anais do seminario 1

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ANAIS , SEMINARIO NACIONAL ,.. ,.. POPULAAO EM SITUAAO DE RUAISSN: 1984-3461

14 de novembro de 2008Universidade Federal de So CarlosSo Carlos/SP

Volume 1 Nmero 1

OrganizaoNorma E L. S. Valencio Anglica A. Cordeiro

cubomullimidia

Universidade Federal de So CarlosREITORA EM EXERCCIO Maria Stella Coutinho de Alcantara Gil PR-REITORA DE EXTENSO Maria Luisa Guillaumon Emmel REITOR Targino de Arajo Filho PR-REITOR Marina Silveira Palhares PREFEITURA MUNICIPAL DE SO CARLOS Newton Lima Neto

Prefeito

SECRETARIA MUNICIPAL DE CIDADANIA E ASSISTNCIA SOCIAL Maria de Ftima Piccin da SilvaSecretria Municipal de Cidadania e Assistncia Social

Projeto grfico e montagem do livro

www.cubomultimidia.com.br

APRESENTAO

No Brasil, h um contingente significativo de pessoas em situao de rua. Esse fenmeno revela, de um lado, os desafios estruturais que o pas vive para garantir a cidadania dos que esto margem dos benefcios engendrados pela alta modernidade; de outro, a invisibilidade social dos que padecem sem meios de prover suas mnimas necessidades vitais e sociais. Ante um contexto mais geral de indiferena social frente s agruras vividas cotidianamente pelo grupo, cientistas, movimentos sociais e fraes do Estado mobilizam-se para discutir a questo e propor Polticas pblicas para suplantar esse estado de coisas. O Seminrio Nacional Populao em Situao de Rua: Perspectivas e Polticas Pblicas pretende constituir-se como um dos espaos plurais de debate do tema, congregando diversos segmentos da sociedade para a vocalizao e conjugao de experincias sociais e governamentais bem como de reflexes acadmicas, visando promoo de um olhar voltado para o fortalecimento da cidadania da populao em situao de rua. O tema proposto alinha-se com o recente Sumrio Executivo: Pesquisa sobre Populao em Situao de Rua, publicado em abril de 2008 e realizado pela Secretaria de Avaliao e Gesto da Informao do Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome, que traou um perfil da populao vulnervel e demonstrou a necessidade de aes imediatas, pblicas e/ou privadas. Diante disso, o evento se prope, de maneira dialgica e multidisciplinar, a abordar a questo por meio de palestras, mesas redondas, relatos de experincias e psteres, abrindo-se, em mbito nacional, ao pblico em geral.

Targino de Arajo Filho

PROGRAMAO08:00|Credenciamento 08:30|Abertura Prof.Dra.MariaLusaG.Emmel[Ex-PrReitoradeExtenso/UFSCar] Prof.Dra.MarinaS.Palhares[PrReitoradeExtenso/UFSCar)] MariadeFtimaPiccin[SecretriaMunicipaldeCidadaniaeAssistnciaSocial deSoCarlos] 09:00|Palestra|Pessoasemsituaoderua:daintolernciaincluso social ValriaMariadeMassaraniGonelli[DiretoradoDepartamentodeProteoSocialEspecial/Ministrio deDesenvolvimentoSocialeCombateFome] 09:30|Palestra|Avanoseretrocessosdaspolticasparaapopulaoem situaoderua AndersonMiranda[MovimentoNacionalPopulaoemSituaodeRua/SP] 10:00|SessodePsteres 10:30|MesaRedonda|Populaoemsituaoderua:vidasocialerelaescomoespaopblico Prof.Dra.MariaCecliaLoschiavo[USP] Prof.Dra.DelmaPessanhaNeves[UFF] Coord.Prof.Dra.NormaValncio[UFSCar] 12:00|Almoo 14:00|MesaRedonda|Experinciasdegestomunicipaledepoimentos LucianoM.FreitasdeOliveira[Sec.Municip.deInclusoSocialeCidadania] VivianF.SilvaeAnaLauraHerrera[Sec.Municip.deCidadaniaeAssist.Social/SoCarlos] AdautoSantiago-SoCarlos CarlosEduardoAlbano-Araraquara PauloLucianodaSilva-SoCarlos 15:00|SessodePsteres 15:30|Pesquisasrecentes Ms.DanieldeLucca[PesquisadorCEBRAP/CEM] 17:00|EncaminhamentoseEncerramento

COMISSO DE ORGANIZAOProf. Dra. Maria Lusa G. Emmel Prof. Dra. Norma F. L. S. Valencio Anglica A. Cordeiro Ana Laura Herrera Bruna S. Sanches Elaine Maria B. R. Guerreiro Juliana Sartori Karina Granado Lara Padilha Carneiro Luciano M. Freitas de Oliveira Maria Cristina Mathias Rosemeire Gallo Meca Vivian F. SilvaApoio:

COMISSO CIENTFICAProf. Dra. Clarice Cohn Dep. Cincias Sociais/UFSCar Prof. Dra. Norma F. L. S. Valencio Dep. Sociologia/UFSCar Prof. Dra. Roseli Esquerdo Lopes Dep. Terapia Ocupacional/UFSCar Prof. Dra. Vera Alves Cepeda Dep. Cincias Sociais/UFSCar

SAEP

Prefeitura Municipal de So Carlos

Secretaria Municipal de Cidadania e Assistncia Social

SUMRIOArtigosA experincia da casa resgate vida no processo na construo do resignificado do ser e pertencer de moradores em situao de rua .............................................................................................................................. 1 A (re)construo da identidade social da populao em situao de rua da cidade de Marlia .................. 6 Antropologia, extenso universitria e polticas pblicas: debate sobre a poltica para crianas e adolescentes em situao de rua em Campinas ...........................................................................................................13 Centro de acolhimento e atendimento mais viver: o desafio de uma nova abordagem para os moradores de rua adultos em curitiba ...................................................................................................................................21 Design, deslocamento e populao de rua ........................................................................................................31 Desterritorializao e Desfiliao Social: uma reflexo sociolgica sobre aes pblicas junto populao em situao de rua1 .......................................................................................................................................41 Famlia e comunidade: repensando intervenes com crianas e adolescentes em situao de rua .........51 Incoerncia e fracasso: estudo de caso sobre a insero precria de um morador de rua na cidade de Juiz de Fora/ MG .................................................................................................................................61 Na Rotina do Previsto: drogas e cotidiano de meninos e meninas de rua da cidade de Campinas.....67 O corpo em movimento: uma etnografia da corporalidade dos trecheiros de So Carlos .........................77 O processo de organizao poltica da populao em situao de rua na cidade de So Paulo: limites e possibilidades da participao social..................................................................................................................87 O psiclogo de instituio scio-educativa para pessoas em situao de rua: um estudo sobre sua identidade .........................................................................................................................................................................98 Perspectivas do administrador pblico nas polticas pblicas do servio social na Casa Transitria de Araraquara ...........................................................................................................................................................108 Perspectiva da criana em situao de rua ......................................................................................................115 Pessoas em situao de rua no Municpio de So Carlos-SP ........................................................................122 Polticas pblicas e homelessness: uma discusso conceitual sobre a pobreza ...........................................129 Polticas pblicas para a populao infanto-juvenil em situao de rua: tenses entre os discursos e as prticas institucionais e sua populao-alvo ...................................................................................................136 Populao de rua: um estudo sobre a condio e os significados da vida na rua no municpio de Balnerio Cambori (SC) ........................................................................................................................................146 Proposta de modelo de ateno sade para a populao em situao de rua ..........................................154 Trabalho voluntrio em prol da populao em situao de rua: o caso do Posto de Rua Eurpedes Barsanulfo no Municpio de So Carlos-SP .........................................................................................................162 Violncia como herana da excluso social: Crianas e adolescentes em situao de rua na Cidade do Rio de Janeiro ..................................................................................................................................................... 170

Mesas

Vivendo no trecho: um ensaio etnogrfico sobre moradores de rua ........................................................180

Experincia de Gesto do Municpio de Araraquara para a Populao em Situao de Rua ...................190 Experincia de Gesto Municipal Atendimento a Pessoas em situao de rua. So Carlos 2008 ........197 Vidas de rua em jogo Polticas Pblicas, Segurana e Gesto da Populao de Rua em So Paulo.........209

SEMINRIO NACIONAL POPULAO EM SITUAO DE RUA: Perspectivas e Polticas Pblicas

A experincia da casa resgate vida no processo na construo do resignificado do ser e pertencer de moradores em situao de ruaMarcia Yumi Kano Departamento de Terapia Ocupacional Universidade Federal de So Carlos - UFSCar [email protected] Maria Regina de Freitas Gergul Casa Resgate Vida - Barueri [email protected] Rosngela Huehara Ikeda Casa Resgate Vida - Barueri [email protected] Luciene Macedo de Queiroz Casa Resgate Vida - Barueri Resumo:Nesse trabalho descrita uma experincia no processo de construo do resignificado do ser e pertencer de moradores em situao de rua na regio de Barueri dentro do Projeto Morar Bem, coordenado pela Casa Resgate Vida, uma instituio filantrpica e sens fins lucrativos, fundada em 1999. Esta instituio emprega como estratgia de atuao a formao de uma rede de apoio que integra a sociedade civel e os diversos servios de atendimento municipal A equipe tcnica constituida de uma terapeuta ocupacional, uma psicologa e uma assitnte social que buscam reinserir os moradores em situao de rua ao mercado formal e informal de trabalho. No primeiro semestre de 2008 foram acolhidos 224 adultos e atendidos 1905 adultos como pernoite. Estes resultados indicam que a estratgia adotadas possa ser empregada nos processos de ressocializao e recolocao de moradores em situao de rua. Palavras-chave: Moradores de rua; resssocializao, processo de desfiliao.

1. Introduo A populao em situao de rua tem crescido exponencialmente em todas as cidades, podendo ser notada principalmente em grandes centros urbanos. Entende-se por populao em situao de rua aquele morador que no possui um teto ou um local fixo para dormir e que est nas ruas circunstancialmente, temporariamente ou permanentemente (BURSTZYN, 2000). O crescente empobrecimento, a misria e o desemprego a que est submetida grande parcela da populao, ou seja, a perdas de papis sociais relacionados capacidade produtiva que o indivduo exercia na sociedade capitalista tm levado a esse movimento de ser, estar e morar na rua, obrigando muitos indivduos a desenvolver novas estratgias de sobrevivncia em situaes de violncia e a se adaptar a referncias de vida social bem diferentes daquelas vividas anteriormente (GHIRARDI et al, 2005).

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Atualmente essa condio social est avanando para alm dos limites das grandes centros urbanos, ocorrendo tambm nas cidades de mdio e pequeno porte, principalmente naquelas localizadas nas regies perifricas aos grandes centros. Esse trabalho descreve o trabalho realizado pela Casa Resgate Vida, uma instituio filantrpica que no visa lucros localizada no municpio de Baueri, na grande So Paulo. Esta instituio foi fundada em abril de 1999 pelo padre Antnio Alves Afonso com o apoio da comunidade local. 2. A processo de desfiliao CASTEL (2002) denomina de desfiliao o processo cuja trajetria a ruptura progressiva em relao a estados de equilbrios anteriores mais ou menos estveis, ou instveis. O indivduo ao no cumprir o compromisso social nas relaes de trabalho, excludo pela sociedade, sendo marginalizado com a perda de seus direitos sociais e reduzido a uma pessoa estragada e diminuda, reclassificado em outra categoria social: o vagabundo, o preguioso, bbado, sujo, perigoso, coitado, mendigo, pedinte, entre outros termos, nascendo o estigma, que para GOFFMAN (1988) um termo que designa um atributo profundamente depreciativo, com um tipo especial de relao entre um atributo e um esteritipo. Originalmente, a Casa Resgate Vida nasceu para atender dependentes qumicos, mas com o tempo passou tambm a acolher moradores em situao de rua (com ou sem a dependncia qumica) forados a se adaptarem a uma realidade social do mundo globalizado caracterizado por profundas desigualdades sociais e por um processo de desfiliao, cuja necessidade bsica estavam relacionados aos cuidados com a alimentao e ao acompanhamento mdico. Ainda hoje, esta tem sido a nica instituio na regio, englobando Barueri e os municipios vizinhos, que tem acolhido e atendido a populao em situao de rua. Para ampliar e melhorar o atendimento a este grupo, a Casa Resgate Vida firmou uma parceria com a Prefeitura de Barueri, nascendo o Projeto Morar Bem e com ele uma equipe interdisciplinar com psicloga, terapeuta ocupacional e assistente social. O processo de desfiliao foi identificado no discurso desta populao atendida no Projeto Morar Bem, percebendo-se a dor subjetiva que sentem quando falam de sua condio estigmatizada e da falta de categorizao social em que se encontram, sendo por vezes comparados a animais. As frases abaixo, proferidas por alguns dos indivdos atendidos pela equipe de sade, expressam bem o processo de desfiliao mencionado: as pessoas nos vem como bichos, se a gente pede comida, ficam com medo pensando que a gente vai assaltar, correm da gente... ... ou ento nos tratam pior que cachorros, nem olham pra ns... ... e quando cai a noite nem durmo direito com medo de tocarem fogo na gente, de bater, quem nem... quer ver? At PM bate na gente, sem a gente fazer nada! possvel perceber nestas frases que seus autores, que por alguma razo perderam suas referncias, so sempre rotulados como anormais, j que a sociedade identifica e reclassifica os moradores em situao de rua com uma nova marca, que segundo MATTOS (2004) so tidos como a) vagabundos, improdutivos, inteis e preguiosos, pois perderam o trabalho no mundo capitalista e a sua dignidade (a fora de trabalho e a mais valia) por no conseguirem prover sua subsistncia fsica nem manter seu trabalho na constituio de sua identidade pessoal, recebendo o rtulo de pessoas desviantes, ou vistos como b) loucos, doentes mentais, drogados, bbados, j que a sociedade geralmente ignora que a mendicncia pode ser a origem e o produto de distrbios de personalidade, de doena mental e psicopatia. Ainda segundo este autor, os moradores em situao de rua recebem c) o esteritipo de sujos, mal

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cheirosos, mal trapilhos, apesar que grande maioria busca, dentro do possvel, manter sua higine e o auto-cuidado. Em outras ocasies podem ser tidos como d) perigosos, muitas vezes at como criminosos ou assaltantes em potencial, socialmente ameaadores, associando a pobreza violncia e a delinquncia. Por fim, podem ser tidos como e) coitadinhos, dignos de piedade, utilizando geralmente de cunho religioso para explicar sua inferioridade e o merecimento de sofrimento. Assim, o morador em situao de rua desfiliado, estigmatizado, sofre um processo de desumanizao. Passa a ser um no-igual ou parte no integrante da mesma espcie, simplismente no visto, passa a ser um nada e desse nada a sua existncia torna-se um nada, sem estmulo para buscar um novo caminho, preferindo a rua como moradia, fazendo suas regras pessoais, indiferente violncia presente em seu dia-a-dia. Nestes casos, geralmente rejeitam o apoio ofertado, j que no conseguem mais se ajustar sociedade, nem mesmo conseguem dormir em uma cama. Preferem a escolha mais dolorida, sofrida e frustrante, mas de maior liberdade. 3. A Casa Resgate Vida A Casa Resgate Vida tem como objetivo promover o resgate da dignidade humana e a reintegrao scio-econmica-familiar dos moradores em situao de rua, inclusive aos que tambm so dependentes qumicos, atravs do amparo, do abrigo e do atendimento mdicopsico-social. Para que o trabalho seja efetivo, a instituio conta com o trabalho de uma gerncia administrativa, acompanhantes de adultos, pessoal de cozinha, segurana e limpeza e de uma equipe tcnica composta por terapeuta ocupacional, assistente social e psicloga. A principal estratgia para atingir seu objetivo foi construir uma um sistema de apoio para auxiliar no cotidiano da instituio por meio de doaes de algumas empresas e parceiros que nos auxiliam muito no trabalho feito e utilizando a rede de servios municipais como o SAMEB (Servio de Assistncia Mdica de Barueri), CRAD (Centro de Referncia em Alcoolismo e Drogadio), Unidade Bsica de Sade, Secretaria de Aes Sociais e da Guarda Civil do municpio. A Casa Resgate Vida possui duas unidades, uma para atender 30 homens e outra para atender 10 mulheres no perodo mdio de trs meses. Alm disso h espao para 10 vagas masculinas e 2 femininas para pernoite, onde tomam banho, se alimentam, dormem e tomam caf da manh. Aos que permanecem na casa, a primeira estapa do Projeto Morar Bemn inclui o acolhimento, cuidados mdicos e de higiene (j que a populao atendida chega em pssimas condies de sade) e tambm so feitas orientaes e encaminhamentos para providncias de documentos. A segunda etapa do projeto prev a modificao do estilo de vida, quando so promovidas atividades orientadas pela equipe tcnica visando a conscientizao e estimulando mudanas. As atividades em grupo foram planejadas para proporcionar maior integrao, estimular convivncia, a tolerncia, a percepo de si e do outro. Para resgatar a necessidade de viver em sociedade seguindo suas normas e regras, so estimulados os deveres e os direitos da cidadania, promovendo atividades especficas como: 1. reflexes dirias (textos das reflexes dos livros de AA/NA), com o objetivo de trabalhar metas alcanveis, reforando a auto-estima e elaborando crticas e questionamentos pessoais; 2. dinmicas de grupo procura-se estimular a percepo do eu, das relaes pessoais e interpessoais; 3. auto-anlise semanal avalia os processos e a forma de organizao das aes, visando a modificao do estilo de vida;

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4. assemblia geral realizada uma vez por ms, normaliza as regras da instituio, visando melhorar o convvio em grupo, enfrentar e resolver conflitos, desenvolver tolerncia e respeito mtuos; 5. grupos de esclarecimento so discutidos temas como DST/AIDS, preveno recada, dependncia qumica, transtornos mentais. O objetivo conscientizar para aceitar as prprias dificuldades. 6. atividades de lazer e ldicas busca-se resgatar o prazer em atividades sociais e na valorizao da convivncia humana; usamos atividades como bingo, caminhadas, passeios, comemorao de aniversrios, participao em datas comemorativas etc.. 7. visitas domiciliares objetiva verificar e avaliar a situao social do interno, estimulando a reinsero familiar; 8. reunies com as equipes de trabalho de outras unidades da rede; 9. atendimentos e orientaes aos pernoites estimulando para a conscientizao de sua realidade social,incentivando para a mudana de vida; 10. atividades manuais desenvolvidas pela terapeuta ocupacional; 11. incentivo recolocao no mercado de trabalho (formal ou informal). Embora cada profissional da equipe de sade tenha sua especificidade no o objetivo descrev-las, j que a interdisciplinaridade tem o foco principal para a busca do resgate humano no trnsito da reclassificao social do anormal ou marginal para o que a sociedade dita como o normal. No primeiro semestre de 2008, 174 homens e 50 mulheres foram acolhidos pelo Projeto Morar Bem, dos quais 6 pessoas foram reencaminhados para o meio familiar, 2 conseguiram auto sustento e 1 pessoa retornou escola. Foram inseridos 7 pessoas no mercado de trabalho formal e no 28 no informal. Alm destes, mais 1.640 homens e 265 mulheres atendidos como pernoite. 4. Consideraes Finais Dados do municpio de So Paulo (GHIRARD. et al., 2005 e ROSA, et al., 2006) mostram que a grande maioria (79%) da populao em situao de rua consiste de pessoas com mais de 18 anos, caracterizando um problema de polticas pblicas e sociais. Essa questo afeta toda a estrutura social, principalmente a relao do homem com a sociedade, do homem com o homem e do homem consigo mesmo. Nossa sociedade sistematicamente segrega alguns indivduos classificados como anormais, deixando-os margem social em uma condio estritamente negativa, at que se desatem todos os laos afetivos e familiares, culminando em um ser desumanizado. Porm, existe a possiblidade do resgate deste indivduo, como observado no Projeto Morar Bem da Casa Resgate Vida, mas para que isso acontea necessrio que haja uma srie de fatores que incluem desde do compromisso do morador em situao de rua existnica de uma rede de apoio e recolocao social. A Casa Resgate Vida vem desempenhando este papel ao resignificar, reconstruir e recolocar o indivduo de volta sociedade que o expulsou. Embora tmido, os resultados conseguidos at aqui so gratificantes e motivadores, mas principalmente mostram uma estratgia bem sucedida para atuar no apoio moradores em situao de rua. RefernciasBURSTZYN, Marcel (org.) No meio da Rua. Rio de janeiro, RJ. Editora Garamond Ltda., 2000

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CASTEL, R. As armadilhas da excluso: In CASTEL,R; WANDERLEY, L.E.W.; BELFIOREWANDERLEY,M. As metamorfoses da questo social, 2a ed., So Paulo, Ed Vozes, 2002 GHIRARD, M.I.G . et al. Vida na rua e cooperativismo:transitando pela produo de valores. Revista Interface Comunicao, Sade, Educaco, v.9, n.18, p.601-10, set/dez 2005. GOFFMAN, E. Estigma, So Paulo, LTC, 1988 MATTOS, R.M., FERREIRA, R,.F. Quem vocs pensam que (elas) so? Representao sobre pessoas moradoras de ruas. Psicologia & Sociedade; 16 (2): 47-58; maio/ago.2004 ROSA,A.S.; SECCO,M.G.; BRTAS,A.C.P. O cuidado em situao de rua: revendo o significado do processo sade-doena. Revista Brasileira de Enfermagem, 59(3): 331-6, 2006

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A (re)construo da identidade social da populao em situao de rua da cidade de Marlia.Leandro Tosta de Oliveira. Unesp - Faculdade de Filosofia e Cincias - Campus de Marlia [email protected] Resumo: O problema da excluso social e mais especificamente de sua representao mais extrema que seria a populao em situao de rua vem ganhando espaos de discusses cada vez mais relevantes, principalmente nas grandes cidades. Contudo, este no um problema social que atinge somente os grandes centros urbanos, este tambm um problema social presente em cidades de pequeno e mdio porte, como no caso da cidade de Marlia, onde a invisibilidade social destas pessoas se deixa transparecer por meio das polticas pblicas desenvolvidas pelo municpio. Neste artigo busca-se apresentar uma anlise, ainda inicial, destas polticas pblicas e das aes de entidades que prestam auxilio a esta populao e o como estas corroboram para a manuteno do processo de excluso social vivenciado por estas pessoas, contribuindo para a (re)construo da identidade social dos mesmos. Para tanto aborda-se a questo da identidade social construdas por meio de estigmas, tendo por base o trabalho de Erving Goffman, que so nutridos a respeito da populao em situao de rua, apresenta-se tambm alguns aspectos que foram observados na pesquisa de campo realizada na cidade de Marlia. Palavras Chaves: Excluso Social;Identidade Social;Populao em situao de rua. 1. Introduo A questo da excluso social de parcelas significativas da sociedade brasileira h tempos vem sendo discutida por diversos setores da sociedade brasileira, abordado pelos meios de comunicao e por diferentes reas do conhecimento este um tema que passou por transformaes ao longo da histria, mas que continua sendo alvo de discusses. A excluso social enquanto processo vivenciado pelos setores mais pobres representa uma sucesso de privaes de bens materiais e simblicos, constituindo-se em uma excluso no s econmica, mas tambm scio-cultural na qual o indivduo se v privado dos direitos mnimos da cidadania. Em um dos plos desta problemtica encontra-se um segmento social que vivncia o processo de excluso social em sua condio mais extrema, ou seja, so pessoas que j perderam praticamente tudo que possuam at mesmo um teto para morarem se deparando no momento com a experincia da situao de rua. Esta parcela da populao desprovida dos meios de subsistncia necessita fazer das ruas o local de onde possam conseguir um mnimo para satisfazer as necessidades mais bsicas do ser humano. Estas pessoas alm de terem que driblar as mais diversas dificuldades que a situao de rua lhes impem ainda enfrentam os mais diversos preconceitos, vistas, geralmente, de forma estigmatizada com sendo preguiosos, bbados ou vagabundos que simplesmente no querem trabalhar. Tendo em vista a questo dos estigmas que so nutridos a respeito deste segmento social iniciou-se na cidade de Marlia um trabalho de campo tendo como foco principal apreender e

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discutir a respeito da (re)construo da identidade social da populao em situao de rua1 a partir de tais, para tanto se fez necessrio discutir as formas de polticas pblicas ou privadas que so implementadas a fim de ressocializar estes indivduos, justamente por se levantar como hiptese que estas influenciam diretamente na constituio de uma nova identidade social. 2. A pesquisa de campo 2.1 Conceitos em questo A questo da identidade vem sendo discutida dentro da rea de humanas norteando o trabalho em diversos campos de pesquisas, principalmente, na rea de antropologia e sociologia. A discusso sobre este tema pode muitas vezes ser alvo de criticas, como a de ser um tema pertencente Psicologia. No entanto a questo da identidade pode ser dividida em dois nveis: o da identidade pessoal (individual) e o da identidade social (coletiva), sendo que o primeiro seria alvo, mais especificamente, de pesquisas voltadas para a rea de psicologia que ter como objetivo a busca da questo do eu; j no segundo nvel onde a identidade social se concretiza efetivamente e o estudo se volta para as reas de antropologia e sociologia. Existem estudos que trabalham metodologicamente interconectada a questo da identidade. O antroplogo Roberto Cardoso de Oliveira (1976) prope a separao da identidade em nveis permitindo estudar-la, dessa forma, como antroplogos ou socilogos, sem que se corra o risco de se deixar levar por certos psicologismos, problema comum quando se realiza trabalhos de investigaes interdisciplinares. No caso do estudo sociolgico o interesse por este tema se consiste em observar o tipo de vida coletiva que a populao em situao de rua estabelece entre si de acordo com determinadas categorias. Entendendo o termo categoria como algo abstrato podendo ser aplicado a agregado. A identidade social remete-nos a questo de grupo social que, no caso da populao em situao de rua, se vincula diretamente ao conceito de estigma um tipo especial de relao entre atributo e esteretipo definido por Goffman (1988). em associao com, ou separao de, seus companheiros mais visivelmente estigmatizados, que a oscilao da identificao do individuo mais fortemente marcada. Goffman distingue os estigmas em trs tipos, sendo relevante para o estudo da populao em situao de rua o segundo tipo que definido como sendo os estigmas de culpas de carter individual que so percebidos como vontade fraca, desonestidade, alcoolismo, desemprego, dentre outros. A pessoa estigmatizada tende a estratificar seus pares conforme o grau de visibilidade e imposio de seus estigmas. Dessa forma, ele toma determinadas atitudes parecidas com a que o normal tomaria em relao a ele. Portanto a identidade social surge como a atualizao do processo de identificao. A definio da identidade social se realiza de acordo com os interesses e definies de outras pessoas em relao ao individuo cuja identidade est em questo. 2.2 Uma anlise das polticas voltadas populao em situao de rua e suas conseqncias A pesquisa que vem sendo realizada visa identificar at que ponto as polticas e prticas de instituies e entidades que prestam auxlios a estas pessoas contribuem para a fragilizao da identidade social de outrora, bem como para a (re)construo de uma nova, formada a partir dos estigmas que so reafirmados a todo o momento a respeito destes indivduos. A constatao deste processo que se realiza na relao social entre a populao em situao de rua e as instituies e entidades, assim como atravs das relaes entre eles prprios, na1

Tendo em vista que este termo abrange uma parcela da populao bastante heterogenia, podendo ser subdividida em grupos ou subgrupos que facilitam as anlises o trabalho de campo limitou-se a pesquisar os casos de trecheiros, moradores de rua e carrinheiros (sem residncia fixa).

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criao de um universo particularizado, vem sendo realizado por meio do trabalho de campo em contato direto com os grupos pesquisados, bem como com as instituies e entidades existentes na cidade de Marlia, as principais so: o Centro Esprita Luz, F e Caridade, a Associao Irmo Clemente Miyonnet e o Albergue Noturno So Jos nico existente na cidade e que mantido pela Sociedade de So Vicente de Paulo em parceria com a prefeitura. A partir de observaes no-estruturadas realizadas nos locais de maior convivncia destes indivduos e complementadas por entrevistas semi-dirigidas e depoimentos de representantes dos subgrupos selecionados e dos funcionrios da secretaria de bem estar social e das instituies diretamente relacionadas com a questo, se tem obtido informaes que revelam um pouco do cotidiano da populao em situao de rua. O trabalho de campo realizado junto ao Albergue Noturno So Jos, onde foi possvel estabelecer contatos principalmente com trecheiros que circulam pela regio em busca de trabalho na cidade ou no campo, bem como com funcionrios da instituio e com funcionrios da Secretaria de Bem-Estar Social que utilizam uma sala do albergue pelo perodo da manh para fazer o processo de triagem, revelou que a maior parte das pessoas que utilizam o local so trecheiros que possuem como caracterstica a busca continua por trabalhos sazonais (bicos) nas cidades e/ou nas safras da regio. Um fato relevante de ser ressaltado neste ponto e que justifica a ausncia de outros grupos da populao em situao de rua da cidade no local so as normas do albergue, principalmente a restrio entrada de pessoas naturais da cidade, sob a alegao de que se eles so da cidade possuem casa ou parentes a quem possam recorrer, ou que estejam em Marlia tempo suficiente para serem reconhecidos pelo vigia do albergue que ir barrar sua entrada, posto que estes, na viso do albergue, j deveriam ter conseguido algum emprego, caso realmente estivessem interessados em trabalhar. A outra regra se refere ao tempo de permanncia no local, limitada a um tempo de permanncia de trs dias, aps esse perodo a entrada da pessoa no mais permitida, salvo raras excees (normalmente casos de doenas), restando para a pessoa aceitar a passagem fornecida ou dormir nas ruas. Tambm foram realizadas observaes na Associao Irmo Clemente Myionnet, na Praa Maria Isabel e nos trilhos da estao de trem, estes locais constituem-se pontos em que sempre possvel encontrar pessoas em situao de rua e que, geralmente, no freqentam o albergue. Na Associao Irmo Clemente Myionnet foram estabelecidos contatos com as pessoas em situao de rua e realizado uma anlise das fichas do local, o que possibilitou constatar no s a existncia de alguns migrantes que se encontram na cidade somente de passagem, mas de outros que optaram por permanecer em Marlia, estando na cidade h trs, cinco ou mais anos, constituindo assim uma parcela da populao em situao de rua que no s esta de passagem, como muitas vezes alegado, mas que esto pelas ruas da cidade. O nico auxilio que estes ltimos encontram na cidade o de alimentao, pois no podem permanecer no albergue, restando as ruas como alternativa para dormirem e conseguirem algum trocados, fora isso no existe uma poltica voltada para estes migrantes. A populao em situao de rua que usufrui dos servios prestados pelas instituies assistncias da cidade de Marlia pode ser dividida, grosso modo, em dois grupos: um primeiro grupo seria o dos migrantes que esto em constante movimento pela regio em busca de trabalhos temporrios geralmente ligados as colheitas, constituindo este um meio encontrado por eles para garantirem sua subsistncia. Este tipo de atividade acaba submetendo esses trabalhadores a uma rotatividade no mercado de trabalho provocando uma fragilizao de sua identidade social; um segundo grupo seria daqueles que permanecem na cidade fazendo das ruas um meio de conseguirem o mnimo necessrio para satisfazer as necessidades bsicas do ser humano.

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Snow e Anderson (1998, p. 134) em pesquisa realizada na cidade de Austin no Texas, Estados Unidos, identificou cinco tipos de funcionamento ou resposta entre as diversas organizaes que intervm nas vidas e rotinas dos moradores de rua. Dentre estas se encontra a resposta acomodadora, que se encaixa justamente na perspectiva das instituies e entidades marilienses, pois, suas prticas se orientam visando suprir as necessidades bsicas de subsistncia, principalmente alimentao e abrigo, este tipo de resposta facilita a sobrevivncia deles enquanto pessoas moradoras de rua mas faz pouco para tir-las da rua. Das polticas pblicas do municpio voltadas a populao de rua est o projeto Fumares, que por trs de um discurso de reintegrao do indivduo, constitui-se muito mais em um espao de segregao no qual ainda se efetiva uma explorao da mo de obra dos moradores de rua e migrantes que passam por ela, visto que os produtos produzidos no local (verduras, legumes e carne de porco) so, em sua maior parte, voltados para o suprimento da demanda de outros projetos mantidos pela prefeitura. No de se espantar que, em trabalho de campo, alguns moradores de rua rejeitem ir para l, dizendo que no local se trabalha muito sem ganhar nada, alm de reclamarem da distncia do local cidade e do uso excessivo de medicamentos. Outra poltica desenvolvida pela Secretaria de Bem-Estar Social a ronda (tambm conhecida como arrasto) realizada duas vezes por semana. Neste trabalho o principal objetivo identificar os moradores de rua na cidade e leva-los para o albergue quando no so da cidade para que no dia seguinte sigam viagem ou encaminhamento a Fumares quando so da cidade. Entretanto quando aqueles que so da cidade no aceitam ser encaminhados a Fumares, normalmente so enviados para outra cidade. A prtica do fornecimento de passes para que estas pessoas dem prosseguimento a viagem no constitui nenhuma novidade no campo dos benefcios fornecidos pelas secretarias de Bem-Estar, ao contrrio, esta vem se tornando ao longo das ltimas dcadas uma prtica comum das prefeituras, como bem demonstra Jos Sterza Justo no estudo Dromopoltica contempornea: o caso dos andarilhos. Segundo Justo (1998, p.116) os centros de triagem e encaminhamento do migrante (Cetrem) e/ou outras instituies filantrpicas que so criados ou mantidos pelas prefeituras acabam por ter como funo precpua recolher os errantes e dar a eles uma destinao, normalmente as cidades oferecem um passe de trem ou nibus para alguma outra cidade que far exatamente o mesmo, Colocando o usurio num circulo vicioso de movimentao sem fim. Justo em seu trabalho aborda especificamente o caso dos andarilhos, mas no caso da cidade de Marlia a prtica do fornecimento do passe estendida tambm a outros grupos da populao em situao de rua (moradores de rua da cidade, migrantes e trecheiros). A Secretaria de Bem-Estar social da cidade classifica todos que se encontram na situao de rua como migrantes ou, como mais comum, andarilhos, tanto que dificilmente se encontra alguma reportagem nos jornais da cidade com outras designaes, j que quase todas so embasadas na concepo da Secretaria de Bem-Estar Social do municpio. Este discurso, de que todos so migrantes ou andarilhos, ou at mesmo de que eles (os moradores de rua) vivem nas ruas porque querem, servem para corroborarem a iniciativa de expulsar-los da cidade. Como expe a Secretria da Secretaria de Bem-Estar Social Anadir Hila: A administrao municipal tem um limite de capacidade e cada municpio precisa ser responsvel pelos seus habitantes. Ou de no se preocupar em realizar nenhum levantamento da populao em situao de rua da cidade, o que possibilitaria formular polticas pblicas mais efetivas. Segundo depoimentos recolhidos em campo, a prtica da expulso acontece com freqncia a ronda, mais conhecida como arrasto , normal, eles chegam e agente vai indo no meio, entra todo mundo e te deixam em outra cidade (Benedito), o albergue noturno da cidade no fim acaba funcionando como o ponto de partida destas pessoas para outras cidades.

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Frente s prticas polticas desenvolvidas e financiadas pela prefeitura da cidade de Marlia constata-se que estas visam segregao e a expulso das pessoas em situao de rua. Segregao porque a Fumares institui um isolamento do individuo em um local afastado da cidade, isolando-os de qualquer contato ou interao social, retirando-os dos olhares das pessoas, sob o pretexto de recuper-los e ressocializ-los e expulso pelo fato de jog-los em outra cidade transferindo o problema para outro municpio que far o mesmo, dessa forma a errncia acaba no sendo uma escolha (como por vezes a assistente ressalta), mas uma imposio de um sistema que se v incapaz de instituir polticas que dem conta do problema social. A postura da Secretaria de Bem-Estar social frente a problemtica segue por um vis no qual o processo de excluso destas pessoas visto como sendo prioritariamente um rompimento dos laos sociais e principalmente familiares, veja o objetivo da fumares que limpar o individuo do lcool e devolv-lo a famlia, no buscando compreender as demais facetas que constituem o processo de excluso. Segue-se a esta anlise da secretaria a viso estigmatizada da populao de rua, sendo sempre percebida e tratada como vagabundas que no querem trabalhar, que s querem dinheiro para beber, (a culpa sempre do individuo que no quer sair dessa situao, eles se negam a ir para a fumares), vistas como acomodados a situao e que esto ali por escolha, e que outras teriam?. Dessa forma as polticas aqui desenvolvidas configuram-se como mera prtica assistencialista, posto que visam somente o suprimento das necessidades bsicas (alimentao, banho e pernoite), no visando um trabalho de real mudana deste cenrio, dos problemas estruturais que levam estas pessoas a se encontrarem em tal situao. Um aspecto relevante a ser observado neste ponto o de que as polticas realizadas pelas instituies assistenciais e entidades que atendem esses indivduos no conseguem atingir o objetivo ao qual se destinam, ou seja, a incluso social ou ressocializao, mas tendem a reafirmar a perda da identidade social que outra estiveram vinculados e a afirmao de sua nova identidade social. Os recm-deslocados procuram as instituies assistenciais, tanto s das prefeituras como as filantrpicas, com o intuito de conseguirem alimentao e abrigo para dormir, neste primeiro momento eles ainda se encontram em constante busca de se reinserirem no mercado de trabalho formal, alimentam a esperana de que sua situao seja passageira e de que vo sair desta, chegando a repudiar a identidade social de pessoas de rua enfatizando para os outros que no so como a maioria dos moradores de rua em cuja companhia so encontrados, mas com o passar do tempo, por conta de no conseguirem tal reinsero, comeam a se utilizar das referidas instituies com maior freqncia, vindo, assim, a se identificar com a situao daqueles que se encontram nas ruas a mais tempo, a encontrar pontos de igualdade, seja na histria de vida como na situao de dependncia das instituies que reforada e aprofundada com o passar do tempo. Diferena e igualdade. a primeira noo de identidade (CIAMPA, 1991, p.63). Em trabalho de campo presenciou-se em diferentes momentos a separao ou unio destas pessoas conforme a visibilidade de seus estigmas, em certas circunstancias presenciou-se o afastamento, por exemplo, daqueles que estavam visivelmente embriagados, em outros observou-se uma unio de acordo com a atividade desenvolvida (carrinheiros que se agrupavam na fila da janta ou de trabalhadores rurais que decidiam seguir viagem junto em busca de emprego temporrio). A questo da estigmatizao destas pessoas aparece tambm em relao ao tratamento que elas recebem nas entidades em que recebem o auxilio, sendo os mais comuns o de serem alcolatras, vagabundos ou preguiosos, em vrios momentos estes so reafirmados a pessoa, seja de modo implcito ou explicitamente. Esta mais uma forma de imputao do estigma de

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culpa de carter individual, ao qual o sujeito vai se identificar ou no, se afastando em relao queles que os possuem mais visivelmente. Desta forma, a identidade social da pessoa envolvida neste processo excluso social vai de fragmentando, de acordo com o tempo de permanncia desta na situao de rua, iniciando consequentemente um processo de identificao com os demais em situao semelhante, sendo (re)construda a partir dos estigmas que so reafirmados nas diversas formas de relaes sociais que se estabelecem, no caso de Marlia principalmente com as entidades e seus respectivos funcionrios, e que so mais visivelmente marcantes, se tornando os elementos norteadores das novas relaes sociais, o com quem e aonde vo se relacionar e/ou conviver, estabelecendo novos vnculos, seja de amizade, companheirismo ou de dependncia. 3. Consideraes finais As constataes apresentadas acima a respeito das polticas e das formas como as relaes sociais ocorrem no interior deste universo pesquisado fazem parte de uma pesquisa inicial realizada na cidade, necessitando, de um trabalho de campo mais aprofundado, visto que a cidade no possui nenhum levantamento oficial da populao em situao de rua encontrada no municpio. Portanto, este ainda um campo a ser explorado por cientistas sociais e demais pesquisadores de outras reas do conhecimento. Contudo, o que se pode depreender inicialmente destas prticas que elas vm contribuindo de forma a perpetuar a situao de excluso social destas pessoas, invisveis socialmente diante da maior parte da populao, estigmatizadas at por aqueles que possuem no discurso a inteno de resgatar a dignidade e o direito a cidadania ou de criarem a possibilidade de reinseri-los na sociedade. Assiste-se, dessa forma, a fragmentao de sua identidade social e a (re)construo de uma nova, embasada nas novas formas de relaes vivenciadas ao longo de sua permanncia na situao de rua, principalmente, orientadas pelos estigmas afirmados e reafirmados no cotidiano destas pessoas. Enquanto estas concepes acerca da populao em situao de rua permanecerem inalteradas dificilmente haver, na cidade de Marlia, o desenvolvimento de alguma ao que vise trabalhar de forma mais efetiva junto a elas, posto que nem a assistncia social da cidade e nem as entidades que prestam algum auxlio aos mesmos, buscam compreender os processos que as levaram a se encontrarem em tal situao e tampouco visam trabalhar junto as mesmas de modo a viabilizar a superao da atual condio em que vivem. Para finalizar seria importante que a Secretaria de Bem-Estar Social da cidade realiza-se um acompanhamento mais de perto junto as atividades desenvolvidas pelas entidades da cidade, desenvolvendo um trabalho conjunto de modo a se estabelecer um contato mais direto junto a estas pessoas na tentativa de captar com maior clareza as dificuldades vivenciadas, possibilitando, dessa forma, traar planos de aes que venham a, no mnimo, criar oportunidades mais concretas para a superao desta situao em que estes indivduos se encontram. RefernciasCIAMPA, ANTONIO DA COSTA. Psicologia Social O homem em movimento. So Paulo. Editora Brasiliense, 1984. P. 58-75. GOFFMAN, ERVING. Estigma Notas Sobre a Manipulao da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro. Editora Guanabara Koogan S.A. 1988 JUSTO, JOS STERZA. Errncias e Errantes: um estudo sobre os andarilhos de estrada. So Paulo: Arte e Cincia, 1998.

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SEMINRIO NACIONAL PESSOAS EM SITUAO DE RUA:Perspectivas e Polticas Pblicas14 de novembro de 2008. UFSCar OLIVEIRA, ROBERTO CARDOSO DE. Identidade, Etnia e Estrutura social. So Paulo. Livraria Pioneira Editora, 1976. SNOW, DAVID ANDERSON, LEON. Desafortunados: Um Estudo Sobre o Povo da Rua. Petrpolis, Vozes, 1998.

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Antropologia, extenso universitria e polticas pblicas: debate sobre a poltica para crianas e adolescentes em situao de rua em Campinas

Rafael Silveira Cintra Mestrando em Antropologia Social Universidade Estadual de Campinas [email protected]

RESUMO: O trabalho de educao social de rua do municpio herdeiro e devedor de um projeto educacional anterior, de carter voluntrio e experimental, que por sua vez um desdobramento de um projeto intelectual desenvolvido na Unicamp. Os profissionais da rede de atendimento criana e adolescente em situao de rua se apropriam do discurso acadmico para travarem suas prprias batalhas discursivas. H na rede de atendimento um discurso hegemnico de que servio para populao de rua mantm a pessoa na rua. O trabalho do coordenador do programa de educao social de rua consiste em conter a voracidade do Estado por limpeza e controle social para que os educadores tenham uma margem de liberdade para desenvolverem seus projetos pedaggicos. O educador de rua um tradutor de mundos, ele traduz o universo institucional-burocrtico para os meninos de rua e traduz o universo da rua para os profissionais da rede de atendimento e sociedade em geral. Est em andamento no centro da cidade um projeto urbanstico que incorpora a populao de rua, porm de modo perverso. Esse projeto tem implicaes diretas nas diretrizes e condies de trabalho da rede de atendimento a crianas e adolescentes em situao de rua do municpio e as mais destacadas so: a racionalizao dos servios para populao de rua, o controle efetivo da populao de rua e a produo de um conhecimento sobre a mesma. PALAVRAS-CHAVES: Educao social de rua; Controle; Racionalizao.

1. Introduo Este artigo o corpo de um texto de uma conferncia homnima realizada por mim dia 13/10/2008 no Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Unicamp. Esta conferncia foi um pretexto para divulgar no meio acadmico o trabalho de educao social de rua desenvolvido no municpio de Campinas e ao mesmo tempo um esforo por uma reflexo antropolgica a partir de um campo de pesquisa, minha experincia como educador de rua e de coordenador de programa de educao de rua, depois de 2 anos de afastamento. O texto em si desenrola-se por trs linhas. Uma linha uma espcie de histria das idias e trata da construo de um conhecimento de ordem prtica, a educao de rua e sua influncia de uma prtica terica e acadmica, e dos impactos e desdobramentos que as idias desenvolvidas na universidade tm fora dela. Outra linha a investigao de um projeto poltico-urbanstico e suas implicaes para a populao de rua, passando pelo processo de construo das polticas pblicas para este segmento. A ltima linha um exerccio para

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definir o carter do trabalho e apreender os dilemas mais relevantes das respectivas profisses: educador e coordenador do programa de educao social de rua de Campinas. importante deixar claro que todas as afirmaes possuem uma extenso bem delimitada histrica e espacialmente, elas valem para o municpio de Campinas no perodo de 2004 a 2007. 2. Desenvolvimento O grupo Mano a Mano foi fundado em 1997 pela antroploga Simone M. Frangella e por uma arte-educadora formada pelo Instituto de Artes da Unicamp(Teka) e ele surgiu a partir da idia de desenvolver atividades de arte-educao com crianas e adolescentes em situao de rua. Essa idia foi inspirada na prpria pesquisa de campo de Simone para sua dissertao de mestrado em que ela participava do trabalho da Pastoral do Menor em Campinas e tentava uma aproximao com os meninos na rua. Sua dissertao, intitulada Capites do Asfalto: a itinerncia como construtora da sociabilidade de meninos e meninas de rua em Campinas, e defendida no Instituto de Filosofia de Cincias Humanas da Unicamp(IFCH), constitua-se num esforo em retraar a trajetria dos meninos pelo espao urbano recolhendo as marcas deixadas por eles por onde passavam. A atividade bsica do Mano Mano era ir para o espao pblico da rua, geralmente alguma praa que era point dos meninos num dia e local pr-agendado com eles, demarcar uma parte da praa como sendo do grupo e nela desenvolver atividades de desenho, pintura, msica ou jogos com os meninos por um perodo aproximado de duas horas. Essa demarcao da atividade no espao e no tempo tinha uma finalidade bastante clara, a de introduzir nos meninos noes como as de regra(que no as da rua) e de disciplina. Ao demarcar o espao do Mano a Mano, educadores e meninos teriam de negociar e construir as regras que valeriam para aquele espao. E por ter dia e horrio marcado os meninos precisariam se planejar para ir atividade. Antes que seja tarde eu preciso dar a minha definio de arte-educao. Partindo de minha experincia prtica educar atravs da arte seria desenvolver as habilidades e potencialidades dos meninos atravs da prtica artstica e sua posterior reflexo. As potencialidades e habilidades desenvolvidas seriam auto-estima, expressividade, postura corporal, raciocnio, capacidade de concentrao e o que mais o educador conseguir imaginar. Eu s consigo definir arte-educao com meninos de rua com um exemplo: toda vez que voc encontra um menino voc o convida a fazer um desenho, e a cada desenho voc pede pra ele pr o nome e depois guarda, depois de alguns meses voc traz todos os desenhos e os expe ao mesmo tempo para ele e tenta mostrar como seus desenhos mudaram, que o primeiro desenho era bem pequeno, que os outros j eram maiores, e os mais recentes at bem mais coloridos, voc tenta associar cada desenho a fatos ocorridos na poca em que cada um foi feito, a partir disso voc tenta debater como a vida dele mudou nos ltimos tempos, como as coisas eram antes, suas lembranas, essas coisas. Tudo isso para provoc-lo a refletir sobre seu passado, e conseqentemente seu presente, a posio que este ocupa no mundo, e suas possibilidades de futuro. Essa idia de que preciso colocar o menino no tempo, pois ele encontra-se numa situao em que os dias so sempre iguais e que a vida na rua uma grande priso aliada a uma forte sensao de liberdade sempre foi muito comum entre os educadores de rua de Campinas, no s os do Mano a Mano, e eu sempre compartilhei dela. Ela oriunda, em parte, da experincia e sensibilidade dos educadores, mas em grande medida influncia do trabalho de Maria Filomena Gregori, professora do departamento de Antropologia do IFCH em seu livro Virao: Experincia de meninos nas ruas, no qual ela defende na concluso, que apesar da aparente sensao de liberdade devido circulao pelo espao urbano, por no14 de novembro de 2008, UFSCar

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atravessarem rituais de passagem, estes meninos no conseguem superar a condio de meninos de rua tornando-se prisioneiros dela. O adolescente aprende a sobreviver na rua com o aparato institucional voltado para crianas e adolescentes em situao de rua, ao atingir a maioridade ele perde esse aparato e no consegue entrar no mundo dos adultos por que no foi preparado para isso. Eu mesmo conheci muitos rapazes com mais de 20 anos que se apresentavam como meninos de rua. Neste livro, a idia de virao emerge, de um conceito nativo dos meninos de rua em So Paulo, que significava se virar ou seja, conquistar a sobrevivncia na rua, para a idia de que os meninos de rua so capazes de manipular as representaes sociais que seus interlocutores fazem deles. Se as pessoas os vem como bandidos, eles se portam como bandidos; se as pessoas os vem como crianas indefesas, eles se portam como tal. A inteno da autora, creio eu, era evidenciar a capacidade de agir destes meninos e sua conseqente condio de sujeitos sociais. H uma outra apropriao das idias deste livro a qual eu tive contato trabalhando no mais como educador, mas como coordenador de um programa de educao de rua, a Casa Guadalupana. O termo virao foi apropriado pelos profissionais e tcnicos da Secretaria Municipal de Assistncia e Ao(eufemismo) Social(SMAS) e profissionais envolvidos na rede de atendimento criana e adolescente em situao de rua de Campinas. Ele usado no sentido de manipular, enganar as pessoas, ou seja, num sentido negativo, o de que o menino se utiliza das instituies para permanecer vivendo na rua, um dia ele almoa num lugar outro dia noutro, aqui ele conta uma histria e l ele conta outra e segue vivendo. Essa leitura no meu entendimento uma leitura negativa e contribui para uma estigmatizao dos meninos e vai em desencontro com a possibilidade mais interessante que o conceito nos abre, que de v-los como crianas comuns, que na escola se comportam como alunos ordeiros e no bairro se comportam como moleques travessos. A situao mais especfica na qual eu tive contato com essa leitura foi uma reunio na qual participam a Prefeitura, atravs de um representante da Secretaria Municipal de Assistncia e Ao Social(SMAS), e representantes de todas as instituies da rede de atendimento criana e adolescente em situao de rua. Naquela ocasio, a virao, enquanto uma manipulao dos servios por parte das crianas e adolescentes estava sendo usada como uma justificativa para ampliar uma lgica de trabalho que j h alguns anos estava sendo implementada, a qual eu chamarei aqui de lgica da racionalizao e do controle. O argumento de que cada servio especfico(por ex. servir refeio, disponibilizar banho, lugar para pernoitar) deveria ser realizado por uma nica entidade, num nico ponto especfico da regio central da cidade; pois caso contrrio se um mesmo servio fosse disponibilizado por mais de uma entidade(em mais de um ponto do centro da cidade), a rede de atendimento seria alvo da virao dos meninos, que no iriam aderir aos programas, mas se aproveitar deles para permanecer na rua. A racionalizao dos servios vinha, portanto, como soluo para a virao dos meninos, junto com mais uma segunda soluo, o controle, no se deveria mais atender nenhuma criana ou adolescente sem cadastr-lo, sem catalog-lo. Todo esse tipo de argumentao sempre veio de cima, por parte da prefeitura, e aos poucos no decorrer de minha experincia tanto de educador como de coordenador eu percebi que ela revelava um discurso institucional muito forte, mas que se apresentava sempre de forma diluda ( raro algum defend-lo publicamente), mas todo mundo sabe que ele existe, que servio para populao de rua mantm a pessoa na rua. Um exemplo da efetivao desse discurso uma das normas do servio Pernoite Protegido, onde os meninos podem passar a noite, fazer atividade, jantar e dormir e depois sair pela manh, o Pernoite no permite que o menino entre com objetos pessoais l dentro, pois isso seria um estmulo a ele continuar morando na rua.14 de novembro de 2008, UFSCar

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Um exemplo dessa tendncia mais geral de racionalizao e controle a formao da Casa da Cidadania, localizada no Terminal Central, especializada no atendimento de moradores de rua adultos. H uns 5 anos atrs recordo-me de diversas instituies de carter religioso distriburem sopa a noite e de madrugada em diversos pontos do centro da cidade que so notrios points de morador de rua, o Camp Chopp(tmulo do Carlos Gomes), a Mogiana(Estao Guanabara), o Correio Central, por exemplo. Com o tempo essas instituies foram desestimuladas a realizar esse tipo de atividade e foram convidadas a se cadastrarem na SMAS e a assumir um dia da semana na Casa da Cidadania.(por exemplo: os catlicos servem macarro na quinta e convocam os moradores a rezarem, na sexta os evanglicos servem sopa e convidam os moradores a cantar). Seguindo esta linha de raciocnio, a tendncia para que haja somente um ponto que sirva comida a noite para morador de rua adulto, a Casa da Cidadania, ela um servio pblico vinculado a SMAS. Quando a pessoa chega, ela cadastrada, passa por entrevista breve: nome, origem, pra onde vai; e o servio vetado para adolescentes. Eu acredito que essa tendncia tenha trs movimentos gerais que incidem diretamente sobre nossas condies e diretrizes de trabalho: A racionalizao dos servios. A produo de um conhecimento acerca de populao de rua. O Controle da populao de rua. Esse o contexto geral no qual os educadores do Mano a mano se transferiram para a Casa Guadalupana e eu posteriormente vim a me inserir nesse universo. Os educadores do Mano a Mano entraram para a Guadalupana em 2004, eu entrei em 2005. Para contar a histria da Casa Guadalupana eu preciso falar da Instituio Padre Haroldo. Esta uma instituio filantrpica que trabalha no tratamento de dependncia qumica, quer dizer lcool e drogas, h mais de 4 dcadas em Campinas a partir da filosofia dos 12 passos. Quando se est prestes a terminar o tratamento realiza-se o dcimo segundo passo que da mesma forma que voc foi ajudado por algum, agora voc poder ajudar algum. com esse intuito que nasce a Casa Guadalupana, um local em que os usurios do tratamento poderiam realizar o dcimo segundo passo, ajudar algum a sair do mundo das drogas. Por isso a Casa Guadalupana foi montada no Terminal Central primeiramente, por que l era point de meninos de rua, e o intuito da instituio era ajudar os meninos de rua a se livrarem das drogas. Devido a reformas estruturais no Terminal Central, a Casa Guadalupana foi transferida para o viaduto do Lauro por volta de 2001. O problema que a Casa foi construda literalmente debaixo do viaduto. O Lauro a continuao da Av. Moraes Salles que passa por cima da Av. Princesa dOeste e um point de meninos de rua desde quando eu me conheo por gente. Quando eu era criana eu me lembro de passar de carro uma vez com minha me e ver um menino com o rodinho passando nos carros. A incidncia de meninos de rua no Lauro intensa e antiga; e tem sobrevivido a todo tipo de reformas urbanas e nos servios de atendimento populao de rua. Esse movimento de meninos de rua no Lauro guarda um padro: eles chegam, vo pro sinal, pedem dinheiro ou trabalham no rodinho, juntam uma determinada quantia e sobem para comprar drogas(crack e maconha), eles vo para o moc deles usam a droga e voltam para o sinal, essa a rotina do Lauro, essa a rotina de quem est ibernado no crack, todo dia a mesma coisa. Quase todos educadores ouvem falar desse movimento, mas quando se toma conscincia dele, todos entramos em crise com nosso trabalho, muito difcil concorrer com o crack. Neste contexto, os educadores do Mano a Mano se transferiram em 2004 para a Casa Guadalupana. Esta era o local em que os usurios do tratamento iam realizar o dcimo segundo passo, e a Casa disponibilizava banho e lanche para os meninos, com a racionalizao, a Casa no poderia mais servir nem lanche nem disponibilizar banho, que seriam competncia de outros servios espalhados pelo centro da cidade. Portanto a Casa corria o risco de ser fechada. Ao mesmo tempo, o grupo Mano a Mano desenvolvia um14 de novembro de 2008, UFSCar

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trabalho na rua que se destacava por sua tcnica original, a arte-educao. Desta forma, dois educadores do Mano a Mano foram contratados pela Casa Guadalupana para desenvolverem seu trabalho. A competncia desses educadores constitua-se basicamente em referenciar as crianas e adolescentes em situao de rua rede de atendimento e desenvolver atividades pedaggicas no espao da rua. A idia de rede significa na prtica que todos os servios que atendem adolescentes em situao de rua devem compartilhar informaes sobre os meninos e trabalhar para a construo de procedimentos padronizados para todos os servios, que poca (final de 2005 a comeo de 2007) eram compostos basicamente por Casa Guadalupana (Educao Social de Rua); Pernoite Protegido (Pernoite); Betel (Casa de Passagem), Crasa (Centro de Sade especializado em criana e adolescente em situao de risco); Sala de Transio (Sala de ensino formal); e depois a Taba (Centro de Vivncia voltado para os adolescentes). Todos esses espaos ficavam na regio central da cidade e atendiam diretamente os adolescentes; complementavam essa rede os abrigos especializados em adolescentes em situao de rua, sendo o masculino vinculado Instituio Pde. Haroldo e o feminino vinculado ao Instituto Souza Novaes, ambos em reas mais afastadas da cidade. Esses dois educadores do Mano a Mano contratados, efetivados como educadores da Casa Guadalupana, se depararam com uma situao bastante peculiar: eles acreditavam que seu trabalho era ir para o espao da rua, desenvolver atividades de arte-educao, ao mesmo tempo, os meninos queriam entrar na Casa, ficar na Casa, tomar banho e tomar lanche, s que no tinha mais lanche, e era proibido deix-los tomar banho sob pena do servio ser fechado pela Prefeitura. Some a isso a forte ideologia existente na poca que trabalho de educador de rua era pegar o menino na rua e levar para o abrigo, ou para o tratamento de dependncia qumica. Quando eu entrei no comeo de 2005 foi esse o quadro no qual eu encontrei a Casa Guadalupana, ramos dois educadores de rua, uma assistente social e um funcionrio de manuteno e limpeza que na verdade trabalhava como educador. Das duas competncias que tnhamos, enquanto educadores, referenciar o adolescente na rede e desenvolver atividades pedaggicas no espao da rua, cumpramos as duas, mas s ramos considerados pela primeira, no que diz respeito a SMAS. No meu primeiro ms de trabalho ns ficamos sem assistente social e eu e meu colega nos deparamos com o seguinte relatrio para ser preenchido:Crianas e adolescentes atendidos pela Casa Guadalupana no ms

Nome

Filiao

Origem

Data nascimento

Encaminhamento

Filiao o nome da me. Origem o bairro em que a me mora. Encaminhamento para onde eu mandei o adolescente. Se eu o encaminhei ao Pernoite, eu registro Pernoite. um jargo tcnico, por que no basta mandar o adolescente, encaminhar acompanha-lo, apresenta-lo equipe do servio e depois ligar para o servio para saber como foi, dependendo do encaminhamento preciso acionar o Conselho Tutelar. Toda vez que voc faz um atendimento de um menino voc tem que registrar esse atendimento, que contabilizado. Cada adolescente atendido no ms voc deve registrar o encaminhamento dado ao caso. Esse procedimento permitiria ao SMAS calcular a eficincia do servio estabelecendo uma relao

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entre o nmero de atendimentos e o nmero de encaminhamentos. Na verdade, esse tipo de relatrio no existe mais. Mas qual a pergunta escondida por detrs dele? A pergunta : Quantos adolescentes vocs tiraram da rua? A nossa nica resposta para essa pergunta sempre foi: nenhum, por que no acreditvamos que aquele fosse o carter do nosso trabalho. Eu acredito que esse relatrio revela o dilema fundamental de um coordenador de programa de educao de rua, que o dilema entre limpeza social/controle e desenvolvimento do projeto pedaggico. Basicamente, o trabalho do coordenador segurar a fome e a nsia do Estado por limpeza e controle social para garantir que os educadores tenham o maior grau de liberdade possvel para criarem seus projetos pedaggicos e poderem vir a desenvolv-los com os adolescentes. Quando eu me deparei com esta situao a primeira vez, a de responder a esse tipo de pergunta, a presso por limpar as ruas ainda era forte e nosso trabalho de arte-educao ainda era pouco reconhecido, portanto, a estratgia que tomamos foi a de produzir relatrios que traduzissem toda especificidade e qualidade do nosso trabalho. Elaboramos um relatrio qualitativo, que relatava cada atividade pedaggica desenvolvida, com cada um dos meninos, quais as habilidades que aquela atividade desenvolvia; especificamos cada lugar no qual fazamos atividades, quais lugares encontrvamos os meninos e em que horrios, entre outras coisas. A medida que segurou a tendncia por limpeza social, ou seja, a produo de relatrios ricos em informaes, em dados e em nmeros; nos colocou em uma nova armadilha que envolvia a lgica da produtividade do servio, o controle da populao de rua e a produo de um conhecimento sobre ela. Entrar na lgica da produtividade teve seus benefcios, quando eu sa da Casa Guadalupana em 2007 ela era o servio de atendimento a criana e adolescente em situao de rua que mais recebia recursos pblicos, que tinha a maior equipe, e mais visibilidade, por que havia se mudado para o lado do prdio da Prefeitura e tinha uma equipe que percorria toda a cidade. E quanto aos projetos eram os mais maravilhosos que eu j tinha visto na vida, que eu nunca teria sido capaz de imaginar. Os educadores desencadearam um processo com os meninos que ningum mais podia parar, nem mesmo o coordenador, hoje em dia eu sei que eles tm um grupo de msica, um grupo de cinema e at um de caderno mensal de poesias. O controle da populao de rua apareceu de forma sutil, os servios, a partir de 2006 deveriam se organizar de modo a no deixar nenhum tempo de sobra para os meninos de rua(caso eles estivesse dispostos a colaborar). Foi elaborado um roteiro dirio do menino de rua, de manh ele acorda no Pernoite Protegido, vai para a Taba, que era um espao de vivncia do adolescente, a tarde fica fazendo atividade com os educadores da Casa Guadalupana e de noite volta para o Pernoite Protegido. Perfeito, s que na prtica no funcionava. A prpria mudana da Casa Guadalupana do Lauro para a Av. Anchieta no final de 2006 reflete esse processo de busca por controle. A justificativa foi a obra para conteno das enchentes, mas ao trmino da buraqueira a casa ainda estava l, e foi derrubada depois. Eu no me lembro a forma como fui informado da demolio, apenas de que nunca fui consultado enquanto coordenador do programa de educao social de rua. Eu acredito apenas, que o projeto de reforma urbanstica do Lauro no inclua os meninos de rua. A transferncia da Casa Guadalupana para a Av Anchieta n.352 inclua a transformao desta em um espao de convivncia para os adolescentes. Eu nunca fora entusiasta desse projeto, eu nunca entendi essa nsia por colocar os meninos em espaos fechados e eu sequer sabia de onde vinha essa tendncia. De fato, nunca me foi apresentada uma justificativa pedaggica ou mesmo disciplinar. difcil lutar quando voc no encontra seu inimigo. A comisso Criando Redes de Esperana ligada ao Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente(CMDCA),14 de novembro de 2008, UFSCar

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responsvel pela confeco das diretrizes das polticas pblicas para criana e adolescente em situao de rua estava esvaziada, o nico espao que nos restava era a reunio da rede de atendimento criana e adolescente, que tinha o objetivo de construir procedimentos comuns a todos os servios, na poca(2006) ela estava polarizada entre as duas grandes instituies no governamentais que comandam os servios de atendimento populao de rua: o Instituto Souza Novaes comandava o Pernoite Protegido, o abrigo feminino e o tratamento para drogas; e a Instituio Padre Haroldo comandava a Casa Guadalupana, o abrigo masculino e o tratamento para drogas. E eu era o representante direto da Instituio Padre Haroldo nessa reunio. No era ali, tambm, o lugar em que as decises eram tomadas. O projeto de transformao da Casa Guadalupana numa Casa Aberta. era vertical. No comeo de 2007 este projeto j estava praticamente consolidado, faltavam apenas alguns ajustes. Desde seu surgimento a Casa Guadalupana fez um movimento interessante, em menos de 7 anos ela foi: uma casa que os meninos lanchavam e tomavam banho, uma equipe de educao de rua e referenciamento rede de servios; e depois isso e um centro de vivncia para os adolescentes. Eu participei desse projeto nesses dois ltimos momentos. Descendo na hierarquia, se o campo de ao de um coordenador de programa de educao de rua limitado, o de um educador de rua o muito mais. Pra mim, o trabalho de um educador de rua anlogo ao de um pescador, voc passa o dia inteiro parado segurando uma vara de pescar, quando o peixe morde a isca voc precisa ser rpido e preciso no seu movimento para pesc-lo, se errar, o peixe escapa e pode no voltar mais. Pra mim, o trabalho de um educador de rua a mesma coisa, voc passa o dia inteiro acompanhando menino pra l, menino pra c, abre porta, fecha porta, vai na praa, vai no terminal no tem ningum, cumpre ordem, preenche relatrio e por a vai at o momento que o menino faz aquela pergunta que te deixa sem cho, esse o momento em que ele d a brecha, esse o momento que voc tem de agir. Eu gostava de sentar no meio dos meninos no Lauro e ficar ouvindo a conversa deles, eu ficava quieto, como se nem estivesse ali ou como se eu fizesse parte da banca deles, eles ficavam contando vantagem sobre drogas, at que um virou pra mim e falou: tio, voc usa droga, voc tem a maior cara de quem usa droga. Eu acho que esse um momento que o educador tem que aproveitar para trabalhar. Eu penso que nesse momento, o menino quer na verdade saber minha opinio, o que eu penso sobre drogas, por que um educador sempre um referencial de responsabilidade e maturidade para os meninos. Eu acho que esse tipo de situao boa para desencadear um debate sobre drogas, sobre lei, sobre como elas agem no nosso corpo, sobre o preconceito contra quem fuma crack, se possvel viver na rua e no usar droga, por exemplo. Desse exemplo decorre minha definio de educao social de rua: fomentar um processo que permita ao adolescente formar as ferramentas intelectuais para que ele possa atravs delas construir suas perspectivas de futuro. Pensar, a partir da realidade da rua, quais so os caminhos possveis. Pois, para haver um futuro preciso primeiro imagin-lo. Era mais ou menos esse o discurso que eu usava para defender minha profisso e acho que ele explica em parte o trabalho de um educador de rua. Talvez ele explique mais a experincia que eu tive, e no a de meus colegas. importante lembrar que educador social de rua uma profisso que ainda no h lei que a regulamente, portanto, no h critrios para definir quais suas competncias e qual a formao exigida para o cargo. Depois de quase 2 anos de afastamento eu vejo as coisas por outro prisma, o da comunicao. A tarefa mais importante que o educador social de rua cumpre equivalente a de um tradutor. Ele traduz o universo institucional-burocrtico e o mundo adulto em geral para os meninos de rua e traduz o universo da rua para os profissionais da rede de atendimento ou mesmo sociedade em geral, evidenciando a riqueza de significados da vida nas ruas.14 de novembro de 2008, UFSCar

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Um exemplo de traduo desses universos quando um adolescente no pode entrar no Pernoite Protegido portando certos tipos de objetos pessoais, como por exemplo uma blusa, ento ele desiste de abandonar a blusa e vai dormir na rua. Compete ao educador de rua explicar ao adolescente a lgica de um procedimento que ele mesmo no acredita e ele se desdobra para isso. Situaes como essa acontecem todos os dias, a todo o tempo, elas so o cotidiano do trabalho. Um exemplo no sentido inverso mais difcil, mas uma das vezes em que fui Comisso de abrigos, comisso vinculada ao Conselho Municipal de Assistncia Social (CMAS), que decide as normas dos abrigos para crianas e adolescentes, eu fui solicitar que aceitassem a visita de educadores nos abrigos, pois muito deles no permitiam ou faziam de tudo para dificultar. Em alguns dos abrigos, o adolescente convidado a apagar toda a sua vida anterior a chegada no abrigo e a comear vida nova, e a visita do educador de rua vista como a reativao de laos ruins, que trazem ms lembranas. Eu disse que o vnculo entre o educador e o adolescente um vnculo afetivo e, portanto, positivo na vida futura dele, que o que a gente aprende na rua vale para a vida toda. Infelizmente esse discurso de que a rua vazia em significados, de que s tem coisas ruins ou de que mesmo no teria regras (o universo da rua extremamente regrado) segue forte. Neste exerccio de traduzir o universo da rua, de expressar esse sentimento do que morar nela, da dor de contar e continuar doendo que eu fao uma defesa da arte-educao. Atravs da arte, o educador deve auxiliar esses meninos a se comunicarem com o universo dos outros, pois a arte uma linguagem universal, que talvez possa vir a restabelecer o mundo comum o qual todos compartilhamos.

3. Consideraes finais Esse caminho tortuoso pretende 3 concluses: o trabalho da Casa Guadalupana devedor do trabalho do Mano a Mano, que por sua vez devedor tanto da pesquisa de Frangella quanto da pesquisa de Gregori. Eu tentei reconectar esses pontos perdidos. Eu quis visualizar um projeto arquitetnico na cidade que incorpora a populao de rua de modo perverso. A reforma do Lauro, a ampliao da Casa Guadalupana, a formao da Casa da Cidadania, o desestmulo a distribuir comida na rua montam uma imagem de cidade sem morador de rua. Se tomarmos em conta os projetos de lei que circulam na Cmara dos Vereadores de Campinas que pretendem a proibio da mendicncia e dos vendedores ambulante nos sinaleiros, e a construo do Centro Cultural Unicamp, que implicou no desalojo da favela da Mogiana, esse projeto revela-se ainda mais perverso. E para terminar, apesar do meu diagnstico ser pessimista, eu quero dizer que ainda acredito em nossos respectivos trabalhos, de educadores, militantes e antroplogos; pois acredito que ser atravs deles que poderemos desarmar as armadilhas nas quais estamos todos encerrados. E acredito ser a tarefa do antroplogo a de desvendar a lgica desse sistema que por vezes parece no ter lgica.

RefernciasFRANGELLA, SIMONE MIZIARA. Capites do asfalto: a itinerncia como construtora da sociabilidade de meninos e meninas de rua em Campinas. Campinas SP. Dissertao de Mestrado. IFCH/Unicamp, 1996. GREGORI, MARIA FILOMENA. Virao: experincia de meninos nas ruas. So Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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CENTRO DE ACOLHIMENTO E ATENDIMENTO MAIS VIVER: O DESAFIO DE UMA NOVA ABORDAGEM PARA OS MORADORES DE RUA ADULTOS EM CURITIBA Cleide de Souza de Oliveira Elisabete do Rocio da Silva Buiar Roseli Carvalho Muraski1 RESUMO: Este artigo aborda a experincia de trabalho do Centro de Acolhimento e Atendimento Integral Mais Viver - CAAI Mais Viver, no municpio de Curitiba. O CAAI Mais Viver visa atender a populao de rua adulta proporcionando um espao de abrigamento, visando o rompimento de vnculo existente entre os usurios e a rua, oferecendo um ambiente de respeito e dignidade, conforme o disposto na Poltica Nacional de Assistncia Social/04. Tal proposta originou-se em 1999, aps o Municpio perceber que uma grande parcela de usurios em situao de rua no respondia aos encaminhamentos propostos, muitos apresentando transtornos mentais. O equipamento oferece proteo social especial de alta complexidade, ou seja, garante as seguranas de sobrevivncia; convvio e de acolhida. Na rotina diria do trabalho so realizadas atividades comuns e outras em pequenos grupos, respeitando interesses individuais e habilidades. H um trabalho com enfoque interdisciplinar que envolve mdicos, enfermeira, assistentes sociais e gerncias, de modo a refletir sobre os encaminhamentos, demandas, dificuldades, avanos e desafios, enfim avaliando o trabalho e buscando novas alternativas de atendimento. Objetivamos que estas pessoas recuperem a auto-estima, tenham a instituio como referncia de casa, e desta forma, comecem a transformar a trajetria de suas vidas, atravs da convivncia, respeito e responsabilidade, resgatando a verdadeira identidade destes cidados. Palavras chave: assistncia social; populao de rua adulta; sade mental. Eixo 1: polticas setoriais

Coordenadora da Central de Resgate Social, assistente social, Fundao de Ao Social, Rua Conselheiro Laurindo, 792 Centro Curitiba/Paran, CEP 80060-100 fone: 41 33107556 ou 33107549 - email: [email protected] ou [email protected]

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INTRODUO A instabilidade econmica de vrios setores refletem na ordem social, mostrando situaes de desigualdade. Vivenciamos um estado de incoerncia, da abundncia necessidade, do luxo miserabilidade. Diante destas situaes de desigualdade, verificamos caso de indivduos sem acesso aos mnimos sociais: alimentao, vesturio, habitao, sade, educao, emprego, formao profissional entre outros, como prev a PNAS Poltica Nacional de Assistncia Social. Neste quadro de instabilidade, perante a situao de misria, desemprego, falta de habitao, acesso educao, falta de informao e outros, muitas famlias se desestruturam, causando separao no grupo familiar, dependncia qumica, abandono, violncia, negligncia, dentre outras situaes de vulnerabilidade social. Neste contexto social que muitas pessoas so levadas a sobreviver nas ruas, ou em instituies, desde a sua infncia. Para manter a sobrevivncia, praticam, principalmente, atividades informais de trabalho, mendicncia, prostituio, furtos e at trfico de drogas. Cabe ressaltar que alguns indivduos vo para a rua no somente pela baixa condio financeira, mas tambm como conseqncia da dependncia qumica ou pela condio de portador de transtorno mental. No atendimento populao moradora de rua pela FAS/SOS, constatou-se a existncia de uma parcela de pessoas, que se encontravam a muitos anos em situao de rua, identificados como crnicos. Aps a Reforma Psiquitrica ocorrida em meados dos anos noventa, como resposta a um contexto neoliberal, ocorreu a desospitalizao dos pacientes considerados institucionalizados, com reduo significativa de leitos em Hospitais Psiquitricos. Tal fato acarretou a necessidade de prestar atendimento a esta demanda que apresentando a perda do vnculo familiar adota a rua como local de sobrevivncia. Para que se tornasse possvel um atendimento efetivo e integral a esta populao foi implantado o Centro de Acolhimento e Atendimento Integral Mais Viver CAAI Mais Viver. O CAAI Mais Viver visa atender a populao que se encontra em situao de rua. Possui capacidade para atender sessenta pessoas, sendo trinta do sexo masculino e trinta do sexo feminino. A proposta do equipamento proporcionar espao de abrigamento temporrio, visando o rompimento de vnculo existente entre os usurios e a rua atravs de rotinas de vida diferentes daquelas estabelecidas com a rua, oferecendo um ambiente de respeito e dignidade, conforme o disposto na Poltica Nacional de Assistncia Social/04 que estabelece os servios de proteo social

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especial de alta complexidade como aqueles que devem garantir as seguintes seguranas: de sobrevivncia; de convvio e de acolhida. Deste modo, apresentaremos, alm desta introduo, o histrico do CAAI Mais Viver, sua prtica de trabalho, breve perfil da demanda atendida e, por fim a concluso. OBJETIVO O presente texto tem a inteno de demonstrar a experincia que se desenvolve no Centro de Acolhimento e Atendimento Integral Mais Viver (CAAI Mais Viver), mantido pela Fundao de Ao Social FAS, rgo gestor da Poltica de Assistncia Social no Municpio de Curitiba. O CAAI Mais Viver tem como demanda a populao adulta que permanece nas ruas do Municpio de Curitiba, sem referncia de moradia, com capacidade de locomoo e autonomia para realizar atividades da vida diria, susceptvel situao de risco social, e com a qual no foi possvel o trabalho de incluso social pelos outros equipamentos, ou em outras palavras, encontra-se em situao de vulnerabilidade social e, at vulnerabilidade psquica. Assim, o CAAI Mais Viver tem como objetivo geral: proporcionar atendimento integral a populao de rua, visando a incluso social e o restabelecimento de sua autonomia, cidadania e dignidade, por meio da busca da identidade, valorizando sua histria, incutindo-lhe um sentimento de pertencimento ao grupo. DESENVOLVIMENTO HISTRICO A FAS, iniciou no ano de 1994 um trabalho social junto a populao de rua do Municpio de Curitiba, constatando a presena de pessoas e grupos em diversos locais da cidade, em nmero significativo, sobrevivendo em condies de indigncia, abrigando-se sob viadutos, marquises, construes e/ou casas abandonadas. Em julho de 1995 passou a funcionar um Centro de Triagem, denominado de FAS/SOS. O objetivo inicial deste atendimento foi de beneficiar a populao de rua atravs da abordagem, recolhimento, triagem social, servios de higienizao, troca de roupas, alimentao, atendimento mdico ambulatorial, albergagem e encaminhamentos aos recursos desta Fundao e/ou outros recursos da comunidade, buscando reabilitao e tratamentos especficos.

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Foi realizada no ano de 1998 uma avaliao do trabalho que vinha sendo realizado, onde foi possvel observar que, por mais esforo que se fizesse um grande nmero de usurios no respondiam aos encaminhamentos propostos. Detectou-se tambm que grande parte das pessoas atendidas pela FAS/SOS foram criadas em instituies ou na rua, devido a histrias de desestruturao do grupo familiar, violncia, dependncia qumica e outros fatores. Conforme diagnstico mdico observou-se um quadro significativo de cronicidade no comprometimento fsico ou mental. Buscando oferecer um atendimento integral a esta populao que no respondia aos encaminhamentos propostos foi implantado o CAAI Mais Viver, com incio de suas atividades em perodo experimental na data de 09 de dezembro de 1999. PRTICA DE TRABALHO O Centro de Atendimento e Acolhimento Integral Mais Viver possui o seguinte quadro funcional: 21 educadores sociais, 02 assistentes sociais, 01 cozinheira, 01 auxiliar de lavanderia, 03 zeladoras, 02 motoristas (01 noturno e 01 diurno), quatro guardas municipais ( 02 diurnos e dois noturnos), 01 mdico (clnico geral, que vem unidade 02 vezes por semana, pelo programa de sade da famlia PSF), 01 auxiliar de enfermagem, 01 gerente e um sub-gerente. Os usurios so encaminhados para atendimento no Centro de Acolhimento e Atendimento Integral Mais Viver, pela Central de Resgate Social, que faz abordagens nas ruas de Curitiba. Ao serem encaminhados para a unidade, os usurios so acolhidos pelos educadores sociais, que apresentam a unidade e realizam a acomodao deste em quarto, encaminham para o banho se necessrio, e em seguida so encaminhados para o Servio Social. As assistentes sociais realizam entrevista inicial, resgatando um pouco da histria do usurio, dando continuidade no acolhimento, no sentido de escuta de apoio, da ateno com afetividade..., poder dar conta da demanda posta profissionalmente, e para o Servio Social, colocada a procura por direitos sociais das classes mais pauperizadas da rede pblica (BISNETO, 2005, p. 124). Na rotina diria do trabalho so realizadas atividades comuns, como: higiene pessoal (banho, escovao de dentes, barba...), escala de tarefas de limpeza (varrer refeitrio, passar pano no cho...), alimentao e outras. Todas estas atividades so acompanhadas e orientadas pelos educadores sociais. So tambm oferecidas oficinas de atividades, como: musicalizao para adultos, alongamento e antiginstica, caminhada diria, artes manuais (tric, croch,

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bordado...), tear, jogos e brincadeiras, artes visuais e passeios tursticos quinzenais. Os usurios so convidados a participar destas atividades, procurando motiv-los, sempre respeitando seus interesses individuais e habilidades. O tratamento mdico realizado na prpria unidade, sendo que o mdico (PSF) atende duas vezes por semana em consultrio local, prescrevendo medicaes ou realizando encaminhamentos para especialidades, fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, psiquiatria, infectologia e outros. Ao serem encaminhados para as especialidades citadas, os usurios so acompanhados pelo educador social e, algumas vezes pela assistente social, que realiza acompanhamento em especialidade mdica, geralmente psiquiatria, quando necessrio dar informaes sigilosas ao mdico, sempre com autorizao do usurio. As reunies de atendimento familiar em Hospitais Psiquitricos, onde eventualmente alguns usurios estejam internados, so acompanhadas pelas assistentes sociais, bem como as visitas, so realizadas tanto pelo educador social, como pelas assistentes sociais. Durante as visitas aos usurios internados, principalmente aos pacientes psiquitricos, procura-se dar escuta de apoio e ateno, preparando-os para a alta hospitalar, onde devero sentir-se bem-vindos quando retornarem unidade, fazendo-os sentirem-se como parte integrante do grupo de usurios. As assistentes sociais realizam entrevistas sociais onde procuram levantar dados de histria de vida, realizam orientaes e informaes, buscas em cartrios para dar incio ao processo de identificao do usurio, que muitas vezes chega na unidade sem ter documentao que o identifique.O Servio Social divide-se em duas alas: masculina e feminina, ficando uma assistente social responsvel pela ala feminina e outra pela ala masculina. Sistematicamente, so realizadas reunies com as assistentes sociais e gerncias, onde se procura refletir sobre encaminhamentos, demandas, dificuldades, avanos, desafios, bem como avaliar o trabalho, buscando novas alternativas de atendimento. Dentro de um enfoque interdisciplinar, tambm so realizadas reunies com os mdicos responsveis pelo atendimento, enfermeira, assistentes sociais, e gerncias, com o objetivo de avaliar a evoluo clnica e/ou psquica, buscando novas alternativas de tratamento (farmacolgico, terapias, psicossocial e outros). So realizadas tambm reunies semanais da Pastoral da Sobriedade por voluntrios, onde so trabalhados os doze passos da sobriedade, sendo que a metodologia foi adaptada para este grupo, trabalhando-se valores, convvio social, projetos de vida e outros. Tambm foi formado, por voluntrios um grupo de

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Alcolicos Annimos, sendo que deste grupo par