análise de pobre velha música

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Análise do poema "Pobre velha música" O poema "Pobre velha música" é um poema ortónimo de Fernando Pessoa, sem data, mas publicado na Revista Athena em Dezembro de 1924. Como em muitos outros poemas ortónimos (escritos em seu próprio nome), Pessoa usa a temática da sua infância, em contraposição com o presente, considerando sempre a infância como um "período dourado" da sua vida, que já não vai regressar. Neste caso é a "pobre velha música" que simboliza esse período. Sabemos aliás que a mãe de Pessoa tocava piano, e há mesmo um poema extremamente tocante que fala explicitamente da sua mãe a tocar. Mas passemos à análise do poema propriamente dito: Tema: Infância Assunto: Ao ouvir a música, o sujeito poético relembra a sua infância Pobre velha música! Não sei porque agrado, Enche-se de lágrimas Meu olhar parado. Inicialmente Pessoa introduz-nos ao tema do poema, lembrando a "velha música", provavelmente tocada pela sua mãe na sua infância, talvez ainda antes de sair de Lisboa para Durban. A lembrança, embora seja talvez de um período feliz, traz-lhe uma grande tristeza, sentimentos de nostalgia e angústia, porque está associada a uma idade perdida, a um paraíso perdido, que nunca mais regressará. O início do poema imprime a subjetividade do sujeito poético através do uso de duas figuras de estilo: personificação e hipérbole ("pobre e velha música"). A parte final do poema parece conter uma anástrofe: troca da ordem das palavras, quando normalmente se diria "o meu olhar parado enche-se de lágrimas", uma vez que pretende destacar a carga emocional sentida. Recordo outro ouvir-te. Não sei se te ouvi Nessa minha infância Que me lembra em ti. Pessoa, ao recordar, no entanto, sente uma estranheza comum. O facto é que é ele que sente, mas quem na realidade sentiu verdadeiramente o

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Análise do poema de Fernando Pessoa

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Page 1: Análise de Pobre Velha Música

Análise do poema "Pobre velha música"

O poema "Pobre velha música" é um poema ortónimo de Fernando Pessoa, sem data, mas

publicado na Revista Athena em Dezembro de 1924.    

Como em muitos outros poemas ortónimos (escritos em seu próprio nome), Pessoa usa a

temática da sua infância, em contraposição com o presente, considerando sempre a infância

como um "período dourado" da sua vida, que já não vai regressar. Neste caso é a "pobre velha

música" que simboliza esse período. Sabemos aliás que a mãe de Pessoa tocava piano, e há

mesmo um poema extremamente tocante que fala explicitamente da sua mãe a tocar. 

Mas passemos à análise do poema propriamente dito:   

Tema: Infância

Assunto: Ao ouvir a música, o sujeito poético relembra a sua infância

Pobre velha música! 

Não sei porque agrado, 

Enche-se de lágrimas 

Meu olhar parado.   

Inicialmente Pessoa introduz-nos ao tema do poema, lembrando a "velha música",

provavelmente tocada pela sua mãe na sua infância, talvez ainda antes de sair de Lisboa para

Durban. A lembrança, embora seja talvez de um período feliz, traz-lhe uma grande tristeza,

sentimentos de nostalgia e angústia, porque está associada a uma idade perdida, a um paraíso

perdido, que nunca mais regressará. O início do poema imprime a subjetividade do sujeito

poético através do uso de duas figuras de estilo: personificação e hipérbole ("pobre e velha

música"). A parte final do poema parece conter uma anástrofe: troca da ordem das palavras,

quando normalmente se diria "o meu olhar parado enche-se de lágrimas", uma vez que pretende

destacar a carga emocional sentida.

Recordo outro ouvir-te. 

Não sei se te ouvi 

Nessa minha infância 

Que me lembra em ti.   

Pessoa, ao recordar, no entanto, sente uma estranheza comum. O facto é que é ele que sente, mas

quem na realidade sentiu verdadeiramente o sentido da música foi ele mas numa outra idade. A

lembrança é como se fosse uma experiência em segunda mão, que só pode ser estranha à verdade

do que se sente. O "outro" era ele enquanto criança, e ele recorda-se dele próprio enquanto

criança a ouvir a música, em que os sentimentos eram diferentes. Há aqui, mesmo que de

maneira menos óbvia, uma antítese entre passado e presente.    

Page 2: Análise de Pobre Velha Música

Com que ânsia tão raiva 

Quero aquele outrora! 

E eu era feliz? Não sei: 

Fui-o outrora agora.   

Pessoa deseja o regresso ao passado, talvez devido ao facto do presente lhe ser hostil, como em

quase todos os seus poemas, mas sabe esse regresso impossível. Simultaneamente, ele tem

consciência que mesmo que conseguisse regressar não conseguiria ser feliz agora. O seu desejo

projeta-se num plano temporal impossível de realizar: ele ser criança então, mas adulto agora, ao

mesmo tempo. O paradoxo é explícito quando ele diz: "fui-o outrora agora." Há uma fusão entre

passado/presente em que ele reconhece, no momento presente, a felicidade que viveu no

passado, sendo que o “eu” poético reclama esse passado de felicidade.

Figuras de Estilo:

Dupla adjetivação: “Pobre Velha Música!” – A infância já está longe e o hábito de ouvir música também.

Interrogação retórica: “E eu era feliz?” – O sujeito poético questiona-se a ele mesmo, coloca uma pergunta para a qual nem ele próprio sabe a resposta, o que traduz uma vez mais um estado de frustração acentuado por este estado de dúvida.

Pontuação:

O poema contém várias exclamações e interrogações emotivas que indicam o sentimento de raiva e angústia por parte do sujeito poético.

Métrica:

Po/bre/ ve/lha/ mú/si/ ca! – Hexassílabos1 2 3 4 5 6

Estrofes:

Poema composto por três quadras.