 p. 3).

Toda a representação da mulher é voltada imagem sexualizada ou submissa da mulher,

que a coloca de volta onde a sociedade machista acredita ser o seu lugar: na cama para

satisfazer o homem ou dentro de casa servindo. Afinal, na visão patriarcal, a mulher existe

com o propósito de servir ao homem. Essa representação que somente estimula o machismo é

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comumente encontrada nos mais diversos campos, seja representação midiática, seja na

banalização das vítimas de estupro no sistema judiciário. A sociedade encontra meios de

humilhar a figura do feminino a todo o momento e é necessário que haja um esforço em

combater isso, pois a grande camada tende a internalizar aquilo que vê nas ruas, na televisão,

na internet, nas revistas.

Trabalhos voltados para o estudo da imagem masculina e feminina na mídia

apontam para o fato de que, na nossa sociedade, haveria estereótipos associados aos

comportamentos feminino e masculino: as mulheres seriam vistas como fisicamente

fracas e essencialmente emocionais, frágeis e dependentes, enquanto os homens

seriam fortes e racionais, independentes e corajosos. (MELO, 2006 p. 10).

Ainda que haja leis e políticas públicas de enfretamento à violência contra a mulher,

ainda que haja grupos feministas atuantes há anos, é, infelizmente, comum notícias diárias de

mulheres perdendo suas vidas, sua dignidade, seus direitos pelas mãos de homens. A mulher

ainda ganha menos, ainda apanha, ainda é assediada, ainda morre. Por isso, a luta continua.

Segundo Gomes, Batista (2015 p. 13), o fenômeno do assassinato de mulheres vem

crescendo, em proporções maiores que a dos homicídios masculinos nos últimos anos

aumentou apenas 8%, em relação aos homicídios femininos tem 17% a mais segundos dados

do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)”, por isso, a luta das feministas ainda

não acabou e é necessária a conscientização das mulheres cada vez mais.

3 APRESENTAÇÃO DO OBJETO: A REVISTA ELLE

A revista Elle tem origem francesa e surgiu no ano de 1945, em um período pós-guerra

conturbado. Fundada pela jornalista Hélène Gordon-Lazareff, com a ajuda de seu marido

Pierre Lazareff, a primeira edição da revista – que era semanal – vendeu 700 mil cópias. A

proposta da revista era atualizar as mulheres sobre a moda e trazer opções de manter a casa e

as roupas em ordem com pouco dinheiro. (FIORIN, 2009, p. 3)

No final da década de 60, a revista Elle publicou sua primeira edição internacional no

Japão, nessa época a revista já batia um milhão de exemplares vendidos. No ano de 2005, na

edição especial de 60 anos, a revista publicou um especial de 400 páginas com o slogan “60

anos de cumplicidade com as mulheres”, em suas páginas retratava as principais conquistas

femininas (que vão desde o direito ao voto e a possibilidade de tomar pílula anticoncepcional

até a minissaia e o polêmico topless) e elegeu seus “60 ícones”. “Depois de tantos anos de

privação e sofrimento, a leitora encontrou nas páginas de Elle ideias para se redescobrir,

redescobrir o seu país e, principalmente, recuperar sua feminilidade” (SCALZO, 2006, p. 25).

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No Brasil, a revista Elle chegou às bancas na década de 80, em uma época turbulenta.

Alguns anos após o fim da ditadura militar, a democracia finalmente era estabelecida e a

campanha das Diretas já tomava forma. Era tempo dos artistas disfrutarem da liberdade de

expressão que lhes foi tirada na época da ditadura. Em relação à economia, o Brasil passava

por uma crise significativa. Embora passasse por uma fase difícil, o mundo da moda trazia um

cenário alegre, colorido e diversificado. Seguindo esse espírito, a Elle Brasil chega às bancas

com uma capa verde e amarela (figura 1).

Já a revista Elle é editada pela Abril, e tem como mote, a revista que apresenta e

traduz as grandes tendências nacionais e internacionais da moda, beleza para a

mulher jovem de idade ou espírito. Tem tiragem de 50.000 exemplares e seu perfil

de leitores é caracterizado por, 72% de mulheres e 28% de homens, dos quais 52%

teriam entre 18 e 39 anos (LINO, 2007, p.21).

Figura 1 - Capa da primeira edição da Revista Elle no Brasil 1988

Fonte: Banco de imagens Google.

Com tiragem de 71.8645 exemplares por mês, Elle atualmente atende às expectativas

de 227.000 leitores (87% mulheres) com faixa etária entre 20 e 30 anos. Trata-se de um

público seleto, composto de 39% de leitores da classe A e 49% da classe B. De acordo com

Dulce Pickersgill, diretora de publicações femininas da Editora Abril, “a marca é

extremamente forte no mercado e a versão brasileira da revista possui uma rica trajetória que

a situa como um meio de propagação de moda globalizada, atualizada e vanguardista”

(NICHETTI, 2009). A edição número 331 (figura 2) analisada nesse artigo trouxe quatro

capas, nelas estavam “gritos de guerra” usados pelo movimento feminista. Em uma carta

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publicada no site da revista, por Susana Barbosa, Editora Chefe da Elle Brasil, a diretora falou

sobre a importância do movimento:

Sendo ELLE uma revista feminina, me senti na obrigação de fecharmos o ano

engrossando o coro de um assunto que nos toca diretamente e nunca esteve tão em

pauta: a tomada de consciência sobre o feminismo. E como retratar isso em uma

revista de moda? Ela, vilã, não seria o oposto dessa história? Escolhemos estampar

na capa a voz das ruas, com frases que foram extraídas dos cartazes usados nas

grandes manifestações feministas mais recentes (BARBOSA, 2015).

Figura 2 - Quatro capas da edição especial da Revista Elle

Fonte: Banco de imagens Google.

4 TEORIA DA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO

Para analisar a edição especial da revista Elle, seus discursos verbais e não-verbais na

edição especial sobre o feminismo, foi utilizada a teoria da análise crítica do discurso, para

Fairclough (1989), a Análise Crítica do Discurso pretende "aumentar a consciência de como a

linguagem contribui para a dominação de umas pessoas por outras, já que essa consciência é o

primeiro passo para a emancipação".

A ACD configura-se como uma abordagem teórico-metodológica que objetiva

investigar a maneira como as formas linguísticas funcionam na reprodução,

manutenção e transformação social. Ela representa, atualmente, um dos caminhos

mais reveladores dentro da ciência da linguagem e o que há de mais moderno na

atuação e interface da Linguística com outras áreas de conhecimento, por se tratar de

uma abordagem transdisciplinar, isto é, que “não somente aplica outras teorias como

também, por meio do rompimento de fronteiras epistemológicas, operacionaliza e

transforma tais teorias em favor da abordagem sócio discursiva” (RESENDE;

RAMALHO, 2006, p. 14).

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A ACD é importante nesta pesquisa, pois trata-se de dominação de minorias (o

machismo na mídia, as mulheres, etc.). Segundo Melo (2011), os analistas críticos do discurso

estão centrados na análise da reprodução do sexismo e do racismo, da legitimação do poder,

da manipulação do consentimento e do papel da política e da mídia na produção discursiva da

relação de dominação entre grupos. Essas preocupações e um conjunto de outros objetivos

explicitamente políticos servem para distinguir a ACD dos outros tipos de análise de discurso.

Ao analisar discursos não verbais como anúncios sexistas, matérias que inferiorizam a

mulher, fatores esses que muitas vezes passam despercebidos pelo leitor, a ACD se põe como

fator essencial. Segundo Fairclough (2000 p. 5):

A ACD partilha da concepção de que muitas das relações entre a linguagem e as

estruturas sociais são opacas, ou seja, pouco visíveis, passam despercebidas pelos

indivíduos. Entretanto, os textos apresentam traços e pistas de rotinas sociais que

revelam essas relações.

A análise crítica do discurso é muito importante para observar o que estava oculto. Os

textos muitas vezes tem significados ocultos e é função da ACD localizá-los e explicá-los ao

pesquisador. A crítica busca remover esta distorção e assim tornar possível a liberação do que

foi distorcido.

A crítica [...] objetiva a mudança ou até a remoção do que é considerado como

consciência falsa ou distorcida [...] A crítica [...] torna transparente o que

previamente estava oculto, e, ao fazer isso, inicia um processo de reflexão própria,

nos indivíduos ou em grupos, destinado a romper com a dominação de limitações

passadas. Aqui uma mudança na prática é, portanto, um elemento constitutivo de

uma mudança na teoria. (CONNERTON, 1976 p. 20).

Nessa análise o machismo, a objetificação da mídia e o sexismo impostos à mulher

ficam evidentes. A ACD diz que é a partir do discurso que o indivíduo cria sua realidade-

social. Para Fairclough (2003 p. 2) o discurso não é apenas prática de representação do

mundo, mas também prática de significação no mundo, construindo o mundo em significado.

O discurso contribui para a construção de: „identidades sociais‟, „relações sociais entre as

pessoas‟ e „sistemas de conhecimento e crença‟.

A importância da análise de uma revista que vende o feminismo (movimento social e

político que prega a igualdade de gêneros), mas que em seu discurso (verbal ou não) continua

impondo textos e anúncios machistas.

Difícil não considerar a importância econômica do uso da linguagem: a linguagem

usada para vender ideias, ideais e produtos. A linguagem usada para entreter, para

produzir e reproduzir uma cultura do ócio que amolda e domestica a massa

(COSTA, 2000, p. 2).

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Analisando os discursos não verbais da revista ainda se pode encontrar significados

ocultos, o que não seria possível somente com a análise do texto. Ramalho (2000) fala,

sucintamente, que a principal tarefa da ADC, como ciência social crítica, é mapear conexões

entre semiose e (aspectos não semióticos da) sociedade, com o objetivo de, primeiro, localizar

mecanismos semióticos, e suas causas e efeitos de sentido potencialmente ideológicos, para,

em seguida, suscitar possíveis maneiras de superar relações assimétricas de poder

parcialmente sustentadas pela linguagem.

A ADC estuda as interações sociais a partir da análise de textos. Não se trata de um

estudo puramente sociológico, no entanto, nem de uma abordagem exaustivamente

linguística dos textos. A AD como um todo se insere no limiar entre esses dois

pontos, buscando a relação do elemento linguístico com o elemento social. E no

caso específico da ADC faircloughiana, o foco de sua pesquisa científica é a

mudança social a partir da mudança discursiva, no ponto em que uma implica a

outra mutuamente (COSTA, 2000, p.1).

Para Melo (2009) o objeto de estudo de qualquer análise do discurso não se trata tão

somente da língua, mas o que há por meio dela: relações de poder, institucionalização de

identidades sociais, processos de inconsciência ideológica, enfim, diversas manifestações

humanas.

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O estudo de caso aplicado nesse artigo buscou compreender como uma publicação e

seus discursos podem influenciar a vida de uma mulher. As contradições de fala do discurso

do feminismo empregado na edição número 331 da revista Elle com base na teoria da Análise

do discurso. Barros (2000) fala que “o discurso é entendido como uma forma de ação no

mundo. É mediante o discurso que os indivíduos constroem sua realidade social, agem no

mundo em condições histórico-sociais e nas relações de poder nas quais operam”, ou seja,

com a reprodução de um determinado discurso, a mulher passa a se comportar de forma a

adequar-se aquele estilo de vida.

A abordagem desse artigo será qualitativa e estudará o comportamento do ser humano,

mais especificamente da mulher em relação ao discurso empregado por revistas femininas, no

caso deste artigo da revista Elle. Segundo Creswell (2007), pesquisas qualitativas fornecem

uma lente (até mesmo uma teoria) para guiar os pesquisadores em relação às questões que são

importantes e devem ser examinadas [...] e às pessoas que precisam ser estudadas (por

exemplo, mulheres, minorias) (CRESWELL, 2007, p. 141).

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Esse artigo também é bibliográfico, esse tipo de pesquisa busca na literatura títulos

que situem o pesquisador durante o trabalho científico. Segundo Boccato (2006, p. 226):

A pesquisa bibliográfica busca a resolução de um problema (hipótese) por meio de

referenciais teóricos publicados, analisando e discutindo as várias contribuições

científicas. Esse tipo de pesquisa trará subsídios para o conhecimento sobre o que foi

pesquisado, como e sob que enfoque e/ou perspectivas foi tratado o assunto

apresentado na literatura científica. Para tanto, é de suma importância que o

pesquisador realize um planejamento sistemático do processo de pesquisa,

compreendendo desde a definição temática, passando pela construção lógica do

trabalho até a decisão da sua forma de comunicação e divulgação.

6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Neste momento, passa-se a analisar os dados coletados do objeto de estudo, as quatro

capadas da edição especial, suas matérias e a forma como a revista fala sobre o feminismo,

bem como de procurar compreender e discutir acerca dos resultados encontrados ao final.

O primeiro ponto a ser analisado na edição especial da revista Elle, intitulada “Moda e

feminismo”, foi a falta de representatividade de mulheres reais com as quais as leitoras

pudessem se identificar. Em toda a publicação, em mais de 300 páginas, apenas três matérias

apresentam imagens com mulheres comuns. Quando essa normatização do que é belo

acontece, tais publicações começam a agendar o comportamento feminino, mesmo que sem

completa intenção de fazê-lo. Quando a mídia utiliza modelos de passarela para representar o

sexo feminino, a mulher atingida por tal mídia começa uma luta em seu dia-a-dia para atingir

um corpo como aquele mostrado na revista, pois internaliza que o modelo de corpo aclamado

pela mídia é o corpo que se precisa ter para que a mulher seja aceita na sociedade.

Cada vez mais a mulher consome esse tipo de publicação para tentar se encaixar em tal

padrão. Silva (2008) diz que a imprensa feminina – aquela direcionada exclusivamente à

mulher – “pasteuriza” o sexo feminino, ou seja, cria um modelo ideal e sugere que todas

sigam esse padrão, tanto na forma física quando na maneira de se comportar. As revistas se

tornam, para algumas mulheres, uma referência, de modo que passam a agir como sugerem as

reportagens.

O que se percebe com relação à mídia é que essa trabalha para o público destinatário

e não para o público interpretante. O discurso se construiria a partir de um jogo de

influência entre a imagem que as mídias criam do público-alvo e o público real

(MELO, 2006, p. 04).

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A capa da revista (figura 03) ilustra bem a crítica do feminismo contra os corpos

padrões e a pressão da sociedade para ser perfeita. Na edição especial, o leitor tinha a sua

disposição quatro capas com gritos de guerra do feminismo para escolher. Contudo, as

mulheres utilizadas para representar a leitora eram supermodelos magras, usando roupas de

grife e maquiagem profissional. Mesmo dando ênfase ao discurso feminista com seus gritos

de guerra e empoderamento, ainda assim, essas imagens incitam um padrão a ser seguido.

Segundo Connerton (1976), o sentido do termo crítico, nos estudos da linguagem, implica

mostrar as conexões entre os textos e os fatores que o permeiam, como o contexto histórico e

social de produção e compreensão textual, “a crítica [...] torna transparente o que previamente

estava oculto, e, ao fazer isso, inicia um processo de reflexão própria, nos indivíduos ou

grupo.” A mulher consome a revista e começa a seguir o que suas matérias sugerem, o que

muitas vezes gera uma certa frustração, pois o modelo ideal a ser atingido é praticamente

impossível, levando em conta que as mulheres usadas para representar o sexo feminino nessas

publicações são altamente produzidas e contam com a ajuda de ferramentas que moldam seus

corpos antes do material ser publicado.

À proporção que associam comportamentos, valores, atitudes a um ou a outro

gênero, as representações midiáticas ajudam, a formular o que reconhecemos como

feminilidade e masculinidade, estando imbuídas, portanto as relações de poder entre

os gêneros. Deste modo, dando a entender o porquê da popularidade e repetição de

certas fórmulas utilizadas nas propagandas pode elucidar o meio social em que elas

nascem e circulam levando a perceber quais representações estão sendo construídas

na sociedade sobre as mulheres (CRUZ, 2008, p. 3).

Figura 3 - As capas da edição especial moda e feminismo

Fonte: site iba, Elle digital.

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Tendo em vista que o tema da revista é o feminismo, a representação de mulheres reais

em suas capas seria uma forma de empoderamento da leitora, incentivando a quebra de

padrões e estereótipos seguindo justamente o conceito do movimento que incentiva a mulher a

se aceitar como é, sem precisar seguir um padrão pré-estabelecido socialmente. Porém, ao

utilizar modelos em suas capas, a revista apenas reforça um padrão de beleza e perfeição

inatingível.

Dessa forma, se dá o funcionamento do discurso, reforçando ideias cristalizadas

socialmente. No entanto, a análise crítica do discurso permite que sejam quebradas estruturas

de poder que só servem para manter uma sociedade tradicional arcaica e ultrapassada que

precisa urgente se remodelar, ou seja, uma sociedade que insiste em diminuir a autoestima da

mulher para que se mantenha a velha hierarquia do sexo masculino. Segundo Fairclough

(2012):

A ACD é uma forma de ciência social crítica, projetada para mostrar problemas

enfrentados pelas pessoas em razão das formas particulares de vida social,

fornecendo recursos para que se chegue a uma solução. É claro que isso leva a uma

pergunta: um problema para quem? Na condição de ciência social crítica, a ACD

tem objetivos emancipatórios e focaliza os chamados “perdedores” dentro de certas

formas de vida social – os pobres, os excluídos socialmente, aqueles que estão

sujeitos a relações opressivas de raça e sexo, e assim por diante. Mas isso não nos dá

uma um conjunto de problemas sociais claramente definidos e incontroversos.

O feminismo prega a igualdade de gêneros, a equidade dos direitos das mulheres em

relação aos do homem na sociedade. Sendo este o tema da revista em questão, seria necessário

uma quebra de padrões por parte das matérias publicadas, além de discursos que combatessem

o estereótipo que idealiza a mulher como frágil, que se interessa apenas por maquiagem e

cosméticos. A Elle acerta na escolha do tema, nos gritos de guerra, mas falha na representação

midiática de mulheres padrão que fomentam o antigo discurso, aquele que vai contra o

empoderamento trazido pelo movimento feminista.

Silva (2008) afirma que os assuntos destacados em revistas femininas sugerem aquele

antigo conceito de que mulher só se interessa pelo que é fútil e superficial. Diferente da

imprensa masculina, que busca trazer assuntos diferenciados e que investem na formação

pessoal e profissional masculina.

Na sessão especial Manifesto (figura 04), a revista elege 41 reinvindicações femininas

nos dias de hoje, mas a publicação conta apenas com as frases e quatro fotos carregadas de

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efeitos de algumas leitoras que sugeriram as reinvindicações, nada comparado ao espaço que

as modelos têm durante as 300 páginas da revista.

Novamente, a revista deixa de dar voz à personagem principal do feminismo: a

mulher. Seria importante que nessa sessão a revista abrisse mais espaço às leitoras e trouxesse

representantes reais do movimento, algo que daria ênfase ao discurso feminista dando vez e

voz à mulher em um meio de comunicação que busca a mulher como público-alvo.

Entretanto, na revista pouco utiliza suas páginas para aprofundar o assunto. Melo (2011)

afirma que a análise da reprodução do sexismo e do racismo, da legitimação do poder, da

manipulação do consentimento e do papel da política e da mídia na produção discursiva da

relação de dominação entre grupos.

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Figura 4 - Sessão manifesto

Fonte: site iba, Elle digital

Na sessão Manifesto, na qual a publicação enumera 41 reivindicações das mulheres, a

revista poderia ter aproveitado a oportunidade para aprofundar o assunto ao invés de soltar

frases aleatórias que, apesar de transmitirem a mensagem do movimento, não possuem uma

contextualização e segmento de uma ideia bem abordada, como aconteceria num texto

corrido. Se acaso tivesse optado por discursar ao invés de enumerar frases, seria possível

passar muito mais às leitoras. Seria o momento de trazer dados importantes como a diferença

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salarial, o feminicídio, a violência doméstica, ao invés de abrir muito mais espaço para os

anúncios de cosméticos. Seria viável – se mantendo à luz do tema proposto na edição

analisada - usar suas páginas para detalhar esses assuntos e fazer com que as mulheres

entendessem a importância do movimento feminista em suas vidas, no dia-a-dia, o que essa

luta agrega e quais os direitos conquistados até hoje.

Assuntos apresentados nas frases soltas que a revista optou por enumerar são alguns

dos temas atuais mais importantes pautados na luta feminista. As reinvindicações da sessão

manifesto trazem uma oportunidade perfeita para a revista tratar de assuntos sérios do

cotidiano da mulher, esse espaço poderia ser usado para explicar termos e situações nas quais

as mulheres sofrem preconceito e discriminação, como o número 6: “queremos ler textos de

mulheres, ver filmes de mulheres, valorizar trabalhos de mulheres, porque esse apoio é

fundamental para que mais mulheres façam seus trabalhos”, esse ponto entra em contradição

com a própria publicação, uma vez que dos 10 colaboradores da revista, apenas três são

mulheres (figura 05).

Pode-se observar a desigualdade em relação a meios de trabalho entre homens e

mulheres, esse é outro ponto do manifesto que poderia ser bem trabalhado. No tópico 26, as

mulheres pedem: “queremos receber o mesmo que os homens pela mesma função” e no

tópico 34: “exigimos o reconhecimento de nossa importância enquanto seres responsáveis

pelo desenvolvimento político, econômico e cultural e do nosso direito a gozar desses

avanços”, mas não traz números que mostrem o quão inferior é o espaço da mulher nos locais

de trabalho, na política e a sexualização em setores culturais. De acordo com Costa (2008 p.

4):

O domínio patriarcal (masculino) apresenta na sociedade distintas manifestações.

Ele está presente no cotidiano do mundo doméstico e do mundo público. Não é

preciso praticar a discriminação aberta contra a mulher ou a violência explícita para

demonstrar sua presença na medida em que esse poder de gênero está assegurado

através dos privilégios masculinos e das desigualdades entre homens e mulheres.

Outro tópico que soa contraditório com a edição é o 36, no qual se reivindica a

representação falha das mulheres na mídia, quando a revista optou por justamente não

representá-las através de modelos. Numa sociedade machista como a atual, a palavra

feminismo surge como se trouxesse consigo uma nuvem negra: é uma palavra pesada da qual

as pessoas fogem. Homens não aceitam, algumas mulheres ainda não se encontraram no

movimento; não importa a situação, a sociedade continua machista e tende a esconder

vestígios do feminismo como algo extremamente positivo.

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Quando se fala de feminismo, se remete a uma imagem estereotipada das feministas

bravas, mal amadas, feias e lésbicas. Por isso, é importante que as mídias femininas comecem

a falar do feminismo e quebrar esse tabu, que aproximem a mulher de um movimento que luta

por ela. Partindo desse ponto, a revista fez um excelente trabalho ao escolher tal temática.

Contudo, quando se embeleza as representações femininas numa edição sobre feminismo,

pode passar uma ideia de que a intenção é embelezar o feminismo, torná-lo mais aceitável, já

que a regra na sociedade é ser bonito para ser aceito. É uma mensagem extremamente

confusa, perigosa e contraditória.

Figura 5 - Colaboradores da edição

Fonte: site iba, Elle digital.

Além dos fatores como preconceito e intolerância da mulher no meio de trabalho e na

mídia, um dos tópicos mais importantes a ser esmiuçado nesse manifesto seria a violência

contra a mulher, o número 20 fala: “não queremos mais ter medo de caminhar pelas ruas por

sermos mulheres”. O número 20 registra: “não é possível lutar contra o que negamos ter

acontecido. Não queremos mais ser convencidas de que reclamar de reclamar de assédio e

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denunciá-lo é exagero ou vitimismo. Existe algo poderoso em se descobrir vítima, só assim é

possível enxergar que existe um culpado, e que não é você”. As frases são impactantes, mas

não mostram a realidade que a mulher vive. Gomes, Batista (2015 p. 8) afirma que “a mulher

pode ser considerada três vezes como vítima da sociedade, sendo então a mulher que sofre a

violência psicológica e física no seu convívio familiar; a mulher que sofre tal agressão e fica

em silêncio; a mulher que denuncia tal agressão e o Estado não tem infraestrutura para ajuda-

la, expondo-a de uma maneira constrangedora [...] a violência contra a mulher é um problema

social de caráter edêmico, pois um dado levantando em 2013 constatou que a cada cinco

mulheres, duas serão vitimas de violência domestica ou já sofrerem no decorrer de suas vidas

evidenciando a forma de discriminação e desigualdade entre homens e mulheres, trazendo a

tona a importância de todos os autores dos sistema de justiça, do poder judiciário. No Brasil

cerca de 30% das mulheres costumam sofrer violência por parte de um homem e 50% á 60%

da população afirma conhecer alguma mulher em situação de violência domestica familiar”.

Ao falar sobre o feminismo, a revista vende a ideia de que o que publica está no

caminho certo, do anti-padronismo, do anti-sexismo, e isso pode passar a ideia de que todo

comportamento incentivado pela revista está de acordo com o que o movimento abordado

prega. Essa parte do discurso passa despercebida e, conforme os pressupostos da ACD, muitas

vezes as pessoas acatam determinados comportamentos impostos pela mídia mesmo sem

intenção, sem perceberem. Esse é o papel do discurso, o funcionamento velado e fortemente

oculto que, segundo Fairclough (2000), “muitas das relações entre a linguagem e as estruturas

sociais são opacas, ou seja, pouco visíveis, passam despercebidas pelos indivíduos.

Entretanto, os textos apresentam traços e pistas de rotinas sociais que revelam essas relações”.

Para a ACD, é a partir do discurso que o indivíduo cria sua realidade-social. Para

Fairclough (2003), “o discurso não é apenas prática de representação do mundo, mas também

prática de significação no mundo, construindo o mundo em significado. O discurso contribui

para a construção de: „identidades sociais‟, „relações sociais entre as pessoas‟ e „sistemas de

conhecimento e crença‟‟. Por isso é importante que uma publicação de grande alcance fale

sobre o feminismo, mas não da forma como ainda é falada pregando um estereótipo de corpo

e comportamento ideal, é preciso que revistas femininas incentivem a liberdade da mulher,

expliquem a importância do movimento na sociedade e quebrem os padrões estabelecidos

pela sociedade em seu discurso.

Difícil não considerar a importância econômica do uso da linguagem: a linguagem

usada para vender ideias, ideais e produtos. A linguagem usada para entreter, para

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produzir e reproduzir uma cultura do ócio que amolda e domestica a massa

(COSTA, 2000, p.2).

Os assuntos tratados em toda a revista se limitam àqueles triviais que “são coisas de

mulher”. Publicações como essa apenas reforçam a ideia de que as mulheres se interessam

apenas por esse tipo de tema, quando, na realidade, as mulheres podem se interessar por

qualquer tema, leitoras variadas que são. Porém, as revistas de grande circulação, que tem o

controle sobre o discurso, não consideram tal aspecto e insistem em seguir o modelo de mídia

opressora que parece ainda, infelizmente, atingir grande parte do público feminino, que, ainda

preso nos estereótipos e na pressão pela busca incessante do corpo ideal, consome o discurso

sexista e padronizador.

7 CONCLUSÃO

O feminismo é um movimento muito importante na conquista dos direitos da

mulher, uma prova disso é a conquista do voto feminino conquistado através da luta

sufragista. Quando a revista Elle surge com uma edição especial falando sobre o assunto,

mostra uma ótima iniciativa ao colocar em pauta um tema tão importante, mas o machismo e

o sexismo que ainda estão impregnados na sociedade se encontram muito presentes na

publicação.

Falar do movimento é importante, pois ainda há uma visão equivocada sobre

feministas e suas lutas, por isso o discurso apresentado pela revista Elle falha em alguns

aspectos. Quando utiliza supermodelos para representar o tema abordado, a revista coloca em

contradição todo o discurso de quebra de padrões impostos pelo movimento. Ao utilizar

modelos de passarelas, superlotar as publicações com conteúdos considerados “supérfluos”

como maquiagem, cabelo e dietas, a revista deixa subentendido para suas leitoras que aquele

comportamento é o ideal para a mulher, essa forma de pensar bate de frente com o ideal do

feminismo que acredita na liberdade de escolha e empoderamento da mulher.

Segundo Cruz (2008) “empoderamento é o mecanismo pelo qual as pessoas, as

organizações, as comunidades tomam controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida,

de seu destino, tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir e criar e

gerir”, por isso ao em vez de instruir como a mulher deve se vestir, se maquiar e qual o corpo

ela deve ter, na edição especial sobre moda e feminismo, a revista devia incentivar as

mulheres a se aceitarem como são e verem beleza em ser diferentes.

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O problema citado neste artigo é identificar como o discurso da revista Elle fala

sobre o feminismo e como isso interfere na visão da mulher como um objeto, como

consumidora de publicações consideradas supérfluas. Analisando a revista ficou claro que a

publicação abordou de forma superficial um tema importante e ao comparar o discurso do

movimento com o discurso da revista foi possível analisar várias contradições como a

utilização de supermodelos na representação da mulher enquanto o movimento prega a quebra

de padrões. O discurso da revista, que desde a capa até seu recheio deu um espaço grande há

produtos de beleza e pouco espaço para o movimento, agenda o comportamento da mulher

fazendo com que ela se esforce para seguir esse padrão imposto pela revista.

Conclui-se com este artigo, que a mídia, mesmo com todos os avanços e

conquistas femininas, não utiliza seu espaço para dar voz à mulher e ainda a trata como ser

frágil. Ao mesmo tempo que incentiva o feminismo, não abre espaço para a mulher real em

sua publicação. A maioria dos colaboradores da revista são homens e o tema principal é

abordado superficialmente, o espaço que fala sobre o feminismo poderia ter sido aproveitado

para trazer números importantes sobre a violência contra a mulher, a desigualdade salarial,

além de contar a história do feminismo mais a fundo ou falar sobre projetos e pessoas

importantes na luta antiga e atual das feministas, mudando o discurso de sexo frágil ainda

muito presente no ambiente social que a mulher está inserida.

As páginas da revista poderiam ter sido preenchidas com histórias de superação e

aceitação do próprio corpo, utilizando-se de editorias que mostrassem a beleza de ser

diferente, podendo fazer de seu discurso uma ferramenta para forma de ajudar a mulher a

combater o machismo, o sexismo e ser uma aliada nas lutas do feminismo.

Connerton (2000) “afirma que a análise crítica apresenta informações

fundamentais sobre elementos que amparam e ajudam a construir os textos, mas que não são

aparentes. Sendo, pois, uma teoria crítica aquela que ajuda a fornecer recursos para o

conhecimento de uns sobre o posicionamento de outros, isto é, aquela que joga luz à reflexão

do indivíduo, para que ele consiga compreender o que subjaz o notório, munindo, desse

modo, de ferramentas perceptivas principalmente aqueles que possam encontrar-se em

desvantagem social.”

Portanto, apesar de apresentar um tema de suma importância social, a revista não

o faz de forma que represente verdadeiramente o que o movimento feminista prega e acaba

contrariando seus ideais na luta a favor da mulher.

REFERÊNCIAS

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