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ANAIS DO III SEMINÁRIO DESENVOLVIMENTO MODERNIDADE E MEIO AMBIENTE ORGANIZADORES HORÁCIO ANTUNES DE SANT’ANA JÚNIOR; MADIAN DE JESUS FRAZÃO PEREIRA; BARTOLOMEU RODRIGUES MENDONÇA; ELENA STEINHORST DAMASCENO

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ANAIS DO III SEMINÁRIO DESENVOLVIMENTO

MODERNIDADE E MEIO AMBIENTE

ORGANIZADORES

HORÁCIO ANTUNES

DE SANT’ANA JÚNIOR;

MADIAN DE JESUS

FRAZÃO PEREIRA;

BARTOLOMEU

RODRIGUES

MENDONÇA;

ELENA STEINHORST

DAMASCENO

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ANAIS DO

III SEDMMA

Conflitos

Ambientais,

Mobilizações e

Alternativas ao

Desenvolvimento

23 a 25 de maio de 2012,

São Luís- MA (UFMA)

Este seminário é uma realização do GEDMMA – Grupo de Estudos

Desenvolvimento Modernidade e Meio Ambiente Vinculado ao

Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC) e aos Programas

de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) e Políticas Públicas

(PPGPP) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e contou com

financiamento do CNPq e FAPEMA.

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HORÁCIO ANTUNES DE SANT’ANA JÚNIOR; MADIAN DE JESUS FRAZÃO

PEREIRA; BARTOLOMEU RODRIGUES MENDONÇA; ELENA

STEINHORST DAMASCENO

ANAIS DO III SEDMMA

Conflitos Ambientais, Mobilizações e Alternativas ao Desenvolvimento

1ª Edição

São Luís GEDMMA

2013

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III SEDMMA conflitos ambientais, mobilizações e alternativas ao desenvolvimento –23 a 25 de maio de 2012,

São Luís- MA (UFMA)

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

5

1 Alyne Maria Sousa Oliveira, Maria do Socorro Lira Monteiro e Maria

Dione Carvalho de Moraes

8

CONFLITOS POLÍTICOS E SOCIOAMBIENTAIS NO ASSENTAMENTO RURAL SANTANA NOSSA ESPERANÇA, TERESINA-PI

2 Benedito Alex Marques de Oliveira Santos e Hellen Mayse Paiva Silva 25

A AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS E A DE EXPANSÃO URBANA DO MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS-MA: IMPLICAÇÕES AMBIENTAIS NO PARQUE ECOLÓGICO DA LAGOA DA JANSEN

3 Bianca Sampaio Correa e Zulene Muniz Barbosa 37

A ROTA DO EMPREENDEDORISMO NO MARANHÃO: MAPEAMENTO DOS EMPREENDIMENTOS QUE INTEGRAM A ATUAL POLÍTICA DO GOVERNO DO ESTADO

4 Clarissa Pinto Boullosa, Camila Ribeiro Bittencourt, Renato Pereira

Ribeiro, Clarissa Lobato da Costa e Isabela dos Santos Mendonça

49

PESCA ARTESANAL EM PAÇO DO LUMIAR, MARANHÃO

5 Darlan Rodrigo Sbrana 60

LEVANTAMENTO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO NO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

6 Jane Cavalcante Rodrigues 75

REFORMA AGRÁRIA NO NORDESTE: UM ESBOÇO DE DESENVOLVIMENTO

7 José Jonas Borges da Silva 91

O PORTO DO ITAQUI NA DINÂMICA TERRITORIAL DO CAPITAL

8 Karênina Fonsêca Silva 100

DESENVOLVIMENTO REGIONAL DO MARANHÃO E A IMPLANTAÇÃO DA REFINARIA PREMIUM I: UMA ANÁLISE DA OCUPAÇÃO TERRITORIAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO MODO DE VIDA E TRABALHO DA POPULAÇÃO LOCAL

9 Kátia Gomes de Sousa 116

O IMPACTO SÓCIO-AMBIENTAL DA MONOCULTURA DO EUCALIPTO (EUCALYPTUS) NO ASSENTAMENTO CALIFÓRNIA, MUNICÍPIO DE AÇAILÂNDIA, ESTADO DO MARANHÃO

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10 Lenir Moraes Muniz 129

ECOLOGIA POLÍTICA: O CAMPO DE ESTUDO DOS CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS

11 Majú do Nascimento Silva e Josemiro Ferreira de Oliveira 147

LEVANTAMENTO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO

12 Manuel Sousa Rodrigues 158

IMPACTOS DOS EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS EM COMUNIDADES DE PESCADORES DOS LENÇÓIS MARANHENSES: UMA ANÁLISE SOCIOANTROPOLÓGICA NO MUNICÍPIO DE BARREIRINHAS

13 Maysa Mayara Costa de Oliveira 168

OS IMPACTOS DO “DESENVOLVIMENTO” ÀS COMUNIDADES RURAIS, NO MARANHÃO

14 Nair Martins Barbosa e Roseane Gomes Dias 178

COMUNIDADES TRADICIONAIS EM LUTAS POR DIREITOS SOCIOAMBIENTAIS NO BAIXO PARNAÍBA MARANHENSE: CONCEPÇÕES, FORMAS DE ORGANIZAÇÃO, AGENDAS, ESTRATÉGIAS E REDE DE RELAÇÕES

15 Neuziane Sousa dos Santos 189

O CANTO DA SEREIA: A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL DA VALE

16 Renan Gomes Oliveira 201

A SUZANO PAPEL E CELULOSE E A IMPOSIÇÃO DA MECANIZAÇÃO E COLETIVIZAÇÃO DA PRODUÇÃO CAMPONESA EM SANTANA, URBANO SANTOS

17 Ricardo Monteles e Dalva Mota 212

NOTAS SOBRE O EXTRATIVISMO DE BURITI NO ENTORNO DOS LENÇÓIS MARANHENSES: FORMAS DE ACESSO, REGIMES DE PROPRIEDADE E CONFLITO AMBIENTAL

18 Talita de Cássia Lima Paiva 224

“É VERDE O ANO INTEIRO”: O DISCURSO E OS CONFLITOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

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19 Tamires Rosy Mota Santos, Polliana Borba e Horácio Antunes de

Sant‟Ana Júnior

235

LEIS DE TERRAS 1850 (BRASIL) E 1969 (MARANHÃO) E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA POVOS E GRUPOS SOCIAIS TRADICIONAIS: CONTEXTUALIZAÇÕES, DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS, UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

20 Tayanná Santos Conceição de Jesus e Horácio Antunes de Sant‟Ana

Júnior

245

RESERVA EXTRATIVISTA DE TAUÁ-MIRIM: DISTINTOS AGENTES EM DISPUTA

PROGRAMAÇÃO DETALHADA DO EVENTO 255

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APRESENTAÇÃO

O III Seminário: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente aconteceu entre

os dias 23 e 25/05/2012, no Campus do Bacanga (CCH e Auditório Central) da

UFMA, em São Luís - MA, como promoção do Grupo de Estudos: Modernidade,

Desenvolvimento em Meio Ambiente (GEDMMA) em parceria com o Programa de

Pós-Graduação em Ciências Sociais e do Departamento de Sociologia e

Antropologia da Universidade Federal do Maranhão.

O III SEDMMA contou com uma Conferência, quatro Mesas Redondas, três GT

(apresentação trabalhos - oral e pôster). Esta estrutura visou contemplar a

apresentação e debate de trabalhos de pesquisa e produção teórica na área

socioambiental. A conferência e as mesas redondas foram realizadas no Auditório

Central da UFMA, nos horários de 15h às 19h; e compostas por autoridades

acadêmicas, de movimentos sociais e de órgãos governamentais, permitindo o

aprofundamento do debate que relaciona sociedade e ambiente no Estado do

Maranhão, na Amazônia Brasileira e no Brasil como um todo. As exposições orais e

as sessões de pôsteres ocorreram pela manhã, nos Auditórios do Centro de

Ciências Humanas da UFMA, sempre das 8h30 às 11h30, simultaneamente. Após

as 19h, foram apresentadas Atrações Culturais que, através da arte, estavam

relacionadas aos debates do seminário.

O III Seminário: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente teve como

principal objetivo criar um espaço público de discussão de pesquisas e temas que

relacionem ambiente e sociedade, discutindo os conflitos socioambientais

desencadeados a partir da implantação de projetos de desenvolvimento concebidos

segundo o modelo socioeconômico hegemônico na sociedade brasileira.

Desde 2005, o Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente

(GEDMMA), vem centrando seus esforços de estudos e pesquisas no

aprofundamento do debate sobre modernidade e desenvolvimento, com enfoque

principal nos seus impactos sociais, culturais e ambientais na Amazônia Brasileira e

no estado do Maranhão, em especial. A Amazônia e o Maranhão, desde a década

de 1970, têm sido alvos de políticas desenvolvimentistas promovidas pelos governos

federal e estaduais, contando com a participação ativa de grandes grupos

econômicos privados e com o financiamento de agências multilaterais de

desenvolvimento, levando à implantação de grandes projetos industriais, pesqueiros,

turísticos e agropastoris e à expansão do desmatamento de áreas florestais e

manguezais, pecuarização e monocultivos. São múltiplos os impactos sociais,

culturais e ambientais destas políticas e a presença de conflitos socioambientais,

associados ao domínio e uso de territórios e de seus recursos naturais, apresenta-se

como um processo cada vez mais recorrente, despertando a necessidade de tomá-

los como objeto de estudo. Desta forma, cabe a universidade a responsabilidade de

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intensificar o debate, a pesquisa e a discussão dessas questões, de forma a

contribuir para a ampliação de sua compreensão e a construção de caminhos para o

seu enfrentamento.

O III Seminário: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente teve como público

principal pesquisadores, professores, técnicos, militantes e alunos vinculados a

cursos de graduação e programas de pós-graduação de instituições de ensino

superior, institutos de pesquisa, movimentos sociais, organizações não-

governamentais e órgãos governamentais maranhenses, que realizam estudos,

pesquisas ou ações voltados para a temática socioambiental. Buscou, portanto, ser

um espaço transdisciplinar e que, além disso, contemple múltiplos saberes. A

participação do público no evento foi prejudicada, pois coincidiu com uma greve de

rodoviários que paralisou toda a frota de ônibus urbano que atende à população de

São Luís. Mesmo, assim, o evento contou com:

• 162 inscritos como Participantes;

• 15 Monitores;

• 04 Coordenadores Gerais;

• 15 membros das Comissões de Trabalho;

• 05 Painéis;

• 29 Comunicações Orais;

• 04 Mesas Redondas com 11 Palestrantes e 04 Moderadores;

• 01 Conferência, com 01 Conferencista e 01 Moderador;

• 03 Grupos de Debates, com 06 Coordenadores e 06 Debatedores.

Estes Anais são compostos por textos selecionados pela Comissão Científica do III

SEDMMA para apresentação na modalidade Comunicação Oral, porém, não

representam, necessariamente, a opinião dos membros do Grupo de Estudos

Desenvolvimento Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA).

Comissão Organizadora

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1 CONFLITOS POLÍTICOS E SOCIOAMBIENTAIS NO ASSENTAMENTO RURAL

SANTANA NOSSA ESPERANÇA, TERESINA-PI

Alyne Maria Sousa Oliveira1; Maria do Socorro Lira Monteiro2; Maria Dione Carvalho

de Moraes3

RESUMO

O assentamento rural Santana Nossa Esperança foi constituído pelo INCRA em 2005, por demanda da FETAG-PI, de uma Associação de Pequenos Produtores e do MST. Após a desapropriação do imóvel, área foi ocupada por famílias de funcionários da extinta fazenda filiadas à referida associação, e por trabalhadores/as sem terra cadastrado/as pelo INCRA. A reunião de três grupos com origens, hábitos e interesses distintos provocou embates que culminaram na divisão do projeto de assentamento e que persistem na atualidade. Neste trabalho sobre a natureza das dissensões e as formas de equacionamento encontradas/construídas pela população, realizamos pesquisa documental junto ao INCRA e pesquisa de campo no assentamento, por meio de observação direta, registros no diário de campo, e entrevistas não-diretivas com líderes das associações, habitantes mais antigos da área e gestores do INCRA responsáveis pelo acompanhamento do projeto. Os resultados da pesquisa apontam a existência de três principais conflitos: entre os próprios assentados, desencadeados pelos diferentes perfis socioculturais e pela extração e comércio ilegal de madeira; entre as duas associações remanescentes que congregam as famílias assentadas, na disputa de representatividade; e entre o INCRA e uma das associações – não reconhecida pelo órgão – o que resultou em processo judicial. A natureza múltipla das disputas compromete a sociabilidade e reflete a incapacidade dos gestores públicos para o gerenciamento dos conflitos.

Palavras-chave: Assentamento Rural; Conflitos Políticos e Socioambientais;

Sustentabilidade.

1Economista, Mestre e Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente pelo Programa de

Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (DDMA); Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI). 2Professora Associada I do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Piauí

(UFPI) e do Programa de Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (DDMA). 3Professora Adjunta do Departamento de Ciências Sociais e dos Programas de Pós-Graduação em

Políticas Públicas (PPGPP), em Antropologia e Arqueologia (PPGAArq), e em Sociologia (PPGS), da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

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1 INTRODUÇÃO

Analisamos situações de conflitos políticos e sociambientais desencadeados em

uma área de assentamento rural localizado no município de Teresina-PI. Tais

conflitos envolvem distintas percepções sobre legitimidade dos direitos de

assentado/as e sobre áreas comunais de preservação – como áreas de reserva

legal –, disputas de representatividade encenadas por duas associações e

assimetrias entre demandas de assentado/as de reforma agrária e a ação pública

implementada por órgãos responsáveis pela condução da referida política.

O panorama dos conflitos políticos e socioambientais, em especial em

assentamentos de reforma agrária, no Brasil, é rico em experiências diversas e no

decorrer dos anos tem mostrado evolução nos mecanismos de negociação

referentes ao envolvimento dos diferentes atores sociais.

Com vistas ao estudo sobre a natureza das dissensões e as formas de

equacionamento encontradas/construídas pela população, realizamos pesquisas do

tipo documental junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA), e de campo, no assentamento, por meio de observação direta (MAY,

2004), registros no diário de campo (WHITACKER, 2002) e entrevistas não-diretivas

(THIOLLENT, 1987; MICHELAT, 1987) com líderes das associações, habitantes

mais antigo/as da área e gestore/as do INCRA responsáveis pelo acompanhamento

do projeto. Tais pesquisas permitiram trazer elementos da história de constituição do

assentamento através do discurso institucional representado pelo INCRA, assim

como resultados da pesquisa de campo realizada junto aos atores sociais envolvidos

no Assentamento Rural Santana Nossa Esperança, em Teresina-PI.

Além das pesquisas documentais e de campo, buscamos ainda contribuições

teóricas sobre conflitos agrários e socioambientais, abordagens acerca da

construção de identidades sociais em situações de conflito, a compreensão do ethos

camponês, e as representações sociais de assentado/as. Tais contribuições somam-

se à reflexão na construção das inferências aqui apresentadas.

2 REFERENCIAL TEÓRICO: CONFLITOS, IDENTIDADES, ETHOS E

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Conflito é o estado de confronto entre forças opostas e relações sociais distintas, em

condições políticas adversas. Por meio da negociação, da manifestação, da luta

popular e do diálogo, busca-se a superação das querelas, sob as formas de vitória,

derrota ou empate. Conflitos por terra são embates que traduzem modelos de

desenvolvimento diferentes, na instituição de territórios. Um conflito pode ser

sufocado ou resolvido; entretanto, a conflitualidade permanece subjacente à

estrutura da sociedade, em suspenso. Acordos, pactos e tréguas definidos em

negociações podem resolver ou adiar conflitos. Mas a conflitualidade é produzida e

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alimentada cotidianamente pelo desenvolvimento desigual do sistema capitalista,

sendo inerente à questão agrária (FERNANDES 2008).

Nascimento (2001) ressalta que não existe conflito sem que haja objetos em disputa,

os quais podem variar de natureza, mas são sempre bens ou recursos escassos, ou

vistos como tais. Acrescenta que não obstante o senso comum reduza os objetos

dos conflitos a bens materiais, a maioria dos conflitos reúne ideias, status e posição

de poder – sendo, portanto, políticos – que mobilizam atores sociais. E entende que

apesar de tais objetos serem reconhecidos e os sujeitos envolvidos terem

consciência, não se pode afirmar que todos possuam a mesma percepção do objeto;

ao contrário, considera a leitura, a compreensão e a valorização como distintas para

cada um deles.

No que tange à sua origem, os conflitos fundiários e/ou socioambientais podem

derivar da disputa pela apropriação de uma mesma base de recursos ou de bases

distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas mediadas pela

atmosfera, solo, águas, florestas ou outro elemento.

No que respeita aos conflitos rurais no Brasil, estes vêm sendo intermediados por

diversos atores: Igrejas, sindicatos, parlamentares, políticos, incluindo a

autocomposição dos envolvidos e o Estado, fundamentalmente através do INCRA.

Entretanto, a participação estatal em tais situações emana contradições conceituais

e práticas de diversas ordens, seja pelo ângulo dos movimentos sociais, de

fazendeiros ou dos agentes públicos, seja pelo valor que lhe é atribuído, ou ainda

por seu posicionamento na contenda (ANDRADE, 2008).

Autores como Nascimento (2001) e Little (2001; 2006), a dinâmica do conflito é um

elemento a ser considerado, pois cada conflito revela uma forma particular de se

manifestar, apresentando evolução própria ou lógica de desenvolvimento peculiar,

podendo ser classificado como rápido ou longo, intenso ou pernicioso e agudo ou

crônico. Outrossim, os conflitos não encerram apenas atores, mas também

mediadores e/ou observadores, personagens que se posicionam, ou pretendem se

colocar, à margem do conflito, como sujeitos que o presenciam, sem

necessariamente tomarem partido ou envolverem-se diretamente.

Quando se fala de co-responsabilidade, do envolvimento de diversos atores –

Estado, agentes do mercado, movimentos e instituições do terceiro setor – deve-se

levar em conta que todos os atores disputam, de diferentes formas, territórios

comuns, lutando pela apropriação das áreas segundo suas lógicas próprias.

(NEDER, 1995).

Mais especificamente, Little (2001) diz que conflitos socioambientais se conformam

em disputas entre grupos sociais derivados dos distintos tipos de relação mantidos

com o meio natural. Segundo este autor, tais disputas englobam três dimensões

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básicas: a) o mundo biofísico e seus múltiplos ciclos naturais; b) o mundo humano e

suas estruturas sociais; c) o relacionamento dinâmico e interdependente entre esses

dois mundos. Exprime ainda que, em geral, os conflitos relacionados aos bens

naturais apresentam dimensões políticas, sociais e jurídicas e envolvem grupos

humanos que reivindicam terras para território de moradia e vivência. Cada ator

social tem uma forma própria de adaptação, ideologia e modo de vida que entra em

choque com as formas dos outros grupos, expondo assim a dimensão social e

cultural do conflito socioambiental.

Via de regra, o que distingue um conflito ambiental de qualquer outro consiste no

confronto que reúne impacto direto ou indireto de atividades socioeconômicas, as

quais acarretam a degradação e desequilíbrio ou a ameaça de áreas físicas, bens

coletivos, bens naturais escassos ou extinção de espécies. Mas,

um conceito propriamente antropológico do conflito vai além de um foco

restrito nos embates políticos e econômicos para incorporar elementos

cosmológicos, rituais, identitários e morais que não sempre são claramente

visíveis desde a ótica de outras disciplinas. Um olhar antropológico pode

enxergar conflitos latentes que ainda não se manifestaram politicamente no

espaço público formal, porque os grupos sociais envolvidos são

politicamente marginalizados ou mesmo invisíveis ao olhar do Estado (...)

(LITTLE, 2006, pp.91-92).

Assim, diz o autor, ao trazer o conflito como o foco central da investigação,

pesquisadores/as obrigam-se a identificar os distintos atores sociais, assim como os

recursos ambientais envolvidos no conflito. Devem ainda analisar esses atores em

interação com seus meios biofísico e social, além de levantar as reivindicações de

cada um dos grupos envolvidos além de suas respectivas cotas de poder formal e

informal. Tal mapeamento das interações políticas ajuda a entender a dinâmica

própria a cada conflito que pode oscilar durante anos entre os estágios latente e

manifesto. Além do mais, trata-se de uma “etnografia multiator” (LITTLE, 2006,

p.92)4.

Como destaca Little (2006), elementos identitários encontram-se envolvidos nos

conflitos. Para Simmel (1983), o conflito apresenta importância sociológica, por

tratar-se de uma forma integradora do grupo social. E não obstante enseje

socialização, configura-se como elemento inerente às relações humanas, estando

nelas presente e contribuindo para unificar os membros de um grupo social,

permitindo processos de ressignificação e de (re) construção de identidades.

4Para Little (2006) a análise requer a identificação dos principais atores sociais envolvidos no conflito.

E além de incorporar os grupos sociais marginalizados, deve-se apresentar, ainda, os atores sociais “fantasmagóricos”, os que mesmo não estando presentes fisicamente no sítio do conflito, que exercem uma influência à distância. A análise não é exaustiva e a meta é o estudo de conflitos e interrelações específicas.

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Identidades se inserem em processos de construção de identificações e alteridades

simbólicas com base em atributos culturais, ou em um conjunto deles, ao longo de

um processo de individuação. E, embora também possa ser formada a partir de

instituições dominantes – a exemplo, a identidade de assentado/a5 –, somente

assume tal condição quando e se os atores sociais as internalizam. Identidades se

constroem através do material produzido pela história, pela geografia, pela biologia,

pelas instituições, pela memória coletiva, por fantasias pessoais, pelos aparatos de

poder e por revelações de cunho religioso. São materiais processados por

indivíduos, grupos sociais ou sociedades, e reorganizados em função das

perspectivas e projetos culturais enraizados na estrutura social, no tempo e no

espaço (CASTELLS, 1999).

Identidades coletivas se constroem a partir do conjunto de relações, opiniões,

sentimentos, representações e imagens que os sujeitos e os grupos têm de si

mesmos e do ambiente. Esse contexto é reforçado através de forças unificadoras,

como desejos e objetivos comuns, laços de proximidade social e apoio mútuo, as

quais se configuram em íntima relação com o conflito, ou seja, não existem sem

essa relação de oposição com o ambiente exterior – as alteridades – ao grupo

(SAUER, 2008). No caso dos assentamentos rurais, o desejo comum de acesso à

terra aproxima indivíduos, fazendo-os suportar precárias condições de

sobrevivência, na expectativa de consolidação do assentamento. Conjugado a esse

desejo, certos objetivos comuns mobilizam ações e reações do grupo social, agindo

como fator de coesão entre seus membros e de estreitamento das relações. Assim,

dá-se o estabelecimento de vínculos e sentimentos de pertencimento ao grupo, bem

como a diferenciação em relação ao mundo exterior, a partir da identidade “sem

terra”.

Tal identidade, anterior ao acesso à terra, começa a ser gestada ainda na fase de

acampamento6 e a decisão de acampar exige que as pessoas assumam a nova

identidade, que carece de explicação, sentido e familiaridade. No processo, histórias

de vida são recriadas segundo o universo simbólico relacionado aos valores e

sentidos atribuídos à nova realidade social e geográfica em que se inserem. As

identidades “sem terra” e “acampado/as” revelam que o acesso à terra e as novas

demandas decorrentes da passagem para a fase de assentamento provocam

transformações significativas na dinâmica das relações sociais entre o/as futuro/as

assentado/as. Certos conflitos, assim como uma parte importante da coesão se

esvaem, cedendo lugar a outros e a formas alternativas de associação e convívio. O

assentamento torna-se espaço de perseguição de outros objetivos os quais nem

5A propósito, ver a ideia de identidade atribuída, em Cuche (2002).

6Sobre o processo de acampamento, ver Sigaud (2004) e Loera (2004). Sobre identidade de

assentado, ver Costa (2006).

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sempre proporcionam a mesma intensidade no compartilhamento de vivências

(SAUER, 2008).

Nessa perspectiva, a percepção dos sujeitos sobre os dois ambientes –

acampamento e assentamento – é alterada, sofrendo a influência da nova condição

social em que se encontram, na qual a identidade dos “sem terra” é transmutada em

identidade de “assentado/a”7. Por conseguinte, os papéis relacionados aos

elementos identitários referidos se distinguem, em um processo de alteridade que

vai da luta pelo reconhecimento da legitimidade do grupo e seus interesses à

participação nos mecanismos de acesso às políticas públicas específicas.

No processo de plasmagem das identidades, representações sociais são

construídas/reconstruídas – como diria Spink (1995) – saberes específicos da

realidade vivenciada, orientados para a compreensão do ambiente e para a

comunicação com o mundo exterior. Logo, têm a finalidade de unir o conhecimento

novo ao anterior, remodelando os elementos exteriores para introdução à base

cognoscível preexistente. Como lembram Oliveira e Werba (1998), as

representações sociais constituem interpretações do modo pelo qual um grupo

elabora e partilha entre si um conjunto de saberes específicos à realidade social,

que surgem na vida cotidiana e expressam sua identidade, por meio de estruturas

simbólicas, dinâmicas e passíveis de transformação8.

Neste sentido, as representações sociais subjazem a um ethos, compreendido como

um tipo de comportamento humano não natural, apreendido a partir das

experiências e adquirido através do hábito. Estes elementos caracterizam formas de

viver, estilos de ação, disposições morais, racionais, éticas e culturais, quadros de

referência e conduta de um homo moralis (WOORTMANN, 1990).

Para autores diversos (WOORTMANN, 1990; OLIVEIRA, 2004; WANDERLEY,

1996), terra, família e trabalho alicerçam a constituição e reprodução de um modo de

vida camponês. Relações estabelecidas entre familiares (parentais) e vizinhança

permitem a reprodução da cultura, das técnicas e da identidade campesina. Apego e

fidelidade à família é característica marcante do pater familiae que vê no casamento

entre primo/as e parentes próximos a perpetuação dos laços coma terra, de

costumes e do atendimento a questões básicas de subsistência. Em consonância

com Martins (1990), uma característica peculiar do ethos camponês constitui a

busca de local para se fixar, plantar, lidar com a terra e produzir para garantir a

subsistência familiar.

Lima (2009) e Moraes (2000), dentre outro/as, verificaram que as atividades

tradicionais produtivas são conduzidas e reguladas por ciclos naturais e que as

7Sobre identidade de assentado, ver Costa (2006).

8Para uma reflexão aprofundada sobre representações sociais, ver Moscovici (2009).

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práticas de preparo da terra, plantio, tratos culturais e colheita fundamentam-se

costumeiramente em um calendário anual cujo início nem sempre corresponde ao

do ano civil. Tais estudos demonstram que a relação estabelecida entre sociedade,

natureza e terra volta-se e é baseada na forma de reprodução social familiar.

Tomando tais estudos como referência para pensar o Assentamento Santana Nossa

Esperança, vemos que por mais que a consciência camponesa sobre a necessidade

de conservação dos recursos naturais esteja presente, assentado/as vivem a

imposição da obrigatoriedade da utilização dos meios disponíveis no assentamento

para garantir o sustento da família. Ocorrem, assim, perdas consideráveis da fauna,

principalmente devido à prática do desmatamento para construção de cercas e

incorporação de novas áreas para o plantio, para fazer face ao aumento

populacional9.

Outro elemento relevante das representações sociais dos assentados refere-se ao

significado da área de reserva legal. A legislação da reserva legal (Lei nº 4.771/65) é

de competência da União, sendo a autoridade competente o IBAMA. Porém, os

Estados e municípios podem atuar suplementarmente. Nesse sentido, segundo o

Código Florestal, em planos de colonização e reforma agrária, a reserva legal pode

ocorrer em regime de domínio privado, correspondendo a 20% da área de cada lote;

ou perfazer uma área em bloco por meio de sistema condominial, constituindo uma

área de preservação comunitária, na qual todo/as o/as assentado/as são

responsáveis (BRASIL, 1965).

Anjos e Almeida (2010) observam que reserva legal é concebida por assentado/as

como uma área proibida, terra improdutiva, fonte de recursos utilitários às suas

demandas domésticas, área de sobrevivência para os animais de criação no período

crítico de seca, um referencial para as suas crenças e mitos, e espaço

desvalorizado. Logo, é entendida como espaço comunitário e impessoal, sobre o

qual os indivíduos não assumem responsabilidade. Em um contexto de fiscalização

deficiente, tal situação revela-se ameaçadora ao cumprimento da exigência legal.

Para as autoras, a consciência ecológica da reserva legal, na conservação do

ecossistema local e sua respectiva biodiversidade, não se apresentam no processo

social de assentado/as, uma vez que o que não é vivido não é representado no ideal

cognitivo para que as ações possam ser modeladas, constituindo significado

particular ao meio ambiente.

9A propósito, Moraes (2000), em estudo sobre campesinato nos cerrados do sudoeste piauiense,

praticante de uma agricultura baseada no sistema de roça-de-toco, observa que média de tempo de recuperação da mata ou formação da capoeira varia, como diria Bourdieu (2009), nos limites do senso prático: agrônomos concordam em que uma boa capoeira se forma, em média, em torno de oito a dez anos; mas camponeses/as referem um período de quatro anos. No sistema operacional camponês, com pequenas áreas de terra, um terreno não pode ficar em descanso por mais tempo do que o mínimo suficiente para o encapoeiramento.

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Destarte, se por um lado, os movimentos sociais rurais reivindicam a edificação de

uma ordem campesina pautada na redistribuição fundiária, na democratização das

relações de produção rural, na preservação das culturas rurais e em um

desenvolvimento rural, social e ecologicamente sustentável, por outro, compete a

esses atores sociais fazer cumprir a função social da propriedade coletivizada,

buscando a sustentabilidade socioambiental, justificando assim, a expansão do

processo de reforma agrária (FERREIRA e FERREIRA, 2012).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Assentamento Santana Nossa Esperança: Delineamento Histórico

O Assentamento Santana Nossa Esperança possui área registrada de 1.479,10 há e

situa-se no Povoado Santana/Fazenda Agropol, em Teresina-PI. A área encontra-se

ligada à zona urbana da capital, cujo acesso ocorre através da estrada TER 120, via

asfaltada que atende vários povoamentos da zona rural leste do município, com

início na rodovia BR 343, que liga Teresina ao litoral do Estado.

O imóvel encontra-se localizado na região sudeste do município, em área de

ecótono cerrado-caatinga, onde proliferavam extensas áreas com babaçuais, os

quais foram retirados, entre os anos 1910 e 1980, para dar lugar ao cultivo da cana-

de-açúcar, que era industrializada pela Usina Santana, para o fabrico de açúcar. A

área é banhada pelo Rio Poti10 na vertente mais ao sul, cujas águas podem ser

utilizadas por todo o ano para irrigação, em razão do abundante volume.

Os procedimentos legais que originaram o Projeto de Assentamento (PA) Santana

Nossa Esperança iniciaram-se em 21 de maio de 2003, quando a Federação dos

Trabalhadores na Agricultura do Estado do Piauí (FETAG-PI) lavrou o Ofício nº

170/03 ao INCRA, solicitando a desapropriação por interesse social, para fins de

reforma agrária, da área denominada Fazenda Agropol e adjacências, localizada na

Usina Santana, a fim de beneficiar 260 famílias cadastradas junto à Associação dos

Pequenos e Microprodutores do Residencial Deus Quer (APMPRDQ) e

circunvizinhança (INCRA/PI, 2003).

Em conformidade com o relatório de vistoria elaborado pelo INCRA/PI (2004), a

propriedade era dotada de seis poços profundos, de forma que a água captada era

transportada por tubos de PVC1111 até as edificações, servindo ainda para a

10

A Bacia do rio Poti se localiza, entre as coordenadas 4° 06‟ e 6° 56‟ de latitude sul, e entre 40° 00‟ e

42° 50‟ de longitude a oeste de Greenwich, porém, no Estado do Piauí seu limite norte está a 4° 20‟ de latitude sul, e seu limite leste, está em 40° 58‟. 11

Polímero sintético, importante na classe das matérias plásticas, usado em tubos e condutores de

todos os tipos, Conhecido ainda como cloreto de vinila ou policloreto de vinil e mais conhecido pelo acrônimo PVC, originário da designação em língua inglesa: Polyvinyl chloride (DICIONÀRIO ELETRÔNICO HOUAISS DA LINGUA PORTUGUESA, 2001).

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dessedentação de animais estabulados ou mantidos nos currais e piquetes mais

próximos. A água destinava-se também para irrigação de pequenas capineiras e

áreas de pastagem. Ademais, verificou-se a ocorrência de alguns córregos

temporários.

O mesmo relatório registra, quanto ao relevo, que o imóvel apresentava uma classe

relativamente pequena, predominando o relevo plano a suave ondulado. Porém, a

presença de alguns morros impunha a aplicação de práticas conservacionistas,

configurando-se em geral como local destinado à área de reserva legal e de

preservação permanente.

No que tange à análise dos fatores condicionantes para o uso agrícola do imóvel,

INCRA/PI (2004) afirma que a maior parte dos solos foi classificada como terras

sujeitas a severos riscos de depauperamento, quando plantadas sem cuidados

especiais, principalmente no caso de culturas anuais. Indica, ainda, a necessidade

de medidas intensas e complexas de conservação, a fim de serem cultivadas segura

e permanentemente, com produção média a elevada, de plantios anuais adaptados.

Ademais, considera que a infraestrutura produtiva da área encontrava-se em bom

estado de conservação, além da existência de significativa quantidade de pastos

implantados, o que viabilizaria a retomada da atividade com certa facilidade.

Registra ainda, 116,8 ha cobertos por babaçu (Attalea speciosa Mart. ex Spreng), a

título de reserva por Lei, 91,1 ha de preservação permanente, 1.232,2 ha de

capoeira, 304,1 de área desmatada, 18,3 ha de área inaproveitável, 23,4 ha

ocupados com benfeitorias e 28,5 ha de estradas (INCRA/PI, 2004).

O relatório destaca que os recursos naturais estavam sendo relativamente

preservados, excetuadas as nascentes e margens do rio Poti, que eram utilizadas

para o plantio de arroz e milho. Mas declara que os ocupantes do imóvel utilizavam

a queimada sem controle como forma de reduzir as despesas com tratos culturais

nos plantios, o que provocava danos ao meio ambiente. Afirma, ainda, que a

agricultura era praticada de maneira nômade, o que acarretava a eliminação gradual

da cobertura vegetal e ensejava a interferência dos órgãos ambientais. Nessa

perspectiva, diz que a empresa proprietária do imóvel praticou a substituição da

cobertura florística nativa – ainda em processo de recuperação devido ao

desmatamento provocado pelo plantio da cana-de-açúcar – por pastagem em

grandes extensões, especialmente nos baixões e nas áreas mais planas.

Segundo o relatório, não havia ocupantes permanentes na área, mas apenas

trabalhadores/as rurais da região que exploravam culturas de subsistência (arroz,

milho e feijão), em regime de arrendamento. Todavia, faz referência a domicílios de

funcionários remanescentes da fazenda, que se configuravam como potenciais

pretendentes a assentados no projeto. Declara que não existia conflito na área, nem

entre os grupos de trabalhadores/as que habitavam o entorno, nem entre este/as e o

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proprietário, como reação contra a desapropriação do imóvel. Entretanto, pontua que

a grande maioria deste/as agricultore/as não integrava a associação que pleiteava a

implantação do assentamento, o que poderia causar embaraço por ocasião da

seleção de famílias para constituição do projeto, uma vez que o número de famílias

a serem contempladas já poderia estar completo, considerando-se somente aquelas

que já se encontravam explorando a área (INCRA/PI, 2004).

O relatório INCRA/PI (2004) caracteriza a Fazenda Agropol como grande

propriedade improdutiva, por encontrar-se inexplorada, não cumprindo assim os

pressupostos estabelecidos no §1º, art. 9º, da Lei nº 8.629/93 (BRASIL, 1993) e

posiciona-se favoravelmente à desapropriação integral do imóvel, cuja capacidade

ideal foi arbitrada em 123 famílias – com tolerância máxima de aumento de 20% –

considerando-se a dimensão do espaço e o modelo familiar adotado (entre 10 e 15

famílias por hectare).

Concluído o processo de análise, o procedimento de desapropriação foi autorizado e

o auto de imissão de posse foi expedido em 09 de agosto de 2005. Entretanto, em

21 de agosto de 2006, o INCRA procedeu ao reestudo da capacidade de ocupação

do imóvel, tendo em vista a insuficiência das vagas existentes – para suprir a

demanda de famílias inscritas – e o surgimento de um clima de tensão e conflito

social na área. Esse contexto resultou na reavaliação da capacidade do

assentamento para 215 famílias, o que representou uma ampliação de 42% ou 64

famílias, em relação ao número previamente estipulado (INCRA/PI, 2004). 12

3.2 Conflitos no Assentamento Santana Nossa Esperança: Tipos e Atores Sociais

Envolvidos

Segundo relato de assentado/as, o Assentamento Santana Nossa Esperança foi

constituído a partir de três diferentes grupos sociais: a) trabalhadores/as da extinta

Fazenda Agropol; b) agricultores/as familiares; c) moradores/as do Conjunto

Residencial Deus Quer, situado na zona sudeste de Teresina e famílias sem-terra

cadastradas pelo INCRA. Tem-se, assim, um primeiro elemento significativo nesta

análise: atores sociais com origens e trajetórias diferenciadas. Consequências de tal

situação serão tratadas adiante.

Os discursos enfatizam que a iniciativa de reclamar o imóvel para desapropriação

partiu do líder comunitário da Associação de Pequenos e Microprodutores do

Residencial Deus Quer e Adjacências (APMPRDQ), integrada por aproximadamente

70 famílias e que contava com o apoio da Federação dos Trabalhadores em

Agricultura do Piauí (FETAG), que formalizou o pedido ao INCRA. À época,

exploravam economicamente a propriedade, em torno de 75 famílias de

trabalhadores da Fazenda Agropol, que se encontrava hipotecada ao Banco do

Brasil e Banco do Nordeste e em processo de falência. Entretanto, estas famílias

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não ocupavam a área, mas moravam em suas proximidades; praticavam agricultura

familiar e conservavam alguns animais, pagando renda ao proprietário.

Uma vez formalizado o processo administrativo e instaurados os procedimentos de

vistoria do imóvel em 2005, o INCRA comunicou ao grupo de ex-funcionário/as da

fazenda, então arrendatário/as, sobre a possibilidade de desapropriação, orientando-

o/as a interromper o pagamento da renda ao proprietário. O/as requerentes no

processo – em torno de 60 famílias de pequenos agricultores – constituíram

acampamento, coabitando fora dos limites da propriedade, durante

aproximadamente seis meses, período compreendido até o reconhecimento do

assentamento e a efetiva desapropriação do imóvel.

Após a autorização de ingresso na área pelo INCRA, os dois primeiros grupos –

integrados por trabalhadores/as da extinta fazenda (e que residiam no entorno) e

pequenos/as produtores/as do conjunto Residencial Deus Quer – fixaram moradia

na área, ocupando conjuntamente um dos galpões edificados no interior da

propriedade. Em seguida, o INCRA decidiu incorporar em torno de 65 famílias sem-

terra ao grupo de assentados do projeto Santana Nossa Esperança. Estas famílias

eram originárias do acampamento denominado Nossa Esperança, situado nas

proximidades do município de Altos-PI12 e não tinham nenhuma relação de

convivência com ocupantes primeiros do lugar, fato que gerou bastante revolta e

exacerbou os contrastes percebidos entre os perfis dos grupos de assentados.

Tal configuração redundou na fundação de duas associações distintas: Associação

dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Santana Nossa Esperança (ATRASNE),

integrada por ex-trabalhadores/as da Fazenda Agropol; e Associação dos

Agricultores Familiares do Assentamento Santana Nossa Esperança (AGRIFASNE)

que congrega o/as requerentes do assentamento. O grupo de ex-acampado/as em

Altos-PI e incorporado/as pelo INCRA ao Assentamento Santana Nossa Esperança,

permaneceu sem filiação a nenhuma das associações.

Inicialmente, somente a AFRIFASNE foi reconhecida pelo INCRA, devido ser a

responsável pela demanda do assentamento; mas, atualmente, a ATRASNE,

também, é considerada legítima. As associações divergem em diversos aspectos,

mas principalmente no tocante ao relacionamento com o INCRA, desde a fase de

implantação do assentamento – uma vez que o grupo de ex-funcionário/as da

Fazenda Agropol, constituído pelo/as primeiras pessoas a trabalharem no lugar, se

considerava natural e legítimo habitante da área, mas foi preterido em relação aos

demais, não apenas no tocante à ordem de ocupação do imóvel, mas também no

que se refere aos procedimentos de gestão do assentamento, especialmente no que

12

Município piauiense situado a 38,15 Km de Teresina, localizado na microrregião de Teresina e

Mesorregião Centro-Norte Piauiense

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respeita ao processo de liberação de recursos oriundos do Programa Nacional de

Agricultura Familiar (PRONAF).

Na visão da AGRIFASNE, o INCRA nunca concluiu a aplicação dos recursos do

PRONAF-Fomento, o que impede o/as associado/as a condição de requerer outras

modalidades de financiamento à agricultura familiar. Inclusive, a referida associação

reclama na justiça a utilização do montante liberado, alegando que as residências

edificadas encontram-se fora das especificações que constam da documentação

apresentada pelo INCRA e que há indícios de fraude nas licitações para a

construção das casas de assentado/as e para aquisição de produtos diversos como

açúcar, piçarra, cimento, matrizes para criação de animais e material para

agricultura.

Em face da querela jurídica, o INCRA reconheceu a ATRASNE, que tergiversou em

relação às prestações de contas do INCRA, temendo retaliações do órgão e o

agravamento das tensões já existentes na área, as quais já se configuravam

insustentáveis.

Um ano após a ocupação da área pelas famílias assentadas, presenciavam-se

intensas disputas. As dissensões entre as associações culminaram na formalização

de pedidos de desmembramento do Assentamento Santana Nossa Esperança em

três parcelas, sob alegação de discordâncias em relação à gestão da associação

reconhecida e a impossibilidade de “harmonioso entendimento” entre as partes

envolvidas.

Todavia, o INCRA minimizou a importância do conflito e indeferiu formalmente a

solicitação por duas vezes, exigindo compulsoriamente a solução da contenda e

reiterando que não procederia ao desmembramento da área. Frente a esse

posicionamento, as associações entendiam que uma conciliação não seria factível e

a constituição de uma área de trabalho coletiva se configurava inviável. Os embates

tornaram-se cada vez mais frequentes e violentos.

Devido ao agravamento das disputas, as quais se conformavam impossíveis de

gerenciamento, incluindo casos de roubo e invasões às residências, devidamente

registradas em boletins de ocorrência e levadas ao conhecimento do Ministério

Público, restou ao INCRA ceder às pressões das associações, e em maio de 2008,

desmembrou o assentamento em duas parcelas: Assentamento Santana Nossa

Esperança e Assentamento Nossa Vitória.

Desde então, os conflitos verificados na área pertencente ao Santana Nossa

Esperança tornaram-se menos violentos, não obstante as disputas entre as duas

associações remanescentes (ATRASNE e AGRIFASNE) ainda ocorrerem e se

fazerem sentir, sobremaneira, inclusive prejudicando a execução de projetos de

interesse de assentado/as.

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A ATRASNE reivindica para si a legitimidade na representação dos assentados do

projeto, por meio do reconhecimento do INCRA e, no contexto, tem tomado uma

postura conciliatória em relação à gestão do assentamento a cargo do órgão e

encaminhado demandas em âmbito restrito aos seus associados.

Em contraposição, a AGRIFASNE permanece no embate jurídico com o INCRA e

procura minimizar as consequências negativas que o isolamento em relação ao

órgão tem causado à condução das atividades econômicas dos seus/suas

associado/as através da formalização de parcerias com o Instituto de Assistência

Técnica e Extensão Rural do Piauí (Emater/PI) e o Serviço Brasileiro de Apoio às

Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

No entanto, são frequentes as reclamações de “apropriação” e/ou obstaculização

dos projetos de uma associação por outra, o que reflete total desarticulação entre os

grupos e o completo distanciamento das ações. Tal situação repercute

negativamente sobre o gerenciamento do assentamento, que atualmente ainda não

dispõe de Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA) elaborado, embora

constitua exigência prevista em Lei.

Somando-se aos problemas registrados, destacam-se os conflitos desencadeados

pelos diferentes modos de uso do território. A convivência com indivíduos com

hábitos completamente distintos do ethos camponês ocasiona queixas entre

coabitantes da área, conforme a fala da assentada: “...a maioria daqui vem da rua,

não tem vivência na agricultura, não sabe meter o cabo de uma foice. Nasceu e se

criou na rua, reclama da poeira, do mosquito, reclama do animal solto com chocalho,

fazendo barulho...” (S.O., 38 anos).

A isto, soma-se a destinação irregular do lote por parte de assentado/as que

mantêm a residência fechada durante toda a semana, utilizando-se de subterfúgios

para simular ocupação do imóvel. São pessoas que residem na zona urbana de

Teresina-PI, trabalham em ocupações outras que não a agricultura e usufruem de

sua parcela de terra como local de lazer, somente aos fins de semana.

Segundo assentado/as, as denúncias de irregularidades são levadas ao INCRA, o

qual se exime da responsabilidade da exclusão das referidas famílias, repassando-a

para a associação. A percepção de assentado/as relativamente a esta postura do

INCRA é de que gestores/as do órgão tentam evitar um provável escândalo, que

possa macular sua imagem perante a imprensa e a opinião pública.

Na esfera ambiental, os conflitos têm-se concentrado, sobretudo, na inobservância

ao disposto na legislação quanto à área de reserva legal, que tem sido explorada

através de extração ilegal de madeira para comércio. Nesse sentido, pessoas idosas

assentadas que ocupam a área e nela praticam extrativismo de coco babaçu,

denunciaram o fato à associação e temem uma reação violenta por parte de

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infratores, que são estranhos ao assentamento. Outro/as assentado/as que já

testemunharam a ocorrência preferem se omitir, pois também fazem uso

indiscriminado da área para pastagem de gado.

A população assentada frequentemente se refere à área como “reserva do IBAMA” e

compreende que a esse órgão cabe a fiscalização, o que se coaduna a perspectiva

de área proibida, descrita por Anjos e Almeida (2010). Nesse sentido, tem notificado

o INCRA, que acompanhou o IBAMA em uma única diligência ao local, executada

em horário incompatível com o transporte do material, que geralmente tem ocorrido

às 09:00 e às 17:00. A alternativa apontada por um assentado que se intitulou “vigia”

da área foi a formalização de denúncia anônima à guarnição da Polícia Ambiental.

Face ao exposto, é possível afirmar que as principais motivações para os conflitos

ambientais verificados na área derivam da iniciativa desastrosa do INCRA em reunir,

em uma mesma área, três grupos com realidades socioeconômicas e culturais

completamente distintas, bem como do atendimento de natureza questionável às

demandas das populações assentadas.

4 CONCLUSÃO

Com base nos resultados da investigação podemos pensar na ocorrência de

conflitos de diversas naturezas no interior de assentamentos rurais. No caso

específico do Assentamento Santana Nossa Esperança, não obstante ter sido criado

sem o enfrentamento violento com os proprietários da área – os quais se

manifestaram favoráveis à desapropriação desde o início – o processo de ocupação

foi marcado pelos desentendimentos entre os diferentes grupos sociais constituídos

pelos assentados.

Nessa perspectiva, constatou-se a existência de três principais conflitos: entre os

próprios assentados, desencadeados pelos distintos perfis socioculturais e pelo uso

dado à área de reserva legal; entre as duas associações remanescentes que

congregam as famílias assentadas, pela disputa de representatividade; e entre o

INCRA e uma das associações – não reconhecida pelo órgão – o que resultou em

processo judicial. Acrescente-se a isto, a presença de novos atores sociais, como o

Emater/PI e o Sebrae, incorporados aos processo e cujas formas de atuação e de

participação nos conflitos estão por serem estudadas.

A reunião de três grupos com origens, hábitos e interesses distintos, em um mesmo

ambiente, provocou embates que culminaram na divisão do Projeto de

Assentamento e que persistem na atualidade. O atendimento questionável do 17

INCRA às demandas da população assentada reflete a incapacidade da gestão

pública em promover um gerenciamento racional dos conflitos políticos e

socioambientais observados na área.

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A natureza múltipla das disputas compromete significativamente a sociabilidade dos

sujeitos e exacerba as representações negativas a respeito da condução local da

política de assentamentos rurais, o que enseja estudos mais aprofundados sobre a

temática.

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2 A AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS E DE EXPANSÃO URBANA DO

MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS-MA: IMPLICAÇÕES AMBIENTAIS NO PARQUE

ECOLÓGICO DA LAGOA DA JANSEN

Benedito Alex Marques de Oliveira Santos13, Hellen Mayse Paiva Silva14

RESUMO

A avaliação de impactos ambientais é um instrumento legal da Política Nacional de

Meio Ambiente (PNMA) estabelecida pela lei 6.938 de agosto de 1981 que visa

promover ações específicas de defesa ambiental e dos direitos humanos no que

tange as atividades humanas que gerem relevantes impactos no meio. Nesse

ínterim, obras que estabeleçam ações de intensa degradação e promovem perda ou

limitação de acesso aos recursos naturais são alvo de estudos e relatórios que

indiquem que impactos ocorrerão na sua instalação e operação podendo ou não ser

aprovadas, segundo critérios dos órgãos competentes. No município de São Luís, os

planos de revitalização e uso de áreas para investimentos não conseguiram

promover os aspectos básicos da PNMA, destacando a Lagoa da Jansen, a qual é

de origem antrópica. A referida área foi transformada em Unidade de Conservação

(1988) e, apesar de ter sido objeto de um Programa de Saneamento Ambiental

(1991) e de um Projeto de Urbanização (2001), continua apresentando problemas,

como alagamentos em áreas que são inadequadas do ponto de vista do uso e

ocupação, sanitário e ambiental.

Palavras-Chaves: Política Nacional de Meio Ambiente; Impacto Ambiental; Lagoa

da Jansen.

13

Mestrando em Sustentabilidade de Ecossistemas-PPGSE/UFMA 14

Graduando em Geografia – NEPA/UFMA

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1 INTRODUÇÃO

Uma das temáticas em voga na contemporaneidade diz respeito à implantação de

medidas para a diminuição da degradação e risco ambiental visando à melhoria da

qualidade de vida do homem e consequentemente melhorias na qualidade do

ambiente que o cerca. Nesse ínterim, surgiram mecanismos legais que fortalecem a

preservação e acessibilidade de estruturas essências do meio. O processo de

Avaliação de Impactos Ambientais estabelecida pela Política Nacional de Meio

Ambiente de acordo com a lei 6.938 de agosto de 1981 possibilita metodologias

burocráticas e técnico-científicas de pesquisa e preservação dos recursos naturais.

No entanto, a urbanização desordenada das cidades brasileiras, ocorrida

principalmente após a década de 1970, vem exercendo uma pressão significativa no

meio ambiente que tem levado a condições extremas a pressão da população sobre

os recursos naturais, gerando profundas mudanças no equilíbrio ambiental pelas

cargas de dejetos residuais, concentração de poluentes no ar e água, degradação

do solo pela intensa atividade industrial e outros fatores de degradação das

atividades humanas, de tal forma que os elementos da poluição já superaram a

capacidade de auto-depuração dos respectivos meios naturais (MOURA-

FUJIMOTO, 2000).

Neste sentido, esse desequilíbrio do meio ambiente despertou a atenção dos

planejadores e da população no sentido de se perceber a vegetação como um

componente necessário ao espaço urbano. A arborização passou a ser vista nas

cidades como importante elemento reestruturador do espaço urbano, devido ao fato

das áreas bastante arborizadas apresentarem uma aproximação maior das

condições ambientais normais em relação ao meio urbano que possui temperaturas

mais elevadas, particularmente nas áreas com alto índice de construção desprovidas

de cobertura vegetal (GOMES e SOARES, 2003).

Dentro deste contexto, áreas verdes e ecossistemas de transição como mangues e

apincuns em espaços urbanos desempenham ainda importante papel social, ao

favorecer o acesso da população ao lazer e equilíbrio ambiental, sendo

responsáveis ainda por amenizar os efeitos causados pela intensa densificação dos

ambientes urbanos e seus impactos no microclima. Há um grande interesse público

na qualidade de espaços livres urbanos pelo reconhecimento de sua contribuição

para a melhoria da qualidade de vida nas cidades, vale ressaltar que ambientes

providos de vegetação e água, beneficia o microclima incentivando o usos dos

referidos espaços em diferentes estações do ano.

Com base nestes aspectos, o presente estudo tem por objetivo avaliar a política de

revitalização no entorno da Lagoa da Jansen bem como a relação dos seus

usuários, para que futuramente possíveis melhoras na gestão da referida área verde

no município de São Luís no estado do Maranhão possam ser traçadas.

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2 METODOLOGIA

2.1 Entrevistas com os usuários e moradores

Para o estudo da avaliação de impactos por parte dos usuários analisou-se o

conforto humano (percepção ambiental) das áreas estudadas com aplicação de 100

questionários, sendo que para avaliação da percepção do conforto térmico, adaptou-

se o questionário empregado por Costa (2003).

Para avaliação do conforto térmico, os aspectos avaliados num primeiro momento a

caracterização do entrevistado e do local onde a entrevista foi realizada, levou-se

em consideração as seguintes variações: condições do céu no momento da

entrevista (claro, parcialmente encoberto e nublado), gênero do entrevistado, faixa

etária, condições no momento da entrevista se o usuário se encontrava a sol pleno

ou local sombreado, freqüência de uso da área (sempre, raramente, nunca), motivo

pelo qual freqüenta o local (prática de esportes, descanso, lazer, recreação,

tranqüilidade, para prática de caminhada, passeio), quais metas ou infra-estruturas

deveriam ser implantadas nas proximidades dos locais avaliados (mais vegetação,

mais sombra, mais espaços para lazer e outros).

Num segundo momento avaliaram-se as sensações e conforto térmico do usuário no

momento da entrevista, onde se verificou: conforto térmico no momento da

entrevista (muito frio, pouco frio, frio, confortável, calor, pouco calor, muito calor), a

ventilação do local (pouco ventilado, ventilado, muito vento), a umidade na visão do

usuário (clima úmido, clima seco, não opinou ou não sabe), condições do ambiente

(muito escuro, escuro, nem claro e nem escuro, claro e muito claro) e elementos da

paisagem que despertavam a atenção do usuário (piso, vegetação, edifícios e

casas, céu, mobiliário urbano, ou nenhuma das alternativas).

2.2 Imagens de Satélite

Foram analisados materiais cartográficos com a utilização de fotografias aéreas do

satélite Landsat TM 5 do Zoneamento Ecológico Econômico do Maranhão para

construção de mapa temático da área correspondente para avaliação da aptidão do

território para habitação, confecção de mapa de localização da área de estudo do

software ArcMap–ArcInfo EESI e do Google Earth 2011 (software free) para

caracterizar a situação geográfica da área de estudo.

3 A AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS E O PARQUE ECOLÓGICO DA

LAGUNA DA JANSEN

A forma inicial organizada de Avaliação Ambiental apareceu como instrumento de

uma política ambiental pela primeira vez em 1969, nos Estados Unidos, entrando em

vigor 1º de janeiro de 1970 a National Environmental Policy Act (NEPA).

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A NEPA é considerada o principal marco da conscientização ambiental (MAGRINI,

1989), sendo uma resposta às pressões crescentes da sociedade organizada para

que os aspectos ambientais passassem a ser considerados na tomada de decisão

sobre a implantação de projetos capazes de causar significativa degradação

ambiental. O grande mérito foi alterar o conceito de qualidade de vida e associá-lo

ao conceito de qualidade ambiental, uma vez que, até então, o conceito de

qualidade de vida era fortemente ligado àquele de crescimento econômico e ao

consumo de bens.

No Brasil,os Estudos de Impactos Ambientais passaram a ser elaborados a partir da

década de70, por causa das exigências do Banco Mundial, principalmente em

projetos de construções de usinas hidrelétricas. Porém, os estudos ainda não

respeitavam nem um critério padrão e havia muitas dúvidas com relação aos

estudos exigidos pelo governo, seja pelos aspectos metodológicos ou pela falta de

aspectos básicos nos documentos e estudos apresentados. O quadro abaixo

resume a evolução da Avaliação de Impactos no Brasil (Quadro 01).

ANOS ACONTECIMENTOS IMPORTANTES

1980 Lei n. 6.803, que dispõe sobre as diretrizes básicas para zoneamento

industrial nas áreas críticas de poluição.

1981 Lei n. 6.938 instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente - PNMA.

1983 Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) é criado e recebe a

competência para fixar os critérios para os exigidos estudos de

impacto ambiental

1986 Em Janeiro, a Resolução CONAMA n. 001 estabeleceu as definições,

responsabilidade, critérios básicos e diretrizes gerais para o uso e

implementação da Avaliação de Impacto Ambiental, como

instrumento da PNMA

Quadro 01: Resumo da evolução da Avaliação de Impacto no Brasil. Fonte: Dados da Pesquisa

No processo de Avaliação de Impactos Ambientais indicado pela PNMA, são

caracterizadas todas as atividades impactantes e os fatores ambientais que podem

sofrer impactos dessas atividades, os quais podem ser agrupados nos meios físico,

biótico e antrópico, variando com as características e a fase do projeto, bem como a

revitalização ou recuperação de áreas que sofreram danos ou oferecem risco a

sociedade, com subsídios do governo ou de instituições privadas. É nesse último

caso que é possível a análise de impactos do Parque Ecológico da Lagoa da

Jansen.

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4 O PARQUE ECOLÓGICO DA LAGOA DA JANSEN

Criada em 23 de junho de 1988 pelo decreto-lei n° 4878 a Unidade de Conservação

Estadual denominada Parque Ecológico da Lagoa da Jansen, foi estabelecida como

área de preservação permanente pela ocorrência de ecossistemas de mangue

fundamentais para a manutenção da biodiversidade aquática.

A área hoje onde se localiza a Lagoa da Jansen, na década de setenta era uma

região estuarina coberta por manguezais e entrecortada pelos igarapés da Ana

Jansen e Jaracati, na localidade em foco era notório a existência de mangues,

apicuns, formações de transição e cursos d‟ água com extensão de 196, 5 há. Deste

total existia a segmentação de 160 ha com mangue, 15,6 ha com apicuns, 11,3 ha

associadas aos apicuns estruturando a formação de transição e 9,1 ha sendo

representados basicamente pelo antigo Igarapé da Ana Jansen, atualmente possui

extensão aproximada de 140 ha e com profundidade média de 3,5 metros (SANTOS

e MASULLO 2009).

As fotos aéreas de 1975 da empresa Prospec (Foto 1) mostram que a laguna e a

urbanização da região estavam apenas no inicio a entrada desta região ainda era

restrito, não existindo vias de acesso para a localidade. Os sistemas até então

encontrados na área, com exceção dos igarapés, era de médio-litoral característicos

de áreas que são regularmente expostas e submersas nos ciclo de marés. Na área

da Laguna da Jansen, as modificações da paisagem foram iniciadas com a

ocupação desordenada das áreas de mangues do bairro da Ilhinha, continuadas

com a construção da Avenida do Holandeses e dos conjuntos residenciais

Renascença I e II e Ponta do Farol (Foto 2).

Foto 1: Foto aérea da laguna da Jansen e Ponta d‟ Areia. Fonte: PROSPEC, 1975.

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Foto 2: Foto aérea da laguna da Jansen. Fonte: ZEE-MA, 1999.

A partir da construção da Avenida, a área antes vista como uma simples

comunidade de pescadores passou por um rápido e crescente processo de

especulação imobiliáriacom as mais variadas construções. Outra alteração

significante ocorreu com a implantação de outras vias de acesso intercaladas com a

Avenida dos Holandeses acarretandona alteração da drenagem superficial.

Um dos trechos da Avenida dos Holandeses foi desenvolvido sobre o Igarapé da

Ana Jansen acima do nível da lamina de águae também do coeficiente médio das

preamares de quadratura, ocasionando uma condição de armazenamento de água

salgada permanente, originando um ambiente de laguna e não de lagoa, como é

comumente chamada (SANTOS e MASULLO, 2009).

Atualmente a troca de água na área ocorre somente nas marés de sigízia quando o

nível da maré ultrapassa o piso da galeria, e na estação chuvosa, quando o grande

aporte de água doce garante o fluxo em direção ao mar.

4.1 A Degradação

O projeto de urbanização da Laguna da Jansen, onde viviam sem-tetos em palafitas,

fez com que a Secretaria de Infra-Estrutura do Maranhão indenizasse os moradores

pelas condições de insalubridade, mas sem nenhuma promessa de reassentamento,

o que fez com que boa parte destes moradores se deslocasse para áreas ainda

mais precárias.

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Durante o processo de urbanização na Laguna da Jansen, os espaços permeáveis,

inclusive áreas de manguezais, foram convertidos para locais de superfície

impermeáveis resultando no aumento de volume de escoamento superficial e da

carga de poluentes, resultando em alterações nas características físicas, químicas e

biológicas que ocasionam aumento no volume de escoamento superficial e

subseqüentes cargas de erosão e sedimentos às águas superficiais (ARAÚJO,

2007).

As alterações no fluxo da água salgada causam restrições de renovação do volume,

armazenando esgoto in natura lançado pelas casas e condomínios no entorno, o

que acaba por descaracterizar a localidade de manguezais reduzindo a qualidade

ambiental além de transformar a área em um ambiente anóxico pela elevação do

teor de matéria orgânica deflagrada a qual associada ao acréscimo dos resíduos

sólidos atrelados as modificações antrópicas na bacia de drenagem produziram a

aceleração da colmatação reduzindo a profundidade em até 1metro.

A lâmina d‟água permanente cria um ambiente infra-litoral com áreas não expostas

ás marés diminuindo a taxa de renovação da água estas condições favorecem a

proliferação da macrófita aquática Ruppia Marítima criando substrato para as algas

cianofíceas, que a partir do aumento da decomposição passam a produzir gás

sulfídrico, que somado a decomposição dos sedimentos do fundo da lagoa corrobora

com o odor desagradável da laguna (MONTÃNO, 2002).

A maioria dos impactos que são provocados na área está relacionada à ocupação

desordenada e a falta de planejamento que proporcionam os mais variados tipos de

degradação inclusive a degradação estética e paisagística que trás tanto prejuízos

aos usuários da laguna que são impedidos de fazer usufruto da pesca por causa do

aumento da mortandade dos peixes quanto para as atividades turísticas e

comerciais, que acabam por trazer investimentos financeiros significativos aos mais

variados empreendimentos (RIBEIRO, 1988).

4.2 O Plano de Revitalização

Foram desenvolvidos poucos os projetos para revitalização da Lagoa da Jansen,

onde foram utilizados vários milhões de reais para colocar em vigor a proposta

prevista no Plano Diretor de São Luís (2000) de colocar a mesma como um dos

principais cenários turísticos da cidade. No entanto, os projetos milionários se

mostram apenas paliativos levando em consideração que os mesmos não foram

desenvolvidos integralmente pelo governo vigente.

Atividades desenvolvidas (MARANHÃO e MARANHÃO, 1993):

• Projeto Paisagístico que utilizou atributos estéticos e entretenimento, os quais

tiveram efeitos positivos no que tange a disposição dos resíduos sólidos;

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• Aeradores artificiais colocados para amenizar a condição anóxica da água

• Desvio e tratamento do esgoto jogado na lagoa contribuiriam para conter a

proliferação das macrófitas e da condição anóxica do ambiente, assim

reduziria a decomposição de matéria orgânica na área.

• Aumento da taxa de renovação pelo influxo da maré para a melhoria na

qualidade do corpo d‟água.

4.3 A percepção ambiental dos usuários

Percepção pode ser definida como sendo uma tomada de consciência e

sensibilização do ambiente pelo homem, ou seja, o ato de perceber o ambiente que

se está inserido, aprendendo a proteger, cuidar e usufruir dos atributos do mesmo.

Para a interpretação dos dados, foi feita a caracterização dos usuários entrevistados

e das condições climáticas no momento da entrevista, a fim de observar

características inerentes ao gênero, faixa etária e condições climáticas que poderiam

influenciar nas respostas, tais fatores constituem a percepção que os usuários e

freqüentadores da lagoa da Jansen tem do ambiente(DOBBERT et al, 2009). O

gráfico 1 apresenta o gênero dos entrevistados no presente estudo.

Gráfico 1: Gênero dos usuários entrevistados. Fonte: Dados da pesquisa

Quanto ao gênero dos entrevistados o sexo feminino e o masculino quase se

equipararam, sendo 54,3% dos entrevistados - do sexo feminino e 45,7% do sexo

masculino. A idade e o sexo dos indivíduos têm influencia direta na preferência

térmica, isso devido ao fato de que as pessoas do sexo feminino possuir uma taxa

metabólica mais lenta que as do sexo masculino; assim, as temperaturas ideais para

mulheres geralmente apresenta-se 1ºC acima das temperaturas ideais para homens,

na relação idade e sexo verifica-se que o metabolismo de uma pessoa idosa é mais

lento que o de uma pessoa jovem, as pessoas mais velhas preferem, portanto,

temperaturas mais elevadas, e as mulheres durante o período de climatério têm

preferência por temperaturas mais baixas (GIRALD, 2006).

45,7%

54,3%

Masc Fem

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Dentro dos grupos entrevistados verificou-se uma gama diversificada de faixas

etárias, onde a idade dos usuários variou de 13 a mais de 65 anos de idade dos

usuários, como pode ser observado no Gráfico 2.

Gráfico 2: Distribuição da faixa etária dos entrevistados.Fonte: Dados da Pesquisa

A presença do público mais jovem com idade predominante entre 20 e 44 anos pode

ser constatado na figura 5. O fato de crianças e idosos freqüentarem pouco o parque

pode estar relacionado à questão da segurança local, que tanto para crianças como

para idosos se mostra deficiente devido à iluminação insuficiente no período da noite

e o tráfego de veículos próximo à lagoa, a ocorrência de assaltos, segundo relatos

da guarda local também é fator a ser considerado.

A maioria dos entrevistados declarou que o motivo por estarem no parque seria pela

intenção de melhorar a saúde, através da prática de caminhadas e esportes. Apenas

14,8% declararam ser devido à proximidade de sua residência, o que confirma o

baixo índice de freqüentadores que residem nas moradias mais simples próximas ao

parque.

Gráfico 3: Principais motivos alegados pelos usuários em freqüentar os locais avaliados no presente estudo. Fonte: Dados da Pesquisa

Os usuários entrevistados citaram diversas modificações segundo eles necessárias

para melhora do parque, sendo que mais da metade sugeriu mais espaços para

lazer (55,6%), outra necessidade segundo os entrevistados seria a implantação de

34,6%

8,6%7,4% 1,2% 4,9%

16,0%

27,2%

13-19 20 - 24 25-34 35-44 45-54 55-64 >65

8,6%

17,3%

11,1%

11,1% 14,8%

37,0%

saúde proximidade a residência passeio trabalho outros não opinou

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mais vegetação (24,7%), e (25,9%) sentiu a necessidade de mais sombra, o restante

deu sugestões variadas como bancos, iluminação, segurança entre outros.

Gráfico 4: Principais reivindicações de infra-estruturas segundo os usuários do parque da lagoa da Jansen. Fonte: Dados da Pesquisa

5 CONCLUSÃO

Na maioria das vezes a questão ambiental é trabalhada de forma alarmista, porém

sem grandes políticas de planejamento e fiscalização, o que proporciona certa

impunidade. Mesmo assim grandes avanços técnico-científicos indicam a melhor

maneira de perpetuação ou conservação dos recursos naturais.

Na área da Laguna da Jansen a construção de conjuntos habitacionais ocorreu à

supervalorização da área entrando em contraste com as ocupações desordenadas,

resultando na segregação sócio-espacial, pois não há envolvimento cultural entre

classes e existe uma demarcação social no espaço.

Aliada à criação da unidade de conservação, aos projetos de saneamento ambiental

e de urbanização concorreram para sua revalorização em termos de usos

residenciais, comerciais e turísticos, revelando os contrastes de uma sociedade

desigual uma vez que ocupações desordenadas permaneceram. As ações em

termos de mitigações, por isso, tiveram resultados aquém do divulgado pelo poder

de gestão estadual haja vista que o odor derivado das águas da laguna continua e

se de um lado afugenta o turista, de outro compromete a qualidade de vida do

morador de suas imediações. As relações sociais, com efeito, foram afetadas pela

dinamização econômica das ações induzidas pelo Estado e se expressam pela

introdução de novos usos e valores em que serve como exemplo a especulação de

incorporadoras que almejam à apropriação do espaço geográfico enfatizado.

As melhorias a serem realizadas no local e seu entorno, na opinião dos

entrevistados, seriam: a implantação de vegetação (24,7%), mais sombreamento

para melhoria do conforto climático (25,9%), aumento dos espaços para lazer

77,8%

24,7%

25,9%

55,6%

mais vegetação mais sombra mais espaços p/lazer outros

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(55,6%) e entre os 77,8% dos usuários que solicitaram outras melhorias, destaca-se

a melhoria da segurança (63%), o fator segurança apontado por mais da metade dos

entrevistados aponta a vulnerabilidade do local. A partir desse levantamento pôde-se

constatar que o Parque da Lagoa, por ser pouco utilizado pode não estar cumprindo

de maneira satisfatória o seu papel.

As relações sociais são afetadas pela dinamização econômica destas ações e

especulações de grandes empresas que proporcionam diferenciações na forma de

apropriação do espaço evidenciando contrastes e disparidades sócio-espaciais já

que grande parte do que é proposto no Plano Diretor de São Luís não foi colocado

em prática bem como o Projeto de revitalização da área.

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3 A ROTA DO EMPREENDEDORISMO NO MARANHÃO: MAPEAMENTO DOS

EMPREENDIMENTOS QUE INTEGRAM A ATUAL POLÍTICA DO GOVERNO DO

ESTADO

Bianca Sampaio Correa; Zulene Muniz Barbosa

RESUMO

Este trabalho é fruto de um relatório de pesquisa e tem como objetivo geral mapear

os principais empreendimentos no Maranhão na “nova década,” tendo como foco as

possíveis alterações sócio- econômicas e culturais provocadas pela Refinaria

Premium I, no conjunto de municípios da Micro- Região de Rosário com o propósito

de perceber e compreender os seus efeitos de médio e longo prazo. Mais

especificamente, a partir das discussões teóricas acerca de conceitos sobre

desenvolvimento social, econômico e regional, o trabalho visa perceber as relações

sociais já trazidas pela Refinaria Premium I nesta fase de implantação. É ainda

objetivo do trabalho analisar os impactos sobre as condições socioeconômicas sobre

os moradores e suas relações de trabalho.

Palavras-chave: empreendimentos no Maranhão; Refinaria Premium I; impactos socioeconômicos.

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1 APRESENTAÇÃO

O presente projeto de pesquisa intitulado de impactos sócio- econômicos da

Refinaria Premium I, na Micro- Região de Rosário pode ser remontado ao cenário de

um Estado, onde durante muitas décadas esteve praticamente isolado do restante

dos estados brasileiro. Entretanto na segunda metade da década de 1950 se integra

a dinâmica do desenvolvimento capitalista, e suas crises, vinculadas á lógica do

capitalismo brasileiro. A partir dos anos de 1960 e 1970 foram desenvolvidos

projetos de infraestrutura, sendo construídas linhas férreas e rodovias. O Estado do

Maranhão foi interligado a outras regiões do Brasil, fato que proporcionou o

escoamento da produção e o consequente desenvolvimento articulado à dinâmica

do capitalismo industrial inaugurado nos anos JK. Na década de 1970 houve

investimentos na agropecuária, extrativismo vegetal e mineral, estimulados por

incentivos fiscais das superintendências do desenvolvimento da Amazônia (SUDAM)

e do Nordeste (SUDENE).

A partir de Carajás, o Produto Interno Bruto do Estado (PIB) triplicou, porém não

contribuiu para o desenvolvimento social do Estado, ao contrario aumentou as

desigualdades sociais e os níveis de pobreza. Hoje, apesar do Maranhão e a sua

capital estarem diante de um dos maiores desafios da sua história, sobretudo, no

que diz respeito a atual política desenvolvimentista do governo. O documento

“Maranhão na nova década” anuncia grandes empreendimentos econômicos, entre

eles destacam-se: a Brascopper (que está instalando uma fábrica de cabos e fios de

alumínio); a termelétrica da MPX Itaqui (em fase final de construção), a Votorantim

Cimentos (grupo formado por empresários italianos e brasileiros também constroem

fábrica de cimento na capital). Destacando ainda nas Regiões Sul e Sudeste do

estado que recebem grandes empreendimentos como a fábrica da Suzano Papel e

Celulose, em Imperatriz; o complexo avícola da Notaro, em Balsas; uma

esmagadora de soja em Porto Franco, além da hidrelétrica de Estreito. No setor de

comércio e serviços, podem-se citar os supermercados Maciel e Mateus ampliam

suas redes. Só o Mateus abriu cinco lojas novas ano passado em São Luís. Diante

de todo esse crescimento e oportunidades pose-se almejar um gigantesco

desenvolvimento como resultado do crescimento econômico em todo o Maranhão.

Todavia, mesmo com a implantação de empreendimentos econômicos o cenário do

Estado de alguns anos atrás se repete, sobretudo, porque como já mencionado

acima as desigualdades sociais e também econômicas ainda imperam. Diante desse

cenário atual do Maranhão a presente pesquisa tem por objeto mapear os principais

empreendimentos para o Maranhão na nova década com foco voltado para a

Refinaria Premium I, na Micro- Região de Rosário – esta é a nossa referência

empírica tendo em vista que a refinaria trará possíveis impactos não só para a São

Luis, mas também para a população da Micro- Região do Rosário das possíveis

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alterações (que já estão em curso), principalmente, quanto à questão sócio-

econômica. Este subprojeto se articula às reflexões do projeto de pesquisa: “A

Modernização Industrial do „Novo Maranhão‟: Impactos Socioeconômicos e

Ambientais da Implantação da Refinaria Premium I na Micro-Região de Rosário”, da

professora Zulene Muniz Barbosa.

O Estado possui inúmeras riquezas e tem grandes oportunidades de crescimento,

mas se ainda existem um número significativo do índice de pobreza isso se deve

aos modelos de desenvolvimento historicamente implantados – riqueza concentrada,

mas também por uma política de pão e circo comandada pelas oligarquias locais

que não corresponde aos interesses da maioria da população maranhense. Este

fato se evidencia, sobretudo, porque, no Maranhão ainda há uma excessiva

centralização de gestão pública; daí um dos motivos do processo de

“desenvolvimento” no Estado ocorrer de forma descontínua. . Pode- se perceber o

paradoxo entre o potencial econômico e as próprias desigualdades; também a baixa

internacionalização de políticas públicas, no interior do Estado. Com a alienação da

população; há um fraco desenvolvimento local, em especial nos municípios, entre

outras.

Não se pode almejar que haja desenvolvimento sócio- econômico somente tendo em

vista o aspecto do próprio crescimento econômico. Celso Furtado (2001), cuja

contribuição foi a de combinar uma concepção ampliada do processo histórico do

desenvolvimento econômico com suas implicações sociopolíticas, afirma que o

desenvolvimento econômico significa mais do que o simples crescimento da

economia ou acumulação de capital, porque, além de representar o incremento da

capacidade produtiva, implica também a irradiação do progresso para o grosso da

sociedade, no sentido de homogeneizá-la e, afirma também que a única alternativa

para a modernização é o desenvolvimento. Milton Santos (2003) vê o

desenvolvimento, como um processo histórico e está associado aos momentos

históricos de cada região. Diante de processos tão complexos de um Estado que,

combina relações capitalistas (modernas) e pré- capitalistas (ditas atrasadas no

plano político) a nossa pesquisa se propõe aprofundar as diversas dimensões do

desenvolvimento. Busca responder o que vem a ser desenvolvimento regional?

A perspectiva é, portanto,examinar se a Refinaria trará ou não o desenvolvimento

regional, o qual segundo Perroux estará sempre ligado ao seu pólo, o qual é o

centro dinâmico de uma região de seu entorno. São Luis por ser uma cidade pólo já

desponta com um portifólio de empreendimentos e, acaba tendo os reflexos de

projetos localizados nas proximidades da Ilha, como é o caso da Refinaria Premium

I, da Petrobrás, em Bacabeira, cidade distante a 60 km de São Luis.

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2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

• Mapear os principais empreendimentos no Maranhão na “nova década,”

tendo como foco as possíveis alterações sócio- econômicas e culturais

provocadas pela Refinaria Premium I, no conjunto de municípios da Micro-

Região de Rosário com o propósito de perceber e compreender os seus

efeitos de médio e longo prazo.

2.2 Objetivos Específicos

• Partindo das discussões teóricas acerca de conceitos sobre desenvolvimento

social, econômico e regional, perceber as relações sociais já trazidas pela

Refinaria Premium I nesta fase de implantação.

• Analisar os impactos sobre as condições socioeconômicas sobre os

moradores e suas relações de trabalho.

3 METODOLOGIA

O processo da pesquisa terá dois momentos articulados. O primeiro se constituirá do

levantamento bibliográfico referentes aos empreendimentos econômicos do

Maranhão, em especial, sobre a Refinaria Premium I, além de leituras no tocante

aos aspectos geográficos, econômicos e políticos do Maranhão e de Bacabeira. Os

resultados obtidos nesta primeira fase da pesquisa serão expostos sobre a forma de

relatório parcial. O projeto prosseguirá no segundo momento com a pesquisa

empírica, a partir da qual faremos o levantamento em toda a área da Micro- Região

de Rosário, especificamente nas áreas próximas de implantação da Refinaria.

Sendo que o recorte espacial usado será o município de Bacabeira, localizado a 60

km da capital. Para a viabilização do trabalho, usaremos de aplicação de

questionários, entrevistas, análise dos dados coletados e dos documentos oficias,

assim como do aprofundamento de leituras.

4. RESULTADOS PARCIAIS

4.1 Leitura e Análise Bibliográfica

No processo de realização da presente pesquisa, procuramos nos deter a leituras

dos documentos referentes tanto à Refinaria Premium I, quanto aos grandes

empreendimentos econômicos e usamos o documento Maranhão na Nova Década e

também, o documento Petrobrás/Abastecimento, de Sandra Lima de Oliveira; Neste

procuramos nos aprofundar sobre conceitos de desenvolvimento, globalização,

Estado nacional, grandes projetos, entre outros.

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Para compreendermos sobre Desenvolvimento, usamos obras como:

Desenvolvimento Desigual, de Neil Smith; o artigo sobre Diálogos Entre Milton

Santos e Celso Furtado (Uma Aproximação de Pensadores do Brasil), de

Eduardo MARCUSO-UNESP/CAMPUS Rio Claro; o livro, uma nova fase do

capitalismo? De Chesnais, Duménil, Lévy e Wallerstein; usamos também a obra O

Capital livro I volume II (capítulo XXIV-que relata o processo de acumulação

primitiva na Inglaterra de Karl Marx; também o livro O Desenvolvimento do

Capitalismo na Rússia volume I, de Lênin que discute o desenvolvimento numa

Rússia Czarista ; a obra A Mundialização do Capital, de François Chesnais; sobre

Globalização usamos a obra Sociologia: Introdução à Ciência da Sociedade, de

Cristina Costa; sobre Estado Nacional utilizamos artigos como: Estado Nacional e

Globalização: O Discurso de uma Crise e a Crise de um discurso, de François

de oliveira Ferreira; e também o artigo A Relação Estado Mercado e o Tipo de

Definição da Ordem Global, de Raquel Lorensini Alberti; sobre Grandes Projetos

um dos documentos usados foi Nordeste: Heranças, Oportunidades e Desafios,

de Tânia Bacelar.

4.2 Participações em Eventos

Durante esse primeiro momento da pesquisa, participamos de alguns debates e

seminários na área das ciências humanas. Participamos, entre outros, do debate

sobre Política de Desenvolvimento, na UEMA e, também dos seminários: Diálogo

de Saberes: As Ciências Sociais e as Novas Epistemologias, na UEMA; VII

Seminário de Dezembro (Formação Humana: Desafios da Contemporaneidade),

no auditório do Ministério Público; XI Encontro Humanístico: Diversidade, na

UFMA. Todos esses debates e seminários participamos como ouvinte.

4.3 Resultados Alcançados

O Estado do Maranhão está situado na extremidade ocidental da Região Nordeste

do Brasil e possui 217 municípios. O clima varia entre o nordestino e o da região

amazônica, além de uma cobertura vegetal recoberta por florestas tropicais,

caatinga e cerrados. Nesta extensão territorial os rios Mearim, Pindaré e Itapecuru

com seus afluentes constituem uma diversificada e rica bacia hidrográfica. Com uma

área de 331.935,507 km, a sua população 6.574.789 (2010) o que corresponde a

uma densidade populacional de 19.81 hab/km.

O Estado está dividido em 07 (sete) Mesorregiões – Norte, Metropolitana, Baixada e

Litoral Ocidental, Centro Maranhense, Leste, Oeste e Sul. Possuiuma base

econômica assentada na produção agrícola, no extrativismo vegetal, nos serviços e,

secundariamente, em atividades industriais que se desenvolveram, principalmente,

no bojo do programa grande Carajás. Por outro lado, se constitui o segundo maior

litoral do Brasil, sendo, pois, uns dos Estados mais ricos em belezas naturais além

de um dos mais diversificados centro histórico, localizado na capital São Luis. O

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Maranhão possui também rico artesanato e uma culinária diferenciada. Em

conformidade com isso, os dados do Brasilsite (2011) “o maranhão aumentou a

produção de grãos, em 2000, e teve significativo crescimento industrial, de acordo

com a SUDENE”, mas apesar disso, está entre os mais pobres do nordeste,

possuindo ainda renda per capita inferior à do Estado do Piauí, conforme o IPEA-

Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada.

Diante desse cenário é possível perceber que o Maranhão, desde os anos 1970

passou por diversos surtos industriais (a opção foi o desenvolvimento centrado nos

grandes projetos e ou na modernização industrial quanto aos novos

empreendimentos econômicos citamos alguns deles na tabela abaixo):

Empreendimento Localização Expectativas

Refinaria Premium I Município de Bacabeira Será a maior das américas –

terá capacidade de produzir 600

mil barris/dia e, inicialmente

produzirá diesel, nafta

petroquímica, GLP e querosene

de aviação.

Terminal Portuário do

Mearim

Município de Bacabeira O terminal terá atracadouros

para graneis líquidos e sólidos,

além de um píer específico para

cargas siderúrgicas com

capacidade para atender navios

de 43 a 72 mil toneladas, e mais

uma área de 950 mil metros de

retroporto.

Suzano Imperatriz A sua fábrica terá capacidade

para produzir 15 milhões de

toneladas de celulose de

eucalipto por ano e deve gerar

3,5 mil empregos diretos, sendo

mil na área industrial, além de

15 mil postos de trabalho

indiretos.

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A mineração das empresas

Aurizona e Jaquar Mining

Aurizona - município de

Godofredo Viana e Jaquar

Mining - município de

Centro Novo do Maranhão

As empresas Aurizona e Jaquar

Mining, devem gerar quase três

mil empregos, entre diretos e

indiretos e a área de atuação

destas integra o Cinturão do

Gurupi, que inclui o nordeste do

Pará e o noroeste do Maranhão.

AmBev São Luis A sua duplicação e a construção

de um centro de distribuição

direta em São Luis absorverão

recursos de 144 milhões de um

total de 2 bilhões investidos em

todo o país. Do total destinado

ao Maranhão, 10 milhões serão

utilizados na construção de uma

nova linha de transmissão de

energia elétrica de 60 KV, em

parceria com a Companhia

energética do Maranhão-

Cemar.

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Companhia Siderúrgica do

Mearim e a retomada da

produção de ferro- gusa da

unidade da margusa

A Companhia Siderúrgica

do Mearim será implantada

em Bacabeira e a produção

de ferro gusa da unidade da

margusa será em Açailândia

O projeto da Companhia

Siderúrgica do Mearim- CSM, do

grupo Aurizônia

Empreendimentos inclui um

terminal portuário e a primeira

etapa está prevista para operar

em 2016 e terá capacidade para

produzir 2,5 milhões de

toneladas/ano de placas de aço.

O empreendimento da produção

de ferro-gusa deverá empregar

até 1,3 mil trabalhadores e a sua

unidade de 250 mil metros

quadrados de área construída

vai produzir 500 mil

toneladas/ano de tarugos de

aço.

Brascoper São Luis Pretende, a partir de sua

unidade no Maranhão, tornar-se

competitiva em todo o mundo. A

produção visa atender ao

mercado nacional de

transmissão e distribuição de

energia.

O projeto prevê ainda, em sua

segunda fase a produção de fios

elétricos esmaltados para a

fabricação de transformadores e

motores.

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O Grupo Notaro Alimentos

Outro projeto estratégico

para efetivar o

adensamento da cadeia da

soja no Maranhão é a

implantação da ABC Inco,

empresa da divisão agro do

Grupo Algar,

tradicionalmente voltado

para o setor de

telecomunicações, em

Minas Gerais.

O complexo avícola do

Grupo Notaro Alimentos

será em Balsas; a empresa

ABC Inco e sua unidade de

esmagamento de grãos

será implantada no

município de Porto Franco,

próximo à Imperatriz.

O projeto do Grupo Notaro

Alimentos prevê a criação em

granja de matrizes e pintos,

incubadora, fábrica de ração,

beneficiadora de soja para a

produção de óleo e farelo.

O abatedouro industrial terá

capacidade de abate de 150 mil

aves/dia. Vai gerar 3.800

empregos diretos e indiretos.

Metade da produção será

destinada ao mercado interno e

o restante ao externo.

A empresa ABC Inco tem

capacidade de processamento

de 1,5 mil toneladas de

grãos/dia, representando mais

de 30% da produção da soja no

estado.

Votorantim Cimentos

São Luis A Votorantim Cimentos

produzirá 750 mil toneladas/ano

na sua unidade maranhense.

Empreendimentos

hoteleiros pertencentes a

grupos genuinamente

maranhenses como o grupo

Solare, Veleiros, hotel

Panorama e Ibis.

São Luis A rede hoteleira Solare tem

previsão de três hotéis, o

Veleiros, já está operando com

222 apartamentos e os hotéis

Panorama, com 70

apartamentos e o hotel da rede

Ibis em construção na Avenida

dos Holandeses.

Programa Meu Primeiro

Emprego

São Luis Visa aumentar a quantidade de

jovens iniciantes a terem a sua

carteira de trabalho assinada.

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Shopping Rio Anil e

Shopping da Ilha, este

último empreendimento do

grupo Sá Cavalcante.

São Luis Visam o aumento da massa

salarial e do crescimento de

empregos gerados pelas

empresas que chegam no

Estado.

Grupo Carrefour, Mateus,

Maciel.

São Luis O Grupo Carrefour investiu 35

milhões na construção de um

atacadão. O empreendimento

gerou 900 novos empregos,

sendo 350 diretos.

O Grupo Mateus já

desembolsou 60 milhões em

cinco lojas, sendo quatro em

São Luis e uma em Imperatriz.

O Supermercado Maciel estima

investir cerca de 65 milhões no

biênio 2010/2011.

Obra do Terminal de Grãos

do Maranhão (Tegram) da

Emap.

O terminal de Grãos do

Maranhão ficará na retroária

do berço 103.

A Empresa Maranhense de

Administração Portuária- Emap,

através do projeto Tegram visa

eliminar os gargalos do

escoamento da produção de

grãos de toda uma região

(corredor centro-norte).

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Usinas Termelétricas: UTE

Parnaíba; UTE do grupo

MPX ITAQUI e a Gera

Maranhão do Grupo

Geranorte.

A usina termelétrica

Parnaíba ficará em Santo

Antônio dos Lopes; a

termelétrica ITAQUI em São

Luis e a Gera Maranhão em

Miranda do Norte.

A termelétrica Parnaíba terá um

investimento de 4 bilhões, com

capacidade de 1863 MW e em

sua fase de construção com

3.700 empregos diretos e na

fase de operação com 480

empregos indiretos e diretos.

A Termelétrica ITAQUI tem um

investimento de 1,8 bilhões com

capacidade de 360 MW e 6000

empregos diretos e indiretos.

A Termelétrica Gera Maranhão

tem um investimento de 600

milhões com capacidade de 330

MW, além de 3000 empregos

diretos e indiretos.

Hidrelétrica de Estreito Sudoeste do Maranhão A Hidrelétrica de Estreito possui

4 bilhões em seu investimento e

sua capacidade é de 1.0687

MW, além de 7.500 empregos

diretos na obra.

Fonte: Maranhão na Nova Década

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o levantamento bibliográfico, nesta primeira etapa, a segunda etapa

se centrará na pesquisa empírica, focado no município de Bacabeira. Para tanto nos

utilizaremos de relatos orais, questionários, entrevistas e observação participante. O

objetivo é captar as rápidas mudanças e seus diversos impactos na vida dos

moradores.

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4 PESCA ARTESANAL EM PAÇO DO LUMIAR, MARANHÃO

Clarissa Pinto Boullosa15, Camila Ribeiro Bittencourt 16, Renato Pereira Ribeiro17, Clarissa

Lobato da Costa18,Isabela dos Santos Mendonça19

RESUMO

As pescarias artesanais, tanto costeiras como fluviais, fornecem alimentos e emprego para muitas pessoas, especialmente nos países tropicais e em desenvolvimento, onde geralmente a maioria do pescado consumido é capturado por pescadores artesanais. Aspectos como o tamanho mínimo da captura, incidência do esforço de pesca sobre poucas espécies de peixes, evolução do poder de pesca, apetrechos de pesca utilizados, conflitos de uso e declínio do recurso explorado, são alguns itens fundamentais para a caracterização do cenário atual, avaliação da sustentabilidade da atividade pesqueira e subsídios para a elaboração de planos de manejos. No Brasil, a produção pesqueira artesanal é maior na região Norte (136.588 toneladas em 2002) seguida das regiões Nordeste (97.240 toneladas), Sudeste (33.400 toneladas) e Sul (14.100 toneladas), sendo que nas regiões Norte e Nordeste os desembarques são predominantemente artesanais. A área de estudo é o município de Paço do Lumiar, 104.881 habitantes, onde a pesca artesanalé uma de suas principais atividades. Na localidade existe uma Colônia de pescadores e um Sindicato dos Trabalhadores na Pesca Artesanal e Aquicultura no município de Paço do Lumiar, que tem em torno de 5.000 associados e está vinculada à Secretaria de Produção e Abastecimento do Município. O presente artigo tem como objetivo a identificação dos pescadores que atuam na região, caracterização da pesca artesanal - enfocando a utilização dos recursos pesqueiros pelos pescadores artesanais -, avaliação da pesca artesanal do ponto de vista de sua sustentabilidade, além do levantamento das principais espécies comercializadas no local. A metodologia empregada foi a aplicação de questionários de linguagem simples, com 28 pescadores maiores de 18 anos sendo estes mais novos e mais antigos na região, seguida de posterior comparação das respostas e análise dos dados.

Palavras-chave: Pesca artesanal, Paço do Lumiar, produção pesqueira

15

Bolsista PIBIC/IFMA – 2011/2012; [email protected] 16

Aluna do Curso de Licenciatura em Biologia IFMA; [email protected] 17

Aluno do Curso de Licenciatura em Biologia IFMA [email protected] 18

Professora Msc. do Ensino Básico Técnico e Tecnológico – IFMA; [email protected] 19

Professora Msc. do Ensino Básico Técnico e Tecnológico – IFMA; [email protected]

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III SEDMMA conflitos ambientais, mobilizações e alternativas ao desenvolvimento –23 a 25 de maio de 2012,

São Luís- MA (UFMA)

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1 INTRODUÇÃO

As pescarias artesanais, tanto costeiras como fluviais, fornecem alimentos e

emprego para muitas populações humanas, especialmente nos países tropicais e

em desenvolvimento, onde geralmente a maioria do pescado consumido é capturada

por pescadores artesanais (Derman & Ferguson, 1995; Lim et al.,1995: in Begossi,

2004). Tais pescarias são de natureza complexa e imprevisível, envolvendo grande

variedade de técnicas de pesca utilizadas e grande diversidade de espécies de

pescado capturadas (Polunin & Roberts, 1996; Sivano et al., 2002: in Begossi,

2004).

Aspectos como o tamanho mínimo da captura, incidência do esforço de pesca sobre

poucas espécies de peixes, atuação da pesca em sítios de reprodução, evolução do

poder de pesca, apetrechos de pesca utilizados, conflitos de uso e declínio do

recurso explorado, são alguns itens fundamentais para a caracterização do cenário

atual, avaliação da sustentabilidade da pesca e subsídios para o plano de manejos

futuros (Souza, 2004). Existem evidencias de que a pesca artesanal pode ocasionar

redução no estoque de peixes explorados, especialmente com relação aos peixes de

interesse comercial. Estudos apontam a necessidade de se efetuar o manejo da

pesca artesanal de forma participativa e democrática, envolvendo a comunidade, de

modo diferente do que ocorre atualmente, onde as estratégias de manejos são

impostas por instituições governamentais nacionais, desconsiderando as

comunidades de pescadores artesanais que possuem maior dependência e

conhecimento sobre os recursos pesqueiros.

Em se tratando de Brasil, a produção pesqueira artesanal é maior na região Norte

(136.588 toneladas em 2002) seguidas das regiões Nordeste (97.240 toneladas),

Sudeste (33.400 toneladas) e Sul (14.100 toneladas), sendo que nas regiões Norte e

Nordeste os desembarques são predominantemente artesanais (IBAMA, 2007).

Estudos realizados por Kalikoski e Silva (2007) apontam que a pesca artesanal no

Brasil está em crise. Essa crise tem como principais indicadores o decréscimo da

abundância dos recursos pesqueiros, além do empobrecimento e a marginalização

histórica das comunidades tradicionais.

A área de estudo, o município de Paço do Lumiar, tem como uma de suas principais

atividades a pesca artesanal. Na localidade existem cerca de trezentos pescadores

e uma Colônia, que contribui na organização da atividade no município, além de um

setor de Aquicultura e Pesca, vinculada à Secretaria de Produção e Abastecimento.

A produção da região abastece o município e uma pequena parte dela segue para

São Luís. Há poucos estudos sobre a atividade pesqueira e o modo de vida do

pescador na região, daí a importância da realização do projeto, no sentido de

caracterizar a pesca artesanal na região.

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2 METODOLOGIA

O Município de Paço do Lumiar situa-se a 2o 30‟ LS e 44o 7‟ LW, na Ilha de São

Luís, Estado do Maranhão, tendo uma altitude média de 15 m. A vegetação

caracteriza-se pela presença de capoeiras e manguezais, sendo intenso o

desmatamento que vem acontecendo nas últimas duas décadas. (IBGE, 1984). O

clima é tropical mesotérmico e úmido, com duas estações bem-definidas. A chuvosa,

de janeiro a junho, concentra, em média, cerca de 94% do total anual das chuvas; a

estação seca, de junho a dezembro, concentra apenas 6%. O total pluviométrico

médio é de 1.900 mm anuais. As temperaturas são elevadas durante o ano todo

(média de 26o C) com variação anual pequena, principalmente nos meses de abril,

maio e junho (IBGE, 1984). De acordo com o censo IBGE 2010 a população é de

104.881 habitantes.

Figura 1: Mapa da ilha de São Luís evidenciando o município de Paço do Lumiar

2.1 Métodos utilizados para obtenção dos dados dos pescadores de Paço do

Lumiar.

Desde setembro até o mês de fevereiro foram aplicados 28 questionários, de

linguagem simples, no município de Paço do Lumiar. Os pescadores (3 mulheres e

25 homens) eram maiores de 18 anos, dentre os mais recentes e os mais antigos na

região. Posteriormente foi feita a comparação das respostas e análise dos dados,

além do levantamento bibliográfico com objetivo de subsidiar informações para a

realização do trabalho.

Alguns aspectos como a importância da pesca artesanal no orçamento familiar,

relação com outras atividades econômicas, tempo de pesca, frequência das

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pescarias, locais utilizados para a pesca, métodos e aparelhos utilizados, espécies

mais capturadas e comercializadas, locais de venda e melhores épocas do ano para

a prática da pesca foram analisados.

Tais entrevistas foram realizadas com pescadores do Sindicato de Trabalhadores de

Pesca Artesanal e Aquicultura do município de Paço do Lumiar, que segundo seu

presidente, tem em torno de 5.000 associados dentre eles catadores de caranguejo,

pescadores e marisqueiras, e ainda da Colônia com sede em Pau Deitado, no porto

de Mocajituba e em outras situações onde os pescadores encontravam-se

desenvolvendo a atividade pesqueira.

3 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS

A pesquisa de campo realizada no município de Paço do Lumiar – Maranhão tem

como objetivo o levantamento de dados sobre a pesca artesanal na região, onde

nesta há intensa atividade pesqueira desempenhada por comunidades tradicionais

de diferentes faixas etárias, reunidas em um Sindicato de Pesca e Aquicultura

vinculado à Secretaria de Produção e Abastecimento do Município. Além de

alimentar a própria Colônia de pescadores, sua produção abastece tanto a cidade

quanto São Luís e Raposa.

Um questionário foi aplicado a 28 pescadores no decorrer do segundo semestre de

2011 e nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2012, com pessoas do Sindicato

dos Trabalhadores na Pesca Artesanal e Aquicultura, da Colônia de pescadores e

no porto de Mocajituba, a fim de identificar os pescadores que atuam na região,

caracterizar a pesca artesanal - enfocando a utilização dos recursos pesqueiros

pelos pescadores artesanais -, avaliar a pesca artesanal do ponto de vista de sua

sustentabilidade, além do levantamento das principais espécies comercializadas no

local.

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Figura 2: foto do pescador tirada no Porto de Mocajituba – Paço do Lumiar/MA

3.1 Os pescadores artesanais

Os dados abaixo, referentes às informações dos pescadores artesanais do

município de Paço do Lumiar, caracterizam a atividade pesqueira sendo realizada

em sua maioria pelo sexo masculino com diferentes faixas etárias e índice elevado

de pessoas mais velhas, entre 51 e 60 anos. A maior parte dos entrevistados tem o

ensino fundamental incompleto e a renda com a pesca é em média 50% para 1 a 2

salários mínimos. Há ainda aqueles que têm outras atividades além da pesca, onde

39,28% ganha mais que um salário, porém, a maioria dos entrevistados disse que

não realiza outra atividade além da pesca (ver Tabela 1).

Tabela 1: Informações sobre os pescadores de Paço do Lumiar (28 entrevistados).

Dados gerais (%)

Idade

1 a 10 0

11 a 20 3,57

21 a 30 3,57

31 a 40 14,28

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41 a 50 21,42

51 a 60 39,28

61 a 70 10,71

71 a 80 7,14

81 0 Sexo

Masculino 89,3 Feminino 10,71

Escolaridade

Fundamental Incompleto 64,28

Fundamental Completo 10,71

Médio incompleto 7,14

Médio completo 3,57

Analfabeto 14,28

Números de pessoas na mesma casa

1 a 5 67,85

6 a 10 17,85

11 a 15 14,28

16 0

Renda com a pesca

Menor que 1 salário mínimo 39,28

De 1 a 2 salários mínimos 50

Mais de 2 salários mínimos 10,71

Renda com outras atividades

Não há renda 53,57

Menor que 1 salário 7,14

Mais de 1 salário 39,28

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3.2 Equipamentos e técnicas utilizadas

Os equipamentos citados pelos entrevistados foram barco a remo, canoa a motor e

barco a motor, tendo maior porcentagem a canoa a motor (ver Gráfico 1). Segundo

os pescadores, os materiais utilizados na pesca hoje são mais sofisticados em

relação aos anos passados, como exemplo a evolução não malhas de pesca assim

como o uso de canoas e barcos a motor. Os maiores anos de prática na atividade

pesqueira foram entre 11 a 30 anos. Essa atividade é retratada com característica

semanal por 65,85% dos entrevistados, levando em torno de 6 horas de viagem para

ida e mais 6 horas para a volta permanecendo no local por 3 ou 4 dias, trabalhando

tanto com mão-de-obra familiar como com outros pescadores. Humberto de

Campos, Carrapatal (Farol de Santana), Mocajituba e Curupu foram citados como

melhores locais para a pesca. Em relação à melhor época do ano, houve uma

divisão quase que semelhante nos resultados, sendo 46,42% preferindo o tempo

seco, 42,85% tempo chuvoso e apenas 10,71% disse que não há preferência por

tais épocas. Sobre os melhores meses, em sua maioria, 39,28% disseram que

preferem os meses de janeiro a julho, sendo que a hora do dia não influencia na

prática. A maior parte dos entrevistados reconhece que tanto a maré quanto a Lua

influenciam na atividade pesqueira sendo respectivamente melhor a maré cheia e a

Lua Cheia.

Gráfico 1: Equipamentos utilizados pelos pescadores

Equipamentos

28,6%

25,0%

46,4%

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

30,00%

35,00%

40,00%

45,00%

50,00%

Barco a motor

Canoa a remo

Canoa a motor

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3.3 Manejos utilizados

Diferentes tipos de petrechos foram mencionados pelos pescadores, tais petrechos

são caracterizados em porcentagem. A tarrafa foi citada como a mais utilizada com

cerca de 23,07% (ver Tabela 2).

Tabela 2: Tipos de petrechos utilizados

Petrechos

utilizados Quantidade Valor %

Caçoeira 3 0,115384615 11,53

Espinhel 1 0,038461538 3,84

Estaca 2 0,076923077 7,69

Gancho 1 0,038461538 3,84

Linha de mão 3 0,115384615 11,53

Molinete 1 0,038461538 3,84

Rede de arrasto 2 0,076923077 7,69

Rede de espera 4 0,153846154 15,38

Rede de

zangaria 3 0,115384615 11,53

Tarrafa 6 0,230769231 23,07

26 1 100

3.4 Espécies mais capturadas e comercializadas

No diz respeito às espécies capturadas, os pescadores citaram diferentes tipos de

pescado porém, dentre eles, os três mais comentados foram o bagre e tainha, com

igual porcentagem – 38,80%, e peixe prata com 14,81%. O comércio é realizado em

reais, feito simultaneamente para revendedores quanto para a população local (ver

Gráfico 2). Tem como espécies mais vendidas a tainha - 75% e o bagre – 14,28% e

não opinaram – 10,71%, com municípios de destino em sua grande maioria: São

Luis e Raposa. Há ainda relatos de que com o passar dos anos a procura pela

atividade pesqueira aumentou, assim como, a disputa pelo espaço, porém há hoje

maior quantidade de venda, com o tamanho do peixe, em sua maioria,

permanecendo o mesmo.

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Gráfico 2: para quem se vende o pescado

3.5 Quanto ao sindicato, colônia e aspectos sociais e ambientais

Dentre os pescadores entrevistados, 46,42% são associados à colônia, 42,9%

associados ao sindicato pagando uma taxa mensal de R$6,00 e 10,71% não faz

parte de nenhuma das duas cooperativas (ver Gráfico 3). Quanto ao auxílio prestado

pela colônia: 53,84% dos associados disseram que esta não ajuda aos pescadores.

Já ao sindicato, 100% dos associados relataram que há grande contribuição por

parte do sindicato e interesse na solução dos seus problemas.

Gráfico 3: Associados a cooperativas

Para quem se vende o pescado

10,7%

32,1%

42,9%

14,3%

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

30,00%

35,00%

40,00%

45,00%

População

Revendedores

População e Revendedores

Outro

Associados a Cooperativas

42,9%

46,4%

10,7%

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

30,00%

35,00%

40,00%

45,00%

50,00%

Sindicato

Colônia

Não faz parte de

cooperativas

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Abrangendo aspectos sociais e ambientais, 89,28% dos pescadores entrevistados

responderam que em época de defeso não recebem o seguro desemprego tendo em

vista que este só é pago na região àqueles que praticam pesca em águas salgadas.

Em relação ao tratamento de esgoto na região, 89,28% disseram que não há

tratamento e que o abastecimento de água em suas residências é feito por poço –

46,42% e por rede pública – 53,57%. Quanto à moradia: 96,42% têm casa própria e

3,57% tem residência cedida, onde o destino do lixo é: 89,2% queimado, 7,14%

enterrado e 3,57% jogado em rio, lago ou mar.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prática da pesca artesanal no município de Paço do Lumiar se mostrou

evidentemente caracterizada. Os entrevistados distinguiam-se em faixas etárias

apresentando predominantemente o sexo masculino e maiores de 40 anos. A

maioria não tem outras atividades além da pesca, portanto, retiram desta em torno

de 1 a 2 salários mínimos como renda familiar. Os melhores municípios e tempo de

pesca foram assinalados pelos pescadores em semelhante referência, passam dias

seguidos comendo e dormindo nos barcos com condições precárias em relação a

recursos financeiros e matérias para a prática da pesca não havendo muita

segurança onde acontece desde acidentes leves a graves.

O município de Paço do Lumiar tem um Sindicato (responsável pela comunidade e

sua qualidade de vida) e uma colônia (responsável pela atividade pesqueira, venda

e intermediação), são cooperativas em que não se pode associar-se ao mesmo

tempo. Ao fazer parte do sindicato os associados pagam uma taxa de R$6,00

mensalmente, 100% deles disseram que a cooperativa ajuda e se preocupa com a

comunidade e 53,84% dos entrevistados associados à colônia acham que esta não

contribui.

Observou-se o pouco investimento em recursos financeiros e materiais dos

pescadores, além do descaso do governo e instituições responsáveis em relação a

saúde, saneamento básico e qualidade de vida. Os pescadores entrevistados do

município, em sua maioria, não têm coleta de lixo e arranjam métodos como queimar

e enterrar para dar fim aos resíduos, não há tratamento de esgoto que resulta em

fossas, o abastecimento é feita por poço e não há hospital na região apenas um

posto de saúde. No ponto de vista da sustentabilidade há poucas ações realizadas

para conscientização e conservação da diversidade biológica dos recursos

pesqueiros assim como conservação da diversidade cultural das populações locais.

REFERÊNCIAS

BEGOSI, A. Ecologia de Pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia. São

Paulo: Huicitec: Nepam/Unicamp:Nupaub/Usp: Fapesp, 2004. 322 p.

INSTITUTO BRASILEIRO DE MEIO AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS

RENOVÁVEIS. Nas redes da pesca Artesanal. Brasília, 2007. 308 p.

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IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 1984. Atlas do

Maranhão. Rio de Janeiro: Superintendência de Estudos Geográficos e Sócio-

Econômicos

KALIKOSKI. D. C. & SILVA, P. P. INSTITUTO BRASILEIRO DE MEIO AMBIENTE E

RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS. Avanços e desafios na implementação

de gestão compartilhada no Brasil: lições comparativas do Fórum da Lagoa

dos Patos (RS) e da Resex Marinha de Arraial do Cabo (RJ). Nas redes da

pesca Artesanal. Brasília, 2007. 308 p.

SOUZA, M. R. Etnoconhecimento caiçara e uso de recursos pesqueiros por

pescadores artesanais e esportivos no Vale da Ribeira. Dissertação de

Mestrado. Escola Superior de agricultura “Luís de Queirós”. Universidade de são

Paulo. 2004. 120 p.

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5 LEVANTAMENTO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO NO

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Darlan Rodrigo Sbrana2021

RESUMO

Este trabalho apresenta os resultados parciais obtidos com a pesquisa sobre os

conflitos socioambientais existentes entre grandes empreendimentos e grupos

sociais por eles atingidos no estado do Maranhão. São apresentadas também

considerações referentes às noticias veiculadas na imprensa, bem como a atuação e

o funcionamento no Ministério Público Federal em situações de conflitos.

Palavras-chave: Conflitos Ambientais. Imprensa. Ministério Público Federal.

20

Graduando em História pela Universidade Federal do Maranhão; componente do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio-Ambiente (GEDMMA); Bolsista PIBIC/CNPq.

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1 INTRODUÇÃO

A lógica da industrialização em todos os países que recebem a pecha de

“subdesenvolvido” está marcada pela presença arbitrária do grande capital; pela

atuação do Estado em defesa da grande propriedade privada; pelo convencimento

da população de que o chamado “desenvolvimento” seria fundamental para a

superação da pobreza; e pelo deslocamento compulsório dos povos e grupos sociais

tradicionais que ocupam as áreas flertadas pelos referidos projetos.

No Brasil, tal configuração ganhou forte impulso a partir da primeira metade do

século XX, acompanhando questões de ordem global que foram encetadas com a

Crise Econômica de 1929 e a Segunda Guerra Mundial. Por um lado, esses

acontecimentos fizeram com que a procura por produtos agropecuários diminuísse

consideravelmente, provocando grandes prejuízos à balança comercial brasileira.

Por outro lado, o encarecimento dos produtos industrializados importados,

essenciais para suprir as necessidades nacionais, forçou o Estado a assumir um

caráter intervencionista e, ao mesmo tempo, o obrigou a elaborar um projeto de

fomento à indústria nacional (DOELLINGER, 2010).

Um bom exemplo de como se iniciou o processo de industrialização nas chamadas

“periferias do capitalismo” está na Missão Técnica Estadunidense, que visitou o

Brasil ainda no correr da Segunda Guerra. Conhecida como Missão Cooke, ela

estava incumbida de elaborar um vasto diagnóstico sobre a situação econômica do

país. Suas conclusões, carregadas de forte conteúdo político, concentraram-se em

destacar a deficiência energética, a carência no setor de transportes e a escassez

de matérias-primas básicas à industrialização. Diante dessa conjuntura, o governo

de Getúlio Vargas elaborou um projeto desenvolvimentista que, financiado em

grande parte pelos Estados Unidos, fomentaria a indústria de base e depois a

indústria em geral (TEIXEIRA; GENTIL, 2010).

A partir da década de 1970, sob a égide de uma ditadura militar, a bandeira do

desenvolvimento chegava à Amazônia, tendo como um dos carros-chefes o “Projeto

Grande Carajás”. Destinado a integrar a região à dinâmica econômica do país, tal

projeto visava extrair e comercializar as ricas jazidas de minério de ferro, além do

manganês, do cobre, do níquel, da bauxita, da cassiterita e do ouro da Amazônia

Oriental22. Para tanto, o governo iniciou a instalação da infraestrutura necessária,

como a construção de rodovias e ferrovias; de portos e aeroportos; de usinas

hidrelétricas (SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010).

No Maranhão, situado na área de abrangência do referido projeto, podem ser

elencados uma série de implementos estruturais ligados ao processo de

22

A área do projeto é uma das maiores e mais ricas em minerais do mundo, abrangendo terras dos

sudeste do Pará, norte do Tocantins e sudoeste do Maranhão.

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modernização da região. De acordo com Silva, Ribeiro Junior e Sant‟Ana Júnior

(2011), pode-se citar:

Estradas de rodagem cortando todo o território estadual e ligando-o ao

restante do país; a Estrada de Ferro Carajás, ligando a província mineral de

Carajás (sudeste do Pará) ao litoral maranhense; o Complexo Portuário de

São Luís, formado pelos Portos do Itaqui (dirigido pela Empresa

Maranhense de Administração Portuária), da Ponta da Madeira (de

propriedade da então Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale) e da

ALUMAR; oito usinas de processamento de ferro gusa nas margens da

Estradas de Ferro Carajás; uma grande indústria de alumina e alumínio

(ALUMAR, subsidiária da ALCOA) e bases para estocagem e

processamento industrial de minério de ferro (Vale) na Ilha do Maranhão;

um centro de lançamento de artefatos espaciais (Centro de Lançamento de

Alcântara – CLA); a Termelétrica do Porto do Itaqui (em construção);

projetos de monocultura agrícola (soja, sorgo, milho, eucalipto) no sul,

sudeste e leste do estado; bem como, mais recentemente, a construção da

Refinaria Premium da Petrobrás e a Usina Hidrelétrica do Estreito.

O espaço físico que recebeu as obras, apesar de ser então considerado pelos

planejadores governamentais como um “grande vazio demográfico” a ser

incorporado à lógica desenvolvimentista, era habitado por povos e grupos

tradicionais (SANT‟ANA JÚNIOR; GASPAR, 2007), o que originou uma situação de

conflito ambiental. Segundo Acselrad (2004, p. 26), este é entendido aqui como:

Aquele que envolve grupos sociais com modos diferenciados de

apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo

menos um dos grupos tem a continuidade de formas sociais de apropriação

do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis (…)

decorrentes do exercício das práticas de outros grupos.

No entendimento do Antonio Carlos Diegues, as chamadas populações tradicionais,

em geral, vivem em relativo isolamento,possuem pouco poder político, são

analfabetas23e não costumam ter títulos de propriedade da terra24, por isso são

facilmente desapropriadas sem que sejam realmente compensadas pela

expropriação do espaço que habitavam há gerações (DIEGUES, 2001).

23

Entre os moradores da Reserva do Taim, 8% não têm escolaridade; 9% possuem apenas a

escolaridade infantil; 8% completaram apenas o ensino fundamental; e 40% tem o fundamental incompleto. Os dados estão no Laudo sócio-econômico e biológico para criação da Reserva Extrativista do Taim. 24

Laís Mourão Sá (2007) expõe os termos “terra de santa” e “terra de dono”, referentes à organização histórica da propriedade de terras no Maranhão, sendo, originada ou do latifúndio tradicional ou das ordens religiosas.

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No Maranhão, de certa forma, as comunidades tradicionais enfrentam a mesma

história de usurpação de direitos25 e de desmantelamento dos povoados em

benefício dos grandes empreendimentos capitalistas.

Em 2004, quando se travava a discussão a respeito da criação do Polo Siderúrgico

de São Luís, uma deputada, discursando na tribuna da Assembléia Legislativa do

Estado do Maranhão, enfatizava que a instalação da Companhia Vale do Rio Doce

(atual Vale)26 havia provocado o desaparecimento de inúmeras comunidades, como

Boqueirão, Retorno, Irinema, Conceição, Vila Santo Antônio, que hoje jazem apenas

na lembrança dos antigos moradores.27

Naquele mesmo ano, o acesso ao mercado imobiliário em São Luís era permitido a

uma pequena parcela de aproximadamente 10% da população28, o que de certa

forma indica o risco de marginalização que se apresentava às comunidades que

habitam território entre o Porto do Itaqui e o Rio dos Cachorros, que seriam

deslocadas mais uma vez em nome do desenvolvimento. O polo siderúrgico deveria

ocupar inicialmente a área de 2.471,71 hectares. Para concretizar sua instalação,

deveriam ser deslocados cerca de 14.500 habitantes, estabelecidos em doze

povoados: Vila Maranhão, Cajueiro, Rio dos Cachorros, Taim, Porto Grande,

Limoeiro, Anandiba, São Benedito, Vila Conceição, Parnauaçu Madureira e Camboa

dos Frades.

Um observador desse processo histórico, iniciado no Maranhão a partir da década

de 1970 e ainda hoje inacabado, quando a imprensa começou a divulgar a

implantação do Polo Siderúrgico de São Luís, talvez calculasse que os citados

povoados estivessem próximos de se extinguirem. Contudo, a partir daquele

momento aumentou a resistência e a organização contra tal empreendimento. O

projeto esbarrou em forte oposição por parte de povos e grupos sociais tradicionais,

apoiados também por ambientalistas e por movimentos sociais.

O grito de resistência dos povoados camponeses começou a ecoar nos veículos de

comunicação e no debates políticos e acadêmicos – ambientes especificamente

25

Dois exemplos marcantes são a “lei de terras” de 1969, que colocou à venda as terras devolutas, em grande parte, ocupadas pelos camponeses; e, mais recentemente, em 2004, o projeto de mudança da “Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís”, que pretendia considerar como área industrial todo território almejado para a construção do polo siderúrgico (SANT‟ANA JÚNIOR; GASPAR, 2007; SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010). 26

1976 é o ano do Decreto nº 77.608 que outorgou a Vale a concessão para construção, uso e exploração da estrada de ferro entre Carajás, província mineral localizada no sudoeste do Pará e São Luís, capital do Maranhão (SILVA; RIBEIRO JUNIOR; SANT‟ANA JÚNIOR, 2011). 27

Discurso pronunciado, no dia 09 de junho de 2004 , na tribuna da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, pela deputada Helena Barros Heluy (PT). Acessível na página eletrônica da Assembleia Legislativa: http://www.al.ma.gov.br/helena/paginas/doc.php?cod=567. 28

Revista Caros Amigos, numero 158; p. 13. Entrevista com Ermínia Maricato, urbanista ex-Secretária Executiva do Ministério das Cidades; atuou na coordenação técnica da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, entre 2002 e 2005.

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urbanos. Mesmo que predominantemente a favor do polo siderúrgico, a imprensa

daquele período, as redes sociais e os arquivos da Assembleia Legislativa dão conta

da organização das comunidades tradicionais, tendo como maior resultado o

processo de implementação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, que inicialmente

abrangia as comunidades de Parnauaçu, Cajueiro, Porto Grande, Vila Maranhão,

Limoeiro, Rio dos Cahorros e Taim (SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010)

2 REPERCUSSÃO NOS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO

Os debates sobre a implantação do Polo Siderúrgico de São Luís (MA) deixaram

registrado (seja na mídia eletrônica, na imprensa escrita, no debate político, nas

ações do Ministério Público, nas leis e nas tentativas de alterá-las, e, enfim, na

memória coletiva dos povos e grupos tradicionais) grande volume de informações

referentes à organização e a resistência das comunidades tradicionais, bem como a

atuação dos grandes empreendimentos capitalistas no decorrer dos conflitos

socioambientais causados pelo desdobramento do “Projeto Grande Carajás”. Pelas

informações de veiculadas desde 2001, quando começaram a divulgar a escolha da

cidade de São Luís (MA) como futura sede do polo siderúrgico (SANT‟ANA JÚNIOR;

SILVA, 2010), podem-se fazer constatações preliminares.

As fontes estudadas apontam, de início, que os setores interessados na

implementação do Polo Siderúrgico começaram a se organizar, a estabelecer

contatos e a reunir forças em prol da realização do projeto. Nesse sentido, em 2003,

foi realizada uma palestra organizada29 pelo Sindicato da Indústria da Construção

Pesada do Estado do Maranhão (Sincopem), que convidou o gerente30 da Indústria,

Comércio e Turismo, Danilo Furtado, para discutir a execução dos trabalhos de

terraplanagem do Polo Siderúrgico. A reunião ocorreu no edifício da Federação das

Indústrias do Estado do Maranhão (FIEMA). Tudo indica que houve um número

elevado de reuniões como essa, já que, em apenas dois meses depois, a palestra se

repetiria, desta vez a convite do Sindicado da Indústria da Construção Civil

(Sinduscon-MA)31.

Na continuidade do processo, enquanto o então prefeito de São Luís (MA), Tadeu

Palácio, justificava, em 2004, o projeto de reformulação da Lei Zoneamento,

Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano do Município de São Luís –

MA(1992)32, afirmando que a área teria uma “vocação natural nitidamente industrial”

(SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010), os veículos de informação começavam a

divulgar notícias favoráveis a implantação do Polo. Representantes do governo e

29

http://www.genteenegocios.com.br/2003/09-11-2003/gente.htm 30

Equivalente a secretário estadual, naquele período. 31

http://www.genteenegocios.com.br/2004/25-01-2004/gente.htm 32

Já abordada neste trabalho, a referida lei impedia a construção do Polo Siderúrgico já que

considerava como Zona Rural a área almejada para sua implantação. O projeto de reformulação da lei pretendia transformar a mesma área em Zona Industrial.

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dos grandes empreendimentos, sempre munidos pela ajuda de técnicos do setor

industrial, destacavam o número de empregos, o desenvolvimento econômico, a

superação dos atrasos sociais e a melhoria da qualidade de vida que seriam

propiciados pelo empreendimento.

A ideia de “progresso” e de “superação dos atrasos” fica evidente em frases de

efeito que eram veiculadas juntamente com os dados de perspectiva econômica

previstos com a instalação do Polo Siderúrgico. O então governador, José Reinaldo

Tavares, afirmava no jornal “O Estado do Maranhão” que “A implantação do polo

siderúrgico será um importante fator de desenvolvimento regional que vai mudar o

perfil industrial do nosso estado”33. O então presidente da Federação das Indústrias

do Estado do Maranhão (Fiema), Jorge Machado Mendes, em uma matéria intitulada

de “Maranhão terá Polo Siderúrgico”, ia mais longe e considerava que “com a

construção da siderúrgica em São Luís, daremos um grande salto para nos

firmarmos no cenário nacional”34. Opondo o projeto que traria o “desenvolvimento”

para São Luís ao “atraso” vinculado aos povoados que habitavam o território, o

concessionário local da rede de TV SBT e, atualmente, Senador da República pelo

Maranhão, Edinho Lobão, afirmava que não se podia “perder um projeto de onze

bilhões de dólares por causa de meia dúzia de casas de taipa” (SANT‟ANA JÚNIOR;

SILVA, 2010).

Por essa época, a imprensa começava a divulgar cursos de preparação profissional

para as áreas de engenharia, construção civil, mecânica, metalúrgica,

eletroeletrônica e gestão e controle. A proposta seria capacitar mão-de-obra

maranhense para a realização do projeto. Em setembro de 2004, o “Jornal

Pequeno” anunciava a primeira iniciativa do município de São Luís em capacitar

trabalhadores locais tendo em vista a implantação do Polo Siderúrgico. Em parceria

com Serviço Nacional da Indústria (Senai), deu início ao curso de Eletricista Predial-

Industrial, ministrado a 15 voluntários35.

O número de 15 escolhidos ainda estaria um pouco longe da promessa feita cinco

dias depois pelo governo do Estado, e veiculada no mesmo jornal. Em iniciativa

conjunta com Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale), prefeitura de São Luís,

instituições de ensino de nível médio e superior, entidades de classe da indústria e

comércio, ONGs e empresas, o então governador José Reinaldo Tavares lançou o

Plano Estadual de Capacitação de Recursos Humanos para o Distrito Siderúrgico de

São Luís, que teria o objetivo de capacitar 15 mil profissionais maranhenses para

atender a demanda a ser gerada com a implantação do Polo Siderúrgico36, que,

33http://www.portosma.com.br/syngamar/noticias.php 34

http://www.senai.br/br/home/noticiadetalhe.aspx?id=641 35

http://www.jornalpequeno.com.br/2004/9/16/Pagina5102.htm 36

http://www.jornalpequeno.com.br/2004/9/21/Pagina5317.htm

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curiosamente, também demandava que número parecido de habitantes – cerca de

14,5 mil – fosse deslocado de suas terras para a concretização do projeto.

Parte da estratégia dos representantes do Estado e do grande capital era apontar

que o projeto seria a solução para livrar o Maranhão da condição de um dos estados

mais pobres, com um dos piores IDH do Brasil37. E os números lançados pelos

grandes empreendimentos eram altos. No jornal “O Estado do Maranhão”,

anunciavam 50 mil empregos diretos. A balança comercial maranhense teria um

incremento de 83% nos primeiros anos. A produção anual do polo siderúrgico

significaria um incremento de US$ 650 milhões para o estado38. Por isso, os

problemas sociais que poderiam ser engendrados com o deslocamento dos

povoados, inicialmente passaram despercebidos diante da perspectiva de

crescimento econômico anunciada com a criação do Polo Siderúrgico de São Luís.

Porém, a resistência dos povoados pertencentes à área pretendida para instalação

do projeto, começou a fazer-se sentir. A imprensa registrava os eventos ocorridos

naquele período – como em Audiências Públicas, em discursos na Assembléia

Legislativa, em manifestações sociais – com títulos bem sugestivos, tais como

“Lideranças de Porto Grande rejeitam polo siderúrgico”, “„Rio dos Cachorros‟ resiste

ao Polo Siderúrgico” e “Comunidade do Taim rejeita Polo Siderúrgico”39. A análise

destes registros nos permite fazer algumas considerações sobre a relação que os

representantes do grande capital e o Estado mantinham com os povoados

tradicionais, bem como a forma que estes organizavam para resistir à implantação

do referido Polo.

Emília Pereira, moradora de Porto Grande, demonstrando preocupação com a

implantação do projeto advertia:

Eles deveriam era criar projetos, empregos que tivessem renda para a

pobreza que temos aqui. Eu sou contra o polo porque não vai beneficiar as

nossas famílias. Vai é acabar. A atividade que tem aqui é pescador,

lavrador. Não tem uma estrutura formada para ir para outro lugar, mesmo

que tenha uma indenização (Jornal Pequeno, 2006, Edição 21.799).

A preocupação com o deslocamento do território fica bem evidente no depoimento

da senhora Flor de Liz Santana, de 70 anos, hoje moradora do Taim. Ela foi

remanejada para Vila Sarney nos anos 1980. O marido utilizou parte da indenização

para comprar um carro. Porém, como não sabiam dirigir, contrataram um motorista.

Com o tempo o carro estragou, o dinheiro acabou e eles tiveram que se mudar para

o Taim, onde foram acolhidos pelos moradores. Hoje viúva, dona Flor lamenta a

37

Atualmente o Maranhão, com IDH igual a 0,683, só fica a frente de Alagoas (0,677). 38

http://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/03/311298.shtml 39

Respectivamente em: http://www.jornalpequeno.com.br/2006/2/10/Pagina28598.htm; http://www.riosvivos.org.br/Noticia/+Rio+dos+Cachorros++resiste+ao+Polo+Siderurgico/7521;

http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Comunidade+do+Taim+rejeita+Polo+Siderurgico/8018.

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aventura e não recomenda a indenização para ninguém. “Cada qual pegou uma

mixaria, não deu para enriquecer, não deu para hoje em dia ter nada de lá”40.

Sant‟Ana Júnior e Silva (2010, p.166), analisando o mesmo relato, apontam que as

recordações daquela senhora remetem, por um lado, à insuficiência da indenização

e à inabilidade para lidar com dinheiro em um local com características e

necessidades diferentes das que a família estava acostumada a enfrentar; e, por

outro lado, deixam evidente que “a experiência de deslocamento dos povoados

vizinhos ajudou no processo de resistência ao empreendimento, pois, em geral, os

deslocados acentuavam a forma truculenta com que tiveram que deixar seus

povoados de origem”.

Truculência e injustiça, ainda hoje, parecem estar associadas à forma com que os

povoados tradicionais veem o processo de instalação dos grandes projetos de

desenvolvimento. Maria Máxima Pires, então com 46 anos, uma das lideranças de

Rio dos Cachorros, em uma entrevista a respeito da instalação do Polo Siderúrgico,

criticava a relação autoritária dos gestores do empreendimento com a comunidade.

Ela conta que em 2004, quando a Vale, a empresa Diagonal e o Governo do Estado

iniciaram o cadastro das famílias e o levantamento de bens, numerando das casas

eles “Invadiram as comunidades, informando que tinham até dezembro para limpar a

área. Os idosos e crianças ficaram apavorados”. Para amenizar o impacto, os

técnicos, em outra estratégica comum relacionada aos grandes projetos de

desenvolvimento no Maranhão, lançavam a promessa de que os moradores teriam

prioridade na inscrição para obter emprego no polo41.

Sant‟Ana Júnior e Silva (2010), em estudo sobre o povoado de Taim, apresentam

uma característica na relação entre os agentes do Estado e dos grandes

empreendimentos com as populações tradicionais. De acordo com eles:

Enquanto os Governos Municipal, Estadual e Federal e os grandes investidores veem os territórios como uma oportunidade de bons negócios, por apresentar uma logística formada pelo Complexo Portuário do Itaqui, estradas e ferrovia e por sua localização privilegiada, mais próxima dos centros de comércio norte-americanos e europeus; as populações locais os veem como o lugar em que “nasceram, cresceram, se criaram”, em que construíram uma história, em que mantêm relações de vizinhança, compadrio, amizade, e que lhes é provedor dos meios de sobrevivência obtidos com o trabalho na terra, no mar e nos rios, cuja mão-de-obra é mobilizada através de uma imbricada rede de solidariedade.

Esta contrariedade entre as formas de encarar o espaço físico cria duas formas

distintas de reivindicar um mesmo território. Como já vimos, para iniciar a instalação

do Polo Siderúrgico, seus promovedores, sempre apoiados em estatísticas e na

autoridade de especialistas, divulgavam o desenvolvimento econômico e a

40

http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Comunidade+do+Taim+rejeita+Polo+Siderurgico/8018 41

Idem.

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superação dos atrasos sociais que seriam propiciados pelo projeto. Já as

comunidades tradicionais, para resistir, ressaltavam seus vínculos com a terra, seus

laços afetivos, suas tradições e sua cultura.

Máxima Pires argumentava, depois de conturbada audiência pública42, que “todas as

decisões em torno do Polo Siderúrgico estão sendo tomadas sem que levem em

conta nossos laços afetivos”. A moradora do povoado de Rio dos Cachorros era

incisiva ao estabelecer os vínculos com a terra. “Nós chegamos ali antes da Vale do

Rio Doce, (...) não estamos dispostos a perder nossa identidade”, completava43.

No povoado de Porto Grande, outra moradora, dona Aldenora Cantanhede Gomes,

então com 63 anos, destacava os vínculos com o território ressaltando a cultura e as

tradições. “A cultura aqui é grande. Desde criança saía, as minhas tias botavam Reis

e eu continuei. Eu gosto muito daqui, é o meu lugar”44.

Em outra entrevista, as adolescentes Carla dos Santos Dias, Deusimar Martins e

Graciela Pires da Silva, ao passar pela trilha que liga Rio dos Cachorros ao Taim

diziam:“Esse caminho lembra muito a nossa infância, as brincadeiras e as lendas da

nossa cultura”. Elas passavam pela gruta de pedra erguida no meio da mata onde a

população celebra “Nossa Senhora da Conceição”, uma das tradições festivas do

calendário religioso da zona rural de São Luís45.

Os “caminhos da infância”, as “lendas” e as “tradições culturais” ajudavam que os

povoados tradicionais estabelecessem uma memória coletiva a respeito das origens

do território, reforçando ainda mais os laços afetivos e a solidariedade do grupo.

Outra moradora entrevistada do povoado de Rios dos Cachorros, Rosilda Vera

Gomes, então com 64, contava como o povoado havia recebido o nome.Uma família

que morava na beira do porto havia se mudado, deixando lá só os cachorros.

Quando os pescadores iam embarcar os cães latiam e avançavam. “Então ficou

assim, sair para pescar era no rio dos cachorros”. A moradora ainda contava que até

foi mordida por um deles quando criança46.

3 DEBATE NAS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS

As Audiências Públicas em que se discutiam a implantação do Polo Siderúrgico

colocaram frente a frente, para o debate político, os dois lados em conflito: os

representantes do Estado e do grande capital, que buscavam a realização do

empreendimento, e os grupos sociais tradicionais, ambientalistas, movimentos

42 Após Audiência pública realizada no final de maio de 2005, o empresário Edinho Lobão Filho havia declarado na TV Difusora que os participantes das comunidades tradicionais eram baderneiros. 43

http://www.al.ma.gov.br/helena/paginas/doc.php?cod=839 44

http://www.jornalpequeno.com.br/2006/2/10/Pagina28598.htm 45

http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Comunidade+do+Taim+rejeita+Polo+Siderurgico/8018 46

http://www.riosvivos.org.br/Noticia/+Rio+dos+Cachorros++resiste+ao+Polo+Siderurgico/7521

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sociais, professores e estudantes universitários e representantes políticos, contrários

ao projeto. Estes registros nos permitem fazer algumas considerações a respeito

das estratégias de debate, do poder político concentrado nos dois lados em questão

e também a respeito da forma com que os conflitantes compreendiam a outra parte.

Por um lado, pode-se observar pelas fontes da imprensa que os representantes dos

povoados haviam se organizado e passaram a passaram a marcar presença em

todas as audiências. O advogado Guilherme Zagallo, um dos coordenadores do

Reage São Luís47, em entrevista cedida para o Jornal Pequeno, em fevereiro de

2006, explicava que “Pelo menos 16 entidades e grupos de 50 ou mais cidadãos

solicitaram a realização de audiências. Estamos nos preparando através de oficinas

para fomentar a participação das pessoas e entidades nas audiências”48.

Uma das acusações dos moradores dos povoados, que faz alusão à concentração

de poder político nos dois lados conflitantes, era a de que os representantes

favoráveis aos grandes empreendimentos abandonavam as audiências tão logo

terminavam suas falas, sem escutar, assim, a fala da outra parte. De certa forma,

esse modo de agir equivale à forma como defensores do projeto enxergavam o

território a ser implantado o Polo Siderúrgico, considerado como um “grande vazio

demográfico”. Também explica as generalizações que se fizeram à grande

variedade grupos sociais tradicionais que habitam o território, considerados como

“meia dúzia de casas de taipa”. E ainda responde por que quase 15 mil habitantes

pareciam não existir nas matérias da imprensa sobre o Polo Siderúrgico, mesmo nas

que se referiam aos riscos que o projeto traria aos maranhenses.

No episódio em que o Empresário Edson Lobão Filho, depois de se retirar da

Audiência, referiu-se aos povoados como “baderneiros”, Maria Máxima Pires, insistia

em declarar que os representantes dos povoados eram a maioria. Dizia: “Viemos à

Audiência Pública nos defender, (…) e como sempre fomos a grande maioria” ou “O

empresário Edson Lobão Filho não se manifestou porque não permaneceu até o fim

da Audiência. Não há, portanto, o que justifique ele ter ido à televisão nos chamar de

baderneiros e de minoria. Nós somos a maioria”49. A ação da liderança do povoado

de Rio dos Cachorros nos permite uma consideração acerca das relações de poder

que ali se descortinavam. Embora o poder político esteja vinculado ao poder

econômico e este tenda a direcionar as questões políticas50, para os moradores dos

47

Rede que reúne entidades de organização da sociedade civil maranhense que surgiu envolvida nas discussões acerca da implantação do polo siderúrgico em São Luís, no ano de 2004 (SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010) 48

http://www.jornalpequeno.com.br/2006/2/10/Pagina28598.htm 49

http://www.al.ma.gov.br/helena/paginas/doc.php?cod=839. 50

Há um debate historiográfico acirrado sobre se o “poder político” está ou não associado ao “poder

econômico”. Cita-se, de um lado, Raymundo Faoro, que, em “Donos do Poder”, defende que as elites políticas estão dissociadas das “elites econômicas” e, de outro lado, cita-se Richard Graham, que defendendo uma tradição historiográfica iniciada no Brasil por Caio Prado Junior, afirma que as “elites

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povoados presentes naquela audiência, deveria valer a lógica democrática de que a

maioria é que prevalece sobre as questões políticas. A maioria numérica, na visão

dos camponeses, era prova de que suas reivindicações eram justas51.

4 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

A presença e a atuação do Ministério Público Federal (MPF) também foram

constantes nos registros da imprensa. Parte fundamental desta pesquisa consiste

em acompanhar e registrar estas informações, bem como reunir em um banco de

dados as Ações Civis Públicas movidas por esta instituição. A parte final deste

relatório consistirá em elencar uma série de constatações acerca se seu

funcionamento.

Cabe, ao Ministério Público Federal, “enquanto um agente de transformação a

serviço da cidadania, dos interesses sociais e da democracia”, tomar as

providências necessárias para que se cumpra a lei quando um grupo de pessoas, a

comunidade ou a própria sociedade se sente lesada em algum de seus direitos52.

Como o caso aqui estudado trata-se de conflitos socioambientais, é preciso

compreender os procedimentos necessários até que a informação sobre uma

situação de conflito chegue ao Ministério, seja investigada e, depois de constatada a

pertinência da denúncia, seja aberta uma Ação Civil Pública53.

As denúncias contra os impactos socioambientais, advindos de desmatamento,

invasão de reservas, poluição do meio ambiente, conflitos por território, que chegam

ao Ministério Público Federal (MPF) podem vir por três vias:

• Denuncia anônima, que geralmente vem de cidadãos em sua individualidade;

• Representações formais, de indivíduos ou de instituições;

• Própria ação do Ministério Público.

Destaca-se de início que as “representações formais”54 têm enorme valor para os

estudos de conflitos socioambientais. O interesse nesta categoria de denúncias se

dá porque dela se pode visualizar, nos espaços de conflito, a maneira com que os

povoados, suas lideranças e demais grupos interessados estão se organizando.

econômicas” se confundiam com as “elites políticas”, prevalecendo os interesses da primeira (GRAHAM, 1997). 51

A distância temporal daquele evento nos permite ressaltar o quanto à organização foi e é importante para os povoados que habitam a área pretendida para construção do Polo Siderúrgico de São Luís em todo processo de resistência à implantação do projeto. 52

http://www.mp.ma.gov.br/site/institucional/sobre.jsp 53

De acordo com a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, a Ação Civil Pública tem por objetivo reprimir ou mesmo prevenir danos ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio público, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e turístico, por infração da ordem econômica e da economia popular, ou à ordem urbanística. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347orig.htm. 54

Segundo informações preliminares as “representações formais” de indivíduos não costumam

ocorrer, sendo o maior número delas efetuadas por instituições.

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A terceira via, advinda da ação do MPF, também suscita muito interesse e pode

originar-se, por exemplo, nos casos em que o Poder Público resolve investigar

alguma possível irregularidade que lhe chega pelos veículos de comunicação, o que,

de certa forma, completa os estudos sobre a anterior, pois faz menção à

organização dos povoados em área de conflito, até porque, neste caso, o fato não

viraria notícia se não fosse a resistência dos grupos sociais atingidos. As denúncias

efetuadas através da imprensa são importantes também porque permitem fechar

lacunas com o registro de informações retiradas no “calor do momento” e que depois

poderiam ser perdidas na oralidade dos agentes envolvidos.

As denúncias que chegam ao MPF passam primeiramente pela Procuradoria

Regional dos Direitos do Cidadão55. É feita uma triagem e no caso em que as

denúncias não dizem respeito ao âmbito federal, são enviadas para os órgãos

competentes. Se acontecer, por exemplo, que a denúncia faça referência a uma

questão do Estado, neste caso, será feito um acompanhamento para o Ministério

Público Estadual.

Passado o processo de triagem, é efetuada uma investigação preliminar para se

apurar o caso denunciado. Para isso, os demais órgãos são acionados. Se for

constatada pertinência da denúncia o próximo passo será a abertura do inquérito, e

aqui o processo também pode tomar um de três destinos.

O primeiro é o arquivamento. Este acontece por vários motivos: quando a denúncia

não corresponde; quando não existe dano ambiental de fato; quando o dano é

incerto; quando o causador não é encontrado; quando a causa do dano já foi

resolvida.

O segundo é o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Este ocorre quando o

infrator reconhece o dano ambiental que causou e se compromete em corrigi-lo. O

não cumprimento leva ao acionamento da Justiça.

O terceiro é a Ação Civil Pública. Esta se dá quando o acusado não reconhece os

danos ambientais, mesmo depois de evidenciados. A partir daí o processo passa a

ocorrer na Justiça, podendo levar a absolvição do réu ou a sua punição.

55

De acordo com a Lei complementar Federal n° 75/93, o Procurador dos Direitos do Cidadão agirá de ofício ou mediante representação de qualquer pessoa ou organização da sociedade civil, e poderá, dentre outras medidas, promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos constitucionais da pessoa;requisitar informações e documentos a entidades públicas e privadas; e realizar inspeções e diligências investigatórias.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp75.htm.

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5 CONCLUSÕES

Este trabalho, embora ainda parcialmente completado e necessitando de mais

estudos, nos permite fazer algumas considerações, que mesmo não sendo de

caráter definitivo, abrem amplo espaço à continuidade da pesquisa. Meus primeiros

contatos com o Ministério Público Federal56 e com a pesquisa sobre os conflitos

socioambientais me proporcionaram impressões, indagações e, de certa forma,

constatações que, mesmo incompletas, serão abordadas aqui em forma de

conclusões.

O caminho que vai da denúncia até uma Ação Civil Pública pode se tornar tortuoso e

demorado. Quando, por exemplo, o MPF aciona os demais órgãos para averiguar

uma denúncia, pode ocorrer um entrave na investigação, devido à deficiência dos

demais órgãos ambientais. Assinala-se ainda, neste caso, que o próprio Ministério

Público, pela falta de especialistas para atender a demanda do estado, também

encontra dificuldades para dar suporte técnico às investigações.

Por um lado, a demora em averiguar as denúncias pode gerar na população a ideia

de inoperância e também certa desconfiança no poder público, refletida no pouco

número de representações formais por parte dos cidadãos que acabam

considerando as denúncias um esforço vão. Por outro, assinala-se que a falta de

interesse da sociedade civil, que não controla as instituições públicas e desconhece

as instâncias necessárias para se efetuar uma denúncia no MPF, alimenta um

círculo vicioso que vai dar novamente na inoperância do serviço público. Esta

situação colabora com a criação do fato de que as denúncias tendam a chegar com

mais facilidade pelos veículos da imprensa.

As constatações são ainda preliminares, mas nos permitem, no entanto, ressaltar

que quando as denúncias sobre conflitos socioambientais chegam ao Ministério,

muitas vezes, vêm por outros caminhos. Por exemplo, trazida por um conhecido de

algum funcionário. Desta forma, uma ação pode acabar sendo tratada no âmbito

individual, quando deveria ser coletivizada.

À primeira vista, esta prática pode ser analisada negativamente. Pular as instâncias

necessárias para se efetuar uma denúncia, ao mesmo tempo em que colabora com

o enfraquecimento do poder público, pode tornar o denunciante refém daquele que

se encarregou de levar a denúncia para frente.

Mas a situação é mais complexa e embora a população urbana e industrial tenda a

considerá-la como um obstáculo ao bom funcionamento do Estado, vista pela lógica

dos povos e grupos tradicionais, cujas relações sociais se dão no âmbito da família

56

Visita ao Ministério Público Federal, 12 de dezembro de 2011.

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(SÁ, 2007) pedir que um “conhecido de algum funcionário” leve a denúncia é o

caminho mais esperado, mais confiável e, talvez, o único conhecido.

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providências. Brasília, 1985. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso

em: 02/02/12.

BRASIL. Lei Complementar Federal nº 75, de 20 de Maio De 1993 Dispõe sobre a

organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União. Brasília,

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6 REFORMA AGRÁRIA NO NORDESTE: UM ESBOÇO DE DESENVOLVIMENTO

Jane Cavalcante Rodrigues57

RESUMO

Nesse artigo procura-se analisar historicamente as intervenções do Estado na economia, no sentido de solucionar os problemas estruturais a que esteve submetida à sociedade brasileira desde o final do século XIX, conferindo ênfase à região nordeste e os planejamentos ao qual esta região foi objetivo. O projeto de colonização do Alto Turi de um modelo experimental de assentamentos rurais planejados, projeto desenvolvido pela SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) no início da década de sessenta no noroeste do estado do Maranhão. As razões centrais que motivaram a colonização dos vales úmidos maranhenses através de financiamento do deslocamento de famílias no sertão nordestino, foi principalmente a grave crise social que afligia a população empobrecida do semi-árido nordestino que arrasada pelos ciclos sazonais da secas passaram a questionar o acesso a propriedade da terra que historicamente esteve concentrada nas mãos de uma pequena elite latifundiária, surgiram então às primeiras organizações camponesas de resistência, e temendo rebeliões o Estado promove este deslocamento institucional. A outra razão para justificar a primeira foi à expansão da fronteira agrícola para o norte, última linha de fronteira florestal do país, também chamada de vazios demográficos e desta concepção, surge à justificativa secundária de integração nacional, assim como de reforma agrária. Utilizou-se o método dialético, uma vez que o mesmo ofereceu elementos consistentes para o trato da questão central da pesquisa: a questão agrária, baseando-se em um das leis fundamentais desse método que é a interpenetração dos contrários, contradição ou luta dos contrários, porquanto o que se busca não é apenas negar as experiências e práticas dos sujeitos, mas o exercício de ler nos conflitos das práticas analisadas no espaço geográfico estudado, sinais de inovação e transformação e suas conseqüências. A metodologia utilizada na pesquisa foi leitura de vasta bibliografia, análises de dados secundários disponibilizados pela Da pesquisa conclui- se que o modelo experimental implantado Na região do Alto Turi não foi bem sucedido, mas que o investimento em educação e a organização da agricultura familiar são as melhores formas de superação da pobreza rural.

Palavras-chave: Reforma agrária. Desenvolvimento. Colonização rural.

57 Licenciada em Geografia /Universidade Estadual do Maranhão e aluna especial do Mestrado

Desenvolvimento Socioespacial e Regional - UEMA, São Luis, MA.

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1. INTRODUÇÃO

Entre as funções da ciência geográfica uma merece destaque: “a de fornecer

instrumentos conceituais para a leitura e interpretação da realidade a partir das

relações estabelecidas em sociedade e suas conseqüências no meio natural”

(MAGNOLI, 2000, p.5). O processo de ocupação de “vazios demográficos” requer

planejamento e este deve contemplar não apenas questões básicas de infra-

estrutura, mas também os aspectos humanos, mais especificamente os aspectos

culturais dos beneficiados desta ação. Quando tais aspectos não são considerados,

incorre-se em erros graves, onde a história da ocupação do território brasileiro é

repleta de exemplos.

Desde o final do século XIX, data da primeira grande seca registrada que sofreu o

nordeste, que o maranhão e a Amazônia constituem-se em região receptora de

contingentes populacionais (retirantes), muitas vezes financiadas pelos governos

estaduais, pois o Estado brasileiro na tentativa de redução dos conflitos de terra que

ocorriam em decorrência da problemática agrária, vê nesta transferência uma

alternativa de diminuição das tensões no campo nordestino, além de disponibilizar

uma grande oferta de mão-de-obra para a extração da borracha na Amazônia.

Esses deslocamentos ocorreram durante as primeiras décadas do século XX, mas

foram intensificadas nas décadas de 40 e 50, pois à medida que a pobreza e a falta

de perspectivas cresciam, cresciam também os deslocamentos.

O Brasil, funcionando como colônia de exploração de um país europeu, é construído

e vai se definindo e redefinindo a partir das relações de produção estabelecidas com

o mercado internacional. O país assume o papel de fornecedor de matéria-prima para

atender o mercado internacional, onde o Estado executa as demandas do mercado e

todo o esforço empreendido aqui efetivamente é para não falhar na função que lhe

cabe nas relações comerciais externas. Assim, o papel do Estado e as configurações

que ele assumiu historicamente expressam sua composição ao longo da história

brasileira. Esta dinâmica é traduzida numa espécie de divisão internacional do

trabalho, muito bem caracterizada nos ditames rígidos estabelecidos entre metrópole

e colônia de exploração nos pactos coloniais.

2. DESENVOLVIMENTO

O Estado nacional brasileiro, através das intervenções que promoveu em alguns

períodos de sua história, no sentido de solucionar os problemas emergentes do país,

não atingiu seus objetivos, ou seja, não conseguiu erradicar as desigualdades sociais

a que está submetida historicamente à sociedade brasileira, como o acesso à

propriedade da terra, ao emprego, à educação de qualidade enfim, a melhoria da

qualidade de vida. Na primeira metade do século XX ocorreram mudanças

importantes no sentido de pensar o Brasil para os brasileiros, um conjunto de forças

da sociedade convergia para a construção de um projeto nacional pautado no

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desenvolvimento, e dentre os fundamentos teóricos deste projeto de nação constava

à reforma agrária.

Os estudiosos Celso Furtado e Manoel Correia de Andradeconsideravam que mesmo

tardia, a reforma agrária promoveria um “ajuste” nas disparidades sócio-econômicas

do Brasil e prepararia o país para o desenvolvimento das forças do capitalismo, ou

seja, garantiria as condições básicas para a implantação do parque industrial

brasileiro.

Considera-se, que mesmo a contra gosto, as elites agrárias tenham promovido um

ajustamento na distribuição do uso e posse da terra nos estados do sul e sudeste

entre o final do século XIX e as três primeiras décadas do século XX mediante a

presença maciça de imigrantes europeus, que ocuparam estas áreas na condição de

complemento da mão – de – obra necessária para a lavoura principalmente do café.

Portanto, o período da história do Brasil, que vai de 1945, final da segunda guerra,

até o início da década de sessenta (1964) é peculiar.

Primeiro por tratar-se de uma convergência inusitada entre os interesses da

burguesia e as intenções de uma elite intelectual que encontrou eco nas

organizações sociais de base do nordeste, onde a região sudeste em franco

processo de industrialização objetivava acelerar a produção de bens com apoio

majoritário do Estado, e depois, por mais que se reconheça que o Estado na sua

essência é quem viabiliza os mecanismos de acumulação de capital para a

burguesia, merece destaque que na aparência a culminância de fatores como a

tentativa de diversificação do modelo exportador brasileiro,assim como toda a

efervescência social e cultural,caracterizou a década de sessenta como períodos de

políticas abrangentes no que tange a questão social.

Até para a consolidação das instituições era imprescindível à época do início da

república, a viabilização de infra-estruturas que garantissem o desenvolvimento do

país. Nesta análise é pertinente apresentar a caracterização feita por Benjamin

(1998, p.26) da perspectiva econômica brasileira.

Depois de 1930 com a opção desenvolvimentista o Brasil chegou a sentir-se

portador de um projeto, pois logrou forjar com certeza uma imagem do seu passado

(base produtiva agrícola, população rural, território fragmentado) e, simetricamente,

uma imagem do seu futuro (base produtiva industrial, população urbana e território

integrado). A contraface desse desenvolvimento nós também conhecemos, ele

manteve-se preso aos limites definidos por aquelas modernizações conservadoras,

recorrentes no Brasil que o mais das vezes mudam para manter.

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Assim, na fase desenvolvimentista da economia, o Estado foi profundamente

conservador nas relações sociais, especialmente no que diz respeito às populações

rurais que permaneceram majoritárias até meados da década de 60.

Furtado (1984) relata que o aprofundamento das desigualdades regionais do país

tinha sua expressão mais flagrante no empobrecimento do nordeste. Portanto, o

crescimento do parque industrial brasileiro e a realização das metas do governo

perpassavam pela resolução da problemática nordestina. Com esta perspectiva foi

instituída a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) criada

pela lei n° 3.692/59 do Congresso Nacional, que tinha o objetivo de promover e

coordenar o desenvolvimento da região.

Um dos seus programas, o Projeto de Povoamento do Maranhão (PPM),

compreendeu a transferência de famílias flageladas pela seca para o noroeste

maranhense, com o objetivo de “absorver parte dos excedentes populacionais do

Nordeste em zonas produtoras de alimentos fora da zona semi-árida, ampliando a

fronteira agrícola da região” (SUDENE, 1969 apud SILVA, 1993). A abertura de

novas áreas para agricultura foi à solução encontrada pela SUDENE para o

problema agrário, uma vez que era muito alta a pressão demográfica, fator de

geração de muitos conflitos.

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Neste contexto, realizou-se na década de sessenta a colonização das áreas

qualificadas como vazios demográficos, na tentativa de promover uma política de

Estado pautado na integração nacional. O projeto piloto de colonização foi

implantado em 1962 na região do Alto Turi, com o nome de Projeto de Colonização

do Alto Turi (PCAT). Este projeto teve como principais acionistas a SUDENE, o

Banco do Nordeste e o Governo do Estado do Maranhão, sendo que este último

participou através da incorporação das terras devolutas, necessárias ao

desenvolvimento do projeto (TROVÃO, 1989). A incorporação de terras devolutas

deu-se a partir de 1972, quando foram entregues 939.000 ha. de terras cortados

pela BR-316. Neste mesmo ano a administração do projeto é transferida da

SUDENE para a Companhiade Colonização do Nordeste (COLONE). E o PCAT foi

dividido em três subáreas e implantado em etapas:

• SUB-ÁREA I: Denominada “área velha ‟‟ou “área de Zé Doca” ocupando

uma área de 240.000ha.

• SUB-ÁREA II: Denominada “área nova”, “área de Nova Olinda”ou do Alto

Turi, ocupando um espaço físico de 250.000 ha.

• SUB-ÁREA III: Denominada “área de expansão” com 450.000 há.

Numa tentativa de fugir do lugar comum do fatoriado cumprimento das etapas do

desenvolvimento apresentadas por (ROSTOW, 1959) sem considerar as condições

específicas de cada país, e principalmente na tentativa de considerar o

desenvolvimento como um processo social, o ponto de partida para um possível

entendimento das desigualdades regionais brasileiras é situada inicialmente na obra

de Gonzalez O que é Subdesenvolvimento (1980). Porque este autor começa por

diferenciar os termos dependência e subdesenvolvimento, de uma maneira simples,

mas elucidativa. Segundo ele, esta palavra foi muito comum nos gabinetes de

políticos da na década de cinqüenta, já foi moda e continua sendo no campo

informal.

Subdesenvolvimento tinha um conceito na década de 50 e meados de 60. Mas,

recebe muitas criticas no final desta década, e passa a ser alvo de inúmeras

tentativas de substituição, com justificativa de novos termos mais apurados, e neste

contexto a palavra “dependência” assume um caráter científico. No entanto, segundo

Gonzalez (1980) “apesar dos estigmas que se colocaram o subdesenvolvimento,

conserva conteúdos muito vivos e estimulantes que o conceito dependência parece

por vezes perder”. Superando a problemática conceitual, estes impasses servem,

sobretudo para caracterizar o contexto histórico em que Celso Furtado apresenta

sua teoria econômica sobre desenvolvimento, apontando as causas do

subdesenvolvimento.

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E no bojo destes acontecimentos e de toda euforia vivenciada no Brasil e na

América Latina fruto do momento áureo do sistema capitalista nos anos cinqüenta,

Furtado apresenta suas idéias para superação do atraso a que estava submetida à

região nordeste. A criação de uma agência desenvolvimentista para a região

nordeste apresenta-se como a materialização de um pensamento, mais que isso, de

uma teoria de dependência, assim chamada onde são lançadas bases para explicar

a razão de atraso de uma região em relação a outras.

Não existe correspondência entre crescimento econômico e desenvolvimento na evolução recente da região nordeste, se uma vez que nos damos conta de que o desenvolvimento não é apenas um processo de acumulação e de aumento de produtividade econômica, mas principalmente uma via de acesso às formas sociais mais aptas para estimular a criatividade humana e para responder às aspirações de uma coletividade, e comprovamos assim com facilidade que um de seus aspectos fundamentais reside na conformação que assume o setor agrário (FURTADO, 1984, p.11).

Embora, ele afirme que os principais aspectos da crise econômica estejam

assentados no setor agrário ele não inclui ou defende e nem ao menos questiona

em sua proposta de elaboração da SUDENE o uso e posse da terra, logo a

propriedade permanece intocada em praticamente todo o Nordeste, esse hoje é um

consenso nas literaturas que se ocupam desta questão, pelo menos a maioria e esta

é talvez a maior crítica que ele também receba. Dentre seus críticos (PRADO JR.

1979) aponta que há um desvio do tema central, seja por parte de intelectuais seja

por parte dos governos no trato daproblemática agrária, onde na maioria das vezes

situa o problema na agricultura, ou seja, na forma de produzir, nas ferramentas

tecnológicas, nos financiamentos etc. Sendo estes para este autor classificados

como assuntos segunda ordem:

Relegando-se a um plano secundário, e posição de simples efeito de uma deficiente política de amparo à agricultura, as condições de vida da população rural e a maneira com que é dado à maioria esmagadora dessa população utilizar a terra (PRADO JR.1979: p.19). (...) Os problemas agrários são aí propostos em termos de que se excluem inteiramente as questões relativas ao próprio em que assentam as atividades agrícolas e pastoris, a saber, a terra e a sua apropriação. Repete-se aí e desta vez com na palavra de uma economista do porte do senhor Celso Furtado, o grave erro de confundir os diferentes setores, categorias e classes sociais diretamente ligadas às atividades agrárias, no conceito genérico de agropecuária. Ora os problemas agrários, como quaisquer outros problemas sociais e econômicos, são antes de tudo humanos (PRADO JR., 1979, p.20).

O projeto aplicado no Nordeste funcionava através de planos diretores e dentre eles

tinha a irrigação de várias áreas no sertão nordestino, Problematizando este ponto

concluímos que se os fazendeiros continuaram de posse das melhores terras, uma

vez que a maneira que eles a adquiriram não foi questionada e os mesmos não

foram obrigados a comprovar tal aquisição e, se foram, é sabido que muitos

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cartórios especializaram-se no Brasil na lavra de documentos falsos, é plausível

afirmar que tal medida governamental ao invés de beneficiar quem realmente estava

precisando só veio nestes casos a fortalecer o domínio da terra e poder dos

fazendeiros, conhecidos como coronéis. A construção de açudes é outro exemplo de

desvio de função dos planos, mesmo muitos sendo de domínio público eram

explorados pelos prefeitos que coincidentemente eram grandes proprietários de

terras. Para Prado Jr. (1979):

O real desenvolvimento passa pela reforma agrária e esta deve representar um grande e natural passo no processo em que se encontra engajado a evolução do País... Processo esse que vem a ser a superação dos remanescentes ainda presentes e atuantes. Latifúndio, superação do modelo de apropriação de mão-de-obra. Logo, relações e condições em geral da produção e trabalho rural. Portanto, para ter sentido em profundidade, o modelo de desenvolvimento consistirá na superação das atuais situações sócio-econômicas, herdadas do passado, e, sobretudo e em particular, as estruturas agrárias que mantém um aparte considerável da população - refletindo-se daí, mais ou menos acentuadamente no conjunto da nação - em miseráveis condições de vida, materiais, culturais, sociais - enfim, humanas Prado Jr. (1979, p.13).

Ainda sob efeito do entusiasmo econômico da década de cinqüenta, da pressão

social, da corrente pró-desenvolvimento e da perspectiva da nova agência que

surgiu no final da década de ouro no Estado brasileiro, uma espécie de euforia e

esperança foi transferida a outros segmentos da sociedade que passou a acreditar

na real possibilidade da diminuição das desigualdades sócio-econômicas entre

sudeste e nordeste. No entanto, é sabido que o golpe militar veio reduzir a

plataforma social que compunha as diretrizes da SUDENE. Mas, a esta altura é

sabido também, que em sua concepção esta superintendência não, privilegiou a

questão agrária em seus compêndios, elemento inerente ao desenvolvimento

idealizado para o Brasil, à luz dos exemplos de outros países que na tentativa de

formar um mercado consumidor consistente promoveram ajustes ou reformas

caracterizados primeiramente e em muitos casos tardiamente, pela reforma agrária.

Aqui residem as principais críticas proferidas ao economista Celso Furtado, no que

concerne a criação da SUDENE muito embora, se reconheça à sua importância

enquanto teórico não só em escala nacional, mas, sobretudo o seu papel de

vanguarda na economia da América Latina. Era necessário deixar que as forças do

capitalismo promovessem tal ajuste, essa era uma máxima difundida enquanto

princípio básico desse sistema, reduzindo assim o papel do Estado enquanto

possível interventor da economia. Magnoli (2000, p.305) relata:

Sob a SUDENE, o nordeste emergiu como região industrial periférica, conectada aos capitais sediados no sudeste [...]. Do ponto de vista geográfico, a SUDENE norteou-se pela teoria dos pólos de desenvolvimento que norteou as discussões sobre o planejamento no pós-guerra. A tese básica consistia na crença de que o desenvolvimento regional podia ser induzido por meio da implantação de estruturas produtivas modernas em

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um ponto determinado do espaço geográfico. As tecnologias e as riquezas geradas nesse ponto iriam difundir-se por todo o entorno, forçando a modificação do arcabouço econômico da região.

A premissa do Estado mínimo é histórica, talvez porque esteja na essência do

sistema capitalista, onde o mercado enquanto condutor dos processos econômicos

fará os ajustes necessários, mas é sabido também que o mercado não dá conta de

promover justiça social, uma vez que a lógica deste sistema é basicamente a

acumulação de capital e a circulação livre deste pelo território, no entanto, para

haver a circulação de capital um mercado consumidor mínimo é necessário. Mas,

para que estes ajustes aconteçam, concessões às classes camponesa e operária

precisam ser feitas, e quem promoverá tais concessões é o Estado, que neste país é

concebido como democrático e de direito, portanto, a propriedade privada é

intocável, inviolável. Pelo menos este tem sido o argumento utilizado pelos

protetores da propriedade. Aqui se instalam as contradições, que embaraçam e

geram dúvidas, porém, considerando que contradição e capitalismo se

complementam fica mais fácil, um entendimento, uma mediação.

O Estado é gerido por governos que outrora foram escolhidos em tese, pelo povo. E

fora eleito pelo povo justamente para representá-lo e defender os seus direitos,

como dito antes: em tese. Porque os governantes antes de assumir o compromisso

com a sociedade precisam selar acordos com os grupos que representam o

mercado. Por exemplo, os compromissos assumidos entre os empresários do Sul,

Sudeste (classe industrial) na década de 60 e com os usineiros e pecuaristas enfim,

das chamadas elites agrárias ou latifundiárias, este é um dos malabarismos que o

governo tem que fazer antes de começar sua gestão. Já as desigualdades no

território brasileiro estavam tão acentuadas, fruto de problemas que vinham se

reproduzindo historicamente, que o Estado não tinha outra saída a não ser intervir

na economia.

Logo, no sentido figurado, ousar deixar a condição de Estado mínimo para assumir

pelo menos na aparência o papel de “intermediário”, uma vez que não pudera ao

menos sonhar com a possibilidade de ser Estado “máximo” para não contradizer

mais ainda o sistema econômico vigente. Mas, o Estado só cometeu tal ousadia por

que o mercado não só permitiu, como solicitou, exigiu por melhor dizer, como fizera

no final do século XIX, quando praticamente obrigou o governo imperial a abolir a

escravidão, pois era emergencial a formação de um mercado consumidor na antiga

colônia portuguesa.

“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionarem-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os

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espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar e nessa linguagem emprestada”. (Marx, 1885, p.19).

E a semelhança de comportamento entre as elites do Brasil imperial e as elites do

dito Brasil republicano, tido como “moderno”, chega a ser univitelina, monozigótico,

talvez fruto de uma eficiente hereditariedade, pois consta nos livros de história, que

as elites da época mais homogêneas é verdade, relutaram até o último momento em

conceder a “liberdade” aos escravos, e como numa espécie de discipulado as teses

de Maquiavel, foram fazendo o “bem” aos poucos, “primeiro a Lei Euzébio de

Queiroz que, pois fim ao tráfico de escravos assinada em 1850, lei ventre livre (Lei

do Rio Branco, em 1871), seguida da lei dos sexagenários (Lei Saraiva - Cotegipe

em 1875 ) e por fim e aos solavancos, a Lei Áurea em 1888 (MOCELLIN,1997,

p.61).

Agora, com as diferenças regionais mais acentuadas, caracterizadas em elite

industrial brasileira “moderna” e elite nordestina “arcaica” como se fossem pólos

contrários de um campo magnético, com interesses opostos, e posturas adversárias,

era inevitável mais uma intervenção externa.

Mas, essa crise estabelecida entre esta classe se configura apenas na aparência,

pois quando as primeiras concessões foram promovidas pelo Estado, em favor da

classe trabalhadora na tentativa de manter sob controle os revoltosos que se

rebelavam justamente diante das primeiras crises do século XX,os governos

chegaram até a serem confundidos com governos comunistas, muito embora não

passando de meros populistas. Furtado (1984) afirma:

Com a criação da SUDENE, a participação do Nordeste no setor industrial saltou de 1,6 para 6% em pouco tempo e os estados da Bahia e Pernambuco, onde foram implantados grandes projetos de irrigação pela SUDENE, compreendem hoje a região mais rica do Nordeste. Entretanto, embora a SUDENE tenha mudado o destino de algumas regiões para melhor, a questão social não foi devidamente enfrentada. FURTADO (1984, p.06).

E a classificação da elite brasileira como conservadora, é resultado justamente da

análise de seu comportamento ao longo história, a exemplo do que fora apresentado

e discutido nesta pesquisa. Sendo no adiamento da reforma agrária, nas

oportunidades que surgiram ao longo do tempo, seja no adiamento da abolição da

escravidão como os documentos históricos comprovam, seja nas pequenas

concessões trabalhistas empreendidas por Getúlio Vargas, seja na ruptura de talvez

o melhor momento, ou melhor, oportunidade que este país já teve de livrar-se das

amarras do atraso, do subdesenvolvimento, superando não o capitalismo, como

muitos equivocadamente supuseram.

As ações da elite amedrontada da década de 60 sufocaram não a instauração de um

novo sistema econômico revolucionário, mas a implantação das condições que o

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sistema capitalista carecia para desenvolver-se como pretendia. Pois os setores da

igreja católica, da classe média e dos militares uniram-se em favor de golpe de

Estado, numa espécie de pacto conservador, por paranóia e medo de uma

revolução fictícia e por outras razões que não serão discutidas aqui, porque o que o

Estado anunciou foi apenas a reforma agrária na Central do Brasil, através de seu

presidente João Goulart em discurso para mais de cem mil pessoas, ele não fez isso

por bondade ou “camaradagem” mais por que via que as condições de vida de

grande parcela da sociedade brasileira eram insustentáveis e se nada fosse feito

seu governo não conseguiria dar continuidade às conquistas econômicas da década

passada, mas as promoções das reformas de base por parte do governo custaram

muito caro à nação brasileira e ainda hoje se colhe os frutos do atraso e

conservadorismo.

Portanto, a leitura que este trabalho faz desse período pré e pós - 64, nem chega a

considerar o Estado como “desenvolvimentista” no “máximo reformista” como afirma

alguns intelectuais, por que até hoje se assiste a atuação decadente de um

congresso corrupto e demente, que adia e negocia a votação das reformas básicas

que o Estado Brasileiro tanto necessita, e a grande prova disso é o agravamento da

questão agrária, em todo o território nacional, principalmente nas áreas de fronteira

agrícola das décadas de sessenta e setenta. Mesmo reconhecendo que a criação da

SUDENE, era uma medida de efetuar reformas no intuito de impedir a radicalização

das lutas sociais na região. Andrade (1998) discorre:

Realmente, a SUDENE foi criada em hora oportuna visando coordenar a aplicação de verbas públicas no Nordeste, salvar a região do flagelo do subdesenvolvimento que, mais que o das secas, a vitimava. Mobilizou o seu corpo técnico visando realizar um levantamento de possibilidades e das necessidades regionais em estudo demorado e criterioso. Desprezou, porém, até certo ponto, os técnicos que há alguns anos já trabalhavam na região e por isso a conheciam razoavelmente. Daí a demora30com a realidade regional. Achamos mesmo que ela se descuidou um pouco do problema humano que, como já salientava o economista Caio Prado Júnior em 1943, era o que primeiramente devia atrair a atenção dos técnicos e dos governos, devendo ter prioridade até sobre certos problemas básicos como a siderurgia e a industrialização. Realmente, não podemos ser um país forte e desenvolvido, com uma população raquítica, subnutrida e analfabeta. Este reparo pode ser constatado quando, lendo o Plano Diretor da SUDENE, se observa que, analisando os problemas regionais, o nosso órgão máximo de planejamento preocupa-se com a ampliação da nossa fronteira agrícola, com a comercialização dos gêneros alimentícios através da reorganização da rede de armazéns e silos, com a industrialização, com a racional exploração dos recursos minerais [...]. E é conveniente salientar que a melhoria das técnicas de produção, o aumento da rentabilidade da terra, sem medidas complementares em defesa do trabalhador do campo, até hoje, no Brasil, apenas tem carreado mais dinheiro para os bolsos dos ricos proprietários, continuando os que mourejam as terras a viver nas mais precárias condições de vida ANDRADE (1998, p.243).

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Então, os ajustes na maneira de distribuição, organização e apropriação das terras

da união, o acesso garantido ao crédito, assistência técnica, estrada para

escoamento da produção, mercado consumidor garantido, educação, saúde,

moradia, são caminhos contínuos na caracterização da reforma agrária. Os últimos

cem anos aproximadamente foram marcados por solicitações dessa natureza.

Solicitações estas expostas através de revoltas populares, obras literárias, músicas,

enfim manifestações artísticas denunciando as atrocidades cometidas e o descaso

dos governantes quanto à qualidade de vida no interior do Brasil e as formas de

apropriação das terras do estado.

Por mais complexos que sejam os problemas estruturais da sociedade brasileira ao

longo de sua história, sendo eles a falta de moradia, desemprego, analfabetismo, em

suma as desigualdade sociais, é inevitável fazer uma correlação com o campo, uma

vez que o êxodo rural bem exemplifica a origem destes problemas, e não tendo

acesso às mínimas condições de sobrevivência nem ao menos terra para plantar, e

quando tem lhes faltam condições para fazê-la produzir, aos lavradores restam

apenas à saída de seu lugar de origem para buscar trabalho e alguns acessos

garantidos pelo Estado.

Desde o final do século XIX, período de grande seca que sofreu o Nordeste, que o

Maranhão e a Amazônia constituem-se em região receptora de contingentes

populacionais (retirantes) e o Estado na tentativa de redução dos conflitos de terra

que ocorriam em decorrência da problemática agrária, vê nesta transferência uma

alternativa de diminuição das tensões no campo. Esses deslocamentos ocorreram

durante as primeiras décadas do século XX, mas foram intensificadas nas décadas

de 40 e 50, pois à medida que a pobreza e a falta de perspectivas cresciam,

cresciam também os deslocamentos, estes considerados “espontâneos”, pois

emigração só era considerada dirigida quando financiada pelo governo que garantia

o deslocamento e quando muito um lote de terra (ARCANGELI, 1987, p.14).

Logo, fica evidenciado que as políticas estatais ao longo da república brasileira não

têm a intenção de promover a formação de uma sociedade justa, onde a população

tenha as mínimas necessidades supridas e não somente garantidas em leis. Isso

porque, as políticas governamentais foram aplicadas no sentido de aliviar os

problemas deflagrados em território nacional, adiando sempre para o próximo

mandato as mudanças necessárias para o desenvolvimento constantemente

anunciado.

Portanto, a falta de políticas públicas para o campo brasileiro gerou e vêm gerando,

ainda fenômenos migratórios excepcionais, que reproduziu e vem reproduzindo

bolsões de miséria nas periferias das cidades do país, sejam elas grandes médias e

pequenas. Em suma, a situação na zona rural de muitos municípios brasileiros é

insustentável sob qualquer ponto de vista. E “a relação que exemplifica isso é a de

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efeito e causa entre a miséria da população rural brasileira e o tipo da estrutura

agrária do País, cujo traço essencial consiste na acentuada concentração da

propriedade fundiária” (PRADO JR., 1979, p.18).

Por isso, é pertinente fazer as diferenciações necessárias, ou melhor, dizendo

classificações, se amparado no trato que Prado Jr. (1979) dá esta questão onde

afirma que:

Os grandes proprietários e fazendeiros, lavradores embora, são antes de tudo homens de negócio para quem a utilização da terra constitui um negócio como outro qualquer [...] do outro lado, para os trabalhadores rurais, para a massa camponesa de proprietários ou não, a terra e as atividades que nela se exercem constituem a única fonte de subsistência para eles acessível. Confundindo na análise da questão agrária situações tão distintas, não se pode ir muito longe. Prado Jr. (1979, p.22)

Então, para este autor, de modo geral, não é possível reformar a estrutura agrária do

país sem intervir diretamente no modelo de produção, logo na economia.

Em resumo, ao longo da história do país o modelo econômico foi amparado na

produção para exportação, logo, em grande escala. Esta prática requer grandes

áreas e muitos braços para fazer a empresa rural funcionar, e a partir daqui é

possível fazer mais uma caracterização. A maneira de apropriação das terras deu-se

no Brasil inicialmente através de doação, depois por herança, e em casos isolados

por disputa, mas o direito de propriedade era concessão da “coroa portuguesa”

(metrópole) que posteriormente envia e/ou escolhe representante locais para

exercer tal atividade.

Os beneficiados além da propriedade das terras têm também o domínio sobre as

mesmas, ou seja, controle sobre todos os bens ou recursos que nelas estivesse

disponível a exemplo disso o acesso a água. Outro fator fundamental neste

processo foi a extensão do território, que por esta razão não ofereceu grandes

concorrências na fase de apropriação. E seguindo esta lógica é possível

compreender as razões que levaram à concentração da terra nas mãos de

pequenos grupos que também ao longo da história foram mudando de nomenclatura

(donatários, senhores de terras, fazendeiros, coronéis, empresários).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, passa-se rapidamente pelo período de coerção da mão-de-obra indígena,

seguida da escrava africana e superada esta, a fase de implantação do trabalho

assalariado ou semi-assalariado, e toda sorte de classificação e divisão das

categorias da mão-de-obra empregada na empresa agrícola.

Então, destas categorias que trabalham na grande empresa rural duas são claramente definidas – os donos das terras, logo do meio de produção, e os não proprietários de terras, vendedores de sua força de trabalho. Essa relação entre ambos e principalmente às condições impostas e

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estabelecidas para o trabalho na grande lavoura são segundo o autor conseqüências do modelo econômico desenvolvido. Seja onde for, e seja qual for à grande exploração de tipo comercial (como é o caso em todos os principais setores da agropecuária brasileira) tende, quando a conjuntura lhe é favorável, a se ampliar e absorver um máximo de extensão territorial e força de trabalho, eliminando lavradores independentes, proprietários ou não, bem como suas culturas de subsistência (PRADO JR., 1979, p.53).

Considerando esta análise conclui-se que nenhuma reforma agrária é possível sem

intervenção na economia e que os programas de governos trataram historicamente

da questão agrária de modo superficial. E também por isso fica claro na tese

defendida por pelo autor o porquê da palavra “questão” como título de sua obra,

porque a pobreza e a miséria da população rural estão na condição de um ponto a

se resolver e para isso são criados artifícios dos mais diversos entre eles a

estratificação de classes, adoção de nomenclaturas do tipo pequeno proprietário,

que para o Estado é muito diferente do trabalhador rural empregado chamado

também de: diarista, assalariado, bóia-fria e uma série de codinomes para

caracterizar uma diferença que na prática é quase nula.

A situação material de ambas é semelhante; as origens de sua miséria se confundem, em última instância, numa causa comum: a natureza da economia rural brasileira, dominada pela grande exploração, e o tipo de estrutura agrária em que essa grande exploração assenta: a concentração da propriedade fundiária (PRADO JR., 1979, p.77).

Como não é possível negar e varrer para debaixo do tapete da nação esta situação

aos governos resta forjar reformas no intuito, segundo eles de superação destas

mazelas sociais e em seus programas emblemáticos duas proposições são

destacadas - a do latifúndio improdutivo seguida da divisão da terra, onde

conseguem chegar ao máximo em uma reforma fundiária, de mera distribuição de

terras.

Estes são os estandartes levantados por vários setores do governo, amparados em

teses acadêmicas e que são muitas vezes adotadas por setores da sociedade civil,

constituindo no mínimo opiniões equivocadas. Por outro lado aqui se reconhece a

imprescindível contribuição de Prado Jr. no trato desta problemática, pois ele

disseca o assunto com o rigor e a propriedade, além do admirável manuseio, que a

questão requer. A saber:

A análise que procedemos e que se destinaram a isso, nos mostrou precisamente onde se encontra o vicio mais profundo da economia agrária do país, responsável imediato pela miséria da população rural brasileira. A saber, a grande exploração agromercantil e a concentração da propriedade fundiária que é causa condição e efeito daquele tipo de economia. Num quadro como esse, “o latifúndio improdutivo” constitui um pormenor de segunda importância [...]. Não nos basta, contudo saber o que o conceito de latifúndio improdutivo inclui. Precisamos também considerar o que ele certamente não inclui. A distinção necessária que se há de fazer na consideração. De qualquer atividade produtiva da agropecuária brasileira, a saber, a diferença entre as categorias de classe a que se destina essa

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produtividade, [...] de nada serve dividir a terra se não se dispensar amparo ao pequeno proprietário (PRADO JR., 1979, p.79).

Estas são controvérsias instauradas pelos governos para formularem propostas de

superação dos problemas oriundos do campo, nenhuma propõe mudanças no

modelo econômico como produção diversificada e atendimento ao comércio interno

do país. Se a função social da terra é produzir alimentos e o artigo 5°da constituição

defendem direitos e garantias fundamentais, o direito de alimentar-se é primordial,

então questionar se as grandes fazendas produzem para sanar a fome de seu povo

ou se sua produção é para atingir metas de mercados é a via principal a ser seguida

em um processo de mudança. Enfim:

O desenvolvimento da tecnologia beneficiou os que controlavam o processo de acumulação, feito através da concentração da riqueza e da acentuação dos desníveis sociais. Parece até que o pensamento do Guido de Lapeduza, em seu livro „o Leopardo‟, foi inspirado no que ocorreu na Região, é necessário que as coisas mudem para que fique como estão (ANDRADE, 1998, p.227).

O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos. A despeito de aumento sem precedentes na opulência global, o mundo atual nega liberdades elementares a um grande número de pessoas - talvez até mesmo à maioria. Às vezes a ausência de liberdades substantivas relaciona-se diretamente com pobreza econômica, que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, à oportunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado, de ter acesso à água tratada ou saneamento básico (Amartya Kumar Sem, 2000).

Fotos: Jane Cavalcante

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7 O PORTO DO ITAQUI NA DINÂMICA TERRITORIAL DO CAPITAL

José Jonas Borges da Silva58

RESUMO

Este artigo é um ensaio sobre a constituição do complexo portuário de São Luis, em

particular analisando a importância do Porto do Itaqui. O artigo tenta trazer ainda

aspectos da contradição que apresenta tal empreendimento, considerando os níveis

de desigualdade sócias do estado do Maranhão. Entender essa contradição foi o

que me levou a desenvolver a pesquisa de campo realizado no mês de agosto de

2009. A pesquisa foi desenvolvida em três dois momentos distintos: o primeiro

durante a visita inlocus ao Porto de Itaqui, tanto em sua parte administrativa quanto

sua parte externa, correspondente esta ao embarque e desembarque; o segundo

momento foi na visita ao porto intermediário, o Porto Grande, o qual compõe o

complexo portuário de São Luis. Ainda no que se refere à metodologia, pesquisei

fontes acerca do complexo, como sites, jornais impressos e virtuais, e literatura

específica a fim de basear a construção textual ora apresentada. Como resultado, o

trabalho demonstra o antagonismo social existente no Maranhão, no qual se mostra

de forma clara o papel do Estado e sua relação diferenciada com os grupos sociais,

que utilizam os seus serviços públicos para atender interesses privados. Como os

interesses privados prevalecem sobre os interesses públicos, o que é demonstrado

pela pouca preocupação com os impactos ambientais provocados por este tipo de

investimento, o trabalho aponta o descaso com as conseqüências sócio-ambientais

da Ilha, afetando diretamente as camadas mais pobres da população, e de forma

particular as que habitam nas proximidades do complexo portuário. Como conclusão

do trabalho, trago como os grandes projetos no Maranhão têm sido utilizados como

instrumentos políticos para manipulação da opinião pública com a retórica do

desenvolvimento para o estado, mas que na verdade, garantem os interesses do

capital através da exploração sobre as matérias-primas desta região centro norte de

Brasil.

Palavras-chave: Porto do Itaqui; Dinâmica Territorial.

58 Graduado em Geografia - Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campo Presidente Prudente

– SP [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

Esse artigo trata da dinâmica territorial do capital em São Luis, capital do Maranhão,

destacando de forma particular o complexo portuário na ilha de São Luis59. O

mesmo resulta de pesquisa de campo apresentada na disciplina Dinâmica Territorial,

ministrada pelo professor doutor Bernardo Mançano Fernandes e pelo professor

doutor Thomaz Junior, no Curso Especial de Geografia, da Universidade Estadual

Paulista – UNESP em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes- ENFF e

a Via Campesina, realizado com o apoio do Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária - INCRA através do Programa Nacional de Educação na Reforma

Agrária. Para a realização do trabalho foram feitas duas visitas em agosto de 2009

ao Porto do Itaqui e do Porto Grande, ambos de responsabilidade administrativa do

governo estadual.

Na visita tive oportunidade de conhecer a parte administrativa e a parte externa do

Porto do Itaqui e nas duas situações pude estudar sua capacidade e perceber

contradições que se apresentam em um investimento de tal porte em um estado tão

pobre como é o caso do Maranhão, ao mesmo tempo que se constitui fundamental

no atual contexto de disputa pelo mercado marítimo internacional.

Nas oportunidades ficou muito bem demarcado o antagonismo social existente no

Maranhão, no qual se mostra de forma clara o papel do Estado e sua relação

diferenciada com os grupos sociais se utilizam dos seus serviços públicos para os

interesses privado.

Como conclusão do trabalho, aponto a diferença no tratamento dispensado aos

grandes investimentos e às questões sociais. A diferenciação no trato da política

pública quando direcionado às camadas populares e o trato quando esta se

direciona aos grandes investimentos empresariais.

2. COMPLEXO PORTUÁRIO DE SÃO LUIS

O Complexo Portuário de São Luis é composto pelo Porto do Itaqui, Terminal

Pesqueiro (Porto Grande), Porto da Alumar, Porto de Ponta da Madeira (Vale), Porto

da Espera, Cujupe e São José de Ribamar (conforme figura 1), e se constitui o

segundo maior do Brasil em movimento de cargas, chegando a movimentar 65

milhões de toneladas por ano.

Além de cargas no complexo portuário existe um grande movimento de pescado,

como também transporte de pessoas, caminhões, carros, além de variados

produtos, especialmente entre Porto da Espera e o Cujupe, no caso, estes

direcionados para a região da Baixada Ocidental Maranhense, por ser esta umas

59A Ilha de São Luis; é constituída de quatro municípios: São José de Ribamar, Paço do Lumiar,

Raposa e São Luis neste, encontra-se localizados os principais portos do estado do Maranhão, Porto do Itaqui, Porto da Madeira e Porto da Alumar.

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das vias de acesso à capital do vizinho estado do Pará, Belém. Esta via é muito

procurada pelos viajantes por diminuir cerca de 3 horas o tempo de viagem, em

relação à rota rodoviária.

Figura 1: Complexo Industrial e Portuário de São Luis. Fonte: EMAP (2008)

Da estrutura portuária do complexo, destaco o Porto da Ponta da Madeira,

pertencente à atual empresa Vale. O terminal conta com um berço de acostagem

para navios de 450.000 TPB60, um pátio descoberto de 125.000 m² para estoque de

minério de ferro, manganês e um silo horizontal com capacidade de 25.000 t de

grãos. Como se não fosse pouco a Vale o utiliza de forma exclusiva, assim como a

Petrobrás utiliza um dos sete berços do Itaqui numa relação nada transparente entre

o público e o privado.

O Complexo Portuário de São Luís teve, em 2007, uma movimentação geral de 65

milhões de toneladas por ano, em 2010 a movimentação pulou 117 milhões de

toneladas. Desta, o Itaqui respondeu aproximadamente com 15 milhões de

toneladas no ano de 2007, quantidade ainda pequena, se considerada sua

capacidade física e estrutural. Porém, é importante que fique claro que para garantir

a estrutura existente, assim como o fornecimento da matéria-prima, o porto conta

com subsídios de agentes financeiros como o Banco do Nordeste do Brasil – BNB, e

o Banco da Amazônia – BASA, assim como de instituições públicas federais, como a

Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM, Superintendência de

Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, Banco Nacional de Desenvolvimento

Social – BNDS, e ainda recursos do governo estadual, hoje através do Programa de

Aceleração do Crescimento- PAC. Estas instituições financeiras apontam a relação

entre o Estado e capital privado, que indicam mecanismos de centralização da

60

TPB, conversão internacional para definir a capacidade de carga de cada navio, o que pode variar

muito dependendo do cargueiro.

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riqueza, estabelecidos em proveito dos consórcios financeiros, no quadro de

empréstimos aos Estados, destinados a financiar grandes investimentos de infra-

estrutura (ferrovias, portos) em países semicolonias. (LUXEMBURGO, citada por

CHESNAIS. 1996, p. 49)

Considerando que grande parte desses investimentos financeiros feitos no

Complexo Portuário de São Luis, no sentido de consolidar a estrutura para o

escoamento da matéria-prima dessa região da Amazônia Oriental, são em grande

parte aportes de instituições internacionais, como Banco Interamericano de

Desenvolvimento – BIRD, Fundo Monetário Internacional – FMI e Banco Mundial,

confirma-se o pensamento acima.

2.1. Porto do Itaqui: gigante pela própria natureza

Encontra-se localizado no interior da Bacia de São Marcos, cerca de 15 km do

centro de São Luís, construído em um canal de 1,8 km de largura, com 27 metros

de profundidade. Com a extensão de 1.616 (um quilômetro e seiscentos e dezesseis

metros) tem instalados 6 berços de atracação, é considerado o quarto porto

brasileiro em termos de importância econômica, conforme informação do diretor de

controle externo portuário. Fazendo-o também, um dos portos mais competitivos do

país.

Estadualizado desde fevereiro de 2001, é responsabilidade da Empresa

Maranhense de Administração Portuário - EMAP, órgão este diretamente ligado à

Secretaria do Estado da Indústria e do Comércio, e mesmo sendo um órgão

estadual, em seu quadro de profissionais, conta com 500 funcionários, sendo 60%

destes terceirizados e os outros 40% apenas contratados pelo Estado ou cargo de

confiança do governo, a EMAP, portanto, no ano de 2009 não dispunha de nenhum

funcionário público concursado atuando em seu quadro.

Mesmo com uma localização privilegiada e profundidade variando de 9m a 21,5 m

distribuídos entre os sete trechos distintos, os quais são denominados berços 101,

102, 103, 104, 105, e 106, são poucos berços, em relação a outros portos nacionais

mesmo assim é considerado “gigante pela própria natureza”, sendo o único porto

brasileiro a receber o navio Berge Stahl, considerado o maior cargueiro do mundo,

cuja rota é exclusiva entre São Luís, no Maranhão e Rotterdan, na Holanda .

Das instalações disponíveis na área do porto existe um armazém com 7.500 m²; 1

armazém (inflável) com granéis sólidos, de 3000 m²; 4 pátios de armazenagem com

areia de 42000 m²; 4 silos verticais com capacidade para armazenar 12.000 t de

grãos; 1 silo horizontal com capacidade de 8.000 t de grãos. Sua estrutura ainda

conta com um berço de uso exclusivo da Petrobrás para receber derivados de

petróleo com disponibilidade de 50 tanques para depósito de granéis líquidos com

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capacidade de 210.000 m², 8 silos verticais com capacidade de 7.200 t, e ainda

existem duas esferas de 8.680 m² de GLP.

Porém, estas qualidades não lhe dão a excelência no mercado mundial, já que suas

cargas, tanto de exportação quanto de importação, são constituídas basicamente

por produtos de matéria-prima. Tal aspecto pode ser observado pela forma como é

transportada a carga, no caso, o Porto tem a maioria de seu material sendo

transportado a granel, sendo muito pequeno o uso de container. Este aspecto é

importante, por ser o principal indicador de capacidade de porto como pequeno nível

de mercado internacional.

Para se ter idéia da importância da movimentação de container para um porto,

segundo os números apontados pelo Superintendente de Estudo de Mercado do

Itaqui, senhor Raimundo Neves, em 2007, o Brasil exportou 6 milhões de TEU‟s 61,

destes o porto de Santos movimentou 2 milhões, sendo o restante distribuídos entre

os outros portos brasileiros, e cuja participação do Itaqui se apresenta ainda muita

tímida, alcançando números inexpressivos. E, para de demonstrar a fragilidade da

movimentação portuária brasileira, basta dizer que apenas o Porto de Singapura, no

Japão movimentou 25 milhões de TEU‟s .

Neste sentido, de acordo com o diretor acima citado, o Porto do Itaqui apresenta

grande potencialidade (ainda não explorada), tendo como justificativa seus recursos

naturais e sua localização privilegiada, cuja exploração pode levar o Porto a

números extraordinários de movimentação.

Hoje, os principais produtos que são movimentados na importação são antracita,

arroz, calcário, fertilizantes, fluoreto, trigo, trilhos GLP e cargas em geral. No

movimento da exportação, encontram-se produtos como derivados de petróleo,

alumínio, manganês, cobre, ferro gusa, etanol e fertilizantes. A movimentação no

ano de 2007 foi apenas de 114 contêneres, cada um com 20 TEU‟s , com uma carga

de 3.000 mil toneladas de alumínio exportada pela Alumar.

A figura abaixo trás o fluxo de carga dos principais terminais do Complexo Portuário

de São Luis, o que demonstra a pouca utilização do Porto do Itaqui nos anos 2001 e

2002, em relação aos outros terminais apresentados, cuja particularidade é o caráter

privado dos mesmos, no caso, a Alumar e a atual Vale, então Companhia Vale do

Rio Doce.

61

TEU‟s é a unidade de medida para containeres, na língua inglesa TEU‟s (twenty foot equivalent units) ou em FEU‟s (forty foot equivalent units.

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Figura -3: Fluxos de cargas através do Porto de Itaqui e dos terminais privativos da CVRD e Alumar –

Maranhão – 2001-2002

Uma das particularidades do Porto é sua localização distante dos centros urbanos, o

que constitui vantagem em relação a outros importantes portos do país por técnicos

portuários. No caso do Itaqui, devido a considerável distância entre ele e

aglomerados urbanos, há maior liberdade para a movimentação ali existente, e toda

a movimentação portuária acontece sem chamar nenhuma atenção por parte da

cidade, que na grande maioria desconhece o que acontece ali. No caso, é de

desconhecimento público, por exemplo, o que acontece em termos de reformas ou

ampliações do porto, e o que isso significará para as populações da cidade; quais

suas conseqüências ao meio ambiente; e quais seus impactos na economia da

cidade.

Importante registrar, no entanto, que o Porto do Itaqui não se encontra no todo em

área isolada, pois existem várias pequenas comunidades nas suas proximidades, as

quais vivem, geralmente, com práticas de atividades rurais e agro-extrativistas.

Por fim é importante destacar a relação do Porto com a rede ferroviária, rodoviária e

hidrográfica que abrange toda a região centro norte do Brasil, a região do Tocantins-

Araguaia, indo até os estados do nordeste especialmente o Piauí e norte da Bahia

chegando até o Mato Grosso, conforme figura número 3. Fato este que comprava a

relação agroexportadora dessa região e a relação direta com a expansão do

agronegócio nestas novas fronteiras agrícolas do país. Algo muito questionado por

organizações de direitos humanos e defesa do meio ambiente, assim também como

motivo de enfretamento dos camponeses aos latifúndios que concentram terras na

região, como aconteceu recentemente com a denuncia da organização Greenpiace

apresentando denúncia de como as empresas de ferro gusa estão destruindo o

ambiente tendo como porta de saída dessa matéria prima o complexo portuário se

São Luís.

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Figura 4: relação do Porto com outras regiões do Brasil. Fonte: EMAP (2008)

3. PORTO GRANDE E O VIZINHO PORTO DA ALUMAR

O Porto Grande como um dos portos que compõem o Complexo do Itaqui é um dos

um dos principais pontos de chegada do pescado que abastecem a Ilha de São Luís,

parte do interior do Maranhão, e parte do estado do Piauí.

Para a EMAP o Porto Grande representa para o estado do Maranhão uma reserva

portuária importantíssima para futuras ampliações do complexo portuário

maranhense, já que seu calado é de 10 metros podendo chegar a 13 metros.Para

um porto secundário como este 13 metros constitui fator de muita importância,

contribuindo para que o Maranhão seja um dos lugares mais propícios para o

serviço de atendimento de grandes embarcações, o que mostra também, o grande

potencial portuário do complexo em pauta.

Como parte do complexo portuário de São Luis o Porto da Alumar-Alcoa (Consórcio

Alumino do Maranhão) tem localização geográfica privilegiada, devido sua

proximidade física dos portos da Vale e do Itaqui. Neste sentido, pude observar a

grandiosidade estrutural deste projeto portuário. Registro, no entanto, que tal projeto

constitui em mais um investimento do capital internacional no Maranhão O canal

utilizado pelo Porto da Alumar é o mesmo canal utilizado pelo Porto Grande. A

Alcoa-Alumar produz principalmente alumínio para exportação, atendendo uma

grande parcela da demanda internacional, cuja exportação em parte é feita pelo

Porto do Itaqui.

Segundo informações colhidas, a Alcoa-Alumar mantêm o porto com seus próprios

recursos e ela mesma, com toda sua estrutura, material e recursos tecnológicos

realiza diariamente a limpeza do canal que dá acesso a seu porto, cujo uso é

exclusivo para embarque e desembarque dos navios direcionados às cargas.

O Complexo Portuário de São Luis passou a possuir a atual dimensão e importância

para atender às exigências da implantação de grandes projetos de

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“desenvolvimento” no Maranhão, como o extinto Programa Grande Carajás. Era a

forma do Estado garantir a infra-estrutura básica para a vazão de empreendimentos

como o Projeto Grande Carajás, o qual

... abrange uma área de aproximadamente 895.000 km em terras do Maranhão, do Pará e do atual Tocantins. Seus objetivos iniciais estão relacionados diretamente ao mercado externo e à geração de divisas para o pagamento da dívida externa brasileira, através dos segmentos minero-metalúrgicos, agropecuária e agroflorestal (SILVA, 1995, p. 56)

Além da estrutura portuária, o Estado também se responsabilizou pela recuperação

e ampliação da malha viária e da construção das ferrovias Carajás e Norte-Sul. Para

garantir a energia demandada pelos grandes projetos foi necessária a construção da

hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, cuja energia é repassada às empresas privadas de

forma subsidiada. Assim, a Alcoa-Alumar, sediada em São Luís e a Albras-Alunorte,

instalada na Vila do Conde, em Barcarena (PA) recebem 60% dos 4250 MW de

energia gerada em Tucuruí (FEITOSA, 1998, P. 132), o que demonstra como o

Estado se encontra a serviço dos interesses do capital.

Nesse último período a Alcoa-Alumar esteve ampliando seu porto, com a expectativa

de aumentar a exportação de alumínio. Com exportação anual de um milhão e meio

de toneladas, deverá passar a exportar cerca de três milhões e trezentos mil

toneladas por ano, o que resulta em mais de cem e vinte por cento de aumento na

exportação. (ALUMAR, 2008).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A respeito da dinâmica territorial de São Luis, tendo como base o complexo portuário

de São Luis pude observar uma clara diferenciação no comportamento do Estado no

que tange ao tratamento dispensado aos diferentes grupos sociais. Se por um lado,

ele se faz ágil quando precisa atender às necessidades do capital, porém quando

precisa atender às demandas populares, entra em ação a morosidade característica

do serviço público do estado burguês.

No que se refere aos grandes projetos, como o caso do complexo portuário do

Itaqui, o mesmo possui toda uma estrutura rodoviária e hidroviária custeada por

recursos públicos, sem discussão com a sociedade civil, sendo todo o planejamento

e execução de seus projetos de quase completo desconhecimento público. A

ressalva mais importante a respeito é que todo o aparato ali existente trata de

apenas atender à demanda de capital internacional, cuidando para que seja

garantida a exportação de matéria-prima para outros países. O contracenso disso

encontra-se na substituição de produtos que atendem à demanda interna, impondo

ao estado a importação de produtos básicos para a população local.

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Concluo assim, que o Estado trabalha com os grandes projetos de interesse

capitalista, mostrando-se ágil, competente e sempre com grandes reservas de

recursos; enquanto que quando trabalha com os setores populares se apresenta

lento, oneroso, burocrático e incompetente.

BIBLIOGRAFIA

ANTAQ. Porto do Itaqui. www.antaq.gov.br/Portal/Anuario2002/Pdf/Itaqui.pdf.

acessado 13 de outubro de 2008.

ALUMAR.ww.alumar.com.br/institucional/home.asp?Sessao=Hom§SubSessao=0§h

ag=pt_br. Acessado em 2 de novembro de 2008.

CHESNAIS, Fancois. A mundialização do Capital. São Paulo. Xamã Editora. 1996.

EMAP. Complexo Portuário de São Luis. Vídeo. São Luis, s/d

EMAP. Porto do Itaqui. Documento interno. 2008

FEITOSA, Raimundo Moacir Mendes. Tendência da economia mundial e ajustes

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GISTELINCK, Frans. Carajás, Usinas e Favelas. São Luís: Gráfica Minerva, 1988

JORNAL PEQUENO. Porto do Itaqui entra na rota dos contêineres. São Luis, 18 de

setembro de 2008.

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Investigação- Ação. São Paulo. Editora Cortez. 1984.

SILVA, José de Ribamar Sá. Terra Bela: mais um assentamento de trabalhadores

rurais no Maranhão. Dissertação de Mestrado em Economia: Universidade Federal

da Paraíba, 1995.

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8 DESENVOLVIMENTO REGIONAL DO MARANHÃO E A IMPLANTAÇÃO DA

REFINARIA PREMIUM I: UMA ANÁLISE DA OCUPAÇÃO TERRITORIAL E

SUAS IMPLICAÇÕES NO MODO DE VIDA E TRABALHO DA POPULAÇÃO

LOCAL

Karênina Fonsêca Silva62

RESUMO

Trata-se de um estudo bibliográfico descritivo, com objetivo de contribuir nas

discussões sobre a política de desenvolvimento do processo de implantação do

Projeto Premium I, na perspectiva de crescimento do Maranhão, considerando as

formas de apropriação territorial pelo projeto e suas implicações no modo de vida e

trabalho da população local, em face do processo de transnacionalização do capital.

A problemática da industrialização nacional surge a partir da situação periférica

residente na dualidade entre a constituição da Nação e a divisão internacional do

trabalho convertida em periferia, numa economia comandada por decisões tomadas

pelos países centrais, para atender a uma demanda externa. Partindo dessa

premissa surgiu os seguintes questionamentos: - Como compreendemos este

processo no Maranhão? - Qual a lógica da implantação de grandes projetos minero-

siderúrgicos nesta região?

Palavras-chave: Desenvolvimento; Trabalho; Cultura; Território.

62

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioespacial e Regional-PPDRS, pela Universidade Estadual do Maranhão - UEMA.

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1 INTRODUÇÃO

A problemática que envolve o tema aponta para pontos de impasse devido a

aspectos que ainda não foram investigados, considerando a implantação da

Refinaria Premium I em Bacabeira e suas alterações no modo de vida e trabalho da

população local.

A questão é se a criação desse novo mercado e das formas de produção irá de fato

absorver os atuais moradores, considerando-se que grande parte da população

apresenta baixa escolaridade e, por conseqüência, dificuldade de inserção nesse

novo contexto.

Historicamente a ocupação territorial do Maranhão segue a uma lógica de mercado

no sentido de suprir as necessidades dos países hegemônicos, devido a sua

localização geográfica e condições naturais favoráveis, destacando-se a abundância

de água, terras férteis e ecossistemas.

O território maranhense encontra-se fora do polígono das secas, situando-se numa

zona de transição entre o Nordeste semi-árido e a Amazônia tropical e ainda

localiza-se em um dos pontos mais próximos dos mercados norte-americano e

europeu.

Conforme Ferreira, (2009) no Brasil, por exemplo, o Estado também desenvolveu

iniciativas visando à ampliação do conhecimento do território nacional através da

“ideologia geográfica” de “unidade territorial” almejando à legitimação nas diferentes

escalas e ao mesmo tempo subsidiar/implementar políticas territoriais indutoras.

Nesse contexto, o discurso das classes dominantes penetra as relações do comércio

de que, face á globalização, os Estados Nacionais perderam a capacidade de

implementar políticas próprias.

No campo observa-se uma modernização conservadora, na qual a expansão

mostrou-se contraditória, à medida que introduz elementos modernos no processo

produtivo, ao mesmo tempo em que mantém a estrutura agrária arcaica,

incentivando a grande empresa agrícola (pecuária, soja e reflorestamento) e

expulsando violentamente pequenos posseiros e comunidades tradicionais,

desorganizando assim formações sociais sem lugar de fato no processo de

acumulação capitalista (MESQUITA et al., 2009).

O Maranhão se insere no contexto do capitalismo neoliberal seguindo a política

desenvolvida no âmbito federal, adotando uma política de investimentos industriais,

visando atrair o capital privado nacional e internacional em troca de vantagens

fiscais e mão de obra barata, rotulada de desqualificada (HARVEY, 2005).

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Nesse contexto, pensar em desenvolvimento regional nos remete a compreensão do

próprio significado de desenvolvimento. Para tanto, buscou como referencial teórico

para Desenvolvimento Furtado (1974), compreendendo o desenvolvimento como um

processo de mudança social, pelo qual um número crescente de necessidades

humanas - preexistentes ou criadas pela própria mudança são satisfeitas através de

diferenciação no sistema produtivo decorrente da introdução de inovações

tecnológicas e Harvey (2004), referindo-se ao desenvolvimento numa concepção

ampliada, além do crescimento econômico e a forma como este é distribuído na

sociedade, considerando a redução da pobreza, a elevação dos salários e de outras

formas de renda, ao aumento da produtividade do trabalho e a repartição dos

ganhos deles decorrentes, à melhoria das condições habitacionais, ao maior acesso

a saúde e educação, melhor qualidade de vida, envolvendo inclusive condições de

transporte, segurança e baixos níveis de poluição.

Dessa forma, todo o processo de pesquisa, no que concerne à temática em questão,

se fundamentou no método materialismo histórico dialético tomando por base a

realidade concreta para investigar os determinantes e determinações de um dado

processo social, enfatizando sua dimensão histórica num determinado contexto.

Considerando a situação da população local, seus modos de vida, padrões, uso dos

recursos, relações com o ambiente, formas políticas e culturais, associando ao

processo de implantação do Projeto e suas implicações no contexto histórico e

político dessa população, bem como o papel do Estado.

Este artigo está estruturado em quatro partes: na primeira e segunda parte faz-se

um breve histórico sobre a ideologia desenvolvimentista sob a égide da

dependência; a terceira situa o Maranhão no cenário industrial enfocando o discurso

do “progresso” e seus efeitos sobre a classe trabalhadora;pontuando a empresa

Petrobrás no contexto da transnacionalização do capital, bem como o processo de

implantação da refinaria Premium I no Maranhão, trazendo uma primeira

aproximação com a realidade local, inclusive apontando algumas implicações

ocorridas no cotidiano da região em estudo, e por fim a conclusão, elencando alguns

comentários e sugestões para o desenvolvimento do Maranhão frente à implantação

do Projeto em Bacabeira.

2 O DESENVOLVIMENTO SOB A ÉGIDE DA DEPENDÊNCIA: UM BREVE

CONTEXTO HISTÓRICO

Há uma vasta literatura que discute as transformações ocorridas no cenário

contemporâneo – da acumulação capitalista, do poder político em escala mundial,

do trabalho e das atuais formas de resistência.

A atual condição do capitalismo global é examinada, sob o pressuposto de que a

chamada “nova ordem” tem por base o que Harvey chama de um “novo

imperialismo”. Para explicar tal afirmação, o autor faz uma contextualização partindo

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do antigo imperialismo exercido pelas grandes potências européias, em sua histórica

luta de base territorial. Assim, avalia que o declínio do império inglês, iniciado no

segundo pós-guerra, cedeu o poder global aos Estados Unidos. A partir daí,

começou a se configurar uma nova forma de imperialismo. O que o imperialismo

atual mostra de novo é, pois, que “nele predomina tipicamente a lógica capitalista,

embora haja momentos em que a lógica territorial venha para o primeiro plano”

(HARVEY, 2005, p. 36).

O império seria, pois, uma nova ordem global que, além de um irreversível processo

de globalização, inaugurou uma nova estrutura de comando, uma nova forma de

supremacia – onde a soberania é exercida por uma série de organismos nacionais e

supranacionais, que se unem por uma regra única.

Não fugindo desta ótica, Miriam Limoeiro Cardoso em 1978, apontava em sua obra:

Ideologia do desenvolvimento, Brasil: JK e JQ, a forma como as sociedades se

organizaram internamente para responder as determinações permeadas por

dominação e disseminadas através da ideologia desenvolvimentista.

A ideologia desenvolvimentista que se instaura no Brasil como uma característica

juscelinista, se estabelece desde o início da década de 50 e se articula no bojo da

conjuntura econômica e dos setores produtivos no país. Na ocasião, coloca-se a

necessidade de atrair o capital estrangeiro para alcançar a prosperidade econômica

e esta ideologia é assumida pela burguesia brasileira em acordo com os grupos

econômicos norte-americanos na condição de sócia minoritária do capital

transnacional.

Esta política de desenvolvimento trouxe grandes impactos na formação social

brasileira, uma vez que redefiniu a economia brasileira na condição de dependência

ao sistema internacional.

Nessa perspectiva, a tese central de Caio Prado Júnior afirma que houve um

sistema colonial brasileiro, sistema de moldes pré-capitalistas, modo de produção

pré-capitalista, ao qual se refere como “velho sistema” que durou do início da

colonização até o final da Segunda Guerra Mundial.

Outro problema enfrentado para que houvesse um desenvolvimento econômico

nacional foi a dependência dos mercados e do capital externo, o que fez com que

nossa economia fosse sempre periférica e voltada para a extração de matéria-prima

do solo colonial para atender as necessidades comerciais européias.

A ocupação da colônia atendia a uma necessidade expansionista do capital

comercial europeu. A decadência da exploração de matéria-prima, principalmente no

que se refere ao Pau-Brasil, foi rápida e teve como principal motivo o esgotamento

das reservas naturais.

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As características geográficas do Brasil e do caráter inicial da formação econômica

brasileira delineou a ocupação do território, ocorrendo a partir do litoral e tornando o

interior economicamente desinteressante devido às questões de localização para o

mercado. A economia passa a ser ligada às plantações de açúcar, produto com

grande mercado na Europa, e a agricultura de subsistência. Surgem, assim, as

primeiras aristocracias oligárquicas regionais do país.

A história latino-americana é de dependência externa pela simples decorrência da

concepção de desenvolvimento desigual da economia mundial capitalista, que se

exprime na relação centro-periferia. Deste modo, registra-se uma sucessão de

“situações de dependência”: dependência colonial, dependência primário-

exportadora e dependência tecnológico-financeira (MELLO,1998, p.24).

A desigualdade do desenvolvimento mundial, reflete-se no descompasso entre as

técnicas produtivas “avançadas” do centro e a capacidade da periferia.

A origem do fenômeno do subdesenvolvimento não é uma fase pela qual tenha

passado as economias que já alcançaram um grau superior de desenvolvimento,

mas um processo histórico autônomo e não linear. O grau de subdesenvolvimento é

dado pela relação entre o setor “atrasado” e setor “avançado”.

Para Cano (2007) o setor avançado cresce sem absorver novos contingentes de

mão de obra e todo o aumento da população é absorvido pelo setor atrasado, o

incremento de produtividade no setor avançado não implicará necessariamente

aumento da participação no produto global. Ou seja, apesar de ter sido elevado o

nível técnico, isso não resulta em alteração do grau de subdesenvolvimento.

De acordo com Barbosa (2006), reportando-nos ao contexto histórico, a economia

brasileira nos anos 50, através do núcleo industrial brasileiro, foi criado com base na

expansão da procura global a partir de industrias ligeiras (tecido e alimentos),

passando a predominar três setores dentro da economia:

• Economia de subsistência – fluxo monetário;

• Atividades ligadas ao comércio exterior;

• Produtos manufaturados ligado ao mercado interno.

Nesse sentido, a compreensão de desenvolvimento deve está associada ao

resultado da interação de grupos e classes sociais que tem um modo de relações

que lhe é próprio, e não simplesmente um modelo a ser seguido.

O desenvolvimento ou “modernidade” é veiculado ideologicamente ao processo

tecnológico e de industrialização. No entanto, a história nos mostra as contradições

e forças políticas contrárias ao que é disseminado, principalmente nos países

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periféricos, oriundos de um processo de colonização desigual e excludente,

proveniente de uma relação de dependência econômica e cultural.

A problemática da industrialização nacional a partir de uma situação periférica reside

na dualidade entre a constituição da Nação e a divisão internacional do trabalho

convertida em periferia, numa economia comandada por decisões tomadas pelos

países centrais, para atender a uma demanda externa (LESSA, 2005).

Partindo deste contexto, como compreendemos este processo no Maranhão? Qual a

lógica da implantação de grandes projetos minero-siderúrgicos nesta região?

Sem recorrer a uma “bola de cristal”, faz-se necessário buscar os aspectos históricos

e correlacioná-los ao contexto regional. Para tanto, far-se-á um resgate histórico da

economia maranhense e suas relações políticas face ao processo de

industrialização e de transnacionalização do capital.

3 O MARANHÃO NO CENÁRIO INDUSTRIAL: (DES)ILUSÕES DO “PROGRESSO”

ECONÔMICO E (RE)ORGANIZAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA

O Maranhão é parte constitutiva de uma totalidade da sociedade brasileira com seus

vínculos de dependência externa e de subordinação internacional. Dessa forma,

afirma-se que há uma articulação entre o local, nacional e o transnacional,

compreendendo que os interesses do capital se movem nessas esferas, e

obviamente, de forma diferenciada.

A partir da década de 80, a força de grandes projetos industriais, a exemplo do

programa Grande Carajás, engendrou um capitalismo industrial no Maranhão com a

combinação de formas modernas (tecnologia) e atrasadas (manual e braçal),

impulsionadas e patrocinadas pelo Estado. Segundo Barbosa (2006, p.89) esta

relação pode ser referenciada desde a Lei Imperial 2.687 de 1875, em que os

governos das províncias deveriam oferecer garantias de ingresso, isenção de

impostos, máquinas, equipamentos e logicamente território, para as companhias que

investissem seu capital nos engenhos de cana. Observa-se assim que o vínculo do

Estado e o capital sempre existiram e à custa da intensa exploração da classe

trabalhadora.

Segundo Holanda (2009) a verdadeira década perdida para o Maranhão foi a

década de 1990, cujo desenrolar foi condicionado pelo esgotamento do ciclo de

investimentos que maturaram no Estado na primeira metade da década de 1980,

com a instalação do complexo metalúrgico-logístico VALE, Carajás e ALUMAR, e

pelo aprofundamento da crise fiscal que se abateu sobre o Estado.

Um aspecto importante a respeito da economia maranhense na década de 1990 é

que esta derivou escasso ou nenhum dinamismo da melhora no cenário

macroeconômico nacional pós - Plano Real. A década de 1990 constituiu para o

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Estado do Maranhão a verdadeira década perdida do ponto de vista do desempenho

econômico conforme dados do IMESC/2009 (tabela 1), sua taxa de crescimento

global encolheu para 1,4% a.a., menos da metade da taxa de expansão da região

Nordeste (3,6% a.a.) e inferior à já medíocre taxa de expansão do país (2,1% a.a.).

O mercado de trabalho maranhense corrobora em sua trajetória nas últimas três

décadas às características essenciais do padrão de acumulação. O aspecto mais

notável nesta dinâmica foi a rápida transição urbana da força de trabalho,

eminentemente rural até o ano de 1992 (69,1%), passou a majoritariamente urbana

em 2008 (65,0%).

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Observa-se na Tabela acima, que no mesmo período a população ocupada urbana

evoluía à taxa de 5,3% ao ano, insuficiente para reduzir o desemprego (crescimento

da população desempregada de 6,94% no período).

Os efeitos da industrialização na população urbana e rural são significativas,

considerando que o crescimento populacional não corresponde ao mercado

ofertado, ou seja, o número de geração de empregos não garante a inserção da

população local. As taxas tendem a se alargarem devido a vários fatores, dentre eles

o nível de escolarização, às migrações internas e externas e as exigências das

empresas multinacionais no Estado.

Deve-se atentar para o fato de que o processo de modernização da economia

maranhense foi e continua sendo em grande medida liderado pelos investimentos

públicos. Este fato, bastante evidente em uma economia ainda caracterizada por

pequena diversificação produtiva e investimentos dos capitais privados, mostra

como se reflete na economia maranhense outro fenômeno do capitalismo

contemporâneo: o Estado torna-se um lugar central da luta pela apropriação do

excedente social, alterando de forma irreversível a maneira de financiar a

acumulação privada.

O Estado passa a financiar a extração de mais valia. Da mesma forma, a

Seguridade passa a fazer parte dos mecanismos de operação do mercado de

trabalho, ou seja, mesmo quando se financia inatividade da força de trabalho, esta

não se constitui inativa do ponto de vista das necessidades da produção capitalista,

(OLIVEIRA, 1981)

O Maranhão se insere no contexto do capitalismo neoliberal seguindo a política

desenvolvida no âmbito federal, adotando uma política de investimentos industriais,

visando atrair o capital privado nacional e internacional em troca de vantagens

fiscais e mão de obra barata, rotulada de desqualificada.

A teoria marxista fornece importantes elementos para o entendimento da correlação

entre as mudanças na estrutura produtiva e o perfil do emprego, pois concede

primazia ao âmbito da produção e do lugar que esta ocupa na sociedade para

determinar o lugar social dos indivíduos (MARX, 1980).

Neste sentido a relação assalariada, específica do modo de produção capitalista, só

se constitui historicamente quando há separação entre produtores e meios de

produção. Destarte, Cardoso (1995) enfatiza que nas relações de produção são os

homens que a constroem ao produzirem os meios de produção e reproduzirem a si

mesmos e à sociedade, não é um mero desenrolar de fatos econômicos e sociais

sem finalidade, possui uma direção consciente.

Na compreensão dos significados e das dimensões das mudanças que vêm

ocorrendo no mundo do trabalho, Antunes (2004, p. 72) aponta que:

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A classe trabalhadora no século XXI, em plena era da globalização,é mais fragmentada, mais heterogênea, e ainda mais diversificada. Pode-se constatar, nesse processo, uma perda significativa de direitos e de sentidos, em sintonia com o caráter destrutivo do capital vigente. O sistema de metabolismo, sob controle do capital, tornou o trabalho ainda mais precarizado, por meio das formas de subempregado, desempregado, intensificando os níveis de exploração para aqueles que trabalham.

Considerando esta discussão, observa-se que a crise capitalista que se manifestou

globalmente desde os anos 70, exigiu uma nova reestruturação produtiva e

encontrou no Toyotismo o poder ideológico de uma ofensiva no âmbito da produção,

em face de mundialização do capital. A ofensiva do capital na produção assume, nos

termos de Gramsci (1978), o caráter de uma revolução passiva que gera no

trabalhador um novo conformismo e a agudização das desigualdades. (grifo nosso).

Ao lado dessas desigualdades encontra-se o próprio modelo contraditório de

desenvolvimento que, ideologicamente, vende um projeto de modernidade, de

avanços tecnológicos e aumentando as crises de desempregos e migrações campo-

cidade, além de uma invasão territorial, desconsiderando a identidade local, como

costumes, modo de vida e trabalho.

Diante do exposto, torna-se necessário compreender o processo de implantação do

Projeto Premium I em Bacabeira frente às atividades de exploração da Petrobrás.

3.1 A Petrobrás e a transnacionalização do capital: a refinaria Premium I no

Maranhão

A Petróleo Brasileiro S/A (Petrobrás) surgiu em outubro de 1953, com a edição da

Lei 2.004, com o objetivo de executar as atividades do setor petróleo no Brasil em

nome da União. Até 1997, a empresa detinha o monopólio das operações de

exploração e produção de petróleo, bem como as demais atividades ligadas ao

setor, à exceção da distribuição atacadista e da revenda no varejo pelos postos de

abastecimento.

Ao longo do Século XX, o petróleo se constituiu num tema sensível para os países

desenvolvidos, tanto pelos interesses econômicos da indústria do petróleo, quanto

pelo fato de que as economias norte-americana e européia dependiam, como

dependem até hoje, de petróleo importado. Alvo inclusive de guerras na disputa pelo

petróleo.

Um cartel conhecido como as "sete irmãs" dominou o mercado mundial do petróleo

até os anos sessenta. Cinco dessas empresas eram norte-americanas, uma delas

era uma empresa inglesa e a última uma empresa anglo-holandesa.

Em 1938, durante o Estado Novo, o Estado Maior das Forças Armadas elaborou um

documento levantando a necessidade de uma política para o petróleo e propondo o

monopólio estatal.

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Após diversos debates sobre o tema no interior do governo, Getúlio Vargas publicou

o Decreto-Lei nº 395 de 29 de abril de 1938, criando o Conselho Nacional do

Petróleo e restringindo a refinação a empresas formadas por brasileiros natos. Em 7

de julho de 1938 era publicado o Decreto-Lei nº 366, que definia a estrutura do novo

órgão, com posição nacionalista e favorável ao monopólio estatal do petróleo.

Em 7 de maio de 1941 o Decreto-Lei 3236 determinou que as jazidas de petróleo e

de gás passavam a pertencer à União.

A campanha em favor do controle nacional sobre o petróleo constituiu-se num dos

movimentos de opinião públicos mais vigorosos da história política brasileira e ficou

conhecida por seu lema: "O petróleo é nosso".

A Petrobrás surge nesse contexto, sendo hoje uma empresa de capital aberto,

contando com mais de 131.000 acionistas. O controle de capital, contudo,

permanece nas mãos da União Federal, que detém 55,7% do capital votante e

32,2% do capital social.

A globalização do capital alcançou um estágio superior e converteu-se em

transnacionalização.

Segundo Massey (2000, p.39) mais do que a junção de fronteiras, trata-se da

passagem por cima das fronteiras, por isso a terminologia de companhias

multinacionais, deve ser substituída por companhias transnacionais. Elas não juntam

Nações, passam por cima delas.

Para (Cano,1937, p.28) a industrialização tem sido proposta, para cada uma das

regiões brasileiras, como solução maior para o problema do desenvolvimento e das

disparidades regionais”. Mas em que condições se dá este processo? Garantirá tal

estimado desenvolvimento? E a população como tem enfrentado tal situação?

A implantação das atividades de exploração da Petrobrás no Maranhão, traz sem

dúvida, impactos sobre a antiga estrutura econômica e modos de vida e trabalho da

população local (Bacabeira e inclusive da capital São Luís).

Do ponto de vista estrutural, as atividades da Petrobrás instauram a existência de

novos grupos sociais, oriundos inclusive de outros Estados da federação e

internacional. Conforme dados fornecidos pela Engenharia da Petrobrás em

novembro de 2011, a mão de obra atual é de 30% de Bacabeira, 25% de Rosário ,

9% de Santa Rita e 15% de São Luís.

A Experiência brasileira diz que a instalação de refinarias está relacionada a uma

grande elevação da renda per capita, mas não cria, por si só as condições para a

distribuição da renda e das oportunidades.

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Há que se pensar os projetos de investimento que serão realizados no Maranhão do

ponto de vista de sua relação com uma determinada territorialidade, cultura e meio

ambiente.

3.2 Derrubando o muro de Bacabeira: uma primeira aproximação com a realidade

local

O entendimento de regiões habitadas por populações locais e por seus modos de

vida como um vazio demográfico e cultural (Mendonça, 2006), servem de discursos

ideológicos desenvolvimentistas para justificar sua apropriação territorial em

detrimento do deslocamento de populações tradicionais que lá estabelecem relações

produtivas, culturais e históricas.

Esses grupos, quando chegam a ser considerados, principalmente quando ocupam

territórios almejados pelos empreendimentos, normalmente são percebidos como

obstáculos para o desenvolvimento, e portanto, devem ser cooptados ou suprimidos.

As populações locais, no entanto, constituem um modo de vida próprio (cultura,

sociabilidade, trabalho), em grande medida adaptado às condições ecológicas,

predominando uma economia familiar e diversificada, ou seja, agricultura, pesca,

extrativismo, artesanato, comum calendário sazonal anual, conforme os recursos

naturais explorados, normalmente, sob o regime familiar de organização do trabalho

(ALMEIDA e CUNHA, 2001; LITTLE, 2002; ALVES; SANT‟ANA JÚNIOR e

MENDONÇA,2007).

Estas populações tradicionais quando ameaçadas, se unem e criam suas próprias

estratégias de enfrentamento ao modelo desenvolvimentista que lhe são impostos,

seja na condição de sobrevivência e/ou de emancipação.

Parafraseando o professor Frederico Lago Burnett sobre a produção do espaço, o

mesmo afirma a partir de uma análise marxista, que para o capital o espaço precisa

ser abstrato, não possuir proprietário, e caso haja, ele precisa deixar de existir para

que ocorra a exploração do espaço e da mão de obra.

Nessa perspectiva, Lefebvre (1968) afirma que o espaço é ao mesmo tempo um

meio de produção como terra e parte das forças sociais de produção como espaço.

Ele é um objeto de consumo, um instrumento político e um elemento na luta de

classes.

Sendo assim, o processo de apropriação do espaço significa uma relação com a

produção e coexistência de quem produz.

Historicamente a Petrobrás se tornou para uma grande parte dos brasileiros um

símbolo de soberania, progresso e orgulho nacional. Frente a este cenário, constata-

se um relativo silêncio sobre os impactos sócio-ambientais de suas atividades e de

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pouca visibilidade as manifestações contrárias. Aliás, quem se atreveria ir contra o

“progresso”, a oferta de emprego e a auto-suficiência petrolífera da Nação?

No entanto, não se registram publicamente as denúncias dos Movimentos de

pescadores da Baía de Guanabara quanto ao derramamento de petróleo da refinaria

Duque de Caxias em 2000 no Rio de Janeiro, os alertas do sindicato dos petroleiros

da Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão em São Paulo sobre os problemas

ocupacionais de 20% dos trabalhadores contaminados por benzeno, a contaminação

de lençóis freáticos pelos postos Petrobrás em Brasília, denunciados por entidades

ambientalistas, sobre as denúncias do Conselho Indiginista Missionário - (CIMI)

quanto à distribuição de espingardas e munições aos funcionários para reagirem aos

ataques dos índios contra a empresa no Vale Javari (AM) em 1980, e recentemente

denúncias da Comissão pastoral da Pesca na Bahia e no Rio de Janeiro sobre as

atividades de transporte de combustível e refino nessas regiões, têm afetado

diretamente as atividades produtivas que constituíam fonte de renda dessas

comunidades.

Em uma primeira aproximação com a realidade de Bacabeira, registramos a queda

do muro de Bacabeira, terreno que estava sendo cercado pela empresa da

Petrobrás e que antes era um espaço da comunidade, onde se realiza os festejos,

as danças culturais, dentre elas ao do Bumba-meu-boi, quadrilhas e regaae. A

comunidade não consentiu tal processo, embargando o cercamento.

Conforme dados colhidos no blogfacil.net-bacabeira–emfoco: Outra manifestação da

população local, não divulgada na mídia, silenciando os conflitos já existentes no

processo inicial de implantação do Projeto, ocorreu no dia 31/12/2011:

“O tumulto e os comentários na cidade de Bacabeira é grande. Tudo gerado em torno da demissão em massa realizada pelo consórcio GSF, que é responsável pela construção da Refinaria Premium I. Segundo informações de alguns trabalhadores, o número de demissões chega a quase 1.000 (MIL) trabalhadores entre homens e mulheres, o que causou a aglomeração de pessoas nas ruas e nas paradas de embarque e desembarque de passageiros, na cidade. A rotina é igual todos os anos. Com a chegada do período chuvoso no Maranhão, é certo de que os meses trabalhados na refinaria sejam de apenas seis (6) meses durante cada ano, conforme cronograma do próprio Consórcio.”

Entre a realidade e o discurso dominante,existe a tendência a naturalizar tais

situações. O processo de demissão já prevista pela empresa devido situações

climáticas, intitulada de “desmobilização”, não leva em consideração que a

população local modificou as formas de produção mediante a inserção de novas

relações de produção.

De acordo com dados do IBGE (2008), o número de habitantes em Bacabeira é de

14.611 habitantes, e a atividade produtiva da região (Axixá, Bacabeira, Cachoeira

Grande, Icatu, Morros, Presidente Juscelino e Rosário) está em torno do turismo,

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cerâmica, artesanato, pesca, extrativismo vegetal e mineral-areia e brita e na

agricultura- mandioca,arroz e eucalipto.

Nesse contexto, a população é induzida ao novo molde de produção capitalista, que

de maneira avassaladora rompe com sua identidade original, de uma história que o

“vento levou”.

Nessa perspectiva, (Brandão, 2007, p.86) afirma quetorna-se difícil tensionar a

correlações de forças políticas postas no bloco então no poder, de natureza

oligárquico-mercantilista, tendo “camadas baixas” difusas, deserdadas e com fratura

orgânica na falta de propriedade e de direitos.

Diante desta conjuntura, torna-se extremamente necessário observar, discutir e

propor uma política de desenvolvimento para o Maranhão.

Considerando as realidades já vivenciadas por outras localidades, presume-se que

outros impactos estarão por vir em nossa região. O Maranhão assim como outros

Estados da Federação, segue a lógica do projeto neoliberal, financiado por verbas

federais e transnacionais, sem considerar a diversidade regional, cultura e forma de

coexistência de uma população, além do seu direito ao uso do espaço territorial.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendendo a conjuntura atual, face à diversidade política, econômica, social,

ambiental e cultural do Maranhão, vem-se implantando grandes empreendimentos

econômicos no setor minero-siderúrgico na região. Na esfera deste setor vem-se

evidenciando que diversas territorialidades rurais são atingidas, trazendo também

impactos para as zonas urbanas, emergindo conflitos sociais e ambientais,

resultando no surgimento de movimentos sociais que demandam do Estado uma

ação mais abrangente.

A instalação de projetos de grande porte em outros estados da federação mostram

que uma elevada parcela das novas oportunidades é perdida por empresas e

trabalhadores locais como decorrência, do nível de escolaridade e falta de formação

específica para tal setor. Nesse sentido, avalia-se no âmbito do governo estadual e

dos municípios afetados intensamente pelo projeto (Bacabeira, Rosário e a capital

São Luís) a ausência de iniciativas de planejamento econômico e de políticas que

regulem a geração de empregos e renda local e regional, bem como acompanhe o

processo de implantação em observância aos impactos sociais, culturais e

ambientais da região.

Sabe-se que as desigualdades sociais e regionais encontram sua gênese e

legitimação no próprio modelo contraditório de desenvolvimento que,

ideologicamente, vende um projeto de modernidade, de avanços tecnológicos e, por

outro lado, agudizam-se as crises de desempregos e migrações campo-cidade, além

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de uma invasão territorial, desconsiderando a identidade local, como costumes,

modo de vida e trabalho.

As iniciativas de planejamento econômico e de políticas que regulem a questão

ambiental, a geração de empregos e renda local e regional, não acompanha e avalia

o processo de implantação do projeto.

Diante deste contexto, a população local tem sofrido alterações no modo de vida e

formas de produção, considerando a desapropriação de espaços territoriais e da

dificuldade de absorção pela Refinaria devido ao seu grau de escolaridade, e

quando uma pequena parcela da população é absorvida, em situação bem desigual

em termos salariais e garantias trabalhistas.

Deve-se considerar que o Estado do Maranhão historicamente está situado na

periferia do capitalismo mundial, em que as relações se configuram na primazia dos

países e regiões hegemônicas sobre as periféricas, desconsiderando as realidades

e culturas intrínsecas ao local, resultando com um desenvolvimento desigual, sem

considerar as diferentes dimensões e expressões territoriais, redirecionando os

recursos existentes nesta região em favor de um mercado transnacional.

Partindo desse contexto, é importante pontuar que deverá existir algumas medidas

que devem considerar a forma dinâmica desta territorialidade, no sentido a

maximizar os ganhos para o Estado e sua população.

Sem sombra de dúvidas o Projeto está em processo de implantação, não havendo

como negar tal processo. O grande desafio é como utilizar este processo de

implantação no sentido de uma nova articulação da economia maranhense com a

economia nacional e transnacional, permitindo que outras atividades produtivas

possam gerar renda no Estado, de forma a reduzir a pobreza e a exclusão e criar um

Maranhão menos desigual.

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9 O IMPACTO SÓCIO-AMBIENTAL DA MONOCULTURA DO EUCALIPTO

(EUCALYPTUS) NO ASSENTAMENTO CALIFÓRNIA, MUNICÍPIO DE

AÇAILÂNDIA, ESTADO DO MARANHAO.

Kátia Gomes de Sousa63

RESUMO

O presente trabalho é resultado da pesquisa realizada no Assentamento Califórnia,

Município de Açailândia, Estado do Maranhão, com o objetivo de diagnosticar os

impactos sócios ambientais ocorridos por conta da implantação da monocultura do

eucalipto (Eucalyptus) no entorno deste, pela Ferro-gusa. Para a coleta de dados foi

realizada uma amostra de 50% das famílias abrangendo um total de 100 pessoas,

através de um questionário de perguntas abertas, abordando questões sobre o

impacto sócio ambiental da monocultura, procurando identificar os malefícios

causados às pessoas que vivem no Assentamento, e o grau de insatisfação destas

com a empresa. Os resultados obtidos indicam que a monocultura do eucalipto vem

prejudicando a comunidade, devido vários fatores: a escassez nos lençóis freáticos,

os problemas na agricultura provocados pelo uso de agrotóxicos e vários problemas

de saúde provocados pela fumaça da queima da madeira nas proximidades do

assentamento. Os agricultores em sua maioria demonstram-se preocupados com a

saúde e a preservação do meio ambiente.

Palavras-Chave: Meio Ambiente; Agrotóxico; Impacto Sócio Ambiental.

63

Licenciada em ciências Agrárias – UFPB e especialista em educação do campo – UEMA. E-mail: [email protected].

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho é resultado da pesquisa que teve por objetivo diagnosticar os

impactos sócios ambientais causados pela multinacional Nucor Corporation, Vale do

Rio Doce e a Ferro Gusa Carajás na fazenda Monte Líbano no estado

Maranhão,mais especificamente a região oeste do estado, em ocasião da

implantação da monocultura do eucalipto ao lado do Assentamento

CalifórniaAçailândia. Tendo em vista unir os conhecimentos que possam auxiliar no

enfrentamento da atual conjuntura vivida pela comunidade acima mencionada e para

o fortalecimento de futuras discursões científicas a cerca do trabalho proposto.

Esta pesquisa foi desenvolvida em 2008, como requisito para a conclusão do Curso

de Licenciatura em Ciências Agrárias, realizado através de parceria entre a

Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST), pelo Programa Nacional de Educação em Áreas de Reforma

Agrária (PRONERA), e contou também com a participação de vários assentados

dentre eles professores, agente de saúde e agricultores.

O método de acordo com João Álvaro Ruiz (apud Gastardi, 1998) consiste na

observação dos fatos tal como ocorrem na coleta de dados e no registro de variáveis

presumivelmente relevantes para posteriores análises.

Como descrito acima, usou-se como coleta de dados a pesquisa oral através de

reuniões, assembleias e seminário. Baseado neste método buscou se colher

informações a partir da espontaneidade dos participantes.

Foi realizada a aplicação de alguns questionários no Assentamento no intuito de

observar, analisar e coletar informações da realidade e registrar informações

relevantes ao estudo.Todo o procedimento de aplicação de questionário durou uns

15 dias, isso porque muitas pessoas moram em seus lotes ou estavam pra cidade.

[...] o informante é competente para exprimir com clareza sobre questões da sua experiência e comunicar representações e análises, prestar informações fidedignas, manifestar em seus atos o significado que tem num contexto em que eles se realizam, revelando tanto a singularidade quanto a historicidade dos atos, concepções e idéias (Chizzotte, 1991).

Foi utilizada também a análise de conteúdo, que se trata da análise das informações

coletadas por meio de estudos realizado, consubstanciadas em outros referenciais.

Nos procedimentos práticos adotados para realização desta pesquisa, fez se

necessário o uso das referências bibliográficas referentes ao tema, no qual o

professor Silvestre e demais amigos puderam contribuir.

Por conhecer e residir na comunidade, fizemos contato com o Sr. Raimundo Marçon,

advogado do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH), de

Açailândia e José Mendes Junior estudante de direito pelo MST, filho de Assentado,

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também residente na comunidade, ambos tem acompanhado de perto os problemas

provocados pelo plantio de eucalipto na comunidade, os mesmos realizaram

pesquisas relacionadas a todos os problemas vivenciados e representam legalmente

o Assentamento. E por fim, não menos importante, foi realizada a pesquisa de

campo de forma aleatória.

2. O AGRONEGÓCIO NO OESTE DO MARANHÃO

De acordo com GUAZELE (2006), agronegócio é uma palavra que entrou de vez no

vocabulário nacional. O agronegócio inclui todos os setores relacionados à

agricultura e a criações de animais, como o comércio de sementes, de adubos, de

agrotóxicos, de produtos veterinários, de maquinas e equipamentos. Inclui ainda as

indústrias de processamento, os frigoríficos e abatedouros, o transporte da produção

e as atividades de distribuição dos produtos.

O agronegócio é visto pelos setores do governo, pelo empresariado e por parte da

população como sinônimo de modernidade, de desenvolvimento, de progresso e de

riqueza. Neste contexto, agronegócio é uma palavra associada ao Brasil que da

certo. Mas seu crescimento tem trazido uma série de impactos negativos sobre a

população rural e urbana e sobre o meio ambiente.

Para aumentar a agricultura de exportação no país, grandes áreas de terra

agricultáveis tendem a aumentar para o desenvolvimento do agronegócio se

expandir visando o capital.

O Sistema Florestal Brasileiro (SFB) apresentou para a região de Carajás uma proposta de um Distrito Florestal. Trata-se de uma área de 28 milhões de hectares. Seria plantado um milhão de hectares de eucalipto para sustentar as usinas de produção de ferro-gusa nos pólos de Marabá - PA e Açailândia- MA, onde existe o maior número de siderúrgicas (LIMA, 2006).

Açailândia é a galinha dos ovos de ouro da CVRD - Companhia Vale do Rio Doce,

empresa esta de grande importância mundial no setor de mineração, cujolucro

superou R$ 10 bilhões no ano de 2006. A CVRD e ARACRUZ são detentoras do

poder na região, juntas se interligam dando sustentação aos interesses comuns,

visto que uma depende do produto da outra para se auto sustentar.

A siderúrgica Gusa Norte, é integrante do grupo mineiro Ferroeste Industrial,

pretende investir R$ 11,8 milhões em uma área de 4,1 mil hectare para plantações

de eucalipto clonal no distrito industrial de Pequiá, em Açailândia (MA),uma região

bastante desmatada e que sofre com a degradação ambiental e poluição vinda da

siderúrgica. O Banco do Nordeste do Brasil liberou R$ 8 milhões para a empreitada.

A iniciativa é considerada como uma ação de reflorestamento pela empresa

responsável, mas sua intenção real é usar os eucaliptos como parte principal do

planejamento de auto-sustentabilidade energética da siderúrgica. (LIMA,2006).

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2.1 O impacto da monocultura do eucalipto na agricultura de subsistencia

O eucalipto é destinado principalmente à produção de carvão utilizado como matéria

prima para as siderúrgicas, e traz grandes benefícios para o setor monocultor e para

a geração de lucros, suprindo as necessidades do modelo agroexportador. Embora

a origem do eucalipto tenha se dado na Austrália, vários países propagam-no, para

diversas finalidades. No Brasil o eucalipto vem sendo cultivado em muitas regiões,

com forte tendência a predominância da plantação em varias localidades do estado

do Maranhão, exigindo maior concentração de terras e água. Trata-se de uma

espécie melhorada geneticamente que se desenvolve muito bem em diferentes

climas e solos. E é responsável diretamente pela substituição inviável da floresta

nativa.

Segundo MEIRELLES,(2006) no Brasil, no Cerrado do Norte de Minas Gerais, nas

regiões de Curvelo e Montes Claros, os impactos da monocultura do eucalipto sobre

os recursos hídricos têm afetado diretamente a vida do campesinato regional,

composto por geraiszeiros e varzeageiros. Também no Maranhão, na região de

Varjão dos Crentes, os plantios de eucalipto da CELMAR são narrados como

impactantes da água na região.

O plantio requer um olhar crítico da sociedade, pois estudos relacionados aos

impactos provocados por este modelo indicam que a alta produtividade do eucalipto

destrói a biodiversidade, desagrega as propriedades físico-químicas do solo

tornando - o cada vez menos fértil, ameaçando os lençóis freáticos, expulsando o

homem do campo, comprometendo o bem estar social, ambiental e cultural da

população local.

Segundo ABREU (1994), com a modernização os agricultores passaram a ver a

terra fonte de alimentação, como o lugar de produzir capital.

A importância da terra decresce na medida em que o capitalismo se

desenvolve no conjunto de economia e, em particular, no campo,

eliminando economicamente e socialmente a agricultura de subsistência e

as formas primitivas de produção agrícola destinada ao mercado

(GRASIANO, 1981).

O valor da terra diminui no sentido do fortalecimento capitalista e se desenvolve

economicamente impossibilitando o desenvolvimento da agricultura familiar, hoje a

responsável por alimentar 84% da sociedade brasileira, no entanto, o que vem

ocorrendo no campo por falta de investimento, é o abandono por seus habitantes,

que buscam melhores condições de vida, transferem – se de regiões consideradas

de menos condições de sustentabilidade de forma muito elevada no pais, isto estar

intrinsecamente ligado à colonização brasileira, onde a economia era baseada no

extrativismo e na monocultura.

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Para MOURA (2004), é da própria natureza da produção familiar que os agricultores

realizem sua vinculação com a terra, considerando mais os critérios afetivos do que

indicadores. Infelizmente a falta de aplicação de recursos e novas técnicas por parte

dos governantes tem levado este tipo de agricultura a uma situação grave e

consequentemente, os agricultores a passar necessidade por não produzir um

número esperado, até mesmo para sua sobrevivência. É as custa desta agricultura

decadente e de um extrativismo que quase sempre não conseguiu reverter em

dignidade o esforço e dedicação dos trabalhadores rurais.

A industrialização da agricultura foi efetivada como apoio estatal cujos emblemas passaram a ser chamados de CAIS (complexo agroindustriais), consolidou como padrão “moderno” de desempenho e produtividade, respondendo por um lado, pela implantação do capitalismo no campo sem alterações na estrutura fundiária e por outro lado, pela cristalização de dois padrões da produção rural, visto como polares, quando não excludente o capitalista (dos CAIS) e o da produção familiar, tida como disfuncional incompatível ou simplesmente inviável (STEDILE apud MEDEIROS, 2006).

A modernização da agricultura teve efeitos negativos no campo, com o apoio das

grandes empresas governamentais desta forma modernizando a produção no

campo, implantando o capitalismo de modo geral na agricultura e pecuária, criando

então dois modelos agrários distintos, excluindo a agricultura de subsistência e

potencializando o latifúndio.

O discurso dos que defendem a monocultura do eucalipto perde a veracidade

quando se analisa o potencial de geração de emprego, além de se analisar que,

tradicionalmente a agricultura familiar sempre foi a responsável por garantir emprego

e alimentação a sociedade em geral. Contudo a mesma não recebe investimentos

necessários que garantam as condições adequadas de trabalho dos pequenos

agricultores, sobretudo pelos governos. Isso significa dizer que estar se deixando de

produzir alimentos para se plantar eucalipto, tendo como consequência a redução de

trabalho ao homem do campo. Podendo assim afirmar que a monocultura do

eucalipto produz um estrago cultural.

O processo de construção do crescimento capitalista no campo brasileiro

caracterizou-se como um espaço gerador de profundas desigualdades sociais, por

um regime ditador exibicionista. Segundo Martins, o mesmo defendeu a questão

agrária, respaldando e subsidiando os latifundiários (STEDILE, 2006).

A modernização conservadora da agricultura brasileira dirigida pela classe

dominante funda-se numa racionalidade perversa e injusta, pois não responde às

demandas e interesses da população rural e tão pouco de todo o povo brasileiro

(SOUZA, et.al, 2005).

Ao vislumbrar o campo brasileiro no processo de transformação e modernização,

observa-se um quadro degradante de grandes dilemas e contradições, sobretudo,

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no que se refere à agricultura de subsistência de uma realidade injusta que não se

preocupa com os interesses dos pequenos agricultores. O pacote agrícola do país

mostra nitidamente que estar voltado para atender a demanda e os interesses da

classe dominante.

A expansão da monocultura no campo agrícola brasileiro afeta diretamente a

agricultura familiar, um ponto altamente negativo que está diretamente ligado com

este pacote de destruição. Os agrotóxicos constituíram ao longo desta historia uma

imagem “benéfica” que teima em se contradizer com suas ações a natureza.

De acordo com o Ministério da Agricultura, o hoje Brasil é o maior consumidor de

agrotóxicos do mundo. Só no ano de 2009 foram utilizadas cerca de 800 mil

toneladas de produtos químicos nas lavouras. Esse número, se distribuído aos

brasileiros, dá a cada um 5 litros de veneno por ano. Os prejuízos provocados por

esses produtos são ainda maiores quando são falsificados e vendidos sem registro.

Em 2008, o Brasil tornou-se o maior consumidor mundial de venenos agrícolas

(733,9 milhões de toneladas), ultrapassando os Estados Unidos (646 milhões de

toneladas). A cultura que mais consome agrotóxico é a soja. (MPF, 2012).

3. ASSENTAMENTO CALIFÓRNIA: DANOS CAUSADOS AOS ASSENTADOS E

AO MEIO AMBIENTE RESULTANTE DA MONOCULTURA DO EUCALIPTO.

O Assentamento tem sido um local marcado por grandes historias principalmente no

que se refere à luta dos assentados, contra os vários tipos de injustiças e

desrespeito a classe trabalhadora. O povo mais uma vez persiste e resiste, lutando

para garantia de seus direitos contra os desrespeitos impostos pelos interesses do

capital.

Durante a pesquisa observou-se a participação dos assentados se deu em peso na

mobilização contra o agronegócio e a favor da vida, realizada pelo Movimento dos

Trabalhadores Rurais - MST, em ocasião da Jornada Nacional de Lutas no dia oito

de março de 2008, as “mulheres” interditaram a BR 010, que liga Belém ao Pará, na

ocasião entregaram folder na intensão de informar a sociedade sobre os problemas

que a comunidade vem sofrendo em virtudeda fumaça causada pelos 74 fornos

industriais que fica a 800m do Assentamento Califórnia. É importante ressaltar que

já haviam sido feitas várias denúncias, e até aquele momento não havia respostas

por parte dos órgãos legais. Através desta atividade o problema passou a ter maior

visibilidade, e ser conhecido nacionalmente.

Outra atividade importante realizada no próprio assentamento foi uma Assembleia

na Escola municipal Antonio de Assis E.M.A.A., onde esteve presentes

representantes da secretaria do meio ambiente do Estado MA, Cesar Carneiro e

Dominice que tinham como objetivo esclarecer como estavam as negociações sobre

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os problemas provocados pela fumaça do eucalipto no assentamento, e possível

alternativa para resolver o problema.

A realização de seminário com o tema EUCALIPTO NÃO! Com a participação dos

assentados e estudantes de Serviço Social da UNIVIMA, estas ações fizeram parte

do conjunto de ações que objetivavam despertar a sociedade para os malefícios do

agronegócio na região.

A partir dos questionários realizados, procurou-se registrar os principais problemas

percebidos na visão dos agricultores detentores desta história. Ao analisar o

conteúdo das falas dos entrevistados fez se necessário organizar as fala sobre os

principais problemas que acometem a comunidade. Esta seção apresenta análise e

discussão das respostas fornecidas ao questionário, iniciando com a questão na

qual se procurou identificar de forma direta os fatores que foram detectados pelos

impactos sócio ambientais da monocultura do eucalipto.

De acordo com os questionários, existe um numero bastante elevado da população

que vem sofrendo com a fumaça da queima do eucalipto, ficando assim, uma vasta

porcentagem de pessoas que sofrem problemas graves de saúde, uma vez que isso

vem acontecendo diariamente há quatro anos.

De acordo com as respostas fornecidas, as pessoas entendem que o

reflorestamento não cumpre como o papel que prega socialmente, tendo em vista

que as respostas mostram a veracidade do contexto descrito. Diante das respostas

obtidas, ficou claro que a cultura do eucalipto contribui para o aumento exorbitante

do capitalismo das grandes multinacionais, uma vez que essa empresa esta visando

unicamente o lucro, enquanto que a conservação do meio ambiente e as pessoas

que moram nas áreas mais atingidas pelos impactos desta monocultura ficam a

mercê deste sistema.

Percebe-se que os assentados estão informados do contexto histórico que passa a

região oeste no estado do Maranhão a respeito de todos os problemas que a

monocultura, sobretudo o eucalipto estar causando na vida das pessoas e do meio

ambiente.

Pode-se analisar que os agricultores estão altamente conscientes das

consequências que o eucalipto pode trazer para sociedade principalmente para os

moradores do Assentamento.

As plantações de eucaliptos, dos mais variados motivos, são responsáveis por uma

longa lista de degradação ambiental. Causaram fortes impactos devido à

implementação de altas tecnologias como a construção dos fornos industriais para

queima de madeira e produção de carvão vegetal.

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Figuras. 01 e 02: Carvoaria industrial da Companhia Ferro Gaza Carajás. Arquivo: Rafael.

Por conta do alto índice de fumaça advindo dos fornos industriais o ar respirado é

puramente poluído. Esta fumaça produzida pelo eucalipto contém substancias

tóxicas vem causando problemas de saúde as famílias assentadas.

Muitas denúncias foram feitas: ao Ministério Publico Federal e Estadual, às

secretarias municipais e estaduais do Meio Ambiente, à Vigilância Sanitária entre

outros órgãos e os problemas só tende a crescer. Pois são atos criminosos que as

autoridades ambientais por algum motivo teimam em fechar os olhos.

As grandes máquinas contribuem para o desaparecimento da fauna e da flora,

provocam desmatamento, causam erosões e contribui para compactaçãodo solo,

devido o uso destas máquinas pesadas e do alto índice de agrotóxico que contamina

a água e o solo a sociedade e a natureza só têm a lamentar.

Sobre os problemas dos lençóis freáticos, Sr. Miguel, cavador de poços artesiano e

cacimbão com seus conhecimentos empíricos diz: “a profundidade dos lençóis

freáticos tem tornado a água mais escassa nos últimos anos, isso, tem aumentado

consideravelmente devido a grande plantação de eucalipto vizinho ao

Assentamento”. Pelo exposto, a profundidade da água de acordo com a distância

dos lotes, tem se elevado nos últimos nove anos.

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Poço cacimbão:

100 m.

96 m não encontrou

água

Poço cacimbão; 4

km

55 m encontrou água

Poço cacimbão; 5

km

58 m encontrou água

Poço cacimbão; 6

km

30 m encontrou água

Poço artesiano:12

km

160 m encontrou água

Poço artesiano na

própria vila

220 m encontrou água

Tabela 1: distância relativa entre a vila e os locais onde foram cavados os poços

A implantação do plantio de eucalipto vizinho ao Assentamento levou à perda do

bioma ali existente. O fim da floresta contribuiu ainda mais para a extinção de um

córrego, que muitas vezes foi o lugar de onde mulheres se reuniam para lavar suas

roupas, quando dava problema na bomba que abastece a caixa de água do

Assentamento.

O desaparecimento da mata também significou o fim da paz de todos os moradores

da comunidade, pois, logo com a grande plantação veio os grandes desastres. A

perda da biodiversidade significou a perda de uma grande quantidade de animais,

da mata e, consequentemente, a poluição do ar.

Os agricultores desenvolviam os seus plantios de um modo bem simples. Após a

chegada do eucalipto, com alto índice de produtos químicos, começaram a

prejudicar as plantações da comunidade. O veneno passou a contaminar as

lavouras e o solo fonte de sustento, começou a aparecer muitas pragas uma delas é

a formiga.

Com a chegada da Ferro Gusa Carajas nas proximidades do assentamento, alguns

jovens passaram a desenvolver trabalho na própria empresa, nos grandes plantios

de eucaliptos e após algum tempo na construção de fornos industriais, todos

ganhando migalhas pelo suor de cada dia intenso de trabalho. Isso ocorre pela

necessidade econômica, perda de identidade enquanto agricultor, por influencia e

aculturação da cidade, por falta de politica publica voltada para os jovens e também

por muitos terem uma família a zelar.

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O trabalho desenvolvido por eles funciona a base manual, mas, a maioria das

atividades desenvolvidas na empresa funciona de forma modernizada, as maquinas

fazem o trabalho das pessoas com maior intensidade, uma só desenvolve o trabalho

de 400 homens.

Figura. 03: BR 010. Figura 04: Assentamento Califórnia, Açailândia – MA.

Como é demonstrado pelas figuras acima, o plantio de eucalipto foi feito ao lado do

assentamento no qual a BR 010 os dividem a BR, facilita o escoamento de todo o

carvão vegetal, produzido em fornos industriais que fica ao lado do Assentamento

para serem utilizados pelas siderúrgicas em Açailândia. A plantação de eucalipto

envolve toda área² do Assentamento e isto tem agredido diretamente a lavoura ali

plantada. Os agricultores estão ilhados pelo deserto verde.

Alguns dos problemas explicados empiricamente pelos agricultores como: Chuva

ácida, amarelão nas plantas e a contaminação do solo foram provocados pelo uso

de agrotóxico que muitas vezes foram lançados por aviões nos plantio de eucalipto

pela proximidade da plantação ao Assentamento causando tais consequências.

Sr. Rui Pereira de Oliveira diz: “O eucalipto é um plantio modificado

geneticamente, logo não pode se dizer que ele é um tipo de reflorestamento

verdadeiro não conserva a biodiversidade e o único objetivo da empresa

com este plantio é o lucro” (Assentado. Depoimento feito dia 13/07/08).

Na imensa vastidão sem fim do eucalipto, vive um publico composto por jovens

adultos, crianças e idosos, pertencentes à classe dos trabalhadores rurais sem terra,

que mesmo residindo no meio do deserto verde, transmite noseu semblante um ar

de felicidade e ainda encontram forças para resistirem aos problemas impostos pela

Ferro Gusa.

A Vale do Rio Doce, a Nucor Corporation (siderúrgica norte americana) e a Ferro

Gusa Carajás hoje são as grandes culpadas por muitas pessoas se sentirem

ameaçadas por milhões de pés de eucalipto, sem outras perspectivas de trabalho.

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A fumaça hoje é um dos pontos mais forte discutido em reuniões, assembleias,

seminários, escola comunidade enfim por todos, sobre os problemas de saúde

problemas que afeta diretamente as crianças, idosos, jovens e adultos.

As doenças acometidas por conta da fumaça, comprovadas por laudos médicos e de

maior repercussão na comunidade são: problemas de vista, cansaço, olhos irritados,

lacrimejamento nas vistas, gripe, garganta inflamada, manchas na pele, perca de

sono, problemas respiratório, pneumonia, bronquite, asma, alergia e tosse forte.

4. CONSIDERAÇOES FINAIS

Considera - se que o estudo de impactos sócio ambientais da monocultura do

eucalipto, e as análises destes impactos no Assentamento e região, constituíram-se

numa ferramenta importante, tanto para a avaliação dos problemas provocados pela

monocultura do eucalipto quanto à sistematização de informações relacionadas às

consequências causadas por este modelo.

Constatou-se, portanto, através da história narrada de conflitos entre populações e

empresa de monocultura sob que condições são produzidos o eucalipto e o carvão

no Brasil, visto que a monocultura se impôs sobre um território de grande

diversidade social e biológica.

As siderúrgicas em Açailândia são responsáveis pela destruição da floresta nativa,

pelo trabalho degradante dos trabalhadores que ariscam suas vidas para garantir o

alto sustento nas carvoarias industriais. Fortalece a desigualdade social, a violência

no campo e na cidade, a devastação, a exploração e o latifúndio. Os órgãos

ambientais são coniventes com a monocultura, visto que as políticas aplicadas pelos

governos no Brasil visam o desenvolvimento do capitalismo no campo.

Os movimentos sociais do campo junto aos assentados resistem contra o deserto

verde, pois os grandes plantios de eucalipto diminuem as perspectivas de vida das

pessoas que moram no local.

Foi verificado pelos agricultores que eles estão sendo afetados pela fumaça do

eucalipto, e o agrotóxico pulverizado por avião sobre o plantio. Segundo seu Miguel

as águas do subsolo esta diminuindo no Assentamento. Os agricultores concluíram

que a monocultura do eucalipto pode causar consequências, pois a cultura não é

natural da localidade e suas características estão modificando os aspectos naturais.

Verificou-se que há empregos em condições sub-humanas por salários muito baixos

e a empresa não garante nenhum tipo de cuidado com a saúde dos funcionários, tão

pouco com a educação destes cidadãos. Segundo os agricultores o reflorestamento

com o eucalipto estar causando ainda mais pobreza entre eles e a empresa ao

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contrario ficam cada vez mais rica. Comprovou-se que os impactos negativos da

monocultura do eucalipto causam a expulsão do homem do campo.

Os agricultores constataram o desaparecimento da fauna e flora em virtude deste

modelo homogêneo. Foi constatado que o reflorestamento feito pela Ferro Gusa

Carajás com a monocultura do eucalipto esta afetando significativamente o tão

esperado modelo de desenvolvimento sustentável que deve ser instalado no mundo,

compreendido ecologicamente.

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10 ECOLOGIA POLÍTICA: O CAMPO DE ESTUDO DOS CONFLITOS SÓCIO-

AMBIENTAIS

Lenir Moraes Muniz64

RESUMO

O presente artigo suscita uma discussão sobre a Ecologia Política, uma abordagem

teórica metodológica que tem se consolidado nas ciências sociais, a Ecologia

Política aborda o conceito de conflitos sócio-ambientais, como sendo os conflitos

que surgem a partir da disputa pelo acesso aos bens e serviços ambientais, ou seja,

são conflitos que travados em torno dos problemas do uso e da apropriação dos

recursos naturais; confronto entre atores sociais que defendem diferentes lógicas

para a gestão dos bens coletivos de uso comum. O modelo de desenvolvimento

econômico vigente adota ações e práticas nas quais prevalece a lógica do uso

privado dos bens de uso comum, acarretando danos ao meio ambiente, afetando

sua disponibilidade para outros segmentos da sociedade, prejudicando o acesso e

uso comum dos recursos naturais.

Palavras-chave: Ecologia política; Natureza; Meio ambiente; Recursos naturais;

Conflitos sócio-ambientais.

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Aluna do Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal

do Maranhão –UFMA.

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1 INTRODUÇÃO

Vivemos um processo de transformação que se caracteriza como um indicativo da

exigência de uma nova lógica de civilização, baseada em novos modelos e novos

padrões de acumulação. Para Deléage (1997), com a industrialização maciça do

século XX, particularmente após a Segunda Guerra Mundial, atingiu-se um limiar

nas relações entre os homens e a biosfera e a poluição e a degradação do ambiente

se tornaram um verdadeiro fato de civilização, adquirindo dimensões planetárias.

Uma característica fundamental desse processo é a chamada crise ambiental

evidenciada a partir da década de 1960, a qual suscita a necessidade de novos

padrões de relacionamento com a natureza e seus recursos. A crise ambiental tem

repercutido nos estilos de vida e de consumo, na ética e na cultura, na dinâmica

política e social e na organização do espaço em escala mundial.

Para Leff (2006a), a crise ambiental não se constitui, necessariamente, em uma

catástrofe ecológica, mas nas mudanças do pensamento com o qual temos

construído e destruído o mundo globalizado e nossos próprios modos de vida. Ele a

denomina de uma “crise civilizatória”, a qual se apresenta como um limite no real

que significa e reorienta o curso da história. A crise ambiental se constitui na crise do

pensamento ocidental, da metafísica que fez a disjunção entre “o ser e o ente”, que

produziu um mundo fragmentado e coisificado no controle e domínio da natureza. E,

finalmente, “se expressa como um questionamento da ontologia e da epistemologia

com as quais a civilização ocidental compreende o ser e as coisas; da ciência e da

razão tecnológica com as quais dominou a natureza e economicizou o mundo

moderno” (LEFF, 2006a, p. 288).

Nesse contexto, os problemas ambientais ultrapassaram as fronteiras nacionais e

uma nova categoria de questões ambientais emergiu, ou seja, questões cujas

conseqüências são globais e os autores envolvidos transcendem uma única região

ou país. Dentre as principais, hoje se destacam: a destruição da camada de ozônio,

a mudança climática global, o aquecimento global, a poluição dos ambientes

marítimos, a destruição das florestas e a ameaça à biodiversidade.

A partir da década de 1950, nos países chamados de desenvolvidos, a problemática

ambiental, causada pelo crescimento econômico e pela industrialização, tornou-se

um grave problema. Segundo Leff (2001, p. 49), “La crisis ambiental vino cuestionar

las bases conceptuales que han impulsado y legitimado el crecimiento económico,

negando a la naturaleza”. A intensidade da crise ambiental começou a gestar uma

nova mentalidade, na qual o planeta Terra passou a ser percebido como espaço

comum para todos os seus habitantes.

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De acordo com Vieira (1992), a disseminação de uma “consciência ecológica”

mundial a respeito da questão ambiental intensificou-se a partir da primeira

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em

Estocolmo, em 1972. Posteriormente, nas décadas seguintes, aprofundou-se

consideravelmente o conhecimento científico acerca dos problemas ambientais, bem

como, se expandiu a percepção dos impactos sócio-ambientais causados por esses

problemas e, mesmo, da possibilidade de ameaça à perpetuação da vida no planeta.

Para Sachs (2000, p. 118):

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano realizada em Estocolmo em 1972, durante a qual o “meio ambiente” surgiu na agenda internacional, foi proposta inicialmente pela Suécia, preocupada com chuva ácida, poluição no Báltico, e os níveis de pesticida e metais pesados encontrados em peixes e aves. Uma assim chamada internacionalização massiva que estaria ocorrendo por mero acaso projetou sua sombra antes de seu surgimento: o lixo industrial escapa à sobra nacional, não se apresenta na alfândega, não usa passaporte. Os países descobriram que não eram entidades auto-suficientes, mas sujeitos à ação de outros países. Assim surgiu uma nova categoria de problemas: as “questões globais”.

É nesse contexto que surge o debate sobre a necessidade de novos padrões de

desenvolvimento econômico, projetando-se, posteriormente, a proposta do

desenvolvimento sustentável65 apresentada como alternativa para a crise ecológica

global. Visando superar as evidentes dificuldades de compatibilizar desenvolvimento

econômico e meio ambiente, o conceito de desenvolvimento sustentável tenta

estabelecer estes dois conceitos como um binômio indissociável, em que questões

sociais, econômicas, políticas, tecnológicas e ambientaisencontram-se sobrepostas.

Essa proposta assume um significado político-diplomático, à medida que se propõe

a estabelecer os princípios gerais que norteariam um compromisso político em

escala mundial com vistas a proporcionar o crescimento econômico garantindo a

sustentabilidade dos recursos naturais. A noção de desenvolvimento sustentável

compõe e complexifica o amplo debate internacional sobre a questão ambiental e

coloca novos desafios para sua teorização.

Leff (2006a) considera que a complexidade dos problemas sociais associados a

mudanças ambientais ao nível global abre caminho para métodos interdisciplinares

de investigação, buscando articular diferentes conhecimentos para abranger as

múltiplas relações, causalidades e interdependências que estabelecem processos

nas diversas esferas da materialidade: física, biológica, cultural, econômica e social.

Para o autor (2006a, p. 217): “A questão ambiental emerge de uma problemática

65

De acordo com o Relatório Brundtland, também denominado “Nosso Futuro Comum” e que foi

elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) da ONU e publicado em 1987, desenvolvimento sustentável “é aquele que atende às necessidades dos presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991, p.46).

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econômica, social, política, ecológica, como uma nova visão do mundo que

transforma os paradigmas do conhecimento teórico e os saberes práticos”.

Como já foi mencionado, na segunda metade do século XX, a questão ambiental

alcançou dimensão de problema global, mobilizando a sociedade civil organizada, os

meios de comunicação e os governos de diversos países. Este movimento trouxe

um enfoque eminentemente sociológico para a questão ambiental, contribuindo para

a discussão sobre os processos de constituição de conflitos entre grupos sociais no

embate pelo uso dos recursos naturais, os chamados conflitos distributivos, ou

simplesmente conflitos sócio-ambientais.

Os movimentos sociais surgidos no mundo a partir da década de 1960 foram

acompanhados por debates intelectuais que suscitaram novos desafios para as

ciências sociais. De forma geral, tentou-se superar dicotomias como

objetividade/subjetividade, indivíduo/sociedade e natureza/cultura. Os esforços para

a superação da dicotomia natureza/cultura ligavam-se ao surgimento de uma crítica

ambiental da sociedade industrial emanada de um movimento simultaneamente

político e acadêmico denominado ecologia política e que trouxe para a discussão

acadêmica e intelectual a “crise ambiental”, como resultante do colapso entre

crescimento econômico e a base finita dos recursos naturais.

De acordo com Leff (2006b) o discurso emergente sobre a mudança global incorpora

diversos temas relativos à ecologização da ordem econômica mundial, como a

inovação através de tecnologias “limpas”, adequadas e apropriadas para o uso

ecologicamente sustentável dos recursos naturais; a recuperação e melhoramento

das práticas tradicionais (ecologicamente adaptadas) de uso dos recursos naturais

realizadas pelas comunidades locais; o marco jurídico dos novos direitos ambientais

para a normatividade ecológica das políticas ambientais, tanto a nível nacional como

internacional; a organização do movimento ecologista; a interiorização do saber

ambiental nos paradigmas do conhecimento, nos conteúdos curriculares dos

programas educativos e nas práticas pedagógicas, e o surgimento de novas

disciplinas ambientais.

Na medida em que a questão ambiental e ecológica generaliza-se, obtendo alcance

planetário, a qual diz respeito a todos os âmbitos da organização social, aos

aparatos do Estado e a todos os grupos e classes sociais, isso induz um amplo e

complexo processo de transformação epistêmica no campo do conhecimento e do

saber, das ideologias teóricas e práticas, dos paradigmas científicos. Leff (2006a, p.

282) propõe uma metodologia para construir uma racionalidade ambiental em função

de um novo saber que aborde o diálogo de saberes, através da prática

transdisciplinar. Para o autor:

(...) a construção de racionalidade ambiental implica a necessidade de desconstruir os conceitos e métodos de diversas ciências e campos

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disciplinares do saber, assim como os sistemas de valores e as crenças em que se funda e que promovem a racionalidade econômica e instrumental na qual repousa uma ordem social e produtiva insustentável. Essas transformações ideológicas e epistêmicas não são efeitos diretos identificáveis a partir do questionamento do conhecimento por diversas classes sociais: implicam processos mais complexos, que põem em jogo os interesses de diferentes grupos de poder em relação à apropriação dos recursos naturais, aos interesses disciplinares associados à identificação e apropriação de um saber dentro do qual se desenvolvem as carreiras científicas e profissionais que se desdobram nas diversas instâncias institucionais do poder e na tomada de decisão. Nesse sentido, o saber ambiental abre uma nova perspectiva à sociologia do conhecimento.

Portanto, a construção de uma racionalidade ambiental implica na necessidade de

desconstruir os conceitos de diversas ciências e campos disciplinares do saber,

assim como os sistemas de valores e as crenças em que se funda e que promovem

a racionalidade econômica e instrumental na qual repousa uma ordem social e

produtiva insustentável. Nesta perspectiva, a problemática ambiental não deve

situar-se apenas no domínio das ciências sociais e/ou das ciências naturais. Ao

contrário, deverá observar que estes sistemas estão dialeticamente ligados e

possuem autonomias e interdependências simultâneas. Muito embora, segundo Leff

(2006, p. 284):

As disciplinas mais profundamente questionadas pela problemática ambiental acabam sendo as ciências sociais e as ciências naturais mais próximas das relações entre sociedade e natureza, como a geografia, a ecologia e a antropologia. Essa transformação não apenas implicam disciplinas práticas, como a etnobotânica e a etnotécnica, para recuperar os saberes técnicos das práticas tradicionais de uso dos recursos, mas incluem os paradigmas teóricos de diversas ciências biológicas e sociais

2. O CAMPO TEÓRICO DA ECOLOGIA POLÍTICA

A ecologia política é um campo de discussões teóricas e políticas que estuda os

conflitos ecológicos distributivos, ou conflitos sócio-ambientais. Este campo nasceu

a partir dos estudos de caso locais pela geografia e antropologia, porém ultrapassa

os problemas locais e tem se estendido a níveis nacionais e internacional. Esse

campo teórico se fortalece principalmente a partir da década de 1980, em

conseqüência da crescente articulação entre movimentos ambientalistas e sociais no

enfrentamento da “crise ambiental”.

O campo da ecologia política está agora se movimentando para além das situações rurais locais, na direção de um mundo mais amplo. A ecologia política estuda os conflitos ecológicos distributivos. Por distribuição ecológica são entendidos os padrões sociais, espaciais e temporais de acesso aos benefícios obtidos dos recursos naturais e aos serviços proporcionados pelo ambiente como um sistema de suporte da vida. Os determinantes da distribuição ecológica são em alguns casos naturais, como o clima, topografia, padrões pluviométricos, jazidas de minerais e a qualidade do solo. No entanto, também são claramente sociais, culturais, econômicos, políticos e tecnológicos (MARTÍNEZ ALIER, 2007, p. 113).

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A ecologia política amplia a crítica dos fundamentos filosóficos da economia

neoclássica através de questões como os conflitos distributivos e a

incomensurabilidade dos valores ambientais, ao avançar para além da economia

política de tradição marxista, incorporando questões ecológicas no entendimento

das dinâmicas econômicas e de poder que caracterizam as sociedades modernas. E

conflitos ecológicos distributivos, Martínez-Alier (2007, p. 11) define como sendo os

conflitos resultantes da disputa pelos recursos naturais ou serviços ambientais,

sejam eles comercializados ou não. Dessa forma:

A ecologia política estuda conflitos ecológicos distributivos; constitui um campo criado por geógrafos, antropólogos e sociólogos ambientais. O enfrentamento constante entre meio ambiente e economia, com suas vicissitudes, suas novas fronteiras, suas urgências e incertezas, é analisado pela economia ecológica (ALIER, 2007, p. 15).

De acordo com Martínez-Alier (2007, p. 110), a expressão “ecologia política” foi

introduzida em 1972, pelo antropólogo Eric Wolf, muito embora esta já houvesse

sido utilizada em 1957 por Bertrand de Jouvenel. O autor ainda considera que, no

campo da ecologia política, os geógrafos têm sido mais ativos do que os

antropólogos. “Porém a antropologia e a ecologia têm estado largamente em

contato, daí podemos falar em uma antropologia ecológica ou ecologia cultural”.

Leff (2006b) afirma que a ecologia política se constitui em um campo teórico prático

que ainda está em fundação, é a construção de um novo campo do pensamento

crítico e da ação política e faz uma indagação sobre as mudanças mais recentes da

condição existencial do homem. É um campo que “ainda não adquiriu nome próprio”;

portanto, toma emprestado conceitos e termos proveniente de outras disciplina para

nomear os conflitos decorrentes da distribuição desigual e as estratégias de

apropriação dos recursos ecológicos, bens naturais e serviços ambientais. Dessa

forma:

La ecología política construye su campo de estudio y de acción en el

encuentro y a contracorriente de diversas disciplinas, pensamientos, ética,

comportamientos y movimientos sociales. Allí colidan, confluyen y se

confunden las ramificaciones ambientales y ecológicas de nuevas

disciplinas: la economía ecológica, el derecho ambiental, la sociología

política, la antropología de las relaciones cultura-naturaleza, la ética política

(LEFF, 2006b, p. 22).

De acordo com Martínez-Alier (1999, p. 100), em parte, a ecologia política se

superpõe à economia política, que na tradição clássica corresponde ao estudo dos

conflitos relacionados à distribuição econômica, porém muitos outros conflitos

ecológicos situam-se fora da esfera dos mercados reais e, inclusive, fictícios:

La economía política estudia los conflictos distributivos económicos. La ecología política estudiaría los conflictos de la distribución ecológica.

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Pueden coincidir pero, en general, cubren distintos territorios, precisamente porque la mayor parte de la ecología no está en mercados reales ni ficticios.

E, ainda, de acordo com Leff (2006a, p. 303-304):

O campo da ecologia política se abre num horizonte que ultrapassa o território da economia ecológica. A ecologia política se localiza nas fronteiras do ambiente que pode ser recodificado e internalizado no espaço paradigmático da economia, da valorização dos recursos naturais e dos serviços ambientais. A ecologia política se estabelece no campo dos conflitos pela reapropriação da natureza e da cultura, ali onde a natureza e a cultura resistem à homologação de valores e processos (simbólicos, ecológicos, políticos) incorporáveis e a serem absorvidos em termos de valor de mercado.

Os conflitos de distribuição ecológica estão ligados ao acesso a recursos e serviços

naturais e aos danos causados pela poluição a determinada parcela da sociedade.

Portanto, existe uma forte vinculação entre as discussões da economia ecológica e

dos conflitos distributivos analisados pela ecologia política. E por distribuição

ecológica entendem-se as assimetrias ou desigualdades sociais, espaciais e

temporais no uso humano dos recursos e serviços ambientais, ou seja, está

relacionada ao esgotamento dos recursos naturais, como a erosão do solo e a perda

da biodiversidade. “O conflito distributivo introduz na economia política do ambiente

as condições ecológicas de sobrevivência e produção sustentável, assim como o

conflito social que emerge das formas dominantes de apropriação da natureza e a

contaminação ambiental” (LEFF; 2006a, p. 302).

Nos últimos anos o campo de discussão da ecologia política tem sido revigorado

pela discussão sobre a justiça ambiental, para a qual serve como base teórica ao

analisar os conflitos distributivos a partir das desigualdades decorrentes de

processos econômicos e sociais, que acabam por concentrar as principais cargas de

poluição e demais efeito deletérios do desenvolvimento sobre as populações mais

pobres, discriminadas e socialmente excluídas. Nessa perspectiva, a dialética entre

centro e periferia nos territórios e as tendências históricas para a centralização social

e a hierarquia institucional são repensadas à luz da sustentabilidade.

Para Acselrad; Herculano e Pádua (2004, p. 09):

Por justiça ambiental, portanto, passou-se a entender, desde as primeiras lutas que evocam tal noção no início dos anos 80, o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional de degradação do espaço coletivo. Complementarmente, entende-se por injustiça ambiental a condição de existência coletiva própria a sociedades desiguais onde operam mecanismos sociopolíticos que destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, segmentos raciais discriminados, parcelas marginalizadas e mais vulneráveis da cidadania.

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Os autores afirmam que os conflitos sócio-ambientais decorrentes da busca pela

justiça ambiental existem no Brasil há vários anos, embora não se tenha utilizado a

expressão “justiça ambiental”. É o caso do conjunto de ações e movimentos sociais

que estiveram em luta contra as injustiças ambientais, como é possível observar, por

exemplo, no movimento dos atingidos por barragens, no movimento de resistência

de trabalhadores extrativistas, como os seringueiros no Acre e as quebradeiras de

coco no Maranhão, contra o avanço das relações capitalistas nas fronteiras florestais

e de várias ações locais contra a contaminação e a degradação dos espaços

ambientais.

Essa dialética pode ser percebida de diversas formas: nas relações comerciais e

políticas desiguais; no espaço político-institucional por meio de processos decisórios

que tendem a excluir a participação e os interesses dos afetados pelas decisões. No

caso do Brasil, os conflitos sócio-ambientais se dão, sobretudo devido à distribuição

injusta de renda e do acesso aos recursos naturais.

Nesta perspectiva, nos conflitos sócio-ambientais pela apropriação da natureza, as

comunidades tradicionais teriam o direito de construir seus próprios estilos de

desenvolvimento, sem serem forçadas a aceitar algo definido e imposto pela lógica

de um sistema dissociado da realidade das pessoas que vivem no lugar. Para Leff

(2006a, p. 307):

Para além de pensar estas racionalidades como opostos dialéticos, a ecologia política olha a constituição dessas matrizes de racionalidade na perspectiva de uma história ambiental, cujas origens remontam a uma nova história de resistências anticolonialistas e antiimperialistas e de onde nascem novas identidades culturais em torno da defesa de uma natureza cultural significada, desdobrando estratégias inovadoras de “aproveitamento sustentável dos recursos” dentre as quais são exemplares o movimento social que levou à invenção da identidade do seringueiro e de suas reservas extrativista na Amazônia brasileira, assim como no processo das comunidades negras do Pacífico da Colômbia.

As populações tradicionais de extrativistas e pequenos produtores que vivem nas

regiões de fronteira de expansão das atividades capitalistas, como os grandes

empreendimentos hidrelétricos, viários, de exploração mineral, agropecuários e

madeireiros, são expropriadas dos recursos ambientais sofrendo as pressões do

deslocamento compulsório66 de suas áreas de moradia e trabalho, perdendo o

acesso à terra, às matas e aos rios dos quais depende sua sobrevivência,ou são

forçadas a conviver com a degradação ambiental e social produzida por estes

empreendimentos. Essa situação reflete um mesmo processo: a concentração de

poder na apropriação dos recursos ambientais.

66Almeida (1996, p. 30) define deslocamento compulsório como sendo “o conjunto de realidades factuais em que pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias habituais, seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal decisão, ditada por interesses circunstancialmente mais poderosos”.

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Para Martínez Alier (2007), o conceito sociológico de “justiça ambiental” abre um

amplo espaço de debate filosófico sobre os princípios de justiça ambiental. Dessa

forma, os conflitos ecológicos distributivos correspondem aos conflitos sobre os

princípios de justiça aplicáveis às cargas de contaminação e ao acesso aos recursos

e serviços ambientais. Como um movimento consciente de si mesmo, a justiça

ambiental luta contra a distribuição desproporcional de dejetos tóxicos ou a

expropriação diante de diferentes formas de risco ambiental ocasionadas a

determinadas camadas da população, como no caso dos Estados Unidos, em que

são atingidas as áreas predominantemente povoadas por populações afro-

americanas, latinas ou indígenas.

Nessa perspectiva, Martínez Alier (2007, p. 274) considera que:

O movimento pela justiça ambiental tem enfatizado a desproporcionalidade com que o peso da contaminação recai sobre grupos humanos específicos. Portanto, explicitamente incorpora uma noção distributiva da justiça. Poderia ser argumentado que a justiça ambiental potencialmente intui um aspecto existencial, qual seja, o de que todos os seres humanos necessitam de determinados recursos naturais e uma certa qualidade do meio ambiente para assegurar sua sobrevivência. Nessa perspectiva, o meio ambiente converte-se em um direito humano.

A injustiça ambiental, que caracteriza o modelo de desenvolvimento dominante no

Brasil, expõe uma parte significativa da população brasileira a fortes riscos

ambientais, seja nos locais de trabalho, de moradia ou no ambiente em que vive.

Estudos como o de Acselrad (2004) demonstram que, em geral, são os grupos

sociais de menor renda os que têm menor acesso ao ar puro, à água potável, ao

saneamento básico e à segurança fundiária. As dinâmicas do crescimento

econômico geram um processo de exclusão territorial e social, levando à

periferização de grande massa de trabalhadores nas cidades; e no campo

impulsiona ao êxodo rural para os grandes centros urbanos.

A noção de justiça ambiental promove uma articulação discursiva distinta daquela prevalecente no debate ambiental corrente – entre meio ambiente e escassez. Neste último, o meio ambiente tende a ser visto como uno, homogêneo e quantitativamente limitado. A idéia de justiça, ao contrário, remete a uma distribuição equânime de partes e à diferenciação qualitativa do meio ambiente. Nesta perspectiva, a interatividade e o inter-relacionamento entre os diferentes elementos do ambiente não querem dizer indivisão. A denúncia da desigualdade ambiental sugere uma distribuição desigual das partes de um meio ambiente de diferentes qualidades e injustamente dividido (ACSELRAD; 2004, p. 28).

A ecologia política é, assim, enunciada como um campo teórico-prático que conduz

ao desenvolvimento de sentidos existenciais e civilizatórios visando à integração de

diferentes conhecimentos. Segundo Leff (2006b), esse campo teórico leva em

consideração não só uma hermenêutica dos diferentes sentidos atribuídos a

natureza, mas, também, o fato de que toda natureza é captada a partir da linguagem

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e de relações simbólicas que implicam em visões, sentimentos, razões, sentidos e

interesses que eclodem na arena política.

3 DA PERCEPÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS SOBRE A QUESTÃO

AMBIENTAL AOS CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS

A problematização da questão ambiental através da questão do uso dos recursos

naturais e de sua inevitável escassez atribui aos elementos da natureza uma

utilização econômica que deve considerar o controle e a proteção dos recursos

naturais como a principal via de resolução da “crise ambiental”. Essa ótica considera

a gestão do meio ambiente como resultante da participação de atores sociais, da

construção de sujeitos coletivos, da constante composição e oposição entre

interesses individuais e coletivos em torno da apropriação dos bens naturais. Assim,

travam-se, em torno de problemas sócio-ambientais, confrontos entre atores sociais

que defendem diferentes lógicas para a gestão dos bens coletivos de uso comum.

Na perspectiva de algumas correntes das ciências sociais, não é possível separar a

sociedade e seu meio ambiente, pois essa perspectiva trata de pensar um mundo

material socializado e dotado de significados, no qual sociedade e meio ambiente

são indissociáveis, justificando o entendimento segundo o qual as sociedades se

reproduzem por processos sócio-ecológicos. De acordo com Acselrad (2004, p. 08):

Os objetos que constituem o “ambiente” não são redutíveis a meras quantidades de matéria e energia, pois eles são culturais e históricos: os rios para as comunidades indígenas não apresentam o mesmo sentido que para as empresas geradoras de hidroeletricidade; a diversidade biológica cultivada pelos pequenos produtores não traduz a mesma lógica que a biodiversidade valorizada pelos capitais biotecnológicos etc. Por outro lado, todos os objetos do ambiente, todas as práticas sociais desenvolvidas nos territórios e todos os usos e sentidos atribuídos ao meio, interagem e conectam-se materialmente e socialmente seja através das águas, do solo ou dá atmosfera.

Dessa forma, objetos, práticas e sentidos interagem e conectam-se material e

socialmente através de água, solo e atmosfera, e, por esse caráter indissociável de

sociedade e ambiente, a reprodução da sociedade se constitui num projeto social e

ecológico ao mesmo tempo. No processo de sua reprodução, as sociedades se

confrontam com diferentes projetos de uso e significação de seus recursos; sendo a

questão ambiental intrinsecamente conflitiva, embora isto não seja sempre

reconhecido. Nesse aspecto, Acselrad destaca o desafio de encontrar instrumentos

de análise para interpretar a complexidade dos processos sócio-ecológicos e

políticos que assentam a “Natureza” no interior dos conflitos sociais.

Considerando o meio ambiente como um terreno contestado material e

simbolicamente, Acselrad considera que os conflitos ambientais são constituídos a

partir de quatro dimensões: a apropriação simbólica e apropriação material,

durabilidade, que seria a base material necessária à continuidade de determinadas

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formas sociais de existência; e interatividade que se constitui na ação cruzada de

uma prática espacial sobre outra. Essas dimensões são essenciais para apreender a

dinâmica conflitiva própria aos diferentes modelos de desenvolvimento. Partindo daí,

Acselrad (2004, p. 26) elabora a noção de conflitos ambientais como:

(...) aquelesenvolvendo grupos sociais com modosdiferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das práticas de outros grupos.

Nesse aspecto, tem-se a evidência de que o conflito ambiental se dá no embate

entre grupos e atores sociais de interesse e ação divergentes. Dessa forma, os

conflitos ambientais envolvem grupos e atores sociais com diferenciados modos de

apropriação, uso e significação do território, de modo que um determinado grupo se

sente ameaçado em suas formas sociais de apropriação e distribuição dos recursos

naturais por impactos indesejados ocasionados por outros grupos ou atores.

De acordo com o autor, o ramo da sociologia que estuda a questão ambiental tem

encontrado dificuldade em caracterizar os conflitos ambientais como objeto

científico, devido às suas especificidades. Os conflitos ambientais opõem entre si as

diferentes formas de adaptação dos atores sociais ao mundo natural, juntamente

com suas ideologias e modos de vida respectivos.

Segundo a vertente de alguns autores que analisam os conflitos ambientais através

da ótica econômica:

Os conflitos ambientais seriam, para eles, de dois tipos: o primeiro, o conflito por distribuição de externalidades, seria decorrente da dificuldade dos geradores de impactos externos assumirem a responsabilidade por suas conseqüências; o segundo seria o conflito pelo acesso e uso dos recursos naturais, decorrente da dificuldade de se definir a propriedade sobre os recursos (ACSELRAD, 2004, p. 17).

Os conflitos relacionados com a disputa, apropriação e distribuição dos recursos do

meio ambiente podem ser expressos de diferentes maneiras, de acordo com os

interesses particulares ou coletivos dos diversos atores em jogo. Por exemplo, a

poluição de um rio por uma empreendimento hidrelétrico não é somente uma

“externalidade”67 que poderia ser compensada pelo seu valor econômico

estabelecido em algum mercado real ou fictício. Nesse mesmo contexto, atores

sociais pertencentes a determinadas comunidades tradicionais locais são

diretamente atingidos por essas “externalidades” e reivindicam os direitos de uso e

67

A noção de externalidades é utilizada por Leff (2006, p. 303) da seguinte forma “as externalidades

econômicas que são incomparáveis com os valores do mercado, mas que se assumem como novos custos a serem internalizados pela via de instrumentos econômicos, de normas ecológicas ou dos movimentos sociais que surgem e se multiplicam em resposta à deteriorização do ambiente e à reapropriação da natureza”

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benefícios ambientais oferecido por aquele território e os recursos nele existentes. E

ainda, um movimento ambientalista pode fazer uma passeata para chamar a

atenção para o fato de que todos os seres humanos têm direito ao acesso aos

recursos naturais e a um espaço ecologicamente equilibrado, incorporando, dessa

forma, as lutas a favor da justiça ambiental.

De acordo com Leff (2006b, p. 23), o conceito de distribuição ecológica foi

apropriado da economia ecológica pela ecologia política e é definido como:

(...) una categoría para comprender las externalidades ambientales y los movimientos sociales que emergen de conflictos distributivos; es decir, para dar cuenta de la carga desigual de los costos ecológicos y sus efectos en las variedades del ambientalismo emergente, incluyendo movimientos de resistencia al neoliberalismo, de compensación por daños ecológicos y de justicia ambiental.

Para Leite Lopes (2004, p. 17), o termo “ambientalização”, é utilizado como um

“neologismo semelhante a alguns outros usados nas ciências sociais para designar

novos fenômenos ou novas percepções de fenômenos” caracterizando a

interiorização das diferentes facetas da questão pública do meio ambiente. Para o

autor, trata-se do surgimento de uma nova questão pública: a preservação do meio

ambiente, em que, a incorporação e a naturalização dessa nova questão pública do

“meio ambiente” poderiam ser notadas, a partir das transformações na forma e na

linguagem de conflitos sociais e na sua institucionalização parcial.

(...) os conflitos socioambientais locais promovem uma interiorização dos direitos e dos argumentos ambientais, pressionando por leis e controles estatais e ao mesmo tempo sendo alimentados por tais instrumentos estatais; por outro lado, a ambientalização como processo de interiorização de comportamento e práticas se dá através da promoção da “educação ambiental”, uma atividade explicitamente escolar ou paraescolar, mas também comportando formas de difusão por meios de comunicação de massa (LEITE LOPES, 2004, p. 27).

Para Little (2001) a principal definição de conflitos sócio-ambientais se constitui em

embates entre grupos sociais em função de seus distintos modos de relacionamento

com os recursos naturais, isto é, com seus respectivos meios social e natural.

Portanto, levando em consideração a existência de muitos tipos de conflitos sociais,

podemos classificar um conflito determinado como sócio-ambientalquando o cerne

do conflito gira em torno das interações ecológicas. Essa definição remete à

presença de múltiplos grupos sociais em interação entre si e em interação com seu

meio biofísico.

Little (2006) propôs uma definição de conflito socio-ambiental com base nos

princípios da ecologia política, uma abordagem teórico-metodológica que vem se

consolidando nas ciências sociais, caracterizando-o como um embate entre grupos

sociais que decorre das distintas formas de inter-relacionamentos com seu meio

social e natural, no qual cada agente social possui sua forma de adaptação,

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ideologia e modo de vida específico que se diferencia e se confronta com as formas

de outros grupos lidarem com suas realidades, formando a dimensão social e

cultural do conflito ambiental.

A ecologia política surgiu como uma crítica aos gastos crescentes do sistema

produtivo vigente e, além da análise das contradições do modo de produção

capitalista, procurara denunciar a alienação entre a sociedade industrial e a

natureza. Para Leite Lopes (2004, p. 19):

O ambientalismo poderia proporcionar uma dessas formas de controle do

capitalismo ou caracterizar uma de suas transformações possíveis. O

processo histórico de ambientalização assim como outros processos

similares implicam simultaneamente transformações no Estado e no

comportamento das pessoas (no trabalho, na vida cotidiana, no lazer).

De acordo com o autor essas transformações no Estado e na vida das pessoas são

possíveis a partir de cinco fatores socialmente notáveis: o crescimento da

importância da esfera institucional do meio ambiente a partir dos anos de 1970; a

interiorização de novas práticas resultantes dos conflitos sociais ao nível local; a

educação ambiental como novo código de conduta individual e coletiva; a

“participação”; e a questão ambiental como nova fonte de legitimidade e de

argumentação nos conflitos.

Essa abordagem sobre conflitos sócio-ambientais que vem se consolidando nas

ciências sociais leva em consideração vários elementos da abordagem da ecologia

política, tais como, por exemplo, a necessidade de lidar simultaneamente com as

dimensões social e biofísica, e não simplesmente, o ambiental ou o social de forma

dicotômica, como fazem as ciências naturais e as ciências sociais, respectivamente.

Se a análise social confronta o desafio de incorporar as dinâmicas do mundo

biofísico dentro de sua prática, as ciências naturais enfrentam o desafio inverso: no

seu entendimento dos distintos ciclos naturais teria que levar em conta o mundo

humano e suas estruturas políticas e sócio-econômicas.

Portanto, a pesquisa em ecologia política deve analisar as principais forças

biofísicas, tais como a conformação geológica de uma região, a evolução biológica

da fauna e flora e os recursos hídricos, junto com as principais atividades humanas,

tais como os sistemas agrícolas, os dejetos industriais lançados ao ambiente e a

infra-estrutura de transporte e comunicação instalada na região.

De acordo com essa perspectiva, os intelectuais como os historiadores, por

exemplo, que antes se limitavam a abordar a história social, e os geólogos e

biólogos, que tinham a preocupação de reconstruir a história natural de um lugar,

combinam seus enfoques teóricos e epistemológicos dentro dessa nova linha de

pesquisa que procura entender as mudanças na paisagem natural com base na

análise das distintas ondas de ocupação humana, seus respectivos impactos

ambientais e sociais e a conseqüente disputa pelos recursos naturais.

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Para Scotto (1997), conflitos sócio-ambientais são conflitos que se configuram de

forma implícita ou explícita, com foco e disputa em elementos da natureza e com

relações de tensões sociais entre interesses coletivos e privados, gerados pela

apropriação de espaços ou recursos coletivos por diferentes atores sociais para

atender interesses pessoais. A identificação e análise dos principais atores sociais

envolvidos se tornam elementos fundamentais para o estudo de conflitos sócio-

ambientais, uma vez, que é necessário explicitar os interesses específicos que estão

em jogo no conflito e as interações entre cada um desses atores sociais.

De acordo com Santilli (2005), as discussões em torno do socioambientalismo no

Brasil surgiram a partir da segunda metade dos anos de 1980, em virtude de

articulações políticas entre os movimentos sociais e o movimento ambientalista, uma

tendência histórica que teve como marco inicial a conferência sobre meio ambiente

promovida pela ONU em Estocolmo, em 1972.

A autora ressalta que o socioambientalismo fundamenta-se na concepção de que

um novo paradigma de desenvolvimento deve promover não somente a

sustentabilidade estritamente ambiental, como também a sustentabilidade social.

Parte do pressuposto de que as políticas públicas ambientais somente têm eficácia

social e sustentabilidade política quando incluem comunidades locais e promovem

uma repartição socialmente justa e eqüitativa dos benefícios derivados da

exploração dos recursos naturais. Preconiza ainda que a valorização da diversidade

cultural e o reconhecimento de direitos culturais e de direitos territoriais especiais a

populações tradicionais são a face mais evidente da influência do multiculturalismo

sobre os valores preconizados pelo socioambientalismo.

A análise etnográfica de um conflito sócio-ambiental específico deve começar com a

identificação do foco central do conflito, isto é, o que realmente está em jogo. Em

geral, um conflito tem várias dimensões, movimentos ou fenômenos complexos.

Little (2002, p. 19) caracteriza três tipos de conflitos sócio-ambientais: conflitos em

torno da disputa pelo controle sobre os recursos naturais, tais como disputas sobre a

exploração ou não de um minério, da pesca, do uso dos recursos hídricos, florestais

etc.; conflitos em torno dos impactos sociais e/ou ambientais, gerados pela ação

humana, tais como a contaminação dos rios e do ar, o desmatamento, a construção

de grandes barragens hidrelétricas, por exemplo; e conflitos em torno de valores

culturais e modo de vida, isto é, conflitos envolvendo o uso da natureza cujo núcleo

central reside num choque de valores ou ideologias.

Com relação à etnografia dos conflitos sócio-ambientais, Little (2006, p. 92) aponta a

importância do olhar antropológico, no qual o foco do conflito deve ir “além de um

foco restrito nos embates políticos e econômicos para incorporar elementos

cosmológicos, rituais, identitários e morais que nem sempre são claramente visíveis

desde a ótica de outras disciplinas”. O olhar antropológico nos possibilita enxergar

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conflitos latentes que ainda não se manifestaram politicamente no espaço público

formal, porque os grupos sociais envolvidos são politicamente marginalizados ou

mesmo invisíveis ao olhar do Estado. Dessa forma, a etnografia dos conflitos sócio-

ambientais explicita as bases latentes dos conflitos e dá visibilidade aos grupos

marginalizados. Nesse sentido, o uso de uma metodologia etnográfica representa

um aporte significativo da antropologia à ecologia política.

4. CONCLUSÃO

As concepções que prevalecem no debate ambiental contemporâneo remetem-se à

“crise ambiental” como resultante do colapso entre crescimento econômico e a base

finita dos recursos naturais. Essa análise, na qual se põe em jogo a apropriação dos

recursos de um determinado território, é essencial para se apreender a dinâmica

conflitiva correspondente aos diferentes modelos de desenvolvimento. Para Acselrad

(2004a, p. 27): (...) a cada configuração do modelo de desenvolvimento, tenderemos a

encontrar modalidades específicas de conflitos ambientais predominantes.

E no âmbito de cada combinação de atividades, o “ambiente” será

enunciado como meio de transmissão de impactos indesejáveis que fazem

com que o desenvolvimento de certas práticas comprometa a possibilidade

de outras práticas se manterem.

De acordo com Leff (2006a, p. 282):

A conflitividade social colocada em jogo pela crise ambiental questiona, por

sua vez, os interesses disciplinares e os paradigmas do conhecimento

estabelecidos, assim como as formações teóricas e ideológicas que, como

dispositivos de poder na ordem da racionalidade formal e científica,

legitimam a ordem social estabelecida – a racionalidade econômica e

jurídica que legitimaram e institucionalizaram as formas de acesso,

propriedade e exploração dos recursos naturais –, que aparece à luz do

saber ambiental como a causa última da degradação socioambiental.

Dessa forma, pode-se afirmar que os problemas sócio-ambientais são formas de

conflitos sociais entre interesses individuais e coletivos, envolvendo a relação entre

sociedade e natureza. Assim, travam-se, em torno dos problemas do uso e

apropriação dos recursos naturais, confrontos entre atores sociais que defendem

diferentes lógicas para a gestão dos bens coletivos de uso comum, seguindo lógicas

próprias a cada um deles. Em síntese, pode-se afirmar que, durante o processo de

confrontação entre interesses opostos, configuram-se os conflitos sócio-ambientais.

Nesta perspectiva, os conflitos inerentes aos desiguais processos de construção e

atribuição de significados, apropriação e uso dos territórios e seus recursos naturais;

questões relativas à desigual distribuição e acesso aos recursos naturais e a

desproporcional distribuição dos riscos e das cargas de poluição ambiental a

determinadas parcelas da população originam os conflitos distributivos ou sócio-

ambientais.

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De acordo com Little (2001, p. 107):

O surgimento de inúmeros problemas ambientais nas últimas décadas – tais

como contaminação do ar e da água nas cidades, novas epidemias, secas

prolongadas, enchentes devastadoras, intensos incêndios florestais, perda

da qualidade dos solos, desastre nucleares e químicos, falta de água

potável e crescimento do buraco na camada de ozônio, para só mencionar

alguns – teve a função de nos despertar de nossa arrogância humana e

aceitar, mais uma vez, que no fundo somos animais com necessidades

físicas e que a nossa sustentação depende, em última instância, do meio

natural. Assim o retorno da problemática ambiental ressuscitou os velhos

temas da sobrevivência humana e das formas de adaptação, e os colocou

no centro do cenário econômico e político.

Portanto, o debate em torno da questão ambiental tornou-se pauta na agenda

política em escala mundial. Como um campo no qual comparecem diferentes grupos

de interesse, o debate sobre esse tema vem-se constituindo juntamente com a

questão social. Nessa perspectiva, a gestão do meio ambiente é vista como

resultante da participação de atores sociais, da construção de sujeitos coletivos, da

constante oposição e negociação entre interesses individuais e coletivos em torno

da apropriação dos bens naturais.

Para Little (2006: 86), a análise dos conflitos sócio-ambientais se constitui em um

elemento central da ecologia política, entendida pelo autor como um campo de

conhecimento que tem por objetivo “combinar o foco da ecologia humana nas inter-

relações que sociedades humanas mantêm com seus respectivos ambientes

biofísicos com conceitos de economia política que analisa as relações estruturais de

poder entre essas sociedades”.

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11 LEVANTAMENTO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO

Josemiro Ferreira de Oliveira68; Majú do Nascimento Silva69

RESUMO

Os problemas de conflitos gerados devido à implantação de grandes projetos ou em

via de implantação no Maranhão ocorrem desde a década de 1970. Período este,

desde então, marcado por uma maior incidência de organização de grupos sociais

em reação às consequências de grandes projetos de desenvolvimento no Maranhão.

O relatório em questão visa fazer um apanhado e análise dos conflitos gerados a

partir desta data, mas focando-se no período de agosto de 2011 a janeiro de 2012.

Leva em consideração os conflitos socioambientais atualmente existentes entre

grandes empreendimentos e grupos sociais locais, assim como,outros conflitos

socioambientais no Maranhão. Para isso, buscamos por meio de informações

veiculadas na imprensa escrita e pela internet fazer uma análise dos conflitos

socioambientais, considerando o conjunto dos sujeitos envolvidos.

Palavras-chave: Implantação de projetos de desenvolvimentos; Organização de

grupos sociais; Conflitos socioambientais.

68

Graduando em Ciências Sociais/UFMA. 69

Graduanda em Filosofia/UFMA.

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1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo sistematizar a pesquisa desenvolvida no

período entre os meses de agosto de 2011 a janeiro de 2012, relativos ao período

de duração parcial de bolsa de pesquisa PIBIC/UFMA. A pesquisa está sendo

realizado de acordo com a temática desenvolvida pelo grupo de pesquisa, Grupo de

Estudo Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), e tem como

título “Levantamento de conflitos socioambientais no Maranhão”. Este estudo está

vinculado à pesquisa Projetos de Desenvolvimento e Conflitos Socioambientais

no Maranhão do referido grupo de estudo.

O desenvolvimento desta pesquisa objetiva fazer um levantamento de conflitos

socioambientais decorrentes da crescente implantação de grandes projetos de

desenvolvimento no estado do Maranhão. E buscamos, também, identificar os tipos

de projetos de desenvolvimento e as consequências socioambientais causadas a

partir de suas implantações.

De modo geral, nesta pesquisa, objetivamos identificar, acompanhar e analisar

conflitos socioambientais no Maranhão decorrentes de projetos de desenvolvimento

instalados a partir do final da década de 1970 e, atualmente, em vias de instalação.

E como objetivos específicos, buscamos aprofundar os estudos teóricos sobre:

modelos e projetos de desenvolvimento, questões socioambientais, conflitos,

populações tradicionais, legislação ambiental; participar da criação e alimentação

permanente do banco de dados sobre conflitos socioambientais no Maranhão do

GEDMMA; acompanhar e registrar noticiários sobre conflitos socioambientais

veiculado nos principais jornais publicados em São Luís, desde 2007, para mapear

os principais projetos de desenvolvimentos, mapear as áreas de incidência e

identificar os tipos dos conflitos socioambientais;levantar panfletos, relatórios,

documentos, diagnósticos, laudos, páginas eletrônicas, produzidos pelos diferentes

agentes sociais envolvidos em conflitos socioambientais.

O método de trabalho empregado nesta pesquisa se fez a partir de um plano a

atingir o objetivo designado. Então, fez-se necessário, realizar alguns procedimentos

para se cumprir a pesquisa. Primeiramente, foi necessário fazer uma revisão

bibliográfica, acompanhar e registrar noticiários sobre conflitos socioambientais

veiculados na impressa local, para fazer levantamento e um mapeamento dos

principais projetos de desenvolvimento e principais conflitos socioambientais no

Maranhão. Também, foi necessário fazer levantamento por meio de: panfletos,

relatórios, documentos, diagnósticos, laudos, páginas eletrônicas, produzidos pelos

diferentes agentes sociais envolvidos em conflitos socioambientais.

Para o desenvolvimento da pesquisa fez-se necessário cumprir alguns

procedimentos, na qual tal pesquisa tem foco em noticiários de jornais locais e

páginas eletrônicas que tratam de questões de conflitos socioambientais. Dentre

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outras, tivemos como fonte, as seguintes páginas eletrônicas:

http//www.jornalpequeno.como.br, www.oimparcial.com.br

http//territorioslivresdobaixoparnaiba.blogspot, http://www.prma.mpf.gov.br/noticia,

http://blog-do-pedrosa.blogspot.com, www.justicanostrilhos.org e http://alexandre-

pinheiro.blogspot.com.

Nesta pesquisa,conforme citamos anteriormente, as notícias são coletadas dos

jornais locais e páginas eletrônicas. A seleção das notícias é feita de acordo com a

temática proposta pela pesquisa, ou seja, considerando as notícias que tratam de

conflitos socioambientais atualmente existentes entre grandes empreendimentos e

grupos sociais locais, assim como, outros conflitos socioambientais no Maranhão.

O procedimento de registro das notícias no banco de dados do GEDMMA é feito

com o registro dos conteúdos nos seguintes campos na página eletrônica:

REGIONAL/MICRORREGIÃO70; MUNICÍPIO; DATA DA NOTÍCIA; TIPO DO

CONFLITO; FONTE DA NOTÍCIA; TÍTULO DA NOTÍCIA; RESUMO DA NOTÍCIA;

NOTÍCIA.

2 REFERÊNCIAL TEÓRICO

O desdobramento da industrialização no Brasil tem como marco o período após o

golpe militar de 1964. O processo da industrialização se dá pelo modelo de

desenvolvimento investido pelos governos ditatoriais, no sentido de industrializar e,

consequentemente, modernizar o país. Os governos ditatoriais juntamente com

investimentos privados, brasileiros e internacionais, objetivaram integrar

associadamente a Amazônia brasileira ao plano de modernização. Com isso, o

governo passou a investir na formação de infraestrutura básica, construindo grandes

hidrelétricas rodovias, ferrovias, aeroportos e portos. Dessa forma, permitiria com

maior rapidez à ocupação e consequentemente a inserção da Amazônia na rota da

modernização.

O plano de integração da Amazônia ao processo econômico nacional

desconsiderava a existência de inúmeros povos e grupos sociais que ocupavam

região, na qual vinham reproduzindo relações sociais e culturais ao longo de sua

permanência no local.

De todo modo, grandes projetos ainda são implantados ou estão em via de

implantação em áreas onde povos e grupos sociais, ao morarem em determinada

localidade, dependem dos recursos naturais lá existentes, sendo a principal fonte de

sobrevivência para suas famílias, deparam-se com as implantações de grandes

empreendimentos que os atingem e são muitas vezes obrigados a deixar suas

moradias por ocuparem lugares almejados por tais projetos. Mas muitos deles,

70

As definições das regiões de microrregiões do estado do Maranhão informadas neste trabalho

foram consultadas no site Wikipédia.

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diante dessas situações, se mobilizam e formam movimentos de resistência para

não saírem do local, caracterizando, como muitos autores denominam conflitos

sociais que, em algumas vezes, se desenvolvem para conflitos ambientais. Dessa

forma, podem ser caracterizados, conforme Leite Lopes (2004) como “conflitos

socioambientais”.

Tais situações são resultado de confrontos de grupos sociais que têm diferentes

concepções consideradas relação ao meio ambiente. Esta relação, segundo

Acselrad, é derivada dessas concepções que levam os grupos sociais em relação à

natureza, a conceber sentidos distintos:

Os objetos que constituem o “ambiente” não são redutíveis a meras quantidades de matéria e energia, pois eles são culturais e históricos: os rios para as comunidades indígenas não apresentam o mesmo sentido que para as empresas geradoras de hidroeletricidade; a diversidade biológica cultivada pelos pequenos produtores não traduz a mesma lógica que a biodiversidade valorizada pelos capitais biotecnológicos etc. (ACSELRAD, 2004, p. 07)

Diante de tal consideração, podemos perceber, explicitamente, que são os

diferentes usos do meio ambiente que se relacionam diretamente com as diferentes

concepções da relação homem e natureza. Além disso, observa-se que,dentre

esses conflitos, as comunidades lutam pela sua área de moradia por questão de

sobrevivência, pois são fundamentais para poder garantir o sustento de suas

famílias. E como o que está em questão é a natureza, ela é o cerne dos conflitos, de

modo que Acselrad (2004, p.08) considera, “que no processo de sua reprodução as

sociedades se confrontem a diferentes projetos de uso e significação de seus

recursos ambientais. Ou seja, o uso destes recursos é como sublinhava Georgescu-

Roegen, sujeito a conflitos entre distintos projetos, sentidos e fins”. Em outras

palavras, podemos dizer que todas essas situações se configuram como um conflito

ambiental. Conforme Acselrad afirma:

Os conflitos ambientais são, portanto, aqueles envolvendo grupos sociais

com modos diferentes de apropriação, uso e significação do território, tendo

origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas

sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçadas por impactos

indesejáveis - transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos –

decorrentes do exercício das práticas de outros grupos. O conflito pode

derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou de

bases distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas

mediadas pela atmosfera, pelo solo, pelas águas etc. (ACSELRAD, 2004, p.

26).

Consoante Acserald, os conflitos socioambientais gerados por disputa de

“apropriação do mundo material”, podem ser desenvolvidos tanto por controle do

território, ou seja, “pelo acesso e uso dos recursos naturais decorrente da dificuldade

de se definir a propriedade sobre os recursos” (ACSELRAD, 2004, p. 18), assim

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como, atrelados a essa questão, outras práticas sociais podem causar também,

“impactos indesejáveis” ao meio ambiente, o que gera “conflitos por distribuição de

externalidade”, isto é, conflitos em que “o desenvolvimento de uma atividade

comprometa a possibilidade de outras práticas se manterem” (ACSELRAD, 2004,

p.25), este se daria pelos efeitos causados pelas práticas sociais.

O processo de implantação de grandes projetos desenvolvidos pelos governos

ditatoriais, também foi pensado para a Amazônia, dentre eles, o Projeto Grande

Carajás, instalado no sudeste do estado do Pará e o oeste do Maranhão com o

objetivo principal de garantir a exploração e comercialização das gigantescas jazidas

de minério de ferro localizas na Serra de Carajás, no Pará.

O Maranhão também esteve inserido nesse plano desenvolvimentista, o que levou o

estado a implantar a infraestrutura para que pudesse ser feita a exploração e o

escoamento da produção mineral, além de outras produções, assim como os de

outros estados vizinhos. A partir do final da década de 1970, o estado do Maranhão

implantou extensa rede de estrada de rodagem, ligando o estado ao restante do

país. Com essa iniciativa desenvolvimentista outras foram implantadas, tais como: a

Estrada de Ferro Carajás, o complexo portuário de São Luís, a Hidrelétrica de

Estreito e a Termelétrica do Porto do Itaqui, entre outros.

Em decorrência dessas implantações que partiram de iniciativas governamentais e

outras não-governamentais, surgiram consequências socioambientais que atingiram

diretamente o modo de vida de populações locais nas áreas envolvidas.

Com base na Constituição Federal de 1988, na legislação ambiental brasileira, na

legislação referente a direitos territoriais de quilombolas e indígenas, muitos destes

povos e grupos sociais reivindicam seus direitos, gerando conflitos socioambientais.

Conflitos estes que, no Maranhão, se iniciam no final da década de 1970 e

continuam até a atualidade. Apesar de o modelo desenvolvimentista utilizar um

discurso de “desenvolvimento sustentável, sustentabilidade, responsabilidade social

e ambiental”, este modelo, ainda causa impactos socioambientais.

3 RESULTADOS

De acordo com a pesquisa, iremos analisar questões que envolvem apenas o

período de Agosto de 2011 à Janeiro de 2012.Nesta pesquisa, foi observado

através dos noticiários divulgados em páginas eletrônicas, que nos meses

investigados do período de agosto a dezembro de 2011 houve um maior número de

divulgação dos conflitos socioambientais. E percebemos, também, que a incidência

se deu devido a uma maior procura por parte da população atingida em reivindicar

seus direitos, o que foi noticiado nos principais jornais locais.

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Esta pesquisa teve início no mês de agosto de 2011. Apesar de a pesquisa ter início

neste referido mês, foi observado que alguns noticiários tratavam de conflitos desde

o ano de 2007, período em que diferentes empreendimentos foram instalados ou

iniciaram a instalação no estado Maranhão. Embora os conflitos tenham ocorridos

nas diferentes microrregiões do estado, não deixam entre si, de ter algumas

semelhanças. Então, para analisarmos e discutirmos o assunto, foram selecionadas

10 reportagens, cujos conteúdos foram sistematizados conforme foram registrados

no banco de dados.

3.1 Local: Maranhão, Microrregião: Itapecuru, Município: Itapecuru-Mirim

Povoado: Santa Rosa dos Pretos e Monge Belo. Data da notícia: 23.09.11. Resumo

da notícia: “MPF/MA: duplicação da Estrada de Ferro Carajás em Itapecuru-Mirim

está parcialmente suspensa. Em audiência de conciliação, a Justiça determinou a

abertura de prazo para reavaliar os impactos causados pela obras nas comunidades

quilombolas.

Em audiência de conciliação realizada na Justiça Federal do Maranhão, ficou

decidido que a Vale terá que limitar suas ações de duplicação da Estrada de Ferro

Carajás, no município de Itapecuru-Mirim (MA). Além disto, representantes do

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e

Fundação Cultural Palmares, acompanhados do Ministério Público Federal no

Maranhão (MPF/MA) e da Defensoria Pública da União deverão visitar as

comunidades de remanescentes quilombolas situadas na região, e, ainda, realizar

reuniões para discutir os impactos causados pelas obras, visando a um possível

acordo para resolver os problemas identificados”. Fonte da notícia:

http://www.prma.mpf.gov.br/noticia

3.2 Local: Maranhão, Microrregião: Gurupi, Município: Centro Novo

Povoado: Água Azul e Sabiá. Data da notícia: 12.10.11. Resumo da notícia: “MA:

Minerador Canadense Jaguar quer engolir assentados de Centro Novo.Parte dos

assentamentos Sabiá e Água Azul, no município de Centro Novo, estão ameaçadas

de expulsão pela empresa mineradora Jaguar e sua consorciada MCT Ltda.

Mesmo detendo apenas uma licença prévia, concedida pelo SEMA, a empresa

iniciou trabalhos de prospecção no interior dos assentamentos, onde apregoa que

nada impedirá a Empresa de utilizar a área para a exploração de ouro, uma vez

que os assentados não seriam os proprietários da área”. Fonte da

notícia:http://blog-do-pedrosa.blogspot.com

3.1 Local: Maranhão, Microrregião: Chapadinha, Município: Anapurus

Povoado: Formiga. Data da notícia: 24.11.11. Resumo da notícia: “Anapurus(MA):

Suzano derruba casas e desrespeita agricultores com aval da Justiça.A poderosa

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empresa Suzano Papel e Celulose, que cerca Chapadinha com promessas de

milhões em investimentos e milhares de empregos, há muito ronda outros

municípios da região deixando rastro de conflitos agrários, suspeita de dano ao

meio ambiente e denúncias de grilagem de terras, desrespeito e truculência contra

trabalhadores rurais e comunidades tradicionais do Baixo Parnaíba”. Fonte da

notícia: http://alexandre-pinheiro.blogspot.com

3.2 Local: Maranhão, Microrregião: Chapadinha, Município: Anapurus

Povoado: Formiga. Data da notícia: 30.11.11. Resumo da notícia: “SMDH Intervém

em conflito de comunidade contra a Suzano papel e celulose. A Sociedade

Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), através da assessoria sócio-jurídica do

programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba Maranhense, está intervindo junto a

órgãos e instituições do sistema de Justiça em favor da comunidade de Formiga,

na cidade de Anapurus, distante 284 km da capital São Luís. No último dia 20 de

novembro uma liderança comunitária relatou o ocorrido, por telefone, à entidade: a

comunidade foi alvo do cumprimento de uma liminar de reintegração de posse de

148 hectares, em ação possessória ajuizada pela Comercial Agrícola Paineiras,

empresa de propriedade da Suzano Papel e Celulose”.Fonte da notícia:

http//territorioslivresdobaixoparnaiba.blogspot.com

3.3 Local: Maranhão, Microrregião: Imperatriz, Município: Acailândia

Povoado: Piquiá. Data da notícia: 07.12.11. Resumo da notícia: “Marcha de

Indignação em Açailândia-MA .Cerca de dois mil moradores do bairro de Piquiá de

Baixo, município de Açailândia/MA, irão protestar na Prefeitura e no Fórum da

cidade.As 350 famílias do Piquiá saem em protesto em razão da última decisão do

Tribunal de Justiça que suspendeu provisoriamente a desapropriação do terreno

escolhido para abrigar as famílias, alegando ter na área 50 cabeças de gado”.

Partes da matéria: “A ideia é fazer uma grande marcha, pois não agüentamos mais

ver nossos moradores adoecendo e morrendo, precisamos urgentemente que o

Tribunal de Justiça resolva nosso caso e nos dê direito de uma moradia

digna”.Fonte da notícia: www.justicanostrilhos.org

3.4 Local: Maranhão, Microrregião: Imperatriz, Município: Acailândia

Povoado: Piquiá. Data da notícia: 07.12.11. Resumo da notícia: MA: População

prejudicada por Polo Siderúgico interdita BR-222. Moradores do bairro Piquiá de

Baixo, em Açailândia, interditaram a BR-222, que liga São Luís ao Sul do

Maranhão. A comunidade, localizada no KM 14,5 dessa rodovia, reivindica a

realocação das famílias que habitam a região para uma nova área. Segundo eles, a

poluição causada pelo Pólo Siderurgico de Açailândia (formado pelas empresas

Fergumar, Gusa Nordeste, Pindaré, Simasa e Viena) prejudica a saúde da

população. Partes da matéria: “Estamos aqui hoje interditando essa rodovia para

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denunciar às autoridades de nosso município e do estado, além da mineradora

Vale, que abastece este pólo siderúrgico, a morte de centenas de pessoas nos

últimos anos por problemas pulmonares”. Fonte da notícia: www.oimparcial.com.br

3.5 Local: Maranhão, Microrregião: Rosário, Município: Cachoeira Grande.

Data da notícia: 18.09.11. Resumo da notícia: “Obras da refinaria vão usar areia

extraída do Rio Munim. Empresa FC Transportes - que presta serviços a

empreiteiras da refinaria que está sendo construída em Bacabeira – retira do rio 20

caçambas de areia por dia. Há mais de um mês, a empresa FC Transportes está

retirando desregradamente areia do leito do Rio Munim, no município de Cachoeira

Grande (a 110 quilômetros de São Luís). A empresa, com sede em Brasília, presta

serviços para empreiteiras contratadas pela Petrobras para construir a Refinaria

Premium, em Bacabeira (cidade vizinha à capital maranhense). O destino a areia

extraída do Munim seria a etapa de edificação da refinaria, que ainda está na fase

de terraplenagem”. Fonte da noticia: http:/www.jornalpequeno.com.br

3.6 Local: Maranhão, Microrregião: Pindaré, Município: Bom Jardim.

Data da notícia: 21.09.11. Resumo da notícia: “Índios denunciam omissão do poder

público contra invasão de madeireiros. Índios Awá-Guajá, acompanhados de

missionários do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e de representantes da

Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, no Maranhão

(OAB-MA), participaram de uma reunião no Ministério Público Federal (MPF), no

Bairro da Areinha, para denunciar a omissão dos poderes públicos, em especial a da

Fundação Nacional do Índio (Funai), em relação à ocupação ilegal feita por

madeireiros em terras demarcadas. Os quatro índios, que fazem parte da terra

indígena Caru, estiveram em São Luís. Eles já teriam sofrido violências e estariam

sendo ameaçados de morte”.Fonte da notícia: http:/www.jornalpequeno.com.br

3.7 Local: Maranhão, Microrregião: São Luís, Município: São Luís.

Data da notícia: 29.11.11. Resumo da notícia: “Reunião no Incra-MA tratará de

regularização de terras e violência.Encontro foi definido depois da mais recente

ocupação do órgão, no fim de agosto. Representantes do governo federal e

lideranças indígenas, quilombolas, sem-terras, além de militantes do Movimento dos

Trabalhadores Sem Terra (MST) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT) vão se

reunir na manhã da próxima sexta-feira (30) em São Luís. A reunião acontecerá na

sede do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra-MA), no Anil, e o objetivo do

encontro é dar cumprimento ao acordo firmado com os governos federal e estadual,

que trata, entre outros assuntos, da agilidade nos processos de regularização de

terras e do combate à violência no campo”.Fonte da notícia:

http:/www.jornalpequeno.com.br.

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3.8 Local: Maranhão, Microrregião: São Luís, Município: São Luís

Data da notícia: 11.10.11. Resumo da notícia: “Pescadores do Taim, Vila Cajueiro e

Vila Maranhão oprimidos e abusados. A zona rural da ilha de São Luís é lugar de

desmando tanto quanto qualquer terra do Maranhão. Numa visita às vilas do

Taim, Cajueiro e Vila Maranhão o que se vê são terras sendo muradas e expulsão

de agricultores e pescadores de locais ocupados por eles há muitas décadas. E para

surpresa maior verifica-se a „onipresença‟ do agronegócio e de tantas outras

empresas que abusam do meio ambiente sem sequer ouvir um ralhar maneiro da

justiça ou do poder público”.

Fonte da notícia: http//territorioslivresdobaixoparnaiba.blogspot.com

No geral, consideramos, embora a pesquisa ainda esteja em andamento e fazendo

uma análise partindo desses noticiários, que grande parte dos conflitos gerados

decorre de grandes empreendimentos que visam se instalar em áreas ondeexistem

povoados há décadas ou séculos. Os habitantes desses povoados, por morarem em

locais que consideram de sua propriedade pelo tempo de moradia, mas cuja posse

legal normalmente é instável,são molestados para que deixem o local por tais

empreendedores. Outro problema também constatado é que, em alguns casos, os

conflito, se arrastam porque povos e grupos sociais tentam manter seu modo de

vida, que é reconhecido legalmente como terra indígena, de quilombo ouunidades

de conservação, e são donos de áreas de terras por direito, mas mesmo assim, são

desrespeitados por empreendedores. Como por exemplo, aqueles que vivem em

áreas de preservação legal, no caso dos índios, que vivem ameaçados por

invasores que buscam desregradamente apoderarem-se de recursos naturais

imprescindíveis para a sobrevivência física e cultural dos povos localizados em

terras indígenas.

A leitura feita dos noticiários nos dá também, as configurações de dois tipos de

conflitos: Conflitos por território, que se observa em maioria, e conflitos por

externalidade. O conflito por território se configura quando um determinado povo ou

grupo social busca manter-se numa localidade onde vive há vários anos e, neste

local, mantém relacionamentos sociais em que tem laços culturais que estão ligados

a eles. Mas, muitas vezes, os moradores são ameaçados ou obrigados a deixar

suas moradias para dar espaço para os diversos tipos de empreendimentos que

visam instalar-se no local em que moram. Configura-se assim um conflito pelo

controle do território. Podemos identificar alguns noticiários que apontam essas

características e que foram citados acima e estão identificados com a numeração 1,

2,3, 4,7,8,9 e 10.

No caso de conflitos que se configuram por externalidade, temos aqueles que se

caracterizam quando alguns empreendimentos comprometem de alguma forma, a

qualidade de vida de um povo ou grupo social. Isto é, as práticas investidas por tais

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empreendimentos afetam negativamente a reprodução social, cultural ou religiosa de

um povo. Por exemplo, os grandes empreendimentos podem inviabilizar o cultivo de

uma produção agrícola familiar, a pesca empequena escala, o abastecimento de

água de uma determinada comunidade, ou até mesmo, podem afetar a reprodução

de um povo, no caso dos indígenas. Notícias que se enquadram a este tipo de

conflito são os de numeração5 e6.

No entanto, é importante ressaltar que, embora muitas vezes esses tipos de conflitos

ocorram separadamente, também podem ocorrer de forma conjunta, ou seja, eles

podem ocorrer associadamente tanto por territorialidade como por externalidade.

4 CONCLUSÃO

Nesta pesquisa, embora os resultados sejam parciais, tendo em vista que a

pesquisa ainda está em andamento, constatamos que os conflitos continuam

ocorrendo e a pesquisa permanece fazendo o levantamento e o mapeamento de

conflitos já existentes.

No processo, o trabalho continua sendo desenvolvido buscando notícias nos

principais jornais e páginas eletrônicas. O projeto também está buscando

aperfeiçoar o banco de dados, visando ter uma melhor visibilidade e

acompanhamento dos conflitos ocorridos no estado do Maranhão, para que este

seja uma fonte de informações para futuros pesquisadores do projeto, assim como,

outros interessados na temática.

REFERÊNCIAS

ACSERALD, Henri (Org.) Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume

Dumará, 2004.

LOPES, José Sergio Leite (Org.). A ambientalização dos Conflitos Sociais:

participação e controle público da poluição industrial. Rio de Janeiro: Relume

Dumará: Nucleo de Antropologia da política/UFRJ, 2004.

SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio A. PEREIRA, Madian de J. F. ALVES, Elio de J. P.

PEREIRA, Carla R. A. Ecos dos conflitos socioambientais: a RESEX de Tauá-Mirim.

São Luís: Edufma, 2008.

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http://www.prma.mpf.gov.br/noticia

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12 IMPACTOS DOS EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS EM COMUNIDADES DE

PESCADORES DOS LENÇÓIS MARANHENSES: UMA ANÁLISE

SOCIOANTROPOLÓGICA NO MUNICÍPIO DE BARREIRINHAS71

Manuel Sousa Rodrigues72

RESUMO

O presente trabalho apresenta as atividades de estudo e pesquisa referentes ao

plano de trabalho “Impactos dos empreendimentos turísticos em comunidades de

pescadores dos Lençóis Maranhenses: uma análise socioantropológica no município

de Barreirinhas”.Neste trabalho, foram realizados estudos no Grupo de Estudo:

Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e pesquisas de campo

nas comunidades de Mandacaru, Atins e Vassouras, pertencentes ao município de

Barreirinhas. O referente plano de trabalho tem como objetivo identificar e analisar

os principais impactos socioambientais sofridos pelos moradores do município de

Barreirinhas, mais especificamente os impactos provocados pelos empreendimentos

turísticos na comunidade tradicional de Atins. Entendem-se como impactos as

transformações/relações ocorridas a partir da inserção da atividade turística na

referida comunidade. Buscar analisar os possíveis impactos socioambientais e saber

até que ponto a dinâmica do turismo na tradicional comunidade de Atins ocasionou

mudanças e o que essas transformações representam é o foco da discussão desta

pesquisa em andamento.

Palavras-chave: Turismo; Barreirinhas; Impactos socioambientais.

71

Plano de trabalho apresentado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica- PIBIC. 72

Acadêmico de Ciências Sociais pela Universidade Federal do Maranhão, membro do GEDMMA e bolsista PIBIC.

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1 INTRODUÇÃO

O município de Barreirinhas está localizado na Microrregião dos Lençóis

Maranhenses, esta por sua vez está situada na Mesorregião norte maranhense. O

município está distante 268 km de São Luís, capital do estado do Maranhão. A

cidade de Barreirinhas (sede do município) está localizada na margem direita do Rio

Preguiças, a 42 km de sua foz e de Caburé, sua praia mais conhecida. É porta de

entrada para o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, que ocupa uma área de

155.000 hectares e foi criado em 02 de junho de 1981 pelo Decreto Nº 86.060.

(SEBRAE, 2007).

O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses - PNLM - é uma das regiões ou pólo,

como é chamado pelas gerências do governo maranhense, de maior potencial

turístico do Maranhão, por apresentar uma beleza natural ímpar. É também

conhecido como o deserto brasileiro por se constituir por grande área de areia clara

formando dunas e pequenas depressões que se transformam em lagos e lagoas no

período chuvoso (janeiro a junho). Essa vocação para o turismo nasce com a própria

ideia de Parque Nacional como Unidade de Conservação ambiental, que, segundo o

decreto de fundação, o PNLM “tem por finalidade precípua proteger a flora, a fauna

e as belezas naturais, existentes no local” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2012), que

por sua vez remete ao mesmo sentido da fundação do Yellowstone (Parque

Nacional dos Estados Unidos, localizado nos estados de Wyoming, Montana e

Idaho), o mais antigo parque nacional no mundo, inaugurado em 1º de marçode1872

(WIKIPÉDIA, 2012). Para Célia Maria de Toledo Serrano, na criação de Yellowstone

“a própria ideia de proteção ambiental surge associada à ideia de contemplação, do

lazer e, por extensão, do turismo” (SERRANO, 1997, p.105). Para Diegues (1997), a

criação de parques nacionais surgida nos Estados Unidos se expandiu para o

mundo e tem representado a principal estratégia de conservação da natureza

principalmente em países do terceiro mundo, que além da preservação ambiental,

tem por objetivo oferecer lugares de refúgios, admiração e lazer para as pessoas

urbanas. Como o autor afirma:

A criação de parques nacionais e demais áreas naturais protegidas tem sido a principal estratégia para conservação da natureza, em particular nos países do terceiro mundo. Desde seu início, os parques nacionais foram estabelecidos para oferecer às populações urbanas meios de lazer e contemplação do mundo natural. O objetivo geral dessas áreas naturais protegidas é preservar espaços com atributos ecológicos importantes. Algumas delas, como parques, são estabelecidas para que sua riqueza natural e estética seja apreciada pelos visitantes, não se permitindo, ao mesmo tempo, a moradia de pessoas em seu interior (DIEGUES, 1997, p. 85).

Valendo-se dessas características, o governo do estado maranhense a partir dos

anos 2000 procurou, por meio de alguns projetos, estimular o turismo na região.

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Com o objetivo de dinamizar a economia na região aproveitando melhor as

potencialidades turísticas, em 2002 o governo do estado do Maranhão inaugura a

MA-402, estrada que encurta consideravelmente a distância entre São Luís e o

município de Barreirinhas. A construção da nova estrada faz parte de um grande

projeto para o desenvolvimento do turismo em Barreirinhas. Acompanhando os

investimentos públicos, a iniciativa privada tornou-se protagonista do chamado

desenvolvimento do turismo dos Lençóis Maranhenses. Isso pode ser evidenciado

com a construção de vários hotéis, pousadas e resorts para o recebimento dos

novos visitantes. No entanto, a região dos Lençóis Maranhenses continua com

precárias estruturas para atender a demanda de turismo. No intuito de sanar esse

problema foi lançado em 2000 pelo governo maranhense o Plano de

Desenvolvimento Integral do Turismo no Estado do Maranhão ou Plano Maior, que

consistia em um programa norteador da implantação da atividade turística e

procurando atender as condições de um desenvolvimento sustentável elaborado

pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional (AECI). O Plano Maior dividia

o estado em 05 (cinco) polos, a saber: polo São Luís, polo Parque Nacional dos

Lençóis Maranhenses, polo Delta das Américas, polo Chapada das Mesas e polo

Floresta dos Guarás. Apesar dos esforços, este plano não foi executado como

deveria e acabou sendo pouco aproveitado pelas administrações estaduais e

municipais. Contudo, em 2009 foi retomado pelo governo maranhense que

recontratou a mesma empresa estrangeira para reelaborar o programa de

desenvolvimento do turismo maranhense.

Chamado agora de “Plano Maior 2010-2020”, o novo estudo desenvolvido por esse

projeto faz uma redivisão hierarquizando os polos em três categorias derivadas das

prioridades de desenvolvimento, que definem seu papel no composto turístico do

Maranhão. Os quais são: os polos indutores ou prioritários, compostos por São Luís,

Parque dos Lençóis e Chapada das Mesas; polos de desenvolvimento: Amazônia

Maranhense, Cocais e Serras, Guajajara, Timbira e Kanela; e polos estratégicos:

Floresta dos Guarás, Delta das Américas, Munim e Lagos e Campos Floridos.

Segundo Teresa Portela, Supervisora de Controle e Avaliação de Produto da

Secretaria de Estado de Turismo do Maranhão - SETUR- MA, isso aconteceu

porque a “análise dos produtos e recursos na reavaliação do plano Maior 2000

demonstrou que, diferente do que acontecia naquele ano,o conjunto turístico do

Maranhão apresenta-se hoje desigual,” o potencial de atratividade e a própria

capacidade de expansão estava concentrada apenas em parte dos Polos Turísticos.

Desta forma, segundo Teresa Portela seguiu-se esta divisão porque:

Os Polos Indutores: Demonstram capacidade de obter a máxima rentabilidade a partir da melhor otimização da oferta atual e dos produtos existentes em curto e médio prazo. São, portanto capazes de induzir o desenvolvimento turístico no Estado e catalisar o desenvolvimento dos demais polos.Os Polos Estratégicos: São estrategicamente importantes para a diversificação da oferta em médio prazo por seu potencial de

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atratividade e pelas questões de acessibilidade. Já os Polos de Desenvolvimento: Carecem de altos investimentos em desenvolvimento para atingirem os mesmos níveis de rentabilidade dos Polos Indutores. Devem ter a atividade turística monitorada, porém, em cenários orçamentários limitados, deverão ser desenvolvidos apenas no longo prazo. (mensagem enviada por Teresa Portela [online])

É interessante observar que mesmo com as mudanças no plano de desenvolvimento

do turismo no Maranhão, os Lençóis Maranhenses – PNLM - continuam figurando

como central, carro-chefe da atividade turística. Barreirinhas como porta de entrada

para o “deserto brasileiro”, apesar de ser apenas um dos municípios que abriga e o

PNLM, é o município que mais sofre alterações decorrentes dos investimentos do

setor turístico na região. Comunidades distantes da sede de Barreirinhas como

Atins, pacato povoado litorâneo de pescadores artesanais, de difícil acesso, são

constantemente visitadas por turistas dos mais variados lugares do mundo. Alguns

(ou muitos) desses visitantes/veranistas já compraram terrenos e casas nesse

povoado para fazerem casas ou pousadas e restaurantes. Em decorrência desse

processo, os nativos estão sendo expulsos de sua comunidade tradicional, o que

pode indicar uma nova dinâmica nas relações comunitárias, com a natureza e seus

recursos.

Analisar essas novas relações, os impactos socioambientais, saber até que ponto a

dinâmica do turismo na tradicional comunidade de Atins ocasionou mudanças,

impactos socioambientais e o que representam essas transformações, é o que se

propõe o plano de trabalho “Impactos dos empreendimentos turísticos em

comunidades de pescadores dos Lençóis Maranhenses: uma análise

socioantropológica no município de Barreirinhas”.

Inicialmente, o referido plano de trabalho estava previsto para estudar as

comunidades de Atins, Mandacaru e Caburé. Porém, durante as visitas de

pesquisas nessas comunidades percebi que deveria direcionar o foco para Atins, por

apresentar maior dinâmica de turistas com os nativos.

Está sendo realizados estudos a partir de levantamento de material secundário, tais

como: monografias, jornais, planos de governos, livros, artigos científicos e demais

materiais relacionados que possam contribuir na realização deste trabalho. Também

estão sendo feitas pesquisas diretamente no campo investigado, ou seja, na

comunidade de Atins. O trabalho de campo na área de estudo está sendo realizado

por meio de observação do cotidiano e de eventos importantes, conversas informais,

entrevistas; com uso de caderno de campo para registro etnográfico, assim como de

máquina fotográfica.

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2 A FRACA SUSTENTABILIDADE DO TURISMO

Sempre que um novo empreendimento é implantado em determinada localidade,

tanto os agentes do governo (incentivadores), como os agentes responsáveis pelo

empreendimento (representantes do setor privado), usam o convincente discurso do

desenvolvimento para eliminar possíveis oposições a tal investida. É justamente com

esse discurso que agentes dos governos federal, estadual e municipal e investidores

privados exploram o turismo na região dos Lençóis Maranhenses. O termo

desenvolvimento, segundo Esteva (2000), é bastante controverso e sem conceito

definido. Seja como for, esse termo tem grande aceitabilidade em áreas de

concentração de pobreza como o município de Barreirinhas por remeter à ideia de

progresso, de melhoria econômica para uma região de subdesenvolvimento.

Subdesenvolvimento por sua vez, remete à ideia de atraso, etapa para se chegar ao

desenvolvimento. Para Esteva (2000) subdesenvolvimento é uma criação do próprio

desenvolvimento, imposição dos Estados hegemônicos, para justificar suas políticas

intervencionistas.

Situação semelhante ocorre nas comunidades de Barreirinhas. Segundo Carvalho

(2005), mesmo havendo algum mecanismo de discussão, entre setores

governamentais e representantes das comunidades locais, as decisões sobre as

políticas para a região são tomadas arbitrariamente sem atender aos anseios das

comunidades, impossibilitando a participação cidadã. Nas palavras de Carvalho

(2005, p.08): Organismos, como o Banco do Brasil em Barreirinhas, têm tomado algumas iniciativas para promover a participação cidadã. Uma delas é o Comitê do Desenvolvimento Regional Sustentável, do qual participam alguns órgãos e representantes de comunidades. No entanto, esses conselhos funcionam precariamente, reúnem-se de forma esporádica e a sociedade, apesar de ter assento, raramente fala. E quando fala, não consegue falar em uma só voz. São muitos grupos, conseqüentemente, muitos interesses e pontos de vistas divergentes.

Outro termo bastante utilizado é a noção de desenvolvimento sustentável que, assim

como o termo desenvolvimento, não possui um conceito definido. Apenas uma

noção afirmando ser o processo de exploração que“atende às necessidades dos

presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem

suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991, p. 46). No entanto, esse discurso (no

sentido de campanhas de implementação) parece não ter muito significado para os

moradores de Atins (talvez isso seja porque ainda preservam a forma artesanal de

pescaria- a principal atividade econômica dos moradores- que não representa

atividade de degradação dos recursos naturais, portanto, antes de surgir como

discurso a noção de sustentabilidade já aparece como modo de vida).

Contudo em outras comunidades do município de Barreirinhas a dinâmica pode ser

outra e essa discussão tenha mais relevância. Fato discutido em um artigo do

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Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília – UNB, feito por

João Paulo Faria Tasso, Elimar Pinheiro do Nascimento, Luis Tadeu Assad e Carla

Gualdani, chamado “Produção Associada ao Turismo: Lençóis Maranhenses –

Barreirinhas (MA)”. Nesse texto os autores analisam o discurso do desenvolvimento

sustentável, na perspectiva onde existe uma integração de ganhos mútuos entre

investidores de fora e comunidade local, ou seja, uma reciprocidade no processo de

exploração das potencialidades locais como as lagoas, o rio e suas margens, as

praias e ao mesmo tempo preservando as mesmas, sendo atores ecologicamente

corretos. Para os pesquisadores, no entanto, isso só existe teoricamente; na prática

o procedimento é outro.

Em Atins, a partir das minhas observações e análise (preliminar) das falas dos

moradores em conversas informais, pude perceber que a exploração do turismo na

comunidade ainda não apresenta degradação ambiental que possa comprometer o

modo de vida dos nativos ou extinção dos recursos naturais. A praia e o rio, não

recebem poluentes. O material degradante produzido da comunidade se resume ao

lixo doméstico das casas, pousadas e restaurantes. Segundo os moradores e

representantes de pousadas, o material doméstico sólido é queimado ou enviado

para lixões longe da comunidade. Já a parte líquida do lixo vai para buracos no

chão. Por outro lado, a mesma atividade turística ainda não representa prática

sustentável para a comunidade local. Uma prática sustentável do turismo, segundo

Serrano (1997), tem como princípios básicos:

Uso sustentável dos recursos, redução do consumo supérfluo e do desperdício, manutenção da biodiversidade, introdução do planejamento (global e local), suporte às economias locais, envolvimento das comunidades locais, consulta ao público a às instituições públicas e não-governamentais, capacitação da mão-de-obra e estímulo e desenvolvimento da pesquisa relacionada aos problemas a ele vinculados (SERRANO, 1997, p.18-19).

Embora os três primeiros princípios possam existir (de forma tímida), com os demais

não ocorre o mesmo. Questões como planejamento global e local ou local-global,

não é percebido. Assim como suporte às economias locais, sendo esta uma

reclamação bastante recorrente entre os moradores. Os investimentos em pousadas

e restaurantes que existem partem de iniciativas particulares, o que pode ser um

indicativo para o não envolvimento (no sentido de ter iniciativa como

empreendedores) da comunidade. A participação dos nativos na atividade turística

da comunidade é minimizada a condição de empregados das pessoas de fora que

têm negócios (pousada e restaurante) ou casas de veraneios.

Talvez a venda (com certa facilidade) de terras e casas para as pessoas que não

são da comunidade seja a principal ameaça ao modo de vida dos moradores

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tradicionais, uma vez que os impossibilita de continuar na comunidade, como alerta

o presidente da associação de moradores de Atins.

Analisando a facilidade com que as pessoas se desfazem de seu local de origem e

procuram outro lugar para viver, tornando-se desenraizados, característica da

modernidade como afirma Escobar (2005), parece-me que antes de acionarem o

sentimento de pertencimento e defesa do lugar, esses moradores buscam aproveitar

a oportunidade para melhorar de vida, acreditando que com a venda de seus bens

imobiliários poderão sair da situação de pobreza e esquecimento das autoridades

governamentais. Vendem suas casas para adquirir outra na cidade onde o filho

estuda (a escola que existe na comunidade é bastante precária e de nível

fundamental, até poucos anos atrás; e para que os filhos continuassem estudando,

os pais mandavam-nos para a sede do município), ou para investir no próprio setor

turístico ou simplesmente porque precisam do dinheiro para fazer uma casa mais

confortável na própria comunidade (isso quando têm mais de um terreno). É uma

necessidade do mercado, do mundo global. Segundo o pescador Manoel,eles

(moradores) “Vendem por questão própria mesmo, questão de querer botar dinheiro

no bolso e fazem uma casinha melhor em outro lugar”. (entrevista)

A especulação imobiliária é uma questão bastante visível na comunidade de Atins.

Muitos nativos já venderam o terreno e/ou casa que possuíam na comunidade e se

deslocaram para a cidade ou outra comunidade perto de Atins ou mesmo para

outros lugares mais distantes.Apesar de ser uma característica de regiões com alto

potencial turístico não pode passar despercebido em qualquer estudo sobre os

conflitos socioambientais e/ou uso dos espaços em comunidades como Atins, pois

esse é um processo que pode significar uma nova dinâmica na região, até mesmo

de conflito pelo uso do espaço. Segundo Coriolano (2001) o turismo,

considerado indústria e com objetivos puramente econômicos, colocando muito naturalmente o lucro como prioridade, tem desencadeado um violento processo de especulação imobiliária, uma supervalorização do solo litorâneo com construção de hotéis, estradas e infraestrutura de apoio que desrespeitam as normas e as leis ambientais (CORIOLANO, 2001, p.99-100).

O que acontece em Atins não é muito diferente, segundo relatos de alguns

moradores, pessoas que venderam sua casa e terrenos e saíram da comunidade

depois não conseguem mais voltar, pois o valor de um pedaço de terra já está muito

mais elevado.

Quanto ao turismo, sem dúvida, representa importante fonte de recursos

econômicos no município de Barreirinhas. A economia gerada a partir da circulação

das pessoas, quando existem políticas públicas com responsabilidade social, é

fundamental na criação de empregos para a população local e consequentemente

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distribuição do dinheiro originado. Contudo, a forma como está ocorrendo em

Barreirinhas não permite a socialização dessa renda para as pessoas nativas.

Segundo Carvalho (2005, p.8):

A região dos Lençóis Maranhenses ainda está assentada em bases econômicas da exploração primária de subsistência, que não lhe permitiu acumular capital para investir nos empreendimentos turísticos. A origem do capital aplicado em empreendimentos privados, portanto, é quase totalmente externa (empresários de São Luís, de outros Estados e até mesmo estrangeiros).

Ainda segundo Carvalho (2005, p.8):

Como a estratégia de crescimento implantada não vem conseguindo gerar alternativas econômicas que minimizem o impacto do turismo como monoproduto, as perspectivas poderão ser extremamente nocivas quando o fluxo de recursos em circulação se estabilizar ou decrescer. Não bastasse isso, os investimentos pífios na capacitação de recursos humanos praticamente inviabilizam o atendimento do fluxo contínuo de visitantes. Dessa forma, a distribuição e a troca não proporcionam aos nativos a oportunidade de se beneficiar da retenção da riqueza.

Essa é uma característica geral do município, possibilitando ganhos econômicos

para pessoas de fora que chegam naquele município e conseguem desenvolver seu

empreendimento. No entanto, parece que ainda não foram encontrados os meios

para que a população Barreirinhense seja inserida nesse processo de forma que

tenham retorno, ou seja, tenham participação ativa e ganhos efetivos

proporcionados pela atividade turística da região. Faltam os princípios básicos como

“suporte às economias locais, envolvimento das comunidades locais, consulta ao

público, a instituições públicas e não-governamentais, capacitação da mão-de-obra

e estímulo e desenvolvimento da pesquisa relacionada aos problemas a ele

vinculados” apontados por Serrano (1997, p. 18-19). Fato esse também presente na

comunidade de Atins.

Mesmo não apresentando grandes empreendimentos, Atins possui várias

pousadas que atendem a demanda turística que para lá vai. Esses

empreendimentos geralmente são de moradores recentes (portanto de pessoas de

fora), e, segundo relatos de alguns moradores, chegam a empregar nativos. Apesar

disso, parece ainda não representar uma alternativa viável para a comunidade a

ponto de abandonar sua tradicional atividade de pesca artesanal. Isso não significa

que os nativos desaprovam a atividade turística, ao contrário, dizem que é boa para

a comunidade, pois permite que alguns ganhem dinheiro em troca de alguns

serviços domésticos para os turistas/veranistas.

3 CONSIDERAÇÕES

Durante a primeira etapa das atividades referente ao plano de trabalho “Impactos

dos empreendimentos turísticos em comunidades de pescadores dos Lençóis

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Maranhenses: uma análise socioantropológica no município de Barreirinhas”, que

consistiu em estudo do assunto e inserção no campo de pesquisa para coleta inicial

dos dados, eu pude perceber que existem inúmeras questões problemáticas em

relação à atividade turística na região dos Lençóis Maranhenses. Questões que vão

desde a frágil sustentabilidade turística (como atividade que representa uma saída

efetiva para melhorar a vida das pessoas nativas) até deslocamento de pessoas de

seus lugares de origem provocado por especulação imobiliária. São situações

recentes que requerem análise cuidadosa, e é o que se propõe o referido plano de

trabalho. No entanto, esta pesquisa se encontra em andamento e no momento ainda

não permite analisar tais questões assim como os verdadeiros impactos ambientais.

Atividade que será realizada no decorrer da segunda etapa, período em que serão

realizados entrevistas e estudos mais aprofundados no campo de pesquisa.

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13 OS IMPACTOS DO “DESENVOLVIMENTO” ÀS COMUNIDADES RURAIS, NO

MARANHÃO.

Maysa Mayara Costa de Oliveira73

RESUMO

O presente trabalho faz uma discussão da noção de desenvolvimento que serviu

como modelo de expansão do capitalismo, e como este modelo atingiu

consideravelmente a concepção e os padrões da agricultura, e o modo de vida das

comunidades rurais, afetando-as diretamente e indiretamente. A partir da análise do

termo Desenvolvimento, revelam-se seus principais objetivos, fazendo uma crítica a

este termo e demonstrando como este desempenhou/desempenha um papel

ideológico. Em seguida, a análise da Revolução Verde, como outro fator de

mudança tanto na Economia como na forma de vida no campo, e seus impactos

sobre o modo de concepção da agricultura. A obtenção de dados para a realização

do trabalho ocorreu através de revisão bibliográfica, experiências vivenciadas com

trabalhadores rurais e técnicos, e análise dos inúmeros problemas ocorridos no

Estado. Assim, observa-se que no Maranhão, a organização das comunidades

rurais, na forma de discussão e debate sobre meios alternativos de trabalho no

campo, é necessária na mudança da realidade gerada pela lógica do

desenvolvimento.

Palavras-chave: desenvolvimento; subdesenvolvimento; revolução verde;

comunidades rurais.

73

Aluna do 9º período do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão.

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1 INTRODUÇÃO

A partir das experiências vivenciadas e das leituras sobre determinados temas de

interesse do presente artigo, como dos inúmeros problemas ocorridos no Estado, em

relação a grandes projetos desenvolvimentistas, o objetivo deste trabalho é discutir a

noção de desenvolvimento que serviu como modelo de expansão do capitalismo, e

como este modelo atingiu consideravelmente a concepção e os padrões da

agricultura, como também o modelo de vida das comunidades rurais, afetando-as

diretamente e indiretamente.

A primeira parte do trabalho centra-se na discussão sobre o termo desenvolvimento.

A partir da análise de (Gustavo Esteva, 2000) sobre a proporção que o termo

desenvolvimento trouxe para o mundo, e como ao longo do tempo o termo foi

modificando seu sentido, de acordo como era empregado pela biologia, economia,

até chegar ao discurso do presidente Truman, que usou o termo desenvolvimento

como forma de medir o potencial dos países, referindo-se a hegemonia americana,

como modelo a ser seguido.

A Revolução Verde é um fator que também merece destaque, pois, pertence ao

pacote desenvolvimentista, com a inserção do uso de maquinário e fertilizantes na

agricultura, trazendo sérias conseqüências ao meio ambiente como aos pequenos

agricultores que não podem competir com o grande investimento dessa nova forma

de produção agrícola, voltada inteiramente ao mercado.

Por fim, observando os inúmeros protestos de várias comunidades rurais do Estado

do Maranhão, como a situação de extremo conflito que vive o Estado em meio a

grandes projetos desenvolvimentistas, faz-se uma análise a respeito do que está

sendo vivenciado a partir da lógica do desenvolvimento.

Assim, tanto a questão do uso da ideologia do termo desenvolvimento, como o

projeto da Revolução Verde, são fatores que merecem destaque na discussão da

implantação de projetos desenvolvimentistas que afetaram drasticamente a vida das

comunidades rurais de uma forma geral e especificamente no Maranhão, onde se

verifica um movimento de resistência dessas populações diante destes projetos.

2 A INVENÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

O termo Desenvolvimento tão utilizado para designar os ambiciosos projetos

capitalistas, constitui um termo cheio de conotação, e que ao longo do tempo seu

uso e seu sentido deram margem a várias significações, porém, o sentido que o

termo fortemente carrega, e que nos interessa analisar, é o sentido de se chegar a

uma determinada etapa evolutiva, ou seja, uma “evolução”, parte final de

determinado estágio.

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Gustavo Esteva, em Dicionário do Desenvolvimento, faz uma análise histórica do

termo, chamando-a de “história distorcida”, e que não há outro conceito dentro do

pensamento moderno que tenha tamanha influência sobre o modo de pensar o

comportamento humano.

Em sua “história distorcida”, no significado coloquial a palavra desenvolvimento

descreve o processo ao qual são liberadas as potencialidades de um determinado

organismo até sua fase completa (ESTEVA, 2000). A partir dessa metáfora mostra-

se como o termo até hoje tem uma forte ligação com esse sentido, como também na

biologia o conceito de desenvolvimento estava inteiramente ligado com o de

evolução, na concepção de transformação para uma forma mais perfeita. Essa

concepção foi e ainda é fortemente utilizada como referência para a demarcação de

uma desigualdade que justifica a exploração de poucas nações sobre várias.

Com o modo de produção industrial, que era uma, dentre várias formas de vida

social, tornou-se uma referência no estágio de culminação das potencialidades da

vida humana, estando assim o desenvolvimento ligado a essa nova forma de

concepção da vida social. Nesse sentido o termo desenvolvimento tornou uma

hegemonia global de um modo de vida Ocidental e que acabou roubando de outros

povos de culturas diferentes a capacidade de definir a sua cultura e seu próprio

modo de vida. Esta constitui uma primeira fase ao qual o sentido do termo

desenvolvimento vai tomando a forma de influenciar no modo de vida,

principalmente, para justificar a imposição de um modo de vida sobre outro.

Apesar de inúmeros significados que a palavra desenvolvimento teve e tem, e

dependendo da situação ao qual a palavra está sendo empregada, o termo

desenvolvimento não consegue em seu sentido se desprender dos significados de

crescimento, evolução, mudança. Uma mudança que é sempre favorável, e que nos

remete a dar “um passo a frente” ou subir cada vez mais, sempre no sentido de que

partimos de algum lugar e que vamos alcançar determinado topo. Porém, como vai

ser colocado mais adiante, a crítica sobre o que o sentido que o desenvolvimento

propõe, é analisarmos que este topo não existe. E que é a partir das conseqüências

desse modo de conceber o mundo, que a lógica do desenvolvimento começou a ser

criticada.

A segunda fase de como o termo desenvolvimento toma as proporções que até hoje

influenciam o mundo, faz parte de uma campanha política iniciada pelo presidente

dos Estados Unidos, Truman, que após o fim da Segunda Guerra Mundial, e então

centro do mundo, queria deixar a nível global a marca norte americana, nascendo

naquele momento uma nova era do desenvolvimento (ESTEVA, 2000). Assim, ao

usar pela primeira vez em seu discurso a palavra, subdesenvolvimento, Truman

inaugura um novo sentido à palavra desenvolvimento, ou seja, tudo que não era

desenvolvido passou a ser subdesenvolvido, e aí então “do dia pra noite” milhões de

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pessoas passaram a ser subdesenvolvidas. E o que importava agora era sair desta

condição (ESTEVA, 2000).

As conseqüências desse novo projeto, um projeto imperialista, marcaram de forma

definitiva as percepções em relação entre o “eu” e o “outro”, e que de forma diminuta

exclui e define a identidade do outro, não que essa concepção começou a existir

desde então,mas, a partir do momento em que se impõe uma situação de

inferioridade e que se cria um “modelo” a ser seguido, exclui-se uma identidade,

uma forma de vida para que se alcance determinado estágio, começando assim a

corrida para o desenvolvimento, um desenvolvimento que é inventado como o

Subdesenvolvimento e que é contraditório.

Os resultados advindos dessa nova ideologia que em seu sentido só reforçam o que

já existia no mundo, pobreza e “atraso”, deixam de lado a especificidade de cada

nação renegando a história do seu passado. Coincidentemente, os países ditos

“subdesenvolvidos” são os mesmos que séculos atrás foram colônias de exploração

de matéria-prima, e que mais uma vez, só que por outro viés, vão a todo custo entrar

na “corrida” para o desenvolvimento, adaptando-se novamente a uma ideologia

dominante.

3 A REVOLUÇÃO VERDE E SEUS IMPACTOS NO BRASIL

A Revolução Verde faz parte do exemplo de como a ideologia do Desenvolvimento

tomou proporções que afetaram definitivamente a concepção de agricultura, a vida

no campo e os recursos naturais.

Primeiramente a Revolução Verde consiste no processo de modernização da

agricultura, modernização esta que ocasionou grandes impactos no Brasil e no

mundo. Estrategicamente o surgimento deste projeto, ocorreu com o fim da Segunda

Guerra Mundial, quando se viu na agricultura um investimento de grande

rentabilidade e no qual podiam ser reutilizadas muitas indústrias químicas como

também a maquinaria, que foram instrumentos que ficaram com o fim da guerra.

Assim estavam montada as bases para o processo de modernização da agricultura,

juntamente com o discurso ideológico, de que a proposta da Revolução Verde seria

de acabar com a fome no mundo. Porém, é de se estranhar que após uma guerra

onde países que se consolidaram como hegemonia mundial, pelo mercado da

guerra, a custa da vida de milhares de pessoas, estejam realmente preocupados

com a fome mundial.

A verdadeira intenção da Revolução Verde seria vender os pacotes tecnológicos aos

países ditos subdesenvolvidos, para que estes pudessem ter a oportunidade de se

desenvolver. Estes pacotes reuniam todas as inovações técnicas para o plantio e a

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colheita na agricultura, onde se incentivava o uso de todos os tipos de agrotóxicos,

de ferramentas e máquinas como tratores e colheitadeiras.

Segundo George (apud ANDRADES e GANIME,2007):

(...) pode-se entender o raciocínio geopolítico norte-americano segundo a lógica da Guerra Fria no que diz respeito à fome. E mais, a afirmação é excelente, pois deixa claro o aspecto ideológico da Revolução Verde na medida em que a resolução do problema da fome não passa somente por inovações tecnológicas. É notório o aumento da produtividade, todavia a agricultura foi concebida como um meio para reproduzir o capital, ao invés de colaborar para solucionar o problema da fome. (p.47)

Nesse sentido o próprio projeto ideológico da Revolução Verde de acabar com a

fome se contrasta com sua real intenção que é o aumento do capital, através da

venda dos pacotes tecnológicos para a agricultura.

No Brasil, como nos demais países “subdesenvolvidos”, só foi possível ter acesso a

esses pacotes através da ampliação do crédito com parcerias intergovernamentais,

ou seja, o governo liberava o crédito aos agricultores para que estes pudessem

financiar os pacotes.

No Brasil, por ter um histórico de um país de base agrária e de grandes latifúndios, e

também por um grande número de pequenos agricultores, com a adoção ideológica

da Revolução Verde, há a intensificação da competitividade, do lucro e a união entre

agricultura e indústria, onde os pequenos agricultores vão perder cada vez mais as

suas terras para a grande indústria agrícola ou agronegócio, o seu espaço no

campo, e as suas técnicas de trabalho. Uma vez que a ideologia do uso das práticas

de utilização de agrotóxicos e máquinas “acabou” os problemas na plantação e

aumentaram a velocidade da produção. Assim, não há como os pequenos

agricultores competirem com que tem mais recursos para investir nos pacotes

tecnológicos advindos de uma lógica global.

Entretanto, em que sentido a Revolução Verde matou a fome, se com o seu projeto

tirou os meios de subsistência das comunidades rurais brasileiras?

Ao analisar os efeitos da Revolução Verde no Brasil, Zamberlam e Froncheti (apud

ANDRADES e GANIME, 2007), destacam algumas iniciativas tomadas pelo governo

para a implantação desse projeto no país:

divulgação das propostas e investimentos;

concessão de espaços para os organismos internacionais;

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envio de professores, técnicos e pesquisadores para o exterior a fim de serem

treinados e vinda de técnicos desses centros internacionais para efetuarem

treinamentos no Brasil;

atração de empresas transnacionais para o país a fim de produzirem insumos

(químicos), máquinas e equipamentos e de indústrias processadoras de

matérias-primas agrícolas. Chegaram a Ford, Shell, Ciba-Geigy, ICI,

UNILEVER, Du Pont, Bayer,Basf, Stauffer, Dow Química, Pfizer, Unon

Carbide, Hoeschst, Monsanto, Rhodia,entre outras;

criação de centros e órgãos de pesquisa, no Brasil, para 'adequarem os

produtos' à realidade do solo e do clima. Surge a EMBRAPA (Empresa

Brasileira de Pesquisas Agropecuária), EMBRATER (Empresas Brasileira de

Assistência Técnica e Extensão Rural), as EMATERs (Empresas de

Assistência Técnica e Extensão Rural) e as cooperativas fundam seus centros

de pesquisa também com a mesma finalidade;

estímulo ao surgimento de cooperativas de comercialização agrícola para

organizar os agricultores e introduzi-los às novas práticas;

reformulação do papel do Banco do Brasil, passando a ser um órgão

financiador por excelência desse novo modelo. (p.49)

Essas iniciativas para a adoção do pacote tecnológico da Revolução Verde no país

reforçam a teoria de dependência e a relação centro-periferia, destacada por (Celso

Furtado, 2003), como formas características dos países “subdesenvolvidos”, onde a

influência dos países centrais vai agir na difusão da mudança cultural dos povos. A

relação de dependência e centro-periferia se dá uma vez que os países que não

possuem uma estrutura capaz de promover suas próprias técnicas onde importam

estas dos países centrais, adotando assim um padrão de dependência. A

conseqüência disso ocorre na dominação cultural em que os países centrais

exercem sobre os periféricos.

4 OS IMPACTOS DO DESENVOLVIMENTO ÀS COMUNIDADES RURAIS NO

MARANHÃO

Diante das mudanças no cenário brasileiro pela adoção dos pacotes tecnológicos da

Revolução Verde no campo, hoje analisamos as conseqüências que estas escolhas

trouxeram ao campo, na qualidade de vida e principalmente ao ecossistema do

mundo como um todo.

No Maranhão, Estado onde existe um grande percentual de comunidades rurais, a

discussão que se põe em cheque, diante de tantos conflitos existentes devido aos

grandes empreendimentos tanto no setor industrial como no agronegócio, é saber

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como lutar contra o esmagador sistema do capital, que desapropria e mata o homem

do campo.

Entre os dias 04 e 07 de Outubro de 2001, foi realizado em São Luis, capital do

Estado, a 1ª Jornada de Fortalecimento da Agricultura Familiar e Reforma Agrária,

na sede da FETAEMA (Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Estado do

Maranhão), onde trabalhadores rurais de todo o Estado, técnicos agrícolas,

agrônomos e sociólogos discutiram de que maneira se pode trabalhar a assistência

técnica com as novas formas de sustentabilidade. Assim, durante quatro dias foram

discutidas, trabalhadas, e planejadas formas de resgatar o trabalho no campo, com

técnicas que antes eram utilizadas dentro das comunidades rurais, e que hoje, foram

tomadas pelas técnicas importadas pelo modelo de modernização da agricultura.

A questão, colocada por muitos trabalhadores, é de uma reeducação no campo, no

sentido de se fazer uma abolição dos métodos utilizados pela agroindústria, e

resgatar antigas técnicas que foram esquecidas devido a esse novo cenário que

apareceu no campo, durante a Revolução Verde no Brasil a partir do período

ditatorial. Assim, questões como sustentabilidade e agroecologia são colocadas em

discussão aos efeitos que o agronegócio no campo, como grilagem, encomendas de

mortes, desapropriação, contaminação dos solos, rios, desmatamento, cultivo de

monocultura, entre outros, são alguns dos inúmeros problemas encontrados pelas

comunidades rurais no Estado, resultante da lógica de “desenvolvimento”, que

acarreta a destruição do sistema natural e miséria no campo, como o Estado em um

todo.

Iniciativas para uma reeducação no campo são políticas que vêem cada vez mais

tomando força, como uma alternativa de minimizar os impactos causados pela

modernização da agricultura, como a Carta de Princípios Agroecológicos, elaborada

pela RAMA (Rede de Agroecologia no Maranhão), em Julho de 1999, da qual

destacam-se os principais pontos:

• Manejo Sustentável do Solo;

• Valorização e resgate de semente tradicionais;

• Controle alternativo de pragas e doenças das plantas e dos animais;

• Conservação e manejo dos ecossistemas aquáticos;

• Integração das criações de animais no sistema de produção familiar

diversificado;

• Conquista de mercados consumidores para os produtos orgânicos da

agricultura familiar;

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• Respeito a produção familiar rural com base na agroecologia;

• Reconhecimento e valorização da mulher agricultora e da juventude rural;

• Desenvolvimento de experiências no Maranhão com bases agroecológicas;

• Mobilização da sociedade para a discussão da agroecologia;

• Efeitos do fogo sobre os agrossistemas.

Apesar do grande esforço das comunidades rurais e das entidades pelo

fortalecimento de uma política que adote medidas alternativas de trabalho no campo,

ainda assim é muito difícil competir com quem possui grandes latifúndios, e o grande

capital.

Um exemplo disso são as plantações de monocultura de eucalipto, para a produção

de ferro gusa, que mudou drasticamente a paisagem do sul do Maranhão.

Figura 1: Monocultura de eucalipto, região próxima à cidade de Açailândia.

74

Este é um cenário cada vez mais comum, no Estado do Maranhão. A monocultura é

caracterizada pelo plantio de um único tipo de produto agrícola. No caso da foto, o

eucalipto se caracteriza como um tipo de atividade industrial. O seu plantio ocorre

como forma de “reflorestamento”, e como meio de fonte de energia (carvão) para a

produção de ferro gusa no Estado.

74

Foto referente a arquivo pessoal da autora.

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Segundo, José Maria de Oliveira, Técnico Agrícola do INCRA (Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária), “a desvantagem da monocultura, se dá pela falta

de alternativa de renda aos pequenos agricultores, pois, se de repente tem uma

praga, o agricultor vai ter prejuízo”. Ele enfatiza a agricultura variada, ou policultivo,

como alternativa amena para a agricultura de subsistência como forma de combater

a monocultura, que é um meio arriscado, e que hoje é mais utilizado pela indústria.

5 CONSIDERAÇÕES

A lógica do desenvolvimento desencadeou mundo a fora, uma disseminação da

identidade cultural de cada povo, cada nação, condicionando assim sua posição de

subdesenvolvido no mundo. Apesar da palavra “desenvolvimento” ter sido bastante

utilizada para expressar diversos significados, na era capitalista o seu sentido é

utilizado para indicar o “avanço” e o “progresso” do mundo. “avanço‟ e “progresso”

estes que trouxeram várias conseqüências, como os pacotes da Revolução Verde,

que espalharam o veneno do imperialismo para mundo.

A lógica do “desenvolvimento” destruiu a dignidade de famílias que há anos

trabalhavam em suas terras e que se vêem obrigadas a abrir mão do único meio de

subsistência. A lógica do “desenvolvimento” destruiu a roça e a transformou em

monocultura, a lógica do “desenvolvimento” marcou alguém de morte, a lógica do

“desenvolvimento”, destruiu reservas, polui o ar, atropelou famílias... A lógica do

“desenvolvimento” espalhou o câncer na sociedade.

No Maranhão, diante de todos esses problemas e conflitos, a organização das

comunidades rurais, na forma de discussão e debate e sobre meios alternativos de

trabalho no campo, são necessários na mudança da realidade e também como

forma de diminuir os impactos gerados por essa “lógica”.

O trabalho de entidade como Justiça nos Trilhos e Fórum Carajás, são

representações que desempenham um papel bastante importante de denúncias das

injustiças cometidas pelos grandes projetos desenvolvimentistas que existem no

Estado, e que como forma de organização dessas minorias que são as principais

vítimas do desenvolvimento.

Essa articulação vem se tornando cada vez mais forte, como forma de denúncia dos

crimes cometidos no campo, e tornando-os mais visíveis a sociedade civil.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Thiago de Oliveira e GANIMI, Rosângela Nasser. Revolução verde e

apropriação capitalista. Juiz de Fora: 2007.

BORJA, Bruno. Cultura e desenvolvimento no pensamento de Celso Furtado.

Rio de Janeiro: UFRJ.

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Experiências Agroecológicas no Estado do Maranhão/Organizadores, Fabio

Pierre Fontenele Pacheco, Jane Carla Garcia Lindoso. – São Luís, 2007

ESTEVA, Gustavo. Desenvolvimento. In: SACHS, Wolfgang (editor). Dicionário do

desenvolvimento: guia para o conhecimento como poder. Trad. Vera Lúcia M

JOSCELYNE, Susana de GYALOKAY e Jaime E. CLASEN. Petrópolis, RJ: Vozes,

2000. p. 59-83.

Sítios eletrônicos:

http://www.justicanostrilhos.org/

http://www.forumcarajas.org.br/

http://www.fetaema.org.br/

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14 COMUNIDADES TRADICIONAIS EM LUTAS POR DIREITOS

SOCIOAMBIENTAIS NO BAIXO PARNAÍBA MARANHENSE: CONCEPÇÕES,

FORMAS DE ORGANIZAÇÃO, AGENDAS, ESTRATÉGIAS E REDE DE

RELAÇÕES.

Nair Martins Barbosa75 e Roseane Gomes Dias76

RESUMO

Tendo como contexto os conflitos socioambientais no Baixo Parnaíba Maranhense,

o presente trabalho visa compreender as comunidades tradicionais a partir de suas

formas de existência, de reprodução social e processos de lutas pelo

reconhecimento de seus direitos. Em termos específicos, pretende-se: a) identificar

concepções acerca do que caracteriza comunidades tradicionais enquanto um grupo

social com suas particularidades socioculturais e sua relação com o território; b)

compreender suas formas de organização, agendas e estratégias de atuação; c)

identificar redes de relações estabelecidas pelas comunidades tradicionais com

agentes envolvidos em situações de conflitos socioambientais, a saber o Estado,

empresas e movimentos sociais; d) contextualizar a situação dos direitos humanos

econômicos, sociais, culturais e ambientais de comunidades tradicionais envolvidas

em conflitos socioambientais no Baixo Parnaíba Maranhense. A importância do

esforço de reflexão sobre as questões acima é reforçada pelo grave quadro de

privações de direitos verificado nas comunidades tradicionais do Maranhão, cuja

magnitude já pode ser admitida (embora não necessariamente) como um incentivo

ao aprofundamento das lutas pelos direitos ao acesso ao território, aos recursos

naturais e ao reconhecimento legal, político e social de seus direitos.

Palavras-chave: comunidades tradicionais; lutas por direitos socioambientais; baixo

parnaíba maranhense.

75

Assistente social (UFMA) da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), com

especializações em “Direitos Humanos: assistência e proteção a vítimas de crimes e a colaboradores da justiça” (out/2011) e “Planejamento do Desenvolvimento Municipal Sustentável” (fev/2000) 76

Assistente social (UFMA) da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), com

especialização em Gestão em Direitos Humanos (UNIEURO) e Mestrado em Ciências Sociais (UFMA).

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1 INTRODUÇÃO

O esforço de compreender as comunidades tradicionais a partir de suas formas de

existência, de reprodução social e processos de lutas nos remete inicialmente para a

tarefa de conceituá-las e, sobretudo, identificarmos a quem denominamos

“comunidades tradicionais”.

Segundo o Decreto n 5.051 de 19 de abril de 2004 que promulga a Convenção n.

169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre povos indígenas e tribais,

comunidades tradicionais são compreendidas como

“povos tribais em países independentes, cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial (Decreto n. 5.051 de 19 de abril de 2004, Art. 1, inciso 1)

Destaca ainda a convenção da OIT que “a consciência de sua identidade indígena

ou tribal deverá ser critério fundamental para determinar os grupos aos que se

aplicam as disposições da presente Convenção. (Decreto n 5.051 de a19 de abril de

2004, Art. 1, inciso 2).

No Decreto n. 6.040/2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento

Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais compreende-se povos e

comunidades tradicionais como

grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição; (Decreto n. 6.040 de 07 de fevereiro de 2007, Art 3, inciso I.)

Destacando aspectos dos modos de reprodução social das comunidades

tradicionais ARRUDA (1999) afirma que

Por falta de classificação mais adequada estamos utilizando a noção de “sociedades tradicionais” para nos referirmos a grupos humanos culturalmente diferenciados que historicamente reproduzem seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base em modos de cooperação social e formas específicas de relações com a natureza, caracterizados tradicionalmente pelo manejo sustentado do meio ambiente (...) Exemplos empíricos de populações tradicionais são as comunidades caiçaras, os sitiantes e roceiros tradicionais, comunidades quilombolas, comunidades ribeirinhas, os pescadores artesanais, os grupos extrativistas e indígenas (ARRUDA, 1999).

Numa aproximação inicial as terminologias empregadas nas definições acima (povos

tribais, grupos culturalmente diferenciados, “sociedades tradicionais”), podem

sinalizar para a ideia de que não estamos diante de uma concepção acabada, mas

de concepções que se constroem a partir de determinados contextos políticos, de

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determinados grupos sociais e a partir de determinadas áreas de conhecimento.

Num olhar mais apurado essas diferentes terminologias podem nos indicar a

diversidade interna a esses grupos, ou seja, menos do que indicar indefinições de

compreensão, podem indicar abrangência e diversidade, conforme indica Little:

Essa diversidade fundiária inclui também as chamadas “terras de preto”, “terras de santo” e as “terras de índio” de que fala Almeida (1989). Ainda, há as distintas formas fundiárias mantidas pelas comunidades de açorianos, babaçueiros, caboclos, caiçairas, caipiras, campeiros, jangadeiros, pantaneiros, pescadores artesanais, praierios, sertanejos e varjeiros (Diegues e Arruda 2001). Esse grande leque de grupos humanos costuma ser agrupado sob diversas categorias − “populações”, “comunidades”, “povos”, “sociedades”, “culturas” – cada uma das quais tende a ser acompanhada por um dos seguintes adjetivos: “tradicionais”, “autóctones”, “rurais”, “locais”, “residentes” [nas áreas protegidas] (veja Vianna 1996 e Barretto Fº. 2001b para discussões detalhadas). Qualquer dessas combinações é problemática devido à abrangência e diversidade de grupos que engloba. De uma perspectiva etnográfica, por exemplo, as diferenças entre as sociedades indígenas, os quilombos, os caboclos, os caiçaras e outros grupos ditos tradicionais – além da heterogeneidade interna de cada uma dessas categorias – são tão grandes que não parece viável tratá-los dentro de uma mesma classificação (2002, p.2)

Buscando caracterizar populações tradicionais, Diegues e Arruda (2001, p.26),

destacam características que lhes seriam comuns:

Dependência da relação de simbiose entre a natureza, os ciclos e os recursos naturais renováveis com os quais constroem um modo de vida; conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos, que se reflete na elaboração de estratégias de uso e manejo dos recursos naturais. Esse conhecimento é transferido por oralidade de geração a geração; noção de território ou espaço onde o grupo social de reproduz econômica e socialmente; moradia e ocupação do território por várias gerações, ainda que alguns membros individuais possam ter-se deslocado para os centros urbanos e voltado para a terra de seus antepassados; importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implicaria uma relação com o mercado; reduzida acumulação de capital; importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal, e às relações de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais; importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, pesca e atividades extrativistas; tecnologia utilizada, que é relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio ambiente. Há uma reduzida divisão técnica e social do trabalho, em que sobressai o artesanal, cujo o processo o produtor e sua família dominam desde o início até o produto final; fraco poder político, que em geral reside nos grupos de poder dos centros urbanos; auto-identificação ou identificação por outros de pertencer a uma cultura distinta.

Em que pese às semelhanças entre esses grupos, as especificidades que

caracterizam os territórios reforçam a diversidade e as formas de reprodução social

e cultural dos mesmos, ou seja, ainda que esses grupos tenham no território a

condição de sua existência e reprodução social e cultural; ainda que a forma de

aquisição do território se dê por meio de apossamento antigo; e ainda que usem

recursos e território de forma comum e que detenham conhecimentos tradicionais;

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ainda assim, os modos de existência e de reprodução são construídos a partir do

território.

A região do Baixo Parnaíba Maranhense, situada na mesorregião leste do estado e

compreendida neste trabalho como aquela que compõe a área de abrangência da

Diocese de Brejo77, tem influências diretas de grandes projetos78, de modo particular

daqueles vinculados a monocultivos de soja, eucalipto, cana-de-açúcar. Em

pesquisa realizada na região em 1995, ANDRADE (1995, p. 34), identificou “ao

menos sete segmentos camponeses na região”, a saber:

os pequenos proprietários, que detêm o título da terra, em geral os homens

mais velhos; os herdeiros das terras de herança sem partilha; os parentes

desses herdeiros que, embora não tenham direito à terra permanecem

morando e cultivando nas terras dos parentes, nos limites dos povoados; os

parentes desses herdeiros que apenas residem nos limites desses

povoados, mas pagam renda para cultivar em outras terras, de latifundiários

ou de outros pequenos proprietários; os herdeiros de terras de herança que

pagam renda para cultivar a terra em outras propriedades, quando suas

terras encontram-se exauridas, ou que os limites dos povoados só

comportam as residências; os moradores de terras de preto, que as

usufruem em comum; os herdeiros, ou pequenos proprietários que

ocuparam terras de chapada limítrofe às propriedades, tornando-se também

posseiros.

De modo geral, nesses segmentos identificam-se quilombolas, extrativistas,

pescadores artesanais, ribeirinhos, marisqueiras, posseiros antigos que têm sua

existência e reprodução social e cultural assentada num conjunto de atividades

produtivas como a agricultura familiar, a pesca artesanal, o artesanato e

extrativismo, desenvolvidas em espaços demarcados pelos usos dos recursos

naturais. Destaque-se que um mesmo agrupamento social pode assumir

simultaneamente várias identidades, ou seja, uma comunidade quilombola, situada à

margem do rio Parnaíba, pode assumir a identidade quilombola, extrativista e de

pescador artesanal. A produção oriunda dessas atividades é direcionada tanto para

a segurança alimentar das famílias, como para a aquisição de outros bens

necessários. Nessas condições parte da produção é para consumo familiar e a outra

parte que necessariamente não é o excedente, pode ir para o mercado.

77 Essa área é composta pelas microrregiões Baixo Parnaíba, Chapadinha, Coelho Neto e Lençóis

abrangendo 21 municípios: de Magalhães de Almeida, São Bernardo, Santana do Maranhão, Santa Quitéria, Milagres do Maranhão, Brejo, Buriti, Afonso Cunha, Anapurus, Mata Roma, Chapadinha, Urbano Santos, Belágua, São Benedito do Rio Preto, Barreirinhas, Tutóia, Paulino Neves, Araioses, Água Doce. 78

O Grupo João Santos, instalado em Coelho Neto, Duque Bacelar e Buriti; Suzano Papel e Celulose

com plantios de eucalipto em Urbano Santos, Belágua, São Benedito do Rio Preto, Chapadinha, Mata Roma, Anapurus, Santa Quitéria, Santana e São Bernardo. A produção de soja está presente nos municípios de Chapadinha, Mata Roma, Anapurus, Buriti, Brejo, Milagre, Santa Quitéria, São Bernardo e Magalhães de Almeida. Os empreendedores do turismo estão nos municípios de Santo Amaro, Barreirinhas, Paulino Neves, Tutóia, Araioses.

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Outro aspecto que caracteriza essas comunidades diz respeito à forma de

apossamento dos territórios, ou seja, por meio de povoamento antigo. Litlle (2002)

define “territorialidade como o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar,

controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico,

convertendo-a assim em seu “território”...”. Assim, na região do Baixo Parnaíba

Maranhense tem-se comunidades que possuem posses centenárias, e onde a

maioria não possui o título de propriedade da terra. Praticamente todas estas

comunidades nasceram, fincaram raízes até imemoriais, exatamente pelo

“apossamento pacífico, manso e incontestado”. A posse, portanto, é visível e

inquestionável – é um instituto jurídico tão válido quanto aquele formalmente lavrado

nos cartórios de registro de imóveis: o registro de imóvel (propriedade). A questão

central aqui é o acesso (ou a falta de) ao judiciário para efetivamente garantir esse

direito (a posse) codificado e raramente reconhecido.

Corroborando a legitimidade da luta das comunidades pelo reconhecimento de suas

posses e desmitificando a superioridade do direito à propriedade, Little afirma,

Os territórios dos povos tradicionais se fundamentam em décadas, em alguns casos, séculos de ocupação efetiva. A longa duração dessas ocupações fornece um peso histórico às suas reivindicações territoriais. O fato de que seus territórios ficaram fora do regime formal de propriedade da Colônia, do Império e, até recentemente, da República, não deslegitima suas reivindicações, simplesmente as situa dentro de uma razão histórica e não instrumental, ao mesmo tempo em que mostra sua força histórica e sua persistência cultural. A expressão dessa territorialidade, então, não reside na figura de leis ou títulos, mas se mantém viva nos bastidores da memória coletiva que incorpora dimensões simbólicas e identitárias na relação do grupo com sua área, o que dá profundidade e consistência temporal ao território (Little 1994).

Finalmente, outro aspecto marcante que caracteriza a existência e processo de

reprodução das comunidades no Baixo Parnaíba Maranhense diz respeito às formas

de uso e manejo dos recursos naturais ancestralmente combinadas com a

agricultura de base familiar que se constituem a base de sua reprodução social e

física.

Ao longo de décadas e séculos, essas populações vêm contribuindo para a

conservação e o desenvolvimento in situ de muitas espécies florestais importantes,

por meio de seu conhecimento empiricamente acumulado sobre os habitats naturais,

bem como de suas práticas agrícolas e de subsistência adequadas ao meio

ambiente local, atuando como verdadeiras guardiães do patrimônio biogenético do

planeta. No entanto, a conversão e a degradação das florestas têm sido

acompanhadas da desagregação dessas comunidades, de suas práticas e de seus

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conhecimentos. Ou seja, à perda de biodiversidade tem também correspondido uma

significativa perda de diversidade sociocultural79.

2 COMUNIDADES TRADICIONAIS NO CONTEXTO DE CONFLITOS

SOCIOAMBIENTAIS NA REGIÃO DO BAIXO PARNAÍBA MARANHENSE

As comunidades desta região centenariamente vivem marcadas pela exclusão

social, econômica e política. Porém as mudanças estruturais ocorridas na região, a

partir do final da década de 1980, década em que os grandes projetos implantam-se

na região, primeiramente por meio dos projetos florestais da MARGUSA – Maranhão

Gusa S/A, através de seu braço florestal a MARFLORA – Maranhão Florestadora

Ltda; do Grupo Industrial João Santos através das diferentes empresas que o

integram (ANDRADE, 2005) e posteriormente do monocultivo de soja, provocaram

transformações significativas nas redes de relações e nas formas de organização

política das comunidades tradicionais, frente à lógica instaurada pelo modelo

desenvolvimento pautada na monocultura e na produção de commodities.

As condições favoráveis da região, dentre as quais se destacam as condições para

escoamento da produção de grãos (proximidade com o porto do Itaqui) combinada

com a ausência de uma política fundiária e os incentivos fiscais concedidos pelos

governos estadual e federal favoreceram, ou pelo menos contribuíram

significativamente, para o deslocamento da fronteira agrícola para essa região. Esse

modelo de desenvolvimento gerou impactos danosos às comunidades tradicionais

criando sérias dificuldades para a continuidade de seus modos de vida. Mais que

isso, agravou consideravelmente o quadro de violações de direitos humanos na

região e a emergência de conflitos sócio-ambientais gerados a partir da apropriação

privada, por grupos econômicos particulares, dos recursos e espaços, até então,

coletivamente utilizados pelas comunidades.

Esses conflitos, segundo Antunes, envolvem diferentes lógicas de ocupação e uso

territorial, destacando-se duas diametralmente confrontantes:

1) a lógica do empreendimento, que torna invisíveis os grupos sociais locais e percebe o território como “espaço vazio” e disponível para fortes intervenções ambientais e sociais; 2) a lógica dos grupos locais, que percebe o território como sendo pleno de significados, fonte de subsistência e espaço de realização de modos de vida próprios, tradicionalmente estabelecidos e relativamente pouco impactantes ao meio.

A região que já detinha os piores indicadores sociais do estado, rapidamente tornou-

se palco de um violento processo, físico e simbólico, de expulsão e expropriação das

79

Segundo Albagli (2003), a diversidade cultural – incluindo a diversidade de línguas, crenças e

religiões, práticas de manejo do solo, expressões artísticas, tipos de alimentação e diversos outros atributos do humano – constitui também um componente essencial da biodiversidade, considerando as recíprocas influências entre o ambiente e as culturas humanas. Desse modo, o conceito de biodiversidade vem sendo hoje ampliado para o de sócio-biodiversidade.

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comunidades tradicionais de suas terras. Decorrem também desse processo, o

aumento da grilagem e da concentração da terra80, o aumento das doenças

respiratórias e de pele em decorrência do uso abusivo de agrotóxicos nas

monoculturas, o agravamento da insegurança alimentar e nutricional da população

local, destruição dos recursos naturais, com graves riscos à preservação da

integridade das bacias hidrográficas da região, intimidação da população local,

desrespeito da propriedade das terras e o modo de vida das comunidades

tradicionais, ignorando e desqualificando suas práticas tradicionais de utilização dos

recursos naturais.

Em decorrência desse recrudescimento da questão social no campo e dos conflitos

sócio-ambientais, a partir de então vivenciados, em 2005, as organizações

articuladas no Fórum em Defesa da Vida do Baixo Parnaíba apresentaram denúncia

junto à Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e

Ambientais. Assim, em agosto desse mesmo ano, foi realizada uma missão conjunta

na região pelas Relatorias Nacionais (Direito Humano a Alimentação Adequada,

Água e Terra Rural e a de Meio Ambiente). A visita in loco possibilitou a constatação

das graves violações de direitos humanos que se agravaram com a expansão dos

grandes projetos que resultou num conjunto de recomendações para as diversas

instâncias do Estado, particularmente aos órgãos fundiários e ambientais e ao

Ministério Público. As principais recomendações são:

• Realizar um inventário social, cultural e ambiental da região, do ponto de vista

dos direitos humanos, incluindo o levantamento das cadeias dominiais dos

títulos de propriedade incidentes sobre o território;

• Averiguar denúncias de grilagem de terras devolutas da região, incluindo

denúncias de falsificação de títulos de propriedade com a conivência de

funcionários do ITERMA e de cartórios da região;

• Averiguar denúncias de práticas de incentivo à discriminação contra a

população tradicional local por parte dos grandes produtores agrícolas que se

dedicam à monocultura da soja;

• Averiguar denúncias de irregularidades nas ações e/ou omissões de agentes

do IBAMA e do INCRA;

• Avaliar o impacto já observado do processo de ocupação e desmatamento

desordenado da região do Baixo Parnaíba sobre a população e o meio

ambiente, em especial sobre o bioma de transição Cerrado-Caatinga-Mata

dos Cocais e suas bacias hidrográficas;

• Apresentar propostas de preservação das comunidades agro-extrativistas e

tradicionais existentes na área, no contexto de práticas sustentáveis;

80

Mais de 1 milhão de hectares de terra sob o controle de grandes proprietários rurais

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• Retomar e acelerar o processo de regularização e emissão dos títulos de

posse da terra para as comunidades quilombolas da região, nos termos do

Decreto 4887/2003 e Instrução Normativa 16 do INCRA, os quais atendem

aos imperativos do artigo 68 dos ADCT da CF de 1988;

• Avaliar a possibilidade de alteração na legislação de proteção do cerrado,

com aumento do percentual da terra a ser reservada para preservação

(reservas legais);

• Avaliar a possibilidade de propor a criação de reservas extrativistas e outras

unidades de conservação, inclusive na área cuja exploração possa ser

associada ao turismo comunitário e ao eco-turismo;

A repercussão local, estadual, nacional e até internacional que a missão alcançou,

provocou ações de alguns agentes públicos, em particular do Ministério Público

Estadual que aprovou um provimento orientando a atuação das promotorias no

tocante às denúncias de irregularidades cartoriais e de degradação ambiental na

região. No âmbito do Executivo foi criada uma Comissão Intersetorial e iniciadas

articulações junto à Secretaria Geral da Presidência da República. Esse processo

também favoreceu o enfrentamento e resistência à implantação do projeto de

reflorestamento da GERDAU previsto para iniciar suas atividades em 2007 e,

efetivamente, implantado pelo Grupo Suzano Papel e Celulose em 2009.

Decorridos sete anos, a realidade concreta das comunidades do Baixo Parnaíba

pouco se alterou. A monocultura da soja continuou sua expansão e, a monocultura

do eucalipto que em 2005 era apenas uma ameaça, nos últimos anos, se tornou

mais um fato concreto e perverso para a existência das comunidades tradicionais da

região.

As comunidades do Baixo Parnaíba e dos Lençóis Maranhenses e as entidades que

compõem o Fórum de Defesa da Vida no Baixo Parnaíba81 há tempo vêm realizando

81

Nas ações realizadas pelo Fórum em Defesa do Baixo Parnaíba Maranhense tem participado a

Associação da Comunidade de Bom Sucesso (Mata Roma), Associação da Comunidade de Boqueirão (Duque Bacelar), Associação da Comunidade Matinha (Buriti), Associação de Parteiras Tradicionais de São Benedito do Rio Preto, Associação de Parteiras Tradicionais de Urbano Santos e Belágua, Associação de Proteção do Riacho Estrela e Meio Ambiente, Associação do Bairro Matadouro (Buriti), Associação do Projeto de Assentamento Pé da Ladeira (Buriti), Associação do Projeto de Assentamento Santo Agostinho (Magalhães de Almeida), Associação dos Amigos de Buriti, Associação em Defesa de Chapadinha, Associação Rural dos Povoados Unificados Anajá, Buriti e Gonçalo (Barreirinhas), Cáritas Diocesana de Brejo, Centro Comunitário Santa Maria Bertilla, Centro de Cultura Negra do Maranhão, Centro de Defesa e Promoção dos Direitos da Cidadania de Santa Quitéria, Centro de Direitos Humanos de Tutóia, Centro de Direitos Humanos de Barreirinhas, Comunidades Eclesiais de Base de Belágua e de Urbanos Santos, Fórum Carajás, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento Mata Roma para Todos, Paróquia de Duque Bacelar, Paróquia de Mata Roma, Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Tutóia, Pastoral da Juventude da Diocese de Brejo, Pastoral da Juventude de Magalhães de Almeida, Pastoral Social da Diocese de Brejo, Pólo Sindical do Baixo Parnaíba, Sindicato de Trabalhadores da Agricultura Familiar de Santa Quitéria, Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Anapurus, Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Paulino Neves, Sindicato dos Servidores Públicos

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congressos, marchas, missões, caravanas de direitos humanos. Esses espaços de

encontros, de reuniões, de capacitação e formação vêm ajudando a pensar o projeto

de desenvolvimento que desejam construir.

Porém, como afirmou GASPAR (2008, p. 06)

A expansão da soja e os impactos diversos dessa agricultura, a (re) organização dos projetos de manejos florestal sustentado pela plantação de eucalipto, assim como os contínuos processos de grilagem de terras em áreas extensas do Leste Maranhense possibilitaram contrapartidas de resistências de segmentos vários e interesses diferentes e específicos. Surgem, recentemente, movimentos de mobilização, realizados por entidades tais como associações de moradores e sindicatos rurais em articulação com organizações não-governamentais e integrantes da Igreja Católica, com o objetivo de defender as áreas de cerrado e as condições de vida dos camponeses frente à expansão do agronegócio.

As mobilizações concretizam-se em participações como do Fórum em Defesa do

Baixo Parnaíba através de ações como a realização dos Encontros de

Comunidades, das Marchas em Defesa da Vida no Baixo Parnaíba, do Encontro da

sociedade civil do Baixo Parnaíba com o Governo do Estado do Maranhão,

realizados em fins do ano de 2007.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dos esforços de compreensão sobre as comunidades tradicionais na região do baixo

Parnaíba Maranhense depreende-se o reconhecimento de que não existe uma única

forma de conceituar esses grupos sociais e que ainda carecem de reconhecimento

jurídico para que efetivamente seus direitos sejam garantidos. Ainda há uma

insegurança jurídica no tocante ao reconhecimento legal aos territórios e à

diversidade biológica e cultural.

Em defesa desse reconhecimento as comunidades, assim como as organizações de

apoio às suas lutas, têm desenvolvido processos de resistência e enfrentamentos

aos empreendimentos que ameaçam a integridade e usufruto desses bens coletivos.

Por fim, pode-se afirmar que esses “novos” direitos, em parte conquistados e ainda

reivindicados pelas comunidades tradicionais, exigem o rompimento com os

paradigmas jurídico-formais e a emergência de um outro arcabouço político, jurídico

e cultural.

Municipais de Anapurus, Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Coelho Neto, Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Duque Bacelar, Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Santa Quitéria, Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de São Benedito do Rio Preto, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos.

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Semestre de 1999.

ANDRADE, Maristela de Paula. A produção de carvão vegetal e o plantio de

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concentração fundiária para a economia camponesa. Carajás: Desenvolvimento ou

Destruição? Relatórios de Pesquisa. Organização: Francisco Gonçalves da

Conceição. Comissão pastoral da Terra - CPT. Coordenação do seminário Consulta

Carajás: Desenvolvimento ou Destruição? 1995

________________________ Mudas de eucalipto no cemitério de anjinhos:

conflitos entre posseiros e empresas do Grupo Industrial João Santos no Leste

Maranhense. Carajás: Desenvolvimento ou Destruição? Relatórios de Pesquisa.

Organização: Francisco Gonçalves da Conceição. Comissão pastoral da Terra -

CPT. Coordenação do seminário Consulta Carajás: Desenvolvimento ou Destruição?

1995

BRASIL. Decreto n. 6.040 de 07 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional

de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.

BRASIL. Decreto n. 5.051, de 19/04/2004. Promulga a Convenção no 169 da

Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-

2006/2004/decreto/d5051.htm

DIEGUES, Antonio Carlos e ARRUDA, Rinaldo S. V. (orgs). Saberes tradicionais e

biodiversidade no Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, São Paulo: USP,

2001.

LITTLE. Paul E. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: Por uma

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http://www.unb.br/ics/dan/serie_antro.htm. Acessado em: 12/05/2012.

ROCHA, Gabriela de Freitas Figueiredo. A territorialidade quilombola

ressignificando o território brasileiro: uma análise interdisciplinar. Universidade

Federal de Minas Gerais.

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Socioambientais no Maranhão: os Povoados de Camboa dos Frades (São Luís

– MA) e Salvaterra (Rosário – MA). Florianopólis, 04 a 07 de outubro de 2010.

SCHIRAISCHI NETO, Joaquim. Grilagem de terra no Leste Maranhense. Carajás:

Desenvolvimento ou Destruição? Relatórios de Pesquisa. Organização: Francisco

Gonçalves da Conceição. Comissão pastoral da Terra - CPT. Coordenação do

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15 O CANTO DA SEREIA: A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL DA

VALE

Neuziane Sousa dos Santos82

RESUMO

Responsabilidade social de empresas (doravante RSE) vem se tornando uma

prática bastante notável com discurso de solução dos problemas sociais. O projeto

Vale Alfabetizar é uma ação de RSE financiada pela multinacional Vale e parceiros

(terceiro setor e Estado) que visa a erradicação do analfabetismo em comunidades

próximas das minas e linha de trem da Vale. Em sua estrutura curricular propaga o

método de alfabetização Paulo Freire, como determinante de transformação social.

Diante das relações constituídas no seio do projeto Vale Alfabetizar, encontram-se

discursos e práticas, que superficialmente parece ser uma ação dotada de um

discurso coerente. Desse modo faz-se necessária uma busca tanto teórica quanto

empírica de suas relações, no intuito de interpretar os discursos da Vale, além de

questionar a tão divulgada qualidade do Vale Alfabetizar, o que por sua vez só pode

ser alcançado com um olhar crítico e epistemológico.

Palavras-chave: Responsabilidade Social Empresarial; Ideologia; Alfabetização.

82 E- mail: [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

As inquietações referentes a este trabalho trazem a suposta relação entre

responsabilidade social empresarial (RSE) e a oferta de projetos educacionais no

campo do terceiro setor. Tal relação fora suscitada durante uma experiência

vivenciada no município de Rosário, a partir de 2008. Financiado pela Vale e

executado pela Fundação Vale, em parcerias com Alfabetização Solidaria (alfasol),

Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e Secretaria Municipal de Educação de

Rosário.

Tendo em vista a apreensão de questões de RSE vinculadas a defasagem

educacional, o interesse por esta pesquisa justifica-se pela visibilidade da inserção

social do empresariado na questão social nacional, o analfabetismo.

Portanto o presente texto questiona em que medida e por que razão uma empresa

privada, a multinacional Vale, cuja lógica de funcionamento é a do mercado se

propõe a oferecer serviços sociais na área educacional. Após a busca de

determinantes históricos e sociais vislumbra-se elementos desmistificadores das

relações (parceiras) legitimadas pelos setores governamentais e não

governamentais, e pelos atores políticos envolvidos no processo educacional do

projeto Vale Alfabetizar, o que nos levará compreender o movimento

aparência/essência direcionados pelas ações de RSE.

2 A MULTINACIONAL VALE E A RESPONSABILIDADE SOCIAL

Privatizada, presente em várias regiões do mundo, a Vale é nascida no Brasil há 68

anos e é uma das maiores mineradoras do mundo, a primeira em exportação de

ferro. No Brasil, a Vale atua em 13 estados: Pará, Maranhão, Sergipe, Tocantins,

Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás, Mato

Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, além de possuir empresas

coligadas e controladas nos EUA, Argentina, Chile, Peru, França, Noruega,

Bahrain; escritórios em Nova York, Bruxelas, Gabão, Tóquio, Xangai, Moçambique,

Canadá e Nova Caledônia.

Sua atuação, além de a logística e minério, apresenta no cenário social, a prática

de RSE como um trabalho “ético e transparente”, como consta a seguir, a

concepção de RSE, extraído da sua página virtual

Manter um relacionamento ético e transparente da empresa com todos os públicos com os quais se relaciona. Se preocupar com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para gerações futuras, respeitando diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais. Faz parte da estratégia de negócio da Companhia Vale do Rio Doce e permeia toda a operação e relacionamento com a sociedade. Por meio da Fundação Vale do Rio Doce, a Companhia realiza programas sociais que atendem às demandas

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da comunidade de forma participativa, apoiando ações que sustentam o desenvolvimento, em parceria com ONGs, o Poder Público e a sociedade civil organizada (www.vale.com).

Do conceito supracitado inferi-se que a Vale diz apresentar responsabilidade tanto

ambiental quanto social, representados respectivamente pela preservação de

recursos ambientais e execução de programas sociais que, segundo a mineradora,

diz atender às demandas sociais das comunidades próximas aos trilhos por onde

passa o trem ou onde é extraído minério.

A RSE ocorre através das ações sociais planejadas pela Fundação Vale, que

coordena e executa junto a parcerias os programas sociais. A forma de atuação

nas localidades é definida a partir de experiência relacional já existente entre a

Vale e as comunidades, pois, segundo seu discurso são “os diagnósticos que

permitem conhecer melhor as localidades e apontam quais as prioridades de ação

para o desenvolvimento pessoal e social das comunidades”, diz Orlando Goes,

conselheiro da Fundação Vale, entrevista a revista (ALFASOL, 2007, p. 14).

Portanto, importa-nos questionar a formação de tais demandas, que é o alvo dos

projetos sociais, quem são, onde vivem, o que pensam sobre tais projetos, como

vivem, se as necessidades ora apresentadas a empresa são de fato atendidas,

além de assimilar a prática dos projetos com a finalidade das ações e às

necessidades reais dessas demandas.

2.1 Principais impactos gerados pela Vale

Neste ínterim, pretendemos apresentar os impactos apresentados pelas

organizações sociais que acompanha a dinâmica da Vale. Para este fim,

apresentamos o “dossiê dos impactos e violações da Vale no mundo” que reúne um

extenso relatório produzidos por movimentos sociais de diversos países, advogados,

ambientalistas, incluindo populações, comunidades e trabalhadores atingidos

negativamente nas suas formas de vidas e nos seus direitos pela forma de atuação

da Vale (DOSSIÊ, 2010).

Não pretendemos com isso fazer uma análise minuciosa dos impactos realizados

pela empresa, contudo é obrigação mostrar os diversos debates em torno da

empresa e suas ações para que assim possamos compreender as ações de RSE.

Como será demonstrado nos estudos de caso contidos neste Dossiê, as atividades da Vale causam acentuados impactos sobre os territórios e as populações que os habitam, gerando altíssimos custos sociais e passivos ambientais que são raramente divulgados dos documentos oficiais da empresa. Desmatamento, deslocamento de populações, destruição de modelos tradicionais de subsistência, poluição atmosférica, intervenções em mananciais de abastecimento público, contaminação de cursos d‟água são atividades que acompanham o percurso da Vale desde a exploração dos minérios, passando pela transformação e pelo transporte de seus produtos

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até os mercados finais. Esses impactos podem ser observados claramente ao longo da Estrada de Ferro de Carajás, no Pará e Maranhão e no crescimento acelerado das guzeiras em Piquiá, na construção do porto de Pecém no Ceará, nas minas que são exploradas em Minas Gerais e na siderúrgica que vem sendo construída no Rio de Janeiro, entre outros (DOSSIÊ, 2010, p. 27).

Como vimos são vários os impactos com destaque para aqueles realizados em solo

nacional e que vem tendo a participação de movimentos sociais em denúncias do

desrespeito com que a empresa trata o meio ambiente e a sociedade,

Seja por conta da poluição gerada por carvoarias em Açailândia-MA, pela predação ao meio ambiente e a sociedade gerada pelo monocultivo do eucalipto no sul do Estado ou pelos casos de acidentes com trem, muitas vezes com vítimas fatais- sem que a empresa sofra qualquer tipo de penalidade ou arque com indenizações às famílias das vítimas (ORGANIZAÇÕES et al apud PANTOJA, 2010, p. ?).

Iniciemos com a exploração da Mina Capão Xavier83

Com a implantação do empreendimento, ocorreu supressão de uma área considerada prioritária para conservação da biodiversidade. Foi feito um realocamento de uma espécie nova, o crustáceo Branchinecta ferrolimneta. Com o avanço da mina, cavernas e sítios arqueológicos estão em risco de ser destruídos. As águas do manancial de Fechos terão sua vazão natural reduzida em 40% e os mananciais de Catarina e Barreiro, em torno de 20%, além de impactos irreversíveis em sua zona de proteção. A Estação Ecológica de Fechos tem suas águas diminuídas ano a ano. Isso é confirmado pelos moradores do Bairro Jardim Canadá, que relatam que além da redução da água, têm percebido o aumento nos coliformes fecais totais na água, estando à mesma atualmente imprópria para o consumo.

Continua,

Além disso, os moradores relatam ainda a diminuição da água no próprio Bairro, que na época de chuva se mantinham diversas poças de água, mas hoje elas secam rapidamente. Os moradores também sofrem com as detonações das minas, que por estar muito próximo do Bairro, vem trincando as casas, soltando os telhados. Segundo relatos “a casa inteira treme”. Os barulhos são muito altos, impossibilitando os moradores de dormir, pois a empresa trabalha 24hs. Ocorre ainda um elevado índice de partículas em suspensão que vem afetando a saúde dos moradores, principalmente problemas respiratórios. Com esse panorama, o bairro está desvalorizado e vem forçando os moradores ao êxodo (DOSSIÊ, 2010, p.32-33).

83

A região está localizada no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais e faz parte da Área de Proteção

Ambiental Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte (APA Sul RMBH). Além disso, se localiza na Zona de Amortecimento do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça (PESRM). A mina em si está no Município de NovaLima, mais precisamente próximo ao Bairro Jardim Canadá. Esse Bairro conta hoje com aproximadamente 7 mil habitantes de classe média, além de diversas empresas e indústrias, sendo a maior pagadora de impostos ao município e, segundo moradores, a menos assistida pela Prefeitura. Conta com uma população flutuante, atraída pelo emprego e clima agradável. Ver: Dossiê dos atingidos pela Vale, 2010, p. 31.

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Registra-se que após abril de 2004, período de intensas manifestações como

realizações de caminhadas ecológicas. Infelizmente, a CPI instaurada para barrar a

implantação da mina chegou a beneficiar a própria empresa, pois os deputados que

compunham a CPI se basearam em dados realizado pela Vale (DOSSIÊ, 2010).

Portanto, os malefícios causados ao meio ambiente e as comunidades próximas a

mina, em nada foram amenizados.

Carajás (Pará e Maranhão)84

Os moradores na beira dos trilhos não conseguem conviver com o barulho provocado pelos trens. Um incômodo permanente. As casas mais próximas dos trilhos sofrem com rachaduras. Os acidentes são freqüentes, com um número significativo de mortes por atropelamento de pessoas e animais. Até o instante não existe uma política específica da empresa para lidar com esse problema. Segundo Relatório de Sustentabilidade da própria empresa, o número de acidentes de trem nos últimos anos foram 59 (2005), 63 (2006) e 46 (2007).

Dando prosseguimento, os acidentes nos trilhos ocorrem devido

Uma análise desse tipo é confirmada também pelo fenômeno dos “Meninos do trem”. Trata-se de meninos e meninas que viajam de maneira irregular nos trens de minério da Companhia Vale ao longo da Estrada de Ferro Carajás. São crianças e adolescentes que têm acesso de maneira clandestina ao trem, viajando de Marabá ou Paraupebas até São Luís, ou vice-versa. Quando descobertos pela segurança da Companhia, são entregues ao Conselho Tutelar mais próximo, cuja tarefa será de fazer o registro de ocorrência e devolvê-los (a custo da Vale) às suas famílias em seus municípios de origem (DOSSIÊ, 2010, p. 42).

Registra-se ainda para fins de compreensão e comparação entre a riqueza

arrecadada pela mineradora Vale e o retorno aos municípios que localizam as minas

uma insuficiência em retorno social. Somente em 2008 as vendas de minerais e

metais da Vale alcançaram a soma de 35,9 bilhões de dólares pagando 208 milhões

de CFEM- Compensação Financeira pela Exploração Mineral. Ou seja, pagou o

equivalente a 0,6% das vendas.

A Vale se nega a aumentar o pagamento do royalties e faz um arremedo de

„investimentos sociais‟ nas comunidades, como se estivesse realizando uma obra de

caridade com os municípios (DOSSIÊ NÃO VALE, 2010, p.37). Nesse momento,

flagramos a irresponsabilidade da Vale em acatar com as determinações

governamentais, pois segundo a lei do royalties85cada mineradora deve pagar

mensalmente 10 % da produção da empresa ao município onde está localizada suas

84

Estrada de Ferro Carajás, que liga o sul do Pará a São Luís, no Maranhão. Ali está instalado o Porto Ponta do Madeira, conformando assim o chamado “sistema norte” que compreende o complexo mina-ferrrovia-porto, e é um grande corredor de exportações. 85

Discussão presente na legislação de exploração de minas e petróleo nacional. Art. 47 Cf. <http://www.finep.gov.br/legislacao/lei.asp>. Acesso em 23/03/2012, as 17h45min

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minas. Para que assim o imposto recebido pelo município retorne à população por

meio de serviços sociais básicos.

Em suma é insuficiente para os municípios sediadores de minas garantirem saúde,

educação, e a recomposição do meio ambiente, destruído pela ação da mineradora,

se não tem da empresa um retorno compensatório.

Queremos dizer com isso que o custo de vida nos municípios onde se localizam as

minas da Vale é altíssimo e o déficit habitacional, enfermidades e falta de

saneamento básico provocado pelo crescimento desordenado da mineração são

chagas sociais que não podem ser atacadas somente por insuficiência de recursos

públicos.

Doravante a tantos impactos, lamenta-se o sofrimento do povo situado nos

municípios mineradores, entendemos com isso que não é responsabilidade da

empresa assistir a população em serviços sociais, mas antes, cumprir no mínimo

com as exigências da legislação ambiental e ter mais respeito com as comunidades

próximas.

Os exemplos em destaque servem-nos para conhecer um pouco do que a Vale não

mostra a sociedade. Como multinacional da indústria de mineração, tem falhas em

seu processo de trabalho, contudo enfatizamos que na sua estratégia de

mascaramento dos impactos sócio ambientais persiste o caráter ideológico do

discurso de convencer a sociedade de que a empresa trabalha na lógica ética social

e ambiental.

2.2 Marketing social: a alma do negócio

A Vale utiliza-se maciçamente do negócio da propaganda, pois é o que parece

quando vemos através dela a divulgação de RSE, uma empresa de grande porte

que discursa executar uma grande proposta de erradicar a pobreza e cuidar das

comunidades próximas as suas subsidiárias e linhas de trem.

A empresa utiliza o marketing para divulgar todas suas ações de interesses

socioambientais, que na sua maioria são programas sociais que tem como

finalidade informar e formar a opinião da sociedade sobre uma empresa que diz ser

socialmente responsável, enquanto por outro lado, esconde mazelas ambientais e

sociais produzidas no cotidiano das populações afetadas por seu imenso

desenvolvimento.

A propaganda comercial desempenha a particular tarefa de padronizar as atitudes, introduzir hábitos novos, reflexos condicionantes e conceitos estranhos na mentalidade do povo, submetido com isso a um processo de estúpida massificação. Tão eficiente e sutil é o funcionamento desse processo, cuidadosamente planejado segundo técnicas e leis da

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psicologia que nos vendem, além de bens de consumo, slogans políticos, idéias, gostos artísticos, hábitos e atitudes (Fávero, 1983, p. 21-22).

Ocorre que a Vale, ao trabalhar na perspectiva citada acima, veicula a internalizaçao

de sua imagem socialmente responsável bem como o sucesso de seus projetos

sociais, aparentemente de estrutura inquestionável. Entre esses projetos as ações

sociais tem como finalidade informar e formar a opinião da sociedade sobre uma

empresa que diz ser socialmente responsável. Para efeito de ilustração, a página

virtual da fundação Vale, na rede mundial de computadores (Internet) possui um

discurso de comprometimento com as comunidades, preocupada em diminuir o

índice de analfabetismo. Desta forma, “a política de responsabilidade ambiental da

CVRD aparece mais como uma estratégia de marketing ambiental, para se legitimar

junto à população local e ao poder público” (GRIGATO, 2006, p. 15).

Portanto fica obscuro para a sociedade uma das causas do comprometimento social

da Vale no combate ao analfabetismo. Ou seja, a empresa não realiza

responsabilidade social por ser ética de fato, mas, sobretudo porque precisa mostrar

que faz.

A pressão das comunidades e das ONGs e o receio de processos judiciais são fortes motivadores para ações de ética e responsabilidade social. Num meio cada vez mais sensível à imagem, o medo de ter a marca associada a trabalho infantil, desastres ecológicos e escândalos fazem com que muitas empresas dêem prioridade às questões de ética empresarial (SIMÕES, 2008, p.456).

Por isso a empresa levanta como sua principal missão o marketing na construção da

marca da empresa. Podemos citar o próprio nome da empresa que desde 2007

mudou de Companhia Vale do Rio Doce para o nome fantasia „Vale‟, nome de fácil

compreensão, que podemos encontrar em todos os nomes dos projetos sociais

executados pela Fundação Vale.

3 A DINÂMICA DO PROJETO VALE ALFABETIZAR

O projeto Vale alfabetizar funcionou durante quatro anos no município de Rosário,

de 2005 até o ano de 2008 (este último foi objeto da pesquisa). Após esse período,

por questões políticas a nova prefeitura não continuou com a pareceria com a Vale.

Participavam do projeto, “Alfabetizados” jovens e adultos „analfabetos‟;

alfabetizadores, duas monitoras pedagógicas, uma coordenadora local (moradora de

Rosário) e uma coordenadora Pedagógica (professora da UEMA).

Ao analisar as falas de alguns alfabetizandos, identificamos uma aproximação para

a realização pessoal das letras, e que, portanto aprendendo ou não, o mérito é

individual, como se expressa em algumas falas.

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O relato da alfabetizada de 53 anos, em matéria a revista da Alfasol, conta que

nunca recebera nenhuma orientação na sua juventude: “tinha que vencer as

dificuldades sozinha, por isso tudo que tenho aprendido aqui procuro transmitir para

meus netos para não passar pelo que eu passei”. Observa-se internalizada nesta

fala a apologia direcionada ao Vale Alfabetizar. Pois agora a alfabetizanda não está

mais sozinha, tem ajuda de um projeto de alfabetização. Quando questionada sobre

seu desempenho no projeto, ela responde: “queria ter alcançado mais coisa, mas o

problema é meu mesmo não é da professora, é o problema da cabeça”. Esta fala

encontra-se carregada de uma ideologia falsa, redutora do ser social, que trás para

si (indivíduo) a responsabilidade pelas mazelas sociais.

Percebe-se uma exaltação do sucesso ou fracasso individual de cada participante

no projeto, resgata-se uma analise de exclusão social com base em determinantes

individualistas, que tem como princípio a dedicação, à vontade e a persistência do

individuo.

Quanto aos alfabetizadores, estes parecem ter muitos desafios no dia a dia da sala

de aula, mostrando-se motivador para a permanência do alfabetizando na sala.

O projeto aparece como grande oportunidade de trabalho por conta do desemprego

ser uma realidade de Rosário

O projeto ajudou muitas pessoas, ajudaram n pessoas, os professores, que são os alfabetizadores na verdade. Houve professores que era a primeira vez que estavam trabalhando. A primeira oportunidade de ter um trabalho, apesar de ser uma bolsa que não era um salário, nem nada. Apenas uma bolsa, apenas uma ajuda (Coordenadora local, entrevista 08/01/2012).

A ideologia da autoajuda enfatiza substituição dos empregos públicos por

voluntariado temporário. O que ocorre é uma estratégia de ocupar os indivíduos com

alguma atividade para não deixá-los ociosos, e pra que melhor do que uma atividade

voluntária? Uma vez que esta “ocupação responde a carências singulares e

imediatas, dentro de um mundo dado e aparentemente imutável, naturalizado,

perpetuado” (MONTAÑO, 2008, p.242).

Assim, os indivíduos não terão que reivindicar por empregos e salários justos, pois já

estão em subempregos, na função de voluntários.

Para maior solidez do “Vale Alfabetizar” é estratégico também a execução de

projetos complementares que deixam mais atrativo o projeto e com maior visibilidade

nacional, com a efetivação dos projetos de complementação- Projeto Ver e o

complemento nutricional. O primeiro distribui, gratuitamente, óculos aos alunos e o

segundo oferece merenda no horário de aula. Reunimos aqui todo o aparato de

funcionamento do projeto “Vale Alfabetizar” com a finalidade de conhecermos sua

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estrutura e funcionamento, a fim de proporcionar uma melhor radiografia das

relações construídas no interior do projeto, para melhor analisá-las.

Dessa forma o projeto “Vale Alfabetizar” age no espaço da superestrutura do

cotidiano, exercendo um papel funcional de controle, expresso por uma concepção

de mundo, que se manifesta implicitamente na ideologia do projeto “Vale

Alfabetizar”, com efeito legitimador de carência e pedido de ajuda por parte dos

participantes do projeto.

Percebemos um controle funcional no que tange a propagação de valores, ideias,

normas, e afirmação de conduta. Ou seja, uma maneira estratégica de construção

de percepção da realidade local.

Como podemos perceber o “Vale Alfabetizar” tem uma otimização sólida de

recursos, que se trabalhada de maneira ininterrupta, com uma finalidade

comprometida com a aprendizagem das letras, e não apenas como massa de

manobra, estaria bem mais próximo de alcançar os objetivos expostos na própria

estrutura técnica do projeto.

Como se não bastasse o aparato tecnológico de convencimento, aparece

superficialmente no cotidiano do projeto a ideologia de educação voltada para o

desenvolvimento socioeconômico do país, na superação dos índices de

analfabetismo o que vem melhorar a imagem de um país, estado ou município em

desenvolvimento. No entanto, a essência do projeto carrega uma carga de efeito

performativo.

Sobre isso nos esclarece Marilena Chauí (1981, p.94) que ao interpretar o conceito

de ideologia em Marx, assim nos fala

Para que todos os membros da sociedade se identifiquem com essas características supostamente comuns a todos, é preciso que elas sejam convertidas em ideias comuns a todos. Para que isto ocorra, é preciso que a classe dominante, além de produzir suas próprias ideias, também possa distribuí-las. O que é feito, por exemplo, através da educação, da religião, dos costumes, dos meios de comunicação disponíveis.

Embora a educação oferecida no projeto “Vale Alfabetizar” não seja para qualificar a

força de trabalho, mas é funcional em alienar e perpetuar a cultura do capital

humano econômico, pois são os beneficiados pelo projeto que se encarregarão de

reproduzir em seus lares para seus parentes e amigos a importância da educação

para o mercado de trabalho e a boa imagem da Vale.

Na verdade são várias ideias consensuais produzidas no cotidiano das relações

sociais, o sentido aqui tomado coloca a perpetuação de uma ideia apologética da

educação, fazendo-nos acreditar em uma realidade que não corresponde a real

situação vivida pelos rosarienses.

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4 RSE DA VALE: UM CANTO DE SEREIA

A analogia aqui realizada acerca da RSE da Vale nos remete um efeito comparativo

ao canto de sereia, lenda que descreve o encantamento de pescadores que ao ouvir

o canto eram seduzidos e terminavam por desaparecer em alto mar.

Assim parece ser o discurso da Vale persuasivo e atrativo, pois perfaz o fundo de

esperança daqueles que compõe o seu público-alvo, com função marcada, de agir

no convencimento da sociedade quanto a inculcação da eficácia de seus projetos

sociais e de uma imagem ética.

O que podemos constatar em (DEMO, 2002, p. 148) ao analisar a solidariedade

institucional como efeito de poder em que o discurso “produz a farsa do engodo

atraente, buscando no fundo cultivar a massa de manobra”. Assim age a RSE, de

forma ambivalente, frente a um discurso e uma realidade.

Nesse sentido, compreendemos o campo discursivo de RSE como uma realidade

„ambígua e ambivalente‟ (DEMO, 2002), pois, de um lado há um discurso que

veicula a imagem de empresa comprometida com a oferta de educação e por outro,

seu desenvolvimento econômico tem gerado notáveis (mas, mascarados pela

empresa) impactos ambientais, sociais e culturais em varias regiões do Brasil,

particularmente nos limites maranhenses (FÓRUM CARAJÁS, 2010). Dessa forma,

o discurso de RSE apresenta-se como uma estrutura que não revela um sentido

claro, admitindo sentidos contrários.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das exposições e interpretações realizadas, a RSE por meio de projeto e

Vale Alfabetizar transforma o alfabetizando em “patinho feio”, para que todos tenham

compaixão da sua história de vida. Constamos a construção da cidadania individual,

por meio da prestação de serviços sociais, aulas de alfabetização, que termina por

transportar dignidade para os que não estudaram em tempo hábil. Essa é a idéia

construída socialmente.

A estratégia de situar projetos sociais próximos as área das minas e trilhos da Vale

gera um empoderamento local da empresa sobre a comunidade o que somente

pode resultar em um ação de controle. Daí a idéia de trabalhar com projetos sociais

que impliquem na emotividade solidarista dos indivíduos. Estes são sentimentos

expressos pelos próprios moradores de Rosário, que conhecem apenas a parte

“solidária” da Vale. Em Rosário os alfabetizadores assim como alfabetizandos

desconhecem os impactos sócio ambientais realizados pela Vale.

Em nosso entendimento RSE é um lucrativo mercado da pobreza, que rende não só

capital, mas prestígio a Vale por ter uma imagem socialmente responsável, pois com

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o discurso solidarista e cidadão aproxima-se dos indivíduos e lhes vende à

sociedade que terá compaixão dos “coitados”.

Portanto, a necessidade de demonstrar quão ideológico é a prática do Vale

Alfabetizar, permeado de discurso de mudança, porém cheio de amarras funcional e

instrucionistas, que de sucesso só tem a reprodução de incapacidades de

aprendizado, contido nas falas dos alfabetizandos sobre a incapacidade de leitura

ser um problema individual e a imagem de que tudo vai bem, de que os

alfabetizandos são agora ( após o projeto) pessoas iluminadas.

Entendemos que o projeto “Vale Alfabetizar” surge não somente como uma

resposta, dada às pressões dos agentes externos da Vale, incluindo principalmente

os movimentos sociais, como a ONG justiça nos trilhos que luta arduamente por uma

maior fiscalização das ações da empresa; nem tão somente para legitimar a imagem

de ambientalmente correta frente à percepção dos afetados diretamente por suas

minas, mas, sobretudo, como medida para além dos muros da empresa, para

legitimar a hegemonia burguesa na corrida desenfreada por lucro. Portanto, não é

fortuito que podemos mencionar a célebre frase de Marx e Engels contida no

manifesto comunista “os burgueses tem que revolucionar constantemente os meios

de produção”. Entendemos RSE como uma medida que legitima a revolução da

lógica empresarial, com as características contemporâneas.

Percebemos que os alfabetizandos aparecem como mero produtos da Vale que

levam sua marca. O marketing também serve como maquiagem para um rosto

bonito e sedutor que emite um canto persuasivo.

Não subestimemos o poder do “Vale Alfabetizar”, pois sua pedagogia injeta nas

mentes dos beneficiados regras, valores, normas e comportamentos internalizadores

de subalternidade, pobreza política, cidadania assistida. Colocando em Deus a

origem de muitas das causas da situação social. Como exemplo, o fato de

alfabetizadores nascerem para ensinar jovens e adultos e receber por isso uma

bolsa, que não chega a ser um salário, mas o que mais vale é a intenção.

Finalizamos estas breves considerações sem ser intenção esgotar a temática de

RSE da vale, visto que cresce cada dia ações, projetos e programas sociais, que

merecem um olhar epistemológico dotado de cuidados metodológicos no

envolvimento com a realidade em questão.

REFERÊNCIAS

CARAJÁS, Fórum. Mineração na Amazônia, Estado, empresas e movimentos

sociais. Fórum Carajás, Maranhão, 2010.

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1981.

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200

CVRD. Companhia Vale do Rio Doce. Disponível em: www.vale.com.br. Acesso

em 05. Jan. 2012.

DEMO, Pedro. Solidariedade como efeito de poder. São Paulo: Cortez, 2002.

DOSSIÊ, impactos e violações da Vale no mundo. Rio de Janeiro, 2010).

FÁVERO, Osmar. Cultura popular: memórias dos anos 60. Rio de Janeiro. Ed.

Graal, 1983.

GRIGATO, Rosemay B. Política Ambiental e Responsabilidade Social

Empresarial da CVRD. Disponível em

http://www.ufes.br/ppghis/agora/Documentos/RevistAcesso em: 18 Jan 2012.

MARX, Karl. ENGELS, Friedrich, Manifesto do partido comunista, Porto Alegre,

L&PM, 2002.

MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social: uma critica ao padrão

emergente de intervenção. São Paulo: Cortez, 5ª Ed, 2008.

PANTOJA. Igor. Planejamento privado social: práticas da Vale em municípios

do Maranhão. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ,

2010.

REVISTA DA ALFASOL. Escrevendo Juntos. n° 35, Jan de 2007.

SIMÕES, Carlos. Curso de Direito do Serviço Social. Cortez, 2007.

VALE, CÓDIGO DE CONDUTA ÉTICA DA. Disponível em

<http://www.vale.com/ptbr/investidores > Acesso em: 13 jan 2012.

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16 A SUZANO PAPEL E CELULOSE E A IMPOSIÇÃO DA MECANIZAÇÃO E

COLETIVIZAÇÃO DA PRODUÇÃO CAMPONESA EM SANTANA - URBANO

SANTOS.

Renan Gomes Oliveira86; Maristela de Paula Andrade87

RESUMO

Em Santana, localidade do município de Urbano Santos – MA, a Suzano Papel e

Celulose apropriou-se das áreas manejadas pelas famílias ali residentes, que

implantavam seus roçados com base no usufruto comum dos recursos,

açambarcando o principal estoque de terras agricultáveis. Diante dos protestos das

famílias, a empresa implantou para elas um campo agrícola mecanizado

denominando-o de agricultura comunitária e apresentando a experiência como

integrando suas ações de responsabilidade social. Tal intervenção tem

desestruturado um conjunto de regras características da organização tradicional da

produção de alimentos daquele povoado. As características e conseqüências dessa

intervenção e sua repercussão para a segurança alimentar e organização interna

daquelas famílias nortearão as discussões abordadas aqui.

Palavras-chave: Expropriação camponesa; Coletivização da produção camponesa;

Segurança Alimentar.

86 Aluno do Curso de C. Sociais/ UFMA, bolsista de iniciação científica CNPq. 87

Orientadora, docente do PPGCS/UFMA, bolsista de produtividade do CNPq, coordenadora do GERUR – Grupo de Estudos Rurais e Urbanos.

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1 INTRODUÇÃO

A Mesorregião do Leste Maranhense, mais especificamente as microrregiões

homogêneas do Baixo Parnaíba Maranhense e de Chapadinha, conforme a

classificação do IBGE vem sofrendo, nas últimas décadas, diversas transformações

ocasionadas pela expansão do chamado agronegócio88, principalmente em relação

aos plantios de soja e eucalipto. O cultivo de soja é empreendido, principalmente,

pelos chamados gaúchos, categoria válida não apenas para quem veio do Rio

Grande do Sul, mas que engloba um grupo de produtores que veio de diversos

lugares do Brasil e se instalaram na região (PAULA ANDRADE, 2008) (CARNEIRO,

2008) (GASPAR, 2010). Já o cultivo do eucalipto nessa região tem sido efetivado,

principalmente, pelo Grupo Suzano Papel e Celulose e suas terceirizadas. Ao

chegarem à região, esses grupos econômicos não encontram um espaço vazio, mas

se deparam com um sistema de produção local bastante antigo, conceituado por

alguns como caracterizando um campesinato de uso comum (PAULA ANDRADE,

2008) (PAULA ANDRADE, 1995a) (PAULA ANDRADE, 1995b).

Há aproximadamente um ano venho desenvolvendo pesquisas na região e, dentre

os diversos problemas identificados, tem me interessado sociologicamente, desde

as primeiras viagens de campo, as situações em que a agricultura camponesa passa

por um processo de substituição de técnicas ou, dito de outro modo, as situações

em que os trabalhadores passam a lançar mão do uso de maquinário, insumos e

demais fatores estranhos, até então não empregados no processo de produção de

alimentos, historicamente empreendido por aquelas famílias.

Na trajetória percorrida até aqui, através das atividades realizadas no GERUR –

Grupo de Estudos Rurais e Urbanos –, pude observar alguns desses casos, e um

deles me chamou mais à atenção que os demais: um caso de expropriação seguido

da imposição da mecanização e coletivização da produção agrícola camponesa,

através de uma intervenção externa, provocada por uma empresa do ramo de papel

e celulose. Pretendo nesse artigo discorrer sobre este caso, dando ênfase nas

conseqüências dessa intervenção para as famílias de Santana,assim como discutir

as modalidades de trabalho em que estou envolvido, minha inserção no local de

pesquisa e os esforços no sentido de transformá-lo em um objeto de investigação.

2 MODALIDADES DE PESQUISA E INSERÇÃO NO LOCAL

Através do projeto de pesquisa intitulado CAMPESINATO E CRISE ECOLÓGICA –

impactos sociais da sojicultura para segmentos camponeses do Leste Maranhense89

iniciei, como bolsista de iniciação científica, as atividades de pesquisa no chamado

88

Discussões recentes sobre o conceito de agronegócio vêm sendo realizadas por Palmeira, Heredia

e Leite (2009) e também por Grynspan (2009). 89

Coordenado pela orientadora.

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Baixo Parnaíba, expressão de uso vulgar para designar as microrregiões

homogêneas do Leste Maranhense. Minha entrada no campo se deu por uma rede

específica de entidades religiosas, civis e sindicais de apoio e assessoria aos

trabalhadores rurais, como o Fórum de Defesa do Baixo Parnaíba (FDVBPM) e a

Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), que se engajam em ações

contrárias às pretensões desses novos agentes sociais interessados na terra.

Por mais que a minha inserção no campo, nos primeiros meses da pesquisa, no

âmbito do projeto citado, tenha se dado por meio de entidades de apoio e assessoria

aos trabalhadores rurais, o que a norteava, até então, eram, principalmente, os

interesses contidos no referido projeto. Tal modalidade de pesquisa se aproxima do

que Burawoy (2009) entende por Sociologia Profissional. Para o autor, a sociologia

profissional consiste primeiramente e, sobretudo, de programas de pesquisa

múltiplos e cruzados, cada qual com suas hipóteses, exemplos, questões definidas,

aparatos conceituais e teorias relacionadas.

Contudo, posteriormente, os mesmos agentes do FDVBPM que contribuíram para a

inserção nos locais da pesquisa, demandaram um estudo relacionado àquele já em

andamento, com o objetivo de buscar informações que municiassem o

enfrentamento das famílias em relação à Suzano. A produção de tal conhecimento

se dá aos moldes de uma sociologia pública (BURAWOY, 2009), ou seja, põe a

sociologia em diálogo com públicos, entendida como agentes que, estão eles

próprios em conversação.

Através das atividades realizadas por meio dessa demanda, a partir da qualpude

estabelecer os primeiros contatos diretos com o meio rural, as situações observadas

passaram a ter relevância não só para esse trabalho, mas, também, para a pesquisa

inicial.Esse foi, então, o modo pelo qual pude conhecer Santana, localidade da zona

rural do município de Urbano Santos em que observo as situações que discutiremos

nesse trabalho. A minha adoção pela família de Pedro Mendes, sua esposa Simone

Araújo, e a mãe da ultima, dona Cléa Dutra, foi condição fundamental para obtenção

das informações dessas pesquisas.Percebe-se, assim, como através de uma única

rede, tive umaentrada no campo que possibilitou o meu envolvimento em dois

trabalhos que não se opõe, mas complementam-se um ao outro.

3 PRIMEIROS OLHARES PARA O OBJETO INVESTIGADO

Nas primeiras viagens de campo, cada um dos alunos envolvidos no projeto de

pesquisa foi encaminhado a dois ou mais municípios, a fim de levantar as primeiras

informações sobre os conflitos socioambientais da região a ser pesquisada. Com

esse intuito, fui aos municípios de Brejo e Buriti.

Em Buriti, ao visitar uma instituição de representação dos trabalhadores rurais e

conversar com alguns membros pertencentes a ela, pude identificar em suas falas

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alguns elementos que me despertaram posteriormente uma forte curiosidade

sociológica. Tratava-se do ideal da “modernização” da agricultura camponesa. Tal

termo era usado por aqueles agentes ao referirem-se a um processo de

transformação da agricultura tradicional através do emprego novas técnicas. Seu

uso, entretanto, trás consigo um conjunto de idéias que põem em evidência um

modo de fazer agricultura em detrimento de outro.

Durante a conversa travada ali, pude perceber que a perspectiva daquela instituição

era fazer com que, por meio do emprego de novas técnicas agrícolas, o agricultor

trabalhe menos e colha mais, ou seja, fazer com que ele tenha o que percebem

como mais produtividade, assim como, também, tornar menos penoso o trabalho da

agricultura camponesa praticada na região.

Dessa forma, para eles, a vontade de transformar o processo de produção do

trabalhador rural, num sentido entendido por eles como de modernização, seria uma

saída, tendo em vista a menor disponibilidade de terras, em decorrência da

expansão do agronegócio. Entretanto, segundo eles, o governo prefere investir

muito mais no agronegócio, no grande latifúndio, do que na agricultura familiar,

como costumam denominar a agricultura camponesa local.

Mesmo que esses agentes mostrassem a face benéfica dessa suposta

modernização, pois esperam muito que o governo volte sua atenção para essas

questões e realize tais mudanças, fiquei a imaginar como seria a inserção de

elementos como máquinas e insumos no processo de produção dos trabalhadores

da região e de que forma as transformações decorrentes desse processo poderiam

intervir na vida social daquelas famílias. Naquele momento, mesmo sem imaginar

que investiria esforços para estudar algo dessa envergadura, aquela curiosidade

lançou as bases do que hoje se tornou para mim um objeto de investigação.

O trabalho feito para o FDVBPM é uma atividade em que vamos aos povoados, ali

permanecendo cerca de dois dias, tendo como objetivo preencher um questionário,

realizar entrevistas, tomar fotografias e marcar pontos com GPS. Em cada município

passamos por vários povoados registrando os problemas que as famílias enfrentam

em relação à Suzano e, também, relacionados aos plantios de soja dos chamados

gaúchos.Dessa maneira é, pois, impossível fazer uma pesquisa mais aprofundada,

realizando observação direta, lançando mão de procedimentos próprios da

etnografia, que corresponderia mais ao estilo de pesquisa praticado pelo GERUR.

Contudo, apesar dessas limitações, o outro contato prévio com o objeto investigado

na minha pesquisa se deu por meio das atividades desenvolvidas nessa demanda.

Na segunda etapa de pesquisas para o FDVBPM, realizada em Urbano Santos –

MA,eu e outros dois colegas fizemos a pesquisa, dentre outras localidades, em um

povoado chamado Marçal dos Onça, onde passamos dois dias. Cada um ficou

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responsável por preencher partes do formulário, ficando eu com a responsabilidade

de colher as informações relativas às atividades econômicas e aos problemas

relacionados às empresas.

Ao perguntar sobre as atividades agrícolas para o trabalhador em cuja casa eu fiquei

hospedado, tive conhecimento de que a Suzano havia feito, com máquinas, algumas

etapas do plantio de várias famílias do povoado, incluindo a dele. Havia desmatado,

providenciado as sementes, porém não forneceu o adubo, conforme prometera.

Visitei esse plantio e algumas das chamadas roças, implantadas pelas famílias aos

moldes tradicionais. O arroz plantado nas roças estava bem mais desenvolvido que

os do plantio que a Suzano havia preparado para aquelas famílias. Segundo um dos

trabalhadores que entrevistei, a Suzano havia derrubado 22 bacurizeiros, gerando

revolta em algumas famílias daquela localidade. Segundo ele, por essa razão, para

agradar a todos, a empresa havia feitoesse chamado campo que não fora

adubado.Tal situação aumentou a minha curiosidade por casos em que há inserção

de maquinários e outros elementos na agricultura camponesa. Essa curiosidade

ganhou maior proporção nos dias seguintes dessa etapa de pesquisa, quando

conheci o povoado Santana.

4 MECANIZAÇÃO E COLETIVIZAÇÃO DA AGRICULTURA CAMPONESA EM

SANTANA, URBANO SANTOS

Em Santana, todas as informações contidas no formulário, do qual dispúnhamos

para traçar um perfil das localidades e dos problemas enfrentados por elas, foram

preenchidas por mim, pois havia ido para lá sem a companhia de algum colega da

pesquisa. Sobre a presença da empresa conversei com praticamente todos os

trabalhadores que entrevistei. Ali a Suzano implantou algo semelhante ao que

ocorreu em Marçal dos Onça: um chamado campo agrícola – área desmatada e

plantada com auxílio de maquinário – para aquelas famílias. Entretanto, em Marçal

dos Onça a empresa deixou de doar um item fundamental que prometera: o adubo,

sem o qual, na ausência da queima da cobertura vegetal, as espécies vegetais

plantadas têm dificuldades para se desenvolver. Para Santana, porém, a empresa

forneceu tudo quanto foi preciso para a viabilização dos plantios com essa

tecnologia.

Santana se diferencia de um considerável número de localidades da região,

pesquisada anteriormente por outros autores, por se localizar em uma área de

chapada. O povoado, aqui entendido como unidade territorial, tinha como principal

fonte de terras agricultáveis aquela da qual Osvaldo Bacelar dizia ser dono, para

quem as famílias pagavam uma renda de acordo com a sua produção. Essas terras

foram vendidas para a Cia. Comercial e Agrícola Paineiras, hoje Suzano Papel e

Celulose.

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A Suzano tem plantios de eucalipto que abarcam grandes extensões e circundam

Santana e outras localidades. Assim que intensificou suas atividades ali, no final de

2009, começou a plantar eucalipto nas áreas antes usadas pelos trabalhadores de

Santana e de povoados vizinhos para implantar suas lavouras. Essas áreas,

chamadas pelos trabalhadores de mata, revelam uma situação de uso da terra

diferente da que tem se observado na literatura sobre o campesinato da região,

conforme tento explicar a seguir.

Carneiro (2008, p. 91), reproduzindo o que escrevera Paula Andrade (1995a), afirma

que o manejo inteligente dos recursos naturais que compõem os diversos

ecossistemas com os quais esses agricultores interagem, de forma sintética,

“manifesta-se na distinção de uso das terras classificadas como de chapadas e dos

baixões, com as atividades agrícolas sendo realizadas nestas últimas, enquanto o

extrativismo e a criação de animais concentram-se nas áreas de chapada”.

Tal modelo, também reproduzido por autoras como Moraes (2009), pode levar a crer

que, aos agentes externos, voltados ao plantio de soja e eucalipto interessem

apenas as áreas de chapada, enquanto às famílias da região, para implantar suas

lavouras, interessem apenas os baixões. A mata, denominação dada pelos

trabalhadores às terras pretendidas por Osvaldo Bacelar, caracterizava-se por

possuir árvores de grande porte, o chamado mato grosso, sendo plana e possuindo

solo fértil. Caracterizava-se, também, pela presença das famílias exercendo uma

apropriação e manejo daqueles recursos com base no usufruto comum. Tal área não

é classificada pelos trabalhadores como baixão. Segundo seu José Mendes, de

Santana, “(...) só tem aquela área assim. É plano, mas não é carrasco nem

chapada”. Compreende-se dessa maneira como essas terras interessam tanto às

famílias de Santana, para a implantação das lavouras, como têm procedido há

sucessivas gerações, quanto à Suzano Papel e Celulose, que tem as transformado

em plantios de eucalipto.

O açambarcamento dessa área foi um golpe para aquelas famílias em relação ao

estoque de terras propícias à implantação de seus roçados.Diante dos protestos das

famílias, a Suzano que vinha lhes prometendo fazer um campo agrícola, o fez

depois de ter sido veiculada a matéria “Veredas destruídas”, no Globo Rural, sobre

os problemas que os plantios de eucalipto têm trazido à região. Dessa forma, os

agentes da empresa que mantêm contatos com os trabalhadores, queriam, a todo

custo, que as famílias abandonassem o modo pelo qual estas implantam os seus

roçados para adotar o modelo de agricultura que começaram a implantar.

A observação em campo demonstrou que essa investida da Suzano refere-se a um

projeto entendido pela empresa como de agricultura comunitária, que, no Maranhão,

envolve cinco das dezenas de povoados afetados pela empresa em toda a extensão

de seus empreendimentos na região. Dois deles são no município de Urbano Santos

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(Santana e Ingá), um no de Santa Quitéria (Capão) e os outros dois no de Anapurus

(Moura e São José).

No caso de Santana, em 2011, a empresa forneceu todos os maquinários e insumos

necessários à viabilização do campo agrícola – desmatou oito hectares, arou,

providenciou sementes, adubo. Sua proposta era de assim proceder em 2012 e,

depois desses dois anos, as famílias deverão se responsabilizar por todas as etapas

do processo de produção. No novo modelo de plantio a cobertura vegetal não é mais

queimada (usam-se maquinário e insumos); as espécies (milho, arroz, feijão,

mandioca) não serão mais plantadas de forma consorciada e todas as etapas serão

socializadas entre os participantes: o preparo do solo, o plantio, os tratos culturais e

a colheita, sendo que o produto final deverá ser partilhado igualmente entre as

famílias que fazem parte do projeto.

A escolha de um tema, segundo Weber e Beaud (2007), têm grande importância,

pois condicionará todo o trabalho posterior. No Curso de Ciências Sociais do qual

faço parte geralmente o pesquisador se dedicará a um determinado tema.

Aprofundará investigações, descobrirá coisas novas, ampliará perspectivas, mesmo

sem (e dificilmente se teria a pretensão de) esgotar todas as questões a ele

relacionadas. Dessa forma, dentro da grande temática “problemas ambientais e

sociais decorrentes da expansão do agronegócio no Leste do Maranhão”, bastante

ampla, me interessei, a partir do que observei de maneira mais acentuada em

Santana – Urbano Santos, por pesquisar um assunto de extensão previamente

reduzida, como sugerem Weber e Beaud (2007).

Pretendi assim, tomar como objeto de estudo esse confronto entre a Suzano Papel e

Celulose e o povoado Santana, como unidade social, que, apesar de,

aparentemente, não se apresentar em forma de conflito aberto, se manifesta, até

então, em níveis de uma violência simbólica (BOURDIEU, 2001),por meio da

imposição de um processo de mecanização e coletivização da agricultura

camponesa, contrastando com o modo local de fazer agricultura aos moldes do que

Chayanov (1924) chamou de exploração com base no trabalho familiar, em que a

“importância do produto do trabalho é principalmente determinada pela dimensão e

composição da família.

Na tentativa de elaborar exercícios de delimitação de um tema para o trabalho de

conclusão de curso, listei como objetivos gerais da minha pesquisa: analisar o

processo de substituição das técnicas agrícolas pelo qual vem passando a produção

de alimentos em Santana; estudar as transformações decorrentes do novo modelo

de agricultura em relação à maneira como uma família camponesa, dessa região, se

organiza (ou organizava) para produzir.

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Os objetivos específicos, ancorados nas principais perguntas da pesquisa, eram:

entender como funciona a dieta alimentar de uma família camponesa; compreender

que fatores são indispensáveis à agricultura mecanizada e se eles estão disponíveis

às famílias; analisar se há confrontos entre as duas lógicas produtivas; entender

como será dividida uma produção “socializada” entre famílias com distintos números

de membros; levantar o que a Suzano diz sobre o “projeto de agricultura

comunitária”; analisar os fatores que levaram a empresa a criar esse projeto e os

que levaram os trabalhadores de Santana a aderir a ele; compreender por que

dentre tantos, foram atendidos com tal projeto apenas cinco povoados; analisar que

categorias nativas referentes aos plantios são substituídas ou deixam de existir com

a imposição do novo modelo de agricultura; levantar quais são as formas tradicionais

de se plantar mandioca; levantar quais seriam as possibilidades de plantar mandioca

com o campo mecanizado; compreender que conjuntos de crenças, relativas ao

plantio, seriam afetados com o advento do novo modelo de agricultura como datas

específicas para plantar determinadas espécies como dias de santo; analisar as

estratégias de aproximação dos mediadores da empresa com o povoado;

compreender como os trabalhadores recebem o discurso da empresa; perceber o

que as famílias pensam sobre essas mudanças.

Essas questões foram elaboradas nos primeiros atos de problematizar o tema

pesquisado, e, apesar de várias delas conterem certapertinência, retratam um

momento específico da pesquisa em que a emissão de certos juízos de valor se

apresentava de maneira mais acentuada. Uma demonstração disso é a idéia,

embutida em algumas delas, de que a inserção das relações capitalistas no meio

rural, através de empresas como a Suzano conseguiria extinguir por completo as

pessoas e as suas relações, como sugere a teoria marxista clássica, quando se

refere ao processo de transformação dos camponeses em proletários. A resistência

do grupo que pesquiso – entendida aqui como a adoção deestratégias para a

permanência e reprodução de um modo de vida, no que se refere à forma de se

organizar para produzir – demonstra que o capitalismo não consegue banir na sua

totalidade as pessoas e as relações existentes no meio rural, embora geralmente

traga danos desastrosos, por vezes irreparáveis, como os que o caso em análise

pode demonstrar.

Algumas das questões acima já traziam uma resposta na própria pergunta, outras,

como demonstrei, reproduziam ideologias recorrentes. Algumas delas ainda estão

por responder e outras já puderam encontrar algumas respostas no decorrer da

pesquisa.Sobre essas respostas e, principalmente, as novas perguntas, advindas

das experiências de campo, é que ainda pretendo falar adiante.

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5 A CHAMADA AGRICULTURA COMUNITÁRIA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A

SEGURANÇA ALIMENTAR DAS FAMÍLIAS ENVOLVIDAS

Segundo um informativo virtual da empresa, com o programa Agricultura

Comunitária, lançando em 2010 pela Suzano,a Suzano, atualmente, atende seis

comunidades próximas às suas unidades no MA e no PI. O plano é estender o

programa para que o projeto possa acolher um número maior de comunidades e

pequenos produtores no Piauí e no Maranhão, no entorno de seus

empreendimentos.

Sob a égide de um pretenso compromisso com a responsabilidade social, segundo o

informativo, “o projeto é fruto de diagnósticos socioambientais dos quais foi

observada a necessidade em dar apoio às comunidades no que diz respeito à

segurança alimentar das regiões no entorno das Unidades Florestais da Suzano”.

Entretanto os desdobramentos decorrentes dos primeiros momentos da implantação

desse projeto apontam para resultados que contradizem o que é enunciado como

seu principal objetivo: reforçar a segurança alimentar das famílias – o que pretendo

demonstrar na pesquisa.

6 CONCLUSÃO

Após a primeira ida a Santana, no âmbito da demanda para o FDVBPM, pude

realizar quatro etapas de campo, através das quais, passava aproximadamente

entre sete e quinze dias no povoado, guiadas pelos objetivos inicialmente listados

como norteadores da minha pesquisa. Por se tratar de uma pesquisa ainda em

curso, os resultados aqui apresentados têm um caráter provisório, principalmente

tendo em vista o fato de que a pesquisa tem ocorrido no flagrante dos processos dos

quais surgem as relações descritas entre a Suzano Papel Celulose e o povoado

Santana. Por fim, apontarei os próximos passos pretendidos para essa pesquisa.

A agricultura camponesa nessa região, tal como relatei acima, dá-se aos moldes de

uma exploração com base no trabalho familiar(CHAYANOV, 1924).Registra-se,

também, entre essas famílias um coeso sistema de troca de trabalho, chamado troca

dia. Ancorado em uma reciprocidade positiva (SAHLINS, 1983), ocorre em todas as

etapas da produção de alimentos, desde seu início – ao escolher e desmatar uma

área, ao prepará-la e proceder aos plantios e aos tratos culturais – até a colheita.

O modelo de produção imposto pela Suzano Papel e Celulose, através do programa

Agricultura Comunitária, decorre de uma situação aguda de expropriação e quebra

com a lógica de reciprocidade existente entre os trabalhadores, desorganiza as

relações tradicionalmente estabelecidas e cria conflitos entre eles. Do ponto de vista

dos trabalhadores, a regra imposta de dividir igualmente a produção do chamado

campo entre as famílias é injusta, visto que algumas famílias possuem 3, 4

membros, porém outras possuem mais de 10. Além disso, o chamado campo tem a

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extensão de oito hectares, não sendo suficiente para as 24 famílias de Santana que

fazem parte do programa.Constata-se que a situação de insegurança alimentar que

a empresa deseja supostamente combater no povoado foi provocada por ela

mesma, através das suas intervenções no local.

Percebe-se assim, que tal programa, dotado de um caráter autoritário,impõe regras

de cima para baixo, completamente estranhas à lógica da organização da força de

trabalho familiar e não oferece soluções para a necessidade mais básica daquelas

famílias: a segurança alimentar. O curioso é que o subtítulo do programa Agricultura

Comunitária da Suzano é exatamente “investindo na segurança alimentar”,

afirmação que na prática não pode ser observada em Santana.

As últimas etapas de campo apontaram para uma rearticulação das famílias relativa

à produção de alimentos mediante a expropriação: cada família de Santana teve

acesso a outras áreas, para a implantação dos seus roçados. Tal acontecimento me

impulsionou à rearticulação dos objetivos que terei de alcançar nas próximas etapas

da pesquisa.

Dessa forma, pretendo, dentre outras coisas, descobrir: quais foram as estratégias

de rearticulação dos trabalhadores para que, diante da expropriação do principal

estoque de terras agricultáveis, cada família tivesse acesso, nesse ano, a um local

para implantar o seu roçado aos moldes tradicionais; como era a conjugação das

terras de moradia e de trabalho antes da intervenção da empresa, comparando com

a situação atual onde previamente se constata um processo de rearticulação

territorial – as famílias, ao serem expropriadas da mata, hoje tomada pelos

eucaliptais, se descentralizaram em relação à atividade agrícola; e, não obstante,

nossa tentativa será a de mostrar que relações sociais estão em jogo em relação a

essa rearticulação. As próximas etapas de campo terão como objetivo, também, a

coleta de informações que me permitam adquirir mais elementos para compreender

como se dá a forma de organização da produção camponesa, assim como,

compreender a forma de organização imposta pelos técnicos contratados pela

empresa, no chamado campo, para que se recorra a uma comparação mais

qualificada entre esses dois modos de se organizar para produzir.

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17 NOTAS SOBRE O EXTRATIVISMO DE BURITI NO ENTORNO DOS LENÇÓIS

MARANHENSES: FORMAS DE ACESSO, REGIMES DE PROPRIEDADE E

CONFLITO AMBIENTAL

Ricardo Monteles90; Dalva Mota91

RESUMO

A discussão sobre a obtenção dos meios de vida ganha grande vigor atualmente,

tornando-se necessária a compreensão das complexas interações dos grupos com

os recursos naturais disponíveis em seus territórios. Através da observação

participante, buscou-se examinar a apropriação social dos buritizais por um grupo de

moradores do Cantinho, comunidade rural situada no entorno do Parque Nacional

dos Lençóis Maranhenses. O grupo vem experimentando uma progressiva depleção

de seus espaços e recursos naturais de uso comum. A intensificação da dinâmica de

apropriação privada torna evidente a re-definição dos processos socioambientais à

medida que as áreas de coleta se transformam em áreas pauperizadas.Neste

sentido, os saberes associados ao manejo dos recursos naturais parecem ser uma

alternativa plausível no sentido de elaborar práticas sustentáveis de uso desses

recursos. Entretanto, iniciativas etnoconservacionistas, associadas às praticas de

manejo como reflorestamento e cultivo dos recursos biológicos nativos somente tem

sentido se a população tiver garantido o acesso permanente aos recursos naturais

em seu território. O tema dos recursos naturais de uso comum traz um conjunto de

questões complexas, para as quais uma abordagem etnoecológica pode trazer

grande contribuição, integrando conhecimentos de diferentes disciplinas, como a

biologia e a antropologia, extraindo daí, suas relações de interdependência e suas

conexões recíprocas.

Palavras-chave: extrativismo; apropriação social; buritizais; etnoconservação.

90

Etnobiólogo, Mestre em Desenvolvimento Sustentável pela UFPA. Docente no Colégio Universitário (Colun/UFMA). 91

Doutora em Sociologia pela UFPE. Docente no Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas (EMBRAPA/UFPA).

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1 INTRODUÇÃO

A discussão sobre a obtenção dos meios de vida ganha atualmente grande vigor à

medida que se reconhece a existência de uma crise ambiental, tornando-se evidente

a necessidade de compreender as diversas e complexas interações dos grupos

sociais e os recursos naturais disponíveis em seus territórios.

Em se tratando das populações tradicionais, o debate se amplia, pois se constituem

em grupos que, historicamente estabelecem estreitas conexões, sejam cognitivas,

conflitivas, materiais e imateriais com os recursos naturais, e deles dependem

diretamente para satisfazer suas necessidades vitais.

As palmeiras constituem um dos grupos vegetais mais importantes do ponto de vista

da diversidade biológica e do potencial uso econômico, sobretudo no contexto das

populações tradicionais. Henderson (1995) lista 34 gêneros, 151 espécies e 189

taxa da família Arecaceae, dos quais cerca de 75% são endêmicos da bacia

amazônica, servindo a diversas finalidades. De alimento para a fauna nativa (peixes,

aves e mamíferos roedores) à subsistência de famílias ribeirinhas, seja pela coleta e

comercialização, ou mesmo na alimentação – sua forma de apropriação mais direta

– as palmeiras exercem uma função de destaque nos ecossistemas inundados.

Conhecido por uma variedade de nomes vernáculos ao longo de sua área de

ocorrência natural (aguaje no Peru, moriche na Venezuela, canangucha na

Colômbia, moretes no Equador, palma real na Bolívia), o miriti ou buriti (Mauritia

flexuosa L. f.), como é amplamente conhecido no Brasil, tem a propriedade de

garantir alimento, óleo, fibra, remédio, materiais de contrução e apetrechos de

pesca, além de se constituir em uma rica fonte natural de vitamina A, dentre outros

nutrientes essenciais.

Os buritizais, como são conhecidas as formações monoespecíficas de alta

densidade desta palmeira, consistem ecologicamente em uma fisionomia vegetal

típica de ambientes inundados, onde ocorrem em padrões monotípicos ou em

associação com outras palmeiras como a buritirana (Mauritiella spp.) e a juçara/açaí

(Euterpe spp.), representando um recurso natural de considerável importância

socioeconômica e ecológica no contexto do trópico úmido.

O objeto sobre o qual nos propomos neste artigo consiste na apropriação social de

uma base comum de recursos naturais reconhecidamente importante no contexto

socioambiental das terras úmidas, ecossistemas recorrentes nos diversos biomas

presentes no Maranhão. Neste sentido, busca-se examinar a apropriação social

dessa fisionomia vegetal por um grupo de agricultores-extrativistas, cuja população

vive em uma comunidade rural de nome Cantinho, situada no entorno do Parque

Nacional dos Lençóis Maranhenses, município de Barreirinhas, estado do Maranhão.

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Propõe-se como hipótese que a visceral relação territorial do Cantinho com o

município de Barreirinhas – atualmente um polo turístico de grande projeção no

cenário nacional e internacional – pode estar suscitando o desenvolvimento de um

processo gradual de reestruturação socioambiental em escala local, de maneira que

exerça algum grau de desestruturação nos ecossistemas onde se localizam os

buritizais (Mauritia flexuosa L. f.), recurso natural em disputa entre agentes da

comunidade e agentes externos.

2 MÉTODOS

O trabalho de campo foi executado em três expedições, sendo a primeira –

exploratória – realizada ao longo de três dias durante o mês de junho de 2008. A

segunda expedição consistiu em uma estada de oito dias vivenciando o cotidiano da

comunidade no mês de julho, e a derradeira, com dez dias em interação com o

grupo durante o mês de dezembro do mesmo ano, momento em que tivemos a

oportunidade de ajustar e observar as informações transmitidas pelos interlocutores

da pesquisa.

A observação participante foi o principal método utilizado durante a realização da

pesquisa, que aqui se entende como “o papel perfeitamente digerível pela sociedade

observada que o pesquisador assume, a ponto de viabilizar uma aceitação, senão

ótima pelos membros daquela sociedade, pelo menos afável, de modo a não impedir

a necessária interação” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1998).

Conversas em ocasiões informais e entrevistas abertas, guiadas por um esquema

temático elaborado após a primeira incursão a campo foram realizadas. Em algumas

ocasiões, foram efetuadas caminhadas transversais na companhia de informantes-

chave, no intuito de captar informações pormenorizadas sobre os aspectos de maior

interesse na pesquisa.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Direitos de acesso, uso e propriedade

A discussão em torno dos direitos de propriedade fornece alguns desdobramentos

relacionados a dois aspectos, fundamentalmente: a natureza do recurso e os

regimes de propriedade. A natureza do recurso pode ser definida a partir de dois

atributos. O primeiro é a “exclusão”, isto é, a dificuldade ou impossibilidade de

excluir potenciais usuários ou controlar o acesso dos mesmos. O segundo atributo

está relacionado à “subtração”, ou seja, a capacidade que cada usuário possui de

subtrair parte da prosperidade do outro. Neste caso, “o nível de exploração de um

usuário afeta adversamente a habilidade de exploração de outro usuário” (FEENY et

al., 2001).

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Deste modo, Berkes et al. (1989) definem recursos comuns como uma classe de

recursos para a qual a exclusão é difícil e o uso conjunto envolve subtração. A partir

desta definição, compreende-se que esses recursos podem ser apropriados sob

distintos regimes de propriedade, em que propriedade refere-se a um conjunto de

direitos de apropriação sobre determinado recurso.

Feeny et al. (2001) definem quatro tipos analíticos ideais, embora concretamente

esses tipos possam complementar-se entre si, podendo também haver sobreposição

e combinações conflitantes de categorias, além de variações em cada um dos tipos.

São eles, o livre acesso, a propriedade privada, a propriedade comum e a

propriedade estatal.

A base do modo de produção de distintos grupos assenta-se na concepção de

posse e uso comum de espaços e recursos naturais. Tais grupos, ao conceber estes

patrimônios como bens comuns, respondem a regras definidas nos cânones do

direito consuetudinário, historicamente fundador de sua territorialidade.

Almeida (1989) sustenta que as modalidades de uso comum designam situações

nas quais o controle dos recursos não é exercido livre e individualmente por um

determinado grupo doméstico ou por um de seus membros. Tal controle se dá

através de normas específicas instituídas para além do código legal vigente e

acatadas de maneira consensual nos meandros das relações sociais estabelecidas

entre vários grupos familiares que compõem uma unidade social. Estas normas

atualizam-se em territórios próprios, possuindo a territorialidade um caráter

identitário, onde os laços solidários e de ajuda mútua informam um conjunto de

regras firmadas sobre uma base física considerada comum, essencial e inalienável

sobre a qual os grupos garantem a seus membros, direitos estáveis de acesso, uso

e controle dos recursos.

A despeito de se fazerem reais ao redor do planeta, os sistemas tradicionais de

apropriação comum de espaços e recursos naturais sofrem historicamente

processos nefastos de desestruturação. Segundo Diegues (2001), há hoje no Brasil

uma variedade de formas de acesso a espaços e recursos naturais de uso comum,

que por muito tempo foram desconsideradas e até ignoradas pelas formas

hegemônicas de apropriação da natureza.

Conforme Porto-Gonçalves (2006), as formas comuns de acesso e apropriação dos

recursos naturais eram muito mais difundidas do que a propriedade privada, imposta

como modalidade única e exclusiva de organização da sociedade.

No Cantinho, o advento da privatização de importantes áreas de terra e água, a

partir do final da década de 1990, inaugurou uma dinâmica degradante de remoção

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de porções consideráveis das vegetações ciliares e do manguezal para a

implantação de complexos hoteleiros e casas de veraneio.

As formas de acesso aos buritizais influenciam no domínio das práticas, dos

saberes, do uso sustentável e da conservação do recurso. Assim, de modo geral, o

acesso ao buriti obedece a regras de apropriação comum, que por sua vez,

engendram diferentes regimes de propriedade culturalmente reconhecidos.

Para compreender as formas de uso de recursos comuns é essencial distinguir o

que Elinor Ostrom (1990) cunhou de “sistema de recursos” e “unidades de recursos”.

A distinção entre os recursos como estoque e a colheita de unidades de recursos

como um fluxo é útil, notadamente em relação aos recursos renováveis, sobre os

quais é possível definir uma cota de reabastecimento. Portanto, desde que a cota

média explorada não ultrapasse a cota média de reabastecimento, uma fonte de

recursos renováveis pode se sustentar por tempo indeterminado.

O buriti caracteriza-se por se constituir em um sistema de recursos naturais que

fornece um fluxo de unidades de recursos92, os quais não são apropriados

conjuntamente, embora o sistema de recursos em si seja apropriado de forma

comum.

O sistema de acesso parece apoiar-se em uma ética cooperativa, da qual nasce

uma noção endógena de respeito que parece assegurar o usufruto comum do

recurso. Trata-se de um código de conduta pessoal que requer honra e deferência,

configurando-se, portanto, em um aspecto referencial cognitivo associado à

consciência coletiva do grupo.

Conforme Cordell (2001), em um trabalho sobre marginalidade social e apropriação

territorial marítima, este código de honra, intimamente ligado à reciprocidade, forma

e governa as relações pessoais.

A ética associada ao respeito vai além de um cerimonial: ela liga as consciências individuais muito mais fortemente que os regulamentos oficiais. Nas comunidades em que o capital é escasso, o respeito (...) é a medida da dignidade das pessoas (CORDELL, 2001, p. 144).

Análoga à interpretação de Schmitz et al. (2006) para o caso das catadoras de

mangaba no nordeste brasileiro, não há no Cantinho, uma tentativa evidente de

estabelecer um quantitativo máximo permitido de extração. Contudo, a coleta

excessiva dos olhos do buriti sujeita o sistema de apropriação do recurso, uma vez

que pode inviabilizar a reprodução da vida das palmeiras, interditando as

disponibilidades presentes, pois o buriti “dá só um olho de cada vez”, devendo-se

92

Os olhos correspondem às folhas jovens, que, ao ser apropriado por um extrativista, e posteriormente trançado por uma artesã, constituem-se na matéria-prima do artesanato local.

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deixá-lo descansar e esperar a próxima lua (nova) para que possam ser novamente

coletados outros olhos.

Nesses casos, as áreas de coleta são terras públicas, onde os membros da

coletividade podem coletar, desde que acatadas as regras de acesso e uso

localmente estabelecidas.

“Não é todo mundo que pode [coletar os olhos], quer dizer que tem é muita pessoa que não pode (...) mas o cabôco não trata não, à noite ele vai buscar mesmo. Às vez, mei-dia cê tá dormindo, e ele tá lá com a faquinha tirando...” (Eliseu, lavrador e extrativista).

Há também, as normas de exclusão e de acesso aos recursos naturais por parte dos

“de fora”. Estes, por sua vez, podem lograr acesso, desde que, de alguma forma,

passem a fazer parte do grupo, normalmente através de casamentos e relações de

compadrio.

Como esperado, existe uma relativa preocupação local sobre a comercialização de

porções de terras por moradores a especuladores imobiliários. Muitos moradores

criticam os que venderam seus quinhões de terra, apontando que estes fizeram um

mau negócio, tendo que viver em Barreirinhas93 ou “lá do lado de cima”, na porção

mais árida da comunidade.

Com pouca disponibilidade de água, e acessando o rio (e os buritizais) graças à

benevolência dos moradores, parentes ou compadres, essas famílias que se

desfizeram de seus pedaços de terra sofrem atualmente as consequências crônicas

do problema da propriedade, como a escassez de terra para plantar e o

constrangimento em acessar os recursos naturais que antes estavam disponíveis,

literalmente, no fundo de seus quintais.

“Os pessoal mesmo daqui do Cantinho é que vende as terra. Ouve falar de dinheiro, aí acha que dinheiro é tudo, aí pega e vende a casa, o terreno. Em pouco tempo, eles [os compradores] tão aí rico, e quem vendeu suas casa, suas terra tá na pior, sem ter nenhum centavo, e nem casa e nem terra e nem nada. Assim acontece aqui com o nosso povo. A maior parte do nosso pessoal venderam o lado de baixo, que é o lado mais procurado, por causa do rio e ficaram do lado de cima. Ah, tem água pra todo mundo, tal e tal (...) a água acabou, que era dessa caixa [d‟água] bem aí, deu problema, não prestou mais. Agora quem tá do outro lado tá sentindo só o cheiro do rio. Eu, graças a Deus, meu rio tá aqui em casa, passa aqui no fundo do quintal. Vendi uma parte, mas o que eu tenho tá bom ainda pra nós...” (Dona Bebel, professora aposentada, grifo nosso).

O que parece estar ocorrendo, na realidade, é uma tragédia dos comunitários, os

quais tem suas vidas desestruturadas por sua própria expulsão, consensual e

negociada, pela forçosa implantação de uma dinâmica de apropriação e consumo do

93

Cidade que abriga os turistas que visitam os “Lençóis”. É considerada uma das portas de entrada para o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.

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lugar, através da atividade turística atualmente praticada em todo o território

nacional.

No transcurso dos anos de coleta do buriti, alguns consensos se estabeleceram

quanto ao que é considerado aceitável naquele sistema extrativo. Utiliza-se aqui o

conceito de instituição como uma prática social ou um conjunto de regras e

procedimentos socialmente reconhecidos, aceitos e sancionados por determinado

grupo. Trata-se de um conjunto de regras de trabalho que determina as permissões

e proibições, quais procedimentos devem ser seguidos, quais informações devem ou

não ser fornecidas, e que benefícios são atribuídos aos indivíduos a depender de

suas ações.

No caso do extrativismo de buriti, as regras referentes à forma de apropriação

comum referem-se às condições de acesso ao recurso por pessoas

reconhecidamente usuárias do recurso (as artesãs que utilizam a fibra ou linho do

buriti, neste caso), ao respeito ao limite da propriedade privada, ao zelo com as

palmeiras e ao limite de extração, embora não claramente estabelecido, ao respeito

aos ciclos biológicos da palmeira, destacando-se o comportamento coletivo de

deixar a palmeira descansar para que possa repor novos olhos, além de evitar

coletar o olho quando este se encontra em estágio imaturo.

Se há regras no extrativismo de buriti, há também exceções, e ainda, o que se pode

chamar de transgressões. Uma exceção bastante difundida, que por vezes pode se

metamorfosear em regra é a coleta de olho dos buritizeiros machos. Segundo as

artesãs, mesmo de qualidade inferior, o linho do buritizeiro macho é igualmente

apropriado ao trabalho artesanal, sobretudo quando as palmeiras fêmeas estão se

recuperando das coletas, notadamente em dezembro, considerado alta estação do

turismo na região.

Nestes períodos de pico de produção artesanal, para evitar a compra da matéria-

prima e tornar possível o desenvolvimento dos trabalhos, os buritizeiros machos são

indistintamente explorados, e mesmo com dificuldade de beneficiamento – pois

fornece um linho mais duro e de difícil tratamento – dão forma às peças artesanais

locais.

A “transgressão” mais evidente é a coleta furtiva nas áreas privadas. Se o

proprietário estiver ausente ou o caseiro94 permitir, pode-se entrar livremente e tirar

os olhos dos minguantes buritis característicos das áreas de apropriação privada.

Contudo, relatos informam que os extrativistas podem entrar às escondidas, em

94

Trabalhador assalariado, normalmente morador e “filho da comunidade”, responsável por zelar pela propriedade de um patrão, este, normalmente empresário radicado na capital maranhense (São Luís), que se faz sazonalmente visitante na região onde possui uma ou mais casas de veraneio.

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qualquer hora do dia (ou da noite), negligenciando as regras impostas pelos

proprietários.

“Eu penso assim: se eu tivesse [dinheiro], eu não ia, né? Eu tenho precisão [necessidade] de tirar o linho pra muié fazer os trabaio, pra comprar uma besteirinha pros minino, porque se eu tivesse, eu não ia, só vou porque não acho outro meio. Isso aqui é dado pela natureza, não foi ele [o proprietário] que plantou... Aí eu não sei se é roubo ou se não é (...) pra mim eu digo que não é, porque esse é meio de caçar um meio de viver” (Eliseu, lavrador e extrativista).

3.2 A deflagração de um conflito ambiental

Semelhantemente ao trabalho de Schmitz et al. (2006), ainda há poucas regras,

nenhuma sanção evidente, nem multas ou instâncias para a resolução de conflitos

referentes ao uso e apropriação social do buriti no Cantinho. A falta de sanções em

torno da coleta do olho do buriti é coerente, porém no caso de ações prejudiciais, a

ausência de mecanismos coercitivos pode revelar um problema de considerável

alcance, uma vez que há um incremento gradual na quantidade de palmeiras

exploradas ao longo dos anos.

Associado a este fato, é importante reforçar que o processo de privatização das

áreas de coleta está em pleno avanço, contando inclusive com o apoio e incentivo

do Estado à medida que garante aos novos proprietários, plenas condições para seu

estabelecimento, a exemplo da ligeireza e facilidade nos licenciamentos ambientais

para construção de parques náuticos e sofisticados resorts à beira-rio.

Mesmo diante das práticas antiecológicas que podem prejudicar o estoque do

recurso, os conflitos seguem silenciosamente, indicando que a pressão nos recursos

e nas condições de reprodução social ainda não obrigou o grupo a se organizar para

determinar sanções e medidas coercitivas que possam contribuir com a manutenção

dos recursos naturais em seu território.

O conflito social de matriz ambiental pode advir da disputa por apropriação de uma

mesma base de recursos naturais ou de bases distintas, mas interconectadas pelas

interações ecossistêmicas. Este tipo de conflito tem como arena as unidades

territoriais compartilhadas por um conjunto de atividades, cujo acordo simbólico é

rompido em função do reconhecimento dos efeitos indesejáveis das atividades de

um agente sobre as condições materiais do exercício das práticas de outros.

Acselrad (2004) sustenta que o conflito se estabelece a partir de embates objetivos

pelo controle material de um recurso, pela sua apropriação, mas também pela sua

forma de uso (ver MANZI e COOMES, 2009). Desse modo, os conflitos ambientais

são aqueles que envolvem grupos sociais com modos diferenciados de apropriação,

uso e significação do território, tendo origem quando, pelo menos um dos grupos

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tem a continuidade das formas sociais de apropriação da natureza ameaçada por

impactos decorrentes do exercício das práticas de outros grupos.

A despeito das projeções apocalípticas atualmente aventadas pela racionalidade

preservacionista, convém ressaltar que, mesmo havendo um decréscimo

considerável na quantidade de palmeiras, este não deverá ser suficiente para

aniquilar por completo os estoques desse recurso. Ainda neste sentido, o fato de o

grupo investir em práticas de manejo relativamente eficazes não garantem por si, a

conservação e manutenção do recurso, sobretudo em se tratando de um contexto de

expansão da propriedade privada para fins de especulação imobiliária.

A recente dinâmica local de interdição do acesso ao recurso processa-se através da

implantação de pousadas e casas de veraneio. Como consequência, todas as

artesãs entrevistadas assumem estar adquirindo comercialmente a fibra do buriti

oriunda de outras comunidades para que possam realizar seu trabalho.

Por se constituir o artesanato local em um trabalho praticamente feminino, e

considerando o acúmulo de tarefas socialmente impostas às mulheres, notadamente

relacionadas à economia do cuidado é possível que o recente movimento de compra

da fibra esteja mais associado às facilidades representadas pela diminuição do

volume de trabalho, do que ao escasseamento do recurso em si95.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O grupo em estudo representa uma coletividade submetida a uma progressiva

depleção de seus espaços e recursos naturais de uso comum, em virtude das

recentes formas pelas quais vem sendo transformado seu território. Com o advento

da privatização das áreas de coleta de buriti, ocorre uma significativa remoção de

porções das vegetações ciliares para a implantação de complexos hoteleiros e

casas de veraneio.

De modo geral, o acesso ao buriti no Cantinho obedece a regras específicas de

apropriação comum, processadas a partir de distintas formas, sob o domínio do

regime de propriedade comum, no qual o recurso é apropriado por um grupo

identificável de usuários interdependentes que se auto-regulam, ou pelo menos

buscam se auto-gerir em termos do uso e da apropriação do recurso.

O processo de privatização parece se acirrar à medida que se incrementa a

atividade turística na região. Quanto à apropriação do recurso, mesmo havendo

poucas regras, nenhuma sanção ou instância para a resolução dos conflitos

ambientais que se tecem no Cantinho, as regras estabelecidas pelo grupo parecem

95

Embora a coleta do olho de buriti se constitua na maioria dos casos em tarefa masculina, todas as artesãs entrevistadas conhecem a prática da extração e a assumem na ausência do homem.

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ser ainda suficientes, por se tratar de um sistema de recursos tido como abundante,

havendo pouco ou um risco moderado de desestruturação total daquele sistema

extrativo. Entretanto, a ausência de mecanismos coercitivos pode revelar um

problema de considerável alcance, uma vez que se vê aumentado o grau de

exploração das palmeiras ao longo dos anos.

A intensificação da dinâmica de apropriação privada do buriti torna evidente a re-

definição dos processos socioambientais, materializada na depleção da

biodiversidade, à medida que as áreas de coleta se transformam em áreas

pauperizadas em termos de disponibilidade de palmeiras.

Convém, portanto, investir na compreensão dos diversos motivos causais de

conflitos relacionados ao uso dos recursos naturais para que se possa compreender

melhor estas realidades multifacetadas.O tema dos recursos naturais de uso comum

traz um conjunto de questões complexas, para as quais uma abordagem

etnoecológica pode trazer grande contribuição, integrando conhecimentos de

diferentes disciplinas, como a biologia, a botânica, a ecologia e a antropologia,

extraindo daí, suas relações de interdependência e de conexões recíprocas. Neste

sentido, pode-se experimentar uma sensível mudança no grau de compreensão dos

fenômenos socioambientais. A ordem, o absoluto, o determinado, o equilíbrio e os

processos reversíveis se tornam casos particulares onde predominam as complexas

realidades tradicionais dos espaços rurais coletivamente apropriados.

Indicam-se duas tendências que se entrecruzam e formam uma lente por onde se

pode olhar através, a fim de enxergar com alguma nitidez o acesso e a propriedade

em torno do extrativismo de buriti no entorno do Parque Nacional dos Lençóis

Maranhenses. Sejam elas:

4.1 Manutenção das práticas locais de manejo e conservação do buriti

Por si, esta tendência não parece incidir muito significativamente na manutenção

dos estoques desse recurso vegetal, visto que a força da atividade turística tende a

concentrar os buritizais ao mesmo tempo em que processa uma mitigação das

disponibilidades futuras, por se tratar de um sistema ecológico em constante

interação e relação de interdependência entre seus elementos biológicos e

humanos.

4.2 Criação de formas alternativas de subsistência

Esta tendência se processa pela via da agregação de valor aos produtos oriundos

do extrativismo de buriti, totalmente associada ao incremento da atividade turística, e

consequentemente, ao avanço da propriedade privada no lugar. Aqui reside uma

controvérsia principal, se se tomam as formas alternativas de subsistência como

uma estratégia de conservação dos buritizais, uma vez que a capitalização dos

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moradores não necessariamente evitaria a exploração dos recursos, podendo

inclusive, estimular a criação de novos nichos de mercado de produtos e

subprodutos extrativos, incrementando assim a pressão nos recursos naturais como

uma forma de garantir a disponibilidade dos produtos no mercado.

Atualmente, existem condições objetivas para o reconhecimento da existência de um

conflito silencioso entre grupos, e, portanto, entre lógicas distintas de acesso e

apropriação de espaços e recursos naturais na área do entorno do Parque Nacional

dos Lençóis Maranhenses. Deste modo, torna-se evidente que existem diferenças

marcantes entre as formas pelas quais diferentes grupos produzem sentidos e

manifestam suas marcas na natureza.

As populações tradicionais, como se conhecem esses grupos, não apenas convivem

com os recursos naturais, mas nomeiam, classificam, usam e manejam estes

recursos segundo categorias próprias, fundamentando estas práticas em um

processo social por onde se tece uma ciência do concreto (LÉVI-STRAUSS, 1989).

Através do saber – ou em termos de coletividade – o conhecimento tradicional,

associado ao manejo dos recursos naturais parece ser uma alternativa saudável no

sentido de elaborar práticas sustentáveis de uso dos recursos naturais, uma vez que

em ecossistemas manejados, embora algumas espécies possam ter sua

disponibilidade diminuída, o efeito total da interferência humana pode resultar num

aumento real da diversidade biológica de determinado ambiente, como mostram

estudos com grupos indígenas no Brasil (ver BALÉE, 1989; DESCOLA, 1997).

Nesta direção, iniciativas etnoconservacionistas, associadas às praticas de manejo

como reflorestamento e cultivo dos recursos biológicos nativos somente tem sentido

se a população tiver garantido o acesso permanente aos recursos naturais em seu

território. Trocando em miúdos, sem a base física comum de recursos, a população

não poderia acessar, tornar próprio, conservar ou sequer conhecer o que está

naturalmente disponível em sua área de influência vital.

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18 “É VERDE O ANO INTEIRO”: O DISCURSO E OS CONFLITOS DO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.

Talita de Cássia Lima Paiva96

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo a análise da concepção de desenvolvimento

sustentável. Este estudo parte da construção do conceito de desenvolvimento e da

sua contradição com a denominação subdesenvolvimento, que revela as

desigualdades do capitalismo e conseqüentemente do desenvolvimento econômico.

Pois, durante o processo histórico das discussões sobre o progresso e

desenvolvimento, a sustentabilidade e desenvolvimento social, que são interligadas,

estiveram distantes desse processo. Mesmo com a inserção dessas questões, por

exemplo, nas agendas 21 dos países, os fatos mostram que o desenvolvimento é

antiecológico e anti-social. Para que houvesse igualdade social precisaria alterar

todo o sistema, pois o próprio Estado revela-se um comitê da classe dominante.

Infelizmente, os países do terceiro mundo são os mais prejudicados com a

exploração e com o próprio fato da sustentabilidade virar mercadoria. Concluindo

nesta pesquisa que é necessário haver vozes em defesa da sustentabilidade e da

diminuição das diferenças sociais, mas a solução não surgirá da conciliação entre

desenvolvimento econômico e desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: discurso; conflitos; desenvolvimento sustentável.

96

Graduanda da Universidade Federal do Maranhão - UFMA

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1 INTRODUÇÃO

A noção de desenvolvimento existe há muito tempo, mas foi no discurso de posse

do Presidente Truman nos Estados Unidos da América que ela foi fortalecida e essa

mesma concepção está presente até hoje; mesmo que o seu uso não expresse

aquilo que realmente significa.

No discurso de Truman, em 1949, desenvolvimento foi idealizado como expansão da

industrialização para áreas subdesenvolvidas baseada em uma distribuição justa e

democrática. Foi a primeira vez que a palavra “subdesenvolvimento” foi usada e com

isso o presidente não somente deu um novo significado ao desenvolvimento, mas

tornou vários povos heterogêneos em uma massa homogênea, ignorando suas

particularidades.

Desde sua construção o conceito desenvolvimento não se distanciou das palavras

com as quais foi criado: crescimento, evolução e maturação. No próprio discurso de

Truman está explicito essa associação, já que mesmo negando o antigo

imperialismo reafirmou outro.

A denominação desenvolvimento foi criada através da concepção do outro, o

subdesenvolvido. È um adjetivo comparativo que prevê a linearidade do mundo e

impede que os povos pensem em seus próprios objetivos, pois são manipulados

para atingir o ideal dos países industrializados. Os países subdesenvolvidos ficam

submetidos à influência da industrialização e de suas conseqüências.

A declaração de Esteva esclarece muito bem este assunto:

“Ninguém parece compreender que „subdesenvolvido‟ é um adjetivo comparativo cuja base de apoio é a premissa, muito ocidental, mas inaceitável e não demonstrável, da unicidade, homogeneidade e linearidade da evolução do mundo. Ela exibe uma falsificação da realidade produzida através de um desmembramento da totalidade de processos interligados que compõe a realidade mundial e a subseqüente utilização de um dos fragmentos resultantes deste desmembramento, isolado dos demais, como ponto de referência geral.” (Esteva, 2000, p. 66)

Desenvolvimento é uma palavra que, como foi dito anteriormente, pode não

expressar tudo o que quer se dizer ou alcançar. Logo, nos primeiros defensores o

desenvolvimento foi reduzido ao crescimento econômico e não a distribuição, ou

seja, não se preocupavam com as questões sociais.

Na verdade, a pobreza, a fome, etc., não eram vistos como conseqüências do

crescimento econômico. E quem mais sofreu e sofre essas patologias do

desenvolvimento são os países atrasados economicamente; isso fortalece a idéia de

que desenvolvimento é igual à democracia e igualdade social.

No entanto, “tornou-se óbvio que o crescimento econômico rápido vinha

acompanhado de desigualdades também crescentes.” (ESTEVA, 2000, p. 68). Não

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se pôde mais ignorar as exclusões do progresso econômico. Aos poucos a

expressão “desenvolvimento social” foi incluída nos relatórios sobre as situações dos

países feitos pelas organizações mundiais.

Dessa forma, na Primeira Década após o discurso de Truman, consideraram-se os

aspectos sociais e econômicos separadamente; na Segunda Década os

personagens do desenvolvimento (teóricos, burguesia etc.) preocuparam-se em

fundir os dois, não por serem bonzinhos ou por estarem preocupados com os

pobres, mas porque para que o desenvolvimento se expanda é necessário eliminar

os obstáculos; as relações financeiras precisam estar livres desses aspectos para

própria manutenção do progresso.

Contudo, “a economia não reconhece qualquer limite a sua aplicação”. (ESTEVA,

2000, p. 74). Não será o desenvolvimento em si que acabará com os problemas das

sociedades. É impossível associar o insociável.

A lei da escassez sobre a qual a economia está baseada é um dos exemplos do

quão distante o aspecto econômico é da sociedade. Como citou Esteva:

“A „lei da escassez‟ foi elaborada por economistas para descrever a premissa técnica de que as necessidades humanas são imensas, para não dizer infinitas, enquanto que seus recursos são limitados, embora improváveis. A premissa pressupõe a necessidade de escolhas sobre a alocação dos meios (recursos). Este „fato‟ define o „problema econômico‟ por excelência, um problema cuja „solução‟, na proposta dos economicistas, encontra- se no mercado ou no plano governamental.” (Esteva, 2000, p. 75)

A solução dos problemas econômicos não é enxergada na sua própria elaboração,

pois é uma idéia capitalista baseada na propriedade privada e na exploração do

homem e da natureza. O governo está mais preocupado em resolver as crises dos

empresários e ignorar os pobres.

Os próprios capitalistas esnobam o Estado quando a situação econômica é

favorável, porém correm para ele como crianças quando estão perdendo o lucro e o

Estado, comitê da classe dominante, tira de muitos para dar a poucos.

O mercado em si é um conflito, por isso a preocupação em expandir o mercado para

sustentar o mais alto possível o nível econômico de certa classe, ironicamente,

social. Este é um ponto importante, já que não são apenas os subdesenvolvidos que

sofrem com o desenvolvimento; mesmo comunidades próximas ao centro ou em

áreas desenvolvidas estão prejudicadas com má distribuição de renda ou pela

exploração dos seus recursos naturais. Da mesma forma a classe A, os mais

favorecidos pelo progresso industrial e econômico são prejudicados, mesmo que em

menor proporção, pois estão na sociedade, agem e são atingidos por suas ações.

Todo o planeta e a natureza, especificamente, é um dos campos que sofre com a

exploração e a industrialização. “Os problemas ambientais, desta forma,

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ultrapassam a fronteiras nacionais, suas conseqüências são globais e os autores

envolvidos transcendem uma única região ou país” (MINIZ e SANT‟ANA JUNIOR,

2009, p. 256).

Apesar da própria natureza não conter seres racionais, ela é causada por eles e os

prejuízos a ela se refletem nas relações sociais, na saúde, nas habitações, na

cultura. “O caráter problemático desses processos adviria do fato de colocarem em

risco a existência da vida na Terra, e, portanto, a sobrevivência da própria

humanidade” (CARNEIRO, 2005, p. 31)

A percepção da incompatibilidade entre os processos produtivos e a preservação da

natureza foi difundida desde o século XVIII, porém intensificou- se após a segunda

metade do século XX. Nesse contexto que surge o desenvolvimento sustentável que

“considera necessário e possível compatibilizar o „desenvolvimento econômico‟

indefinido com a diminuição contínua das desigualdades sociais e a preservação dos

„recursos‟ e equilíbrios naturais” (CARNEIRO, 2005, p. 27).

Anteriormente o desenvolvimento sustentável foi denominado de re-desenvolvimento

e significava “desenvolver outra vez o que foi mal desenvolvido ou já está obsoleto.”

(ESTEVA, 2000, p. 71) A denominação mudou e o significado sofreu algumas

alterações, porém o objetivo continua o mesmo: sustentar o desenvolvimento

econômico e não a manutenção da diversidade natural e social.

Mesmo com todos os males da industrialização e do processo econômico, o

desenvolvimento sustentável demorou muito tempo para ser incorporado na agenda

dos Estados Nacionais.

Em 1987 a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD)

ao concluir os seus trabalhos, propôs que o desenvolvimento econômico fosse

integrado à questão ambiental elaborando uma nova idéia do desenvolvimento

sustentável, contrária ao re-desenvolvimento. A nova concepção seria:

“desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades dos presentes

sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias

necessidades.” (CMMAD, 1991 citado por MUNIZ e SANT‟ANA JUNIOR, 2009. p.

261)

Dessa forma a Comissão “caracterizou o desenvolvimento sustentável como um

„conceito político‟, um „conceito amplo para o progresso social‟” (MUNIZ e

SANT‟ANA JUNIOR, 2009, p. 261). Em 1922, na Conferência das Nações Unidas

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para Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), o conceito foi incorporado

definitivamente nas agendas 2197 dos países.

Este conceito e as justificativas que o construíram estão fundamentados na ideologia

do capital, que explica os problemas sociais e ambientais por fatores externos ao

processo produtivo. Dessa forma, a CMMAD em seu documento defende que a

solução está na diminuição do crescimento populacional ou no modo como os

países atrasados utilizam os recursos naturais.

Estas medidas, como outras que apenas ampliavam as desigualdades, também

foram defendidas na Conferência das Nações Unidas sobre o Homem e o Meio

Ambiente, realizada em Estocolmo, na Suécia, em 197298. Infelizmente não houve

uma discussão sobre o consumo nos países centrais, que se tornam isentos de

culpa, culpando os pobres pela degradação do planeta. A questão não é a

quantidade que é consumida, mas o modo como se apropriam do meio ambiente e

do próprio homem.

É maravilhoso pensar que pelo menos a parte que foi idealizada sobre as gerações

futuras foi posta em prática, no entanto desenvolvimento econômico e

sustentabilidade não são integrantes, mas contraditórios. Mesmo que, por exemplo,

na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como

Rio + 10, foram apresentados os três pilares do desenvolvimento sustentável:

desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental, como se

fosse possível essa integração, o lucro é o fim de tudo e a sustentabilidade se tornou

uma válvula de escape para mascarar o interesse em acumular riqueza cada vez

mais. Como declara Kurz (1997) citado por Carneiro (2005):

“[...] o conteúdo sensível da produção é submetido a um procedimento econômico

puramente quantitativo com aparência de uma lei física. A moeda trabalha como um

robô social que não é capaz de diferenciar entre o saudável e nocivo, feio e bonito,

moral e amoral. Sob a pressão do mercado, o empresário é obrigado a obedecer,

em todas as decisões, à racionalidade monetária [...] como um neurótico que,

possuído por uma idéia fixa, toma sempre o caminho mais curto entre dois pontos,

sem levar em conta o prazer ou a dor [...]” (Carneiro, 20005, p. 32-33).

Por isso a distinção entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento

sustentável, porque a sustentabilidade não pode ser considerada isoladamente.

Contudo, o crescimento econômico não pode ser traduzido em igualdade social e

em preservação do meio ambiente, já o desenvolvimento sustentável é totalmente o

97

Foi um dos principais resultados da Eco- 92.Estabeleceu a importância de cada país, incluindo

empresas, governo, organizações não- governamentais para cooperar com os estudos de soluções para os problemas ambientais. 98

Embora apareça pela primeira vez em 1987, através da CMMAD, suas bases somente foram instituídas na Conferência de Estocolmo de 1972

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contrário, visa a qualidade ambiental e de vida dos indivíduos. As palavras de Eder

Carneiro esclarecem essa contradição:

“Há, portanto, uma contradição estrutural inarredável entre, de um lado, a

reprodução social orientada para o aumento „indefinido‟ do volume de mercadorias e

de riqueza abstrata, expresso em „quantidades‟ de moeda, e, de outro, a

consideração das „qualidades‟ específicas dos elementos, seres, condições e

processos naturais da biosfera que se prestam a outros usos sociais e à própria

reprodução dessas condições e processos” (Carneiro, 2005, p. 33-34)

A questão é que os efeitos provocados pela demanda dos recursos naturais

(transformados em matéria-prima) e/ou territórios é superior aos investimentos na

conservação desses para as futuras gerações. A exploração ocorre desde o

momento da extração da matéria- prima e o pior é que não é repassado no valor da

mercadoria. É chamado “externalidade” que “exclui do cálculo econômico de

qualquer investimento produtivo suas conseqüências aparentemente relacionadas

ao produto desejado” (MUNIZ e SANT‟ANA JUNIOR, 2009, p. 256)

Então, o investidor se apropria dos benefícios e a população carente deve pagar os

prejuízos (poluição, desemprego, desigualdade etc.). Somente é socializada a

destruição causada pelo capitalismo. Claro que a distribuição da degradação é feita

pela lógica rentável, ou seja, onde há população de baixa renda e que não pode se

defender é despejado os impactos ambientais, desenvolvendo ainda mais pobreza,

pois esses países são praticamente forçados a aceitar os empreendimentos e seus

riscos.

Já que ironicamente rejeitando não se desenvolverão, pois progresso econômico é

sinônimo de industrialização e posteriormente serão prejudicados por estar isolados

do sistema financeiro que administra o mundo, o capitalismo. A palavra de Acselrad

(2004) citado por Carneiro (2005) ilustra muito bem isso:

“O capital [...] mostra-se cada vez mais móvel, acionando sua capacidade de escolher seus ambientes preferenciais e de forçar os sujeitos menos móveis a aceitar a degradação de seus ambientes ou submeterem-se a um deslocamento forçado para liberar ambientes favoráveis para os empreendimentos [...] o capital [dispõe] da capacidade de se deslocar, enfraquecendo os atores sociais menos móveis [...] desfazendo, pela chantagem da localização, normas governamentais urbanas ou ambientais, bem como as conquistas sociais [...] [assim] o capital especializa gradualmente os espaços, produzindo uma divisão espacial da degradação ambiental e gerando uma crescente coincidência entre a localização de áreas degradadas e de residências de classes socioambientais dotadas de menor capacidade de se deslocalizar.” (CARNEIRO, 2005, p. 37)

Assim as grandes empresas transferem indústrias poluidoras para países que não

possuem legislação adequada para se proteger e com poucos recursos financeiros,

porém com muita mão de obra barata; enquanto nos países centrais permanecem

as instituições de pesquisa. Isso ocorre por vários motivos e alguns já foram

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discutidos, como a explicação por fatores externos, também a necessidade de imitar

os países avançados bem como a idéia de que a industrialização pode solucionar os

conflitos ambientais. Quando na verdade é preciso questionar sobre: será que esse

sistema apenas causa problema de reposição ou destrói a natureza?

Enquanto tudo isso ocorre os grandes empresários declaram a idéia de que “é verde

o ano inteiro”, pela concepção e defesa do desenvolvimento sustentável. No entanto,

as medidas em prol desse ambiente são pequenas comparadas com tanto que é

tirado. Concentrado, principalmente, na última etapa de produção, o consumo, por

isso a reciclagem é divulgada como salvadora do mundo quando todo o processo

anterior é camuflado para a maioria da população.

Ou, então, é comum destinar pouco do valor da mercadoria para a preservação do

ambiente ou para projetos sociais. Mas, é claro que já estava calculado para não

prejudicar o lucro e muitas vezes os investidores não fazem essas ações porque

querem, como foi dito anteriormente, compartilhar as benções recebidas. Na

verdade, muitos impostos são retirados ou diminuídos por causa dessas ações e é

uma forma de amenizar os estragos à sociedade, mesmo que o Estado, ou melhor,

a sociedade, tenha que pagar, por isso. Já que, quando se retira o imposto, a

sociedade está novamente pagando por algo que ela já pagou e foi afetada. Ou seja,

o estado paga para que as empresas corrijam os estragos feitos ao meio social

como um todo.

Até mesmo os gastos em políticas ambientais são considerados improdutivos,

apenas necessários para continuação do acúmulo de riqueza. As coisas naturais

são vistas a partir da racionalidade econômica e somente são importantes se forem

convertidas em matéria- prima ou recurso natural para produção de lucro. Como

explicou Eder Jurandir Carneiro:

“uma montanha não é uma referência geográfica ou uma paisagem a que se está afetivamente vinculado [...] sim um conjunto naturalmente produzido de matérias- primas (minérios, madeiras) e condições (o solo, a forma do relevo).” (CARNEIRO, 2005, p.33)

O interesse com o uso das condições naturais para a produção de mercadorias de

forma planejada não se trata de uma invenção das últimas décadas; desde o século

XIX intelectuais e políticos já elaboravam propostas para o uso “racional” dos

recursos naturais e das condições naturais para o desenvolvimento econômico.

Contudo, a destruição ambiental e social que prejudicaram a utilização dos meios

naturais na produção forçou a elite a afirmar e apoiar projetos para o uso “racional”

dos recursos. Apesar das desigualdades construídas pelo crescimento econômico a

visão desenvolvimentista de progresso e incorporação dos países do terceiro mundo

continua; apenas almejam reverter o quadro, ou seja, amenizar, no entanto, não

transformar a estrutura econômica.

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Por esse motivo, o desenvolvimento sustentável é avaliado como doxa , pois como

afirma Bourdieu o doxa “ é um ponto de vista partcular, o ponto de vista dos

dominantes que se apresenta e que se impõe como ponto de vista universal.”

(BOUDIEU,1994, citado por ZHOURI, LASCHEFSKI e PEREIRA ,2010, p.40).

A própria palavra “racional” na expressão “uso racional” deve ficar entre aspas, pois

na verdade é utilitarista e acumulativa. A doxa sustentável e desenvolvimentista

constrói um “inconsciente sobre o silêncio”, ignoram-se as perdas do progresso

econômico para realizar parcerias em busca do capital com a linguagem da

sustentabilidade.

Através da ideologia do desenvolvimento a economia da acumulação e a produção

de mercadorias são distanciadas das discussões. A teoria desenvolvimentista e

sustentável é manuseada por interesses particulares e muitas vezes em uma

linguagem técnica que permite à poucos participar dos debates. Através das lutas

nas quais adversários se declaram fiéis ao desenvolvimento sustentável, tornam-se

cúmplices na medida em que fortalecem a noção de desenvolvimento sustentável e

validam essa noção aquém de qualquer questionamento. Portanto, a doxa do

desenvolvimento sustentável é produto dos conflitos nas questões ambientais.

Além disso, há outros meios de manipular a concepção coletiva de desenvolvimento

e sustentabilidade, como os meios de comunicação de massa. As propagandas da

Vale são exemplos de falsa consciência, quando afirma ações para o benefício do

Maranhão, quando na verdade a exploração é maior e a população não tem

conhecimento do funcionamento da empresa e até mesmo do poder de

convencimento da mídia.

O conceito doxa (crença comum, opinião popular) surgiu em oposição à epísteme

(saber verdadeiro) e expressa os conflitos do desenvolvimento e da

sustentabilidade, como pôde ser analisado durante todo o texto. Portanto,

incorporou-se na consciência coletiva uma falsa idéia de desenvolvimento e

sustentável que permite a reprodução de mercadorias e desse modo não somente

ocorre o consenso entre os adversários no capitalismo como fortalece o discurso e

as práticas pela própria inconsciência, reforçando a doxa.

As estratégias de desenvolvimento sustentável geraram todo um sistema regulatório

e institucional como fóruns internacionais ou nacionais; legislações ambientais;

mecanismos de licenciamento ambiental. Já no setor privado há o desenvolvimento

de novas tecnologias ditas ambientais e empresarias. Na verdade, as parcerias são

as novas estratégias de confronto, sendo que o foco deixou de serem as empresas

em si, mas as políticas ambientalistas prejudiciais ao meio ambiente e as

populações mais atingidas.

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Com o discurso da sustentabilidade, o ambiental vira mercadoria; nas empresas

existem as gestões ambientais que se especializam em desenvolver produtos não

prejudiciais ao meio ambiente. Mas, também, o que se desdobra dessa nova

iniciativa é que essas mercadorias incrementam o mercado, tornando- o mais

competitivo. Com isso há uma tomada de consciência, porém continua contraditório,

pois seguem outros fatores que afetam a vida no planeta.

Com essas medidas até parece que a solução está na mão do mercado, mas na

verdade não está, é muito mais complexo. Quando, na realidade, muitas dessas

empresas não estão preocupadas com a sustentabilidade, mas com o lucro que

esses produtos irão trazer. Como Andréa Zhouri e Klemens Laschefski (2010, p.14)

declararam: “A maior parte das ações ambientalistas tem se concentrado nos

esforços para uma espécie de „pedagogia‟ voltada para o esverdeamento do

empresariado, ou seja, estratégias de convencimento para adoção de planos de

gestão ou manejo ambiental.”

Também as tecnologias inventadas pelos homens são totalmente antiecológicas.

“Assim, por exemplo, a produção e o uso de automóvel pela queima de combustíveis

fósseis, implicam necessariamente a produção de impactos ambientais

extraordinários” (CARNEIRO, 2005, p. 33) Portanto, seria necessário criar novas

tecnologias, o que com certeza muitos não querem fazer; justificativas não faltam:

custa muito caro, demora muito tempo, etc.

De certa forma, necessitaria alterar o próprio sistema, pois o capitalismo não existiria

se não houvesse propriedade privada e desigualdade na distribuição dos lucros e

nas relações de produção. Por exemplo, o desemprego que apenas altera a taxa

para mais ou para menos, porém sempre haverá porque o capital é desigual em si

mesmo.

Órgãos da sociedade civil fazem frente em defesa de uma sociedade mais justa

através de ONGs, movimentos, protestos, votos, etc., Na verdade, esse sistema

ainda não explodiu porque há instituições e pessoas atuando em vários pontos do

processo de produção.

O Estado deveria ser cem por cento em defesa dos pobres, contudo sua atuação é

importante para essa manutenção socioeconômica contraditória. “A mediação

estatal faz-se presente para assegurar o provimento das condições naturais como

condição da produção capitalista, ao mesmo tempo, deve responder às pressões de

classes e grupos sociais interessados em outros usos das condições naturais”

(CARNEIRO, 2005, p. 29).

A posição do Estado é ambígua, “de um lado, surge como implementador das

políticas conservacionistas autocráticas que acirram conflitos ambientais; por outro

lado, surge como mediador que, por vezes, se posta ao lado das populações

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atingidas.” (ZHOURI e LASCHEFSKI,2010, p.17). Esse comportamento do Estado

prejudica as diferentes populações ameaças, pois estas sofrem com a instabilidade

do sistema, já que são considerados como entraves ao desenvolvimento.

Portanto, o Estado fica em cima do muro, só que mais para o lado do capital, como

Weber falou o próprio Estado é uma empresa e nesse sistema não é de todos, mas

de poucos. É uma das estratégias dos empresários é terem defensores no governo,

afinal, o Estado é uma proteção aos investimentos e ao mesmo tempo necessita

destes em seu território. As palavras de Kurz (1997), citado por Carneiro, (2005)

revelam essa integração entre Estado e Mercado: “[...] quanto mais total for o

mercado, tanto mais será o Estado; quanto maior economia de mercadorias e de

dinheiro, tanto maiores serão os custos anteriores, os custos secundários [...] e tanto

maiores serão também a demanda financeira do Estado.” (CARNEIRO, 2005, p. 30).

O Estado repõe constantemente aspectos que são condições para o funcionamento

do sistema como: “o provimento de „agregados infra-estruturais‟; o tratamento dos

„problemas sociais‟ (saúde e seguridade para idosos, doentes, etc.) e ecológicos; a

concessão de subsídios e protecionismo contra a concorrência estrangeira”

(CARNEIRO, 2005, p. 35). E, muitas vezes, é ignorado sendo convocado apenas em

momentos de crise.

Ou, então, por meio da globalização livram-se do Estado, porém isso corrói quem

regula, já que há liberdade dos tributos para a exportação, por exemplo, contudo

enfraquece o Estado para proteger nas condições gerais á continuação do processo

de acumulação. Por isso, o Estado é submisso às normas da economia global o que

dificulta um direcionamento político em defesa da diminuição do ritmo de destruição

do planeta.

Concluindo, realmente deve haver voz em defesa de uma melhor qualidade de vida

e em defesa da natureza. Contudo, é uma ilusão que possa haver um consenso

entre crescimento econômico e desenvolvimento sustentável. Pois, o discurso

sempre está limitado ao econômico; a questão não é a privatização dos recursos ou

as multas pela poluição, está além do econômico. Somente com a “abstração que se

faz a respeito do conteúdo „daquilo‟ que se desenvolve” (CARNEIRO, 2005, p. 36) é

possível acreditar e praticar a integração entre os dois mecanismos.

REFERÊNCIAS

CARNEIRO, Eder Jurandir. Política ambiental e a ideologia do desenvolvimento

sustentável. In: ZHOURI, André; LASCHEFSKI, Klemens; PEREIRA, Doralice

Barros. A insustentável leveza da política ambiental – desenvolvimento e

conflitos socioambientais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. pp. 27- 47.

ESTEVA, Gustavo. Desenvolvimento. In: SACHS, Wolfgang (editor). Dicionário do

desenvolvimento: guia para o conhecimento como poder. Trad. Vera Lúcia M

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JOSCELYNE, Susana de GYALOKAY e Jaime. CLASEN. Petrópolis, RJ: Vozes,

2000. PP. 59 -83.

SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio de Antunes; MUNIZ, Lenir Moraes. Desenvolvimento

sustentável: uma discussão crítica sobre a proposta de busca da sustentabilidade

global. In: SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio de Antunes; PEREIRA, Madian J. F; ALVES,

Elio J. P; PEREIRA, Carla R. A (Org). Ecos dos conflitos socioambientais: a

RESEX de Tauá- Mirim. São Luis: EDUFMA, 2009, p. 255-276.

SILVA, Maria das graças e. Questão ambiental e desenvolvimento sustentável:

um desafio ético-político ao Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2010. Cap. 3. P. 162-

214.

ZHOURI, Andréa;LASCHEFSKI, Klemens. Desenvolvimento e conflitos ambientais:

um novo campo de investigação. In: ZHOURI, Andréa;LASCHEFSKI, Klemens

(Org.). Desenvolvimento e conflitos ambientais – Belo Horizonte: Editora UFMG,

2010.p 439-462.

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19 LEIS DE TERRAS 1850 (BRASIL) E 1969 (MARANHÃO) E SUAS

CONSEQUÊNCIAS PARA POVOS E GRUPOS SOCIAIS TRADICIONAIS:

CONTEXTUALIZAÇÕES, DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS, UMA PERSPECTIVA

HISTÓRICA.

Tamires Rosy Mota Santos99; Polliana Borba100; Horácio Antunes de Sant‟Ana

Júnior101

RESUMO

O modo de colonização do país concretizado através dos movimentos de entradas

das bandeiras, dentre outros, objetivava não somente o conhecimento do território,

mas também a procura de fontes de riqueza para o colonizador. O século XIX

transformará os paradigmas até então conhecidos, a recém-nação independente

viverá seus momentos de adaptação. A valorização da terra presente nos diversos

discursos, na metade do século XIX terá respaldo jurídico com a criação da lei nº

601 de 1850 que estabeleceu o direito agrário brasileiro de modo a disciplinar as

regras da propriedade de terra. Segundo esta lei só poderia ser dono de terras quem

comprovasse haver comprado a propriedade. Esse foi o passo para as demais leis

que tratassem das terras conhecidas como devolutas. No Maranhão, a lei de 1969,

semelhante a lei de terras de 1850, dará continuidade ao processo de expansão e

modernização do Brasil. Nessas premissas cabe observar contextualizações,

semelhanças e implicações dessas leis para povos e grupos sociais tradicionais

envolvidas no processo. O interesse da nossa discussão é que a lei de terras do

Maranhão, da mesma forma que a lei de 1850, concretiza um plano para

modernização da agricultura e assegura a posse da terra aos grandes latifundiários.

Palavras chaves: terra; modernização; expansão agrícola; comunidades

tradicionais.

99

Graduanda em História pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA); membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) coordenado pelo Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior, Profa. Dra. Madian de Jesus Frazão Pereira e Prof. Msc. Bartolomeu Rodrigues Mendonça (PPGCSoc/UFMA). 100

Graduanda em História pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA); membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) coordenado pelo Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior, Profa. Dra. Madian de Jesus Frazão Pereira e Prof. Msc. Bartolomeu Rodrigues Mendonça (PPGCSoc/UFMA). 101

Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC/UFMA) e coordenador do

Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA).

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda uma temática já discutida por intelectuais da área

sociológica e jurídica, quando trabalha com assuntos que dizem respeito aos meios

de como se obtém a propriedade. O que demonstramos nesse artigo trata-se de

uma abordagem histórica de como as impressões do passado refletem no presente

os efeitos de leis que elaboradas num dado momento da história legam suas

conseqüências na contextualização contemporânea. Cabem observações, então de

como as representações dos discursos utilizados em dado período satisfazem na

forma de construção e legitimação de interesses de uma classe dominante.

De acordo com Linhares,

“No Brasil, a história agrária não tem sido a preferida dos historiadores, e tão pouco do grande público. Afinal de contas é uma história sem heróis, sem grandes políticos e sem batalhas. Seus atores são anônimos trabalhadores do campo, escravos do eito, pequenos ocupantes de glebas quase sempre provisórias. São também grandes fazendeiros e latifundiários. Sua vida, no caso brasileiro, tem sido, no entanto, muito mais marcada pela escassez do que pela abundância. Seus atores foram homens e mulheres, meros figurantes, que ocuparam a fronteira aberta, que povoaram o interior do país e alargaram os horizontes de um novo mundo.” (2002, p.141)

Ou seja, serão deixados de lado os principais atores da construção histórica. No

Brasil por diversos momentos atuaram como meros figurantes, sendo postos a

margem da história e mesmo quando participantes fundamentais nos principais

acontecimentos não foram reconhecidos e sim tidos como desordeiros e subversivos

contrapondo-se a ordem vigente.

Assim reafirmamos as palavras de Linhares (2002), quando ocultamos os agentes

construtores da história agrária. O Brasil suplantará esses agentes não somente de

forma coercitiva, mas também de uma forma constitucionalizada. Para tal afirmação

abordaremos a Lei de Terras de 1850, criada durante o período imperial no Brasil, e

a Lei de Terras de 1969 no Maranhão, conhecida como Lei Sarney.

Ambas comungam do processo de expansão e modernização do Brasil. Sendo

então caso de estudo as contextualizações, semelhanças e implicações dessas leis

para povos e grupos sociais tradicionais. Tais grupos encontram-se no limite de seus

territórios sendo engolidos pelos interesses de determinadas (im) posições político-

econômicas. Com isso expõe-se que a lei de terras do Maranhão, da mesma forma

que a lei de 1850, concretizou de forma mais rápida e legal processos de

“desapropriação” de terras tidas como devolutas seguindo diretrizes de

modernização da agricultura e também como formar de assegurar a posse da terra

aos grandes latifundiários.

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2 TERRA COMO FUNDAMENTO

A expansão ultramarina é o passo primordial para as novas descobertas, o

explorador parte em busca daquilo que melhor seja aproveitado para sua “nação de

origem”. As primeiras descobertas de terras aguçam a ambição dos desbravadores

em busca de riquezas minerais e matérias-primas para serem utilizadas no Velho

Mundo.

O “achamento” da terra que viria a ser chamado Brasil envolveria não somente a

exploração das terras e suas riquezas como também a “domesticação” dos nativos

que viviam no território. O descobridor toma posse da terra e impõe seu modo de

vida e constrói a partir desse momento sua história anulando a dos demais povos.

De acordo com Victor Asselin (2009), o Brasil perde sua autonomia territorial no

momento em que os portugueses aqui aportaram, não falamos somente de território,

mas também de uma gama de histórias que se perdem na ocultação do ser inferior

em exaltação do europeu, o colonizador.

A história será escrita por aqueles que precisam ser lembrados, ou seja, de forma

alguma veremos a resistência dos que lutam por manter-se no tanto no local de

moradia como pela própria sobrevivência, independente do grupo a qual pertença –

o índio, o negro, os menos abastados, entre tantos sem nome – continuaram a

serem excluídos da construção da nação brasileira.

Construção essa que perpassa pelos anseios de muitos, no entanto poucos seriam

os favorecidos. O ponto fundamental da história brasileira encontra-se em saber

quem é dono do que e a quem pertence a terra “descoberta”, a seus habitantes -

nativos sem fé, sem lei e sem rei102 - ou aos “descobridores” - sociedade civilizada?

Nesse momento constitui-se o conflito que por mais de séculos seria resolvido a

ferro e fogo e também a pedra no sapato da nação chamada Brasil.

No decorrer da história, observa-se o quanto a terra será vista como motivo de

extremas disputas, em um primeiro momento entre o nativo e o “descobridor”, em

seguida por demais nações na busca por mais territórios e muito mais tarde entre

empreendimentos desenvolvimentistas e comunidades tradicionais103. A importância

desse bem para as sociedades distingue-se em seus valores ora tida como meio de

subsistência ora como mercadoria, para tais casos, em geral, encontra-se a

resistência daqueles que acreditam fazerem parte da defesa do que se teve em

102

Sobre isso ver MELLO E SOUZA, Laura. História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 103

Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais; que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição (...). (Decreto SNUC n° 6040 apud SANT`ANA et all, 2009, p.115)

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algum momento: a liberdade de escolha de moradia e pertencimento ao lugar em

que se vive.

O fundamento primordial das sociedades em se manterem em determinada

localidade encontra-se no que essa pode lhes oferecer, com isso fixam não somente

pessoas, mas além de tudo histórias que se entrelaçam com o meio no qual se

encontra inserido. Torna-se nesse momento difícil compreender como um vasto

território pertence a tão poucos donos, enquanto outra maioria sofre as impunidades

impostas pelos dominantes e pela dura realidade de se viver a mendigar um pedaço

de chão onde se possa trabalhar e sobreviver.

As lutas relatadas na historiografia não tratam apenas de manutenção da ordem,

pois de acordo com Victor Asselin (2009), os vários povos que aqui chegaram, entre

dominadores e escravizados construíram suas histórias em meio ao poder e a glória,

a humilhação, a luta e a sangue, ou seja, não é somente uma questão de espaço

preterido, mas de superioridade e dominação.

3. TERRA COMO MERCADORIA: LEI N° 601 DE 1850, NO BRASIL IMPÉRIO

O século XIX foi um período de modificações no Brasil, pois compreende o

pensamento de construção do Estado Nação a partir de um olhar desenvolvimentista

(progressista) dando enfoquepara as estruturas de poder, para a manutenção das

desigualdades e para a concentração da riqueza nas mãos de poucos, para

iniciativas de fazer e para as repressões desse fazer.

De acordo com Hobsbawm (2011), a terra será motivo determinante para a vida ou

morte dos seres humanos, ainda que essa contextualização não seja de referência

ao Brasil observamos indícios de conflitos em muitas regiões brasileiras, sendo que

suas pontuações não fogem ao período descrito no texto, além disso, recordamos a

intensa necessidade do Brasil em busca do crescimento econômico que de acordo

com o autor citado “a grande camada de gelo dos sistemas agrários tradicionais e

das relações sociais do campo em todo o mundo cobria o fértil solo do crescimento

econômico” (p. 240).

Hobsbawm (2011) chama atenção para as mudanças que precisam ser feitas em

relação aos sistemas descritos acima, categorizando três tipos de mudança, na qual

apenas abordaremos duas:

“Em primeiro lugar, a terra tinha de transformada em uma mercadoria, possuída por proprietários privados e livremente negociável por eles. Em segundo, tinha de passar a ser propriedade de uma classe de homens desejosos por desenvolver seus recursos produtivos para o mercado e estimulados pela razão, isto é, pelos seus próprios interesses e pelo lucro (...).” (p. 240).

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239

Com isso observamos que o Brasil não era exceção em preocupar-se com as terras

devolutas em seu vasto território, assim como de determinar o legítimo dono da

terra. Essa valorização da terra, presente nos diversos discursos, na metade do

século XIX terá respaldo jurídico com a criação da lei Nº601 - Lei de Terras de 1850

- promulgada pelo Império, que teve como “objetivo disciplinar o sistema fundiário.

Na prática pretendeu-se com isso, discriminar as terras públicas das particulares

liberando, assim, as terras devolutas para empreendimentos governamentais.”

(COELHO, 1990, p.107). A partir de então, a compra de terras passou a ser a única

forma de adquiri-las, possibilitando a posse destas somente aos mais abastados,

oficializando o latifúndio.

A Lei de Terras de 1850 colocaria um “fim às formas tradicionais de adquirir terras

através de posses e através de doação da Coroa” (VIOTTI, 1994, p.140, apud

TAGLIETTI, s/a), assim como pôs em questão preocupações quanto à substituição

de mão-de-obra, pois no mesmo ano tornou-se oficializado o fim do Tráfico de

Escravos Africanos, pela Lei Euzébio de Queiroz, por pressões inglesas. Essa lei

dificultava a reposição da mão-de-obra e a continuidade do sistema de produção.

A Lei de Terras de 1850 teria também como um dos objetivos subentendidos a

expansão da lavoura, que seria prejudicado com a escassez da mão-de-obra, no

entanto, poderia a vir ser suprimido pela importação dessa. De acordo com Pedrosa,

“o novo regime do trabalho livre impunha não somente uma política de importação

de mão-de-obra, como também a manutenção do emergente meio de produção (a

terra) nas mãos dos mesmos privilegiados”. (s/a, p.5) Ou seja, o regime de trabalho

poderia ser diferente, mas continuaria a manter as mesmas posições do regime

anterior, a manutenção da elite.

Segundo o artigo primeiro da lei n°601 de 18 de setembro de 1850, “Ficam proibidas

as aquisições de terras por outro título que não seja o de compra”, instituiu-se a

partir desse momento, a terra como mercadoria, crescendo o monopólio sobre o

latifúndio. A propriedade capitalista não visa a terra como patrimônio comum, como

um bem natural seu princípio baseia-se na exploração que o capital exerce sobre o

trabalhador, este sem instrumentos para auto se sustentar passa a viver sob as

rédeas da ordem capitalista.

Segundo Martins, “o capital se apropria da terra, esta se transforma em terra de

negócios, em terras de exploração do trabalho alheio, quando o trabalhador se

apossa da terra, ela se transforma em terra de trabalho.” (1991, p. 55). Lembramos

que essa mercadoria não estava acessível a todos que dela precisassem as leis até

então não foram criadas para uma minoria, não incluem os índios em sua sociedade

já formada e nem o escravo, tanto o liberto quanto fugitivo, que passam a formar

quilombos em áreas distantes não só como forma de sobrevivência, mas também

como forma de resistência.

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240

Em contrapartida a propriedade familiar, como as dos pequenos lavradores,

quilombolas, indígenas e arrendatários e outras populações tradicionais que

sobrevivem de sua pequena propriedade, não visam lucro apenas sua subsistência,

esses grupos são dinamicamente envolvidos em seu meio social, “os seus ganhos

são ganhos do seu trabalho e do trabalho de sua família e não ganhos de capital,

exatamente porque esses ganhos não provem da exploração de um capitalista sobre

um trabalhador expropriado dos instrumentos de trabalho.” (MARTINS, 1991, p. 54).

Sendo assim não é de possível compreensão as populações do período o novo

regime de compra de terras, pois beneficiava apenas aos mais abastados,

assegurando-lhes a posse. Os que na terra viviam, na maioria das vezes não

detinham condições de obter-la, ocasionando números de pessoas que continuariam

na terra, mas sob a tutela de um senhor e aos novos trabalhadores livres resta

novamente a submissão.

4 USURPAÇÃO DA TERRA: LEI N°2979 DE 1969 NO MARANHÃO

Na vigência do regime militar, o Maranhão vive o período autodenominado de "Maranhão Novo". O "moderno" aparece como sinônimo de um aparelho burocrático racional e de uma nova ordem político-administrativa voltada para a construção de um projeto para o estado. Esta política do desenvolvimentismo teve o seu ponto alto com a criação da SUDEMA (Superintendência de Desenvolvimento do Maranhão), que se constituiu no espaço de convergência das várias ações do governo (configurada numa infra-estrutura moderna de transportes, construção do porto e modernização conservadora de uma estrutura fundiária, todo este pacote apresentado como condição do desenvolvimento do Estado). (BARBOSA, s/a, p.03)

O contexto maranhense descrito acima é o período em que a nova ordem política

não somente almeja como colocaria em prática seus projetos de modernizar a

agricultura do estado com o apoio de grandes investimentos levariam adiante a ideia

de implantar um padrão moderno de manejo agrícola e pecuário.

O Maranhão do período dos anos 60 é um retrato da pobreza, da fome e do

abandono da população e descaso das autoridades, tornando-se terreno apropriado

para que fosse possível concretizar os anseios de melhoria divulgados nos discursos

da política104. Em contrapartida começa uma verdadeira expulsão em massa dos

camponeses de suas terras, para darem lugar a essas melhorias, ocasionando

também um inchaço populacional urbano da cidade.

Os projetos arquitetados pela ordem política nacional envolveriam também o estado

do Maranhão, foi o tempo da criação da infra-estrutura onde viabilizava a construção

de estradas para beneficiamento dos futuros empreendimentos, com isso

acalentava-se o sonho de mudança da realidade social.

104

Sobre isso ver Rocha, Glauber. Maranhão 66. 1966, documentário.

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Para tais interesses concretizados, fez-se necessário a utilização da legislação

criando-se durante o período de governo de José Sarney a “Reserva Estadual de

Terras, pelo decreto 3.831, de 6 de dezembro de 1968, e seus órgãos as Delegacias

de Terras no interior do estado ligadas a Secretaria da Agricultura, (...). as

delegacias não tiveram outro objetivo a não ser de disciplinar a ocupação e o de

titular as aéreas.” (ASSELIN, 2009, p.152). As terras nesse momento deixam de ser

de domínio publico para serem de domínio privado.

Seguidamente a esse ato é elaborada a “Lei 2.979 regulamentada pelo decreto

4.028, de 28 de novembro de 1969. Com a nova lei, facultava-se a venda das terras

devolutas sem licitação, a grupos organizados em sociedades anônimas, sem

número limitado de sócios podendo requerer cada um até 3.000 hectares”

(ASSELIN, 2009, p.152).

Conseguinte,

A terra como valor de troca foi, sistematicamente, concentrando a maior parte de terras agricultáveis nas mãos de poucos. Prática que ao mesmo tempo expulsa homens e mulheres que se definem como camponeses, deixando-os (as) sem terra e sem trabalho. O processo que mostra a concentração fundiária é o mesmo que mostra a resistência dos trabalhadores e trabalhadoras sem terra, que buscam se organizar para lutarem pelo direito de ter uma vida digna no campo. A realidade conflituosa do campo maranhense revela dois aspectos importantes da questão agrária no estado. O 1º é a concentração fundiária. O 2º é o descontentamento das famílias camponesas que ao serem expulsas do seu lugar de trabalho e de vivência, resolvem lutar pelo direito de viver e trabalhar dignamente no campo. (ALMEIDA, 2008, p.14)

A distribuição das terras, como fica claro na citação acima visa um pequeno grupo

privilegiado de interesses econômicos restritos, a lei legitimava essa distribuição de

terras públicas a particulares sob a alegação da existência de terras devolutas.

Assim como destacará a inexistência de grupos de pessoas no território a ser

desapropriado, sob alegação de serem terras para negócios.

Esse contraponto da inexistência de grupos sociais expõe dois fatores em destaque,

sendo o primeiro conhecido como grilagem (uso privado de terras devolutas) que a

partir dessa lei torna-se regulamentado “formalmente” e o segundo é a intensificação

de conflitos entre grileiros e os que serão denominados posseiros. Sendo assim,

concordamos com Victor Asselin (2009) quando trata a lei de terras como uma forma

de oficializar a inutilidade do lavrador em desenvolver o Estado, pois essa tarefa

seria somente conseguida através dos capitalistas.

A modernização acelerará o processo de violência já presente nas regiões do

interior maranhense, a expulsão das famílias tradicionais nas localidades almejadas

será o ápice para a guerra entre essas e o que se dizem donos das terras. O

desenvolvimento é palavra de ordem, pois,

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Diz o art. 14, caput, da Lei 2.979/69: “Não serão alienadas nem concedidas terras a quem for proprietário rural no Estado, cuja área ou áreas de sua posse ou domínio não sejam devidamente utilizadas com explorações de natureza agropecuária, extrativa ou industrial.” (PEDROSA, s/a, p. 19)

Sendo assim, fica expresso legalmente que os trabalhadores rurais em suas

pequenas posses não estavam incluídos nesse meio desenvolvimentista. O

interesse do Estado mais parecia voltado a satisfazer grupos de investidores, pois o

passo seguinte seria a oferta dessas terras, de acordo com Pedrosa, “as Empresas,

grupos de fora do Maranhão, foram atraídas mediante anúncios de terras

baratíssimas, sem concorrência pública e sem leilão, a preços vantajosos, sem juros

e sem correção monetária.” (s/a, p. 19).

Ou seja, estava fácil demais para as empresas conseguirem apropriar-se das terras

para implantarem seus investimentos. Novamente observamos os interesses dos

privilegiados da ordem política sendo expostos e o discurso do bem comum do

direito a propriedade a todos, ao livre arbítrio dos que mandam e detém o poder.

A Lei de Terras, no Maranhão, ficou conhecida como Lei Sarney de Terras, por ser

uma das principais medidas tomadas durante seu governo que auxiliou na

construção territorial do Maranhão que conhecemos hoje. Devido a essa, muitos

empreendimentos e novas localidades surgiram no território sendo acompanhados

de conflitos fundiários.

5 CONSIDERAÇÕES

Camponeses! Arranquem a máscara desses lobos disfarçados de cordeiros, que vos embalam com belas palavras como “liberdade”, “igualdade”, “unidade da democracia do trabalho”, e que, na prática, defendem a “liberdade” para os latifundiários oprimirem os camponeses, a “igualdade” entre os capitalistas abastados e os trabalhadores e camponeses esfomeados, (...). (LENIN, 1980, p.7)

A respeito dos problemas latifundiários, é possível ressaltar que não são recentes,

no entanto quando observados, em geral satisfazem grupos de pessoas de um

determinado sistema, seja econômico, político ou social. É através do discurso

inferido por esses que se baseiam palavras que alimentaram os anseios de ordem

de qualquer que seja a sociedade.

A legislação adotada durante o período imperial, como vimos, dedicava-se ao fato

da expansão territorial, assim como já demonstrava preocupações com o

desenvolvimento das lavouras, ou seja, em nome de um bem maior - a construção

de uma nação moderna e civilizada - excluem-se os demais não interessados no

processo. Percebe-se, nas políticas desse período, posições de significativa

relevância para resolver a questão, a exclusão total desses elementos do âmbito

legal e social.

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Observamos resquícios do processo legislativo tanto da colônia quanto do Império -

referentes à problematização da terra - como falhas legadas a atual política agrária,

esta que nunca foi elaborada para o bem estar geral da nação, como prever a

constituição. Diante disso, entendemos ser de grande relevância para a história,

assim como para todas as áreas de ciências sociais e humanas, o estudo da

realidade agrária, pois não se trata só de relatar ou fazer-se conhecer os conflitos,

mas entender e dar início a medidas que possam mudar o cenário vivido para que

se possa evitar a repetição.

No entanto, a cada dia o tempo presente desfaz o futuro dos que desejam melhorias

para populações que são excluídos da construção da história ou expulsos do local

de origem na alegação de um bem comum, o desenvolvimento. Nesse momento

necessita-se pensar qual o significado dessa palavra e quando a humanidade

chegará ao fim desse acelerado progresso.

Constatamos que o país esta sempre em busca do desenvolvimento e que o Estado

apoiará processos como a grilagem e a regulamentação de leis que privilegiem

pequenos grupos. As leis expostas no trabalho definem em seu objetivo o quanto o

estado nação estava interessado em acompanhar o ciclo econômico de crescimento

presente nos séculos. Ao entrarem em vigor, as observações fazem se necessárias

devido ao contexto diferente em que se inserem, pois os objetivos ora serão

comuns.

A Lei de terras de 1850 é recorrente de uma crise na mão-de-obra, como vimos logo

se tornaria escassa. Enquanto a Lei Sarney principiava desenvolver o Estado

através da expansão agrícola com o auxílio e implantação de grandes

industrializações. Enquanto a primeira busca assegurar a posse da terra aos seus

donos - ainda que favorecesse apenas o grande proprietário - a segunda tratará de

por a venda qualquer pedaço de chão que não possa participar do sonho de

modernização. Ao longo desses períodos de construções legislativas se nota a

expulsão dos mais diversos grupos sociais de suas áreas de origem, pois esses são

tidos como grandes obstáculos.

Com isso, percebe-se que por vezes as contextualizações diferem, mas os objetivos

possivelmente sejam mais semelhantes que o esperado, pois tanto a lei de 1850,

promulgada durante o Império, quanto a lei de 1969, no Maranhão foram impostas

em um período de modernização da agricultura em que o princípio básico estava

assegurar a posse da terra para a elite dominante.

As aproximações direcionam a se pensar a realidade desse século e o quanto essa

se apresenta sujeita ao passado, observando o quanto regulamentações “tão

drásticas” influenciam na vida de centenas de pessoas e o responsável por ampará-

las, é o principal progenitor dos inconvenientes.

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REFERÊNCIAS

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política maranhense. São Luís, 2008

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Imperatriz, MA: Ética, 2009.

BARBOSA, Zulene Muniz. As “temporalidades” da política no Maranhão. [artigo

científico]. Disponível em: <http://

www.pucsp.br/neils/downloads/v9_artigo_zulene.pdf>. Acesso em: 11 maio 2012.

MELLO E SOUZA, Laura. História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida

privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

COELHO, Elisabeth Maria Beserra. A Política Indigenista no Maranhão

Provincial. São Luis, SIOGE, 1990.

HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções, 1789-1848. São Paulo, Paz e Terra,

2011.

LENIN, V.I. Como iludir o povo. Global Editora e Distribuidora LTDA, 1980.

LINHARES, Maria Yedda Leite. Possibilidades da história comparada no Brasil. A

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Leonardo (org.). O campesinato na história. Rio de Janeiro, FAPERJ, 2002.

MARTINS, Jose de Souza. Expropriação e violência: a questão política no

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SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; PEREIRA, Madian de Jesus F.; ALVES,

Elio de Jesus P.; PEREIRA, Carla Regina A..Ecos dos conflitos socioambientais:

a Resex de Tauá-Mirim. São Luis, EDUFMA, 2009.

PEDROSA, Luis Antonio Câmara. A questão agrária no Maranhão. [artigo

científico]. <http:// www.abda.com.br/texto/LuisACPedrosa.pdf>. Acesso em:

11maio 2012.

TAGLIETTI, Dablio Batista. A natureza social e econômica da Lei de Terras de

1850. [artigo científico]. <http:// www.sicoda.fw.uri.br/revistas/artigos/1_3_35.pdf>.

Acesso em: 11 maio 2012.

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20 RESERVA EXTRATIVISTA DE TAUÁ-MIRIM: DISTINTOS AGENTES EM

DISPUTA

Tayanná Santos Conceição de Jesus105; Horácio

Antunes de Sant‟Ana Júnior.106

RESUMO

Com a implementação de grandes projetos de desenvolvimento no Maranhão a

partir dos anos 1970, as populações afetadas pelos mesmos empreendem

diferentes estratégias para preservarem suas vivências, contudo os interessados

nos projetos também criam meios para conseguir seus intentos. O presente trabalho

tem por objetivo analisar as diferentes lógicas dos agentes envolvidos nos conflitos

em torno da constituição da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim (Zona Rural II de

São Luís - Ma), observando que comunidades tradicionais, Estados e empresas

compreendem de modos particulares a sua relação com a natureza. Foram feitas

entrevistas, acompanhamento de notícias relacionadas ao tema, pesquisa de campo

e nivelamento teórico. Conclui-se que, embora situadas num mesmo período

histórico (contemporaneidade) e espaço geográfico (ilha de São Luís), cada grupo

compreende diferentemente o que é o meio ambiente e segundo essas visões

apropriam-se do mesmo, embora nem sempre a fim de preservá-lo.

Palavras-chave: Conflitos ambientais; Reserva Extrativista de Tauá-Mirim

105

Graduanda em História pela Universidade Federal do Maranhão; componente do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio-Ambiente; Bolsista PIBIC/FAPEMA. 106

Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia (Desoc) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, ambos da Universidade Federal do Maranhão (UFMA); coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio-Ambiente (GEDMMA).

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda as diferentes lógicas com que operam os grupos

envolvidos na disputa pelo território referente à Zona Rural II da ilha de São Luís,

correspondente às comunidades Taim, Limoeiro, Porto Grande, Rio dos Cachorros,

Vila Maranhão, Amapá, Embaubal, Jacamim, Portinho e Tauá Mirim, cujo local vem

sendo pleiteado pelo governo do Estado do Maranhão e empresas como Vale e

Alumar para a instalação de outras empresas com a justificativa de que trariam

benefícios ao Estado, como: geração de emprego, desenvolvimento local e

utilização útil do território compreendido como território despovoado (ALMEIDA,

2004).

Os grupos em disputa compreendidos neste artigo são os que caracterizamos como

empreendedores – Estado e empresas – e comunidades tradicionais – as já

referidas acima. A diferenciação entre esses polos opostos se faz sob muitas

maneiras, e a que desejamos enfocar, como já foi supracitado, é a referente às

lógicas com que esses grupos operam, relacionadas à apropriação do território,

produtividade, preservação do meio-ambiente, continuidade e sobrevivência, entre

outras.

O presente trabalho faz parte de uma pesquisa iniciada em agosto de 2011

vinculada ao Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio-Ambiente

(GEDMMA), coordenado pelos professores Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior,

Bartolomeu Rodrigues Mendonça e Madian de Jesus Frazão Pereira107, que conta

com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Maranhão

(FAPEMA) e do CNPq, cujo tema é Análise dos conflitos socioambientais em torno

da constituição da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim.

2 CONTEXTUALIZAÇÃO: O PROJETO DE DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO

No Brasil sob o regime ditatorial foram criados diversos projetos de cunho

desenvolvimentista, cujo principal objetivo, a partir dos mesmos, era situar o Brasil

entre as nações de primeiro mundo, seguindo a lógica progressista vigente no

período entre os anos de 1964 a 1985 (SANT‟ANA JÚNIOR, 2009).

Um dos principais projetos foi o Programa Grande Carajás, formulado a partir da

descoberta das jazidas minerais na Serra dos Carajás (PA), cuja constituição

possibilitaria a exploração do local e ainda a construção de uma malha ferroviária

para escoamento dos recursos e também transporte de pessoas. Para tanto,

afirmava-se que o território pleiteado para esse projeto era área livre, de

pertencimento nacional e inabitado e que, com a instalação dessas estruturas, uma

107

Os professores Horácio Antunes e Madian Frazão são vinculados ao Departamento de Sociologia e Antropologia (Desoc) da UFMA; o professor Bartolomeu Mendonça integra o quadro docente do COLUN (Colégio Universitário).

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parte do país antes considerada atrasada passaria a ser classificada como

desenvolvida (SANT‟ANA JÚNIOR, 2009).

Entretanto, estudos multidisciplinaresconstataram que as referidas terras

congregavam populações de ancestralidade secular, como sociedades indígenas

anteriores à colonização brasileira108 e sociedades camponesas com um histórico

longo de habitação do território. Portanto, para implantar um empreendimento de tal

abrangência os grupos interessados deveriam realizar estudos mais específicos e

que visualizassem essa outra realidade (ALMEIDA, 2010).

O histórico de conflitos que se desdobrou dos fatos citados é conhecido, embora

muitos dos embates que houveram nem sempre foram noticiados à população

brasileira respeitando a veracidade dos acontecimentos (LÖWY, 2005). Massacres

de populações indígenas e camponesas, áreas extensas desmatadas, degradação

do solo e dos recursos hídricos foram os problemas mais correntes derivados do

confronto entre o “desenvolvimento” e o “atraso”.

Atualmente, em anos posteriores à instalação do Programa Grande Carajás, viu-se a

continuação da busca por “progresso”, já que, apesar da mudança nos gestores do

país, ainda permaneceu a mesma ideia em seus planos de governo, pois o objetivo

continua sendo elevar a posição internacional do Brasil, trazendo-o ao grupo dos

países desenvolvidos, conforme a mudança de nomenclatura.

Para tal intento, numa parceria de governo federal, governo estadual e empresas

privadas, reservou-se ao Estado do Maranhão a instauração de um projeto que

objetivava trazer novas perspectivas e resultados ao Estado, vislumbradas na

construção de um Polo Siderúrgico em parte da ilha de São Luís. Este

empreendimento, enfim, traria ao Estado com os piores índices de desenvolvimento

do país109 um “sentido”110 na corrida desenvolvimentista (SANT‟ANA JÚNIOR et. al.,

2009).

Entretanto, assim como no restante da área onde se constituiu o Projeto Grande

Carajás, a região pretendida para a construção do Polo Siderúrgico era habitada,

também, por comunidades detentoras de modos de vida específicos e cuja

108 Estudos arqueológicos como os de Ana Roosevelt (FAUSTO, 2000) constataram na Amazônia,

especificamente na ilha de Marajó, a existência de sociedades indígenas milenares que possivelmente tenham sido difusoras de conhecimento e cultura para outros locais, até mesmo para a área Inca. Outros estudos identificaram também que em muitos locais da Amazônia, como no Pará, habitaram indígenas anteriormente à época da conquista, cujos descendentes, embora reconfigurando seu modo de vida ainda continuavam partilhando de conhecimentos milenares na área medicinal, por exemplo. 109

Atualmente, o Maranhão é o 25º colocado como Estado com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. 110

Para mais informações ver o capítulo 3 (Tempo do Aço: modernidade, desenvolvimento e progresso na Amazônia Legal Brasileira), especificamente o tópico 3.2 (O “tempo do aço” como vocação natural da Amazônia Legal Brasileira), da monografia de graduado de Bartolomeu Rodrigues Mendonça (2006).

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existência já se fazia a longo tempo111. Os interessados na criação desse polo

deveriam encobrir, nesse sentido, a existência dessas pessoas.

Com o enfrentamento desses grupos (comunidades e responsáveis pelo

empreendimento) surgiram conflitos de cunho econômico, político, social e cultural,

já que além da distinção socioeconômica, havia mentalidades antagônicas em

confronto, cujas noções de progresso e desenvolvimento não possuíam os mesmos

significados (ALMEIDA, 2010).

As comunidades Taim, Limoeiro, Porto Grande, Rio dos Cachorros, Vila Maranhão,

Amapá, Embaubal, Jacamim, Portinho e Tauá Mirim112, mediante a nova situação,

formularam estratégias para garantir a sua permanência no local que, conforme

Acselrad (2004), constitui-se numa das prerrogativas dos grupos envolvidos em

conflitos113. Para tanto, associaram-se a entidades políticas, grupos universitários,

igrejas etc, com o intuito de conseguirem mais parceiros na resistência.

Seguindo exemplo de outros lugares do país, surgiu no meio das comunidades

afetadas a ideia da criação de uma área protegida por lei para que eles pudessem

continuar mantendo suas formas de vivência. A criação de uma reserva

extrativista114 – a RESEX de Tauá-Mirim – seria o meio mais viável para que o

objetivo dessas comunidades fosse alcançado, garantindo sua sobrevivência face às

novas configurações estruturais pretendidas pela implementação do Polo

Siderúrgico.

Embora o projeto do Polo Siderúrgico não tenha se concretizado115, outros

empreendimentos estão sendo implementados no local ou em suas proximidades, já

que esta é uma demanda dos governos e de multinacionais como a Alcoa e a Vale.

Respondendo a isso, as comunidades continuam buscando a efetivação da reserva

111

Em entrevista concedida às pesquisadoras Ana Maria Pereira dos Santos e Elizângela Maria Barboza em 2008, D. Máxima (Maria Máxima Pires – liderança do Rio dos Cachorros) afirmou haverem famílias que habitavam o local e que chegaram à 5ª geração, correspondendo ao período colonial brasileiro (SANTOS e BARBOSA, 2009). 112

Localizadas na Zona Rural II de São Luís. 113

Refiro-me ao conceito de durabilidade proposto por Acselrad (2004), no artigo As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais, presente na obra Conflitos Ambientais no Brasil. O autor fala de dois conceitos: durabilidade e interatividade, sendo que o primeiro refere-se aos sujeitos envolvidos nos conflitos acionarem no campo das representações “a capacidade de se dar durabilidade às condições materiais de exercício das atividades como um critério de legitimação ou de deslegitimação das práticas de apropriação do território e seus recursos.” 114

Modalidade prevista no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) – Lei Nº 9.985, de 18 de julho de 2000, sendo que “a Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.” (Artigo 18). 115

Um dos motivos principais foi a resistência das comunidades em ceder seu território e ser

remanejadas para outros locais.

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e, observando tal contexto, esse trabalho delineará e analisará alguns conflitos de

cunho social e ambiental que aparecem derivados da necessidade de criação da

RESEX de Tauá-Mirim.

3 AGENTES EM DISPUTA

Segundo Acselrad (2004, p. 26),

Os conflitos ambientais são aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das práticas de outros grupos.

No processo de implementação da RESEX de Tauá-Mirim enfrentam-se lógicas

distintas de apropriação dos recursos ambientais, noção de território, contagem de

tempo, entre outras, que são fatores imprescindíveis para se compreender os

embates resultantes desse encontro de grupos variados (MENDONÇA, 2006).

Em primeiro lugar, é necessário destacar a diferença de noção de território que os

grupos envolvidos têm, pois o conceito de território pode abranger múltiplos

significados, desde área delimitada por limites geográficos até limites simbólicos,

como áreas de culto, por exemplo. Os grupos afetados pela chegada de empresas,

segundo Almeida (2004, p. 106), possuem “elementos de autodefinição e de

consciência de suas próprias necessidades. A partir deles pode-se afirmar que

fatores étnicos e identitários mostram-se capazes de delinear suas diferenças em

relação a outros grupos”, como as grandes empresas.

Perpassando o campo do simbólico, as definições que as empresas e as populações

tradicionais dão à natureza não são as mesmas. Se vista de um lado como parte de

sua vivência e ser vivo a quem deve-se respeitar como um igual, por outro é vista

como ser inanimado e que existe apenas como usufruto dos seres humanos,

respondendo à suas necessidades. Tais lógicas não são as mesmas e por referirem-

se a um mesmo elemento geram embates entre os grupos que as apregoam.

Imaginar que essas populações tradicionais não compreendem a lógica e objetivos

das grandes empresas interessadas no local onde vivem seria esquecer que esses

agentes possuem estratégias de sobrevivência116 e que uma delas consiste em

compreender o que as grandes empresas querem fazer no local. Em vários

momentos da pesquisa, percebeu-se uma constante atualização de membros das

116

Relacionado à possível implantação de um polo siderúrgico, Mendonça (2006, p. 76) afirma que “além da ação dos moradores, a partir do ano de 2004 diversos setores da sociedade ludovicense constituídos por professores, estudantes universitários, intelectuais, profissionais liberais, técnicos e políticos locais, em conjunto com lideranças dos bairros que possivelmente seriam deslocados, iniciaram a organização de uma forte resistência à implementação do empreendimento (...)”.

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comunidades em relação aos empreendimentos que chegavam na área. No trajeto

para um encontro de Educação Ambiental117 no dia 10/12/11, uma das participantes,

ao passar no local onde se instalaram os empreendimentos indicou com precisão os

nomes das empresas antigas, das que chegavam e suas especialidades, incluindo

os objetivos das mesmas em relação à área habitada pelas comunidades que

desejam a criação da RESEX.

Assim como os grupos afetados buscam se atualizar em relação ao discurso das

empresas, essas também buscam entender melhor as causas de luta das

populações afetadas, o que não significa que as aceitam como legítimas (ALVES,

2010; ALMEIDA, 2010). Sob o rótulo de empresa “em prol do meio-ambiente” e com

inúmeros selos que “atestam” sua responsabilidade ambiental, os produtos dessas

empresas chegam aos consumidores como frutos de um desenvolvimento

sustentável politicamente correto, que, no entanto, esconde toda a trajetória de

conflitos que envolve a sua fabricação118.

Empresas como a Vale e a Alumar, nesse sentido, criaram parques botânicos

próximos às suas instalações na área para, de certa forma, “compensar” os danos

causados ao meio-ambiente por sua implantação119. Segundo Beto do Taim, se um

membro das comunidades afetadas deseja visitar o local, necessita agendar a visita

com meses de antecedência, sendo que muitas vezes nem consegue agendá-la

(MIRANDA, MAIA e GASPAR, 2009). O parque botânico da Vale, construído sobre

território devastado com a chegada da mineradora, recebe alunos de várias escolas

de São Luís e municípios vizinhos, e um dos principais discursos dos guias

(funcionários da empresa) é o de que a Vale se preocupa com a preservação do

meio-ambiente. Ministrando palestras para os alunos, presenteando-lhes com kits de

“como reciclar o lixo” e mostrando-lhes uma mínima parte de natureza que sobrou

de sua implantação, passam ao público a pseudo-identidade de empresa

ecologicamente correta.

117

Coordenado pelas pesquisadoras Ana Lourdes (GEDMMA) e Walkerlene Soeiro (GEDMMA) nas comunidades que desejam a implementação da Resex de Tauá-Mirim. 118

Segundo Acselrad (2004, p. 21), “a incorporação de preocupações ecológicas pela valorização das capacidades adaptativas da técnica e da eficiência industrial (...) pode ser vista também como um modo de reação discursiva que preserva a distribuição de poder sobre os recursos ambientais em disputa”. 119

De acordo com o § 1º do Artigo 14 da Lei Nº 6.938 de 31 de agosto de 1981, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), “(...) é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. (...)”, sendo que poluidor, de acordo com a mesma lei, é “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.”, e ainda, empresas como a Vale e a Alumar são consideradas, seguindo informações do Anexo VIII da citada lei, como potencialmente poluidoras de nível alto, por serem indústrias relacionadas à extração de tratamento de minerais (Vale) e à metalurgia (Alumar), daí, a criação de parques botânicos como mínima forma de compensação ambiental.

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Contudo, basta conhecer a área pleiteada para a implementação da RESEX de

Tauá-Mirim que compreender-se-á como tais empreendimentos não compartilham

das mesmas lógicas de preservação do meio-ambiente que as comunidades

possuem e que tem sido satisfatórias no longo tempo que habitam o local120. A

maioria dessas empresas, “mesmo fazendo uso de uma retórica de „gestão

ambiental‟ e de um „gerenciamento voltado para a sustentabilidade‟, parece não

estar levando em conta seu elevado poder de destruição dos recursos ambientais”

(ALMEIDA, 2010, p. 104), já que a construção de parques botânicos seria uma

pequena compensação dos inúmeros danos causados por essas empresas ao meio-

ambiente.

Em contraposição temos comunidades com histórico longo de habitação no local e

que, mesmo causando impactos ao ambiente, possuem lógicas de apropriação

desse meio que consistem em utilizar seus recursos sem degradá-lo ao ponto de

não mais poder dispor do mesmo posteriormente. Baseando-se nessa lógica, por

exemplo, a extração de madeira dos mangues da região foi proibida, haja vista que

tal vegetação não poderia ser reposta (SANT‟ANA JÚNIOR et. al., 2009, p. 219).

Convocando reuniões, as comunidades aprendem com grupos parceiros como

melhor aproveitar os recursos ambientais sem degradar o meio ambiente, como a

prática da reciclagem do lixo e também a não jogar o mesmo no rio e nascentes.

Tais práticas muitas vezes são consideradas pelas grandes empresas como

mínimas e inúteis, pois uma das estratégias das mesmas consiste em

(...) desconsiderarem a lógica de utilização destes recursos naturais, seja pelas unidades de conservação familiar, classificadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) como „agricultura familiar‟, seja por povos e comunidades que tradicionalmente ocupam as terras que os interesses dos agronegócios e de mineradoras pretendem incorporar a seus grandes empreendimentos. (ALMEIDA, 2010, p. 105).

Todos esses embates têm em vista um único objetivo que é o de apropriação do

meio-ambiente, visto como sem representação para que se defenda.

4 CONCLUSÕES

Para compreender melhor o contexto em que se inserem todos esses conflitos, é

necessário ressaltar que estão inseridos num contexto maior de crise e

reengendramento do capitalismo, percebendo que tal sistema necessita a cada

crise, seja financeira, política e social, se reformular face às nuances de si mesmo. A

partir disso os grupos sociais, como forma de luta por sua continuidade, passam a

buscar conhecer com maior profundidade esse sistema. As “fraquezas” do mesmo

vêm sendo mostradas claramente e os ditos cidadãos comuns começam a

120

Para melhor entendimento desse enunciado, ver Laudo Socioeconômico e Biológico para criação da Reserva Extrativista do Taim (IBAMA, 2007).

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compreender também as implicações das ações que são executadas pelos “porta-

vozes”121 do mesmo.

Entre as pessoas que começam a compreender melhor o capitalismo, inserem-se as

comunidades tradicionais que passam a não aceitar seu total englobamento por

parte dos grandes empreendimentos que visam lucros, expansão e um falso

“progresso” econômico em detrimento da manutenção da vida dos seres humanos e

da natureza. Tais grupos apregoam o discurso ecológico e começam a criar mais

armas de luta, como fóruns, debates e uma divulgação mais nítida a outras parcelas

da população que até então desconheciam tais situações.

Embora faça parte da estratégia dos grandes empreendimentos a “disseminação de

uma visão triunfalista dos agronegócios articulada com uma imagem hiperbolizada

do Brasil e de seu potencial agrícola” (ALMEIDA, 2010, p. 110), podemos ainda

ampliar tal assertiva de modo que ela englobe outros empreendimentos que não

sejam apenas o agronegócio. Em contrapartida a essa visão, o movimento ecológico

também passa a divulgar os impactos causados por ela e com resultados reais de

como a apropriação consciente do meio ambiente seria mais viável para a

sobrevivência da população humana122. Nesse contexto, situa-se a proposta de

criação da RESEX de Tauá-Mirim, mais uma das reservas brasileiras que propõe

conciliar extrativismo e sustentabilidade, demonstrando pelo histórico de vivência

das comunidades no local que tal opção é possível.

Em suma, tentar compreender ou apenas delinear como pensam os grupos

envolvidos em conflitos ambientais faz parte de outra compreensão que insiste em

afirmar que a dominação, o encobrimento e o esquecimento consciente dos grupos

menos favorecidos na disputa não é algo natural e nem inerente a uma possível

natureza humana. Embora haja uma tentativa constante de se garantir a vitória de

grandes empreendimentos alicerçados em políticas desenvolvimentistas

governamentais, há a contrapartida fundamental dos grupos atingidos e essa

situação faz-se de grande valia na análise dos conflitos ambientais, pois parte

daqueles grupos considerados fracos, atrasados, subdesenvolvidos e primitivos,

mas que, à vista dos fatos citados no decorrer desse artigo, sobrevivem.

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, Henri (Org.). Cartografias Sociais e Território. Rio de Janeiro:

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento

Urbano e Regional, 2008.

121

Entendidos aqui como grandes empresas, governos, indivíduos portadores de grandes fortunas em relação a outros etc. 122

Nesse sentido, demonstrando o sucesso de criação de reservas extrativistas pelo país.

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“conhecimentos tradicionais”. In: ACSELRAD, Henri (Org.). Conflitos Ambientais

no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará – Fundação Heinrich Böll, 2004.

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de (et al.). Capitalismo globalizado e recursos

territoriais. Rio de Janeiro: Lamparina, 2010.

FAUSTO, Carlos. Os índios antes do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,

2000.

IBAMA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

Laudo sócio-econômico e biológico para criação da reserva extrativista do

Taim. São Luís, 2006. Mimeo.

LÖWY, Michael. Ecologia e Socialismo. São Paulo: Cortez, 2005.

MENDONÇA, Bartolomeu Rodrigues. Cajueiro: entre as durezas da vida e do

ferro, no tempo do aço. Curso de Ciências Sociais. São Luís: Curso de Ciências

Sociais/UFMA, 2006. Monografia de graduado. Mimeo.

MIRANDA, Ana Caroline Pires. MAIA, Maiâna Roque da Silva. GASPAR, Rafael

Bezerra. Entrevista com Alberto Catanhede, o Beto do Taim. In: SANT‟ANA JÚNIOR,

Horácio Antunes de. PEREIRA, Madian de Jesus Frazão. ALVES, Elio de Jesus

Pantoja. PEREIRA, Carla Regina Assunção (Org.). Ecos dos conflitos

socioambientais: a Resex de Tauá-Mirim. São Luís: Edufma, 2009.

MOURA, Margarida Maria. Camponeses. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1988.

SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de. PEREIRA, Madian de Jesus Frazão.

ALVES, Elio de Jesus Pantoja. PEREIRA, Carla Regina Assunção (Org.). Ecos dos

conflitos socioambientais: a Resex de Tauá-Mirim. São Luís: Edufma, 2009.

SANTOS, Ana Maria Pereira dos. BARBOZA, Elizângela Maria. Entrevista com

Maria Máxima Pires. In: SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de. PEREIRA,

Madian de Jesus Frazão. ALVES, Elio de Jesus Pantoja. PEREIRA, Carla Regina

Assunção (Org.). Ecos dos conflitos socioambientais: a Resex de Tauá-Mirim.

São Luís: Edufma, 2009.

Legislação Consultada:

BRASIL. Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981.Dispõe sobre a Política

Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e

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dá outras providências. Brasília, 1981. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/>.

Acesso em: 28/02/12.

_______. Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1º,

incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades

de Conservação da Natureza e dá outras providências. Brasília, 2000. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 04/01/12.

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PROGRAMAÇÃO DETALHADA DO EVENTO

PRIMEIRO DIA: 23/05/2012 – quarta-feira

09h00 às 18h00 – Credenciamento

16h00 – Sessão de Abertura, com mesa composta por:

Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior, do Grupo de Estudos:

Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente e da Coordenação Geral do

Evento;

Prof. Dr. Fernando Carvalho, Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFMA;

Prof. Dr. Lyndon Araújo, Diretor do CCH;

Prof. Dr. Igor Gastal Grill, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em

Ciências da UFMA;

Prof. Dr. Benevides, Chefe do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA.

Local: Auditório Central da UFMA

17h00 – Conferência: Conflitos Ambientais, Mobilizações e Alternativas ao

Desenvolvimento

Conferencista: Prof. Dr. Henri Acselrad (IPPUR/UFRJ)

Moderadora: Esp. Ana Lourdes da Silva Ribeiro (GEDMMA/UFMA)

Local: Auditório Central da UFMA

19h30 – ATIVIDADE CULTURAL: Apresentação do Tambor de Crioula de São

Benedito, do povoado do Taim

SEGUNDO DIA: 24/05/2012 – quinta-feira

8h30 – 11h30 – Grupos de Trabalho (Auditórios do CCH)

GT 1: Conflitos ambientais (Auditório A – CCH)

Coordenador: José Arnaldo Ribeiro Junior (GEDMMA)

Debatedor: Me. Bartolomeu Rodrigues Mendonça (GEDMMA)

GT 2: Populações tradicionais e território (Auditório B – CCH)

Coordenador: Esp. Ana Lourdes da Silva Ribeiro (GEDMMA)

Debatedor: Dra. Cynthia Carvalho Martins (UEMA/GESEA)

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GT 3: Desenvolvimento e ambiente (Auditório Setorial – CCH)

Coordenador: Manuel de Sousa Rodrigues (GEDMMA)

Debatedor: Me. Elio de Jesus Pantoja Alves (GEDMMA)

14h00 – 15h00 – Apresentação de Painéis (Hall do Auditório Central)

14h00 – 14h45– SESSÃO DE VÍDEOS (Auditório Central)

15h00 – 17h00 Mesa Redonda 1: Conflitos Ambientais e Grandes

Empreendimentos na Amazônia Brasileira (Auditório Central)

Profa. Dra. Edna Maria Ramos de Castro (NAEA/UFPA)

Marly Pereira Ferreira (Presidente da Associação de Moradores de Salvaterra II)

Prof. Me. Elio de Jesus Pantoja Alves (GEDMMA/UFMA)

Coordenadora: Me. Elena Steinhorst Damasceno (GEDMMA/UFMA)

17h30 – 19h30 – Mesa Redonda 2: Experiências de Resistência e Mobilização

Frente aos Modelos de Desenvolvimento (Auditório Central)

Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior (GEDMMA/UFMA)

Pe. Dário Bossi (Missionários Combonianos/RJNT)

Mestrando José Arnaldo dos Santos Ribeiro Junior (GEDMMA/UFMA)

Coordenadora: Majú do Nascimento Silva (GEDMMA/UFMA)

19h30 – ATIVIDADE CULTURAL: Recital de poesias de Erinaldo Nunes de Silva e

Darlan Rodrigo Sbrana, realizado por Tayanná Santos Conceição de Jesus e

Erinaldo Nunes de Silva. Apresentação do Filme: Não Vale

TERCEIRO DIA: 25/05/2012 – sexta-feira

8h30 – 11h30 – Grupos de Trabalho (Auditórios do CCH)

GT 1: Conflitos ambientais (Auditório A – CCH)

Coordenador: Me. Sislene Costa da Silva (GEDMMA)

Debatedor: Danilo D‟Addio Chammas (RJNT)

GT 2: Populações tradicionais e território (Auditório B – CCH)

Coordenador: Walkerlene Soeiro (GEDMMA)

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Debatedor: Dra. Carla Regina Assunção Pereira (UEMA)

GT 3: Desenvolvimento e ambiente (Auditório Setorial – CCH)

Coordenador: Me. Elena Steinhorst Damasceno (GEDMMA)

Debatedor: Me. Fernanda Cunha de Carvalho (GEDMMA)

14h00 – 15h00 – Apresentação de Painéis (Hall do Auditório Central)

14h00 – 14h45– SESSÃO DE VÍDEOS (Auditório Central)

15h00 – 17h00 – Mesa Redonda 3: Unidades de Conservação e Conflitos pelo

Controle do Território (Auditório Central)

Profa. Dra. Senilde Alcântara Guanaes (UNILA)

Esp. Walcicléa Purificação da Silva Cruz (PPGED/UFPA/ICMBio)

Alberto Cantanhede Lopes (CAPPAM/Comunidade Taim)

Coordenadora: Mestranda Maiana Roque da Silva Maia (GEDMMA/UFMA)

17h30 – 19h30 – Mesa Redonda de Encerramento: Etnoconservação: para além

dos conflitos ambientais (Auditório Central)

Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior (GEDMMA)

Profa. Dra. Madian de Jesus Pereira Frazão (GEDMMA)

Prof. Ms. Bartolomeu Rodrigues Mendonça (GEDMMA)

19h30 – ATIVIDADE CULTURAL: Apresentação do Grupo Afro Akomabu

COMISSÃO ORGANIZADORA

Coordenação Geral: Bartolomeu Rodrigues Mendonça, Horácio Antunes de

Sant‟Ana Júnior, Madian de Jesus Frazão Pereira, Elena Steinhorst Damasceno

COMISSÕES DE TRABALHO

Comissão Científica: Elena Steinhorst Damasceno (Coordenadora), Bartolomeu

Rodrigues Mendonça, Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior, Madian de Jesus Frazão

Pereira, Sislene Costa da Silva.

Tesouraria: Bartolomeu Rodrigues Mendonça (Coordenador), Horácio Antunes de

Sant‟Ana Júnior, Manuel Sousa Rodrigues

Comissão de divulgação e atividades artístico-culturais: Walkerlene Cecília

Soeiro Santos (Coordenadora), Emanoelle Lyra Jardim, Majú do Nascimento Silva,

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Elena Steinhorst Damasceno, Ana Lourdes da Silva Ribeiro, Katianne Almeida

Gomes Garrido.

Comissão de inscrições e certificados: Majú do Nascimento Silva

(Coordenadora), Tayanná Santos Conceição de Jesus, Darlan Rodrigo Sbrana,

Josemiro Ferreira de Oliveira, Maiâna Roque da Silva Maia.

Comissão de infra-estrutura e monitoria: Madian de Jesus Frazão Pereira

(Coordenação), Ana Lourdes da Silva Ribeiro, Walkerlene Cecília Soeiro Santos,

Manuel Sousa Rodrigues, Josemiro Ferreira de Oliveira.

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Anais III SEDMMA

(GEDMMA, 2013)

Arte: Raquel Noronha

Diagramação e revisão técnica: Elena Steinhorst