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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião Ana Carolina Gomes A CASA DE TODOS OS SANTOS Estudo da Umbanda no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira/MG Belo Horizonte 2018

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Page 1: Ana Carolina Gomes · III. Título. CDU: 299.6 Ficha catalográfica elaborada por Rosane Alves Martins da Silva ... Aos que, por sua fé, são mal compreendidos, hostilizados,

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

Ana Carolina Gomes

A CASA DE TODOS OS SANTOS

Estudo da Umbanda no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira/MG

Belo Horizonte

2018

Page 2: Ana Carolina Gomes · III. Título. CDU: 299.6 Ficha catalográfica elaborada por Rosane Alves Martins da Silva ... Aos que, por sua fé, são mal compreendidos, hostilizados,

Ana Carolina Gomes

A CASA DE TODOS OS SANTOS

Estudo da Umbanda no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira/MG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Ciências da Religião da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial para a obtenção do título de Mestre

em Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. Wellington Teodoro da Silva

Área de concentração: Religião, política e espaço

público

Belo Horizonte

2018

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Gomes, Ana Carolina

G633c A casa de todos os santos estudo da Umbanda no Lar Espírita Filhos de

Ogum e Oxóssi- Itabira/MG / Ana Carolina Gomes. Belo Horizonte, 2018.

142 f. : il.

Orientador: Wellington Teodoro da Silva

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

1. Umbanda - Brasil. 2. Sincretismo (Religião). 3. Universalismo (Teologia).

4. Religião e cultura. 5. Cultos afro-brasileiros. I. Silva, Wellington Teodoro da.

II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação

em Ciências da Religião. III. Título.

CDU: 299.6

Ficha catalográfica elaborada por Rosane Alves Martins da Silva – CRB 6/2971

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Ana Carolina Gomes

A CASA DE TODOS OS SANTOS

Estudo da Umbanda no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira/MG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Ciências da Religião da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial para a obtenção do título de Mestre

em Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. Wellington Teodoro da Silva

Linha de pesquisa: Religião, política e espaço

público

_________________________________________________________________

Prof. Dr. Wellington Teodoro da Silva- PUC-Minas (Orientador)

____________________________________________________________

Prof. Dr. Emerson José Sena da Silveira- UFJF (Banca Examinadora)

____________________________________________________________

Prof. Dr. Carlos Ribeiro Caldas Filho- PUC-Minas (Banca Examinadora)

Belo Horizonte, 25 de abril de 2018.

Page 5: Ana Carolina Gomes · III. Título. CDU: 299.6 Ficha catalográfica elaborada por Rosane Alves Martins da Silva ... Aos que, por sua fé, são mal compreendidos, hostilizados,

Dedico este trabalho aos filhos e filhas de fé. Aos que, por sua fé, são mal compreendidos,

hostilizados, desrespeitados e demonizados. Dedico este trabalho aos que buscam amparo

nos braços dos pretos-velhos, que buscam forças nos caboclos, persistência nos baianos,

pureza nos erês, proteção nos exus, amor próprio nas pombogiras, equilíbrio nos

marinheiros, cura nos povos do oriente, altivez nos boiadeiros e alegria nos malandros.

Dedico aos que buscam o sentido da vida, aos que encontram o sagrado em suas diversas

manifestações, aos que o encontram dentro de si.

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AGRADECIMENTOS

Nessas próximas palavras venho demonstrar minha gratidão, demonstrar meu

reconhecimento por todos aqueles e aquelas, pessoas e instituições, que acreditaram nesse

trabalho, em mim e na sua relevância para a sociedade brasileira.

Nessa caminhada, entre livros, artigos, imagens e trocas de experiências, muitos

sentimentos afloraram. A cada passo nesse trajeto percorrido, novos aprendizados e novas

dúvidas surgiram, assim como novas convicções e novas formas de se ver e perceber o

mundo, as religiões e as religiosidades.

Venho agradecer à Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, em especial aos

professores e demais funcionários; venho agradecer à FAPEMIG (Fundação de Amparo à

Pesquisa de Minas Gerais), instituição de fomento dessa pesquisa; agradeço aos colegas de

curso que compartilharam suas angústias, descobertas e novos olhares.

Agradeço aos membros do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi pelo acolhimento,

pelas palavras, pela experiência e por terem deixado abertas as portas para o universo

umbandista. Agradeço ao Babalaô Gilman e o Yaô Chinayd. Agradeço as entidades pelo

ensinamento, por mostrarem que este mundo é de dor, mas, também de amor e compreensão

aos que buscam conforto, acolhimento e aceitação.

Agradeço ao meu orientador pela paciência, perseverança e por me guiar nessa seara

até então desconhecida.

Agradeço aos amigos que compreenderam as ausências e que se mantiveram firmes no

cultivo e fortalecimento das amizades! Agradeço a todos e todas que, apesar das atribulações,

intolerâncias, falta de compreensão e injúrias, se mantém firmes na fé, nas energias, na

humanidade e em si mesmos.

Agradeço aos percursores, aqueles e aquelas que se embrenharam na busca por

desvendar e compreender a Umbanda, deixando trilhas abertas para aqueles que, assim como

eu, peregrinam-se nos mistérios dessa religião.

Agradeço aos orixás, aos anjos, santos e entidades por todo axé recebido!

Por fim, agradeço ao meu Babaji, à Sete Coroas e à Satã.

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RESUMO

A presente dissertação tem como objetivo compreender o processo de universalidade

espiritual e cultural da Umbanda e identificar, no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi,

elementos de caráter universalista e acolhedor umbandista. Partindo da análise da formação

do povo brasileiro, períodos de violências, exploração, imposições, mas, também de

encontros, empréstimos, trocas culturais e religiosas foram evidenciados. Ao longo desses

séculos, um povo foi tomando forma biológica e culturalmente e novos tipos sociais e

biológicos marcam essa multiplicidade nacional. Assim como, novas formas de se ligar ao

sagrado também foram surgindo. Entre benzeções, chás e banhos de ervas, velas, mesas,

igrejas, choupanas e tendas, aqui se cultivava e cultiva a religiosidade. A Umbanda se mostra

presente no cenário religioso brasileiro com seus ritos, liturgias e fundamentos que estampam

a face desse povo. Desta forma, a diversidade na prática umbandista sinaliza para a própria

diversidade do povo brasileiro e suas configurações. Essa diversidade apresenta-se como uma

característica dessa religião que abriga e acolhe a todos, tanto no plano espiritual, quanto entre

os encarnados. Assim, buscamos compreender essa abertura, essa diversidade, enfim, essa

universalidade na e da Umbanda. Para tanto, além de uma pesquisa bibliográfica, adentramos

no cosmos da casa umbandista Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, na cidade de Itabira-

MG. A busca por um entendimento sobre a Umbanda nos levou a uma melhor compreensão

do próprio povo brasileiro e da plasticidade de se cultuar e consagrar e de se conjugar o

sagrado e o profano.

Palavras-chave: Umbanda; Brasil, Sincretismo; Universalidade; Lar Espírita Filhos de Ogum

e Oxóssi

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ABSTRACT

The aim of this study is to understand Umbanda's process of spiritual and cultural universality

and to identify elements of a universalistic and welcoming umbandist character in the Spiritist

Center of Ogum and Oxóssi, in Itabira/MG. Starting from the analysis of the formation of the

Brazilian people, periods of violence, exploration, impositions, but also encounters, cultural

and religious exchanges were evidenced. All over these centuries, people has taken

biologically and culturally form. And now, new social and biological types express this

national multiplicity. As well as, new forms of bound to the sacred also arose. Among the

blessings, herbal teas and baths, candles, tables, churches, huts and tents, they cultivated and

nurtured the religiosity. Umbanda is present in the Brazilian religious scene with its rites,

liturgies and foundations that portray the face of this people. In this way, diversity in the

Umbandist practice points to the center of Brazilian diversity and their configurations. This

diversity presents itself as a characteristic of this religion that shelters and welcomes all, both

spiritually and incarnate. Thus, we seek to understand this openness, this diversity, in other

words, this universality in and of Umbanda. For that reason, in addition to a bibliographical

research, we arrive to the cosmos of the umbandist home called Spiritist Home Children of

Ogum and Oxóssi, in the city of Itabira-MG. The search for an understanding about Umbanda

has led us to a better thought of the Brazilian people themselves and the importance of rituals

and consecrating plasticity, even of conjugating the sacred and the profane.

Keywords: Umbanda; Brazil, Syncretism; Universality; Spiritist Children of Ogum and

Oxóssi Home.

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LISTA DE FIGURAS

FOTO 1 - Bandeira do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi .............................................. 135

FOTO 2 - Frente do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi. ................................................. 135

FOTO 3 - Zé Pelintra .............................................................................................................. 136

FOTO 4 - Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi. .................................................................. 136

FOTO 5 - Cantinho de Iemanjá. ............................................................................................. 137

FOTO 6 - Cruz das Almas ...................................................................................................... 137

FOTO 7 - Orixá Xangô ........................................................................................................... 138

FOTO 8 - Imagens cobertas na quaresma .............................................................................. 138

FOTO 9 - Oferenda para Cosme e Damião e a Linha de Ibeji na abertura do ano. ............... 139

FOTO 10 - Oferenda a Iemanjá na abertura do ano. .............................................................. 139

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11

2 A FORMAÇÃO DE UM POVO E DE UMA RELIGIOSIDADE .................................15

2.1 Brasil: a formação de um povo ........................................................................................ 15

2.1.1 Brasileiros- dos donos da terra Brasil ao atual mestiço ................................................. 15

2.1.2 A Umbanda entre sincretismo(s) e/ou síntese ................................................................. 27

2.1.3 A “casa” Brasil ............................................................................................................... 30

2.2 Umbanda: a aurora de uma religião ............................................................................... 32

2.2.1 Uma visão histórico-mítica: Zélio de Moraes: o “mito fundador” ................................ 33

2.2.2 Uma visão ancestral: a formação da Umbanda a partir dos cultos afro-brasileiros ..... 32

2.2.3 Uma visão político-histórica: a fundação e legitimação da Umbanda na Era Vargas .. 30

2.3 Campo religioso e a Umbanda no cenário religioso brasileiro atual ........................... 44

2.3.1 O campo religioso e algumas considerações sobre o caso brasileiro ............................ 44

2.3.2 A Umbanda no cenário religioso brasileiro atual .......................................................... 48

3 “UMBANDA DE TODOS NÓS”: A UMBANDA E SEU UNIVERSO .......................... 50

3.1- O uno e o diverso na Umbanda ...................................................................................... 50

3.1.1 Gerando sentidos: a referência de uma matriz religiosa brasileira ............................... 51

3.1.2 Germinando em solo sagrado: a Umbanda enquanto espaço de sincretismos ............... 57

3.1.3 Florescendo em ramificações: as tradições na Umbanda .............................................. 61

3.2- “A Umbanda tem fundamento, é preciso preparar”: as diversas formas de se ligar

ao sagrado na Umbanda ........................................................................................................ 66

3.2.1 Em busca de uma estrutura: fundamentos de Umbanda ................................................. 67

3.2.2 O espaço e o sagrado: as giras de Umbanda .................................................................. 71

3.3- Entre imagens e vibrações: do orum ao aiyê ................................................................. 75

3.3.1 Os Orixás e as Sete Linhas de Umbanda ....................................................................... 75

3.3.1.1 As senhoras do Orum- Oxum, Iemanjá, Nanã e Iansã ................................................. 77

3.3.1.2 Os irmãos: Ogum, Oxóssi e Exu ................................................................................... 79

3.3.1.3 Os senhores da criação, do reino e da cura: Oxalá, Xangô e Obaluaê ....................... 80

3.3.2- Guias, entidades e protetores- os trabalhadores do astral ........................................... 82

3.3.2.1 Caboclos, pretos-velhos e erês ..................................................................................... 83

3.3.2.2 Baianos, marinheiros e boiadeiros ............................................................................... 85

3.3.2.3 O povo da rua: o “cumpadre” Exu, a “moça/senhora” Pombogira e o Malandro .... 86

3.3.2.4 Optchá- a irradiação da Linha do Oriente ................................................................. 88

3.3.3 Anjo da guarda e santos na Umbanda ........................................................................... 91

4 A UMBANDA DE TODOS OS SANTOS NO LAR ESPÍRITA FILHOS DE OGUM E

OXÓSSI ................................................................................................................................... 94

4.1- A casa de Umbanda- o sagrado e o espaço: a Umbanda no Lar Espírito Filhos de

Ogum e Oxóssi ........................................................................................................................ 95

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4.2- A universalidade umbandista na prática mágico-religiosa do Lar Espírita Filhos de

Ogum e Oxóssi ........................................................................................................................ 98

4.2.1 A corrente de médiuns ..................................................................................................... 99

4.2.2 Pedimos licença para trabalhar- entidades a serviço do plano superior ..................... 102

4.2.3 As giras de sexta-feira ................................................................................................... 105

4.3 O corpo mediúnico em algumas atribuições ................................................................ 109

4.3.1 Ao som do atabaque- o ogã ........................................................................................... 110

4.3.2- O Yaô Pai Pequeno ...................................................................................................... 111

4.3.3 A cambona Maria e Camila, a zeladora de santo ........................................................ 113

4.3.4 João: um filho desta casa .............................................................................................. 115

5 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 120

6 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 125

ANEXO A- IMAGENS DO LAR ESPÍRITA FILHOS DE OGUM E OXÓSSI ............ 135

ANEXO B - ORAÇÕES E HINOS RECITADOS PELOS MEMBROS EM REUNIÕES

E SESSÕES ........................................................................................................................... 140

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1 INTRODUÇÃO

Esse trabalho teve como ponto inicial uma inquietação: se a Umbanda acolhe a todos,

tanto no plano espiritual, quanto no plano material; ela é universal, ou seja, ela apresenta em

sua essência, a universalidade, sendo de todos e para todos! Essa problematização passou a

ser, então, uma hipótese a ser verificada.

Buscando elementos que comprovassem ou não essa hipótese, um caminho foi trilhado

entre trânsitos religiosos, desde a tenra idade, sempre em busca de explicações que dessem

sentido às relações humanas e com esse desconhecido, esse sobrenatural, o além de nós, o

sagrado.

“Tomando passe” com preto-velho, comendo doces nas festas de Cosme e Damião,

assistindo a sessões de “mesa branca”, conversando com entidades em centros espíritas,

participando de encontro de jovens de um centro kardecista e também de uma igreja católica,

dentre outras, e, também, por vezes, vivendo momentos de incredulidade, as experiências

religiosas foram diversas, assim como foram diversas as religiosidades nas quais mantivemos

contato.

Frequentando uma casa umbandista há anos, as observações e questionamentos se

pautavam, quase sempre, sob um olhar sociológico e epistemológico. O aprender a sentir, a

deixar as energias atuarem, vieram com o tempo. Desta forma, a Umbanda, não mais

totalmente desconhecida, mas essa a ser buscada e sentida, tornou-se, também, nosso objeto

de investigação.

A compreensão de uma religião perpassa o seu cosmos, pois, entendida como uma

instituição social, está presente em uma sociedade e encontra-se sob o julgo de uma cultura. A

religião é passível de ser investigada enquanto comunidade, ou seja, enquanto um grupo de

pessoas que professam a mesma fé; é passível de ser estudada a partir do seu conjunto de

doutrinas e, também, como acumulação de experiências.

Alguns desses pontos são de acesso ao pesquisador, porém, uma dificuldade se

apresenta ao cientista da religião: a experiência religiosa. Considerada como uma força vital

que anima as religiões, alimentando seus ensinamentos e os ritos transmitidos, apresenta-se,

desta forma, como uma medidora de força de uma religião. Assim, quanto mais fieis

encontramos vivenciando uma determinada crença, mais forte ela se torna, e, também ao

contrário, quanto menos fieis a vivenciam, menos força ela apresenta no cenário religioso.

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Inserida em uma cultura, a religião, também apresenta esse dinamismo, esse equilíbrio

entre passado e presente. Desta forma, concilia a tradição com a reatualização, buscando sua

manutenção no cenário religioso.

Pensando no empreendimento de investigação que levasse à compreensão de alguns

aspectos da religião, sem perder a noção do seu todo, iniciamos o estudo sobre a Umbanda.

Buscando compreender o “início” da Umbanda, seus ritos, doutrina e algumas das

experiências dos fieis, a partir de uma comunidade de fé, demos início aos estudos delineando

a metodologia a ser abordada.

Neste sentido, dividimos essa pesquisa em duas etapas: na primeira foi desenvolvida

uma pesquisa bibliográfica, que norteou a seguinte, pois, é a partir desta que se encontram os

pressupostos teóricos e as atuais informações referentes ao problema que fundamentarão o

referencial. A pesquisa bibliográfica foi direcionada para a análise de trabalhos relacionados

às temáticas: o povo brasileiro, sincretismo cultural e religioso, a universalidade e sobre a

constituição e trajetória da Umbanda, assim como, a sua cosmovisão, práticas ritualísticas e

demais elementos religiosos.

A segunda etapa consiste na pesquisa de campo. Nesta etapa, foram observadas e

descritas as práticas e ensinamentos religiosos do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, na

cidade de Itabira/MG. Foram, também, utilizadas as técnicas de observação sistemática não

participativa e entrevistas pré-estruturadas com alguns membros que compõe a direção da

referida instituição, sendo eles: um sacerdote e/ou líder religioso, a cambona, o ogã, a

zeladora de santo e o filho de santo com mais tempo na casa. As observações foram realizadas

em dias de reuniões fechadas e sessões abertas à comunidade e as entrevistas foram

agendadas1. As observações foram direcionadas tanto para os membros incorporados, quanto

para os não incorporados, buscando a compreensão do universo religioso umbandista e sua

singularidade, bem como a diversidade dos trabalhadores do astral (entidades).

Expostas as formas de obtenção de informações, passemos para a estrutura deste

trabalho. Esta pesquisa está dividida em três capítulos. No primeiro, buscamos a compreensão

da formação do povo brasileiro; da legitimação da Umbanda enquanto religião e sua presença

no campo religioso brasileiro. Ao que se refere à formação do povo brasileiro, destacamos o

processo de colonização pelos portugueses que desencadeou uma série de outros processos

firmando o protagonismo desse povo europeu e sua visão de mundo nesta terra.

1 O período destinado às observações e entrevistas foi de maio de 2017 a janeiro de 2018.

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Por séculos os povos indígenas, africanos e portugueses conviveram e se misturaram,

biológica e culturalmente nesta terra. Atravessando matas e sertões, foram povoando esta terra

“sem fim”. Desta forma, novas configurações e transfigurações foram surgindo em cada canto

desta terra, a partir dos trânsitos, desenraizamentos, destribalizações e desagregações. Este

povo brasileiro, representado aqui pelas figuras do mameluco, do caboclo, do sertanejo, do

caipira, do crioulo, o paulista e do gaúcho, filhos desta terra, sem identidade, vivendo, como

diria Ribeiro (2013), sua ninguentude, foram sobrevivendo selva e sertão adentro. Ora

perdendo alguns elementos culturais de uma de suas matrizes, ora se agarrando aos saberes

das mesmas, esses filhos da terra, vivendo em trânsito, em busca de um lugar em que

pudessem fincar suas raízes, fundiram-se entre religiosidades, técnicas, línguas, biotipos

múltiplos e fundiram-se entre cores.

Este espaço de miscigenação, vem agregando novos povos ao longo da sua

colonização e posterior à constituição republicana. Igualmente desenraizados, alemães,

italianos, espanhóis, poloneses, japoneses e árabes vem compondo esta trama brasileira. A

partir da segunda metade do século XIX, estes povos iniciaram sua jornada nesta terra,

principalmente nas regiões Sul e Sudeste. Vem se abrasileirando, misturando-se a um povo já

mestiço, plural, múltiplo, universal e único. Estes povos foram se fixando, arando a terra,

plantando, produzindo artesanatos, se adaptando à língua, ao clima, a um novo modo de vida,

a um novo povo. Quando estes novos habitantes chegaram, encontraram um povo arquitetado,

mas, que não estava vedado constitutivamente. Aliás, esta é uma característica do brasileiro,

estar aberto ao outro, por isso ele abriu suas portas para os que aqui desejavam adentrar, para

os que desejavam uma nova casa.

A trajetória deste povo novo, o brasileiro, marcada por longas caminhadas, entre

encontros e desencontros, proporcionou ao mesmo tempo um crescimento desigual. Para além

das adversidades da natureza, encontrou-se as adversidades estruturais. Assim, Ribeiro (1972)

aponta, ao direcionar seu olhar sobre os aspectos culturais deste povo, que é nas camadas

subalternas e como cultura vulgar, recheada de elementos indígenas e africanos, que se exerce

a criatividade que viria a atender aos requisitos necessários à sobrevivência material; à

convivência humana e ao atendimento de necessidades espirituais, para esta última,

correspondente à criação de cultos sincréticos e explicações míticas e lendárias sobre a

natureza e a sociedade.

Essa lógica cultural, em interface à religiosa fez emergir uma diversidade de formas de

se ligar ao sagrado. Dentre essas formas, sinalizamos a umbandista. Entre trocas, simbioses e

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empréstimos, sincretismos e sínteses constituíram-se formas pelas quais novos elementos e

novas ressignificações dos antigos foram surgindo.

Assim, ao nos direcionarmos para o entendimento que marca um possível início da

Umbanda, encontramos algumas perspectivas de origem ligadas entre a sua “fundação” a

partir do “mito” da incorporação do médium Zélio de Morares pelo Caboclo das Sete

Encruzilhadas e entre a ressignificação a partir da herança da antiga macumba, prática

religiosa de forte herança africana e entre sua legitimação nas décadas de 1920 e 1940, em um

Brasil em processos de urbanização e industrialização.

Entre essas perspectivas, que serão analisadas ao longo do primeiro capítulo, a

Umbanda vem se firmando no cenário religioso brasileiro. Ora se ascendendo e confirmando

sua força enquanto religião brasileira, ora, como nos últimos dados do IBGE, perdendo fieis

declarados.

No segundo capítulo adentraremos no universo religioso brasileiro em busca de uma

melhor compreensão da formação de uma matriz religiosa brasileira. Assim, chegaremos à

Umbanda enquanto espaço de sincretismos e sínteses, características que se destacam nessa

religião. Entre o sagrado e o profano, divagamos entre energias superiores, tipos sociais, ritos

e fundamentos, buscando um ponto em comum nesta diversidade umbandista. Diversidade

esta que também se destaca na busca por uma melhor compreensão dessa religião brasileira.

Conheceremos a representatividade e a atuação dos orixás, anjos, santos e entidades, na vida e

no imaginário umbandista, dentro do espaço sagrado que é o abaçá.

No terceiro capítulo analisaremos uma casa umbandista: o Lar Espírita Filhos de

Ogum e Oxóssi, na cidade de Itabira/MG. Ao sairmos das páginas dos livros e artigos e da

tela do computador nas visitas a sites institucionais que continham produções acadêmicas e,

também, os discursos dos fieis, iremos em direção a uma análise do fato em si, adentrando o

espaço sagrado. Observamos as giras, a estrutura física, os atendimentos, a doutrinação,

enfim, percebemos uma gama de linguagens usadas para a expressão religiosa desta

comunidade de fé e ouvimos, também, as vozes desses filhos de fé. Vozes estas que ecoam

nessas páginas.

Por fim, acreditando que qualquer conclusão é a delineação de um novo começo,

chegamos a um desfecho originado por uma inquietação. Após as pesquisas, alguns pontos se

mostraram mais seguros para se caminhar. Ressaltando que qualquer tentativa de se enformar

a Umbanda se torna uma tentativa de enformar tradições culturais e ressignificações,

buscamos mostrar os laços que unem essa diversidade peculiar. Essa essência que se ramifica

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no solo e no imaginário brasileiros, vai desembocar nas mais multifacetadas manifestações,

interpretações, mas sem perder seu foco de irradiação.

Apresentamos, também, em anexo, algumas fotos dessa casa umbandista e algumas

orações proferidas por seus fieis. Apresentamos a casa de todos os santos, a casa onde não

somente “Deus fez sua morada”, mas, onde todos os seres encontram morada.

2 A FORMAÇÃO DE UM POVO E DE UMA RELIGIOSIDADE

Neste primeiro capítulo, nos atentamos para a compreensão da formação do povo

brasileiro e para as perspectivas relacionadas ao surgimento da Umbanda. Para tanto,

dividimos o texto em três partes. Na primeira parte, analisamos os processos de formação do

povo brasileiro, bem como, alguns aspectos das religiosidades que emergiram nesta terra. Nas

segunda e terceira partes, nos direcionamos para a Umbanda. Desta forma, apresentaremos

algumas perspectivas relacionadas ao seu surgimento e os processos de legitimação social e

estatal, da mesma forma, situaremos essa religião no cenário religioso brasileiro atual.

2.1 Brasil: a formação de um povo

O Brasil é um país que apresenta, também, como característica em destaque, a

miscigenação. Nestas terras vastas, vários povos mantiveram e mantêm contatos. Em

processos que se iniciaram há mais de cinco séculos e que, pela própria dinâmica que

mantêm, não se cessarão, diversos elementos culturais são inseridos e ressignificados, assim

como, biotipos vão tomando forma.

Os encontros e contatos vão dando contornos às mais variadas formas de percepção de

mundo, de interação com o meio ambiente, da utilização de técnicas para a sobrevivência e da

compreensão do outro. Enfim, o povo brasileiro vem se firmando nesse solo, semeando sua

cultura e religiosidade. Desta forma, iniciaremos este trabalho a partir da compreensão da

formação do povo que habita este solo e da compreensão dos processos sincréticos e

sintéticos que aqui sucederam.

2.1.1 Brasileiros- dos donos da terra Brasil ao atual mestiço

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A história do Brasil inicia-se para além-mar, para terras longínquas, na Península

Ibérica, precisamente, para Portugal e Espanha. Portugal, país central desta trama que se

transfigurará no Brasil, também apresenta uma história de tecitura cultural.

Durante séculos, Portugal foi ocupada pela civilização árabe, que, mesmo

permanecendo em território ibérico por séculos, não se propôs à conversão do povo português

(RIBEIRO, 2013, p. 64-65). A convivência em terras ibéricas, entre o cristianismo, o

judaísmo e o islamismo, enquanto representavam forças relativamente equivalentes,

apresentava um espírito de certa tolerância. Porém, a partir da hegemonia do cristianismo,

esta coexistência pacífica deixou de existir e mouros e judeus acabaram sendo expulsos

(WACHHOLZ, 2011, p. 784). Este mesmo povo ibérico, liberto da ocupação moura, se

constitui, neste contexto, como os primeiros Estados nacionais do mundo moderno

(RIBEIRO, 2013, p. 65- 67). Esta libertação, caracterizou-se, inclusive, com o

estabelecimento de uma legislação discriminatória contra judeus, mouros e negros, como

aponta DaMatta (1986, p. 46).

Assim, a partir das transformações ocorridas em solo europeu, e, em especial, neste

território, evidencia-se a emergência do feudalismo e sua posterior queda, a partir do

mercantilismo; distingue-se uma precoce unificação nacional de Portugal e Espanha, incitada

por uma revolução tecnológica e mercantil, surtidas nos mundos árabe e oriental, que

permitiu, em destaque, o acesso ao mundo, através das técnicas navais (RIBEIRO, 2013).

Os ibéricos lançam-se ao mar em busca de conquistas, apropriações e evangelização,

em uma visão mercantilista e missionária salvacionista, aos continentes africano, asiático e

americano, dando luz às novas configurações sociais, econômicas, históricas, culturais,

geográficas e étnicas.

Deste modo, esse povo português que chega à terra, posteriormente intitulada Brasil,

para além-mar da sua terra europeia, apresenta, em sua formação étnica, uma heterogeneidade

de povos e costumes, proporcionada por uma convivência multi secular entre diferenças

também religiosas, que, porém, os permitiu manter sua identidade católica. Em relação a esta

identidade católica, Sanchis, aponta que o catolicismo foi inserido em Portugal, entre as

religiões pré-celtas, celta e romana, predisposto a “haurir das sedimentações que abrigam sua

raiz os elementos culturais – e religiosos – com os quais vai nutrir sua identidade”, e esta

identidade é recapitulativa, no sentido em que, mesmo consciente e unificadamente

“católica”, é portadora das virtualidades das camadas religiosas que preparam sua germinação

(SANCHIS, 2001, p. 24).

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Desta forma, ainda com o ímpeto das recentes batalhas contra os mouros, esse povo

português chega, na América, agora, contra os povos nativos (RIBEIRO, 2013, p. 70-73).

Assim, este primeiro contato entre estes povos com diferenças biológicas e culturais

acentuadas, acontece por duas visões distintas: por um lado, os índios litorâneos, espantados,

não podiam prever que aqueles homens fétidos, cobertos, feios e barbudos não seriam

generosos e enviados do seu deus criador. Por outro lado, esses homens de além-mar,

“civilizados”, práticos, sofridos, que traziam em sua bagagem, além de instrumentos da vida

moderna e a sua concepção cristã do mundo, viam, aquela gente despida. Porém, viam-nos

também, como fúteis. A partir deste primeiro contato pacífico, as intenções dos novos

habitantes ficaram mais evidentes e as relações de gentileza e submissão indígenas, deram

lugar às lutas por sobrevivência (RIBEIRO, 2013, p. 42-44). Neste sentido, DaMatta ressalta

o interesse mercantilista do português, que, visando um enriquecimento fácil, inicia o

extrativismo imediatista e predatório (1994, p. 103). Assim, esta terra fértil, rica, passiva e

inexplorada, na lógica mercantil, será vista como uma terra boa para devastar, para sugar e

explorar.

A serviço dos portugueses estavam os braços dos índios para a derrubada de paus-de-

tinta, como diria Riberio (2013), como produto de comercialização em sua terra natal,

estavam, também, a força de trabalho da índia para a plantação e colheita, para o cativeiro

doméstico e gestação de crianças (2013, p. 100). Posteriormente, o próprio índio, além de

escravizado, se torna peça comercial, desencadeando, assim, um processo no qual os próprios

índios, em troca de instrumentos e utensílios portugueses e da própria imposição escravista,

auxiliaram na captura de mais índios na promoção de intensas e contínuas batalhas.

Ao indígena, coube sobreviver às mais diversas doenças trazidas pelo português,

sobreviver às batalhas contra os próprios “irmãos” e adentrar selva e sertão, fugindo de um

destino certo: a morte (RIBEIRO, 2013, p. 47). A respeito deste povo dono da terra, o autor

expõe as multiplicidades dos grupos étnicos indígenas, cuja sabedoria milenar os possibilitou

um vasto e intenso conhecimento da terra, das plantas, dos animais e dos próprios povos,

amigos e inimigos. Dentre as diversidades e especificidades destes grupos, Ribeiro aponta os

Guaikuru, chamados também de cavaleiros, que travaram inúmeras batalhas contra os

invasores. Considera-se que estavam em via evolutiva, pois, fisicamente, se destoavam dos

demais, eram altos, utilizavam peles para proteção contra o frio e conquistavam outros povos

submetendo-os a um sistema análogo à servidão. Mantiveram alianças tanto com os

espanhóis, quanto com os portugueses, na captura de índios de outras tribos (p. 35-36). Já os

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povos Tupi mantinham o ritual antropofágico que consistia em comer os honrados

prisioneiros de guerra (RIBEIRO, 2013, p. 34).

Este contato entre povos tão diferentes em sua cosmovisão e avanço técnico e bélico,

foi se desenvolvendo por séculos, trazendo, como consequências, a assimilação, pelos

portugueses, das técnicas de sobrevivência na nova terra e, aos índios, uma perda quase total

da sua identidade étnica. Neste sentido, Ribeiro, aponta-nos a língua nheengatu, que surge no

século XVI, como a língua geral e, sua substituição, pela língua portuguesa, como língua

materna dos brasileiros, no século XVIII (2013, p. 122-123).

O contato, a assimilação, a inculturação e a dominação cultural e religiosa foram

decisivos no processo de formação desse novo povo: o brasileiro, assim como os seus

diversos biotipos. Ribeiro já havia mencionado o nascimento desse novo habitante: o

brasileiro, o filho da índia com o português. Esclarece que o sistema conhecido por

cunhadismo contribuiu para o surgimento e multiplicação deste filho da terra. Foi somente a

partir deste sistema que o Brasil começou a ser povoado. Em sua prática, o índio oferecia ao

estranho uma moça índia como esposa, então, a partir desses laços de parentesco, os índios

estariam a seu serviço. Essa prática fez emergir, a partir dessa massa de mestiços, à qual

Ribeiro se refere como mameluco ou brasilíndio, grandes núcleos de povoação e, não

atendendo à demanda, essa mão-de-obra mestiça deu lugar à captura de escravos (RIBEIRO,

2013, p. 81- 83). Esse mameluco, rejeitado pelo pai português, que o via impuro, e pela mãe

índia, já que na visão indígena, o filho é do pai e não da mãe (p. 108); esse primeiro fruto da

terra, ao não se identificar com seus ancestrais, se constrói nesta terra que não é sua e com

este povo que não é o seu.

Este novo gênero, o mameluco, que é a mão de obra mestiça, não atendia às

necessidades dos interesses do português que, a partir do reconhecimento do potencial

econômico desta terra Brasil, desenvolveu novas formas e produtos de comercialização e, viu-

se com uma nova carência de mão de obra. Neste sentido, iniciou-se o processo de

escravização africana com a função de suprir essa demanda na lavoura açucareira no

Nordeste. Assim como os indígenas, os africanos viviam em sistema tribal e em diversos

grupos étnicos, apresentando, inclusive, certo conflito entre alguns (RIBEIRO, 2013, p. 96-

98).

Desenraizados, desqualificados, arrancados de sua terra, os africanos chegam aos

canaviais nordestinos, e, posteriormente às minas, se adaptando, para a própria sobrevivência,

a um sistema econômico, a uma língua, alimentação, cosmovisão, enfim, a um mundo novo.

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Os africanos chegam de múltiplas tribos, línguas e costumes, e, esta diversidade, será

um elemento essencial para a não união dos mesmos na composição de um corpo contestador

eficiente para ameaçar os senhores de engenho. Assim, este africano vai se adaptando

ecológica e culturalmente à nova terra. Ribeiro apresenta os processos de deculturação e

aculturação exemplificando o que aconteceu com o africano e com o indígena, no Brasil.

Desta forma, afirma que

a deculturação tem como elementos básicos, seu caráter compulsório, expresso no

esforço por inviabilizar sua transmissão; e a sua natureza de procedimento

deliberado de incorporação de pessoas já integradas numa tradição em um novo

corpo de compreensões comuns, tendente a cristalizar-se como uma nova cultura

(RIBEIRO, 1972, p. 101).

Neste processo, o africano perdeu sua condição humana ao ser tratado como coisa,

posteriormente, foi “reumanizado”, a partir do aprendizado da língua, da apropriação das

técnicas de trabalho e integração à nova cultura (RIBEIRO, 1972, p. 102). Assim, o negro foi

compelido a se desmemoriar do seu universo simbólico e a interiorizar um novo.

Essa nova matriz, o negro, foi se multiplicando com os mestiços e com os portugueses

e, somando à diversidade das atividades de rentabilidade e de subsistência, formaram núcleos

de base econômica, mas que, se tornariam, também, núcleos culturais. Ribeiro destaca a área

cultural crioula:

[...] à configuração histórico-cultural resultante da implantação da economia

açucareira e de seus complementos e anexos na faixa litorânea do Nordeste

brasileiro, que vai do Rio Grande do Norte à Bahia. [...] A polaridade social básica

da economia açucareira- o senhor de engenho e o escravo – uma vez plasmada como

uma forma viável de coexistências, constituiria uma matriz estrutural que, adaptada

a diferentes setores produtivos, possibilitaria a edificação da sociedade brasileira

tradicional (RIBEIRO, 2013, p. 277).

Neste sentido, tanto o senhor de engenho, quanto o escravo, interiorizados em

estrutura hierarquizante, compartilham a mesma língua, se abrasileirando, se enraizando nas

relações de codependência. Para além da visão de desenraizamento que se reconhece no

escravo, e que, aqui, se traduz na figura deste africano, Ortiz, assim como Ribeiro, aponta

para a situação de submissão racial que o levará a não se reconhecer como humano, se vendo,

assim, por meio do olhar do colonizador (ORTIZ, 2003, p. 57).

Ocupar esta vastidão territorial, demarcando não somente seu chão, mas,

principalmente, tomando posse de tudo o que nela vivia, foi um empreendimento que levou

séculos para se concretizar. Cada passo desses desbravadores mercantilistas foi marcado pela

multiplicidade climática, geográfica, étnica e da biodiversidade. Diante desta longa

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caminhada que buscou a ocupação e a dominação desta terra, destacamos alguns desses

passos.

Ao que se refere ao que hoje conhecemos por região amazônica, tem-se o que Ribeiro

chama de Brasil Caboclo. A ocupação portuguesa deste território se iniciou com o objetivo de

expulsar holandeses, franceses e ingleses; ocupação esta que desencadeou inúmeras batalhas

para quais se chantageou e escravizou os nativos, compondo, assim, o corpo bélico necessário

para a derradeira vitória (2013, p. 311). A partir deste contato entre os índios da região

amazônica e o português, alinhado à prática do cunhadismo, forma-se um povo mestiço, um

“tipo racial” mais indígena, o caboclo da Amazônia. Inserido em uma nova forma de

sociedade, este caboclo, que não possui uma identidade indígena e nem europeia, torna-se

mão de obra para o extrativismo português e, também, caçador de índio (RIBEIRO, 2013, p.

316-320).

Para além da Amazônia e das terras férteis e frescas, adentrando na terra Brasil,

encontra-se um território agreste, terras semiáridas, encontra-se a caatinga e o cerrado. Não

havendo especiarias e drogas da floresta amazônica para extrair e as lavouras açucareiras com

seus tipos societários específicos, desenvolveu-se, no sertão, uma economia pastoril que foi

introduzida objetivando o fornecimento de carne, couros e bois de serviço à produção

açucareira. Esse novo povo, o sertanejo, não era escravo, seu pagamento consistia em

fornecimento de gêneros de manutenção, como sal e crias de rebanho (RIBEIRO, 2013, p.

342). Assim, essa subcultura sertaneja, caracterizava-se pela formação de núcleos, chamados

currais, que se organizavam em torno do proprietário, que era autoridade indiscutida, assim

como, por uma vestimenta específica e uma vida pobre, dispersa nos núcleos pelo sertão.

Estampado em sua face, a face da vaqueirada e do povo nordestino, em geral, originários

deste sertanejo, está o fenótipo típico dos povos indígenas originais deste território, que

encontrava momentos de convívios entre famílias nos cultos aos santos padroeiros e nas

festividades do calendário regido pela religião católica (RIBEIRO, 2013, p. 340-344).

Desta forma, vivendo esta vida minguada e árida, quase estéril, este povo encontrou

formas de luta contra esta penúria e miséria através do cangaço e da vivência de uma

religiosidade messiânica. Exemplos dessas expressões vivenciadas são Lampião e o seu

banditismo sertanejo e Antônio Conselheiro e Padre Cícero (RIBEIRO, 2013, p. 356).

A respeito da vida religiosa, DaMatta aponta os ritos da religião, assim como os ritos

cívicos ou do Estado e os orgiásticos ou carnavalescos, como um dos três modos de

ritualização vigentes na sociedade brasileira. O autor destaca a reza como um modo

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privilegiado de comunicação, que impulsiona homens e deuses, que aproxima o sagrado e o

profano (DAMATTA, 1994, p. 75). Neste sentido, essas atividades religiosas,

predominantemente católicas, proporcionavam, não somente um elo, mesmo que temporário,

social, mas, também, uma conexão desses homens de vida escassa aos santos e a Deus.

O sertão foi sendo cortado e ocupado por este povo, que introduziu, além da criação de

bode, atividades extrativistas, e, em terras mais prósperas, uma lavoura comercial. A natureza

dura e seca conduzia a vida parca e miserável deste sertanejo e o moldou como uma mão de

obra barata e adaptativa, que contribuiu para diversas atividades econômicas, tais como a

mineração e o extrativismo nos seringais da região amazônica (RIBEIRO, 2013, p. 340-344).

Assim, vivendo em constante trânsito, vivendo em terras que não são suas, se agregando e,

contraditoriamente, se desgarrando, em busca de uma vida menos miserável, o sertanejo se

mescla e se mistura Brasil adentro.

Já na região sudeste, os paulistas, considerados os deserdados do Brasil, pois, com a

economia voltada para a lavoura açucareira e os currais de gado, a eles coube se

especializarem como homens de guerra, caçadores para a escravização e saqueadores. Esses

bandeirantes cortavam sertões em busca de índios, mas, também, formavam núcleos

familiares, mesclando-se, originando, também, os mamelucos. Esse povo novo, fruto de gente

desgarrada das tribos, tinha, como grande esperança, encontrar minas de ouro, prata ou pedras

preciosas (RIBEIRO, 2013, p. 368-372).

A partir da descoberta do ouro em Minas Gerais, Mato Grosso e, posteriormente, em

Goiás, o fluxo migratório se intensificou, desencadeando inúmeros conflitos entre seus

descobridores e baianos, pernambucanos e demais brasileiros e a gente vinda da corte,

seduzida pelas minas (RIBEIRO, 2013, p. 374). A mineração desencadeou um processo de

intensa urbanização nas regiões e estimulou a expansão do pastoreio nordestino pelos campos

são-franciscanos e Centro-Oeste; possibilitou a ocupação da região sulina, além, é claro, de

contar com uma massa de escravos africanos e indígenas e novos contingentes de brasileiros

de outras regiões e europeus. Assim, esta atividade de maior lucro para a colônia, possibilitou,

a esta sociedade colonial, uma integração dessa gente semeada na imensidão desta terra

(RIBEIRO, 2013, p. 376-377). Referindo-se a este deslocamento para a região do centro do

Brasil, Bastide apontará, que, de certo modo, deu, a este Brasil colonial, seu centro de

gravidade, para onde se convergiram os interesses e atividades econômicas, políticas, sociais e

artísticas (1978, p. 29). Esta nova sociedade apresentava uma estratificação social

diferenciada das anteriores, pois contava com uma ampla camada intermediária, assim como,

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com uma diversidade nas atividades econômicas e sociais, sendo, estas últimas, também

regidas pelas atividades religiosas (RIBEIRO, 2013, p. 378).

Esta vida barroca à brasileira, de luxo e ostentação, entrou em decadência e a vida

pobre e rústica retorna a esta terra; as cidades se esvaziam, antigos mineradores e negociantes

se transformam em fazendeiros; a busca, agora, é por terras para a subsistência, sendo para

lavoura e/ou a criação. A esta área cultural rusticamente cristalizada, Ribeiro chama de

caipira. Esta, antes rica em ouro, transforma-se em uma área ocupada por uma população

extremamente dispersa e desarticulada (RIBEIRO, 2013, p. 383). Porém, esta mesma gente

caipira foi se estruturando em unidades solidárias, apresentando participação em formas

coletivas de trabalho e de lazer, assim, a ideia da primazia do núcleo familiar permanece,

agora, associada às formas de auxílio e convívio mútuos, que se estenderá, em algumas

ocasiões, às atividades religiosas, como os cultos aos santos e missas. Aos rituais religiosos,

DaMatta esclarece um importante ponto: a ordenação do mundo de acordo com os valores da

Igreja Católica e estes espaços religiosos demarcaram uma área onde a possibilidade de

convivência entre os diferentes extratos sociais fazia-se presente (DAMATTA, 1986, p. 83).

Constatando, neste sentido, que, este era um espaço onde se mantinha uma identidade

religiosa e uma identificação com o santo padroeiro, em suma, mantinha-se uma relação de

proteção e pessoalidade com o mesmo. Assim, este posseiro caipira que, após a decadência da

atividade mineradora, se reorganizou e desenvolveu novas formas de subsistência e estrutura

social, passa, agora, a ser mais um desenraizado, por promoção do Estado oligárquico, que

remonopolizou a terra e o surgimento de novos cultivos comerciais como o algodão, o tabaco

e, posteriormente, o café. Este último, de grande importância para a economia brasileira,

possibilitou uma reordenação social e uma nova configuração econômica, social, cultural e

biológica (RIBEIRO, 2013, p. 394-396).

Esse novo produto exportador, recrutou a mão de obra escrava até a proibição do

tráfico de escravos e a abolição; posteriormente, o caipira conseguiu se inserir como força de

trabalho na lavoura cafeeira, assim como, imigrantes europeus, porém, em regime de trabalho

de colonato. Este europeu que aqui se estabeleceu, veio de um processo de desenraizamento

dos campos para as cidades, proporcionado pelo capitalismo industrial (RIBEIRO, 2013, p.

399). Essa multidão de alemães, espanhóis, italianos e poloneses, enquanto mão de obra mais

especializada e enquanto um povo cuja mentalidade foi moldada a partir do advento das

Revoluções Francesa e Industriais, familiares ao trabalho assalariado, aos direitos às

liberdades religiosa e política, assim como, experiências com os ideais comunistas e

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anarquistas e com o sindicalismo foi, progressivamente, se inserido na nova terra, num

processo em que o ex escravo e o caipira foram sendo, cada vez mais, impelidos à

marginalidade social pela oligarquia cafeeira (RIBEIRO, 2013, p. 400).

Os bandeirantes paulistas também chegaram à região sulina. Esta, que carrega em sua

história uma prévia dominação espanhola, a partir da catequização e estruturação social

jesuíta, que destribalizou e uniformizou culturalmente o índio, teve os núcleos das missões

devastados pelos paulistas, que escravizaram os nativos e se apropriaram das terras

(RIBEIRO, 2013, p. 410). Este povo gaúcho também apresenta o início da sua configuração

étnica a partir da mestiçagem da índia com o português, porém, com um diferencial: o

espanhol, cuja presença e tentativa de permanência desencadearam conflitos por séculos

(RIBEIRO, 2013, p. 414). Este gaúcho, assim como os demais povos brasileiros acima

citados, é desenraizado, não é índio, cuja matriz é guarani, nem espanhol, nem português; este

gaúcho desenvolve atividades pastoris e possui sua vestimenta peculiar. Assim como nas

demais regiões do Brasil, também no Sul, foi-se utilizada, primeiro, a mão de obra escrava

indígena e, posteriormente, a africana.

Ao se analisar a concepção que Ribeiro desfia acerca do caipira, vê-se, no gaúcho-a-

pé, este mesmo trabalhador de terras e criação alheias; desgarrado, finca suas hastes em terras

de ninguém, quando encontra, visando sua subsistência, até que um agente do poder estatal

rompa com sua miserabilidade, condicionando-o a mais um desenraizamento (RIBEIRO,

2013, p. 424). Tal qual se deu no Nordeste, também no Sul, houve um movimento

messiânico; assim, também no Sul, uma massa de gente pobre, miserável, degredada, sem

lugar, buscou expressar sua miserabilidade e sua contestação da marginalidade na qual

viviam. Em comunhão, esses marginalizados passaram a enfrentar a ordem social que os

conduzia à mazela. Desamparados socialmente, se agarraram à visão de um novo mundo,

ocupavam terras do governo, fincando seus ideais de uma vida comunitária, próspera e justa.

Em movimentos messiânicos, fortaleciam as lideranças dos “monges” caminheiros, tidos

como curandeiros, milagreiros e conselheiros (RIBEIRO, 2013, p. 431-433). Desta forma, não

mais como colônia ou império, mas, enquanto república, entre os anos de 1910 e 1916,

principalmente, na Guerra do Contestado, esses movimentos, a partir da busca por justiça

social e de uma vida digna, eclodiram, tornando-se preocupantes para o governo, assim como

ocorreu em Canudos. Tal como em Canudos, a força bélica estatal silenciou milhares de vozes

brasileiras que gritavam por justiça, que bravejavam por dignidade, enfim, que clamavam pela

vida (RIBEIRO, 2013, p. 433-434).

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A composição do povo gaúcho vai se diferenciar das demais regiões do Brasil devido

a uma maior imigração de europeus, da imigração de japoneses e açorianos.

Assim Darcy Ribeiro arremata este longo processo:

Efetivamente, o Brasil não nasceu como etnia e se estruturou como nação em

consequência de um desígnio de seus criadores. Surgiu, ao contrário, como uma

espécie de subproduto indesejado de um empreendimento colonial, resultante da

Revolução Mercantil, cujo propósito era produzir açúcar, ouro ou café e, sobretudo,

gerar lucros exportáveis. Desse empreendimento resultou ocasionalmente um povo

e, mais tarde, uma nação. Esta emergiu da condição de feitoria colonial à de nação

aspirante ao comando de seu destino, por força de um outro processo civilizatório de

âmbito mundial – a Revolução Industrial – que a afetou reflexamente (RIBEIRO,

1972, p. 3-4).

Esta lógica portuguesa de exploração da natureza farta, pronta a ser domesticada,

permeou e se consolidou nas relações entre os povos, aonde o escravo se torna a figura mais

emblemática, pronto também a ser explorado. O povoamento, a ocupação e o

desenvolvimento dessa nova gente se estruturam em uma hierarquia em que, assim como a

natureza, o escravo foi visto com igual domabilidade. Esta relação hierárquica é facilmente

reconhecida nas relações acima citadas e entre os tipos sociais que são, caracteristicamente, a

prole dessa configuração brasileira, sendo eles: os senhores de engenho, os bandeirantes

paulistas, os senhores das minas e os senhores dos gados e dos currais, como aponta DaMatta

(1994, p. 113).

Esta história, que se iniciou além-mar, se caracteriza por trânsitos, desenraizamentos,

destribalizações, desagregações, configurações e transfigurações. Na terra, povos nativos e

múltiplos; vindos do mar, o português, também mestiço, que trouxe os africanos, também em

sua pluralidade cultural. Esses povos vêm se formando, gerando, assim, o que Ribeiro chama

de Povos-Novos, pois “originaram-se da conjunção de matrizes étnicas mais diferenciadas,

impostas por empreendimentos coloniais-escravistas, seguida da deculturação destas matrizes,

do caldeamento racial de seus contingentes e de sua aculturação no corpo de novas etnias”

(RIBEIRO, 1972, p. 31). Assim, cada uma dessas matrizes étnicas deste “novo povo”,

contribuiu para a formação deste novo ser: o brasileiro. Desta forma, o indígena contribuiu

como matriz genética e agente cultural, através da experiência para a adaptação ecológica; o

negro, na qualidade de força de trabalho e, o branco, como promotor desta miscigenação

forçadamente instituída (RIBEIRO, 1972, p. 35-36).

O mameluco, o caboclo, o sertanejo, o caipira, o crioulo, o paulista e o gaúcho, filhos

desta terra, sem identidade, vivendo, como diria Ribeiro, sua ninguentude, foram

sobrevivendo selva e sertão adentro; desgarrados, se mesclaram à natureza, se configurando e

se moldando frente às diversidades encontradas neste ambiente por vezes hostil e nas relações

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de poderio. Ora perdendo alguns elementos culturais de uma de suas matrizes, ora se

agarrando aos seus saberes, esses filhos da terra, vivendo em trânsito, em busca de um lugar

em que pudessem fincar suas raízes, fundiram-se entre religiosidades, técnicas, línguas,

biotipos múltiplos, fundiram-se entre cores, formando, assim, o Brasil mestiço.

Este espaço de miscigenação destacado por Ortiz (2003, p. 19), que experimentou

conflitos contra franceses, holandeses, ingleses e espanhóis, para a defesa de uma terra ainda

em formação, vem agregando, ao longo da sua colonização e posterior constituição

republicana, novos povos. Igualmente desenraizados, alemães, italianos, espanhóis, poloneses,

japoneses e árabes vem compondo esta trama brasileira. Vem se abrasileirando, misturando-se

a um povo já mestiço, plural, múltiplo, universal e único.

A respeito desses outros povos igualmente desenraizados que aqui chegaram, Bastide

apresenta algumas das condições que os impeliram à nova vida em terra além-mar, dentre

elas: a fuga da miséria e das perseguições políticas e a busca pela sobrevivência e a segurança

de um futuro (1978, p. 184). Assim, italianos, espanhóis, japoneses, alemães, poloneses,

portugueses, romenos, russos e sírio-libaneses, iniciam sua chegada a partir da segunda

metade do século XIX, se fixando, principalmente, nas regiões Sul e Sudeste.

Em busca de refazer suas vidas, estes novos habitantes, mantiveram este ideal, seja na

lavoura cafeeira, seja na formação de pequenas colônias em regiões pouco povoadas. Assim,

italianos, os mais numerosos, juntamente com os portugueses, apresentaram uma ligação

maior à terra, trouxeram suas danças, músicas, seu modo festivo e o cultivo da uva, embora

tivessem vindo para substituir a mão de obra escrava nas fazendas (BASTIDE, 1978, p. 202).

Já os alemães, muito diversos em seus dialetos, regionalismos, em suas atividades laborais e

religiões, vieram tanto católicos, quanto protestantes; primeiro, processaram o sincretismo

inter-regional, na formação de uma comunidade teuto-brasileira, para, posteriormente,

passarem ao sincretismo com a civilização brasileira. Mesmo com esta heterogeneidade,

alguns traços culturais mais gerais podem ser destacados, tais como: a criação de porcos, o

gosto pela cerveja e as festas de natal (BASTIDE, 1978, p. 203).

Aos poloneses, Bastide atribui as características de conservação da vida rural, o

catolicismo, o cultivo do trigo, centeio, cevada e linho e a manutenção da língua natal (1978,

p. 204). Os russos, também rurais e conservadores, assim como os poloneses, buscavam a

vida na aldeia (p. 205). Continuando a análise que Bastide apresenta desses novos moradores,

os japoneses foram os que mais se destoaram. Assim, a sociedade japonesa, na visão de

Bastide, foi reconhecida como um verdadeiro quisto, o que, o mesmo explica como: “um

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núcleo de população que permanece não assimilado e que não se mistura com a população

nacional” (p. 191). Desembarcando em 1908, os primeiros japoneses não se dispersaram na

população, mantiveram o bilinguismo, a religião, em destaque o xintoísmo e o budismo, e, os

que apresentaram melhores condições financeiras, o estilo arquitetônico de suas casas

(BASTIDE, 1978, p. 192-193).

Os sírio-libaneses, embora apresentassem uma semelhança com a estrutura familiar

brasileira, que era a patriarcal, apresentavam, também, como característica desta estrutura, a

vida secreta e submissão da mulher, uma disposição para o casamento endógeno e a religião,

que Bastide também considerava um obstáculo, a maometana ou maronita (BASTIDE, 1978,

p. 197). Por fim, Bastide chamará atenção para as influências dos ingleses, principalmente,

com a introdução do maquinário nas fábricas, indústrias e ferrovias e dos missionários

estadunidenses, principalmente com a abertura de escolas. A internalização e difusão da

influência francesa partiu dos próprios brasileiros, compondo, inclusive, elementos culturais

da elite, destacando-se no vestuário, na chapelaria, perfumes, nos salões, tornando-se a

segunda língua desta elite (1978, p. 207- 208).

Desta forma, estes povos foram se fixando, arando a terra, plantando, produzindo

artesanatos, se adaptando à língua, ao clima, a um novo modo de vida, a um novo povo, povo

este, que já encontrava formado, após séculos de convivência forçada. Quando estes novos

habitantes chegaram, encontraram um povo arquitetado, mas, que não estava vedado

constitutivamente. Aliás, esta é uma característica do brasileiro, estar aberto ao outro, por isso

ele abriu suas portas para os que aqui desejavam adentrar, para os que desejavam uma nova

casa.

Este povo brasileiro não fala mais nheengatu, não vive mais sua ninguendade

(RIBEIRO, 2013, p. 453), não é mais órfão em busca de um pai ou uma mãe, este povo

brasileiro sabe quem é, ele traz, estampada em seu corpo, sua marca genética e, em sua

identidade, sua memória coletiva, vinculada a esta totalidade dos seus povos formadores, que

vem sendo vivenciadas cotidianamente por seus filhos e pelos filhos dos seus filhos. Os

brasileiros, agora, são os agentes da sua própria história, sobreviventes das brutalidades

seculares, são um povo, uma pátria, guardam sua memória nacional, memória esta, produto

desta história social, que transcende aos seus agentes (ORTIZ, 2003, p. 135).

Este povo tem rosto, tem história, é múltiplo, é plural, é universal, é tradicional e é

moderno e, como diria DaMatta (1994, p. 34): “no Brasil a morte mata, mas os mortos, pela

força dos elos que temos com todos eles, não morrem”, e não morreram, pois estão vivos em

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sua memória, estão vivos em cada batucada, em cada canto de agradecimento à chuva, em

cada capela, vivem em cada filho desta terra Brasil.

2.1.2 A Umbanda entre sincretismo(s) e/ou síntese2

A trajetória deste povo novo, marcada por longas caminhadas, entre encontros e

desencontros, desencadeou um crescimento desigual. Para além das adversidades da natureza,

este povo encontrou as adversidades estruturais. Assim, Ribeiro aponta, ao direcionar seu

olhar sobre os aspectos culturais deste povo brasileiro, que é nas camadas subalternas e como

cultura vulgar, recheada de elementos indígenas e africanos, que se exerce a criatividade que

viria a atender aos requisitos necessários à sobrevivência material; à convivência humana e ao

atendimento de necessidades espirituais, para esta última, correspondente à criação de cultos

sincréticos e explicações míticas e lendárias sobre a natureza e a sociedade (RIBEIRO, 1972,

p. 107-108).

Ao analisar este sincretismo brasileiro, Sanchis destaca vários pontos. Sua análise se

inicia a partir do destaque em relação à porosidade do catolicismo:

se constitui em um sincretismo entre duas dimensões, com uma consequência

concreta muito imediata: se é uma religião, no momento em que vai se implantar em

um campo social já ocupado por outras religiões, entra em jogo esse processo

estrutural do sincretismo: essa aproximação e essa transformação de si em função da

detecção (ou da criação) de homologias com o outro (2012, p. 31).

Assim, esse catolicismo, ao acessar outras religiosidades, não se mistura, mas, entra

em processo de simbiose e empréstimos, possibilitando sua transformação e, mesmo,

dominação sincronicamente. Ao considerar este catolicismo do povo português, este povo de

além-mar, que chega à terra Brasil e inicia o processo de formação de um novo povo, este

apontará um sincretismo diacrônico e uma identidade recapitulativa deste (SANCHIS, 2012,

p. 31).

Sanchis explica que esta identidade católica, específica deste povo, abriga elementos

culturais e religiosos diversos. Ou seja, esse catolicismo que aqui adentra mata e selva pelo

português, já é constitutivamente sincrético. No que, posteriormente, se chamará Brasil, este

português católico aqui, desenraizado, entrará em contato com os outros dois povos, o

2 Este tópico contém título similar e excertos da comunicação apresentada no VI Congresso da Associação

Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião: Religião, migração e mobilidade da

religião- Set. 2018. Ver mais em: https://drive.google.com/file/d/1vggr8lpcngthwmbxgsbekqex0niatoge/view

(página 79).

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indígena e o negro, destribalizados, com os seus respectivos universos simbólicos. Esta

pluralidade de universos simbólicos manifesta-se por porosidades e contaminações mútuas

(SANCHIS, 2001, p. 24-25). No curso de sua análise, Sanchis aponta que a articulação entre

a porosidade das identidades e a permanência de uma multiplicidade de processos de

construção de um sujeito plural, para além do campo individual, e, ao perpassar para o campo

institucional, mesmo com suas diferenças e oposições simbólicas, inicia, em torno das

componentes “sincréticas”, uma verdadeira dialética (2001, p. 27).

Acerca do catolicismo que aqui chega pelos portugueses, Sanchis destaca sua estrutura

virtualmente sincrética. Desta forma, esta predisposição estrutural para os cruzamentos e as

porosidades das experiências religiosas de seus fieis, poderá ser inscrita, de diferentes

maneiras na história (SANCHIS, 2001, p. 23-24). Ao esmiuçar o que se entende por

sincretismo, o autor indica a existência de uma variedade, e, sendo um processo, este

sincretismo, nem sempre está relacionado a uma estratégia política. Mesmo tendo o português

católico como principal matriz política, econômica, social e cultural, este Brasil plural e

múltiplo, é sincrético, poroso e fluido, não é uma simples fusão e mistura. Este sincretismo

brasileiro, diferente do português, envolve diferentes formas e transformações sem buscar

uma unidade sistemática. Neste sentido, o autor aponta a Umbanda, a religião brasileira, como

uma construção “sincrética” até mesmo na forma lógica de sua montagem institucional

(SANCHIS, 2012, p. 40).

Já Ortiz (1980), ao se referir ao sincretismo, iniciará sua trajetória de construção desta

concepção, a partir das análises de Roger Bastide, fundamentadas na memória coletiva do

negro em solo brasileiro. Assim, essa memória coletiva africana, encarnada neste solo, vem,

desde a escravidão, a abolição da escravatura, a urbanização e demais transformações

socioeconômicas, se transfigurando, produzindo, assim, a desagregação da mesma (1980, p.

93). Para o autor, o que define o sincretismo não é uma mistura incoerente de elementos

culturais, pois, há o fator similitude que regulamentará a disposição das significações destes

elementos (p. 97). Assim, este sincretismo despontará a partir do contato de duas tradições, no

qual a tradição dominante fornece o sistema de significação, escolhe e ordena os elementos da

tradição subdominante. Contando, este novo esquema sincrético poderá sofrer modificações,

desencadeando o que o referido autor chamará de ““corte epistemológico” que separa o novo

sistema da antiga tradição dominante” (ORTIZ, 1980, p. 105-106).

Para exemplificar o que nos diz Ortiz, tomemos a análise realizada por Guerra (2010)

sobre a memória e a identidade cultural da cidade de Itabira, Minas Gerais. Guerra, ao

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dissertar sobre a diversidade das expressões culturais e folclóricas dessa cidade, destaca,

dentre os múltiplos elementos materiais e imateriais da cultura Itabira, substâncias culturais

como Marujadas, Congados e Guardas. Definindo os Congados como “autos populares

brasileiros de motivação africana”, o autor, nos explica que é uma forma de culto aos

ancestrais de hierarquia superior realizado por nações diversas de escravos africanos.

Somados aos cultos, há percussões africanizadas de cantoria, que eram venerativas somente

ao Rei do Congo. Porém, essa manifestação foi, posteriormente, cristianizada por influência

jesuíta (GUERRA, 2010, p. 69).

Guerra indica a existência, na cidade de Itabira, de mais de dez Guardas filiadas e um

grupo de Folia de Reis. Destaca a antiguidade da Guarda de Marujos de Nossa Senhora do

Rosário, do Distrito de Senhora do Carmo, tendo mais de cem anos (2010, p. 60).

Assim como Sanchis, Ortiz, ao analisar a Umbanda e os elementos e significações de

diversas religiosidades como a africana, a católica, espírita e oriental, que a estruturam, aponta

o sincretismo desta, não como espontâneo, mas, refletido. Deste modo, nesta tentativa de uma

síntese coerente dessas diversas religiões, reconhece, assim, o caráter de síntese e de

brasilidade na mesma.

Bastide, ao analisar os processos de assimilação, sincretismo e simbiose na terra Brasil

ressalta que

a religião é sempre o centro de resistência mais importante nas mudanças culturais.

Muda-se mais facilmente de língua, de maneiras de viver, de concepções amorosas.

A religião forma o último baluarte, e em torno dela cristalizam-se todos os valores

que não querem morrer. O sagrado constitui, nas batalhas das civilizações, a última

trincheira que recusa entregar-se (1978, p. 193).

Ao analisar a trajetória dos povos matrizes e destes novos povos que compõem o povo

brasileiro, esta afirmação de Bastide, nos impele a pensar nas permanências de algumas

religiosidades, em processo adaptativo e sincrético. Este processo de sincretismo, decorrente

dos históricos e constantes contatos entre os diferentes povos que, agregados aos povos

matrizes da terra Brasil, vem formando, configurando e sintetizando um novo povo: o

brasileiro.

Para além das elucidações acima acerca do sincretismo, ainda temos, em Sérgio

Ferretti (2013), um estudo mais recente sobre este prisma. Ferretti, em Repensando o

Sincretismo, apresenta uma revisão e discussão da literatura sobre o sincretismo afro-

brasileiro, sintetizando e identificando as principais tendências e usos deste termo, ainda tão

debatido, apresentando-se ambíguo e contraditório (2013, p. 19, 25-26). Assim, ao examinar

estas tendências ou fases do referido debate, destaca: 1- a primeira, a teoria evolucionista com

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Nina Rodrigues; 2- a segunda, a teoria culturalista, com Arthur Ramos e seguidores; 3- a

terceira, a de Roger Bastide e seguidores, a partir de explicações mais sociológicas; 4- a

quarta fase, que se desenvolveu nas décadas de 1970 e 1980 e que continua até hoje,

analisando o mito da pureza africana e, 5- a quinta fase ou tendência, inclui os pesquisadores

atuais e se iniciou na década de 1980, criticam a ideia de sincretismo como estratégia de

resistência e justaposição (FERRETTI, 2013, p. 96- 97).

Em síntese da sua análise, Ferretti irá agrupar os principais significados relacionados

ao sincretismo: i- mistura, junção ou fusão; ii- paralelismo ou justaposição e, iii- convergência

ou adaptação. O autor afirma que o sincretismo existe em todas as religiões, que está presente

na sociedade brasileira e chama a atenção para a explicação do sentido a ser utilizado,

evitando, assim, mal entendidos e confusões (FERRETTI, 2013, p. 99-100).

Deste modo, seguindo as orientações de Ferretti, se segue o entendimento de

sincretismo não como uma justaposição ou mistura, mas como reformulação e redefinição

identitária, a partir do contato com o outro, a partir do confronto com outros sistemas

simbólicos, num processo contínuo e fluídico (SANCHIS, 2012, p. 17).

2.1.3 A “casa” Brasil

Ainda sobre este novo povo, o brasileiro, em sua trajetória, enquanto agente histórico,

vem se definindo, construindo, se formando e transformando, se relacionando com

representações, estruturas e simbologias diversas. Sua face, estampada no espelho, ora turva,

ora translúcida; ora contornada, ora disforme. Neste processo sociocultural e religioso, este

povo brasileiro vai se conhecendo, reconhecendo e se firmando. Estes povos geradores deste

novo povo, abarcados nas antigas selvas, matas e sertões, agora, encontram-se na casa Brasil.

Essa casa, antes de se tornar a casa Brasil, era um grande ponto de terra emerso em

águas longínquas da Península Ibérica. Essa terra foi, por séculos, morada de inúmeros grupos

étnicos indígenas. Esses nativos, com a chegada dos portugueses, perderam sua condição de

anfitriões, para se tornarem personas úteis para a sobrevivência e exploração desta terra.

Somados a estes, chegaram os desterrados africanos, desgarrados forçadamente do seu chão e

da sua identidade, pelo “patriarca” português, formando assim, inicialmente, um barracão

sustentado por uma armação comercial. A partir dos contatos, esses povos começaram a se

estruturar, a se fincarem em solo e em construção identitária. Foram recebendo visitas,

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convidados, mais desterrados, agregados que também habitariam esta casa. Assim, este

celeiro se estruturou, fez-se barracão e, hoje, é uma casa, a casa Brasil.

Nesta lógica da “casa”, DaMatta apresenta, assim, a “casa” e a “rua” como categorias

sociológicas para os brasileiros, por isso, são consideradas “entidades morais, esferas de ação

social, províncias éticas dotadas de positividade, domínios culturais institucionalizados, e, por

causa disso, capazes de despertar emoções, reações, leis, orações, músicas e imagens” (1997,

p. 14). Desta maneira, para o autor, esta entidade moral, a casa, é o espaço íntimo e privativo

da pessoa, com seus códigos, fundada na família, por laços afetivos e “de sangue”, na amizade

e lealdade. Este espaço, de intensa pessoalidade, possui uma ordem, cômodos

estrategicamente dispostos, espaços funcionais e papeis e funções a serem exercidos por seus

moradores. É um espaço marcado pela familiaridade e hospitalidade perpétuas, espaço para

expressão de sentimentos e afetividades e, principalmente, pelo sentimento de pertença. E,

esta lógica da casa, ao se transpor para a sociedade brasileira, DaMatta utiliza o conceito de

“englobamento”, de Louis Dumont. Definido como “uma operação lógica em que um

elemento é capaz de totalizar o outro em certas situações específicas”, este “englobamento”,

no caso brasileiro, apresenta a dinâmica familiar. Assim, nas relações e problemas brasileiros,

há a preferência por englobar a rua, este espaço externo, impessoal, na casa. Desta maneira, a

sociedade brasileira é tratada como uma “grande família” (DAMATTA, 1997, p. 16).

Desta forma, o que nos direciona para o espaço destinado à rua, neste contexto de

formação desta casa Brasil, são as leituras pelo ângulo da rua, que, segundo DaMatta, “são

discursos muito mais rígidos e instauradores de novos processos sociais. É o idioma do

decreto, da letra dura da lei [...] permite a exclusão, a cassação, o banimento, a condenação

(1997, p. 18). Assim, o Estado português, detentor da tutela desta terra, era a lei que

emoldurava as fundações desta casa, é o espaço de fora, é a rua que enformava esta casa.

Ao se definir esta “casa”, pelo prisma damattiano, somada à visão de Ortiz de que a

Umbanda apresenta um caráter sintético e de brasilidade e à visão de Sanchis de que essa é

uma construção sincrética, A casa de todos os santos, o título deste trabalho, reflete a essência

desta religião, que, assim como a terra Brasil, é um espaço aberto, sem muros, que agrega,

acomoda, partilha, acolhe, abriga e ampara. Esta casa Umbanda é a morada e residência de

todos aqueles que a ela adentram e desejam permanecer, pessoas e entidades de todos os

povos e lugares, tempos e espaços. Na Umbanda, o povo da rua e o povo do “outro mundo”

são convidados a conhecer e a ficar, a trazer e a levar, a trabalhar e a visitar, na Umbanda,

todos são “de casa”.

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2.2 Umbanda: a aurora de uma religião

A Umbanda, religião brasileira que integra, sincrética e sinteticamente, em sua

estrutura, elementos advindos das religiosidades destes povos constituintes do povo brasileiro,

será tratada, neste tópico, de forma mais circunstanciada. Assim, busca-se nestas próximas

laudas, elucidar os processos, pelos quais a Umbanda foi gerada. Busca-se a germinação desta

unidade de formulação religiosa e cultural, enfim, a sua aurora. Neste sentido, dirigiremos

nosso olhar para a contextualização do “surgimento” e legitimação desta religião.

Este “surgimento” encontra-se em destaque por indiciar uma compreensão que, apesar

de não ser atual, apresenta algumas reflexões advindas de pesquisadores contemporâneos,

como Rivas (2008), Jorge (2012), Carneiro (2014), Silva (2005), Giumbelli (2002), Isaia

(1999, 2009, 2012) e Oliveira (2007, 2008, 2013) e clássicos, como Birman (1985), Brown

(1985), Negrão (1985) e Ortiz (1978, 1980), dentre outros que serão citados.

Assim, constata-se, inicialmente, que a fundação da Umbanda não apresenta uma

unanimidade, não apresenta uma visão única que explique a sua origem, aliás, apresenta

algumas controvérsias. Para tanto, Jorge e Rivas (2012, p. 122-123) apresentam três correntes

para esta fundação: a primeira relaciona-se à incorporação do médium Zélio de Moraes, pelo

Caboclo das Sete Encruzilhadas, no ano de 1908. A segunda está concebida na ideia que a

Umbanda foi manifestada em diversos lugares do Brasil, em especial na região sudeste,

através das práticas religiosas conhecidas por macumba. Já a terceira, compreende que a

Umbanda surge como uma religião nova, entre as décadas de 1920 e 1930, frente aos

processos de urbanização e industrialização brasileiros, buscando afirmar sua identidade, esta,

mais aceita entre os acadêmicos (CARNEIRO, 2014, p. 65).

Brown (1985, p. 10), questiona a explicação da fundação da Umbanda por parte do

médium Zélio de Moraes, e, também, que esta tenha tido um único fundador e, Carneiro,

considera que este mito fundante é mais conhecido nas regiões Sul e Sudeste do país (2014, p.

66). Relacionada à segunda corrente, da Umbanda ter sido manifestada em diversos lugares

do país, em movimentos coletivos, Rivas (2008) destaca Juca Rosa e João de Camargo como

exemplos, já no final do século XIX e início do século XX, como propagadores das práticas,

posteriormente conhecidas como umbandistas. Já a terceira, a da fundação da Umbanda nas

décadas de 1920 e 1930, num contexto de transformações sociais, econômicas, políticas e

culturais brasileiras, se apresenta como a mais trabalhada entre diversos autores, tais como

Ortiz (1978), Silva (2005) e Brown (1985).

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2.2.1 Uma visão histórico-mítica: Zélio de Moraes: o “mito fundador”

Ao nos depararmos com este cenário de possibilidades de compreensão e identificação

sobre esta gênese umbandista, iniciaremos esta análise a partir da perspectiva do mito

fundante ou mito fundador. Acima citados, Carneiro (2014), Rivas (2008), Oliveira (2013) e

Birman (1985) não confirmam esta teoria em estudos acadêmicos, porém, essa ainda

permanece produzindo sentido para membros desta comunidade de fé. Neste sentido, há que

se citar os livros Umbanda- Religião Brasileira- guia para leigos e iniciantes (2014, p. 26-

27), de Flávia Pinto, sacerdotisa umbandista e socióloga, que reconhece a importância da

manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas para esta religião. Da mesma forma, Flávio

de Oxóssi, médium umbandista, em seu livro Umbanda- sem medo e sem preconceito,

identifica o nascimento da Umbanda a partir da incorporação do Caboclo das Sete

Encruzilhadas (2014, p. 43).

Ainda para citar referências desta comunidade de fé e a afirmação deste “mito”, em Os

Orixás na Umbanda e no Candomblé, Trindade, Linares e Costa (2013, p. 31-41) reservam

algumas páginas sobre o “mito fundador”, explicitando a manifestação do Caboclo das Sete

Encruzilhadas e a importância deste fato para a anunciação da Umbanda. O sacerdote

umbandista e cientista da religião, Alexandre Cumino, cita, em seu livro História da

Umbanda uma religião brasileira, o período entre 1908 a 1928, como a “primeira onda”, que

compreende o nascimento e expansão inicial, no Rio de Janeiro, da Umbanda. Embora não

utilize o termo “mito fundador”, o autor considera o nascimento da Umbanda a partir da

manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas (2015, p. 136-137) e reconhece, também, a

partir de Ronaldo Linares, que o conhecimento acerca da pessoa de Zélio de Moraes se deu

tardiamente. Assim, Linares afirma que, na década de 1970, em São Paulo, ninguém conhecia

Zélio (LINARES apud CUMINO, 2015, p. 123).

Neste mesmo caminho, Giumbelli, após a análise de textos acadêmicos e umbandistas,

observa, sem utilizar o termo “mito”, que a figura de Zélio de Moraes é citada a partir da

década de 1960 e posterior à sua morte, em 1975. Assim, ressalta um “interesse pela

“fundação” e pela “origem” de “uma religião” exatamente quando a dispersão doutrinária e

ritual e a divisão institucional parecem se impor de modo inexorável” (2002, p. 189).

Em análise a esta concepção de “mito”, aceito por alguns e negado por outros,

recorremos a Eliade, que afirma:

O mito conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que

teve lugar no começo do Tempo, ab initio. Mas contar uma história sagrada equivale

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a revelar um mistério, pois as personagens do mito não são seres humanos: são

deuses ou Heróis civilizadores. Por esta razão suas gesta constituem mistérios: o

homem não poderia conhecê-los se não lhe fossem revelados. (2013, p. 84). O mito

proclama a aparição de uma nova “situação” cósmica ou de um acontecimento

primordial. Portanto, é sempre a narração de uma “criação”: conta-se como qualquer

coisa foi efetuada, começou a ser. É por isso que o mito é solidário da ontologia: só

fala das realidades, do que aconteceu realmente, do que manifestou plenamente

(2013, p. 85).

Ao analisar o disseminado mito fundador da Umbanda, nos deparamos com a seguinte

cena, descrita por Oliveira (2013, p. 93-94):

Por sugestão de um amigo de seu pai, Zélio foi levado a Federação Espírita de

Niterói. Essa visita ocorreu no feriado de 15 de novembro de 1908, quando se

comemora a Proclamação da República. Ao chegar à federação, o rapaz foi

convidado pelo dirigente daquela instituição a participar da sessão. Logo em

seguida, contrariando as normas do culto, Zélio levantou-se dizendo que ali faltava

uma flor. Foi ao jardim, apanhou uma rosa branca e colocou-a no centro da mesa. A

atitude do rapaz provocou uma estranha confusão no local: ele incorporou um

espírito e, simultaneamente, em diversos médiuns manifestaram-se espíritos índios e

pretos. Advertido pelo dirigente do trabalho, a entidade incorporada no rapaz

perguntou por que era proibida a presença daqueles espíritos. Outro médium, que

tinha o dom da vidência, quis saber da entidade o porquê dela falar daquele modo,

pois via que era o espírito de um padre e lhe perguntou o nome. A resposta foi: “se

julgam atrasados os espíritos de pretos e índios, devo dizer que amanhã estarei na

casa deste aparelho, para dar início a um culto em que estes pretos e índios poderão

dar sua mensagem e, assim, cumprir a missão que o plano espiritual lhes confiou.

Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve

existir entre todos os irmãos encarnados e desencarnados. E se querem saber meu

nome que seja Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque não haverá caminhos

fechados para mim”.

Desta maneira, pode- se considerar, a partir da manifestação do Caboclo das Sete

Encruzilhadas, em uma casa kardecista, os aspectos, acima citados por Eliade: um ser

sobrenatural: o espírito do Caboclo das Sete Encruzilhadas; uma nova “situação” cósmica: o

surgimento de uma nova religião: a Umbanda e uma história sagrada e seus mistérios: a

revelação de uma nova cosmogonia. Ainda para Eliade (2013), “a função mais importante do

mito é, pois, “fixar” os modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas

significativas: alimentação, sexualidade, trabalho, educação, etc.” (2013, p. 87). Assim, na

fala do Caboclo das Sete Encruzilhadas: “[...] Será uma religião que falará aos humildes,

simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos encarnados e desencarnados”,

percebe-se a fixação de uma conduta moral, uma prática a ser seguida sem diferenciação entre

seres encarnados e desencarnados e entre classes sociais.

Em análise sobre mito em sociedades sem escrita, Lévi-Strauss dirá que, na busca pela

compreensão do mundo que os cercam, na busca pela sobrevivência e compreensão do todo,

há um pensamento de intelectualidade e desinteresse no mito, desempenhando o papel do

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pensamento conceitual, utilizando imagens tiradas da experiência. Porém, esta compreensão

do todo não possibilita o domínio da natureza, isto o diferenciará do pensamento científico

(1987, p. 26-28, 35).

Ainda na análise sobre o mito, Marilena Chauí aponta, em seu livro Brasil Mito

fundador e sociedade autoritária (2001), dentre as diferenciações e constituições dos mitos na

história do Brasil, associados à visão do paraíso bíblico, do messianismo estatal, dentre

outros, também, seu entendimento acerca do mito, que, além do sentido grego, compreendido

como narração pública de feitos lendários da comunidade, também, o sentido antropológico,

no qual esta narrativa é a solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não

encontram caminhos para serem resolvidos no nível da realidade (2001, p. 5-6). Desta forma,

Chauí aponta que a marca do mito fundador consiste na maneira como “põe a transcendência

e a imanência do momento fundador: a fundação aparece como emanando da sociedade [...] e,

simultaneamente, como engendrando essa própria sociedade [...] da qual ela emana” (CHAUÍ,

2001, p. 6- 7).

Assim, esta análise do mito fundador da Umbanda, na anunciação do Caboclo das Sete

Encruzilhadas, a partir desta perspectiva apresentada por Chauí, nos impele a perceber essa

emanação advinda da própria sociedade, e, também, está sendo gerada, a partir da visão da

qual este ensinamento se faz presente nos fundamentos das casas que se autodenominam

umbandistas, no atendimento e acolhimento a todos, independente da classe social e na

condição de encarnados ou não.

Para além do exercício de “encaixe” ou justaposição entre o mito fundador e os

conceitos de Eliade (1972, 2013) e de Chauí (2001), realizado acima, mais pertinente e que

fará jus a este propósito, será a fundamental dinâmica de compreensão do mito. Desta forma,

analisando Eliade (1972, 2013) e Lévi-Strauss (1987) em suas respectivas observações acerca

do mito, infere-se que esta “história verdadeira” é a resposta, é a explicação que as sociedades

ou, nesta análise, comunidade de fé, tem acerca de si, da sua constituição e do mundo que a

cerca. Deste modo, o mito produz sentidos e lógica, histórias que desenvolvem e

fundamentam as percepções de mundo no qual vive esta comunidade. Assim, da mesma

forma, a ciência também produz respostas. Utilizando-se de instrumentos e métodos

diferenciados, as comunidades científicas, assim como a antropologia e a sociologia, também

produzem respostas, e, estas, diferentemente das dos mitos, são temporárias, pois, os

instrumentos e métodos se desenvolvem na dinâmica da sociedade moderna (LÉVI-

STRAUSS, 1987, p. 23).

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O mito não se questiona, os membros da comunidade o aceitam e se aderem ao

mesmo, reatualizando-o, como diria Eliade (1972). Quando a comunidade científica, dentre os

estudiosos das Ciências Sociais, citados por Carneiro (2014) não confirmam a veracidade do

“mito de origem” da Umbanda a partir da anunciação do Caboclo das Sete Encruzilhadas, a

ideia do fosso, como diria Lévi-Strauss (1987), entre a explicação mitológica e explicação

científica se torna explícita, pois os mitos só podem ser compreendidos pela comunidade na

qual estão inseridos, dada a peculiaridade de cada uma, embora, para o autor, a ciência

moderna, a partir da sua linguagem binária, possibilita a compreensão destes. Se o mito é uma

história construída culturalmente por um povo, que está situado em um tempo e espaço

específicos e produzem suas instituições e ordem social próprias, somente este povo poderá

compreender sua essência e relevância. Esta comunidade de fé dá significações através do seu

prisma. Desta maneira, para fora desta comunidade ou povo, este mito pode se tornar

incompreensível, bizarro e absurdo.

Assim, de alguma forma, este marco fundador desta nova religião foi apreendido e

plasmado nas mentalidades destas pessoas e difundidos na sociedade. Desta forma, a

anunciação da Umbanda pela referida entidade apresenta uma simbologia significativa, além,

é claro, da data: 15 de novembro de 1908- comemoração de 19 anos da Proclamação da

República. Data tão significativa que, em 2012, através da Lei 12 644, foi promulgado, pela

então presidente Dilma Rousseff, o dia15 de novembro como o Dia Nacional da Umbanda.

2.2.2 Uma visão ancestral: a formação da Umbanda a partir dos cultos afro-brasileiros

Em análise da segunda perspectiva, a ideia de que a Umbanda foi manifestada em

diversos lugares do Brasil, em especial à região sudeste, através das práticas religiosas

conhecidas por macumba3, se destacam, abaixo, as seguintes concepções e análises desta

prática.

Edison Carneiro, em Os cultos de origem africana no Brasil, analisa o termo

macumba, para tanto, o autor apresenta uma observação de Renato Almeida, em que:

Antes de dançar, os jongueiros executam movimentos especiais pedindo a bênção dos

cumbas velhos, palavra que significa jongueiro experimentado, de acôrdo com esta

explicação de um preto centenário: «Cumba é jongueiro rúim, que tem parte com o

demônio, que faz feitiçaria, que faz macumba, reunião de cumbas". O jongo, dança

semi-religiosa, precedeu, no centro-sul, o modêlo nagõ. Como o vocábulo é sem

dúvida angolense, a sua sílaba inicial talvez corresponda à partícula ba que, nas

línguas do grupo banto, se antepõe aos substantivos para a formação do plural, com

provável assimilação do adjetivo feminino má. Nem todos os crentes se satisfazem

3 Retomaremos a este tema no próximo capítulo.

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com esta designação tradicional — e os cultos rnais modernos, tocados de espiritismo,

já se intitulam de Umbanda, em contraste com Quimbanda, ou seja, macumba. Esta

seria a magia negra, a Umbanda, a magia branca (ALMEIDA apud CARNEIRO,

1959, p. 8).

Desta forma, Carneiro expõe a aproximação ritualística entre a macumba, porém,

aponta sua essencial diferenciação: a macumba é associada, pejorativamente, à magia negra, e

a Umbanda, sob influência do espiritismo, à magia branca.

Oliveira (2007) em sua análise, se fundamenta, também, em Carneiro (1959) e

acrescenta:

A primitiva Macumba, longe de ser um culto organizado, era um agregado de

elementos da cabula, do Candomblé, das tradições indígenas e do Catolicismo

popular, sem o suporte de uma doutrina capaz de integrar os diversos pedaços que

lhe davam forma. É deste conjunto heterogêneo que nascerá a Umbanda, a partir do

encontro de representantes da classe mais pobre com elementos da classe média

egressos do espiritismo Kardecista. Foi este último grupo que se apropriou do ritual

da macumba, impôs-lhe uma nova estrutura e, articulando um novo discurso, deu

início ao processo de legitimação (p. 93).

Oliveira (2007) expõe a fragilidade estrutural da macumba, além da associação de uma

diversidade de elementos religiosos, inseridos pelos povos matrizes que formam o povo

brasileiro. Nesta visão, o autor aponta, claramente, a influência, ou mesmo, o pilar da

Umbanda.

Por sua vez, Carneiro (2014), ao buscar uma definição de macumba, aponta que esta é

um encontro de várias práticas religiosas e que suas origens se perdem na coletividade

brasileira. Assim, para o autor, a macumba carioca “é depositária das práticas africanas

nascedouras no Brasil com influências católicas e islâmicas, mas também [...] de cultos

indígenas e, ao avançar a segunda metade do século XIX, do espiritismo” (2014, p. 76- 77).

Além desses autores acima citados, encontramos em Cumino, a definição de

macumba. Para o autor, o termo macumba se referia aos cultos afro-brasileiros, no Rio de

Janeiro, cuja maioria apresentava influência banto. Ele percebe uma proximidade entre esses

cultos e a Umbanda e, com o tempo, a partir da maleabilidade e sincretismo destes, passaram

a aderir às práticas e ao modelo ritual-litúrgico umbandista. Porém, ao finalizar sua análise, o

autor identifica macumba como o nome da madeira ou árvore da cultura banto da qual se faz

um instrumento musical, logo, destaca que, a música, a dança e tudo mais passou a ser

chamado de macumba (CUMINO, 2015, p. 147).

Flávia Pinto, embora reconheça a fundação da Umbanda pelo médium Zélio de

Moraes, confirma, também, as controvérsias em relação ao seu surgimento. Neste sentido,

cita, a partir de narrativas dos “mais antigos”, as manifestações de espíritos como Pretos

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Velhos, Caboclos, Malandros, Pombogiras e Crianças, já característicos da miscigenação

brasileira, não em macumbas, mas, em núcleos familiares e Terreiros de Candomblé (PINTO,

2014, p. 26- 27).

Leal de Souza, em seu livro O Espiritismo, a Magia e as Sete Linhas de Umbanda,

também nos apresenta seu entendimento sobre a macumba. Para tanto, o autor aponta que esta

se distingue e se caracteriza pelo uso de batuques, a tambores e alguns instrumentos

originários da África; suas reuniões não comportam limitação de horas, são dirigidas sempre

por um espírito africano, ou, também, caboclo. E reconhece que, os trabalhos, que, segundo os

objetivos, participam da magia, ora impressionam pela singularidade, ora assustam pela

violência, surpreendem pela beleza (SOUZA, 1933, p. 35-36).

Portanto, a macumba, uma prática religiosa mediúnica, que atuava com espíritos

africanos e indígenas, considerada, pelos primeiros umbandistas, ritualisticamente mais

estimulante e mais competente, porém, também, mais repugnante devido ao exagero no uso

de bebidas alcoólicas, exploração econômica dos clientes e sacrifícios de animais (BROWN,

1985, p. 11), apresenta uma característica de mistura, de uma diversidade de elementos

religiosos.

2.2.3 Uma visão político-histórica: a fundação e legitimação da Umbanda na Era Vargas

Para além destas duas perspectivas apresentadas, ainda, resta-nos a terceira, que

compreende que a Umbanda surge como uma religião nova, entre as décadas de 1920 e 1930,

frente aos processos de urbanização e industrialização brasileiros, buscando afirmar sua

identidade. Mais aceita entre as Ciências Sociais, esta concepção encontrará fortes defensores

(CARNEIRO, 2014, p. 65).

A respeito da afirmação e legitimação da Umbanda, seguindo esta terceira perspectiva,

Diana Brown (1985) identifica o Centro Espírita Nossa Senhora da Piedade, fundado pelo

médium Zélio de Moraes, na cidade de Niterói, em meados da década de 1920, como o

primeiro centro de Umbanda (p. 10). Brown, também destaca a coincidência dos primeiros

passos da Umbanda com o início da Era Vargas, a partir de 1930. Este período, caracterizado

pela industrialização e urbanização brasileiras, rompendo com o passado agrário, apresentou

posições fortemente nacionalistas em assuntos econômicos e culturais (BROWN, 1985, p.

12).

Desta forma, a autora acentua a relação entre a fundação da Umbanda e a Era Vargas,

sendo que esta fundação expressava o reconhecimento, pelos setores médios, da força

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crescente das massas, e um desejo de modelar e controlar suas atividades. Simultaneamente,

um intenso nacionalismo e um esforço de criar uma cultura nacional fundada na unificação do

povo brasileiro, pelo regime Vargas, influenciava a escolha desses símbolos nacionalistas,

representados pelos principais espíritos da Umbanda (p. 13). Assim, conclui que o período

Vargas representou a fase formativa da Umbanda, durante a qual, sua ideologia e prática

foram elaboradas e tiveram início suas atividades organizacionais (BROWN, 1985, p. 40).

Ortiz (1978), em análise à Era Vargas, afirma que essa ruptura com este passado,

ainda com características coloniais, deslocou o comando político e o polo da produção para a

cidade. Este deslocamento também é percebido por Silva e Cotta (2016). Os autores ressaltam

que o período do Estado Novo representou a passagem definitiva de uma sociedade de base

agrária para uma sociedade urbano-industrial (SILVA e COTTA, 2016, p. 632).

Assim, retomando em Ortiz, esta nova ordem social representada, também, pela

consolidação de uma sociedade de classes e um vertiginoso crescimento da mão-de-obra e

estabelecimentos no setor industrial, apresenta o campo fértil para a implantação e difusão da

Umbanda, em meio a essas mudanças sociais e transformações globais da sociedade. Desta

forma, a Umbanda, exprime, através do seu universo religioso, esse movimento de

consolidação de uma sociedade urbano-industrial (ORTIZ, 1978, p. 28-29).

Patrícia Birman aponta o surgimento do movimento umbandista, nas décadas de 1930

e 1940, como intuito de alcançar o reconhecimento e expulsar a ilegitimidade e ilegalidade

das práticas umbandistas, aceitando, assim, a interpretação erudita e socialmente dominante

(1985, p. 87). Para tanto, a autora destaca o surgimento da primeira federação umbandista, no

ano de 1939, criada e conduzida por Zélio de Moraes. Esta federação teria como objetivo

“limpar” o culto umbandista dos elementos africanos, iniciando, desta forma, o movimento

histórico conhecido por “embranquecimento” dos cultos de origem africana, dando

surgimento, assim, a “umbanda branca” (BIRMAN, 1985, p. 87).

Birman lembra que, nas décadas de 1920 e 1930, a Umbanda se auto representava

como um segmento do espiritismo kardecista, porém, havia tensões entre seus membros,

advindas das divergências relacionadas ainda ao espectro de inferioridade dos espíritos negros

e indígenas (p. 87- 88). Assim como Concone e Negrão (1985), Birman também percebe que,

a partir do período de pós-guerra (1945), a Umbanda adquiriu caráter nacional, em especial, a

partir de 1950, quando houve uma maior expansão e divulgação da Umbanda, através do

surgimento de federações e acesso aos meios de comunicação (BIRMAN, 1985, p. 95).

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Ainda em análise a este período, Cumino apresenta a “segunda onda”, referente ao

período entre 1929 e 1944, como de legitimação e florescimento da Umbanda em outros

estados. O autor afirma que a Umbanda se estrutura no Rio de Janeiro, conquista legitimação

e se expande para outros estados. Ressalta o período do Estado Novo como contraditório, ao

analisar as falas de umbandistas, apresentando como uma fase em que essa religião conquista

sua legitimação, mas, que também havia perseguição (CUMINO, 2015, p. 139-140). Neste

aspecto, cabe ressaltar o reconhecimento de Isaia, em análise à Umbanda em tempos de

Estado Novo, que “o Estado Novo parece ter oscilado entre a explícita repressão e a discreta

tolerância à nova religião” (ISAIA, 2009. p. 137).

Ainda seguindo os autores inclinados à ideia da origem da Umbanda nas décadas de

1920 e 1930, Vagner Silva aponta que, enquanto culto organizado segundo os padrões

atualmente predominantes, ela surge pela classe média kardecista no Rio de Janeiro, em São

Paulo e no Rio Grande do Sul, mesclando elementos das tradições religiosas afro-brasileiras e

kardecistas, difundindo-as, buscando sua legitimidade e a aceitação do status da mesma, de

uma nova religião (SILVA, 2005, p. 106).

Trilhando os diversos passos percorridos, durante décadas, por estudiosos e insiders,

em busca de caminhos ou sendas a cursar, que desemboquem em um chão mais seguro no

resplandecer desta aurora, encontramos direções, diversas, por isso, continuemos nesta

peregrinação.

Outros autores, peregrinos nesta jornada, também deixaram suas pegadas que agora

seguimos. Isaia (2012), em Umbanda, intelectuais e nacionalismo no Brasil, apresenta os

caminhos percorridos pelos intelectuais umbandistas, a partir da interlocução com o Estado,

na tentativa de firmar a identidade desta nova religião, esculpida na representação de nação e

na visão miscigenada que o Estado apresentava do Brasil (2012, p. 01). Para tanto, o autor

expõe as visões de Mônica Velloso a respeito dos intelectuais brasileiros e sua ação no âmbito

estatal.

Segundo Velloso (1987), a partir da década de 1930, estes intelectuais, das mais

diversas correntes de pensamento, tendiam a identificar o Estado como a representação

superior da ideia de nação e como o cerne da nacionalidade brasileira (p. 3-4). A partir da

centralização, declarada sinônimo de racionalização, o Estado, com seus aparelhos de

produção ideológica, utilizando-se da propaganda do novo regime, direciona o seu projeto

político-pedagógico, através de revistas, jornais, rádio, apoio ao carnaval, ao samba (desde

que a temática fosse supervisionada). Assim, no Estado Novo, a questão da cultura popular e

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a busca das raízes da brasilidade ganham outra dimensão. O Estado mostra-se mais

preocupado em converter a cultura em instrumento de doutrinação do que propriamente de

pesquisa e de reflexão. Desta forma, a busca da brasilidade vai desembocar na consagração da

tradição, dos símbolos e heróis nacionais (VELLOSO, 1987, p. 44).

Neste sentido, cabe ressaltar a fala de Brown, que destaca que um intenso

nacionalismo e um esforço de criar uma cultura nacional fundada na unificação do povo

brasileiro, pelo regime Vargas, influenciava a escolha desses símbolos nacionalistas,

representados pelos principais espíritos da Umbanda (BROWN, 1985, p. 13).

A constatação da utilização de símbolos, mitos, imagens e ritos, também é percebida

por Silva e Cotta. Para os autores, a utilização destes, tinha a finalidade de mediação e/ou

produção de sentidos, vontade política e formulação da compreensão de si da nação, pelo

Estado Novo. Indicam, ainda, a promoção de diversos eventos litúrgicos – marchas,

procissões e eventos esportivos e musicais (SILVA e COTTA, 2016, p. 634).

Apontando para a conjuntura do Brasil pós 1930, Isaia destaca, em Gilberto Freyre, a

valorização de uma representatividade nacional e a admissão de uma cultura miscigenada

(ISAIA, 2012, p. 2-4). Em um artigo de 1999, o autor disserta sobre a importância da obra

dos intelectuais de Umbanda no Brasil da primeira metade do século XX, a partir de um

esforço em busca de reconhecimento social e ruptura com significações que a remetiam ao

submundo, à marginalidade e à transgressão (ISAIA, 1999, p. 97). Aos intelectuais de

umbanda, entende-se como um grupo de umbandistas, em sua maioria, dissidentes do

kardecismo, que procuraram institucionalizar a referida religião. Fundaram as federações,

organizaram congressos, produziram materiais informativos e articulavam com o governo,

buscando legitimidade social e estatal (ISAIA, 1999).

Isaia apresenta, (p. 54 apud ISAIA, 1999, p. 104) a contextualização do surgimento da

Umbanda, acentuando a libertação dos escravos e o regime republicano como etapas

necessárias para o aparecimento de uma religião tipicamente brasileira. Estes eventos

proporcionariam uma maior proximidade às conquistas da racionalidade humana (ISAIA,

1999, p. 104). A este contexto, o autor acrescenta o surgimento e difusão do Espiritismo

Kardecista no Brasil para uma melhor compreensão desta ligação acima citada. Para além

desta ótica, o autor ainda cita a argumentação de caráter evolucionista, na obra de intelectuais

umbandistas da primeira metade do século XX, da qual a Umbanda integraria um plano do

“astral superior” visando o aprimoramento moral e material dos brasileiros (1999, p. 104).

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Em análise ao Primeiro Congresso do Espiritismo de Umbanda, em 1941, Isaia

reconhece os vários discursos que tentam dissociar a Umbanda dos elementos da religiosidade

africana, reconhecidos como “bárbaros”, “selvagens” e “atrasados” (ISAIA, 1999, p. 105).

Dentre vários discursos apresentados nesse Congresso, destacamos um fragmento que

demonstra o reconhecimento da chegada da Umbanda no Brasil, pelo negro, porém,

o barbarismo afro de que se mostram impregnados os ecos chegados até nós, dessa

grande linha iniciática do passado, se deve às deturpações a que se acham

naturalmente sujeitas as tradições (ANAIS, 1942, p. 46).

Em relação a esse distanciamento dos elementos africanos nessa nova religião, neste

primeiro momento, em busca de legitimação, faz necessário voltar um pouco no tempo para

uma melhor compreensão. Em análise às populações pobres na virada do século XIX para o

XX, Carneiro (1993) apresenta-nos um cenário de miserabilidade econômica, social, moral e

existencial. Lançados à própria sorte, os negros livres não tiveram sua humanidade

reconhecida pela elite brasileira (1993, p. 146-147). Moldado pelo trabalho escravo,

principalmente na lavoura, o negro livre se depara com um mundo urbano, que o impele cada

vez mais para as margens de uma sociedade racista, machista e elitista. Sobrevivia à base de

trabalhos temporários, mendicâncias e furtos. Assim, como destaca a autora, mendigos,

loucos, leprosos, prostitutas, o negro e o “mandingueiro”, desqualificados socialmente,

possuíam a pobreza e a exclusão social em comum (CARNEIRO, 1993, p. 146-148).

Assim como no período escravocrata, o negro e sua cultura foram desvalorizados e

desqualificados novamente. Ao negro livre, ao mestiço, ao pardo, restou procurar abrigo nas

margens da sociedade em construção. Nas margens de uma sociedade que foi se

modernizando, urbanizando, industrializando e se democratizando. Desta forma, a abolição da

escravatura representou um avanço na construção de uma sociedade mais racional e humana,

tal como a Proclamação da República e a chegada do Espiritismo Kardecista, com sua ótica

evolucionista e cientificista, que corroborou para a ideia de progresso evolutivo (ISAIA,

1999).

Concomitantemente às teorias eugênicas, cujas visões são estigmatizadoras, Isaia

evoca o outro lado, o da consolidação de uma representação da nacionalidade, da valorização

da mestiçagem, evidenciada na proposta antropofágica do Movimento Modernista, dos anos

de 1920. E, para o autor, é neste cenário de afirmação e negação da herança afro-indígena,

que se firma a Umbanda (1999, p. 101). Na tentativa de se compreender este distanciamento

das práticas religiosas afro-brasileiras e macumbas, há que pensar que não houve anulação,

mas, uma enformação e adaptação ao molde kardecista brasileiro. O próprio viés cientificista

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kardecista foi utilizado para justificar tais práticas religiosas. Assim, a multifacetada

religiosidade brasileira, construída ao longo de quatrocentos anos, foi processada e sintetizada

(ISAIA, 1999, p. 100-103).

Carneiro (2014, p. 80-81) confirma um novo olhar do senso comum para diferenciar

umbanda de baixo espiritismo, a partir da criação das federações e os seus três movimentos,

como destaca Birman:

i)- aceitando os critérios das elites dominantes, aceitam o combate aos curandeiros

tentando provar simultaneamente que não se encontram entre eles; ii)- este processo

de distinção faz parte da própria constituição do campo umbandista, ou seja, como

critério utilizado internamente para classificar os múltiplos movimentos de

concorrência entre os diferentes grupos na luta por melhores posições no campo

religioso, e, iii)- as federações passam a se constituir como instâncias que negociam

politicamente com a sociedade o lugar de cada terreiro em particular (como religião

ou como “caso de polícia”), ou seja, se transformam nos mediadores políticos que

atuam no espaço de negociação existente em torno da liberdade de cultos (1985, p.

91).

Esses três movimentos evidenciam o distanciamento das práticas de curandeirismo,

proibidas por lei, na época, assim como a institucionalização da Umbanda e o reconhecimento

das federações como agentes políticos, representantes dos seus membros. Ao analisar estes

três movimentos das federações e demais eventos, fatos, determinações e discursos que

envolvem a história da Umbanda, Carneiro (2014), aponta-nos as diversas escolas de

umbanda. Reconhece que o “espiritismo de umbanda”, termo amplamente utilizado pelos

primeiros umbandistas e pesquisadores, é específico da escola de umbanda branca; já a

umbanda traçada está mais próxima das macumbas não influenciadas pelo espiritismo e a

umbanda omolocô tem suas raízes mais próximas do candomblé e dos povos negros

islamizados. A partir desta distinção, Carneiro aponta que as análises feitas por Patrícia

Birman (1985), Diana Brown (1985), Renato Ortiz (1978) e Vagner Gonçalves da Silva

(2005) sobre a umbanda não caberiam à umbanda traçada (CARNEIRO, 2014, p. 80-81).

Giumbelli, a partir de uma análise sobre as diferentes configurações do espiritismo e

dos cultos afro-brasileiros, chama a atenção para o risco da ocultação de outros elementos que

confirmam certo contraste regional (2002, p. 211). Desta forma, volta seu olhar conclusivo

para Brown, considerando que a autora propõe que “a Umbanda seja vista, em uma

perspectiva histórica, como um cisma sectário em relação ao movimento kardecista, mais do

que um novo desenvolvimento das seitas afro-brasileiras”, (1974, p. 13 apud GIUMBELLI,

2002, p. 211) no que o autor ressalta considerar ser o caso do Rio de Janeiro. Assim,

Giumbelli, acentua que, na década de 1940, o reconhecimento de uma nova religião,

designada como “umbanda”, só se explica por um movimento de institucionalização

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dominado por expoentes imbuídos da cosmologia kardecista, já que a umbanda apresentava

fronteiras minimamente definidas e sistemas doutrinais e rituais minimamente codificados e

que os elementos africanos são acomodados na moldura kardecista (GIUMBELLI, 2002,

p.210-212).

Retomando ainda os termos “espiritismo de umbanda”, “linha branca de umbanda”

(SOUZA, 1933) e umbanda branca (BIRMAN, 1985, p. 87) a que se pensar, nesta

contextualização apresentada, através dos vários olhares que vislumbraram inúmeras páginas

e variados pés que percorreram diversos caminhos, que esta Umbanda, que apresenta

elementos africanos, indígenas, católicos e kardecistas, reconhecida e legitimada a partir da

década de 1930, é a religião brasileira, não somente sincrética, mas uma síntese desses povos

que constituem o povo brasileiro.

2.3 Campo religioso e a Umbanda no cenário religioso brasileiro atual

2.3.1 O campo religioso e algumas considerações sobre o caso brasileiro

Diante do que foi apresentado quanto a constituição do povo brasileiro, dos processos

de interação, sublimação, trocas e reconfigurações dos elementos culturais e religiosos

desenvolvidos neste solo, chamamos a atenção para a complexidade das relações deste povo,

desta formação, desta cultura múltipla, porosa e plasmada.

Desta forma, este espaço socialmente construído, por agentes contextualmente

situados e culturalmente direcionados; este espaço abstrato, compósito de regras e

posicionamentos e movido por relações, é reconhecido como uma matriz geradora de sentidos

específicos. Assim, no campo religioso, podemos encontrar estratégias de legitimação por

parte dos seus agentes, bem como, tensões entre os mesmos, da mesma forma que se encontra

nos campos político e cultural.

Os posicionamentos hierarquicamente privilegiados, assim apresentados, neste campo

específico, estão direcionados aos detentores do saber religioso, tais como os mágicos,

profetas, feiticeiros e sacerdotes (aqui, igualmente reconhecidos como especialistas). Ao

acumular estes saberes específicos, adquirem legitimidade dentro dos grupos nos quais estão

inseridos. Desta forma, há a percepção desta legitimidade tanto nos discursos, quanto em suas

práticas. Assim, dispondo deste acúmulo de capital de saber, aqui, simbólico e religioso,

obtido através de estratégias, originando um espaço de disputa e tensões, constitutivo do

mesmo, este feiticeiro, profeta, mágico ou sacerdote, ou seja, este especialista, se diferenciará

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do leigo e usufruirá desta condição de detentor privilegiado do saber, exercendo o poder nesta

esfera que o circunda (BOURDIEU, 2013, p. 39, 60-61).

Sintetizando este conceito de campo religioso em Bourdieu, na introdução do seu livro

A economia das trocas simbólicas, Sergio Miceli nos esclarece:

campo de forças onde se enfrentam o corpo de agentes altamente especializados (os

sacerdotes), os leigos (os grupos sociais cujas demandas por bens de salvação os

agentes religiosos procuram atender) e o “profeta” enquanto encarnação típica do

agente inovador e revolucionário que expressa, mediante um novo discurso e por

uma nova prática, os interesses e reivindicações de determinados grupos sociais

(BOURDIEU, 2013, p. XXV).

Vale ressaltar a diferenciação que Weber faz entre poder e dominação. Para o autor:

“Poder significa toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo

contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”, considerado

sociologicamente amorfo. Já o conceito sociológico de “dominação” é mais preciso e só pode

significar a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo

(WEBER, 2015, p. 33). Desta forma, entende-se que este poder simbólico religioso citado por

Bourdieu (2013) é reconhecido como dominação, no sentido em que o mesmo é exercido em

uma ordem de determinado conteúdo, neste campo, o religioso, em que os leigos o legitimam,

ao se submeterem a ele, e que, não ultrapassa outras esferas e/ou campos.

Ao realizar apontamentos referentes à religiosidade brasileira, DaMatta apresenta uma

pluralidade e uma plasticidade que a caracterizam. A esta pluralidade, o autor destaca a

variedade de experiências religiosas brasileiras, indica o Catolicismo Romano, as várias

denominações Protestantes, as variadas religiões Ocidentais e Orientais, além das variedades

brasileiras de cultos de possessão, a África dos escravos e o Espiritismo kardecista

(DAMATTA, 1986, p. 114). Assim, esta multiplicidade de significações, desempenham um

papel de suma importância na vida do brasileiro religioso.

Para o autor, a coexistência destas religiosidades está centrada na ideia de relação e na

comunicação, comunicação esta que se realiza através de um elo pessoal, fundada na simpatia

e lealdade, com o outro mundo, o espiritual, seja na designação de deus, deuses, orixás,

ancestrais, anjos, entidades e santos (DAMATTA, 1986, p. 114-115).

Em observação a esta variedade, DaMatta destaca a singularidade brasileira, que

apresenta uma complementariedade destas experiências religiosas e não exclusão. Desta

forma, a ideia de proteção, por parte dessas entidades sobrenaturais, podendo ser de duas

tradições divergentes, é entendida como um modo de ampliação das possibilidades de

proteção (1986, p. 115) e, também, pode ser entendida, aqui, como a ampliação dos modos de

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comunicação com o outro mundo, o sagrado; verificando-se, neste sentido, a plasticidade dos

modos de ser religioso no Brasil.

Isaia, ao apontar os aspectos significativos das transformações no campo religioso

brasileiro, traz a ênfase na abordagem do conceito de campo trabalhado por Pierre Bourdieu e

aponta a complexidade empírica deste na atualidade, “marcada pela emergência de

componentes novos, voláteis, que parecem e desaparecem de uma maneira tão rápida que não

chegamos a registrá-los” (ISAIA, 2009, p. 100).

Desta forma, esta lógica da tensão que se apresenta no campo religioso, que almejou a

uma visão unilateral católica, dentro de um celeiro de pluralidades, ganha, na atualidade,

novas formas a partir da credibilidade conquistada por “novos” agentes. Isaia explica que

esta visibilidade se dá, não apenas junto com a emergência numérica, tendencial,

mas acompanhada de um novo reconhecimento de suas eficácias, que marca sua

independência frente a um “idioma único”, capaz de querer traduzir

hegemonicamente a realidade religiosa e cultural brasileira (2009, p. 100).

Em continuidade ao seu entendimento, cita, Pierucci, que, a partir de Weber,

analisa o sucesso das religiões, não direcionadas para a manutenção de uma herança

cultural ou étnica (como o candomblé ou a umbanda), mas para o indivíduo, capaz

de renascer em uma comunidade que celebra o novo, que “destribaliza o índio e des-

territorializa ...o vizinho, fazendo do estranho o verdadeiro próximo (PIERUCCI

apud ISAIA, 2009, p. 103).

Neste sentido, cabe ressaltar a perspectiva de conversão e trânsito, possibilidades que

se apresentam constantes no cenário religioso atual. Assim, a religiosidade, aqui, não é mais

compreendida como um status atribuído, mas, sim, adquirido, não mais engessado nas formas

tradicionais de pertencimento, mas, em uma perspectiva que somente a modernidade

possibilitou ao indivíduo, esse “fazer-se”.

No caso brasileiro, onde nunca houve uma univocidade católica, dado às suas

transfigurações na terra Brasil e sim, uma liminaridade, neste campo de “porosidade

identitária” (ISAIA, 2009a), um cenário plurirreligioso foi viabilizado.

No prefácio do livro Religiões em Movimento o censo de 2010, livro que analisa o

cenário religioso brasileiro, a partir do censo de 2010, contando com a análise de especialistas

das áreas de teologia, antropologia, sociologia, psicologia e ciências da religião, Sanchis

constata, “certa reemergência do fator sagrado na vida social e na experiência individual que

ocorre ao lado e articuladamente com a secularização”. Aponta, também, como linhas de

mudança o protagonismo do indivíduo e uma crescente desinstitucionalização. Desta forma,

afirma que as estruturas sólidas que fundavam, enquadravam, regulavam o universo das

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experiências religiosas, conferindo-lhes distinção, identidade e conteúdo não mantem o

mesmo rigor e nem o fazem com a mesma abrangência (SANCHIS, 2013, p. 13).

Faz-se necessário destacar, em sua fala, uma problemática com a qual as instituições

religiosas podem se confrontar:

de se haver com um significado menos totalizante para a relação identitária que seus

fieis manterão com elas. Conservando-se presentes as identidades religiosas

institucionais, é provável que o seu significado e o seu conteúdo se diversifiquem e

se modalizem (SANCHIS, 2013, p. 13-14).

Neste sentido, um processo de empréstimos de cosmovisões e corpos de orientação

institucionais variados para a construção de universos simbólicos, sugere a necessidade de

complexificar aqui o sentido das declarações de pertença religiosa (SANCHIS, 2013, p. 14).

Assim, o autor aponta para “uma realidade de circulação, de composição e de eventual

múltipla pertença, que atravessou a história brasileira, mas com intensidade e modalidades

inéditas, que um Censo dificilmente poderia revelar” (2013, p. 13-14). Desta maneira,

pensando nas possibilidades de encontro com o sagrado, este indivíduo, que emerge neste

cenário contemporâneo, busca, nestes empréstimos, ao nosso olhar, em um processo quem

sabe, de bricolagem, uma nova religiosidade, ou mesmo, uma que o atenda em suas demandas

espirituais que eclodem.

A respeito desta relação do indivíduo e desta religiosidade viabilizada na

modernidade, destacamos em Bourdieu:

se a religião cumpre funções sociais, tornando-se, portanto, passível de análise

sociológica, tal se deve ao fato de que leigos não esperam da religião apenas

justificações de existir capazes de livrá-los da angústia existencial da contingência e

da solidão, da miséria biológica, da doença, do sofrimento e da morte. Contam com

ela para que lhes forneça justificações de existir em uma posição social determinada,

em suma, de existir como de fato existem, ou seja, com todas as propriedades que

lhes são socialmente inerentes (BOURDIEU, 2013, p. 48).

A dissolução da cristalização do determinismo religioso encarnado na máxima “Deus

quis assim” apresenta rachaduras quando os leigos se propõem a questionar sobre as questões

sociais nas quais estão imersos. Desta forma, a não razoabilidade das explicações advindas

destes especialistas religiosos pode se apresentar como um cisma nesta relação

especialista/leigo, desencadeando processos de trânsitos e vivências de religiosidades não

mais engessadas nas formas institucionalizadas.

Este campo religioso brasileiro apresenta sua singularidade, no sentido em que a

própria história do Brasil é singular em sua trajetória de formação e constituição de uma

identidade. Neste espaço de disputas, apreensão e cristalizações de saberes, estratégias de

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apoderamento, neste espaço de poder/dominação e busca por respostas que satisfaçam a

angústia e que norteiam os indivíduos em suas buscas pessoais, há, também, espaço para

trânsitos, encontros, vivências, empréstimos e trocas. Há, neste cenário atual, novas formas de

se pensar o religioso, não somente em sua forma institucionalizada, mas, também, em sua

operacionalidade. Neste sentido, faz-se necessário pensar nas “novas” redefinições de

fronteiras que compõem este campo religioso brasileiro.

2.3.2 A Umbanda no cenário religioso brasileiro atual

Após a explanação relacionada ao entendimento sobre campo religioso, em sua

especificidade e suas relações de poder, seja simbólico ou institucional e de como este campo

se caracteriza, em um breve relato sobre o contexto brasileiro, nos atualizaremos em relação a

ele. Este contexto brasileiro, que apresenta sua singularidade, a partir das, principalmente,

religiosidades descendentes das religiosidades dos povos formadores do referido país, passará

a ser analisado, agora, a partir da atualidade do cenário religioso. Para tanto, situaremos nossa

análise sobre a Umbanda no cenário atual, a partir de estudos sobre o censo de 2010.

No já citado livro Religiões em Movimento- o censo de 2010, Reginaldo Prandi e

Luciana Duccini e Miriam C. M. Rabelo, nos trazem uma análise sobre nosso objeto de

observação. Prandi apresenta-nos uma análise sobre os dados religiosos das religiões afro-

brasileiras dos Censos, ao longo de décadas. Informa que, no Censo de 1940, 1,1% dos

brasileiros se declararam espíritas e que, nesta categoria, também abarcava uma parcela de

seguidores da umbanda, que se encontravam, também, dispersos nos grupos de católicos e das

outras religiões (2013, p. 203). O autor traz uma informação importante, a de que, somente no

Censo de 1980 houve a elaboração da categoria “religiões afro-brasileiras”, que agrupava a

umbanda e o candomblé (p. 204). E, ressalta que, em 1991, após a separação da umbanda e do

candomblé, a este, foram associadas as demais modalidades tradicionais, como o xangô de

Pernambuco, o tambor de minas do Maranhão, o batuque do Rio Grande do Sul e outras

(PRANDI, 2013, p. 204, 208).

Iniciando uma análise geral, Prandi, informa-nos sobre os seguintes dados relativos às

religiões afro-brasileiras: no ano de 1980, elas apresentavam 0,6%; nos anos de 1991, 0,4%;

em 2000, 0,3% e, em 2010, 0,3% da população brasileira (PRANDI, 2013, p. 206). Ou seja,

uma porcentagem muito baixa, que nos direciona, dentre outros caminhos, a pensar na

constituição histórica e religiosa do Brasil; na condição de religião oficial por parte da Igreja

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Católica, que durou séculos; na condição de escravidão do negro e proibição das práticas

religiosas não católicas.

Buscando a observação específica da Umbanda, esta é apresentada, pelo autor, como

uma religião que se formara no Sudeste, que é uma síntese dos antigos candomblés bantos de

orixás e de caboclos da Bahia e transplantados para o Rio de Janeiro na virada do século XIX

para o XX, com o espiritismo kardecista (p. 204). Ressalta que a Umbanda nasceu num

processo de branqueamento e ruptura com símbolos, línguas e outras características africanas,

se apresentando como uma religião para todos, capaz de se mostrar como símbolo de

identidade de um país mestiço, cuja identidade foi moldada nas primeiras décadas do século

XX (PRANDI, 2013, p. 208).

O autor mostra-nos que, em 1991, a Umbanda contava com, aproximadamente, em

números reais, 542 mil devotos declarados e, chegou em 2010, com 407 mil. Ou seja, um

declínio considerável. O que se apresenta como o inverso ao crescimento do candomblé (p.

208). Assim, em análise linear, constata que a Umbanda, apresentava, em 1991, 0,37% da

população; em 2000, 0,24% e, em 2010, 0,21% (PRANDI, 2013, p. 209). Destacamos, neste

sentido, a presença majoritária dos adeptos da Umbanda na composição das religiões afro-

brasileiras (PRANDI, 2013, p. 208-209 e DUCCINI e RABELO, 2013, p. 220) e, também, o

maior declínio, ou seja, enquanto a umbanda perdia adeptos, o candomblé ganhava

(DUCCINI e RABELO, 2013, p. 220).

Em análise às categorias cor e escolaridade, relativos aos que se declararam

umbandistas, tanto Prandi, quanto Duccini e Rabelo, mostram- nos que, 54,1% se declararam

brancos e 45% se declararam pardos e pretos (PRANDI, 2013, p. 210-211) e (DUCCINI e

RABELO, 2013, p. 224-225); já na categoria escolaridade, o quadro apresentado refere-se às

religiões afro-brasileiras em conjunto, e, que ocupam, atrás do espiritismo, a segunda posição,

apontando 7,1% do total dos seus declarantes, com nível superior completo (PRANDI, 2013,

p. 210-211). Neste sentido, Prandi chama a atenção para o fato de que “a umbanda sempre

atraiu população de classe média, o que só veio a acontecer com o candomblé quando deixou

de ser religião estritamente étnica” (2013, p. 211).

Além destes dados referentes às categorias acima citadas, Duccini e Rabelo, também

nos apontam que, na umbanda, a presença feminina representa 55,3% dos adeptos. Desta

forma, percebe-se uma menor equidade entre sexos, se comparada à do candomblé e da

população brasileira, onde 49% são homens e 51% são mulheres (DUCCINI e RABELO,

2013, p. 223). Além dos pontos acima apresentados, aonde se verifica um declínio no número

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de adeptos da umbanda; assim como uma maior porcentagem de brancos; um número

considerável de adeptos com nível superior completo; com a maioria, entre seus adeptos, de

mulheres; a de se pensar no longo caminho que a Umbanda trilhará neste cenário religioso

brasileiro.

Refletir sobre o processo de formação do povo brasileiro, é imprescindível para se

tentar analisar estes dados. Situar a Umbanda no cenário religioso atual é afirmar sua posição

neste contexto de reconhecimento estatal, a partir da inserção desta, na categoria de religiões

afro-brasileiras.

3 “UMBANDA DE TODOS NÓS”: A UMBANDA E SEU UNIVERSO

Ao continuarmos nossa caminhada em busca da universalidade da Umbanda,

iniciamos este percurso lembrando, rapidamente, do caminho percorrido até o momento:

analisamos a sociogênese, como diria Darcy Ribeiro (1972), do povo brasileiro, analisamos os

processos sincréticos e sintéticos da e na Umbanda, bem como as perspectivas da (s) sua (s)

origem (ns) e/ou surgimento/anunciação e a condição desta no cenário religioso atual. Agora,

traçando novos passos, iniciamos uma nova jornada, esta, rumo à universalidade dessa

religião brasileira, ou seja, em busca da sua diversidade e multiplicidade de formas e

estruturas que a caracterizam a partir da incorporação e agregação de elementos diversos. Para

tanto, dirigiremos, neste segundo capítulo, o caminhar por entre trilhas que desembocam

nestas citadas ressignificações e transfigurações identificadas na Umbanda, bem como,

encontrar o ponto de convergência deste celeiro de significações que dão luz, forma e

identidade a esta religião.

Desta forma, buscaremos uma melhor compreensão destes conceitos em análise a esta

religião, ao exame da sua orbe, entendida, aqui, não como um corpo celeste delimitado, mas,

como uma matriz geradora de sentidos que emana saberes e percepções, em sua lógica

própria, a essência da religiosidade do povo brasileiro.

3.1 O uno e o diverso na Umbanda

Percorrendo os caminhos trilhados mata e selva adentro na Terra Brasil, agora,

também, adentraremos por entre pinguelas, em vias, estradas e avenidas. Nesta terra, por entre

sotaques, cores, danças, liturgias, orações, artesanatos, enfim, por entre diversidades culturais,

biológicas e ecológicas, a Umbanda resplenderá. Desta forma, buscaremos analisar os

processos de germinação de uma matriz religiosa deste povo novo (RIBEIRO, 1972), que nos

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leve a uma melhor compreensão dos elementos religiosos que compõem esta identidade

construída em um processo multi secular, a partir da matriz da qual brotou a sociogênese

brasileira.

Da mesma forma, buscaremos uma identidade, uma essência, um ponto em comum,

quem sabe uma matriz umbandista geradora de sentido que, mesmo sendo una, se ramificará

por entre a vastidão desta Terra Brasil, germinando em solos e contextos diferenciados, em

sotaques e cores diversas, em ervas e danças, em sabores e sons múltiplos. Enfim, aqui,

buscamos a essência da religião que, em seu âmago, é o reflexo deste povo brasileiro.

3.1.1 Gerando sentidos: a referência de uma matriz religiosa brasileira

A busca por um referencial analítico do campo religioso brasileiro nos trouxe, até o

presente momento, ao cenário religioso atual, porém, ao que nos cabe nesta busca por um

ponto que nos leve a um lugar-tempo nessa Terra Brasil e ao âmago da Umbanda, faz-se

necessário adentrar nesta seara mais intensamente. Para tanto, além de caminhar em um

processo quase linear de formação desse povo brasileiro, em sua sociogênese, demandaremos,

agora, a busca por sua matriz religiosa.

Em seu livro: Matriz religiosa brasileira: Religiosidade e mudança social, José

Bittencourt Filho (2003), aborda, em uma análise sócio histórica, a questão explícita no título:

a matriz religiosa brasileira e aponta-nos que

na prática religiosa colonial mesclavam-se elementos católicos, negros, indígenas (e

até judaicos), tecendo uma religiosidade deveras original. Não tendo outra

alternativa a Igreja tolerava e mesmo incentivava os processos sincréticos, muito

embora tentasse impor-lhes limites. Pode-se dizer [...] que no Brasil colonial

colidiram duas grandes concepções religiosas: uma que sacralizava o ambiente

natural e as forças espirituais a ele subjacentes; outra que ressaltava símbolos

religiosos abstratos e transcendentais (BITTENCOURT, 2003, p. 49).

Para melhor explicitar os principais elementos que se “fundiram” na composição da

Matriz Religiosa Brasileira, Bittencour recorre à formação histórica do Brasil, destacando o

catolicismo ibérico e a magia europeia (através dos colonizadores), ao encontro com as

religiões indígenas (a partir da imposição da mestiçagem) e, posteriormente, com as religiões

africanas (a partir da escravidão). O autor aponta-nos, ainda, que no século XIX, dois novos

elementos foram acrescentados: o espiritismo europeu e alguns poucos fragmentos do

Catolicismo romanizado (BITTENCOURT, 2003, p. 41). A respeito de um desses novos

elementos, Bittencour destaca que no século XIX o Espiritismo kardecista é bem acolhido no

Brasil por segmentos sociais intermediários. Considerando, assim, que esse século como o da

consolidação da Matriz Religiosa Brasileira, esquemática e formalmente, já que “completa o

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caldo de cultura que iria traçar com mais clareza o perfil da religiosidade média dos

brasileiros até os dias atuais” (BITTENCOURT, 2003, p. 53-54).

Mas, então, como o referido autor nos definiria essa matriz? Para tanto, Bittencour

inicia com o destaque para “a existência, no bojo da matriz cultural, de uma matriz religiosa,

que provê um acervo de valores religiosos e simbólicos característicos, assim como propicia

uma religiosidade ampla e difusa entre os brasileiros” (BITTENCOURT, 2003, p. 17). E

assim, complementa: “formas, condutas religiosas, estilos de espiritualidade e condutas

religiosas uniformes, evidenciam a presença influente de um substrato religioso-cultural que

denominamos Matriz Religiosa Brasileira” (BITTENCOURT, 2003, p. 40).

Para o autor, essa expressão deve ser apreendida em seu sentido lato e não como uma

categoria de definição, mas de um objeto de estudo (2003, 40-41). Em sua análise, Bittencour

nos apresenta a concepção que identifica a Umbanda como a “tradução religiosa mais bem

acabada da Matriz Religiosa Brasileira” (2003, p. 213).

Em observação ao campo religioso brasileiro, Sanchis, assim como Bittencour (2003),

regressa ao ponto de origem da Terra Brasil, porém, apontando para a estrutura virtualmente

sincrética do Catolicismo que aqui desembarca. Assim, essa terra, vista como um espaço

aberto e sem fim, com o encontro das identidades de três povos desenraizados, nasce católica

e com uma tendência ao sincretismo. Desta forma, o autor atenta para uma pluralidade

sistemática, que marca a sociogênese da Terra Brasil (SANCHIS, 1997, p. 105). As relações

entre esses povos foram marcadas por processos entre a exploração e a dominação e, também,

a implantação, pouco a pouco, de umas porosidade e contaminação mútua (SANCHIS, 1997,

p. 105).

No caminhar da sua análise, Sanchis destaca como matrizes primordiais do campo

religioso popular brasileiro a católica e a africana e, em certas regiões, a presença viva da

terceira, na região amazônica, por exemplo, com a pajelança indígena (1997, p. 106). Essas

matrizes religiosas, essas fontes geradoras de significados e sentidos, essas visões de mundo

diversificadas, não se reduzem a uma existência paralela, mas, em co-presenças que se

articulam, se contaminando mutuamente. Desta forma, destaca a impossibilidade de se

imaginar o catolicismo despido de ressonâncias africanas, assim como, de se abstrair as

religiões africanas no Brasil de certa impregnação católica (SANCHIS, 1997, p. 106). O autor

atenta para o fato de que, ao longo da história religiosa do Brasil, outras matrizes se juntarão à

essas, em especial o espiritismo (1997, p. 106).

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Sanchis não utiliza a expressão “matriz religiosa brasileira”, porém, aponta as matrizes

católica e africana como primordiais, destacando a presença da indígena regionalmente e a

junção da matriz do espiritismo, esta última, que se transforma aqui em “religião”, virá se

articular às duas outras (católica e africana) (SANCHIS, 1997, p. 106). O autor recorre a dois

exemplos em que são nítidos a pluralidade e o sincretismo à brasileira, bem como a existência

de algumas dessas matrizes: a Umbanda (africana e do espiritismo) e Santo Daime

(catolicismo, umbanda e esoterismo). Desta forma, essas interpenetrações culturais e

religiosas aconteceram e acontecem ao longo da história de formação dessa terra, desse povo,

nesse celeiro de significações, em processos sincréticos que resultaram em novas visões de

mundo, em novos sentidos, que culminaram em novas religiões, mas, que, mantem sua

origem, unindo a tradição e a modernidade.

Volney Berkenbrock (2012), ao realizar um estudo sobre a experiência religiosa no

Candomblé, traça, também, uma análise histórica sobre a formação do povo brasileiro. Assim,

o autor percorre os caminhos que nos levam, principalmente, à relação entre o catolicismo e

as religiões africanas desde a colonização. Ao apontar as consequências teológicas e religiosas

da escravidão e da “catolicização” forçada, Berkenbrock identifica o processo no qual, as

gerações dos africanos nascidos aqui, interpretaram as tradições africanas, já que não as

vivenciaram em sua totalidade, desencadeando, assim, processos de adaptações, surgindo,

assim, as religiões afro-brasileiras (BERKENBROCK, 2012, p. 113).

O autor destaca a importância do sincretismo e suas quatro direções. Assim, o

primeiro sincretismo está relacionado às aproximações entre as próprias religiões africanas,

cujos resquícios são chamados no Brasil de “nações”. A segunda direção do sincretismo

ocorreu entre essas tradições africanas e o Cristianismo católico. A terceira direção deu-se

com a acolhida de elementos das religiões indígenas nas religiões afro-brasileiras, atentando

para as tradições religiosas do Norte do Brasil como exemplos típicos da influência africana

sobre as religiões indígenas. E, a quarta, é a influência do Espiritismo, considerando que esta

influência chega em uma fase mais tardia, porém, que “praticamente todas as religiões afro-

brasileiras tem hoje uma influência espírita, ora mais explícita, ora mais velada”

(BERKENBROCK, 2012, p. 114-115).

Berkenbrock acentua, assim como Sanchis, as contaminações mútuas e/ou

interpenetrações. Neste sentido, os sincretismos desencadearam adaptações, interpretações e

empréstimos em todas as matrizes. E, também como Sanchis (1997), Berkenbrock não utiliza

a expressão “matriz religiosa brasileira”, porém, no caminhar do seu estudo, aponta para

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novas formas de religiosidades que mantem a essência dessas matrizes, como a Umbanda, o

Catimbó, o Tambor de Mina, dentre outras.

Para além de uma breve explanação a partir de uma abordagem sociológica acerca de

da matriz religiosa brasileira, iniciamos uma análise sobre a formação/surgimento/anunciação

da Umbanda a partir da análise da sobrevivência dos elementos religiosos africanos na

composição, institucionalizada ou não, no cenário religioso brasileiro. Para tanto, recorremos

a Hulda Costa, em sua tese: Umbanda, uma religião sincrética e brasileira (2013). Costa

expõe os caminhos percorridos pela religiosidade africana em solo brasileiro. Desta forma, em

relação à sua pesquisa, afirma que “A presente tese analisa a religião Umbanda e seu processo

de formação consolidado por meio de um sincretismo contínuo que teve início no final do

século XVII, com as primeiras comunidades religiosas negras, em sua grande maioria de

origem banto” (COSTA, 2013, p. 09).

Costa traz para a análise as primeiras comunidades religiosas afro-brasileiras de que se

tem notícia, expondo que estas remontam ao período colonial, especificamente ao ano de

1685, denominada Calundu (2013, p. 68). Este, originou-se nas rodas de batuque, em torno

das senzalas. Os calunduzeiros possuíam calendário festivo, invocavam a presença dos seus

antepassados e entravam em contato com espíritos da natureza, possuíam altares e líderes

religiosos, entoavam cânticos, realizavam adivinhações, solucionavam problemas de cunho

amoroso, profissional e curas de doenças. Congregavam variadas origens africanas,

principalmente a banto. A matriz religiosa dos Calundus remonta à África, pois seus rituais

assemelhavam-se a alguns rituais que eram realizados por sacerdotes que habitavam o centro

ocidental africano e recebiam a denominação de xinguila4. Mas, por outro lado, os Calundus

eram, também, sincretizados com elementos advindos do catolicismo (COSTA, 2013, p. 67 –

69).

Sobre esta religiosidade africana na Terra Brasil, Daibert (2015) compreende o

“calundu colonial como uma espécie de experiência religiosa que reatualizava os preceitos

básicos da tradição centro-africana, mesmo considerando-se certa heterogeneidade e as

transformações nesse ritual” (2015, p. 17). O autor, em sua análise, não compreende a

dinâmica de desenvolvimento do calundu, nesta terra, como uma simples mistura de várias

tradições religiosas. Para ele, os “povos bantos e seus descendentes, praticantes do calundu

colonial, conseguiram acomodar aspectos da cosmologia cristã em seus rituais” (2015, p. 22).

4 Apud MARCUSSI, Alexandre Almeida. Estratégias de mediação simbólica em um Calundu. Revista de

História, São Paulo: USP, n.155, dez. 2006. Disponível em <http://www.revistausp.sibi.usp.br/scielo.php.html>.

Acesso em 24 out. 2017.

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Desta forma, Daibert nos leva a interpretar o calundu como uma “reatualização da

tradição religiosa dos povos bantos, em um processo lento que abrigava tanto a permanência

de princípios gerais quanto a incorporação de alterações dentro de uma estrutura básica

recorrente” (DAIBERT, 2015, p. 22-23). Assim, este dinamismo e, retomando ao conceito de

Sanchis, esta “porosidade” da cosmovisão banto, em sua geração de sentidos e orientações,

processavam de modo diferenciado conforme as circunstâncias e a diversidade de

experiências religiosas desfrutadas pelos bantos e seus descendentes no Brasil, não negando,

neste sentido, certa heterogeneidade ou mesmo transformações no ritual (DAIBERT, 2015, p.

22-23).

Hulda Costa continua sua análise ao apontar que os calundus-Angola deram origem à

cabula banto. Para tanto, explica que a Cabula era um processo sincrético por trazer em sua

formação inicial a tríplice da estrutura religiosa dos Calundus, ou seja, elementos afros,

indígenas e católicos. A cabula incorporou, também, elementos do Espiritismo Kardecista

recém-chegado ao Brasil e se consolidou nos estados da Bahia e Espírito Santo (2013, p. 75-

76). Esta Cabula banto gerará as macumbas cariocas5. Em relação a este processo, Costa

afirma que “No início do século XX, a Macumba no Rio de Janeiro, era uma grande mistura,

ou seja, uma religião altamente sincrética, pois além do sincretismo com os santos católicos,

com os elementos kardecistas e com os elementos indígenas, havia a presença da magia

europeia” (COSTA, 2013, p. 80-81). A partir de uma expansão no território brasileiro, a

macumba carioca chega aos estados de São Paulo e Espírito Santo e desenvolveram uma

magia popular, misturando outras, tais como, a indígena, a luso-brasileira, a árabe, a francesa,

a cigana, a hebraica e outras oriundas de várias partes do mundo. Costa destaca que o transe

místico era bem acentuado na figura de Exu, o senhor dos caminhos, e havia na ritualística

vários objetos como punhais, ponteiras de ferros, tridentes, velas, pólvoras, breus e enxofre

(COSTA, 2013, p. 82).

Buscando outras referências sobre esta macumba, encontramos em Magnani (1991):

“[...] menos do que um culto organizado era um agregado fluido de elementos do candomblé,

cabula, tradições indígenas, catolicismo popular, espiritismo, práticas mágicas, sem o suporte

de uma mitologia ou doutrina capaz de integrar vários pedaços. [...] É desse conjunto

5 Em nota, Costa chama a atenção para uma vertente que não seguiu esta linha de geração, desta forma, aponta

que “Alguns sobreviventes da Cabula que não aderiram aos cultos da Macumba, no decorrer do século XX,

procuraram resgatar e preservar os cultos da Cabula dando origem a dois segmentos que se dizem depositários

originais deste culto que são, o Omolokô, de Tatá Tancredo da Silva Pinto, um dissidente umbandista, no Rio de

Janeiro (D'ÒSÓSÌ, 2010), e a Umbanda Alma de Angola, em Santa Catarina (MARTINS, 2011)” (2013, p. 80).

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heterogêneo [...] que surgirá a umbanda, na década de 1920, no Rio de Janeiro” (MAGNANI,

1991, p. 22).

Em relação aos elementos religiosos africanos, para além de uma presença, Sá Junior e

Fernandes (2014) destacam a essência destes na Umbanda. Afirmam que a macumba “é uma

religião que, assim como o candomblé, existe desde pelo menos o século XIX, e deu origem à

religião umbandista, mas nem por isso deixou de existir” (SÁ JÚNIOR e FERNANDES,

2014, p. 72). Sá Júnior e Fernandes ainda destacam, ao concluir a análise sobre a Macumba

enquanto tradição religiosa presente no campo religioso afro-brasileiro, que a “umbanda é

(também) macumba” (2014, p. 80).

Costa, em nota, chama-nos a atenção para a origem de outras correntes afro-brasileiras

sincréticas originários dos Calundus, no decorrer do século XVII, a Pajelança e Catimbó, na

região do Amazonas e no interior do Pará. Surgiram com a aproximação com os elementos

indígenas e vieram bem antes dos Candomblés e da Cabula, que, segundo a autora, surgiram

respectivamente, na virada do século XVIII para o século XIX e o outro, nas primeiras

décadas do século XIX (COSTA, 2013, p. 73).

A esta exposição, pesa a reflexão de como estas religiosidades vem se desenvolvendo

a partir de encontros, trocas, empréstimos e ressignificações. O Calundu, visto como a

primeira religiosidade afro-brasileira sincrética (COSTA, 2013, p. 73-74), apresentando

elementos das religiosidades africana, indígena e católica enformados em uma dinâmica

específica, nos conduz à prática umbandista, em sua característica de congregação e

agregação.

Desta forma, entende-se, aqui, que este Calundu6 seria a fonte, a raiz da Umbanda,

que, desde o século XVII, como aponta Costa (2013) vem se transformando, agregando

elementos de outras religiosidades, assim como, ressignificando outros, em movimentos de

configuração e reconfiguração ao longo dos séculos. Assim, reconhecemos alguns desses

elementos que sobreviveram por séculos neste território sagrado. A permanência de alguns

elementos dos calundus, como por exemplo: o transe mediúnico, a comunicação com

espíritos, o uso de danças, batuques e outros objetos e instrumentos, é prova da resistência da

cultura de um povo, na sua manutenção da memória coletiva, como diria Ortiz (1980), bem

como, que estes elementos foram plasmados de tal forma, que se perpetuam em dinâmicas

6 Costa apresenta parte do interrogatório de Luzia Pinta, de Sabará, Minas Gerais, no ano de 1739, declarada

culpada. Considerada uma calunduzeira, este excerto descreve a ritualística utilizada por Pinta, contendo

elementos ameríndios, africanos e católicos (COSTA, 2013, p. 70-72).

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reatualizadoras. Em processos conscientes ou não, este bojo, esta essência religiosa afro-

brasileira se mantém viva.

O excerto do julgamento de Luzia Pinta, destacado por Costa (2013), apresenta a

configuração de um culto que agrega elementos ameríndios, católicos e africanos em uma

elaboração onde cada elemento tem seu significado específico e que juntos, geram novos e

reforçam os já existentes sentidos atribuídos a cada um destes. Desta maneira, essa tríade

elemental reporta-nos à tríade umbandista, acrescida do espiritismo kardecista, que se

estabelece no Brasil no final do século XIX e início do século XX. Nestes processos

sincréticos que geraram o Calundu, também germinaram, a partir deste, a Pajelança e o

Catimbó; a Cabula e a Macumba, como dito acima.

Pensar neste Calundu como a estrutura, o bojo, a essência, a raiz, não como uma

matriz afro-brasileira, como diria Costa (2013), mas como o princípio de uma religiosidade

brasileira, que, séculos depois, em processos de reatualização, agregação e sincretismos, será

institucionalizada, legitimada e aceita como a religião Umbanda, nos parece razoável.

Assim como, para além de uma visão acentuada de uma matriz religiosa afro-brasileira

(Costa, 2013), aqui, cabe-nos uma reflexão que vai além, pois, ao se pensar em um culto

organizado e que atribui significados a elementos de religiosidades diversas, sincreticamente

reelaborados, neste solo, há que se pensar em uma religiosidade genuína.

Ainda sobre esta nebulosa que paira sobre ilimitadas reflexões que buscam elucidar os

processos de formação das religiosidades do povo brasileiro, há que se pensar nas formas

pelas quais este povo vem reinterpretando estes elementos, vivenciando as lembranças e

tradições e mantendo vivas as práticas religiosas dos seus ancestrais. Novos nomes para os

mesmos cultos, abertura a novos elementos e, principalmente, a liberdade de culto, proibido

em outras épocas. Desta forma, estes elementos que compõem a ritualística africana e

indígena proibidos (curandeirismo), foram ocultados e vivenciados clandestinamente, mas,

hoje, encontram vasão nos que preservam as tradições e nos que se aderem e convertem para

vivenciar esta religiosidade peculiar ao povo brasileiro.

Enquanto um componente essencial para algumas culturas, a religião é um elemento marcante

na cultura brasileira. Na formação deste povo novo, como diria Ribeiro (1972), não somente

uma matriz biológica foi gerada, mas, também, uma matriz cultural e religiosa. Novos atores,

povos e cosmovisões foram se fundindo nesse caldeirão de significações e formas, em

processos de adaptação, assimilação, empréstimos, ressignificações e reformulações, porém,

sem se afastar da essência aqui gerada.

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3.1.2 Germinando em solo sagrado: a Umbanda enquanto espaço de sincretismos

Após uma breve abordagem sobre a referência de uma “matriz religiosa brasileira”, a

partir de uma análise histórica de construção da identidade do povo brasileiro iniciamos,

agora, uma análise da Umbanda enquanto um espaço de sincretismos. Sendo brasileira, essa

religião, nasce e germina nesse solo, nessa diversidade de cosmovisões que se interpenetram e

se contaminam mutuamente, como disse Sanchis (1997). Desta forma, atentaremos para este

processo em que esses elementos matriciais se comunicam e se moldam.

A partir de uma abordagem sociológica, encontramos em Pierucci (2004, 2006),

Cândido Camargo (1961, 1973) e em Ortiz (1978, 1980), uma análise sobre a Umbanda que

nos leva a uma compreensão da sua universalidade. Em análise, Pierucci se reportará à

Cândido Camargo e utilizará sua classificação funcional das religiões para, também, elucidar

o processo de declínio da Umbanda, expresso nos dados do IBGE nas décadas final do século

XX e no Censo de 2000. Assim, destaca-se a classificação de Cândido Camargo (1973):

A classificação funcional das religiões apresenta utilidade para explicar o

crescimento diferencial de formas religiosas. Nesse sentido, distinguem-se as

seguintes: 1) as que preservam determinado patrimônio étnico-cultural, favorecendo

a auto-identificação de um grupo social; 2) as de caráter universal, abertas para a

conversão de todas as pessoas (CAMARGO, 1973, p. 23).

Esta classificação, de 1973, nos lembra Camargo, só vale no contexto cultural

brasileiro (1973, p. 23). Desta forma, em análise ao quadro de Classificação Funcional das

Principais Instituições Religiosas Brasileiras (CAMARGO, 1973, p. 22), verifica-se a

Umbanda como religião universal. Neste sentido, esta religião brasileira, moldada nos

sincretismos e sínteses, análogos aos da formação do povo brasileiro, apresenta-se aberta a

todos. Cabe ressaltar esta abertura à conversão, característica das religiões universais,

definidas por Camargo. Esta condição de conversão estampa a autonomia do indivíduo, que,

ao romper laços religiosos tradicionais, exerce uma mobilidade sócio- religiosa,

proporcionada pela e na modernidade.

Pensar nos encontros entre culturas, pensar na não proibição de práticas religiosas

(como citado no capítulo anterior) é pensar nas possibilidades de mudanças e trânsitos

religiosos, confirmados a partir das análises dos dados do IBGE ao longo das décadas.

Antônio Pierucci, em dois artigos: “”Bye, bye Brasil”- O declínio das religiões

tradicionais no Censo 2000” e “Religião como solvente- uma aula”, identifica a Umbanda, ao

lado do catolicismo e do luteranismo, como uma das três religiões classificadas pela

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sociologia como tradicionais (PIERUCCI, 2004, p. 18; 2006, p. 114). O autor aponta-nos que

a Umbanda, já em sua criação na década de 1920, se auto-representou como aberta a todos,

cravando seu lema “a umbanda é de todos nós” (PIERUCCI, 2006, p. 116-117).

Sob o viés de uma classificação de religião tradicional, a Umbanda, desde as décadas

de 1920 e 1940, vem se legitimando, institucionalizando e se firmando no cenário religioso

brasileiro e, desde o ano de 1991, aparece no Censo como religião afro-brasileira. Enquanto

religião brasileira, a Umbanda é a tradução, é o reflexo deste povo. Categorizada como

religião afro-brasileira, a Umbanda é a que apresenta, nos dados do IBGE (Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística), o maior número de adeptos, mesmo em constante declínio

(PRANDI, 2013, p. 208-209), como em destaque no capítulo anterior.

Ao não se contentar com uma explicação rasa sobre a definição de religião universal

como sendo somente aberta a todos, Pierucci extrai, a partir de análises em Weber, outra

característica de universal. A chave encontrada por Pierucci está relacionada ao conceito de

religião congregacional de salvação, neste sentido, afirma, que esta religião universal de

salvação individual

desencalha pessoas de rotinas comunitárias estabelecidas e as desenreda das tramas

já dadas de comunicação e subordinação somente para, uma vez individualizadas,

isto é, liberadas e autonomizadas, engajá-las como indivíduos na constituição de

uma comunidade nova, in fieri, que só lhes tem a oferecer laços puramente

religiosos, vínculos religiosos verticais e horizontais que em sua depurada

especificidade religiosa hão de aparecer exatamente como são, dotados que se

tornaram de um sentido subjetivo inteiramente distinto, novo, outro (grifo do autor)

(PIERUCCI, 2006, p. 122).

Ao nos direcionarmos para esta “chave” do autor, inferimos que a ideia de salvação

institucionalizada na igreja já não é mais unívoca e que os indivíduos se encontram livres para

se organizarem e formularem novas formas de se relacionarem religiosamente.

Renato Ortiz, em “A morte branca do feiticeiro negro” (1978), ao demonstrar as

formas pelas quais a Umbanda buscou sua legitimação frente ao Estado e à sociedade

brasileira, nas décadas de 1920 e 1940, destaca três pontos: i- a antiguidade da religião; ii- o

discurso científico e, iii- o discurso cultivado. Ao que se refere ao primeiro item, à

antiguidade da religião, Ortiz se fundamentará em discursos do Primeiro Congresso de

Espiritismo de Umbanda que traz a origem desta religião a tempos imemoriais, à Lemúria, ao

hinduísmo, budismo, Antigo Egito. Em relação ao segundo item, ao discurso científico,

recorre às explicações científicas, características do espiritismo, para a justificativa dos usos

de bebidas alcóolicas e fumo nos cultos umbandistas e, o que se mostra mais relevante neste

momento, o item três, o discurso cultivado.

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Neste ponto, Ortiz nos apresenta o entendimento de discurso cultivado: “esta parte da

cultura relativa ao conhecimento histórico, filosófico, filológico, enfim, a erudição, assim

como a forma pela qual a erudição se manifesta” e que este discurso desempenha uma

importante função legitimadora da religião umbandista (ORTIZ, 1978, p. 158-159). Desta

forma, para além da tradição oral, característica das religiões e cultos afro-brasileiros, a

Umbanda apresenta a tradição escrita. As novas formas do relacionar humano, neste caso,

com o pai de santo, que, pode assumir o papel também de escritor, apresenta uma tendência à

universalização, em destaque a relação entre os que podem e querem adquirir os

conhecimentos umbandistas (ORTIZ, 1978, p. 164). Assim, ao leigo ou iniciado, o

conhecimento umbandista está disponibilizado não somente nas giras e assistência, mas, neste

objeto disposto ao manuseio, em que se registra saberes prontos a serem apreendidos por

aqueles que buscam uma elucidação desta religião.

Ainda sobre esta universalidade da Umbanda, Reginaldo Prandi afirma que essa

religião foi gerada no Sudeste do início do século XX, se espalhou pelo Brasil como uma

religião universal, sem fronteiras de raça ou etnia, geografia ou classe social, apresentando- se

como uma religião para todos, capaz de se mostrar como um símbolo de identidade de um

país mestiço, identidade que se forjava no Brasil das primeiríssimas décadas do século XX

(PRANDI, 2013, p. 207-208). Em análise posterior, Prandi abordará a mudança de função do

candomblé, passando de religião étnica para uma religião universal, ou seja, para todos (2013,

p. 212), o que irá de encontro à análise de Pierucci que sinaliza as mudanças de função das

religiões, de preservação para universais (PIERUCCI, 2006, p. 116).

Concone, em relação à análise das religiões de preservação étnica, apresenta uma

concordância com os autores ao explicar que a Umbanda não se situaria nesta classificação

devido à sua própria formação, apresentando processos sincréticos que a formularam em sua

estrutura e à sua capacidade de inclusão (CONCONE, 2014, p. 82). Destacamos que,

Camargo, em 1973, já abordava essa classificação das religiões em dois grandes grupos: os

das religiões universais e as religiões étnicas ou de preservação (CAMARGO, 1973, p. 22-

23)7.

Estas análises indicam a ideia de universalidade a partir de uma categorização

sociológica funcionalista, indicam a Umbanda alinhavada no tecido da caracterização de

abertura a todos, inclusive, através de uma nova forma na relação sacerdote/pai de santo e

7 Rosendhal, em seu artigo Geografia e Religião: uma proposta, cita esta mesma classificação de religiões étnicas

e religiões universalizantes, em Sopher, ao analisar as religiões como fenômenos culturais. Ver mais em:

http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/article/view/3481/2411.

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leigo/iniciado: a escrita. Ou seja, a difusão da cosmovisão através dos livros. A este viés, se

acrescenta o reconhecimento da Umbanda enquanto uma religião genuinamente brasileira,

produto legitimado nos processos de urbanização e industrialização brasileiros, oriundos das

primeiras décadas do século XX. Continuando esta caminhada em busca deste ponto de

convergência para o qual os elementos culturais, religiosos, litúrgicos, históricos, filosóficos e

ritualísticos se direcionam, busquemos outros aspectos que possibilitarão a elucidação desta

universalidade.

3.1.3 Florescendo em ramificações: as tradições na Umbanda

Na tentativa de se delinear o bojo da Umbanda, de se delinear esta raiz que se firmou e

germinou neste solo sagrado, chegamos ao florescer e à ramificação nesta Terra Brasil.

Assim, adentraremos por entre caminhos que a Umbanda fincou suas hastes nesta vastidão de

chão e fé do solo e povo brasileiros.

Cândido Procópio, em seu livro Kardecismo e Umbanda- uma interpretação

sociológica (1961), apresenta o conceito de continuum ao analisar o kardecismo e a umbanda

em São Paulo. Em sua percepção, o autor destaca analogias entre essas, o que explicaria, em

sua visão, “o crescimento simultâneo dessas modalidades de vida religiosa, como a

verificação de uma simbiose doutrinária e ritualística que redunda no florescimento de uma

consciência de unidade”. Concluindo, desta forma, que “Constitui-se, assim, conforme nossa

hipótese, um “continuum” religioso que abarca desde as formas mais africanistas da Umbanda

até o Kardecismo mais ortodoxo” (CAMARGO, 1961, p. XII).

Camargo aponta-nos sobre a formação de um “gradiente” entre os dois extremos do

“continuum”, continuum este, verificado na perspectiva subjetiva dos fiéis e na perspectiva

objetiva das estruturas religiosas (CAMARGO, 1961, p. 14). Desta forma, mesmo

encontrando um quadro variado em, também, uma multiplicidade de formas, pode-se discernir

linhas mestras e tendências que exprimem um mínimo de coerência ou prenunciam o sentido

em que se orienta esta diversidade de formas (1961, p. 33). O autor aponta, também, que a

Umbanda paulista foi importada dos outros estados; que não constitui um fenômeno

radicalmente africanista e que não houve nenhuma influência indígena na formação do

sincretismo umbandista (1961, p. 34-35). À esta conclusão, Camargo leva em consideração o

recente período de desenvolvimento da “linha cabocla” nas religiões africanas, por isso a ideia

de uma não influência considerável e direta da cultura dos nativos do Brasil (CAMARGO,

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1961, p. 35). Porém, em Católicos, Protestantes, Espíritas, (1973) o referido autor reconhece

a religiosidade indígena como matriz da Umbanda.

Assim, Camargo afirma que foi o Espiritismo o principal fator de alteração das

religiões africanas em São Paulo (1961, p. 36). Ao delimitar estes dois polos: a Umbanda e o

Kardecismo, Camargo não aponta para as demais matrizes religiosas que podem ser

identificadas na Umbanda, como a católica, por exemplo, como ressalta Léo Nogueira (2009).

Ao se analisar os conceitos de continuum e gradiente, há a possibilidade da

transposição destes para as futuras análises sobre a Umbanda. Desta forma, reconhecendo esta

coerência e este sentido mínimos, que aqui serão entendidos como a essência ou o comum,

pensemos sobre esta diversidade que, como em um processo de ramificação, vem enraizando-

se na Terra Brasil. Apresentando diferentes formas, sons, batucadas, ritos e doutrinas, mas,

mantendo um ponto em comum.

Na busca dessas ramificações, encontramos no blog de Renato Guimarães8 (2010) um

texto intitulado As Umbandas dentro da Umbanda. Neste texto, Guimarães apresenta a ideia

que relaciona a fundação da Umbanda pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, sua

diversificação originando vertentes, mas, que apresentam “a mesma essência por base: a

manifestação dos espíritos para a caridade”. Desta forma, o autor aponta para um movimento

de absorção pela Umbanda de outras práticas religiosas e/ou místicas advindas destas

vertentes. Guimarães apresenta esta diversidade no campo umbandista, tais como: Umbanda

Branca e Demanda, Umbanda Kardecista, Umbanda Mirim, Umbanda Popular, Umbanda

Omolocô, Umbanda Almas e Angola, Umbandomblé. Umbanda Eclética Maior, Aumbhandã,

ou Umbanda Esotérica, Ombhandhum, ou, Umbanda Iniciática, Umbanda Sagrada, dentre

outras. O autor explicita as semelhanças e diferenças entre essas, bem como, agrupa-as de

acordo com as seguintes vertentes: Umbanda Branca, Umbanda Branca Esotérica, Umbanda

Cruzada, Umbanda Traçada e Umbanda Esotérica. Assim, o autor, ainda, atenta para um

possível inter-relacionamento entre essas vertentes.

Outro autor que expõe sobre esta diversidade na Umbanda é Alexandre Cumino

(2015). Cumino, assim como Guimarães (2010), aponta o processo de absorção de cultos e

culturas locais pela Umbanda, porém, acrescenta o processo de absorção da Umbanda, por

estes cultos e culturas locais. O autor apresenta as análises de Patrícia Birman e Cavalcante

Bandeira afim de explicitar a pluralidade da Umbanda. Desta forma, destaca algumas dessas

tradições (termo nosso): Umbanda Branca, Umbanda Pura, Umbanda Popular, Umbanda

8 Ver mais em: https://registrosdeumbanda.wordpress.com/as-umbandas-dentro-da-umbanda/.

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Tradicional, Umbanda Esotérica ou Iniciática, Umbanda Traçada, Mista e Omolocô,

Umbanda de Caboclo, Umbanda de Jurema, Umbandaime, Umbanda Eclética, Umbanda

Sagrada ou Umbanda Natural e Umbanda Cristã. Cumino, ao final, chama a atenção para a

flexibilidade da Umbanda, para sua não imposição e sua aceitação das diferentes formas de

interpretar os mistérios de Deus (CUMINO, 2015, p, 90).

Patrícia Birman em O que é Umbanda (1985) já atentava para a diversidade na

Umbanda. Birman indica as diferenças sensíveis no modo de se praticar a religião. Porém,

essas diferenças não impedem a existência de uma crença comum e de alguns princípios

respeitados por todos. Neste sentido, a autora afirma que há uma certa unidade na diversidade

(grifo da autora) (1985, p. 26). Em relação a esta diversidade, Birman cita como exemplos,

algumas combinações da prática da umbanda com o candomblé e com o catolicismo,

destacando, neste sentido, para uma não limitação na capacidade umbandista de combinar,

modificar, absorver práticas religiosas dentro e fora desse campo fluido denominado “afro-

brasileiro” (BIRMAN, 1985, p. 26-27).

No decorrer da sua análise, Birman acentua o encontro de umbandas misturadas

(termo da autora) com o judaísmo, com cultos orientais, espiritismo, com a maçonaria e

esoterismo, destacando o candomblé, o catolicismo e o espiritismo como mais influentes

(1985, p. 90). Entre tensões existentes entre as tendências, como enfatiza Birman, mais

populares – que valorizam a diversidade como uma manifestação positiva do destino e as

tendências mais comprometidas com uma visão moralizante- que procuram excluir do culto o

que veem como “pouco evoluído”- há graus variados de combinações (1985, p. 94). Desta

forma, ao se pensar nesses variados graus de combinações, citados acima, nos remetemos aos

conceitos de continuum e gradiente em Camargo. Assim, a partir da autonomia doutrinária do

regente do terreiro, ou seja, do pai ou mãe de santo, a doutrinação tenderá para o candomblé,

o espiritismo ou o catolicismo, já citados pela referida autora como os mais influentes.

João Carneiro, em seu livro Religiões afro-brasileiras- Uma construção teológica

(2014), aborda o processo de umbandização e as diferentes escolas de umbanda. A este

processo de umbandização, Carneiro se remeterá às análises de Roger Bastide, que não utiliza

o referido termo, porém, aponta mesclas entre o candomblé e o catimbó (CARNEIRO, 2014,

p. 109-112). Em, também, à análise ao conceito de continuum em Camargo, Carneiro afirma

que este só ocorre entre kardecismo e umbanda devido à umbandização. E continua: “a

umbanda facilita este processo de continuum, por ter como característica central a

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possiblidade de incluir tantas quantas forem as práticas religiosas pelas quais suas

comunidades se interessam” (CARNEIRO, 2014, p. 114).

Carneiro aponta para as análises dos autores por ele citados acerca do processo de

umbandização, desta forma, constata que o ponto de partida, destes, foi a umbanda branca.

Porém, o autor destaca as análises de Rivas Neto, em um novo paradigma: a igualdade de

condições respeitando as diferenças que envolvem todas as escolas que formam as religiões

afro-brasileiras (2014, p. 122). Segundo Carneiro, para Rivas Neto, escolas seriam as partes e

umbandização seria o conceito que explica as interações e interdependências entre as escolas

(2014, p. 122-123).

Saulo Fernandes (2014) apresenta, em seu artigo Entre linhas e falanges: A

diversidade da umbanda na contemporaneidade, a conformidade com os autores citados em

relação à diversidade na Umbanda. Desta forma, esclarece sobre as modalidades dentro desta

religião brasileira, elucidando sobre as teorias de continuun e de rizoma umbandista que nos

ajudam a compreender melhor esta diversidade.

Léo Nogueira (2009) em sua dissertação sobre a Umbanda na cidade de Goiânia

apresenta:

A Umbanda é uma religião híbrida, que cresceu dividida entre as influências da

antiga macumba, do catolicismo, do Kardec ismo e do Candomblé, sendo por isto

resultado das negociações ocorridas entre estes elementos em diferentes níveis. Por

não possuir doutrina unificada, a Umbanda se caracteriza pela sua diversidade, tanto

ritualística quanto doutrinária em torno de suas práticas (2009, p. 34).

Nogueira reconhece que o conceito de continuun não dá conta de explicar a diversidade da

Umbanda, principalmente, a partir do seu caráter de abertura, que se distancia do eixo

kardecismo- umbanda. Para o autor, a umbanda vem incorporando mais elementos de outras

religiosidades, como os movimentos da Nova Era e Holísticos. Assim, ele aponta para o

conceito de rizoma, aqui, direcionado a uma melhor compreensão desta dinâmica umbandista.

Neste sentido, destaca, ao esclarecer sobre a diversidade na Umbanda: “um quadro onde

várias linhas se entrelaçam, podendo dar origem a inúmeras combinações diferentes,

dependendo da matriz religiosa que se utiliza, mas mantendo as características principais que

a definem” (NOGUEIRA Léo, 2009, p. 42).

Para Nogueira, esse rizoma umbandista apresenta-se como uma infinidade de

influências, um arquipélago com várias ilhas, onde cada terreiro, centro ou tenda de Umbanda

pode ir buscar suas influências. Desta forma, para o autor, “trata-se de um sistema aberto [...]

cujos diversos elementos são utilizados, misturados, ressignificados e reelaborados para dar

forma ao culto religioso umbandista, e que todos juntos dão origem a uma religião

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absolutamente complexa e diversificada” (NOGUEIRA Léo, 2009, p. 43). Para demonstrar a

aplicabilidade da sua teoria, Nogueira cita o dinamismo que as religiosidades africanas

encontraram, em solo brasileiro, desde os calundus e as macumbas, que acessaram as matrizes

católicas, indígenas e o espiritismo (no caso das macumbas), entraram assim, em ressonância

com a tese apresentada por Costa (2013).

Neste caminho em busca por uma melhor elucidação histórica, antropológica e

teológica, encontramos alguns pontos que nos levam a inferir sobre um sincretismo contínuo e

dinâmico difuso neste solo. As diversas formas de religiosidades foram desenvolvidas,

mescladas, transfiguradas e passaram por simbioses e hibridismos, tomando novas formas, no

mesmo sentido em que se desenvolveram estes processos em âmbito cultural. Esta diversidade

na e da Umbanda perpassa séculos de encontros e interpenetrações. Nesta intensidade das co-

presenças, alguns elementos religiosos se sobressaíram em detrimentos a outros, da mesma

forma em que outros sucumbiram e formam excluídos.

Ao processo chamado umbandização, fazemos uma inferência a outro processo, o de

absorção da Umbanda. Assim, esta religião aberta, acolhe, agrega, incorpora, congrega e

absorve diversos elementos de outras religiosidades se formando, moldando e expandindo seu

universo simbólico, ritualístico e litúrgico. Da mesma forma que é absorvida por outras

religiosidades com as quais entra em contato. Da mesma forma, seus elementos estarão em

outros “mundos” em expansão. Esses movimentos de absorção, tanto da Umbanda, quanto

pela Umbanda, parecem explicar a diversidade de tradições, levando em conta, também, as

diferentes regiões brasileiras e suas configurações culturais e religiosas.

Assim, este gradiente explicitado por Camargo (1961) em que se encontram

simbolicamente nos polos a Umbanda e o Kardecismo, nos mostra as diversas configurações

que uma casa umbandista pode apresentar ao estar mais direcionada às doutrinas kardecistas.

Assim como, se, nos extremos, tivéssemos o Candomblé e o Kardecismo, e Umbanda no

meio9, representando a religião que agrega essas matrizes e que, em movimento de

inclinações doutrinárias, irá pender para cada polo, se configurando, desta forma, algumas

tradições como a Omolokô, a Umbanda Branca ou Cristã (citadas acima).

Ao analisar essas teorias: a do continuum e a do rizoma umbandista, bem apresentadas

pelos autores, podemos pensar em como estas se combinam produzindo, assim, uma visão que

aclare a abrangência destes processos relacionados à Umbanda. Desta forma, como visto

acima, entendemos o Calundu como o bojo, a essência, o início do que será legitimado como

9 CARNEIRO, João Luiz. Religiões afro-brasileiras uma construção teológica. São Paulo: Vozes, 2014.

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Umbanda, nas décadas de 1920 e 1940. Assim, recorremos a uma melhor compreensão do

conceito utilizado por Nogueira (2009) de arquipélago e encontramos: “Um arquipélago é um

conjunto de ilhas espalhadas pelo oceano. [...] O que caracteriza um arquipélago é que as ilhas

pertencentes ao conjunto possuem a mesma origem e formação geológica, além de estarem

próximas umas das outras”10. Transpondo este conceito geográfico para a esfera social e

religiosa, entendemos que essa “origem” estaria neste Calundu e se ramificou por grande

parte da extensão desta Terra Brasil, em consonância com o processo de colonização e

povoamento das regiões.

A partir desta plasticidade11 e do contato entre diversas religiosidades, este bojo vai de

transfigurando, acessando elementos, agregando e deixando-se agregar. Em processos de

graduação, estes elementos matriciais conectam-se a outros, ilimitando suas formas a partir da

liderança autônoma de cada terreiro e perpetuando-se no espaço-tempo. Desta forma, o que se

iniciou com elementos ameríndios, católicos e africanos, hoje, agrega, como retratado acima,

a partir das falas de membros da comunidade de fé e de pesquisadores, em seu núcleo, a

matriz espírita e se ramifica acessando religiosidades como a judaica, a oriental, árabe e

demais.

Desta forma, como uma raiz que se fincou, a Umbanda irradia-se neste solo. É a

unidade na diversidade, como disse Birman (1985). A Umbanda é esta religião brasileira que

tem sua identidade, tem suas múltiplas faces. Múltiplas como o povo brasileiro, coloridas, em

diversos tons. É absorvida, é transmutada, absorve, transmuta, converte e converge. Mantem

tradições e transfigurações. É plural, multi, é o uno e o diverso, esta é a Umbanda.

3.2 “A Umbanda tem fundamento, é preciso preparar”: as diversas formas de se ligar ao

sagrado na Umbanda

Como visto acima, a Umbanda apresenta a universalidade como uma característica

primordial. A partir da plasticidade que lhe é inerente, ela, a Umbanda, é identificada por sua

diversidade de configurações que lhe dão formas e sentidos. Assim, buscaremos analisar as

diversas formas pelas quais o indivíduo se liga ao sagrado nesta religião. Caminharemos em

busca de um núcleo irradiador da sua cosmovisão, um ponto inicial, o gerador de sentidos que

se ramifica, acessando outras religiosidades, mas que, não se desvincule deste zigoto

identitário. Um caminho que se apresenta tortuoso, dado aos passos que trilhamos até o

10 Ver mais em: http://brasilescola.uol.com.br/geografia/arquipelago.htm. 11 FERNANDES; SÁ JÚNIOR, 2014, p. 77.

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momento, que nos mostraram a complexidade do nosso objeto. Mas que se mostra essencial

para a compreensão desta religião.

Após percorrermos, principalmente, os caminhos das ciências como a historiografia, a

sociologia e antropologia, ciências estas que categorizam e classificam e que nos levaram a

uma compreensão parcial da Umbanda, percorreremos agora, os caminhos que nos levem a

outros fragmentos, outros excertos que nos conduzirão a uma elucidação dos elementos que

norteiam os umbandistas. Desta forma, adentraremos em seus elementos identitários, em seu

universo.

Assim, primeiramente, buscaremos os chamados “fundamentos” da Umbanda, a partir

do olhar dos que se encontram dentro desse universo religioso, dos sacerdotes e demais

membros dessa comunidade de fé e, também, daqueles que nos trazem um suporte acadêmico,

os estudiosos que analisaram e analisam a Umbanda. Posteriormente, traremos alguns pontos

da ritualística umbandista, em análise a alguns elementos presentes na prática umbandista

dentro do seu solo sagrado: o abaçá12.

3.2.1 Em busca de uma estrutura: fundamentos de Umbanda

O termo “fundamento” é destacado entre os umbandistas. Entendendo-o como algo

material ou simbolicamente que dá suporte; a base ou o alicerce no qual se apoiam

construções e princípios, buscaremos alguns autores umbandistas para nos esclarecer sobre

este tema. No blog Umbanda EAD, no texto intitulado: “O que “as Umbandas” tem em

comum”, a autora, Júlia Pereira, cita a definição de Alexandre Cumino para fundamentos:

FUNDAMENTOS (grifo do autor) são os elementos ou conhecimentos básicos,

fundamentais, que dão sustentação à religião. É o mínimo ao qual todos devem

conhecer sobre sua religião. Embora pratique-se a Umbanda de mil formas

diferentes existe algo nela que iguala a todos e os tornam praticantes de uma única e

mesma religião, são os seus fundamentos colocados em prática. Logo, tudo o que

não faz parte da Umbanda pode ser definido como aquilo que não é seu fundamento,

algo em que ela, a Umbanda, não crê13.

No site da Federação Brasileira de Umbanda14 encontramos o termo “postulados” e

sua descrição:

I- A existência de um Princípio Criador – DEUS, O Onipotente e Irrepresentável;

12 Templo, tenda, Terreiro de Umbanda, em: PINTO, Altair (Org.) Dicionário de Umbanda, Rio de Janeiro:

Editora Eco, s/a. 13Ver mais em: https://umbandaead.blog.br/2017/01/17/oque-as-umbandas-tem-em-comum/. 14 Ver mais em: http://www.fbu.com.br/fbu.htm.

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II- A manifestação trina do Princípio Criador, dentro da visão Naturalista e

Espiritualista; III- A Crença nos Orixás dos Cultos Afro-Brasileiros e nas Linhas da

Umbanda e do Candomblé; IV- A existência de entidades espirituais, mensageiros

das vibrações dos Orixás, ainda em evolução, buscando o aperfeiçoamento; V- A

Reencarnação e a Lei do Carma; VI- A existência do Espírito, sobrevivendo ao

Homem, em caminho da evolução, buscando o aperfeiçoamento; VII- A prática da

mediunidade em suas diversas manifestações; VIII- O Amor, manifestado como

Caridade, na palavra e na ação; IX- A afirmação de que o Homem VIVE NUM

Campo Vibratório, sendo Ele próprio um Campo Vibratório que o seu Livre

Arbítrio comanda, dentro do princípio da natureza trina: Espírito, Alma e Corpo.

Em seu livro Teogonia de Umbanda, Rubens Saraceni nos aponta como “a base

fundamental da religião de Umbanda”:

Um Deus criador, na origem de tudo e de todos, inclusive dos orixás, que são

divindades unigênitas manifestadoras das Suas qualidades; Em Deus tudo tem sua

origem e nada pode ou deve ser dissociado d´Ele, porque fora d´Ele nada existe por

si só; Na Umbanda adoram-se as divindades porque, ao adorá-las, estamos

adorando às próprias qualidades de Deus [...]; Olorum, o divino criador, é tão

infinito em si mesmo que temos a necessidade de recorrer às suas divindades, pois

é por intermédio delas que conseguimos vislumbrar sua grandeza, magnitude e

infinitude (2012, p. 47).

O blog Estudo da Umbanda também nos apresenta os fundamentos da Umbanda. O

texto expõe que, apesar da diversidade da forma de se vivenciar a Umbanda, da autonomia

dos líderes religiosos e da não existência de um padrão doutrinário, litúrgico e ritualístico,

ainda, pode-se encontrar alguns conceitos básicos que são encontrados na maioria das casas

umbandistas, são eles:

A existência de uma fonte criadora universal, um Deus Supremo, chamado Olorum

ou Zambi; O culto aos Orixás como manifestações divinas, onde cada Orixá se

confunde com um elemento da natureza do planeta ou da própria personalidade

humana, em suas necessidades, construções de vida e sobrevivência; O

mediunismo como forma de contato entre o mundo físico e o espiritual,

manifestado de diferentes formas; A manifestação das Entidades, ou Guias,

espíritos ainda em processo de evolução, para exercerem o trabalho espiritual

incorporado em seus médiuns, organizados em planos e/ou linhas de

evolução; Uma doutrina, uma regra, uma conduta moral e espiritual que é seguida

em cada casa de forma variada e diferenciada, de acordo com suas raízes, que

existe para nortear seus trabalhos; Tem como fundamento básico de seus rituais: o

uso do branco, não cobrar pelos trabalhos, não matar e não utilizar o sacrifício de

animais; A obediência aos ensinamentos básicos dos valores humanos,

como: fraternidade, caridade e respeito ao próximo e por si mesmo. Sendo a

caridade uma máxima encontrada em todas as manifestações existentes; A crença

na imortalidade da alma; A Crença na reencarnação e nas leis kármicas15.

Em um texto que objetiva explicar a Umbanda Omolokô16, encontramos algumas

informações importantes sobre esta “vertente” (termo usado pelo autor) da Umbanda, com

forte influência da cultura africana e, também, conhecida por Umbandomblé. Desta forma,

destaca-se que que o movimento Omolokô é conhecido “por praticar a caridade espiritual em

15Ver mais em: https://estudodaumbanda.wordpress.com/2009/02/27/6-principios-basicos-da-umbanda/. 16 Ver mais em: http://www.nomundodasumbandas.com.br/2015/07/novos-estudos-02-umbanda-omoloko.html.

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sessões mediúnicas por incorporações de guias espirituais como (Preto-Velhos, Caboclos,

Exús...) com fundamentações rito litúrgicas muito aproximadas dos cultos de raiz afro-

brasileiras”.

Na Revista Espiritual de Umbanda17, encontramos um texto que apresenta como

subtítulo “Em essência, a Umbanda fundamenta-se nos seguintes princípios básicos”. E,

esses princípios são:

1- Na existência de DEUS, Único, Onipotente, adorado sob vários nomes; 2- Na

crença em um Orixá Maior- Oxalá- Jesus Cristo; 3- Na crença nas Entidades

Espirituais do Plano Superior- os Orixás, chefiando Falanges; 4- Na crença em

Guias Espirituais, mensageiros dos Orixás (Caboclos e Pretos-velhos); 5- Na

existência do Espírito sobrevivendo ao homem em caminho de evolução, buscando

o aperfeiçoamento; 6- Na crença na reencarnação e na Lei do Carma, Causa e

Efeito; 7- Na prática da mediunidade sob as mais variadas apresentações; 8- Na

afirmação de que as Religiões constituem os diversos caminhos da Evolução

Espiritual, que conduzem a Deus; 9- Na prática da caridade material e espiritual;

10- Na necessidade do ritual como elemento disciplinador dos trabalhos; 11- Na

crença de que o home vive num Campo de Vibrações que condicionam sua vida

para o bem ou para o mal, conforme sua própria tônica vibratória.

Ao que nos cabe observar os pontos em comum entre as definições apresentadas,

ressaltemos a classificação de Cândido Procópio (1961, 1973) da Umbanda enquanto uma

religião mediúnica. Desta forma, infere-se a noção de um mundo espiritual estar em contato

direto com o mundo material através do transe mediúnico (incorporação); o princípio

reencarnacionista; a existência de um princípio criador, frequentemente denominado Olorum

ou Zambi (nomes africanos) e a manifestação dos orixás e das entidades. Reconhecendo esta

diversidade, ainda no que podemos considerar como fundamentos da Umbanda, Birman,

aponta que: “a função de um centro de umbanda, segundo os seus praticantes, resume-se

numa só – fazer caridade” (1985, p. 66).

A este princípio da caridade, enquanto um fundamento da Umbanda, Negrão

(1994) nos esclarece que é uma influência moralizadora proveniente do kardecismo. Aos

terreiros que seguem esta concepção, há a ideia de que sua prática é, ao mesmo tempo,

finalidade do culto e sua instância legitimadora, entendida, neste sentido, como uma missão.

Esta caridade favoreceria não somente ao consulente atendido, mas, também, aos médiuns e

guias que garantiriam uma reencarnação mais favorável e a ascensão no mundo dos espíritos,

no caso dos guias (NEGRÃO, 1994, p. 116-117).

Em destaque à “anunciação” da Umbanda pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, José

Henrique Motta de Oliveira, em anexo à sua dissertação, também expõe um trecho da fala da

17 A Umbanda é uma religião autenticamente brasileira. Revista Espiritual de Umbanda. São Paulo, n. 08.

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referida entidade que enfatiza o condicionamento da prática da caridade:

Aqui inicia-se um novo culto em que os espíritos de pretos africanos, que haviam

sido escravos e que ao desencarnar não encontram campo de ação nos

remanescentes das seitas negras, já deturpadas e dirigidas quase que

exclusivamente para os trabalhos de feitiçaria, e os índios nativos da nossa terra,

poderão trabalhar em benefícios dos seus irmãos encarnados, qualquer que seja a

cor, raça, credo ou posição social. A prática da caridade no sentido do amor

fraterno, será a característica principal deste culto, que tem base no Evangelho de

Jesus e como mestre supremo Cristo (2007, p. 162).

Sob um olhar de fora sobre a Umbanda, encontramos em Berkenbrock (2012), o

reconhecimento de características doutrinárias comuns nos grupos de Umbanda. Desta

forma, o autor destaca: i): a fé num ser supremo; ii): a crença na existência de espíritos e

entidades; iii): a crença na possibilidade de contatos entre espíritos e pessoas e iiii): a crença

no desenvolvimento do espírito e na reencarnação (2012, p. 154- 157). Ao que Berkenbrock

denomina de características doutrinárias, entendemos aqui como fundamentos. Neste sentido,

o que o autor identifica em comum nos grupos de Umbanda, há uma considerável similitude

e concordância com o apresentado acima como fundamentos e postulados.

Encontrar pontos em comum, ou seja, o que é partilhado ou universal nesta

ramificação que se alastra na Terra Brasil é uma tarefa constatadamente tortuosa. Sinuosos

são os caminhos percorridos. Mas, é esta dificuldade que confirma a complexidade desta

religião. A tentativa de uma homogeneização, a partir da criação de uma federação não se

concretizou. Talvez, esta mesma homogeneização fosse em direção contrária à própria

dinâmica cultural moderna, nos processos de recriação e reinterpretação pelos quais os

indivíduos adquiriram sua autonomia. Além, é claro, de cessar o que é característico da

Umbanda: a abertura às outras religiosidades, sua plasticidade. Ainda, não podemos negar

que é esta diversidade que, também, dá forma a esta identidade umbandista.

Apesar dessa diversidade ainda encontramos o que há em comum, o que se destaca

como ponto chave para se compreender essa religião. Ainda que esta diversidade também se

apresente como característica, ou seja, como um ponto que lhe é inerente, outras

especificidades podem ser identificadas, o que se apresenta, neste sentido, como uma forma

de se classificar, a partir de uma visão de que está de fora. Porém, ressaltamos a importância

do olhar de dentro, da identificação que o filho de fé apresenta.

Desta forma, o que podemos destacar como pontos em comum em alguns trabalhos

e sites pesquisados, sejam os princípios da reencarnação, a comunicação com os espíritos e a

existência de um deus ou “força” criadora, dentre outros citados acima. Partindo, assim,

desta constatação que, talvez, se apresente rasa, mas, aqui, é o chão em que nos apoiamos

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nesta jornada. Em continuidade, buscaremos, outros pontos comuns dentro da diversidade

nesta unidade chamada Umbanda.

3.2.2 O espaço e o sagrado: as giras de Umbanda

Ainda direcionados para o universo umbandista, busquemos agora, o lugar-comum da

substância umbandista em sua ritualística, doutrina e liturgia. Desta forma, adentraremos no

espaço sagrado da Umbanda, no abaçá, buscando conhecer algumas práticas umbandistas.

Ao utilizarmos o termo espaço sagrado, referimo-nos ao templo, tenda, casa ou igreja

umbandista. Este solo, este chão, este território localizado geograficamente representa bem

mais que um ponto de referência entre coordenadas latitude e longitudinais. Este espaço

sagrado tem um valor existencial para o homem religioso, como aponta Eliade (2010, p. 17).

A manifestação do sagrado, neste solo, funda ontologicamente o mundo, delimitando sua

territorialidade, separando-o do mundo profano em que vivemos (ELIADE, 2010, p. 17- 18).

Essa territorialidade, apontada por Rosendhal (1995) como o conjunto de práticas

desenvolvido por instituições ou grupos no sentido de controlar um dado território (1995, p.

56), nos remete à execução de ações que os grupos religiosos desenvolvem objetivando o

controle desse território. Esse controle territorial está direcionado, tanto ao espaço físico-

mundano, a partir de normas de funcionamento, horários e datas estabelecidos, orientações

quanto ao comportamento, limpeza, etc, quanto ao do não físico, ou seja, da essência sacra.

Esse território ou espaço, se torna sagrado, para um dado grupo religioso porque

concentra, espacialmente, um universo simbólico, pleno de significados (NORONHA, 2013,

p. 2474). A respeito desse universo simbólico, pleno de significados, buscamos em Eliade a

função desse símbolo. Assim, para o autor, esta função é revelar uma realidade total,

inacessível aos outros meios de conhecimento, desta forma, o simbolismo acrescenta um novo

valor a um objeto ou a uma ação, sem prejudicar seus valores próprios imediatos (ELIADE,

1991, p. 177- 178).

O abaçá, nesse sentido, além de ser um símbolo da Umbanda, comporta os demais

símbolos que compõem esse universo simbólico umbandista. Desta forma, em uma tenda

umbandista encontramos vários objetos e instrumentos também sagrados. A este processo de

sacralização, encontramos em Eliade a explicação que nos leva a uma melhor compreensão

deste compósito de estatuetas e instrumentos: a hierofania. Nessa manifestação do sagrado em

um objeto, este torna-se outra coisa, mas, continua ser ele mesmo, porque continua a

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participar do meio cósmico envolvente, ou seja, algo de sagrado se nos revela (2010, p. 17-18,

25-29). Analisando ainda o processo de sacralização, Durkheim aponta para a constituição de

um centro de organização da coisa sagrada, no qual, à sua volta, gravita um grupo de crenças

e de ritos (DURKHEIM, 2008, p. 72-73), ou seja, outros objetos e crenças se ligam a uma

coisa ou conjunto de coisas sagradas, expandindo, assim, o processo de sacralização.

O templo umbandista é sagrado, tudo o que há dentro dele, de forma direta ou indireta

vai corroborar para as manifestações sagradas, sejam elas o momento de comunhão dos

membros, a manifestação dos guias, a realização de passes ou de trabalhos. Em proximidade

com esse entendimento de sacralização do templo umbandista, Barros (2008) nos aponta que

“Os terreiros são considerados lócus do “axé”, da força vital que pode ser conservada,

manuseada e transmitida. Suas instalações estão impregnadas do simbolismo religioso e são

tidas como extensões da essência vital dos orixás ou “guias” patronos do terreiro e, em alguns

casos, dedicados, além desses, também a outras divindades” (BARROS, 2008, p. 57).

Assim, o congá vai abrigar demais elementos igualmente sacralizados, que, em um

movimento de convergência, se ligam a ele na composição do espaço sagrado. Como

exemplos dessa sacralização, encontramos em Vieira (2016), sugestões de rituais de

consagração de imagens e objetos (2016, p. 270- 314). E é nesse domo, nessa redoma que

marca a coexistência dos mundos sagrado e profano, que a magia e ritualística umbandista

também acontecem.

Para se comportar perante esse sagrado, existem regras de comportamento que o

homem, entendido como profano, deve seguir. A essas regras Durkheim nomeia de ritos

(2008, p. 72). Os ritos vão compor a vivência das experiências religiosas de forma intrínseca.

Neste sentido, o homem religioso vai se orientar por meio deles para ir de encontro ao

sagrado. Os cultos umbandistas se apresentam, desta maneira, como celeiros permeados de

ritos, símbolos e significações que conduzem às mais diversas formas de experiências

religiosas.

Conhecidos por giras, os cultos umbandistas se distinguem em dois tipos, segundo

Ortiz (1978). Utilizando a funcionalidade como critério, esse autor diferencia as sessões por:

de desenvolvimento mediúnico e de caridade. Nas de caridade, os consulentes entram em

contato com os espíritos para o passe ou consulta. Já na outra, não há participação da

assistência e o dirigente fica mais livre na instrução dos médiuns a respeito da doutrina e do

aprendizado do transe (ORTIZ, 1978, p. 95). Magnani também observou esta distinção entre

as giras de desenvolvimento e de caridade, ou trabalho, como destaca (1991, p. 36-37). E

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acrescenta uma sequência ritualística: canto de abertura dos trabalhos – hino da Umbanda e,

às vezes, algumas orações (padre-nosso, ave-maria, salve rainha); defumação, saudação,

pontos cantados de descida (há a incorporação e atendimento ao público); pontos de subida e

saudação final (MAGNANI, 1991, p. 37).

Essa sequência ritualística também pode ser encontrada no site da Federação Brasileira

de Umbanda, já mencionado. A condução das sessões é realizada por dirigentes, há a

defumação, cânticos de saudação e orações de início e encerramento. Outra sequência

ritualística, nas giras, também é sugerida por Vieira (2010): abertura do trabalho, explanação

sobre a doutrina, fazer uso da meditação (solicitação de mentalização dos presentes), cânticos

de hinos e pontos, incorporação de uma das entidades chefe, chamamento da Linha de

Trabalho da entidade em Terra, bênção a partir da oração do orixá cultuado no dia, ensinar a

realização do culto familiar, pedir algo como “tarefa de casa”, cantar hinos que se remetem ao

próximo encontro e encerramento do trabalho (VIEIRA, 2016, p. 89).

Barros (2012) também percebe, nesse espaço sagrado da Umbanda, as orações como

pai nosso e ave-maria, a invocação dos orixás e entidades, o toque dos atabaques, os pontos

cantados (cantigas) e sinais cabalísticos (pontos riscados) e a defumação, que marca o início

da gira (BARROS, 2012, p. 291- 292). Ao apresentado acima, podemos perceber pontos em

comum nas descrições realizadas. Atentamos para a percepção de orações católicas, uso de

ervas na defumação, cânticos aos orixás (elemento das religiosidades africanas), o momento

de doutrinação, ou seja, a construção do aprendizado do médium por intermédio de um

sacerdote, neste caso, o que detém o poder e o prestígio religioso e o momento da caridade na

prestação do atendimento aos consulentes.

Apresentando o entendimento de sacramentos por sinais sagrados administrados aos

fiéis e que são de responsabilidade dos sacerdotes umbandistas ministrarem, Lurdes Vieira

identifica os seguintes sacramentos umbandistas: batismo, conversão, confirmação,

consagração da coroa, casamento, confissão e encomenda do espírito que desencarnou

(VIEIRA, 2016, p. 47- 48). Rivas Neto indica os rituais básicos dentro da liturgia de

Umbanda: de aceitação ou admissão; o batismo de lei; confirmação inciática; cruzamentos ou

imantações; ordenação sacerdotal; matrimônio; ritual intercessório ou de desligamento. Esses

sacramentos apresentados, são, também, descritos no site da Federação Brasileira de

Umbanda18, destacando o batismo, a sagração, o casamento e o ofício fúnebre.

18 Ver mais em: http://www.fbu.com.br/Novo%20Site/menu/codigo-etico.html.

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Ao analisar as giras de Umbanda, Dutra ressalta que os espaços sagrados estão

carregados de significados próprios para seus fiéis e praticantes e cobertos de símbolos

significativos para a comunidade. A partir desse simbolismo, presente em vários momentos

dos cultos e dos ritos umbandistas, uma dimensão mágica é criada, dimensão esta que procura

ligar o homem comum, em seu mundo profano, com a condição sobrenatural (DUTRA, 2011,

p. 23).

Todas as acima citadas manifestações do sagrado e os processos de sacralização, nos

remetem ao entendimento de magia da e na Umbanda. Reginaldo Prandi (2004) nos aponta

esse viés mágico dessa religião ao afirmar que a Umbanda e o Candomblé são religiões

mágicas porque ambas “pressupõem o conhecimento e uso de forças sobrenaturais para

intervenção neste mundo, o que privilegia o rito e valoriza o segredo iniciático” (PRANDI,

2004, p. 228).

A essa realidade passível de ser modificada, Isaia (2013) expõe que “através da

manipulação de elementos materiais e de ritos específicos o mago se habilita a transformar a

realidade”. Esse mago é o que detém conhecimentos capazes até de interromper processos

naturais (2013, p. 48). Direcionando o entendimento acerca da magia para outro viés, Isaia

aponta-nos que essa, a magia, “pode ser vista como um sistema cognitivo, capaz de colocar

em evidência a ação transformadora da realidade no interior do horizonte de percepção do

mundo daqueles que nela acreditam” (ISAIA, 2013, p. 48).

Enquanto detentor do conhecimento e da força para ativar e manipular energias e,

também, para invocar seres espirituais, o sacerdote umbandista é reconhecido como este

mago. E é nas giras que os leigos verificam a eficácia desse poder. Em análise à segunda

perspectiva apresentada por Isaia, que a magia pode ser vista como sistema cognitivo está

direcionada a uma forma de apreensão do mundo (2013, p. 48). Assim, tanto para o

umbandista, quanto para o leigo que adentra no templo em busca de solução para seus

infortúnios, ali acontece a magia.

Práticas como uma benzeção, seja realizada pelo médium, seja realizada por uma

entidade, trazem o significado de um reequilíbrio energético no consulente. Ele realmente

acredita que aquela pessoa ou entidade tem o poder de modificar a realidade do seu corpo. Da

mesma forma que utilizar um terço consagrado evidencia o entendimento de proteção

energética e/ou espiritual. É real, mas, também, simbólico, está no entendimento dos que

creem.

Nas giras de umbanda, os dois mundos se encontram como em um processo de

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simbiose. Os mundos sagrado e profano se tornam um. Todo espaço, objetos e instrumentos

estão posicionados em sua funcionalidade. Os laços entre os seres humanos e os seres

espirituais ou vibrações personificadas se estreitam, fortalecendo esta ligação. O sagrado e o

profano se unem como em seu surgimento, como no momento uno, como no sopro da criação.

3.3 Entre imagens e vibrações: do orum ao aiyê

A Umbanda, ao apresentar como uma das suas principais características a

comunicação com o mundo espiritual, destaca a ligação com os orixás e guias espirituais,

sendo esta, evidenciada nas giras. Orixás, guias, protetores, enfim, uma gama de seres

espirituais e núcleos energéticos que, estando no plano espiritual, invocados ou não,

“trabalham” nesta seara. Assim, ao entendimento de postulado ou fundamento, estes seres do

astral são essenciais na Umbanda.

Desta maneira, estes seres, “habitantes” do orum (nível sobrenatural, ilimitado,

imaterial, mundo espiritual19), adentram no aiyê (nível de existência no qual é própria a

matéria, a concretez e é um nível limitado, é o mundo material20), também, para o auxílio aos

seres humanos.

3.3.1 Os Orixás e as Sete Linhas de Umbanda

Entendemos que entraremos agora, na essência “espiritual” da religião Umbanda. Para

compreendermos melhor o que ou quem são os orixás, recorremos a Rubens Saraceni: “orixás

são mistérios da criação que se manifestam por meio da natureza ou da criação”, e mais,

“orixás são mistérios que facilmente se adaptam às concepções humanas de como eles devem

ser vistos, compreendidos, entendidos e cultuados” (2003, p. 13).

Para compreendermos melhor as Sete Linhas de Umbanda, Saraceni esclarece sobre o

“Setenário Sagrado”, desta forma, explica: “O Setenário Sagrado é formado por essências, ou

manifestações sublimadas do incriado Olorum. No Setenário Sagrado estão os fundamentos

das tão misteriosas “Sete Linhas de Umbanda” (2003, p. 12). Este estudo do Setenário

Sagrado, segundo Saraceni, nos leva até um nível onde encontramos no estado original e o

concebemos como as sete essências da vida (2003, p. 15). Desta forma, apresenta as essências

19 BERKENBROCK, 2012, p. 181. 20 Ibidem

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divinas que formam este Setenário (2003, p. 12) e, ao lado, as Sete Linhas de Umbanda

(SARACENI, 2003, p. 38):

1ª Essência cristalina- Oxalá- Fé; 1ª Linha Cristalina- fé, religiosidade;

2ª Essência mineral- Oxum- Amor; 2ª Linha Mineral- amor, fecundidade ou concepção;

3ª Essência Vegetal- Oxóssi- Conhecimento; 3ª Linha Vegetal- conhecimento, criatividade;

4ª Essência ígnea- Xangô- Justiça; 4ª Linha Ígnea- justiça, racionalidade;

5ª Essência aérea- Ogum- Lei; 5ª Linha Aérea-lei, ordenação;

6ª Essência telúrica- Obaluaê- Evolução 6ª Linha Telúrica-Aquática- razão, forma ou evolução;

7ª Essência aquática- Iemanjá- Geração. 7ª Linha Aquática- geração, fertilidade, maternidade.

Trindade (2013) no livro Os Orixás na Umbanda e no Candomblé, apresenta as setes

linhas destacadas por de Leal de Souza (1933). Assim, retomando aos escritos do supracitado

autor, destacamos as Setes Linhas de Umbanda, apresentada em seu livro O espiritismo, a

magia e as sete linhas de Umbanda, porém, em destaque para a fala de Leal: “As Sete Linhas

Brancas”: 1ª Oxalá (Nosso Senhor do Bonfim); 2ª Ogum (São Jorge); 3ª Euxoce (Oxóssi- São

Sebastião); 4ª Shangô (Xangô- São Jerônimo); 5ª- Nhan- San (Iansã- Santa Bárbara); 6ª

Amanjar (Iemanjá- Nossa Senhora da Conceição) e 7ª De Santo (Das Almas) (1933, p. 52-

53).

W. W. da Matta e Silva, também cita as sete Linhas, ou Vibrações, são elas: 1ª- Linha

ou Vibração de Orixalá; 2ª- Linha ou Vibração de Yemanjá; 3ª- Linha ou Vibração de Yori;

4ª- Linha ou Vibração de Xangô; 5ª- Linha ou Vibração de Ogum; 6ª- Linha ou Vibração de

Oxóssi e 7ª- Linha ou Vibração de Yorimá (MATTA e SILVA, 2012, p. 172- 177).

Entendemos que citar estas Sete Linhas de Umbanda pelo olhar dos sacerdotes que

apresentam um reconhecimento entre, não somente os membros de fé, mas que, são, também,

reconhecidos em trabalhos acadêmicos, faz-se necessário. Compreender a cosmovisão

umbandista, é compreender como estas Sete Linhas atuam na formação e manutenção do

mundo. Desta forma, ao aprofundar os estudos sobre estas, o umbandista ou acadêmico

chegará aos mitos de criação, à dinâmica das vibrações, à atuação dos orixás na vida das

pessoas. Enfim, um caminhar interessante, intenso e compensatório, porém, infelizmente, se

aqui o fizéssemos com o merecido empenho, fugiríamos ao nosso objetivo central.

Porém, entender a universalidade na e da Umbanda continua como instância última

deste caminhar! Desta forma, buscaremos elucidar outros excertos e outros pontos que

compõem esta trama. Para tanto, caminhemos de volta na direção aos orixás. Em outra

definição, Saraceni nos esclarece sobre os orixás: “são as divindades que surgiram quando da

exteriorização do divino Criador Olorum”. Assim, cada orixá “traz em si o mistério sétuplo de

Olorum e faz surgir seus manifestadores divinos nas setes vibrações e nos sete subplanos da

criação (natureza) e da vida (seres)” (2012, p. 67).

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Berkenbrock aponta que os Orixás são “seres divinos ou espirituais, que tem sua

origem com a origem do universo” (2012, p. 184). Mas, acrescenta, em citação de Elbien dos

Santos, que, “Os Orixás são antepassados divinos ou espirituais”, e ainda, em nota, “Em

alguns Itans, os Orixás são apresentados de forma personificada, como pessoas que, por causa

de seus atos heroicos em vida transforaram-se em Orixás” (2012, p. 184).

Trindade nos esclarece que a “palavra Orixá significa literalmente “Senhor da Cabeça”

e, como tal, o “Santo” principal a que está ligado espiritualmente qualquer pessoa humana”

(TRINDADE, LINARES e COSTA, 2013, p. 44). Apresentando uma similaridade com essa

definição de Trindade (2013), Peixoto traz, ainda, em sua análise, que, “etimologicamente, a

palavra “orixá” significa “a divindade que habita a cabeça””. Porém, para o autor, na

concepção teológica rito-litúrgica que predomina na Umbanda, os orixás são energias

criativas divinas de alta voltagem sideral” (PEIXOTO, 2016b, p. 125-126).

Desta forma, entendemos que, em uma dinâmica peculiar de dar novos sentidos, em

processos de configurações e transfigurações da Umbanda, o significado de orixá, esse

elemento da herança africana foi ressignificado. Portanto, compreendemos que, para a visão

predominante na Umbanda, como afirma Peixoto, os orixás são entendidos como energias que

passaram por processos de personificação. Citaremos a seguir, algumas características dos

principais orixás cultuados na Umbanda.

3.3.1.1 As senhoras do Orum- Oxum, Iemanjá, Nanã e Iansã

Iemanjá, talvez a mais conhecida e oferendada orixá, é considerada a mãe de todos os

orixás. Associada à Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora dos Navegantes e Nossa

Senhora da Glória, a Rainha do Mar, segundo Carneiro, ganhou uma representação própria:

uma mulher nova, de cor de pele branca, cobrindo seu corpo há um manto azul (CARNEIRO,

2017, p. 77 – 81). Para se referir a Iemanjá, Saraceni utiliza o termo Mãe da Vida. Desta

forma, para o autor, Iemanjá é uma divindade unigênita gerada na qualidade criativa e

geradora de Olorum. Atuando com intensidade na geração dos seres, das criaturas e das

espécies, desperta um amor único pela hereditariedade e todos os seres, apresentando, assim,

o amor maternal como característica marcante (2012, p. 161- 162).

Iansã, também conhecida por Oyá, é a grande transgressora de movimentos rápidos,

segundo Zacharias (1998). É associada aos ventos e tempestades. Em lendas, foi casada com

Ogum e Xangô, sendo a companheira, deste último, nas batalhas. É o único orixá que tem

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poder de enfrentar e dominar os Egungun (espíritos dos mortos ancestrais que voltam para

inspecionar os parentes) (1998, p. 98, 173- 179).

Senhora do seu corpo, dos seus sentimentos e ações e independente, assim é Iansã para

Carneiro. Mulher do trovão, é a senhora dos ventos e dos raios, tem profunda ligação com os

mortos e é associada à Santa Bárbara, nas tradições umbandistas cristãs (CARNEIRO, 2017,

p. 68 – 73). Associada ao próprio sentido da Lei, Iansã atua de forma mobilizadora, ativa e

direcionadora, para Saraceni. Aplica a Lei na vida dos seres emocionados pelo vício, a

“Senhora dos Ventos” recebe suas oferendas em campo aberto, pedreiras, beira-mar e

cachoeiras, suas velas são brancas, amarelas e vermelhas; sua bebida é a champanhe branca, o

licor de menta, de anis ou cereja e suas rosas e palmas são amarelas (SARACENI, 2012, p.

123, 129- 132).

Oxum, esposa de Xangô, é a amável mãe das águas doces, é atraente e meiga, muito

vaidosa e esperta. Carinhosa e sedutora, pode ser leviana e fútil quando lhe é interessante,

assim nos caracteriza Zacharias, este orixá. Para o autor, Oxum, no Brasil, geralmente, é

representada como uma jovem faceira e vaidosa, meiga e gentil (ZACHARIAS, 1998, p. 97,

176-179). Irradiadora do Amor Divino e da Concepção da Vida, estimula a união matrimonial

e favorece a conquista da riqueza espiritual e a abundância material (SARACENI, 2012, 89-

91). No Brasil, Oxum é a divindade que tornou-se o orixá de todos os rios e de toda a água

doce, por isso, os rios, cachoeiras e fontes de água doce são considerados seus sítios sagrados.

(CARNEIRO, 2017, p. 66- 68). Vaidosa, considerada a mais bela dos orixás, para conquistar

o que deseja, usa dos seus atributos físicos, emocionais e mentais. O espelho é um dos seus

principais elementos no culto. Ligada também à maternidade, na Umbanda Esotérica, está

relacionada ao jogo oracular de Ifá, já nas umbandas cristianizadas, é associada a Nossa

Senhora das Candeias, Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora da conceição e suas contas,

ou guias, são amarelas (CARNEIRO, 2017, p. 66- 68).

Nanã Buruquê, é considerada como a mais antiga das divindades das águas,

relacionada às águas dos lagos e da lama dos pântanos, é sincretizada à Nossa Senhora

Sant´Ana. É ponderada e intransigente, ciosa e possessiva. Sua cor é roxa (na Umbanda). Por

se considerado o fim do rio, o início do mar, as oferendas destinadas à Nanã, são realizadas

nele. Nanã representa a transição do fim da vida material e o início da vida espiritual, um

elemento velho, quase no fim da vida (TRINDADE, LINARES e COSTA, 2013, p. 275- 293).

Carinhosamente considerada a avó, Nanã Buruquê é descrita por Zacharias como a

velha sábia. Divindade materna ancestral, é ligada ao mundo dos mortos, é austera e

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previdente, é calma e gentil. Reina sobre as águas paradas, pútridas e pântanos. Severa e

grave, evidencia o poder feminino controlador e autoritário das grandes matriarcas. É a que

rejeita (vimos nos autores acima, Nanã rejeita seu filho Obaluaê devido às feridas no corpo),

mas, sempre recebe seus filhos no final da vida, pois representa a decomposição dos

elementos, necessária para a criação de uma nova vida (ZACHARIAS, 1998, p. 101, 192-

196). Carneiro também nos aponta a ancestralidade deste orixá como a “velha mãe ancestral”

e conhecedora dos mistérios da vida e da morte. O autor destaca a associação de Nanã à

Sant´Ana, assim como, as contas lilás e roxo em suas guias, destacando para a diferença entre

algumas umbandas mais próximas ao cristianismo que apresentam as guias brancas e pretas.

Em um mito relacionado à criação, Oxalá, com dificuldade em modelar o corpo do ser

humano, foi auxiliado por Nanã, que emprestou sua lama, que dá mobilidade, estrutura e

mantem o corpo humano firmes. Porém, Nanã recebe esta lama de volta quando o ser humano

morre, pois, o corpo volta para a terra (CARNEIRO, 2017, p. 73- 76).

3.3.1.2 Os irmãos: Ogum, Oxóssi e Exu

Considerado o Orixá da lei, Ogum atua na linha divisória entre a razão e a emoção e

na ordenação dos processos e dos procedimentos. É sempre vigilante, marcial e pronto para

agir onde lhe for ordenado. Conhecido também por “Senhor dos Caminhos”, Ogum, ao

aplicar a Lei e ordenar a evolução dos seres, não permite que se tome uma direção errada.

(SARACENI, 2012, p. 137- 142). “Um deus essencialmente guerreiro”, “o guerreiro dos

músculos de aço”, assim, o Senhor Ogum tornou-se um dos orixás mais populares da

Umbanda, este é Ogum, na visão de Zacharias. E acrescenta que Ogum representa os aspectos

mais viris da personalidade, constelando-se na imagem do guerreiro que comunga de duas

potencialidades, a impulsividade e a coragem (ZACHARIAS, 1998, p. 96, 147- 155).

“Senhor das batalhas, vencedor de demandas”, assim é conhecido o Senhor Ogum em

todas as tradições umbandistas, segundo Carneiro. Associado ao elemento ferro e às batalhas,

este orixá constrói suas ferramentas. Carneiro relata que, nas tradições mais próximas ao

cristianismo, Ogum é sincretizado com São Jorge, nas regiões Sul e Sudeste, e, a São

Sebastião e Santo Antônio na Bahia. Para o autor, as guias consagradas a Ogum geralmente

são vermelhas, porém, em tradições mais próximas ao Candomblé, são azul escuro

(CARNEIRO, 2017, p. 38 – 43).

Irmão de Ogum e Exu e filho de Iemanjá, Oxóssi é considerado o “deus dos

caçadores”. Sincretizado à São Sebastião, Oxóssi é o orixá da mata, é o mais simplório e

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honesto de todos os orixás. É o patrono da agricultura, protetor das colheitas fartas, em

terreiros de Umbanda, costuma-se utilizar utensílios como arco, flecha, bodoque, cocares, ou

seja, instrumentos utilizados pelos índios (TRINDADE, LINARES e COSTA, 2013, p. 171-

194). Para Saraceni, Oxóssi é o orixá regente da Linha de Irradiação do conhecimento, é a

divindade doutrinadora que esclarece os seres e, a partir do conhecimento, vai religando-os ao

Pai Maior e Divino Criador e, nas lendas, está relacionado às matas e é caçador (SARACENI,

2012, p. 103- 109).

Para Carneiro, os mitos relacionados a Oxóssi o retratam como grande provedor e

protetor da sua família. Apresentando como principais símbolos o arco e a flecha. Na

Umbanda Esotérica é associado ao caçador de almas, relacionado às realizações, nos diversos

setores, da vida dos filhos de fé. Nas umbandas mais próximas ao cristianismo é sincretizado,

nas regiões Sul-Sudeste, a São Sebastião; na Bahia a São Jorge e, em Pernambuco, a São

Miguel (CARNEIRO, 2017, p. 43- 47).

Para falar de Exu há, primeiro, que se definir se se falará sobre o orixá ou a entidade.

Assim como com os demais orixás, as histórias e mitos sobre Exu são diversas. Peixoto

apresenta, a partir da cosmogonia iorubana, Exu como o primeiro orixá criado (2016a, p. 13).

Guardião de todas as encruzilhadas vibratórias, passagens e pontos de encontro que se

cruzam, quando tem sua natureza manifestada nos homens, implica o aprimoramento de

qualidades inerentes a ele: ordem, disciplina, perseverança, bom senso, confiança, justiça

permeados pela alegria de existir (PEIXOTO, 2016a, p. 32). Saraceni também descreve Exu

como o primeiro orixá criado, ou, nas palavras do autor “manifestado por Olorum e que rege

o estado do vazio absoluto e traz em si propriedades e qualidades inerentes a Deus.

(SARACENI, 2009, p. 58- 62),

Sedutor, envolvente, brincalhão, satírico, irreverente, erotizado, astuto,

intelectualizado, o intermediador dos mundos, “o Controvertido Exu”, assim Zacharias define

este orixá. Preside os caminhos e as encruzilhadas, tem como símbolo o tridente. Responsável

pela proteção das casas de axé e dos seus habitantes, há um local especial para este orixá: “a

casa de Exu” ou tronqueira. Para Zacharias, Exu foi associado ao diabo cristão devido à sua

ligação direta com a erotização da vida (ZACHARIAS, 1998, p. 96, 136- 147).

3.3.1.3 Os senhores da criação, do reino e da cura: Oxalá, Xangô e Obaluaê

Considerado o orixá maior, Oxalá é o orixá irradiador da fé em nível planetário e

multidimensional e estimulador da religiosidade (SARACENI, 2012, p. 73-76). Vagner

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Gonçalves da Silva (2005) aponta Oxalá como o orixá da criação, modelando com o barro o

corpo dos homens sobre o qual Olodumaré (O Ser Supremo) soprou para dar vida. Silva

indica a associação feita a Jesus Cristo e Oxalá, os dois, como filhos do criador e salvadores

dos homens (SILVA, 2005, p. 80-82). Em uma análise junguiana, Jorge Zacharias apresenta

Oxalá como a divindade mais respeitada nos cultos de orixá. É o pai criador dos homens, é a

representação do poder fertilizante masculino (ZACHARIAS, 1998, p. 196-197).

João Luiz Carneiro (2017) cita outros nomes relacionados ao orixá Oxalá, como

Obatalá e Orinxalá. Também relaciona a cor branca a este, como nas guias de Oxalá, e,

apresenta duas imagens deste orixá, explicando que, em terreiros de Umbanda Branca, Oxalá

carrega a cruz como símbolo e, em terreiros mais africanizados, carrega o opaxorô, “um

verdadeiro cajado da criação” (CARNEIRO, 2017, p. 82-86).

Orixá da Justiça Divina, da razão e do equilíbrio, Xangô é o orixá gerador e irradiador

do fator equilibrador, é o fogo que nos purifica de nossos próprios vícios emocionais,

reequilibrando-nos, assim Saraceni nos descreve Xangô, o orixá da Justiça (SARACENI,

2012, p. 121- 128). Para Zacharias, Xangô é o Grande Rei, poderoso, autoritário, vaidoso e

sensual, porém justo. Tem três esposas: Iansã (Oiá), Oxum e Obá. É centralizador, é uma

divindade da vida, representada pelo fogo ardente. Sua imparcialidade é representada por seu

machado de duas lâminas (ZACHARIAS, 1998, p. 97, 171-173).

“Senhor do raio” ou “Senhor do fogo”, Xangô é, também, associado à justiça por

Carneiro. Evocado para resolver querelas, Xangô, é filho de Iemanjá e irmão de Ogum e

travou batalhas por Oxum e Iansã, com seu irmão. É associado a São João, São Jerônimo e

São Pedro. Suas guias são marrons, porém, na tradição Omolocô e em outras mais próximas

ao candomblé, predomina a cor vermelha e seu sítio sagrado são as pedreiras e tem como um

dos símbolos de destaque o machado (CARNEIRO, 2017, p. 60- 64).

Na Linha da Irradiação da Evolução, Saraceni nos apresenta Obaluaê. Orixá curador,

rege a Linhas das Almas ou corrente dos Pretos-Velhos. “Senhor das Passagens”, atua na

passagem de um plano para o outro, de uma dimensão para outra e do espírito para a carne,

assim como o contrário (SARACENI, 2012, p. 151- 154). Associado às doenças contagiosas,

em África, este orixá, também tem, em sua representação, o corpo coberto com palhas. É

conhecido por Orixá Yorimá na Umbanda Esotérica e, nas umbandas mais próximas ao

cristianismo, é correlacionado a São Lázaro e São Roque. Este “Senhor da Terra”, também é

associado às almas, evidenciando sua ligação com os Pretos-Velhos. Carneiro também destaca

o cemitério como um dos principais sítios sagrados deste orixá, cujas guias, nas umbandas

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mais próximas das tradições africanas, mesclam branco, preto e vermelho, já nas umbandas

brancas, prevalecem o preto e o branco (CARNEIRO, 2017, p. 56- 60).

Estas são algumas das características e lendas destes “seres divinos” ou “energias

personificadas” que compõem os fundamentos da Umbanda. São a herança africana mais forte

e intensa existente na Umbanda, nas tradições e autores aqui estudados. O “panteão”21

umbandista pode apresentar-se mais diverso, assim como, algumas características de alguns

orixás, devido a uma maior ou menor herança das religiosidades africanas. Essas

características atribuídas, esses arquétipos, esses mitos e lendas dos orixás são o prisma que

irradiam os mistérios do divino dando sentido e direção aos seus filhos de fé.

3.3.2 Guias, entidades e protetores - Os trabalhadores do astral

Além dos orixás, as entidades ou guias, compõem o corpo espiritual da Umbanda,

como acima citado. Elas, as entidades, são entendidas como os espíritos que auxiliam os seres

humanos. Trabalham nos terreiros e tendas de Umbanda a partir da incorporação do médium.

Por ser a Umbanda fundamentada no simbolismo, os nomes, conhecidos ou não, de

cada guia traz um mistério e hierarquias espirituais ligadas a estes como seus manifestadores

religiosos e seus ativadores magísticos, assim nos explica Saraceni (2014, p. 79). Desta forma,

ser um espírito-guia é ser iniciado em um ou vários mistérios e guardando-os em seu íntimo,

manifestando-o quando necessário (SARACENI, 2014, p. 87).

Para Barros (2012), as “entidades” situam-se a meio caminho entre a concepção dos

deuses africanos do candomblé e os espíritos dos mortos dos kardecistas. Ao identificar as

numerosas personagens possíveis que transitam na mitologia e cerimonial umbandista, Barros

considera ser possível demonstrar um caráter de abertura contida nos limites de uma

progressão geométrica, e, por isso, humanamente infinitos (2012, p. 293- 294). Porém,

considera que essa possibilidade apresenta seus limites estabelecidos por alguns tipos de

personagens retiradas da realidade nacional: caboclos, pretos-velhos, exus, pombagiras,

crianças, boiadeiros, marinheiros, sereias, ciganos, soldados (“linha” dos ogus), estrangeiros

(“linha” dos orientais), os meninos de rua (exus-mirins) e outras categorias que se agregam a

outras, como os judeus e os homossexuais (BARROS, 2012, p. 294).

21 Entendido como “morada” das divindades e não deuses.

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Maggie (2001) expõe as características desses guias, identificando os exus e

pombogiras como representantes de modelos de figuras marginais na sociedade mais ampla,

como malandros e prostitutas. Os caboclos e pretos-velhos, representam, na mesma ideia de

sociedade mais ampla, pessoas que ocupam as posições mais baixas da estrutura social,

representam índios ou pessoas do campo e escravos ou pretos (MAGGIE, 2001, p. 118).

Magnani (1991), conceitua entidades como espíritos de mortos que descem do astral

onde habitam, para o planeta Terra- considerado lugar de expiação- onde, através da ajuda dos

mortais, ascendem em seu processo evolutivo em busca da perfeição (1991, p. 30). Para o

autor, as entidades constituem categorias mais genéricas, onde a referência à vida pessoal é

substituída por um estereótipo, como, por exemplo, caboclos e pretos-velhos (MAGNANI,

1991, p. 31).

A partir da utilização de princípios de organização e classificação dos espíritos,

identificada por teoria das linhas e falanges, essas entidades são agrupadas. Magnani explica

que estas linhas e falanges constituem divisões que agrupam as entidades de acordo com

afinidades intelectuais e morais, origem étnica e, principalmente, segundo o estágio de

evolução espiritual em que se encontram no astral (1991, p. 33). O autor também reconhece o

caráter de abertura na Umbanda, em relação aos espíritos, ou seja, para ele, “o caráter aberto

desta estrutura permite a inclusão de entidades, de acordo com os mais variados critérios e

sem limite de número” (1991, p. 33). A presença desses espíritos, na Umbanda, através da

incorporação nos médiuns, tem por objetivo prestar atendimento direto aos que vão às

sessões, como passes, conselhos, receitas (MAGNANI, 1991, p. 36).

Diferentemente dos orixás, as entidades são entendidas como seres que encarnaram e

que possuem a capacidade de comunicação e atuação neste mundo, através, também, da

incorporação dos médiuns. Desta forma, estes seres espirituais, condicionados entre linhas,

falanges e correntes, se fazem presentes nas giras, praticando a caridade em auxílio aos que

buscam soluções para os mais diversos problemas. Descreveremos a seguir, as linhas ou

correntes destes trabalhadores do astral, destes guias e entidades mais conhecidos na

Umbanda.

3.3.2.1- Caboclos, pretos-velhos erês

A figura do caboclo nos chama a atenção pelo fato da Umbanda ter sido anunciada por

uma entidade dessa linha, o Caboclo das Sete Encruzilhadas, conforme Oliveira (2008).

Quando essas entidades incorporam em seus médiuns, é impossível seu não reconhecimento,

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conforme nos esclarece Birman, pois, soltam gritos, batem com as mãos no peito, andam pelo

centro de cabeça erguida, como um verdadeiro senhor das selvas. A esta representatividade, a

autora associa à visão que temos dos nossos índios “selvagens e primitivos” (BIRMAN, 1985,

p. 38-39). Segundo Silva (2005) a figura do caboclo está associada não somente ao índio

brasileiro, mas, também, às populações mestiças das áreas rurais (p. 136). O autor ainda

chama a atenção para a visão que os umbandistas têm dessa entidade: “espíritos civilizados,

doutrinados ou batizados” (SILVA, 2005, p. 121).

Saraceni (2014) traz uma análise sobre as características gerais das comunidades

indígenas brasileiras antes da colonização (p. 38-39). Desta forma, o autor destaca a relação

com a natureza, a liberdade e o desapego materialista cristão e o não desenvolvimento de

sentimentos de vingança, falsidade e dissimulação, ou seja, mantiveram-se sob o julgo dos

colonizadores como ignorantes ou selvagens. Devido a esta não contaminação, por sua moral,

caráter, espiritualização e fraternidade, o autor aponta para uma superioridade espiritual destes

(2014, p. 93). Em uma análise relacionada à hierarquia do astral, Saraceni considera o caboclo

como um dos graus mais elevados e que há espíritos de outros povos que solicitam ingressar

nas correntes espirituais umbandistas como caboclo índio.

Norberto Peixoto (2016b) considera que os caboclos, de maneira geral, são espíritos

que se apresentam na forma de índios brasileiros, sul ou norte-americanos (p. 128). Para o

autor, essas entidades são simples, diretas e, por vezes altivas e considera a disposição do

conhecimento milenar do uso de ervas para banhos de limpeza e chás para auxílio à cura das

doenças, que esses espíritos possuem (PEIXOTO, 2016b, p. 128-129).

Numa imagem que pretende retratar fielmente o ex-escravo, os pretos-velhos

apresentam-se pitando cachimbo, falando errado, curvados pela idade e sentados em um

banquinho. São vistos como bondosos, generosos e paternais (BIRMAN, 1985, p. 40-41).

Vagner Silva, além de apresentar essas mesmas características dessas entidades, ainda afirma

que o preto-velho representa a idealização do escravo brasileiro que, apesar de ter sido

submetido à escravidão, foi capaz de voltar à Terra para ajudar a todos, dando exemplo de

humildade e resignação (SILVA, 2005, p. 121-123). Uma afirmativa que se assemelha à

análise de Birman, em que “os pretos-velhos são aqueles que foram vencidos pelo afeto e

sentimento paternais, estabelecendo com os seus senhores uma relação de lealdade, como

humildes servidores da casa-grande” (BIRMAN, 1985, p. 41).

Além da análise comportamental e da representatividade dos pretos-velhos, Saraceni,

(2003) realiza uma análise espiritual dessas entidades. Para tanto, o autor destaca que o preto-

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velho é um grau manifestador de um Mistério Divino, “são espíritos elevadíssimos que se

manifestam sob a aparência de negros escravos, trazendo-nos o exemplo da humildade e

simplicidade da alma [...] Sua manifestação desperta a paz, [...] e a perseverança, remetendo-

nos à reflexão de nossa própria natureza íntima” (SARACENI, 2003, p. 151).

A figura das crianças também se faz presente na Umbanda. Relacionadas aos nomes

ibeji ou erê22, são, também facilmente reconhecidas. Apresentando um traço que lhe é

fundamental na construção do seu tipo, Birman destaca o comportamento dos médiuns,

quando incorporados com essas entidades, pois exageram nos gestos que denotam

infantilidade e possuem senso moral nem de responsabilidade (BIRMAN, 1985, p. 43).

Saraceni (2003) destaca que essa linha é muito fechada em seus mistérios. Para o

autor, essas entidades foram identificadas como Cosme e Damião, santos católicos curadores

que trabalhavam com a magia dos elementos, e como Ibeji, gêmeos encantados do Ritual

Africano Antigo. Preferem dar consultas, trabalhando no reequilíbrio do consulente, por isso

são considerados curadores. Para o autor, a “corrente” das crianças é formada por seres

“encantados” masculinos e femininos. São puros, tem noção do certo e do errado e são

portadores naturais de poderes só encontrados nos próprios orixás que os regem, ou seja,

representam um grau elevado na hierarquia do astral (SARACENI, 2003, p. 148-149).

3.3.2.2 Baianos, marinheiros e boiadeiros

A Linha dos Baianos apresenta um arquétipo bem definido. Considerado alegres e um

tanto irreverentes, possuem conhecimento muito grande das ervas e da magia, são habilidosos

nos desmanchos de feitiçarias, preparados para as demandas energéticas que ocorrem no astral

(PEIXOTO, 2016b, p. 141-142). Saraceni (2003), ao nos apresentar esta linha, afirma que

“tudo nos leva a crer que estes espíritos tenham sido cultuadores dos orixás quando viveram

no plano material” (2003, p. 146). São espíritos alegres, brincalhões, descontraídos e

“chegados” a trabalhos de “desmanche”, de quimbanda e de magia, a que parecem dominar

com facilidade e aos quais estão familiarizados. É uma linha de trânsito evolutivo para

“eguns” que já serviram aos orixás quando viveram no plano material (SARACENI, 2003, p.

147).

22 É conhecido entre os africanos como um espírito supremo e infinitamente bom, mas que nunca encarnou -

Zambi-Deus, segundo outros estudos da matéria, é apenas um espírito infantil e também subalterno que

acompanha os médiuns de cabeça feita. Como interjeição significa admiração, alegria, zombaria. PINTO, Altair.

Dicionário de Umbanda. Rio de Janeiro: Eco, s/a, p. 76.

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Caracterizados, também como o mestiço brasileiro, o filho do branco com o índio e do

índio com o negro, os Boiadeiros são apresentados por Peixoto (2016) “como aguerridos,

valentes, representam a natureza desbravadora, romântica, simples e persistente do homem do

sertão, o “caboclo sertanejo”. São vaqueiros, boiadeiros, peões e tocadores de viola”

(PEIXOTO, 2016b, p. 140). Negrão (1996) considera que, em geral, os boiadeiros são guias

sérios, se caracterizam por seus gritos de aboio e gesticulação de quem está utilizando laço. O

autor destaca a semelhança entre esses e os Caboclos (NEGRÃO, 1996, p. 237-239).

Saraceni utiliza a nomenclatura Caboclo Boiadeiro e os identifica como espíritos

hiperativos que atuam como refreadores do baixo astral e são aguerridos, demandadores e

rigorosos quando tratam com espíritos trevosos. São descritos como Caboclos da Lei que

atuam no Tempo ou Caboclos do Tempo que atuam na irradiação da Lei (SARACENI, 2003,

p. 149-150). Assim como a Linha dos Baianos, Saraceni (2014) caracteriza a Linha de

Boiadeiros como uma linha transitória e explica que todo espírito que atua como Exu na

Umbanda, ao conquistar o grau de boiadeiro, recupera o seu livre-arbítrio (2014, p. 111). A

seriedade, a braveza e esse estado similar a uma preparação para a batalha fundamentam essa

linha, ao que tudo indica.

Os espíritos que atuam na Linha de Marinheiro são identificados por Peixoto (2016)

como espíritos calejados e se destacam por serem exímios destruidores de feitiços.

(PEIXOTO, 2016b, p. 138-139). Já Negrão os identifica como alcoólatras, mulherengos e

fazem uso de bebidas, mas, também são excelentes curadores e atuam no descarrego do astral,

quebrando demanda (NEGRÃO, 1996, p. 241).

Descritos por Saraceni como espíritos alegres e cordiais, os marinheiros trabalham

dando a impressão de que estão “bêbados” e ingerem bebidas enquanto dão consultas

(SARACENI, 2003, p. 151). Assim como Negrão (1996), destaca suas habilidades para os

casos de doenças, cortar demandas e para descarregar os locais de trabalho espiritual. O autor

explica que, incorporados em seus médiuns, se movimentam e “dançam” como se estivessem

se equilibrando sobre o tombadilho de um navio ou barco em alto mar, isso ocorre pelo fato

de estarem se manifestando sob a irradiação de Yemanjá e o seu magnetismo os levarem a

reproduzir os movimentos das ondas do mar (SARACENI, 2014, p. 114).

3.3.2.3 O povo da rua: o “cumpadre” Exu, a “moça/senhora” Pombogira e o Malandro

O povo da rua, assim são identificados Exu, Pombogira e os Malandros, entidades bem

conhecidas na Umbanda. Considerada a figura mais controversa para os umbandistas, os Exus

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constituem os espíritos da esquerda, são vistos como perigosos e maus ou, ao menos tem a

potencialidade de o fazê-lo (NEGRÃO, 1996, p. 220- 223). Saraceni esclarece que, na

Umbanda, Exu é uma linha de trabalhos espirituais que se assenta e atua à esquerda dos seus

médiuns. Quando manifestados nos médiuns, apresentam-se alegres, falantes, sarcásticos e até

meio chulos e atuam com grande poder de realização nos casos de demandas ou magias

negativas de relacionamentos e profissionais (SARACENI, 2014, p. 121-128).

Muitas vezes associado ao diabo cristão, quando incorporados bebem cachaça e

fumam, apresentam, a partir de uma concepção negativa da nossa sociedade cristã, três

aspectos sombrios da personalidade, sendo estes: a agressividade violenta, a volúpia e a

malandragem. Zacharias aponta para uma personificação, dos exus, de marginais e desvalidos

sociais de baixo nível cultural, e, identifica dois tipos de exus: o pagão e o lei (ZACHARIAS,

1998, p. 43- 45).

O segundo aspecto sombrio representado pelos exus, segundo Zacharias, é a

sensualidade libertina evidenciado pelo comportamento provocante e irreverente da

pombogira23 equivalente ao exu feminino. Geralmente são personificações de prostitutas,

mulheres vulgares e de vida fácil e são especialistas em resolver problemas de amor e sexo

(ZACHARIAS, 1998, p. 44). Além de identificar, como Zacharias, essas associações a exu

mulher/exu fêmea, à uma sexualidade destacada e à prostituição e vulgaridade, Barros (2012),

afirma que as pombogiras24 carregam consigo toda a ambiguidade dos exus. Sua imagem seria

a contraface de outra: da mulher associada à casa, à família, às esferas mais controladas

socialmente (BARROS, 2012, p. 303- 304). Para Saraceni, pombogira constitui o arquétipo

da mulher livre das convenções sociais, liberal e liberada, exibicionista e provocante, sensual

e libidinosa (2014, p. 130). Saraceni chama a atenção para a não existência da pombogira em

África, o arquétipo que aqui chegou pelos africanos, era o de uma entidade feminina que

iludia as pessoas e as levava à perdição (SARACENI, 2014, p. 131).

Se analisarmos a figura que a pombogira representa, a de uma mulher que não tem a

pretensão de seguir os padrões culturais que a moldam enquanto esposa, mãe e do lar,

identificaremos nesse comportamento o empoderamento da mulher na representatividade da

pombogira. Comportamento negativado pela sociedade, porém, que dá voz e movimento à

mulher, dona da sua sexualidade e liberdade.

23 O autor utiliza o termo “Pombo Gira”. Entendemos que essa variação ortográfica seja aceita, não trazendo

prejuízo de compreensão. 24 O autor utiliza o termo “pombagiras”. Entendemos que essa variação ortográfica seja aceita, não trazendo

prejuízo de compreensão.

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Ao terceiro aspecto, Zacharias associa a submundo das grandes metrópoles, a

malandragem e a boa vida de forma desonesta. Zé Pelintra apresenta-se como o personagem

clássico dessa característica (ZACHARIAS, 1998, p. 44- 45). Peixoto (2016b) nos esclarece

que os espíritos que trabalham na Linha dos Malandros são oriundos dos grandes centros

urbanos, notadamente o Rio de Janeiro. O autor caracteriza-os como alegres e cordiais,

simples, amigos, leais, camaradas e verdadeiros. Estas entidades, quando incorporadas, usam

chapéu Panamá, terno, sapatos, gravata e bengala e possuem grande capacidade espiritual para

desmanchar feitiços (PEIXOTO, 2016b, p. 140- 141). Barros (2012) também identifica a linha

de Malandros, explica que costumam “descer” nas giras de exu e são geralmente confundidos

com estes. São chefiados pela entidade Zé Pelintra e, quando manifestados nos médiuns,

apresentam características típicas do malandro brasileiro, aqueles que viveram em início do

século XX, nos bairros pobres e favelas. Associados à bebida, vícios, jogos, amantes da noite,

do samba e também das brigas, possuem como principal missão25 a de guiar as pessoas que

andam pelos maus caminhos, para se converterem em pessoas honestas (BARROS, 2012, p.

304- 305)26. A entidade Zé Pelintra se destaca nessa linha. Negrão se refere aos malandros por

“Zé Pelintras” e, assim como Peixoto, identifica sua iconografia retratada como malandros de

morro estereotipados, usando terno, sapatos e gravatas. São populares pela forma descontraída

de se relacionarem com os consulentes e sua eficácia.

3.3.2.4 Optchá - a irradiação da Linha do Oriente 27

Marsicano e Vieira (2010), no livro A Linha do Oriente na Umbanda, trazem à tona

esta linha diferenciada. Apontando para o caráter de abertura e convergência de milhões de

espíritos, originários dos mais diversos rituais místicos e religiões, e, algumas já extintas,

como a caldeia, a persa, a sumeriana, a asteca, dentre outras da Umbanda, os autores

reconhecem semelhanças nos fundamentos e rituais entre diferentes povos (2010, p. 24).

Explicam que essa linha abrigou diversas entidades que não se encaixavam nas

matrizes étnicas do povo brasileiro, ou seja, na indígena, portuguesa e africana, porém,

mantiveram grande afinidade com os conceitos religiosos de suas encarnações e foram

25 O autor destaca que esta informação advém dos seus “interlocutores” (2012, p. 305). 26 O autor destaca que estas informações são oriundas do imaginário umbandista. 27 Ver mais em sites umbandistas: http://www.genuinaumbanda.com.br/linha_do_oriente.htm, em:

http://www.povodearuanda.com.br/linha-do-oriente-na-umbanda/. Em texto neste site, há a informação que não

há falanges nesta linha: http://www.umbandaesoterica.com.br/?page_id=1035.

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preparadas para atuar como guias luminosos, não encarnando mais, mas, se dispõe ao auxílio

dos encarnados e desencarnados (MARSICANO e VIEIRA, 2010, p. 25).

Os autores apontam para uma certa flexibilidade de atuação desses espíritos, que

podem trabalhar na Linha do Oriente ou em outras linhas, como entidades do Oriente (2010,

p. 26). Como características dessas entidades que compõe esta linha, se destacam: i) elevado

senso moral e espiritual, ii) missão de humanizar corações endurecidos e fecundar a fé, iii)

gostam de atuar no campo da cura (p. 26). Ao situar historicamente esta linha no Brasil, os

autores destacam as décadas de 1950 e 1960 como de popularização desta, atentando para o

fato de tradições orientais budistas e hinduístas se firmaram entre os praticantes de

modalidades ligadas ao orientalismo (MARSICANO e VIEIRA, 2010, p. 29).

Seguindo o modelo de agrupamento de espírito em linhas e falanges, a Linha do

Oriente também apresenta este modelo, são sete legiões e diversas falanges (p. 29). O símbolo

desses falangeiros é o astro rei Sol e a cor é o amarelo (p. 29). Os autores descrevem essas

sete legiões e suas características (2010, p. 32):

LEGIÃO CHEFE CARACTERÍSTICAS

Indianos Pai Zartu

Espíritos de antigos sacerdotes, mestres iogues,

etc. Um dos seus mais conhecidos integrantes é

Ramatis.

Árabes, Persas,

Turcos e

Hebreus

Pai Jimbarue

Espíritos de mouros, guerreiros nômades do

deserto (tuaregues), sábios marroquinos, etc. A

maioria é muçulmana. Uma das falanges é

composta por rabinos e mestres judeus que

ensinam na Umbanda a misteriosa Cabala.

Chineses,

Tibetanos,

Japoneses e

Mongóis

Pai Ory do

Oriente

Espíritos de chineses, tibetanos, japoneses,

mongóis, etc. Curiosamente, uma falange está

integrada por espíritos de origem esquimó, que

trabalha muito bem no desmanche de demandas e

feitiços de magia negra.

Egípcios Pai Inhoarairi Espíritos de antigos sacerdotes, sacerdotisas e

magos.

Maias, Toltecas,

Astecas, Incas e

Caraíbas

Pai Itaraici

Espíritos de sacerdotes, chefes e guerreiros desses

povos da América Pré-Colombiana.

Europeus Imperador

Marcus I

Espíritos de sábios, magos, mestres e velhos

guerreiros de origem europeia: romanos, gauleses,

ingleses, escandinavos, etc.

Médicos,

Curadores,

Sábios e Xamãs

Pai José de

Arimateia

Os espíritos dessa falange são especializados na

arte da cura, que é integrada por médicos,

terapeutas, curandeiros, raizeiros e xamãs de

diversas origens.

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Na Revista Mata Verde (2016) Manoel Lopes, sacerdote umbandista, reconhece a

antiguidade da Linha do Oriente na Umbanda já na Tenda Nossa Senhora da Piedade, a

primeira Tenda de Umbanda do Brasil. Assim como Marsicano e Vieira (2010), identifica

uma menor existência dessa linha nos terreiros da atualidade (2016, p. 22). Manoel Lopes

também apresenta as sete falanges, sua regência por Oxalá e Pai Xangô e São João Batista

como seu chefe ou comandante, como mencionam os autores. Para Lopes, as entidades dessa

linha se caracterizam por sua discrição, pelo conhecimento das ciências ocultas, por falarem

pouco e não gostarem de dar consulta (2016, p. 22).

Na Revista Espiritual de Umbanda (n. 08). Há um texto intitulado “Ciganos na

Umbanda”. Nesse texto identificamos a expressão Corrente Cigana para designar as falanges

Ciganas e as Falanges Orientais. A ação dos Espíritos Ciganos está direcionada no plano da

saúde, do amor e do conhecimento. Assim como Marsicano e Vieira (2010), o referido texto

nos traz a inserção desses povos em outras falanges. Exus Ciganos e as Moças Ciganas são

reconhecidos como verdadeiros Guardiões a serviço da Lei nas trevas.

Norberto Peixoto (2016b), ao apresentar-nos a Linha dos ciganos, ressalta que estes

trabalham na Umbanda, sobretudo, pela nossa liberdade “fazendo-nos conectar com a fonte

cósmica de abundância universal” (p. 136). Assim como os autores acima citados, Peixoto

esclarece que os espíritos atuantes desta linha trabalham sob o domínio da Lei Divina e dos

Orixás e seu trabalho está direcionado para a cura (PEIXOTO, 2016b, p. 137).

Em análise às similaridades desses discursos, percebemos o elevado nível dessas

entidades que compõem essa linha, pois, chefiam um contingente de espíritos que trazem

conhecimentos milenares de diversos povos e civilizações, até mesmo extintas. Desta forma,

assim como no plano material, ou seja, na vida mundana, a Umbanda apresenta o caráter de

abertura e de acolhimento à diversidade cultural das pessoas que adentram em suas tendas, no

plano espiritual também se reconhece esta abertura. Não somente os espíritos de portugueses,

indígenas e africanos compõe o corpo dos trabalhadores do astral, mas, também, espíritos de

outros povos e civilizações.

Ao analisarmos esses estereótipos e arquétipos das entidades, encontramos,

facilmente, a identificação de alguns tipos sociais do povo brasileiro, com exceção à Linha ou

Povo do Oriente. Maggie (2001) aponta para o mecanismo de inversão, que denuncia a

própria estrutura social brasileira. Os modelos sociais expressos pelos exus, pombogiras,

caboclos, malandro, boidadeiro, perto velho e acrescentamos os baianos e marinheiros, não

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usufruem de prestígio social, mas, no espaço sagrado do congá, se transformam em figuras

poderosas e de prestígio (MAGGIE, 2001, p. 118-119).

Essa “roupagem fluídica” utilizada pelas entidades ao comporem as linhas, marcam

suas características principais, expressando-se em gestos, linguagens e personalidades. E é a

partir dessa inversão de reconhecimento social que esses tipos comuns e desprestigiados

podem e são reconhecidos pelos consulentes. Assim, o mundo espiritual da Umbanda acolhe a

todos, aos mais diversos tipos sociais e espirituais, num processo de agregação, essa

universalidade vai se firmando.

3.3.3 Anjo da guarda e santos na Umbanda

Em ocasião anterior, explicamos sobre os processos de sincretismos ocorridos na

Umbanda. Para tanto, recorremos, também, a estes, na busca de uma análise sobre o mundo

espiritual presente na cosmologia umbandista, especificamente, sobre os anjos e os santos.

Figuras presentes, notoriamente, na religiosidade católica, estes seres também encontram

lugar na casa umbandista. Desta forma, procuraremos compreender o lugar que ocupam nessa

cosmovisão.

A relação entre o mundo espiritual e o material se estende, também, aos anjos e santos.

A esses seres espirituais há, também, uma relação de invocação e devoção buscando, assim,

auxílio e estreitamento de laços. Descrevendo divindade como um ser Divino e um mistério

de Deus, Saraceni (2017), afirma que essas divindades podem ser denominadas anjos,

arcanjos, serafins, tronos, etc., e podem ter nomes bem humanos, tais como: Anjo do Amor,

Arcanjo Miguel, Serafim Verde, Trono da Fé, etc., (SARACENI, 2017, p. 50).

Em resposta a um questionamento sobre os anjos, Kardec (2004), identifica os anjos,

arcanjos e serafins como espíritos puros, que se encontram no mais alto grau da escala e que

esses reúnem todas as perfeições (2004, p. 132). Ao descrever esses espíritos puros, Kardec

destaca a superioridade intelectual e moral absoluta com relação aos Espíritos das outras

ordens. São mensageiros e os ministros de Deus executando suas ordens para manutenção e

harmonia universal, podem manter comunicação com os homens e são designados, às vezes,

pelos nomes de anjos, arcanjos ou serafins (KARDEC, 2004, p. 127). Ao entendimento sobre

anjo da guarda ou anjo guardião, Kardec esclarece que é o “Espírito protetor, pertencente a

uma ordem elevada”, podendo ser invocado pelo nome que a pessoa quiser (p. 137) e esse

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Espírito protetor, anjo da guarda ou bom gênio, “é aquele que tem por missão seguir o homem

na vida e o ajudar a progredir” (KARDEC, 2004, p. 327).

Em relação a esse protetor, ou seja, ao anjo da guarda, Júlia Pereira traz, em seu

texto28, as concepções de Alexandre Cumino que indica a antiguidade dos anjos em diversas

culturas, inclusive no cristianismo que aqui chega pelos portugueses. Ao direcionar para a

questão do anjo da guarda, o autor reconhece a ressignificação que o umbandista dá ao culto

ao anjo da guarda, ou seja, para o umbandista, a ligação entre esse e o seu anjo da guarda é

estabelecida entre esse de maneira mental e não espiritual29.

Completando sua análise, Cumino destaca que esta conexão com o anjo da guarda

também acontece por meio da firmeza. Esse ritual consiste no estabelecimento de uma ligação

por meio do pensamento direcionado e por acender uma vela, nesse momento, segundo o

autor, “essa conexão adquire continuidade e isso acontece porque a energia ígnea capta suas

intenções promovendo a troca energética, retroalimentando e potencializando a relação com o

seu anjo”.

A partir desses entendimentos apresentados, percebe-se as influências católica e

espírita na concepção de anjo e anjo da guarda na cosmovisão umbandista. Esse ser celestial

e puro se faz presente e essa presença é reafirmada ritualisticamente. O mundo espiritual

permeia de formas diversas a vida do umbandista, da mesma forma em que são, também,

diversas as formas de conexão entre os mundos material e espiritual para os umbandistas.

Como dito anteriormente, os orixás foram sincretizados aos santos católicos. Orixás

não são santos e santos não são orixás. Porém, a figura dos santos também se faz presente na

cosmovisão umbandista, sem serem sincretizados. Pedro Oliveira e Maria Araújo (2011)

apontam que santos “são entendidos por pessoas, isto é, seres individuais dotados de

liberdade, vontade e capazes de se relacionarem. São habitantes do céu, e, por estarem junto a

Deus, gozam de certos poderes sobrenaturais”. Segundo os autores, os santos estão no céu

porque se santificaram na terra antes, por isso, têm um modo particular de interligar a terra e

o céu (OLIVEIRA e ARAÚJO, 2011, p. 81- 82).

A este processo de santidade, os autores atentam para o fato de que a igreja primitiva

já venerava a Mãe e os Apóstolos de Jesus como santos. E, a partir das perseguições, os

mártires foram incluídos nessa categoria, entendendo como mártires, as pessoas que deram

testemunho de sua fé em Jesus, arrostando o sofrimento físico e a morte. As vias da penitência

28 Ver mais em: https://umbandaead.blog.br/2017/09/18/anjo-da-guarda-na-umbanda/. 29 Ver mais em:

http://www.espiritualidades.com.br/Artigos/C_autores/CUMINO_Alexandre_tit_Sincretismo_na_Umbanda.htm.

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e da prática das virtudes, foram acrescentadas, por volta do século IV, ao martírio,

constituindo-se assim, o modelo cristão da santidade (OLIVEIRA e ARAÚJO, 2011, p. 81)30.

Esse modelo cristão de santidade também se encontra no Compêndio do Vaticano II

(1967). A santidade é conquistada pela perfeita união com Cristo. Os santos são reconhecidos

pelo exercício notório das virtudes cristãs, pelos carismas divinos e porque seguiram

fielmente a Cristo (1967, p. 100). Eles sofreram, foram glorificados, propõe seu exemplo aos

fieis e foram recompensados pela salvação eterna (1967, p. 295). Neste sentido, são

lembrados e louvados em dias especiais, porém, seu culto não pode sobrepor ao de Cristo, o

mais sublime de todos os seres.

Essa devoção aos santos, que chega com os colonizadores, se “enraizou dando

margem à existência de santos para tudo, para problemas de procriação até questões

financeiras”, como apontam Silveira e Crochet (2006, p. 36). Desta forma, os autores ainda

apontam que “a “proteção” dada pelos santos diante das incertezas da vida tornou-se núcleo

estruturante das crenças e das práticas mais difundidas” (2006, p. 36). Assim, os seres

mundanos, dispostos às incertezas e possíveis infortúnios da vida, buscam a intermediação e a

proteção dos seres espirituais santificados, em uma relação de apego, nesse solo brasileiro.

Além da visão católica dos santos, encontramos em um texto de um blog31 espírita, a

concepção de santo como espíritos benevolentes. São reconhecidos como homens que se

sacrificaram em vida terrena, pela dignidade de sua vida moral, espiritualidade e altos

serviços prestados à humanidade. Assistem as criaturas humanas, atendendo aos seus rogos,

súplicas e preces, do plano espiritual. A esses espíritos conhecidos por benevolentes, Kardec

considera a bondade como qualidade dominante. Apraz-lhes prestar serviço aos homens e

protegê-los. Apresentando conhecimento limitado, progridem mais no sentido moral do que

no intelectual (KARDEC, 2004, p. 126).

Esse processo de mitificação que transforma homens em santos é analisado por

Calavia Sáez (2009). Como tutora da ortodoxia, a Igreja Católica mantém o aval da

manutenção das histórias ou mitos relacionados aos santos. Desta forma, em análise ao caso

brasileiro, o autor destaca que a máquina de doutrinação que a Igreja Católica pôs em marcha

para reduzir a pluralidade de histórias à doutrina é, no Brasil, muito precária (2009, p. 209).

Para Calavia Sáez,

mesmo que a Umbanda entre em algum momento como um regulador, que

sistematiza as diversas figuras em linhas (assim, toda história que trata do abuso de

30 Todos os grifos do parágrafo são reproduções dos grifos dos autores. 31 Ver mais em: http://verdadeirapureza.blogspot.com.br/2011/09/santos-e-anjos-segundo-o-espiritismo.html

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poder se funde no tipo do Preto-Velho, toda figura marcada por conflitos de gênero

pode ser abraçada pelo tipo da Pomba-Gira), a existência de uma rede de narrações

que não se apoia numa escritura é evidente lá onde a Umbanda não está (ou chega

demasiado tarde) para classificar (2009, p. 209).

A esse exemplo, o autor associa o caso dos mitos brasileiros na Argentina. Os tipos

ideais da Pombogiras e da Difunta Correa, símbolos de uma feminilidade marcada pelo

conflito com o masculino ou pela apoteose da maternidade, se desdobram numa pluralidade

de histórias reinterpretativas (CALAVINA SÁEZ, 2009, p. 209). Esse processo de

reinterpretação nos condiciona a pensar na reatualização do mito, no sentido em que, as

narrativas, não encontrando barreiras, são reinterpretadas e novas versões vão surgindo. Essa

ressignificação, em um processo regulatório que aspira uma classificação, no caso da

Umbanda, mesmo que chegue tarde e não possua o apoio em uma escritura, como destaca o

autor, ainda assim, é reconhecida, principalmente, através das produções literárias e

doutrinárias, citadas por Ortiz (1978). Ainda que se evidencie uma autonomia dos sacerdotes

nos processos doutrinários de cada casa umbandista, um comum é reconhecido nesses mitos e

histórias relacionadas ao sagrado umbandista.

Assim, na forma deste intermediário entre o céu e a terra, esse santo encontrou

similaridade com os orixás, seres que estão entre Deus e os homens. Cultuar, devotar e se

relacionar com os santos na forma de orixá é o habitual na Umbanda. Da mesma forma, os

santos, são cultuados pelo fato de serem considerados espíritos mais evoluídos. Cabe ressaltar

a herança católica e suas formas de culto, assim como, a não univocidade das práticas

umbandistas.

A Umbanda se torna a casa de todos os santos, na medida em que seres divinos e

divinizados encontraram e encontram abrigo nesta religião. Da mesma forma, os fieis, ao

buscarem a vivência umbandista, voltada ao crescimento espiritual e na prática da caridade,

também, de certa forma, estarão vivendo em santidade, vivendo uma ligação com Zambi. A

casa de todos os santos recebe a todos os seres espirituais e encarnados que, de alguma forma,

estão ligados à essência da vida, seja pelo nome de Deus, Zambi ou Olorum.

4 A UMBANDA DE TODOS OS SANTOS NO LAR ESPÍRITA FILHOS DE OGUM E

OXÓSSI

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Neste capítulo que se inicia, emerge o nosso objeto de pesquisa: o Lar Espírita Filhos

de Ogum e Oxóssi, situado na cidade de Itabira-MG32. Essa casa umbandista, assim definida

por seus membros, foi, por meses, o espaço sacro de observações e entrevistas. Neste solo

consagrado, fundamentos, orientações, ensinamentos, aprendizagens, contemplação, risos,

choros, sentimentos de irmandade, fraternidade, raiva, indignação, curiosidade, insegurança,

alegria, gratidão, esperança e fé formavam um corpus de vivência cotidiana.

Adentraremos nesse território sagrado em busca de elementos que nos conduzam a uma

melhor compreensão desta identidade umbandista. Neste sentido, apresentaremos a Umbanda

neste espaço que agrega seres espirituais e seres encarnados; imagens e objetos consagrados,

que integra fundamentos religiosos e estrutura hierárquica, enfim, este espaço aberto para

novos e antigos significados e ressignificados. Adentraremos em sua história, na história da

casa de todos os santos.

4.1 A casa de Umbanda - o sagrado e o espaço: a Umbanda no Lar Espírito Filhos de

Ogum e Oxóssi

A história dessa casa inicia-se com a visita que o senhor Gilman33 fez, a uma casa de

Umbanda, na cidade de Belo Horizonte- MG, a cerca de quatro décadas, a convite de um

colega de trabalho. Não conhecendo a dinâmica e fundamentos da religião, o senhor Gilman

conversou com uma entidade que o convidou a retornar. Assim, começou seu processo de

iniciação com sua Mãe de Santo. Após alguns anos, Gilman, se transfere para a cidade de

Itabira-MG34 e, orientado por suas entidades, começa a realizar sessões de atendimento à

comunidade. Em um pequeno cômodo da sua casa, no bairro João XXIII, incorporava

entidades das mais diversas linhas, que atendiam as pessoas que expunham uma diversidade

de problemas, como saúde, emprego, desunião familiar, problemas na vida amorosa, etc.. Os

consulentes eram homens, mulheres, crianças, idosos, das diversas classes sociais, religiões,

graus de escolaridade e status social.

Após alguns anos, o senhor Gilman mudou-se para outro bairro e alugou um espaço

específico para a prática umbandista. Moinho-Velho, era o bairro, que abrigou o Lar Espírita

Filhos de Ogum e Oxóssi por anos. A corrente de médiuns crescia à medida que a

32 O Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi situa-se na Rua Dália, número 10, Bairro Juca Rosa, na cidade de

Itabira-MG. 33 O senhor Gilman é o Babalorixá do lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi. 34 Mais informações sobre a cidade através do site: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/itabira/panorama.

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comunidade tinha conhecimento dos trabalhos ali realizados. Iniciados, esses médiuns,

enquanto elos, se uniam espiritual e fraternalmente, dando forma à corrente de atendimentos.

No ano de 1992, o Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi se filiou à Confederação

Espiritualista Umbandista de Cultos Afro-Brasileiros e do Supremo Conselho Sacerdotal de

Umbanda e Cultos Africanos do Estado de Minas Gerais, com o nome: Tenda Espírita de

Umbanda Filhos de Ogum e Oxóssi35.

Como o contingente tanto de consulentes, quanto de médiuns crescia, foi necessário

buscar outro lugar, assim, a casa foi transferida para onde se encontra atualmente. Neste

grande galpão que, foi anteriormente, um imóvel comercial, a casa umbandista está há,

aproximadamente, quinze anos. Analisando esta trajetória de delimitação de espaços,

reconhecemos, na fala de Barros (2008) que, dada a uma quase “invisibilidade” por parte dos

leigos, em uma situação de compatibilidade com o lugar social desta religião na sociedade, o

terreiro quase nunca “é um edifício construído específica e exclusivamente para esse fim. Na

maioria dos casos é a adaptação ou o aproveitamento de um espaço no quintal ou na casa do

pai ou mãe-de-santo: uma construção no jardim, [...] um “puxadinho” nos fundos da casa”

(2008, p. 56). O terreiro é, pois, em geral a própria casa de seu chefe, não tanto porque ele

mora no terreiro, mas, porque ele transformou sua casa num terreiro (BARROS, 2008, p. 56).

Durante este trajeto de consolidação dessa casa, muitas adversidades apareceram.

Muitos médiuns transitaram para outras religiões, alguns mudaram de cidade, outros

reapareceram anos depois, mas, como assistência, mas, também, muitos incorporaram a esta

corrente. Situações de intolerância religiosa não são raras, tais como quando jogaram pedras

no telhado e quando pessoas passaram em frente e gritaram palavras hostis. Há alguns anos o

terreiro está sob a responsabilidade do senhor Chinayd, filho de santo do senhor Gilman. O

senhor Chinayd é o “guardião”, orientador, administrador e responsável pelas atividades desta

casa. Ele conta com a colaboração dos demais membros desta casa para a sua manutenção36.

Gilman, o Pai de Santo e fundador dessa casa, coordena as principais cerimônias, tais como a

abertura e encerramento do ano e sacramentos, o batismo e ritos de iniciação.

Ao entrar, nos deparamos com diversos elementos simbólicos como estátuas de

santos37, santas e São Miguel Arcanjo, em referência aos elementos católicos, sincretizados

aos orixás, dispostos em cantoneiras, em todas as paredes. À esquerda, encontra-se uma

35 Percebe-se que, no registro, a casa umbandista recebeu o nome de “Tenda”, mas, popularmente e na própria

placa de identificação desta, adotou-se o nome “Lar”. 36 Algumas atividades serão descritas no tópico que abordará sobre a corrente de médiuns. 37 Todas as fotos se encontram no Anexo A.

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imagem38 da entidade Zé Pelintra39, e, pouco adiante encontra-se o cantinho de Iemanjá,

espaço que traz, simbolicamente, a projeção do mar. Encontra-se, também em cantoneira, uma

imagem que traz referência ao indígena, uma imagem de Tupã. Ao entrar, nos deparamos, ao

fundo, com o altar40, composto por uma mesa, a imagem de Jesus Cristo em destaque,

sincretizado a Oxalá e as imagens de São Jorge e São Sebastião uma em cada lado, santos

sincretizados a Ogum e Oxóssi, orixás que dão nome à casa. Aos pés da imagem de São

Sebastião tem-se um recipiente com pó de Oxalá41 , um vidro contendo inssaba42 e um sino43.

Ao lado da mesa há um atabaque44.

Ao se pensar nestas imagens, destaca-se que há uma imagem de Xangô no Quarto de

Santo, porém, ao identificarem as imagens de santo, entendemos que, para os membros dessa

casa, há uma identificação dupla: identificam tanto a “santidade” do orixá, quanto a do santo,

em um processo de sincretismo que, ao que nos parece, se remete à vibração energética

reconhecida em ambos. Ou seja, quando um membro da casa acende uma vela, firmando seu

pensamento em uma imagem, utilizemos o exemplo de São Jorge, ele está ligando-se mental e

espiritualmente à Ogum, que também representa o guerreiro, o que está pronto para as

batalhas. Ao invocá-lo, invoca-se a energia canalizada na força para se enfrentar os problemas

mundanos. Desta forma, infere-se que há uma ressignificação da invocação ao santo, não é

uma invocação nos padrões católicos, como também não é, uma invocação ao deus africano

Ogum, e sim uma invocação à energia que é igualmente reconhecida nesses dois seres em

uma nova tentativa de ligação sagrada. Assim, nesta casa umbandista, a ressignificação

transita livremente tanto na dimensão conceitual, quanto na dimensão simbólica.

Continuando nossa observação, ao entrarmos, nos deparamos além do abaçá45

permeado de imagens, com uma mesinha, ao lado de uma cadeira e banquinhos, utilizados

pela entidade Sete Coroas para atendimento. Ao lado, nos deparamos com a cadeira de Zé

Pelintra, no outro lado, estão dispostos os bancos para uso da assistência e uma abertura que

38 O termo “imagem” é utilizado pelos membros da casa no lugar de estátuas. 39 Entidade da Linha de Malandro que trabalha com o Babalaô Gilman. 40 Congá ou Pejí. PINTO, Altair. Dicionário da Umbanda. Rio de Janeiro: Eco, s/a.. 41 Pó branco consagrado, utilizado em rituais de firmezas, energizações e descarrego. Só pode ser produzido e

utilizado por pessoas autorizadas pelas entidades ou sacerdotes. 42 Líquido consagrado, produzido a partir de ervas e essências, utilizado em rituais de firmezas, energizações e

descarrego. Só pode ser produzido e utilizado por pessoas autorizadas pelas entidades ou sacerdotes. 43 Adejá: aportuguesamento da palavra iorubá adjá: pequeno sino de metal, com até três campânulas, que é

sacudido com uma das mãos. Na umbanda é um instrumento usado na chegada de entidades. Deve ser utilizada e

consagrada em momentos apropriados somente por pessoas capacitadas para tal, devendo ser guardado no congá

(altar) (BERGO, 2011, p. 76). 44 Conhecido também por tambor, é um instrumento de percussão, tocado, exclusivamente pelo ogã, e, em certas

ocasiões, pelos sacerdotes para a invocação das vibrações dos orixás e entidades. 45 Templo, tenda. PINTO, Altair. Dicionário da Umbanda. Rio de Janeiro: Eco, s/a..

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dá acesso à parte de trás. Atrás do altar há a cozinha, o banheiro, o quarto dos médiuns (os

médiuns, em preferência as mulheres, trocam de roupas e guardam seus pertences); há a

tronqueira, ou Casa de Exu46 e o Quarto de Santo.

No quarto de santo são guardadas as quartinhas47 e alguns objetos relacionados aos

orixás. É um espaço consagrado para a realização de obís e para o recolhimento48 do médium.

No cantinho dos pretos e pretas velhas, conhecido por Cruz das Almas, encontra-se a imagem

de São Lázaro; há um cômodo onde há livros, roupas e materiais e objetos de uso; há um

armário onde se guarda os objetos das entidades e estantes onde se guardam velas, ervas e

defumadores.

Dentre os livros de orações utilizados, percebemos, em maioria, livros de orações

católicas, mas, também, percebemos a utilização de livros com orações espíritas, com orações

aos orixás e livros de ponto riscado e ponto cantado. São utilizados conforme o

direcionamento das giras e dos trabalhos e oferendas, e, não é raro, que se faça, em um

mesmo trabalho, orações para determinados santos, associadas a orações a determinados

orixás. As orações pai-nosso e ave-maria são proferidas antes e após a realização dos

trabalhos.

Em relação a essa sequência de orações, o entendimento que se tem é de abertura e

fechamento, ou seja, abre-se o trabalho, seja de proteção contra inimigos, seja para

crescimento pessoal, invocando a “força maior” que é o pai, Zambi, e Maria, a mãe de todos,

a que acolhe seus filhos. Desta forma, verifica-se que, não somente nas imagens, mas,

também, no direcionamento das orações que invocam determinadas vibrações, na realização

de trabalhos e oferendas.

Desde a sua fundação, num cômodo pequeno que não conseguia abrigar o contingente

que se aglomerava no portão para ser atendida, para expor suas aflições e pedir auxílio, essa

casa vem recebendo a todos, consolidando-se nesta cidade. Construindo sua história,

propagando a Lei de Umbanda, difundindo a religião, “levando, ao mundo inteiro, a bandeira

de Oxalá49”.

46 Pequena construção onde há imagens de exus e pombogiras e onde são realizadas as firmezas e oferendas para

estas entidades. 47 Vaso de cerâmica branco, com tampa e duas abas que representam o orixá. Contém água pura. Só pode ser

manuseada pelo próprio médium ou pessoa autorizada por este ou por entidade. 48 Segundo o senhor Chinayd, em entrevista realizada no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, no dia 12 de

janeiro de 2018, é o “ritual aonde o médium fica recolhido, ou seja, dorme ou medita, mantem raro ou nenhum

contato com outras pessoas por horas ou dias, em um momento de total ligação com os orixás”. 49 Trecho do Hino da Umbanda. Completo, ver anexo A ou pelo site:

http://www.genuinaumbanda.com.br/pontos/hino_da_umbanda.htm.

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4.2 A universalidade umbandista na prática mágico-religiosa do Lar Espírita Filhos de

Ogum e Oxóssi

Iniciaremos as observações nesta casa umbandista, neste espaço sagrado. Falaremos

sobre a prática religiosa nessa instituição, assim, apresentaremos a corrente de médiuns, esse

elo de irmandade espiritual e social; falaremos sobre “os trabalhadores do astral” e suas

especificidades; falaremos sobre as reuniões e sessões e, por fim, ouviremos alguns dos que

compõem esta comunidade de fé.

Propomo-nos a analisar suas práticas e sua representatividade. Entre estrutura física e

hierárquica; entre cânticos, orações, batucadas e defumadores, estes umbandistas,

incorporados ou não, vivenciam essa religião, evidenciando sua potencialidade sincrética.

Desta forma, veremos a dinâmica de integração e ressignificação de elementos de diversas

religiosidades, que esta comunidade de fé concebeu.

.

4.2.1 A corrente de médiuns50

“Não é só vestir branco meu fio. É vestir a fé dentro de si”51

Na busca por uma melhor compreensão do termo “corrente de médiuns”, citamos um

momento de doutrinação nessa casa. Em atendimento a uma filha de santo52, a entidade Sete

Coroas53, explicou: “uma corrente é composta por elos, todos iguais. E é esta união de elos

que dá forma e força à corrente. Quando estão unidos, vocês, médiuns, funcionam como um

escudo que não deixa nada passar”.

Entendendo a mediunidade como um dom, como um presente recebido como forma de

acelerar o processo de resgate cármico, Vieira (2016) considera o médium o ponto chave do

ritual de Umbanda no plano material (2016, p. 74). Saraceni aponta-nos que, a mediunidade

na umbanda está centrada nas seguintes faculdades mediúnicas: a incorporação, comunicação,

magnetização, fluidificação, transporte, intuição, audição e vidência (2014, p. 63). Em análise

a este grupo de pessoas que desenvolvem esta capacidade de se ligar ao mundo espiritual e

que a expressam no solo sagrado do abaçá, primeiramente, destacaremos algumas

características sociais. A corrente de médiuns dessa casa é composta por uma certa equidade

50 São utilizados também os termos: “cavalo” e “aparelho” para se referir aos médiuns. 51 Ver mais em: http://umbandadisciplinaecaridade.blogspot.com.br/2013/05/sabedoria-de-preto-velho.html. 52 Observações de campo em reunião de médiuns. Preservou-se o nome da referida filha de santo. 53 Entidade da Linha de Malandro.

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entre homens e mulheres; o grau de escolaridade apresenta uma variedade entre a conclusão

do ensino básico, graduados e pós-graduandos; pessoas assalariadas, funcionários públicos e

microempresários.

Todos, com uma única exceção, são oriundos de outras religiões, a católica como

majoritária. Casados, solteiros, viúvos, divorciados; hetero e homossexuais. Em relação às

suas profissões encontramos dentista, contador, segurança, técnico administrativo, professor,

psicólogo, assistente social, cobrador de ônibus, donas- de casa e cantor; alguns com grau de

parentesco; brancos, negros, pardos, assim é a corrente de médiuns, diversa, composta por

pessoas que, talvez, jamais se conheceriam, mas, que são unidas por um sentimento: a fé.

Ao buscarmos o entendimento sobre a estrutura hierárquica dessa casa, recorremos aos

conceitos de código burocrático e código do santo, em Maggie (2001). No código do santo o

poder deveria ser dado a quem manipulasse melhor as técnicas do santo, ou seja, um poder

mágico e o conhecimento das leis de umbanda. Já na ordem burocrática, o poder deveria ser

dado a quem preenchesse alguns critérios de prestígios econômicos e sociais, ou seja, um

controle não mágico e não aceitação da demanda (2001, p. 113- 121). Esses códigos

encontram-se estritamente relacionados às categorias de hierarquias espiritual e material.

Observadas por Maggie, e, em análise a casa umbandista, inferimos que há uma diferenciação

significativa.

Neste sentido, a estrutura seguida nessa casa umbandista é assim definida: o Babalaô,

Ogã (não incorpora), Yaô, Cambona (não incorpora), Zeladora de Santo, filhos e filhas com

mais tempo na casa e os mais recentes. Assim, percebe-se o prestígio baseado na

funcionalidade desses cargos para o desenvolvimento das práticas ritualísticas. Porém, outro

aspecto referente à essa estruturação hierárquica está presente na fala do yaô que será vista

adiante. Em entrevista54 o yaô nos esclarece que, na hierarquia mediúnica, ele é Yaô e na

hierarquia do terreiro, ele é Pai Pequeno. Desta forma, ao analisarmos esta última hierarquia e

a descrição das funções do presidente, destacadas por Maggie (2001, p. 28), entendemos que,

o yaô exerce essa função. Porém, não percebemos e não nos foi passado esse entendimento,

nem essa nomenclatura pelos membros dessa casa. O que se aproxima, também, das

atividades que podem ser consideradas burocráticas seria a função de secretária, exercida por

uma filha de santo com relativo tempo nessa casa e que não desenvolve a capacidade

mediúnica de incorporação. Ela é responsável pela realização das atas e dos agendamentos

54 Entrevista realizada no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi com o senhor Chinayd, no dia 12 de janeiro de

2018.

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dos atendimentos e firmezas, e, também, de repassar ao yaô os principais acontecimentos das

giras.

Ressaltamos que os prestígios e poderes reconhecidos na sociedade mais ampla, como

diria Maggie (2001), não se apresentam como critérios de aceitação ou destaque nesta casa.

Neste sentido, citamos os exemplos do Babalaô e do Yaô. O yaô possui maior grau de

escolaridade e status social em relação ao babalaô e, apesar desta condição, está sob

orientação, aprovação e autoridade do babalaô. Porém, o Babalaô conta com maior prestígio

mediúnico. Isto é percebido a partir da procura, pelos consulentes, do citado sacerdote.

A incorporação é uma característica marcante entre os médiuns, porém, não é critério

para se tornar um elo. O trabalho realizado pelos médiuns transpõe as portas do terreiro. Há

uma filha de santo que realiza benzeções em sua casa, assim como, membros dessa casa já

foram em estabelecimentos e casas para realizar atendimentos através de firmezas e limpezas

espirituais dos locais.

Os médiuns possuem objetos, acessórios e instrumentos utilizados por suas entidades.

São brinquedos dos erês; perfumes, batons, bijuterias e saias das pombogiras; chapéu de

couro e de palha, laço de couro; capas dos exus, dentre outros, que, normalmente, ficam

guardados em armários no próprio terreiro. O médium é responsável por estes e pelos

materiais utilizados por suas entidades, como cigarros, bebidas, fumo e doces. Aos que não

tem condições financeiras para manter, há a colaboração dos demais.

A contribuição para saldar as despesas é voluntária. Cada um, dentro das

possibilidades, contribui de alguma forma, seja financeiramente, na limpeza ou mesmo

trazendo algo da própria casa. Neste sentido, todos colaboram para a manutenção desta casa,

auxiliando o yaô. Todos vestem-se de branco, as mulheres de saias compridas e os homens de

calça. Utilizam suas guias, possuem toalha de santo e ficam descalço nas giras.

A questão hierárquica parece não ser problema para os membros dessa casa. Ao se

pensar no apontamento de Negrão (1996), em que “todo filho apenas iniciado na Umbanda, é

potencialmente um rival de seu pai, desde que seus guias sejam bem aceitos e procurados pela

clientela” (NEGRÃO, 1996, p. 283). Pois, mesmo com a ausência do babalaô e a coordenação

sob a responsabilidade do yaô, os médiuns dessa corrente reconhecem a autoridade do senhor

Gilman, o fundador dessa casa. Ao nos aproximarmos do entendimento de Vieira (2016) de

que o médium é o ponto chave do ritual de umbanda no plano material, a que se pensar que a

religião só existe para os homens e são eles que elaboram seus códigos, sua liturgia, enfim,

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sua cosmovisão. Tratando-se de uma religião mediúnica, o médium, através do seu corpo e

sentidos é quem serve de ponte para a atuação do mundo espiritual, em análise às giras.

O corpo do médium é entendido como um instrumento, uma ponte entre os mundo

sagrado e profano. A partir dele o sagrado se manifesta através da incorporação. Desta forma,

Saraceni aponta que a “Umbanda é um sacerdócio, pois coloca o médium na posição de

“doador” das qualidades de seus orixás que, impossibilitados de falarem diretamente ao povo,

falam a partir de seus templos humanos: os seus filhos de fé” (SARACENI, 2017, p. 32).

Desta forma, a corrente de médiuns é o próprio terreiro, no sentido em que, o espaço

físico se torna secundário na realização das atividades, pois, poderia ser qualquer um, mas,

não é qualquer pessoa que está em uma corrente de médiuns. É aquele que se dispõe a ser este

aparelho que liga esses dois mundos. “Não é só vestir branco”, é ter fé e irmandade. É ter as

mãos estendidas para ajudar e para ser ajudado. É “bater a cabeça” em agradecimento.

4.2.2 Pedimos licença para trabalhar- entidades a serviço do plano superior

A doutrinação, ou seja, o estudo da Umbanda, ocorre em dias específicos, mas

também, as entidades e os próprios dirigentes fazem uso de momentos de atendimentos e

trabalhos para explicarem sobre as práticas e concepções umbandistas.

A cosmologia difundida na casa segue a concepção das Sete Linhas de Umbanda,

descritas por Saraceni (2003), Rivas Neto (1991) e Leal de Souza (1933) e são: Linha de

Oxalá, Linha de Ogum, de Oxóssi, de Iemanjá, de Xangô, Obaluaê ou Das Almas, de Iansã.

Citadas por Birman (1985), Magnani (1991) e Barros (2012), como um agrupamento de

espíritos, as linhas e falanges também são reconhecidas no Lar Espírita Filhos de Ogum e

Oxóssi.

Em conformidade aos fundamentos apresentados no capítulo anterior, destacamos os

principais: a crença em um Deus único, denominado Zambi (reconhecem o nome Olorum da

mesma forma, porém, utilizam Zambi); a crença nas energias personificadas conhecidas por

orixás; a crença na reencarnação como processo de evolução e expiação espiritual; a crença

das entidades como espíritos em evolução que auxiliam os encarnados e a prática da caridade.

Foram identificadas as seguintes linhas de trabalho: de pretos-velhos, caboclos, erês,

baianos, boiadeiros, marinheiros, malandros, exus, pombogiras. Raramente há a incorporação

de orixás, normalmente, incorporam na saída de santo55, ritual que marca a feitura de um filho

55 Entrevista realizada no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi com o senhor Chinayd, no dia 12 de janeiro de

2018.

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de santo, uma graduação, o título de pai ou mãe pequeno ou um yaô. Nesta feitura, o médium

fica recolhido no terreiro por alguns dias, há o ritual de catulação e ele recebe a digina, que é

entendida como o seu nome sagrado.

A relação de trabalho e crescimento espiritual também é reconhecida nesta casa, ou

seja, as entidades que incorporam em seus médiuns, ao realizarem atendimentos através de

consultas, passes, energizações, firmezas, receitas de banho de ervas, etc., praticam a caridade

e, esta, é compreendida como um passo que se dá na evolução espiritual56, neste sentido, tem-

se a ideia de que tanto o médium, quanto a entidade, “ganham luz”.

Uma entidade se destaca em relação à procura por atendimento: Sete Coroas que está

presente em quase todas as sessões ou reuniões. Com o auxílio de uma pessoa para camboná-

lo, esta entidade prescreve banhos de ervas, realiza descarregos, orienta em firmeza, direciona

o consulente a outras entidades (conforme a natureza do trabalho a ser realizado). Enfim, em

uma analogia, Sete Coroas seria o mestre-sala, pois, normalmente, é a entidade que recebe os

consulentes e orienta, também, os médiuns na realização das firmezas, trabalhos e oferendas.

No período destinado às observações de campo, verificamos que as giras de exu

ocorrem, normalmente após às vinte e duas horas. Incorporados nesta linha, percebemos que

os médiuns apresentam uma fala mais grave, uma expressão facial, em médiuns de recente

incorporação, mais fechada ou, quando, em médiuns mais desenvolvidos, vem para realizar

trabalhos de cortar demanda57. São bem objetivos. Mas, também, em ocasiões, apareceram

mais descontraídos e falantes.

Na linha de preto-velho, tanto os consulentes, quanto os filhos e filhas de santo,

buscam auxílio e orientação para cura de enfermidades, problemas relacionados à desunião

familiar e questões existenciais. Usam uma linguagem simples, são calmos e acolhedores. Em

certa ocasião, Pai José do Cruzeiro, uma entidade dessa linha, ao ser questionado por uma

filha de santo sobre quando a Umbanda começou, com olhar singelo, de pé, com o corpo

curvado e de braços abertos disse: “Quando perguntarem quando a Umbanda nasceu, é só

falá, fia, foi quando o Cristo abriu os braços, abraçou o mundo e disse: vinde a mim os que

tem fé”58.

Trabalhando na linha de erê, percebemos os médiuns com atitudes e linguagem de

crianças. Pedem balas, refrigerantes, doces e brinquedos. É uma linha direcionada também

para problemas de saúde e desunião familiar. O trabalho nesta linha não é tão frequente

56 Observações realizadas em campo. 57 Expressão utilizada para desfazer o mal destinado ao consulente, como feitiços, más energias, invejas, etc.. 58 Observações realizadas em campo.

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quanto nas demais, como baianos e pombogiras. Um aspecto a se considerar é o

direcionamento de grávidas e crianças aos erês. Há uma preferência e, até mesmo, uma

recomendação de que grávidas e crianças sejam benzidas por estas entidades.

A linha de boiadeiros também não é muito frequente. Seu ponto é uma entoada.

Normalmente vem para descarregar o ambiente, por isso, a demora é pouca e, não

presenciamos nenhum atendimento a consulentes por estas entidades. A linha de marinheiro é

mais frequente do que a de boiadeiros. Como descrito anteriormente, ao estar incorporado, o

médium apresenta uma fala embolada e fica cambaleando, como se estivesse alcoolizado. Em

ocasião, a entidade desta linha que incorpora no yaô, conhecida por Tião Tomoneiro,

esclareceu que o cambalear é referência ao balanço do mar. Louvam sempre, à Iemanjá,

solicitando uma vela para firmar próximo à sua imagem. Realizam atendimentos, porém,

poucos médiuns incorporam nesta linha.

A linha dos baianos é facilmente identificada. Incorporados, os médiuns falam com

sotaques baianos, usam chapéus de palha e utilizam muito o azeite de dendê para benzeções e

firmezas na linha da saúde. A essa linha está relacionada a Linha de Cangaceiro, pouco

frequente no terreiro, na realização dessa pesquisa, não pude verificar sua atuação. A linha de

caboclo também não é muito frequente. Permanecem pouco no terreiro. Sua fala é de difícil

compreensão, mas, seus cânticos são altos e firmes, assim como os gestos de caça e danças.

Raramente realizam atendimentos, mas, normalmente, deixam uma mensagem para os filhos e

filhas de santo.

Na linha de pombogira há uma maior utilização de acessórios e objetos. Batons,

bijuterias, saias, perfume são alguns acessórios utilizados por quase todas as entidades desta

linha. Algumas possuem taças e cinzeiros próprios. São muito procuradas para trabalhos de

abertura da linha do amor e reconciliação conjugal, em sua maioria, por mulheres,

independentemente da idade, classe social ou grau de escolaridade. A linha de malandro é a

mais frequente, principalmente, na presença da entidade conhecida por Sete Coroas. Muitos

médiuns incorporam nesta linha e realizam atendimentos. Realizam trabalhos na linha de

abertura de caminhos, de abertura da linha do amor, em questões relacionadas à saúde e ao

trabalho. Utilizam chapéu, são descontraídos, falantes e alegres e sempre enfatizam a questão

da amizade e fidelidade.

Nestas observações, percebemos que as linhas mais frequentes são a de malandro,

baiano, preto-velho, pombogira e exu. Da mesma forma, são as linhas que mais realizam

atendimentos. As linhas de malandro e pombogira são as mais procuradas pelos consulentes.

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Essa constatação entra em conformidade com as análises de Maggie. A autora destaca que os

guias que mais atuavam dando consultas representavam pessoas marginais ou ainda pessoas

que ocupavam posições mais baixas na estrutura social da sociedade mais ampla, ou seja,

desprestigiados na sociedade, transforma-se em figuras de poder na inversão simbólica que

ocorre nas giras de umbanda (2001, p. 118).

Relacionada ainda a essa inversão simbólica, Maggie realiza uma análise sobre a

incorporação de homens por pombogiras e, neste caso, estendemos à relação entre as

mulheres e os exus:

A oposição entre os sexos é vista de forma também oposta à do cotidiano. Homens

recebem entidades femininas e mulheres ´podem receber entidades masculinas, ou

seja, homens transformam-se em mulheres e mulheres em homens. A oposição

homem-mulher não se afeta como na vida social mais ampla: passa a ser diluída e a

possessão salienta o caráter andrógino dos possuídos, cada médium recebendo tanto

figuras masculinas, quanto figuras femininas (MAGGIE, 2001, p. 118-119).

Seguindo o modelo hierárquico da casa, cuja estruturação é orientada pelos prestígio e

poder mágicos, alinhado à tradição (o fundador da casa é o que possui maior autoridade)

verificamos essa mesma relação com as entidades. A entidade chefe do ponto é identificada

no médium de maior grau, ou seja, do Babalaô Gilman e, posteriormente, do Yaô Chinayd. As

entidades dos demais filhos e filhas de santo sempre se portarão a estas para a realização de

algum trabalho. Verificamos, também, a reprodução do prestígio das entidades, a partir do

imaginário social dos consulentes, ou seja, percebemos que alguns consulentes buscavam

atendimento a determinadas entidades conhecidas “por serem fortes”, em destaque: Zé

Pelintra, Tranca Ruas, Meia Noite e Maria Padilha, nomes conhecidos nacionalmente. As

entidades mais conhecidas pelos consulentes, em acréscimo as acima citadas, são os exus

Veludo e o Rei das Sete Encruzilhadas, as pombogiras Sete Saias e Puera; os pretos-velhos

Pai José, Pai Joaquim e Pai Xangô; baianos: Zé Baiano do Coqueiro e Zé Baiano; marinheiro:

Mestre Antônio e Tião Timoneiro; erês: Tito e Doum; caboclos: Cobra Coral, Sangue Real e

Sete Pedreiras e, na linha de malandro: Sete Coroas, Madame Satã e Zé Pretinho.

4.2.3 As giras de sexta-feira59

“É que na sexta-feira que conscientiza o povo de cor, caia na dança yaô60”

59 Observações realizadas em campo. 60 Trecho da música “Dança de Yaô”. Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=rYH-XQS3ctk.

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Iniciando nossa descrição sobre as giras nesta casa, destacamos uma observação de

Novaes (2017): “O ritual ou culto, é a essência da Umbanda, porque é através dele que

acontece a manifestação dos espíritos no corpo do adepto, ocorrendo assim, o contato entre o

sagrado (entidades) e o profano (as pessoas encarnadas)” (NOVAES, 2017, p. 33).

Assim, em observação a essas manifestações e ao conjunto de práticas que as

circundam, neste espaço (abaçá), verificamos que as giras no Lar Espírita Filhos de Ogum e

Oxóssi são realizadas quinzenalmente às sextas-feiras, a partir das vinte horas e funcionam

em duas modalidades: abertas e fechadas. Abertas ao público são, principalmente, as

cerimônias dedicadas aos orixás e, fechadas, há o desenvolvimento mediúnico, mas, também,

ocorrem atendimentos agendados. O fato de desenvolverem mais giras fechadas acontece

devido a uma maior preocupação dos sacerdotes no desenvolvimento mediúnico dos filhos de

santo, considerado prioridade.

Na preparação para o início do culto, acende-se velas ao lado de cada imagem de santo

e, à imagem de Zé Pelintra e na tronqueira são acesas velas brancas, coloca-se um copo

contendo cachaça e acende-se um cigarro. Os médiuns batem cabeça aos pés do altar. O ato

de bater cabeça representa um ato de devoção e entrega do médium a Oxalá, imagem central

do altar. Desta forma, agradecem e pedem proteção e orientação para a gira. Após, há a

realização de orações, como o pai-nosso umbandista, ave-maria, credo umbandista e oração

de cáritas61. Há a realização da defumação, entendida como a purificação do ambiente a partir

da queima de ervas. Todos se posicionam em semicírculo, mulheres de um lado e homens de

outro e seguindo a hierarquia acima mencionada, assim, os que possuem maior grau se

posicionam nas extremidades. O ogã posiciona-se junto ao atabaque, ao lado do altar e

acompanha, a todo momento, os pontos cantados. O coordenador da gira, o pai de santo ou o

yaô, invoca as vibrações dos orixás e suas linhas a partir dos pontos cantados, da mesma

forma que invoca as entidades. Normalmente é o primeiro a incorporar, e, após cumprimentar

a todos e após os filhos e filhas de santo lhe pedirem bênção, a entidade “chama” as demais,

ou seja, os filhos e filhas de santo incorporam e a cambona, auxiliada ou não por outros

membros, coordena os atendimentos.

Em análise às orações, percebe-se como esse “ligar-se ao outro mundo” através de

uma evocação mental ou oralmente, consegue formar uma linha de direcionamentos onde se

encontram, não mesclados ou justapostos, mas, tricoteados. Desta forma, orações aos santos e

ao anjo da guarda trazem a composição católica nesta colcha; porém, a oração destinada ao

61 Ver anexo B.

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anjo da guarda apresenta uma singularidade em sua ritualística. Essa oração é cantada, e

todos, com exceção ao dirigente da sessão, se ajoelham. Aqui, percebe-se uma total devoção a

este ser espiritual que mantem uma relação estrita com cada indivíduo, o seu anjo guardião, o

que acompanha o indivíduo incondicionalmente. A oração conhecida no meio cristão por pai

nosso apresenta-se com uma nova interpretação, trazendo, em sua essência, o entendimento da

existência de outros mundos e a súplica de proteção e perdão. As orações aos orixás remetem

aos campos de vibração e de atuação destes, como por exemplo, na oração a Obaluaê, pede-se

a cura do corpo e da alma e a oração à Oxum que remete à cachoeira.

A oração de Cáritas62 é muito conhecida no universo espírita, considerada como uma

das mais belas súplicas pelos membros desta casa. Percebemos, ao analisar as orações que

estes filhos de fé professam, que elas representam os processos sincréticos que ocorre no

terreiro e as ressignificações. Neste sentido, esses elementos das diversas religiosidades

encontram espaço e significado aqui.

Em relação aos consulentes, estes, posicionam-se nos bancos e são encaminhados para

conversar com as entidades por ordem de chegada. Ao serem encaminhados aos

atendimentos, pelos membros da casa, de forma educada e cordial, normalmente, estão

descalços. São prescritos a eles banhos de ervas e rituais para serem realizados em casa, como

firmezas para determinados santos e orixás. Da mesma forma, também são orientados na

realização de trabalhos a serem realizados ali mesmo ou, a partir de agendamentos. Para a

realização de trabalhos no abaçá, utilizam-se, normalmente, velas que são posicionadas em

pontos riscados.

Em diversas situações, as entidades, o babalaô e o yaô, ao realizarem trabalhos e

firmezas, orientam e explicam a todos os presentes o que está sendo feito e o porquê. Esses

momentos de doutrinação não são raros. Desta forma, toda prática umbandista é um

aprendizado. Na realização de trabalhos e firmezas para os consulentes utilizando os

materiais da casa, tais como velas, azeite de dendê, balas, dentre outros, não há cobrança ou

solicitação de reposição. Reforçando sempre a máxima de que “a Umbanda é caridade”, tanto

os membros dessa casa, quanto as entidades, não cobram pelos atendimentos ou materiais. A

maioria dos consulentes se retira da casa após o atendimento, sendo assim, a sua quase

totalidade, vai embora antes da gira terminar. Os consulentes são orientados a pedirem licença

para a entidade chefe do ponto e sempre se despendem dos membros da casa, e, alguns desses,

por vezes, se despedem de forma carinhosa alguns filhos de santo.

62 Ver mais em: http://www.bezerramenezes.org.br/estudos/artigos/caritas.htm.

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Um ponto a se destacar em relação aos consulentes, ou seja, aos que buscam

assistência espiritual, é uma não padronização de tipos e categorias sociais. Verificou-se a

presença de médicos, estudantes universitários e secundaristas, artesãos, donas de casa,

pedreiros, aposentados, empresários, assistentes sociais, auxiliares administrativos,

desempregados e mecânicos. Da mesma forma, verificamos a presença de crianças, jovens,

adultos e idosos. Pessoas de classe baixa e classe média. Brancos, pardos e negros. A maioria

ainda é composta por mulheres, embora a diferença não seja acentuada e, ao se referirem à

religião de origem, apresentam a católica majoritariamente.

Os consulentes mais frequentes contribuem, de forma voluntária, esporadicamente,

com materiais (velas) e financeiramente. Percebe-se uma relação não somente de clientela

entre alguns filhos de santo e esses frequentadores mais assíduos. Observamos falas não

somente relacionadas às atividades religiosas. Neste sentido, presenciamos falas que nos

permitem compreender uma relação de carinho e amizade. Em uma relação que se assemelha

a um sentimento de reciprocidade, foi verificado que alguns desses frequentadores já

auxiliaram alguns filhos de santo em atendimentos e encaminhamentos médicos e para

emprego.

Desta forma, a condição de não pertencimento ao corpo mediúnico dessa casa, não se

apresenta como empecilho para o desenvolvimento de relações que vão para além de

empresa/cliente. Assim, esses consulentes mais frequentes mantêm outras formas de se

relacionarem com essa família de santo.

Após os atendimentos, as entidades atendem os filhos e filhas de santo (caso termine

antes das vinte e três horas), passam algumas orientações quanto à próxima reunião ou outras

atividades a serem realizadas, e, em seguida, normalmente, fazem orações e se encerra a gira.

Quando são realizadas firmezas ou trabalhos, as entidades que as coordenaram,

orientam quanto ao seu descarrego, ou seja, de que forma os restos de velas e demais

materiais, ali sacralizados, ofertados ou como instrumentos de ponte em uma ligação com a

vibração do orixá, santo ou entidade, serão descarregados após o cumprimento do objetivado.

Desta forma, a orientação, normalmente, é para que se descarregue em um ponto da natureza

relacionado ao orixá ou entidade. Assim, por exemplo, na Festa de Oxóssi, foi orientado que o

arranjo de frutas fosse descarregado em uma mata, de preferência virgem, ponto da natureza

onde este Orixá “reina”. Este descarrego, normalmente é realizado por membros da casa de

três a sete dias após sua firmeza.

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Em relação ao que será transposto das estruturas do terreiro para os outros espaços

(pontos da natureza, encruzilhadas, etc) Barros (2008), nos indica que que “Os “ebós”,

também conhecidos como “despachos”, são os elementos mais visíveis e frequentes que saem

do terreiro para a rua, sendo o principal responsável pela identificação de “forças místicas”

nos espaços da cidade” (BARROS, 2008, p. 57). Neste sentido, as barreiras físicas do abaçá

são deslocadas, num processo de extensão do espaço sagrado.

A natureza é igualmente entendida como sagrada. Como pontos de carga e descarga

energéticas, como sítios energéticos. Neste sentido, os umbandistas do Lar Espirita Filhos de

Ogum e Oxóssi a identificam como bolsões de purificação e concentração das vibrações63.

Identificamos em Maggie, essa compreensão de limites máximos do terreiro pelos membros

dessa casa. Ou seja, para eles, a mata, a cachoeira, a praia, a encruzilhada e o cemitério são

locais onde se realizam determinados rituais (sacrifícios, oferendas), sendo direcionados para

cada orixá, conforme o exemplo acima citado (MAGGIE, 2001, p. 113).

Participar de uma gira é estar com os sentidos despertos para ouvir as orações e os

cânticos, para sentir a vibração do atabaque, para ver as danças e as “transformações” no

médium com suas entidades, é degustar de pequenos goles de bebidas utilizadas em

descarregos energéticos, é sentir o cheiro das ervas na defumação. Enfim, é encher-se de

esperança na busca por uma palavra, por uma luz de uma vela, por um abraço de um preto-

velho, por uma bala de um erê, por uma piada de um malandro, é estar em comunhão com o

todo em suas diferentes formas.

Assim, ouviremos estes que são a própria casa umbandista, estes que, para além dos

escritos dos livros, perpetuam os ensinamentos umbandistas a partir da fé e da vivência.

Ouviremos estes que se reconhecem como filhos e filhas de santo, filhos e filhas dessa casa,

filhos e filhas da Umbanda.

4.3 O corpo mediúnico em algumas atribuições

Identificamos acima a corrente de médiuns dessa casa. Em sentido geral do que esta

representa para uma comunidade umbandista, expusemos o seu trabalho como um todo. Para

este último tópico de análise do nosso objeto de estudo: a prática universalista da Umbanda

no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, analisaremos algumas atribuições específicas de 63 Faz-se necessário destacar a preocupação dos membros dessa casa quanto à consciência ecológica, ou seja, os

materiais descarregados em meio à natureza são, normalmente, de fácil decomposição, como por exemplo:

frutas, verduras, carnes, farinha e alguidá de barro. Não são orientados a acender velas e cigarros ou a

derramarem bebidas alcóolicas na natureza.

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alguns desses membros. Descreveremos, de forma mais estrita, algumas funções

desenvolvidas, dentre elas: a do ogã, a de um sacerdote, a da cambona e da zeladora de santo,

e, também, ouviremos o filho de santo mais antigo.

Cabe atentar-nos para o entendimento de que a tentativa de externar com palavras

todas as nossas sensações, sentimentos e pensamentos, apresenta-se como uma tarefa com

pouca probabilidade de sucesso, da mesma forma que, pretender compreender tudo e de igual

sentido o que o outro nos demonstra e diz, é uma tarefa que se apresenta irrealizável.

Neste sentido, buscamos uma aproximação entre conceitos, categorizações e

observações realizadas no desenvolvimento de certas práticas, por meio desses filhos de fé e a

palavra destes que são os trabalhadores do aiyê no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi.

4.3.1 Ao som do atabaque - o ogã

“Som do atabaque impulsiona a vibração/ O Ogã passa pro couro as batidas do coração64”-

Entrevista com o Ogã Geraldo65

Segundo Vieira (2016), o ogã é uma autoridade em um templo de Umbanda. Os ogãs

são sacerdotes específicos de louvor aos orixás, de extrema confiança do líder espiritual da

casa. Possuem como característica a não incorporação e a capacidade mediúnica de ativar

correntes energéticas e vibratórias por meio do canto e do toque. São médiuns preparados pelo

Criador para servirem aos orixás e aos guias (2016, p. 60-61). Dentro de uma casa de

Umbanda, os ogãs possuem alguns deveres, tais como: ter comportamento sério e respeitoso

com as entidades; estar em sintonia com o guia chefe e atento ao que ocorre na gira; ter a

consciência de que o atabaque é sagrado e contem a força viva do orixá; ajudar os irmãos em

seu desenvolvimento (VIEIRA, 2016, p. 62-63). Em suma, ter consciência da

responsabilidade que se tem em cuidar do atabaque, do desenvolvimento das giras e da

emanação das vibrações através dos cânticos e batucadas.

Durante as reuniões e sessões do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, presenciamos

o ogã Geraldo, como o único ogã dessa casa. Observamos a seriedade deste na realização das

suas atividades. Em algumas situações o yaô puxava os pontos, em outras, as próprias

64 Trecho da música "Curimba do Terreiro" de composição de Celso Cunha Neto e Suêzi Nogueira, do grupo de

Curimba do Terreiro Tio Antônio. Ver mais em: https://www.youtube.com/watch?v=xTOI5kDjFiE. Terreiro da

cidade de Curitiba- PR. 65 Entrevista realizada na sede do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, no dia 11 de janeiro de 2018.

Identificaremos o ogã pelo nome Geraldo.

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entidades, e, ainda, em algumas, o próprio ogã coordenava os pontos cantados que remetiam

às entidades ou linhas de trabalhos que estas compunham.

Em relação à importância de ser ogã e suas atribuições, o senhor Geraldo expõe:

“... eu penso na forma, na importância... a gente tem que tocar para as entidades,

enfim para a firmeza no trabalho... fico muito envaidecido com esta função. Eu acho

que é uma coisa que agrega muito. Depende muito de estar ligado em tudo o que

está passando. Geralmente o ogã, ele não incorpora, geralmente ele tem que ficar

mais atento ao que tá rolando, ao que está passando, ficar nos bastidores. [...] dando

suporte, tocando para entidades e auxiliando, olhando o que está acontecendo [...] A

responsabilidade do ogã é essa mesma, é geralmente tocar para as entidades e vê se

alguma entidade que está aqui, chegando, mas que não deveria estar chegando

apesar [...] que todos são bem aceitos, mas, pode ser algum egun [...].

Ao direcionarmos nossa análise sobre as atividades desenvolvidas pelo senhor

Geraldo, enquanto ogã dessa casa e as responsabilidades dos que detêm esta função, descritas

por Vieira (2016), constatamos uma similaridade nas atribuições. Em entrevista, o senhor ogã

ainda confirma sua indicação para o cargo por uma entidade e confirmação do convite, tanto

pelo Yaô, quanto pelo Pai de Santo da casa, o senhor Gilman. Considerado o segundo na

direção hierárquica, o senhor Geraldo percebe uma igualdade na distribuição das

responsabilidades, enfatizando o caráter de irmandade presente nas relações entre os

membros, mas, não deixando de reconhecer e de cumprir as responsabilidades que são

próprias do cargo que ocupa.

Ao nos atentarmos para a fala do ogã, percebemos de que forma esta função exercida

representa um maior sentimento de pertença por este. Situar-se no tempo-espaço,

4.3.2 O Yaô Pai Pequeno

“Fina flor, fina flor, fina flor de Aruanda. Fina flor, fina flor, fina flor de Umbanda66”-

Entrevista com o senhor Chinayd67

Ao buscarmos uma melhor compreensão sobre a posição que ocupa nessa casa

umbandista, o senhor Chinayd nos explica: “na hierarquia mediúnica sou o Yaô, já fiz três

recolhimentos e na hierarquia do terreiro, sou Pai Pequeno, então sou o Yaô Pai Pequeno”. A

direção dessa casa está sob sua coordenação há alguns anos devido à transferência do senhor

Gilman para outra cidade. O yaô é responsável pela doutrinação dos médiuns e entidades e

66 Trecho de um ponto, que, segundo a entidade Sete Coroas, é cantado pela entidade Mestre Carlos para se

referir ao Yaô Chinayd. 67 Entrevista realizada na sede do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, no dia 12 de janeiro de 2018.

Identificaremos o Yaô pelo nome Chinayd.

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por todas as atividades que envolvam o Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, sempre sob

supervisão do senhor Gilman.

Tendo seu primeiro contato com a Umbanda aos nove anos, o senhor Chinayd

informou que foi cambono de Pai José do Cruzeiro, quando esta entidade incorporava em seu

pai carnal, em outro terreiro. Após anos de afastamento, ele retornou à umbanda, nessa casa,

aos vinte anos. Ao contar sobre sua experiência nessa religião, enfatiza que aos 20 anos,

quando retornou para a Umbanda, era um menino, e, aos vinte e três, era um homem, a

umbanda o fez uma pessoa melhor. Além de destacar que, ao longo de trinta anos de

Umbanda, percebe que a maioria dos consulentes vai em busca de solução para os problemas

amorosos. Considera que a diversidade encontrada nos terreiros umbandistas está vinculada

aos usos e costumes e manutenção de algumas tradições. Reflete sobre a possibilidade do

estabelecimento de uma regulamentação única, essa regulamentação que deveria dar diretrizes

às práticas umbandistas, uma formulação de um estatuto de práticas de Umbanda. Para tal

empreendimento, considera necessária a união de um clero formado e formalizado, que, com

base nas experiências e práticas dos umbandistas, sintetizaria as normas e práticas para as

federações e dos terreiros.

Cita casos de atendimentos a pessoas que, por manterem certo status social e a

umbanda ainda sofrer atos de preconceitos e discriminações, são realizados privativamente,

em que há a presença deste e mais uma pessoa para cambonar. Alguns desses atendimentos

particulares foram realizados a padres, pastores, ministros de eucaristia, políticos e outros

líderes religiosos. Considera esta situação como de hipocrisia, pois, muitos destes propagam o

preconceito em sua vida social.

Indagado sobre o que representa estar na coordenação de uma casa umbandista:

primeiro uma grande honra, segundo, uma grande e imensa responsabilidade [...] e,

é a vida. [...] é um caminho que não tem mais volta, é um caminho só de

crescimento [...] cada dia aumenta sua responsabilidade, a sua obrigação; não é fácil

você largar a sua família, a sua obrigação, [...] seu trabalho, a sua vida lá fora e

dedicar [...] é uma grande honra e um grande prazer também.

Percebe-se que o senhor Chinayd mantem um relacionamento não só de doutrinador,

mas, também, de amizade e é carinhosamente tratado pelos demais médiuns. A relação de

irmandade espiritual transpõe as paredes do templo e se dissemina na vida social destes

irmãos de fé. Ao ser questionado sobre qual tradição, escola, corrente ou vertente se

categorizaria essa casa umbandista, foi enfático: “aqui é Umbanda”. Ser umbandista, para ele,

é ser uma pessoa de muita fé e credulidade, é acreditar no poder do ser humano de crescer,

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evoluir e de enxergar o bem. É se doar e cumprir uma missão que cada um de nós escolheu

junto a Deus. Desta forma, o yaô, segue seu caminho, cumprindo sua missão.

4.3.3 A cambona Maria e Camila, a zeladora de santo

Altair Pinto define cambono como servidor de orixá e auxiliar de médium em transe

(s/a, p. 40). Vieira (2016) comunga com esta definição e acrescenta: “cambones são

trabalhadores abnegados que cuidam para que tudo esteja em ordem e atendem às

necessidades dos Guias incorporados, quando precisam de algum material” (p. 79). Vieira

apresenta, ainda, a importância destes para a doutrinação de espíritos menos esclarecidos e

chama a atenção para que somente os cambones preparados possuem autorização para auxiliar

as entidades na manipulação magística de elementos diversos. Neste sentido, é importante que

estes conheçam bem as normas da casa, se preparem para as giras, sirvam e respeitem as

entidades e os médiuns, esclareçam e orientem os consulentes, médiuns e guias (p. 89-90).

Em suma, auxiliar no desenvolvimento das giras e estar atenta a tudo o que acontece, e, em

alguns casos, como citado por Vieira (2016), o cambono chefe prepara e defuma o terreiro.

Ao analisar as giras nesta casa umbandista, reconhece-se a presença da cambona chefe

na pessoa de Maria, que compõe a corrente de médiuns desde o ano de 199368. A senhora

Maria, reconhece que o cambono compõe a direção hierárquica dessa casa, e, ao ser

questionada sobre tal posição, expõe o que sente a respeito desta função e sobre as atividades:

... sinto-me muito feliz e muito responsável. Porque uma parte que não é só servir,

você tem que observar, você tem que ver, tem que ouvir, prestar muita atenção para

que a entidade passa uma mensagem que ela não seja mal interpretada [...] e prestar

muita atenção na assistência porque nem todo mundo vem com o coração aberto,

com o coração puro pra poder assistir a uma sessão e participar. Muitas pessoas vêm

com maldade, vem pedir coisas ruins [...] Isso é uma parte que te cobra muito e pesa

muito pra você cuidar.

Durante o período observado, foi percebido que, quando os médiuns estavam

incorporados, ou seja, quando eram as entidades que estavam trabalhando, estas se referiam à

senhora Maria por “cambono”, e, quando não incorporados, se referiam à ela por seu nome,

assim como os demais presentes, sendo consulentes ou não. A cambona sempre estava atenta

às solicitações das entidades, seja para orientar na doutrinação, seja para buscar algum

acessório, objeto ou bebida para as entidades. A cambona também foi responsável pela

68 Entrevista realizada na sede do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, no dia 11 de janeiro de 2018.

Identificaremos a entrevista somente por Maria.

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realização de alguns rituais de defumação no terreiro, sob a orientação do Yaô Chinayd e suas

entidades.

Desta forma, pode-se inferir que a cambona desempenha um papel de importância

nessa casa, auxiliando os membros e as entidades, atendendo aos consulentes, encaminhando-

os aos atendimentos e orientando os filhos e filhas de santo, assim como as entidades, na

doutrinação, exercendo, assim, também, a função de difusora das normas da casa.

Em relação à função de zelador da casa, encontramos alguns pontos entre o

entendimento que os membros da casa apresentam e o entendimento que alguns autores e

sacerdotes de outras casas umbandistas apresentam. Esses entendimentos se distanciam no

sentido em que, para os membros do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, ser zelador de

santo é aquele que cuida do santo, porém, essa função não é atribuída ao yaô e pai/mãe de

santo. Um membro da casa é escolhido para desempenhar tal função, no caso, a senhora

Camila. Já para alguns sacerdotes, a função de zelar pelo santo é exclusivamente atribuída ao

que foi confirmado, ou seja, ao pai ou mãe de santo. Aqui, cabe nos atentar para essa forma

singular que essa casa desenvolveu para desenvolver uma função de considerável importância

para o iniciado: o cuidar do santo.

A senhora Camila, em entrevista69, explicou que vai ao templo semanalmente para

cuidar do santo. Este ritual consiste em firmar (direcionar os pensamentos e as energias),

cantar para o santo (cantar os pontos do orixá de cabeça do Yaô), lavar a quartinha, trocar a

água desta para água pura, lavar os demais utensílios e objetos do orixá, fazer orações e

acender uma vela. Ela realiza estas atividades sozinha, preferencialmente, em dias em que não

há atividades na casa. Enfatiza que é como estar, a todo o momento desta atividade, em total

harmonia com o santo (aqui, entende-se orixá). Ao pensar sobre o que é ser zeladora de santo,

Camila afirma:

... primeiro momento, claro, muito medo. De você cuidar da cabeça de alguém, de

você ter praticamente a vida da pessoa ali nas suas mãos. E claro, foi uma honra, só

que é muita responsabilidade, porque é a vida de uma pessoa e é a vida do meu pai.

Também não é qualquer pessoa. É uma gratidão, é uma honra; é fantástico o

sentimento de merecimento porque quem escolheu de certa forma foi os dois, o

orixá e o pai de santo. Mas, é muita responsabilidade, dá muito medo! Porque

qualquer coisa errada que você fizer ali, você vai estar prejudicando muito uma

pessoa. É fantástico, mas é amedrontador! Aterrorizante (risos).

Percebe-se o valor simbólico atribuído à quartinha, como se este objeto, feito de

cerâmica, representasse o orixá, aliás, pela fala da entrevistada, é o próprio orixá que foi

69 Entrevista realizada na casa da zeladora de santo, no dia 04 de janeiro de 2018. Identificaremos a entrevistada

somente por Camila.

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confirmado na cabeça do yaô. A relação estabelecida entre este e o seu orixá é reafirmada e

reatualizada no ritual de zelar o santo. Em relação à hierarquia no Lar Espírita Filhos de

Ogum e Oxóssi, a zeladora de santo compõe a direção, ficando abaixo do Yaô ou Pai

Pequeno.

4.3.4 João: um filho desta casa

João70, um dos membros mais antigos desta casa, informa-nos que não foi iniciado em

nenhuma religião antes de ser tornar umbandista, embora tenha, desde criança, acompanhado

a mãe em terreiros de candomblé em sua cidade natal. Frequentador do Lar Espírita Filhos de

Ogum e Oxóssi desde o início, em um pequeno cômodo, João conta-nos que sua permanência

nem sempre foi contínua, nesses trinta anos de Umbanda, tendo se afastado, por anos, desta

casa.

Em relatos sobre as histórias, as entidades e a doutrinação, ou seja, sobre sua vida

como umbandista, João expõe seu aprendizado sobre os fundamentos e conhecimentos sobre

o candomblé, certamente, advindos do tempo em que frequentava outros terreiros.

Concomitantemente à esta casa, João frequentava outra casa umbandista nessa cidade na

época em que a sede desta casa situava-se no bairro João XXIII. Médium girante, ou seja, que

incorpora, trabalhava em quase todas as linhas, cita a Linha de Cangaceiro, relacionada à

Linha dos Baianos e a Linha de Jangadeiro, como, também, linhas de trabalho dessa casa.

Recorda que havia médium que trabalhava na Linha do Oriente, com uma entidade na linha

de cigano. Em relação às lembranças, João destaca as festas e cerimônias ocorridas ao longo

destes anos e aponta as procuras mais usuais dos consulentes: saúde, emprego e amor. João

foi o único membro a relatar que nunca sofreu preconceito por ser umbandista. Destaca

também, que, normalmente, quando as pessoas (consulentes) “alcançam a graça, elas

somem”.

... daqui do terreiro tudo melhorou pra mim, desde quando comecei até hoje [...]

altos e baixos eu passei na vida, todo mundo passa pelos altos e baixos na vida. Mas,

eu, depois que eu frequentei este terreiro eu nunca fiquei desempregado. [...] nunca

me faltou nada [...] ser umbandista pra mim é uma religião minha [...] estar

conversando com os orixás como se o católico fosse à igreja e conversasse com o

santo [...] a casa aqui em Itabira é muito importante na minha vida e a Umbanda é

importantíssima na minha vida [...] eu cresci muito na vida com isso.

Como o mais antigo filho de santo dessa casa, mesmo passando por períodos longos

de ausência, João se recorda facilmente das mudanças e trânsitos de tudo o que envolve o Lar

70 Entrevista realizada na sede do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, no dia 15 de janeiro de 2018.

Identificaremos o entrevistado por João.

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Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi. De forma simples e centrada, apresentou-nos essa casa

com o olhar focado nas relações e práticas religiosas, mostrando-se alheio a conflitos que

ocorriam em outros tempos, como as “fofocas” entre membros da casa. Assim, este filho,

mostrou-nos a simplicidade de se viver a Umbanda.

Diante de algumas falas, percebemos que a relação de amizade e irmandade é

destacada por todos os membros, mantendo relações de confiança e afinidade fora do terreiro.

As funções são bem delineadas e a doutrinação é fundada na oralidade, no repasse de

informações tanto pelos sacerdotes, quanto por suas entidades, que detém o mesmo grau de

autoridade. Esse destaque quanto à oralidade é evidenciado em Ferretti (2009), quando a

autora reconhece que esta é ainda uma grande aliada no processo de manutenção de

diversidades nas tradições religiosas afro-brasileiras. A partir da oralidade, os sacerdotes

transmitem aos seus filhos e filhas fundamentos da sua religião de origem africana, os

elementos definidores de sua identidade grupal71 (FERRETTI, 2009, p. 127-128).

Esta oralidade é a principal forma de transmissão dos saberes, porém, não é a única

identificada nesta casa. Há a abertura para o aprendizado da Umbanda através dos livros.

Neste sentido, inferimos que a afirmação de Ortiz (1978) sobre a presença da tradição escrita

como uma nova forma de difusão do conhecimento, está presente neste lar umbandista. Essa

nova forma evidencia uma tendência à universalização, na medida em que o conhecimento

disponível nos livros pode ser acessado por todos (ORTIZ, 1978, p. 158- 164). Os sacerdotes

e entidades incentivam os membros à leitura. Essa abertura, este saber disponível a todos

através dos livros, de certa forma, pode ser encontrada também, nesta abertura à difusão das

práticas, liturgias e fundamentos desta casa, não diretamente pelas mãos dos sacerdotes, mas,

através deste trabalho. Ou seja, esta pesquisa se torna um elo de transmissão da prática

umbandista do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi disponível a todos.

O grupo de membros desta casa é pequeno, aproximadamente quinze pessoas, porém,

em citação à fala da entidade Sete Coroas aos membros da corrente: “Estamos preocupados

com a qualidade e não quantidade de médiuns”72. Estar em uma comunidade de fé é, também,

situar-se no tempo e espaço.

71 Atentamos para o fato de que consideramos a Umbanda a religião brasileira que ressignificou os elementos das

religiosidades, dentre elas, as africanas, e que, a partir da diversidade e diferentes tradições umbandistas,

mantem, também, aspectos estruturais dessas religiosidades. Desta forma, os processos de manutenção e

propagação da identidade religiosa através da oralidade é igualmente reconhecido. 72 Observação de campo.

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Transpondo-nos para um referencial de identidade, Hall nos aponta que a identidade é

realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes e que existe

sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre esta unidade. Permanecendo sempre

incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”, por isso o termo

identificação se apresenta como mais indicado, pois, traz o entendimento de como deve-se vê-

la: um processo em andamento (HALL, 2003, p.37- 38).

Buscando um caminho que direcione o olhar para o entendimento da identidade das

religiões afro-brasileiras, encontramos em Berkenbrock:

A identidade das religiões afro-brasileiras não pode ser definida a partir de fora, a

partir de um modelo religioso predefinido. Esta identidade só pode ser definida a

partir de dentro, isto é, a partir da pessoa que é adepta [...] A identidade religiosa é

marcadamente contextual, social e histórica. Uma possibilidade de acesso a esta

identidade é oferecida pela história. Sem esta não se pode entender a situação atual

(BERKENBROCK, 2012, p. 160).

Compreendendo os processos pelos quais a Umbanda passou e ainda passa, em sua

legitimação, afirmação e aceitação, talvez, como nos aponta Berkenbrock acima, consigamos

compreender melhor o processo de construção dessa identidade umbandista. E, assim como

Dutra (2011), atentamos para uma não unidade identitária da Umbanda, mas, que, tanto a sua

constituição, quanto a sua formação histórica e a estruturação do seu corpus religioso, são

elementos importantes para pensar a identidade umbandista (DUTRA, 2011, p. 78).

Desta forma, ao indagarmos aos membros desta casa o que é a Umbanda e o que

representa ser umbandista e desempenhar a função dentro dessa estrutura, inferimos que o

sentimento de pertença a partir da identificação e constatação de que realmente fazem parte

desse grupo. Ou seja, não são somente percebidas, mas, suas presenças são valorizadas.

Percebemos isso a partir do apontamento de Hall (2003), segundo o qual, a identidade surge

de uma falta de inteireza que é preenchida a partir de nosso exterior, pelas formas das quais

nós imaginamos ser vistos por outros (HALL, 2003, p. 39).

E este indivíduo produto da modernidade, dos processos de se construir, desenraizados

das formas tradicionais de identidade, é este indivíduo moderno que encontra, no mercado

religioso, diversas ofertas. E, a partir este processo de observação, análise e identificação que

se direciona para certa religião, como estes membros fizeram.

Ao nos aproximarmos da fala de Berkenbrock onde essa identidade só pode ser

definida a partir de dentro, inferimos que são esses membros que podem nos desvendar essa

questão identitária. Isso fica evidenciado no questionamento direcionado ao yaô, sobre qual a

tradição, vertente ou configuração que essa casa se “classificaria”, sendo enfático, respondeu:

“É Umbanda”. Ou seja, sem analisar que esta casa trabalha com quase todas as linhas de

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entidades, que realizam ritos e cultos em que os elementos de diversas religiosidades são

nitidamente reconhecidos de forma sincréticas. Que não são Umbanda Traçada ou Popular,

como, talvez se “classificariam”, mas, simples e enfaticamente: Umbanda.

Este solo que abriga esse grupo de pessoas representa bem mais que um elemento

arquitetônico. O Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi representa a extensão da casa desses

membros, a extensão da pertença familiar, por isso filhos, filhas, pais e mães de santo: são

uma família. Em observações, percebemos que, em alguns casos, membros dessa casa

recebem no abaçá, o carinho e aceitação que não recebem no seio familiar.

Em análise às práticas umbandistas, encontramos, nessa casa, tanto uma singularidade,

quanto uma conformidade, com algumas observadas por estudiosos e por descrições de

sacerdotes de outras casas umbandistas. Isso evidencia-se na autonomia do sacerdote, bem

como, nas influências, de maior ou menor intensidade das diversas religiosidades que se

fazem sua morada nessa terra Brasil. Em observações, verificamos o entendimento e as

práticas sincréticas que sintetizam uma diversidade de elementos, gerando um universo de

simbologias que absorvem e dão novos significados.

Ao se analisar as giras do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, o comportamento dos

médiuns, as manifestações dos espíritos, o próprio templo e os consulentes que buscam um

conforto ou cura, percebemos que os diferentes se encontram e, como em uma nova

interpretação, novos sentidos são gerados. Os sentidos são entendidos, tanto como uma

orientação, quanto experiência de significado73. Assim, a Umbanda, em sua cosmologia,

orienta o indivíduo em relação às questões existenciais e, também, é o espaço onde este

indivíduo expirencia essa realidade mágico-religiosa.

Entre imagens de santos, orixás e caboclos, divindades católicas, africanas e indígenas,

entre orações espíritas, entre pombogiras ciganas e entidades que apresentam arquétipos de

diversos tipos sociais subalternos brasileiros, os membros desta casa expressam sua fé e sua

relação com o sagrado. Da mesma forma, os diversos seres espirituais e energias

personificadas encontram espaço para manifestarem, principalmente, em amparo aos que

precisam.

Os leigos, em suas diversas características sociais, econômicas, religiosas e biológicas,

encontram, nesta casa, as portas abertas para tentarem encontrar o que buscam, seja através do

olhar curioso, seja através do vazio existencial a ser preenchido ou na busca pela cura do

73 PONDÉ, Luiz Felipe. Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=_4NSgJC9ggg.

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corpo. Enfim, diversos também são os motivos que os levam a romper as barreiras do mundo

material e se aproximarem do mundo espiritual neste espaço de fé.

Essa construção universal de significados também universais, no sentido em que se

encontram dispostos a todos, não encontra barreiras nos mundos material e espiritual. Em

análise à universalidade desta religião nesta casa, retomamos ao entendimento de Camargo

(1973). Desta forma, percebemos essa abertura para a conversão de todos, como classificou o

autor. Assim, essa casa umbandista recebe a todos, o que vai de encontro com o apresentado,

também, por Prandi (2013, p. 207- 208).

Ao direcionarmos para a concepção de religião universal congregacional de salvação

de Pierucci (2006, p. 122), podemos inferir que o Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, além

da característica acima citada em Prandi e Camargo, se apresenta como uma nova

comunidade religiosa. Neste sentido, em análise à Umbanda, não encontramos a ideia da qual

a salvação está na igreja, mas, de que a evolução espiritual é individual. Esta concepção vai de

encontro com a cosmologia desta casa. Assim, essa comunidade de fé se apesenta como uma

nova possibilidade de se ligar ao sagrado, não somente como uma casa umbandista, no

sentido em que a Umbanda é uma nova possibilidade de se ligar ao sagrado, mas, também,

por não ser uma cópia fiel da casa onde o senhor Gilman, fundador desta casa, foi iniciado.

Assim, mesmo mantendo os fundamentos apreendidos em outro templo umbandista, na

cidade de Belo Horizonte, o senhor Gilman, não recriou uma cópia e sim, fundou uma nova

comunidade de fé, uma nova casa umbandista.

Enquanto autoridades desta casa, o babalaô e o yaô e suas entidades das diversas

linhas de trabalho, orientam os médiuns e os leigos nesta aproximação com o sagrado. Os

médiuns, também em uma diversidade social, econômica, de escolaridade e de status social,

também, encontram, neste espaço, o local de profissão de fé, de prática solidária e de busca

por crescimento espiritual.

A universalidade é identificada, tanto em relação aos consulentes que aqui buscam

cura para seus infortúnios, quanto para os que desejam compor esse celeiro de significações.

As divindades, manifestações do criador, também encontram, nessa casa, sua morada, assim

como, os seres desencarnados que buscam luz e crescimento espiritual. Desta forma, as

portas, tanto do plano físico, quanto do plano astral, encontram-se aqui abertas.

Assim, unidos em por um sentimento de fé, mas, também, de encontro de sentidos e

de se perceber humanos e merecedores de serem reconhecidos como tal, os filhos e filhas de

fé mantém de pé esta casa, esta casa de Umbanda.

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5 CONCLUSÃO

Concluir algo não nos parece uma tarefa tão fácil, porém, em certa medida, faz-se

necessário. As análises aqui apresentadas mostram-nos a complexidade do proposto estudo,

da mesma forma que encontramos a complexidade nos estudos dos fenômenos religiosos. Se

estudar fragmentos do todo que é a religião, apresenta-se como uma tarefa difícil, nos

centrarmos nesses fragmentos sem deixar perder a visão do todo, parece-nos muito mais.

Enquanto parte de algo maior que é a cultura, a religião expande-se neste campo

destinado a si, o religioso, transpondo-se nas barreiras, se ligando ao social, político,

econômico, enfim, ao universo do ser humano em uma sociedade.

Neste empreendimento, percorremos alguns dos passos dos que aqui adentraram e

formaram um povo, na sua visão cristã e europeia de civilização. Reconhecemos, nos

processos que culminaram na formação desse povo brasileiro, mestiço, fruto dos encontros e

interações ao longo dos séculos, tanto os violentos, como a escravidão e a desqualificação e

dissolução da integralidade das identidades indígena e africana, como também, os de abertura

ao outro. Pensar nessas e em outras formas de encontro com o diferente, com os que aqui

chegaram e chegam em busca de uma nova vida, a partir dos processos de imigração, é

pensar, também, em trânsitos culturais.

Esta saga pela sobrevivência, em meio a uma vastidão de terras desconhecidas, que

foram pouco a pouco ocupadas e povoadas, em meio a misturas biológicas e culturais, em

meio a esta miscigenação, hibridização, a este sincretismo, a esta síntese, enfim, a esta

dialética construtiva identitária, estampa um povo multi e pluri que configurou e configura

sua face. Não como em um mosaico, cujas partes fragmentadas e incrustadas, são coladas

deliberadamente com o objetivo de se obter uma forma nítida, previamente arquitetada, mas,

na junção, fusão e simbiose de elementos que se mesclam, se reconfigurando, produzindo,

assim, contornos culturalmente delineados, em uma configuração única e singular.

Neste sentido, essas configurações que germinaram este povo, também configuraram

suas religiosidades. Nestes processos que culminaram nesta identidade brasileira, também se

configurou a Umbanda. Reconhecer a Umbanda enquanto a religião brasileira, é reconhecer

sua constituição a partir de elementos culturais e religiosos dos principais povos, que, desde a

colonização, compõem a formação do Brasil. Reconhecer nela seu caráter absorvedor,

congregador e universalista, em processos de acolhimento das pessoas das mais diversas

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classes e categorias sociais e os trabalhadores do astral em seus arquétipos culturalmente

diversificados, faz-se necessário.

Como vimos, para além das fundamentações de legitimidade da umbanda, a partir da

justificativa cientificista, originária do kardecismo, para as suas práticas, também, verificou-se

a tendência da Umbanda à universalização, na medida em que ela, em uma nova forma de

concepção das relações humanas, passa da transmissão do saber, na forma da tradição oral,

para, também, da escrita. Evidenciando, assim, o acesso aos saberes da Umbanda por todos os

que almejarem, num processo de racionalização que, também, evidencia a proximidade com o

espiritismo e uma estratégia no processo que culminou em sua legitimação.

Este caráter pluralista e universal da Umbanda é reconhecido no sentido em que, ao

mesmo tempo em que a Umbanda se mostra plural e múltipla em sua concepção universalista,

absorvendo símbolos, ritos, rituais e fundamentos, oriundos das crenças católica, kardecista,

indígena e africana, ela se mostra única ao sincretizar, sintetizar e unir estes elementos de

forma subjetiva e ao dialogar com essas crenças que a constituem em sua identidade. E, para

além dos elementos advindos destas religiosidades, associam-se ainda, elementos de outras

tradições, como hindu e budista e cigana, que ela vem absorvendo ao passar do tempo.

Nesta perspectiva de busca por um ponto de origem, um chão que pudesse representar

o sustento desses pilares, encontramos vários. As três correntes inicialmente apresentadas

encontram-se respaldadas: a do seu surgimento relacionado a Zélio de Moraes como o “mito

fundador”; a da sua manifestação em diversos lugares do Brasil em especial na região Sudeste

e relacionada as práticas da macumba e do seu surgimento entre as décadas de 1920 e 1940.

Os três pontos são o solo fértil do qual a Umbanda germinou. Pois, a partir de uma

religiosidade já sincrética, o Calundu, outras formas de se ligar ao sagrado foram despontando

nesse celeiro brasileiro.

Entendemos que o termo anunciação, seja o que melhor expresse esse despontamento

da Umbanda, a partir da manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas prenunciando essa

forma de se ligar ao sagrado: a Umbanda.

Ao analisarmos os eventos históricos associados aos processos de urbanização e

industrialização brasileiros, pensamos que, somente neste contexto que a Umbanda pôde

surgir, diante da, ainda, visão negativada dos elementos das religiosidades africanas. Pelas

mãos de dissidentes kardecistas e dos congressistas, no movimento umbandista, em discursos

que traziam, também, novas formas, intelectualizadas, de se reatualizar alguns ritos, a

Umbanda foi se firmando no cenário religioso brasileiro.

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Estas três concepções, trabalhadas há décadas, são igualmente reconhecidas neste

trabalho. Principalmente porque, neste olhar, uma não anula a outra, como visto acima.

Podem ser vistas com a mesma lente, com o mesmo prisma de veracidade, seja para a

comunidade que a nos apresenta, seja pelos acadêmicos que se debruçam há décadas em

busca de respostas. São igualmente verdadeiras em suas concepções, essências e

fundamentação. Entendidos, assim, como processos que desembocaram nas décadas de 1920

a 1940.

Assim, a aurora desta religião brasileira, está no encontro do negro com o português e

com o índio na terra Brasil; está na assimilação e aculturação por eles, na transfiguração das

práticas religiosas africanas e indígenas na nova ordem social; na tentativa de se manter a

memória coletiva viva dos grupos africanos e indígenas; está na anunciação do Caboclo das

Sete Encruzilhadas; está em sua institucionalização, no Brasil urbano e industrial; está, enfim,

na memória, na reatualização, na prática e nas mentalidades dos umbandistas.

. Se a Umbanda é parte de um “plano astral superior” e que esses eventos são os

processos pelos quais ela está, ainda, passando, é uma teoria a se considerar, ao menos pelos

membros desta comunidade de fé. Identificando-se como uma religião mediúnica, anunciada

por uma entidade e cujos trabalhos e desenvolvimento são realizados à luz de seres espirituais

evoluídos, que trazem mensagens e orientações voltadas ao crescimento moral dos seus

membros, não haveria estranhamento.

Ao direcionarmos nosso olhar para a diversidade encontrada nas inúmeras casas

umbandistas estudadas, durante décadas, por acadêmicos, percebemos que, como em

movimentos dialéticos, os encontros dessas religiosidades, foram pendendo ora para uma

matriz religiosa, ora para outra. Essas configurações são reconhecidas por diversos termos:

correntes, vertentes, escolas, linhas, e, aqui, optamos por tradições. Em uma forma que

delineia essas diferenças, essas tradições são identificadas por Umbanda Branca, Umbanda

Omolokô, Umbanda Sagrada, Iniciática, Traçada, Esotérica, Popular, enfim, uma diversidade

que se encontra em uma unidade: Umbanda, são “muitas bandas numa só”.

Em sua trajetória, foi proibida, negada, forçosamente praticada na clandestinidade,

mas, também, foi vivida, foi legitimada e plasmada na cultura e no cenário religioso

brasileiro. Entre fundamentos, liturgia e ritos, sua cosmovisão foi sendo forjada. Apesar da

autonomia do sacerdote religioso, que lhe concede legitimação quanto as formas pelas quais a

Umbanda será desenvolvida no terreiro, e, apesar da não efetivação da tentativa de uma

codificação única que nortearia todas as casas umbandistas, ainda assim, podemos encontrar

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alguns pontos em comum entre essas tradições. Esses pontos são: a crença em um Deus único,

a mediunidade como forma de comunicação entre os mundo espiritual e material, a visão dos

orixás enquanto energia, a oralidade ainda como principal forma de transmissão do saber

umbandista e a hierarquia dentro do terreiro, que estrutura a vivência umbandista.

Vimos, também, a identificação dos orixás, talvez a principal herança das

religiosidades africanas, como energias e que, nas giras, as entidades incorporam em seus

médiuns em auxílio aos consulentes, em um trabalho que denominam por: de caridade. Santos

e anjos, principalmente, o anjo da guarda, são reconhecidos e cultuados na Umbanda.

Verificamos, assim, essa abertura ao acolhimento e agregação de divindades, entendidas

como seres de elevado grau moral e espiritual.

Destacamos as presenças dos malandros, baianos, boiadeiros, marinheiros, erês, pretos

velhos, caboclos, exus, pombogiras e ciganos como representatividade dos subalternos que

ganham status no espaço sagrado da Umbanda. Desta forma, esses tipos sociais

marginalizados socialmente, ganham presença e prestígio dentro das casas de umbanda.

Demonstramos as diversas linguagens utilizadas na prática umbandista. Assim,

reconhecemos que há um universo simbólico que envolve inúmeros elementos que convergem

para o centro, para o sagrado. Entre pontos cantados, pontos riscados, velas, orações, entre

danças e momentos de doutrinação, utilizando ou não livros e cartilhas, as giras acontecem.

Sob as bênçãos dos vovôs, vovós e das crianças, sob a altivez dos caboclos, sob o laço do

boiadeiro, o cambalear do marinheiro, a risada de exu, o olhar da pombogira, sob o dendê do

baiano, a dança dos ciganos, a braveza dos cangaceiros e a esperteza dos malandros, os filhos

desta fé estreitam os laços com o sagrado e perpetuam sua crença.

Acreditamos que a Umbanda é uma religião mágica, na medida em que pressupõe a

manipulação das energias, em um movimento que objetiva a intervenção neste mundo

material a partir do conhecimento e uso de forças sobrenaturais. O que evidencia o sacerdote

ou a sacerdotisa como especialistas da magia. Neste sentido, as giras seriam o ponto no

tempo-espaço em que se revelam este potencial.

Verificamos, neste sentido, que ritos de benzeções, passes, banhos de ervas, firmezas,

despachos, trabalhos, enfim, uma gama de ritos realizados a partir da intervenção dos seres do

astral ou pelo próprio médium, demarcam, tanto a distância entre o leigo e o sacerdote, quanto

a distância entre os médiuns no próprio terreiro. O que nos levou a identificar o prestígio dos

que possuem maior acesso e poder de manipulação dessas forças.

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A universalidade, compreendida como a característica de abertura a todos, traz,

também, a compreensão de que não se tem barreiras a delimitar espaços. Direcionando este

entendimento para a análise da Umbanda, podemos perceber que essa religião brasileira é um

complexo sistema religioso. Essa complexidade não está relacionada à própria essência de

uma dada religião, enquanto instituição social alicerçada em dogmas e doutrinas relacionadas

ao sagrado.

A complexidade da Umbanda é manifestada, também, em sua característica principal

que é a de absorver elementos de diversas religiosidades, ressignificando-os, e, assim,

gerando novos sentidos, elaborando novas configurações neste espaço sincrético.

Percebemos que, na Umbanda, um ecumenismo aflora, no sentido em que, em sua não

discriminação e não intolerância ao outro, ao o que não é umbanda, ela se dispõe à

aproximação. A Umbanda não anatematiza, não afasta, não segrega; ao contrário, ela traz para

si, ela congrega. Desta forma, esta religião possibilita a inserção de elementos de sistemas

religiosos diversos nesta seara de significados. Assim, ao se pensar nesta religião espírita, ou

seja, que aceita o espírito e sua manifestação, esses seres que compõem o corpo espiritual de

outras religiões, encontram a possibilidade de se manifestarem também na Umbanda.

Direcionando nosso trabalho para o Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi,

percebemos a complexidade de uma gira. Os membros dessa casa umbandista desenvolveram

uma dinâmica de processos sincréticos entre elementos de diversas religiosidades que, como

em uma colcha, foram e vão sendo tricoteados, dando uma forma singular a esses elementos.

Desempenhando suas funções e acessando o sagrado, servindo de ponte entre o mundo

material e o espiritual, auxiliando aos que buscam um conforto, aos que buscam soluções para

problemas mundanos, os membros dessa casa vivem a umbanda.

Em um processo de firmação de uma identidade, os filhos e filhas dessa casa vão

construindo a identidade do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi. Homens e mulheres, em

sua diversidade social, biológica, política e econômica, se encontram para professarem a sua

fé. Vimos que são estruturados, a partir, principalmente, de uma hierarquia mediúnica.

O que essa pesquisa buscou, desde a primeira inquietação, era compreender o processo

de universalidade espiritual e cultural da Umbanda. Durante esta longa, tortuosa, cansativa,

porém, compensadora caminhada, passos foram trilhados em busca desse complexo percurso.

Constatamos que a prática umbandista vem, em movimento dialéticos, sincretizando e

sintetizando elementos de diversas religiosidades, assim como, a própria cultura brasileira. A

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ANEXO A- IMAGENS DO LAR ESPÍRITA FILHOS DE OGUM E OXÓSSI

Foto 01 - Bandeira do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi. Nota-se a referência das

simbologias dos orixás que nomeiam a casa: Ogum e Oxóssi. Oxóssi está representado

pela seta verde e Ogum pela espada vermelha. Acima, a pomba que representa o

Espírito Santo e o sol a Oxalá.

Fonte: Fotografia produzida pela autora no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira-MG, 2017.

Foto 02- Frente do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi.

Fonte: Fotografia produzida pela autora no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira-MG, 2018.

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Foto 03 - Imagem de Zé Pelintra

Fonte: Fotografia produzida pela autora no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira- MG, 2018.

Foto 04 - Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi. Destacam-se, à esquerda, as imagens de

Tupã, de São Miguel Arcanjo, de Cosme e Damião, e, à frente, o altar.

Fonte: Fotografia produzida pela autora no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira-MG, 2018

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Foto 05- Cantinho de Iemanjá

Fonte: Fotografia produzida pela autora no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira- MG, 2018.

Foto 06 - Cruz das Almas

Fonte: Fotografia produzida pela autora no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira-MG, 2018.

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Foto 07- Orixá Xangô

Fonte: Fotografia produzida pela autora no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira-MG, 2018.

Foto 08 - Imagens cobertas na quaresma. Todas as imagens de santos são cobertas no

período da quaresma e não há realização de sessões abertas ao público.

Fonte: Fotografia produzida pela autora no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira-MG, 2018.

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. Foto 09 - Oferenda para Cosme e Damião e a Linha de Ibeji na abertura do ano

Fonte: Fotografia produzida pela autora no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira-MG, 2018.

Foto 10- Oferenda a Iemanjá na abertura do ano.

Fonte: Fotografia produzida pela autora no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira-MG, 2018.

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ANEXO B - ORAÇÕES E HINOS RECITADOS PELOS MEMBROS EM REUNIÕES

E SESSÕES

Hino da Umbanda- Autor: J.M. Alves -

1960

Refletiu a luz divina

Em todo seu esplendor

Vem do reino de Oxalá

Onde há paz e amor

Luz que reflete na terra

Luz que reflete no mar

Luz que veio de Aruanda

Para tudo iluminar

Umbanda é paz e amor,

É um mundo cheio de luz

É a força que nos dá vida

E à grandeza nos conduz.

Avante filhos de fé,

Como a nossa lei não há,

Levando ao mundo inteiro

A Bandeira de Oxalá!

Hino do Lar Espírita Filhos de Ogum e

Oxóssi

Somos filhos de Ogum e de Oxóssi

E queremos a Umbanda elevar

Sempre unidos em prol da humanidade

Seguindo ao Nosso Pai Oxalá

Oxalá é nosso Pai,

Ogum é nosso guia,

Oxóssi a proteção

Para estarmos em harmonia

Somos filhos de Ogum e de Oxóssi

E queremos pela Umbanda trabalhar

Com Fé, Esperança e Caridade

Recebendo a quem nos visitar

De Zé Pelintra nós recebemos

O Amor e Orientação

Os Orixás nos iluminam

Para vivermos como irmãos

Somos Filhos de Ogum e de Oxóssi

E queremos a Umbanda representar

Temos sempre na mente um ideal

Do bem vencendo o mal

Levantamos nossa bandeira

De Paz e União

Assim glorificamos

A Nossa Religião

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Pai Nosso Umbandista-

Ensinado pelos sacerdotes e entidades aos membros da casa

Pai Nosso que estais em toda a parte,

Santificado seja o vosso nome,

venha a nós o vosso reino.

O reino do bem, seja feita a vossa vontade,

na terra, no espaço, como em todos os

mundos habitados.

Dai-nos, Senhor, o pão do corpo e da alma

perdoai as nossas ofensas, assim, como de todo

o coração, perdoamos a quem nos tem ofendido.

Não nos deixei, Senhor, sucumbir às tentações dos

maus espíritos, mas enviai-nos os bons para nos

esclarecer! Assim Seja!

Ave Maria –

Ensinado pelos sacerdotes e entidades aos membros da casa

Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco.

Bendita sois vós, entre as mulheres,

Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.

Santa Maria, Mãe de Deus,

Rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa passagem.

Que assim seja!

Credo Umbandista-

Ensinado pelos sacerdotes e entidades aos membros da casa

Creio em Deus que tudo pode, que me fez e fez o mundo;

em Jesus, Nosso Senhor, que sofreu por nós na cruz;

no Espírito Santo que baixou sobre os apóstolos e na virgem Mãe de Deus.

Creio na encarnação e na Santíssima Trindade, na vida que se renova e na sua eternidade.

Na fé de Umbanda; creio que Deus é pai de todos

e Oxalá é seu nome nesta minha religião.

Creio no ponto firmado, creio no ponto cantado;

Creio na estrela e na cruz;

e, que vivo por Jesus na comunhão do amor de Deus.

Saravá.

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Oração de Cáritas –

Ensinada pelos sacerdotes e entidades aos membros da casa

Deus nosso Pai,

que sois todo poder e bondade,

dai força àqueles que passam pela provação;

dai luz àqueles que procuram a verdade,

e ponde no coração do homem a compaixão e a caridade.

Deus, dai ao viajante a estrela Guia,

ao aflito a consolação, ao doente o repouso.

Pai, dai ao culpado o arrependimento,

ao espírito, a verdade, à criança o guia, ao órfão, o pai.

Que a vossa bondade se estenda sobre tudo que criaste.

Piedade, Senhor, para aqueles que não Vos conhecem,

e esperança para aqueles que sofrem.

Que a vossa bondade permita aos espíritos consoladores,

derramarem por toda à parte a paz, a esperança e a fé.

Deus, um raio, uma faísca do vosso amor pode abrasar a Terra,

deixai-nos beber na fonte dessa bondade fecunda e infinita,

e todas as lagrimas secarão, todas as dores se acalmarão.

Um só coração, um só pensamento subirá até vós,

como um grito de reconhecimento e de amor.

Como Moisés sobre a montanha, nós vos esperamos com os braços abertos.

Oh poder! Oh bondade, Oh! beleza, Oh!

Perfeição e queremos de alguma sorte merecer vossa misericórdia.

Deus, dai-nos a força de ajudarmos no progresso afim de subirmos até vós,

Dai-nos a caridade pura,

Dai-nos a fé e a razão,

Dai-nos a simplicidade que fará de nossas almas

O espelho onde há de refletir a vossa divina imagem.