análise arqueométrica de pinturas rupestres pré-históricas do sítio

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Page 1: Análise arqueométrica de pinturas rupestres pré-históricas do sítio

AVANCE DE INVESTIGACIÓN

© 2016 ARQUEOLOGÍA IBEROAMERICANA 29: 44–49. ISSN 1989–4104. http://laiesken.net/arqueologia/.

ANÁLISE ARQUEOMÉTRICA DE PINTURAS RUPESTRESPRÉ-HISTÓRICAS DO SÍTIO TAMBORIL,

BARRAS, PIAUÍ, BRASILArchaeometric Analysis of Prehistoric Rock Paintings

from the Tamboril Site, Barras, Piauí, Brazil

Luis Carlos Duarte Cavalcante, Sônia Maria Campelo Magalhães,Ennyo Lurrik Sousa da Silva, Heralda Kelis Sousa Bezerra da Silva

Universidade Federal do Piauí, Brasil

Recibido: 23-2-2016. Aceptado: 25-2-2016. Publicado: 3-3-2016.

Edited & Published by Pascual Izquierdo-Egea. The English text was proofread by Kirby Elizabeth Farah.License CC BY 3.0 ES. http://laiesken.net/arqueologia/archivo/2016/29/7.

RESUMO. O sítio arqueológico Tamboril, localizadona área rural do município de Barras, estado do Pi-

auí, Brasil, é um bloco arenítico que apresenta umnicho decorado com pinturas rupestres, principal-

Figura 1. Nicho do sítio Tamboril completamente decorado com pinturas rupestres,destacando-se a sobreposição de grafismos. Fotografia: Luis Carlos Duarte Cavalcante.

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mente grafismos puros, motivos zoomórficos e ca-rimbos de mãos humanas, pintados em diferentestonalidades de vermelho. A conservação das pintu-ras é afetada por eflorescências salinas, resíduosdecorrentes da atividade de insetos (como cupins evespas) e impacto humano (visitação sem acompa-nhamento de guias e atividade agrícola nas proxi-midades). A análise arqueométrica de pigmentosdessas pinturas rupestres foi realizada no laboratóriocom fluorescência de raios X por dispersão de ener-gia e espectroscopia Mössbauer do 57Fe em geome-tria de retroespalhamento de raios g à temperaturaambiente. Os teores de Fe (como Fe2O3) encontra-dos nas pinturas variam de 2,953(1) massa% a17,23(1) massa%. Os parâmetros hiperfinosMössbauer revelaram que o pigmento vermelho-escuro das pinturas rupestres é composto de hema-tita (aFe2O3) e de um Fe3+ (super)paramagnético. Osteores de P (como P2O5) variam de 21,70(1) mas-sa% a 25,92(1) massa% e foram atribuídos às eflo-rescências salinas e aos resíduos orgânicos de ati-vidades de insetos que cobrem as inscriçõespré-históricas. PALAVRAS-CHAVE: pinturas rupes-tres, espectroscopia Mössbauer, arqueometria, Tam-boril, Barras.

ABSTRACT. The archaeological site known asTamboril, located in the rural area of the municipal-ity of Barras, Piauí State, Brazil, is a sandstone blockthat contains a niche decorated with rock paintings.These paintings are mainly composed of puregraphisms, zoomorphic motifs, and human hand-prints, painted in different tonalities of red. Theirconservation has been affected by saline efflores-cences, residues of insect activities (such as waspsand termites) and human impact (unguided visitorsand nearby agricultural activity). The archaeometricanalysis of pigments from these rock paintings wasperformed in the laboratory with energy dispersiveX-ray fluorescence and room temperature 57FeMössbauer spectroscopy in backscattering geometryof g-rays. The contents of Fe (as Fe2O3) ranged from2.953(1) mass% to 17.23(1) mass%. The hyperfineMössbauer parameters revealed that the dark redpigment from the rock paintings is composed ofhematite (aFe2O3) and a (super)paramagnetic Fe3+.The contents of P (as P205) ranged from 21.70(1)mass% to 25.92(1) mass% and were attributed tosaline efflorescences and residues of insect activi-ties that cover the prehistoric inscriptions. KEY-

WORDS: Rock paintings, Mössbauer spectroscopy,Archaeometry, Tamboril, Barras.

O SÍTIO ARQUEOLÓGICO TAMBORIL

Embora os sítios arqueológicos existentes noestado do Piauí, Nordeste do Brasil, tenham ganha-do destaque apenas após as pesquisas sistemáticasdesenvolvidas pela arqueóloga Niéde Guidon e suaequipe multidisciplinar (Pessis 2003; Guidon 2007;Martin 2008; Guidon, Pessis e Martin 2009), sítioscontendo inscrições rupestres já eram mencionadosem documentos desde o fim do século XVIII, nome-adamente na obra conhecida como LamentaçãoBrazilica, escrita pelo padre Francisco de Menezes,um religioso que percorreu diversos estados brasi-leiros, entre os anos de 1799 e 1806, reunindo asanotações de suas prospecções na obra citada (Ara-ripe 1886, publicado em 1887). No território que atu-almente corresponde ao estado do Piauí, na entãoProvincia do Piauhi, Menezes listou dezesseis locaiscom inscrições rupestres.

No município de Barras, o mais importante sítiode arte rupestre conhecido até o momento é o Tam-boril, um magnífico bloco de arenito, no centro doqual:

«[...] destaca-se uma intrigante, e relativamente pro-funda, abertura em forma de nicho, integralmente de-corada com pinturas rupestres pré-históricas (Figura 1).[...] Tanto a parede do fundo da cavidade quanto as la-terais estão ornadas com numerosas inscrições rupes-tres, pintadas em diferentes tonalidades de cor verme-lha. As figuras desenhadas representam principalmen-te grafismos puros, com tendência à geometrização,ocorrendo também muitos carimbos de mãos [...]» (Ma-galhães, Silva e Cavalcante 2015: 5).

Neste artigo, divulgam-se os primeiros dados daanálise arqueométrica das pinturas rupestres destesítio arqueológico, investigadas preliminarmentecom fluorescência de raios X por dispersão de ener-gia (com foco na determinação da composição quí-mica elementar) e espectroscopia Mössbauer do57Fe em geometria de retroespalhamento de raiosg (para detalhar as fases mineralógicas contendoferro em sua constituição).

METODOLOGIA

Microamostras de fragmentos do suporte rocho-so contendo tinta das pinturas rupestres foram co-letadas (Figura 2) em fevereiro de 2014. A determi-nação da composição química elementar foi feita em

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Figura 2. Indicação das áreas em que foram coletadas as amostras para a caracterização químico-mineralógica das tintasdas pinturas rupestres e detalhes dos grafismos em que a coleta ocorreu. Fotografias: Luis Carlos Duarte Cavalcante.

um espectrômetro de fluorescência de raios X pordispersão de energia, Shimadzu EDX-720, sob vá-cuo de 40 Pa e colimador de 5 mm.

As medidas Mössbauer foram efetuadas usandoum espectrômetro Mössbauer miniaturizado MIMOSII com aceleração constante de uma fonte de 57Coem matriz de Rh e ~25 mCi de atividade. Os deslo-camentos isoméricos foram corrigidos em relaçãoao aFe, padrão também usado para a calibração daescala de velocidade Doppler. As medidas foramfeitas à temperatura ambiente ~298 K. Os dadoscoletados foram ajustados por um algoritmo pelométodo dos mínimos quadrados, com o uso do pro-grama de computador NORMOSTM-90.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A composição química elementar de quatro amos-tras de pinturas rupestres, obtida por fluorescênciade raios X, está apresentada na Tabela 1, do que sepode inferir a ocorrência majoritária de minerais si-licatados ricos em alumínio, enxofre, potássio, titâ-nio e cálcio.

O teor de ferro nesses materiais pictóricos variade 2,953(1) massa% (composição aqui expressa

como Fe2O

3) a 17,23(1) massa% nas amostras

TB.2014.05 e TB.2014.03, respectivamente. É pre-ciso considerar o fator de diluição por silicatos daprópria matriz rochosa.

Os elevados teores de fósforo nas amostras, va-riando de 21,70(1) a 25,92(1) massa% (composiçãoaqui expressa como P

2O

5), sugerem que este ele-

mento químico muito provavelmente esteja compon-do eflorescências salinas, já que um dos grandesproblemas de conservação deste sítio arqueológi-co são as espessas camadas de depósitos salinosque recobrem as inscrições rupestres. Eflorescên-cias salinas contendo fósforo na forma de newberi-ta (MgHPO4·3H2O) e taranakita (H6K3Al5(PO4)8

·18H2O) foram identificadas no sítio arqueológico

Pedra do Castelo (Cavalcante, Fabris e Lage 2015),aspecto que reforça esta suposição. Parte dessefósforo virtualmente pode ser atribuída aos resíduosde ninhos de vespas e de galerias de cupins, queainda restam sobre as pinturas pré-coloniais; e outrafração do teor desse elemento certamente é resul-tante dos produtos de limpeza utilizados por visitan-tes na lavagem do nicho contendo os grafismos pré-históricos, visando a remoção do excesso de ninhosde vespas, conforme reportaram Magalhães, Silvae Cavalcante (2015).

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Tabela 1. Composição química elementar,* determinada por EDXRF, expressa em proporção em massa, na forma do óxido doelemento correspondente. * Incertezas fornecidas pelo equipamento, de uma única sondagem analítica de cada amostra.

A análise mineralógica dos filmes de tinta das pin-turas rupestres foi efetuada por espectroscopiaMössbauer do 57Fe, nas amostras TB.2014.01 eTB.2014.03. Os espectros das duas amostras (Fi-gura 3), obtidos a ~298 K, exibiram muita dispersãodos pontos experimentais, dificultando o ajuste nu-mérico dos dados. O espectro da TB.2014.01 exi-biu um sexto atribuído à hematita, com deslocamen-to isomérico (d), relativo ao aFe, de 0,39(3) mm s-1,deslocamento quadrupolar (e) de –0,18(5) mm s-1,campo magnético hiperfino (Bhf) de 49,7(1) tesla eárea subespectral relativa (AR) de 51(7)%, além deum dupleto central característico de Fe3+, comd(aFe) = 0,362(4) mm s-1, desdobramento quadrupo-lar (D) de 0,66(3) mm s-1 e AR = 49(3)%. Embora ocampo magnético hiperfino da hematita, neste caso,seja considerado relativamente baixo, quando com-parado ao valor de 51,8 tesla, considerado padrão(Cornell e Schwertmann 2003), campos magnéticoshiperfinos dessa ordem têm sido encontrados nas

medidas experimentais de pinturas rupestres ou deocres pré-históricos de outros sítios arqueológicos,como da Toca do Boqueirão do Sítio da Pedra Fura-da (Lage et al. 2016), da Toca do Enoque (Caval-cante et al. 2011) e do Sitio Manantial Solis (Caval-cante 2012).

O espectro Mössbauer da amostra TB.2014.03,ao contrário, não evidenciou ordenamento magné-tico, exibindo apenas um dupleto central muito in-tenso, característico de Fe3+, o que contrasta com oteor de Fe de 17,23(1) massa% (Tabela 1), para oqual era esperado um espectro com melhor reso-lução estatística. O mais provável é que nas duasamostras o dupleto de Fe3+, ou pelo menos parte daárea subespectral a ele atribuída, seja (super)para-magnético e, portanto, que esse Fe, ou uma fraçãodele, seja oriundo de hematita com pequeno tama-nho de partícula, eventualmente por substituição iso-mórfica desse metal, na rede cristalina do óxido deferro, por outros cátions, como o alumínio, por exem-

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plo (Cornell e Schwertmann 2003). O abaulamentona linha base do espectro Mössbauer da amostraTB.2014.03 é bastante sugestivo de relaxação(super)paramagnética, indicando que uma medidaexperimental efetuada em temperatura mais baixa,usando banho de nitrogênio ou de hélio, por exem-plo, pode promover o ordenamento magnético.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A caracterização químico-mineralógica dos filmesde tinta das pinturas rupestres pré-históricas do sí-tio Tamboril foi realizada com as técnicas fluorescên-cia de raios X e espectroscopia Mössbauer do 57Feem geometria de retroespalhamento de raios g, uma

Figura 3. Espectros Mössbauer obtidos em temperatura ambiente, ~298 K.

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geometria reconhecidamente voltada para medidasanalíticas de superfície e, portanto, muito adequa-da para avaliar a composição mineralógica de tin-tas rupestres pré-coloniais. O baixo valor de campomagnético hiperfino da hematita da pintura verme-lho-escura sugere que esse óxido de ferro esteja naforma de partículas de pequeno tamanho, um forteindício de que o pigmento base da tinta foi prepara-do por seleção do material mais fino, rico em hema-tita.

Sobre os autores

LUIS CARLOS DUARTE CAVALCANTE é professor e pes-quisador da Graduação e do Mestrado em Arqueo-logia da UFPI. É doutor em Ciências (Química), comtese em arqueometria, pela Universidade Federal deMinas Gerais, Brasil; atualmente faz pós-doutoradona UFMG. E-mail: [email protected].

SÔNIA MARIA CAMPELO MAGALHÃES é professora epesquisadora da Graduação e do Mestrado em Ar-queologia da UFPI. É doutora em História pela Uni-versidade Federal Fluminense, Brasil. E-mail:[email protected].

ENNYO LURRIK SOUSA DA SILVA é Bacharel em Ar-queologia e aluno do Mestrado em Arqueologia pelaUFPI, Brasil.

HERALDA KELIS SOUSA BEZERRA DA SILVA é Bacharelem Arqueologia e aluna do Mestrado em Arqueolo-gia pela UFPI, Brasil.

REFERÊNCIAS

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