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  PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS Rosane Beatris Mariano da Rocha Barcellos Terra O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE E AS AÇÕES AFIRMATIVAS VOLTADAS AOS AFRODESCENDENTES E EGRESSOS DA REDE PÚBLICA DE ENSINO COMO SUPORTE EFETIVADOR PARA O INGRESSO NAS UNIVERSIDADES Santa Cruz do Sul, novembro de 2006

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DEMANDAS SOCIAIS E

POLÍTICAS PÚBLICAS

Rosane Beatris Mariano da Rocha Barcellos Terra

O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE E AS AÇÕES AFIRMATIVAS

VOLTADAS AOS AFRODESCENDENTES E EGRESSOS DA REDE PÚBLICA DE

ENSINO COMO SUPORTE EFETIVADOR PARA O INGRESSO NAS

UNIVERSIDADES

Santa Cruz do Sul, novembro de 2006

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 Rosane Beatris Mariano da Rocha Barcellos Terra

O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE E AS AÇÕES AFIRMATIVASVOLTADAS AOS AFRODESCENDENTES E EGRESSOS DA REDE PÚBLICA DE

ENSINO COMO SUPORTE EFETIVADOR PARA O INGRESSO NAS

UNIVERSIDADES 

Dissertação apresentada ao Programa dePós-Graduação em Direito – Mestrado, Áreade Concentração em Demandas Sociais ePolíticas Públicas, Universidade de SantaCruz do Sul – UNISC, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre emDireito.

Orientador: Prof. Dr. Clovis Gorczevski.

Santa Cruz do Sul, novembro de 2006.

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AGRADECIMENTOS

A elaboração desse trabalho somente foi possível pela dedicação, apoio e

pelas “mãos arregaçadas” de algumas pessoas muito queridas e especiais, as quais,

faço questão de nominá-las e externar meu mais sincero agradecimento.

Primeiramente, agradeço ao meu Orientador Prof. Dr. Clovis Gorczevski pelo

amparo, dedicação incansável e imensurável que se deu desde a providência naaquisição de materiais estrangeiros, até o momento do ombro amigo, quando da

exaustão diante do percurso. As colegas e parceiras do mestrado, do Grupo G6. As

amigas Danielle Salla e Claudia Cagliari, companheiras de viagem, das madrugadas

de estudo e de amizade e irmandade sinceras. A amiga, irmã e “mestra” Daniela

Richter por ter acreditado em mim, no meu projeto e por ter se afastado de seus

familiares para comigo virar dias e noites, pois sem isso este trabalho talvez nem

pudesse ter sido possível e, por outros tantos momentos e situações que o sentidoda palavra agradecimento não expressa tudo o que eu gostaria de aqui gravar. Aos

meus pais, Renato e Alba Barcellos, pela existência de vida e créditos depositados

na minha pessoa e, por fim, em especial, a razão da minha vida, minha amada filha

Ana Carolina Barcellos Terra, que muito mais do que filha, me dá apoio e exemplos

de maturidade, assumindo, por vezes, o papel de mãe e, ao meu esposo Domingos

Terra Filho, pela incondicionalidade de sua compreensão, amor, carinho e estímulo

de persistência.

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“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcional à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura.Tratar com desigualdade a iguais ou a desiguais com igualdade, seria desigualmente flagrante, e não igualmente 

social.” (Ruy Barbosa)

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RESUMO

A presente dissertação é fruto da inquietação frente aos postulados que envolvem a

temática da igualdade. Versando sobre a efetivação do Direito Fundamental e

constitucional à Igualdade como pressuposto à cidadania e à dignidade da pessoa

humana, visto que ambos são fundamentos do Estado Democrático de Direito,

dentre outros. O trabalho procurou, ademais, demonstrar a trajetória do Princípio da

Igualdade no desenvolvimento social, político e jurídico da experiência doutrinárianacional e internacional, bem como analisar a inserção de Ações Afirmativas na

modalidade de reserva de cotas destinada à parcela da população afrodescendente

e egressos do ensino público como forma de inclusão social. Assim, de forma

prospectiva, a pesquisa busca verificar a viabilidade ou não de um possível afronte

ao princípio em comento, tendo em vista sempre a observância da norma

constitucional positivada

Palavras-Chave: Princípio da Igualdade – ações afirmativas – afrodescendentes –

egressos do ensino público – ingresso à universidade

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RESUMEN

La presente disertación es fruto de la inquietud frente a los postulados que

envuelven la temática de la igualdad. Ella versa sobre la efetivacción del Derecho

Fundamental y Constitucional a la Igualdad como presupuesto a la ciudadanía y a la

dignidad de la persona humana, es que ambos són fuente del Estado Democrático

de Derecho, así como otros. Visa, además, demostrar la trayectoria del Principio de

la Igualdad en el ámbito social, político y jurídico, bien como se analiza la inserción

de Acciones Afirmativas en la modalidad de reserva de anotaciones destinadas a lapoblación afrodescendente y a los estudiantes que vienem de la enseñanza pública

como forma de inclusión social. Así, se se dá enfasis por la verificación de la

viabilidad o no de un posible afrente al principio en comento, mirandóse siempre la

observancia de la norma constitucional en la optica positiva. En esa cuadra, se

emplea el método de abordaje deductivo, presentado bajo la forma de levantamiento

histórico y crítico, que se apunta espacio-temporalmente. Al final, se busca

establecer los referenciales teoricos imprescindibles a la pesquisa, a saber: igualdad

como presupuesto indissociable del aparte educacional y de la dignidad de la

persona humana, sus acepciones constitucionales, las acciones afirmativas como

políticas de inclusión social y el fomento del Estado Democrático de Derecho.

Palabras-Llave: principio de la igualdad - acciones afirmativas - afrodescendentes -

enseñanza pública - entrada en la universidad

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................08

1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE....................................13

1.1 A Evolução do Princípio da Igualdade no contexto pré-constitucional................13

1.2 A Evolução do Constitucionalismo Contemporâneo e a Constituição de

1988............................................................................................................................26

1.3 Distinção entre Direitos Fundamentais e Direitos Humanos...............................42

1.4 Breves apontamentos conceituais da igualdade: a igualdade como valor,

princípio e como disposição de norma de Direito Fundamental.................................49

2. A POSITIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO

BRASILEIRA DE 1988...............................................................................................65

2.1 A leitura Constitucional do Princípio da Igualdade..............................................65

2.2 As diferentes designações do Princípio da Igualdade: Formal e Material..........69

2.3 O Princípio da Igualdade como vetor basilar e constitucional do EstadoDemocrático Brasileiro de Direito...............................................................................75

2.4 Os diferentes tipos de discriminações e o caso das discriminações positivas e

negativas....................................................................................................................88

2.5 Algumas notas em torno do Princípio da Igualdade e de sua conseqüente

discriminação no Direito Comparado.........................................................................94

3. NO UNIVERSO DAS DISCRIMINAÇÕES: AS AÇÕES AFIRMATIVAS...............993.1 Conceitualização das Ações Afirmativas.............................................................99

3.2 Um olhar retrospectivo: instrumentos legislativos de efetivação das Ações

Afirmativas (genéricas) no contexto nacional e internacional..................................110

3.3 A questão da Educação nesse contexto............................................................120

3.4 A especificidade das Ações Afirmativas no caso do acesso ao Ensino Superior

aos afrodescendentes e para os egressos do Ensino Público.................................129

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................145

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REFERÊNCIAS........................................................................................................154

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INTRODUÇÃO

A superação das desigualdades sociais para o desenvolvimento de uma

sociedade justa, livre e solidária, conforme demanda a unívoca redação do art. 3º,

incisos I a IV, da Constituição Federal de 1988, que nos traz os objetivos do Estado

Democrático de Direito, como se sabe, requer o enfrentamento da questão da

estipulação de cotas àqueles que historicamente são mais segregados.

Nesse caminho, foi que a presente dissertação teve seu norte decretado tendo

em vista a novidade do tema no Brasil. Aliás, ela é fruto da obrigação típica dequalquer novo projeto, ou inquietação, e da constante necessidade de

questionamentos e aprofundamentos de postulados centrais que envolvem a

temática da igualdade, bem como de sua longa trajetória no desenvolvimento

humano e a inserção de Ações Afirmativas, que são aquelas políticas voltadas à

inclusão social.

O desígnio do tema foi uma opção eminentemente acadêmica, mas quetambém recebeu grande influência pelo interesse despertado por tais questões, em

especial o caráter político, jurídico e social que acaba dando respaldo ao fomento

desse tema no que tange à participação e à efetivação dessas medidas, visando ou

não a derrubar barreiras discriminatórias, principalmente, no âmbito das

universidades.

Portanto, o trabalho que oferecemos, visa a aprofundar a discussão não nosentido de convencer sobre a necessidade ou não da implementação de cotas de

inclusão social, mas sim para ampliar a discussão sobre as práticas discriminatórias

que ensejam essa demanda nacional pela inserção dos afrodescendentes e

daqueles estudantes oriundos da rede pública de ensino.

Nesse sentido, é que almejamos o rompimento de paradigmas na educação

pátria, uma vez que esse ideal é movido pela latente injustiça vigente no nosso país.

Injustiça que é causada pelas desequiparações sociais, geradoras de uma pseudo-

cidadania e da manutenção do status quo para os mais desfavorecidos, fomentando

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a violência que devasta todos os segmentos sociais, e que assumem variadas

formas, tais como o desemprego generalizado e a alienação política e social. Com

esse propósito, incitamos a abertura de olhos para um novo horizonte, propondo,

dessa forma, uma nova visão de mundo para equacionar, da melhor forma possível,

a questão educacional, visto que ela é pedra angular ao desenvolvimento humano.

É imperioso ressaltar que, hodiernamente, da nossa sociedade, emergem

demandas por demais complexas para as quais, muitas vezes, e porque não dizer,

na maioria delas, o aparato político constitucional não tem previsão para solucioná-

las, como o são, nesse sentido, as Ações Afirmativas. Tais ações são pleiteadas por

diversas camadas da sociedade que, em nome do Princípio da Igualdade elastreadas pelos Direitos Humanos e Fundamentais, exigem uma posição de

efetividade e reconhecimento dessas em nome do fuzilamento das diversas formas e

manifestações de discriminações ora existentes.

A discussão contemporânea da possibilidade de uma abordagem multicultural

desses direitos, mais e mais caminha à aceitação da especificidade do indivíduo e

de certos grupos sociais que acabam corroborando na discussão do valor daigualdade nesse contexto.

O tema, pois, encerra muitas facetas e se apresenta pontualmente nos mais

diversos campos e situações já que muito se fala sobre o papel da ampliação dos

direitos desses sujeitos como forma de implementação de justiça social e da

democratização da sociedade. Ambicionando propiciar um estímulo ao debate dessa

intrigante questão, é que apresentaremos a presente dissertação em três distintosmomentos.

Num primeiro momento, primamos pela análise da problemática do Princípio da

Igualdade, sua evolução histórica no contexto pré-constitucional, sua

contextualização e as diferentes acepções desse instituto ora como valor, ora como

princípio e/ou como Direito Fundamental. Abordaremos ainda a diferenciação

contemporânea reconhecida entre Direitos Fundamentais e Direitos Humanos.

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Nessa seara dos Direitos Fundamentais, inúmeras serão as vezes em que nos

depararemos com o choque entre os mesmos, ou seja, estaremos diante de uma

verdadeira colisão destes, razão pela qual se fará pontual algumas observações a

respeito do surgimento desses direitos. Diante disso, não nos resta outra opção

senão a de buscar respaldo na lei escrita e no bojo do ordenamento máximo,

traduzido pela Constituição Federal. Assim posto, no momento posterior,

analisaremos, especificamente, o caso concreto da leitura constitucional da

igualdade, e seu principal desdobramento, qual seja sua acepção formal e material

objetivando-se, com isso, a suposta concretização dos ideais lançados pela nossa

Carta Constitucional.

Nesta linha, abordaremos, igualmente, a positivação do Princípio da Igualdade

na Constituição Brasileira de 1988, sob a ótica do Estado Democrático de Direito,

sua interpretação, as correlações a outros princípios basilares, como da

Proporcionalidade e Dignidade Humana, eis que compreendidos como motes de

efetivação e garantia do fiel cumprimento constitucional.

Ademais, nessa quadra, o presente trabalho se propõe a apresentar a íntima eindissociável vinculação do Princípio da Dignidade Humana com os Direitos

Fundamentais, como um dos postulados em que o constitucionalismo

contemporâneo fixa suas bases.

Nesse espectro de idéias, cumpre repisar a correlação inarredável e

permanente que se deve fazer entre os fundamentos constitucionais, os princípios,

citados acima, dentre outros, pois tais questões são os meios para  solucionar asnovas indagações e interpretações, não só do meio acadêmico, como também da

seara do espaço jurídico-político.

No mesmo ensejo, serão abordadas todas as conceituações necessárias para

a boa fluidez da compreensão da proposta. Assim, inolvidável, ainda, delinear e

ressaltar a intrincada questão que as discriminações nos colocam, uma vez que

dependendo da ótica pela qual se perpassa, elas poderão ser consideradas como

positivas ou negativas.

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Da mesma forma, demonstraremos alguns deslindes do Princípio da Igualdade

e de sua conseqüente discriminação no Direito Comparado, no intuito não de

explicar as raízes das discriminações, mas de revelar o momento político e

econômico.

E, por fim, é justamente no terceiro e derradeiro capítulo que a dissertação em

comento esmerar-se-á em demonstrar a conceituação das Ações Afirmativas,

trazendo ao lume um breve enquadramento histórico-temporal dessas, as

diferenciações entre raça e etnia e alguns dos motivos que ensejam o

estabelecimento de cotas como forma de inclusão social. Para tanto, analisaremos

alguns exemplos de instrumentos legislativos de efetivação dessas ações, tanto nocontexto interno, como no internacional.

Nessa conjuntura, trataremos  também a questão da educação, direito social

resguardado pela Constituição Federal, como instrumento do exercício de cidadania

e o conseqüente papel do Estado nesse âmbito. Ponderaremos, outrossim, a

diferenciação posta pela doutrina entre educação e ensino, muito embora nossa

Constituição faça uso dos dois atributos indistintamente.

Feito isso, nossa atenção voltar-se-á para a especificidade daquelas Ações

Afirmativas que pretendem incluir tanto os afrodescendentes como aqueles oriundos

da rede pública de ensino e a suposta afronta dessas ações ao Princípio da

Igualdade.

Por fim, tentaremos cotejar uma reflexão crítica dos argumentos daqueles quesão favoráveis às cotas, por elas se basearem na justiça compensatória, e aqueles

contrários que afirmam que tal intento fere o Princípio Constitucional da Igualdade.

Sopesando o que este trabalho objetiva, de forma primordial, o tratamento

doutrinário que permeia este tema, o método de abordagem a ser utilizado será,

fundamentalmente, o dedutivo, apresentado sob a forma de levantamento histórico e

crítico, delimitando-o espaço-temporalmente, o qual dará guarida aos

posicionamentos aqui expostos.

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Deixamos anotado, ao final, que o catálogo de obras utilizado no transcurso

dessa dissertação serve como norte da importância não só da fundamentação das

Ações Afirmativas, como também da necessidade do respeito ao Princípio

Constitucional da Igualdade.

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1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

1.1. Evolução Histórica do Princípio da Igualdade no contexto pré-

constitucional

Inicialmente, cumpre destacarmos que o Princípio da Igualdade é um dos

temas mais fecundos em se tratando do aspecto semântico, principiológico, social,

político e jurídico. Ao mesmo tempo, é possível reconhecer que ele não tem recebido

a devida dedicação compatível com sua importância dentro do nosso ordenamentoconstitucional pátrio, isto porque, na maioria das vezes, insiste-se em reduzir tal

interesse apenas quanto a constitucionalidade do trato desigual que as leis

concedem aos cidadãos, em função de determinadas situações que possam

apresentar resquícios de descumprimento do preceito fundamental de igualdade

formal, ou seja, naqueles casos em que há tão somente um flagrante desrespeito à

norma expressa.

No momento em que, de forma tão latente, vem a lume questão como essa,

passaremos a apresentar sua a evolução histórica numa visão anterior a

Constituição Federal de 1988. Por meio do processo de desenvolvimento histórico,

talvez possamos resgatar a vital importância do mesmo para uma compreensão

mais ampla e efetiva do verdadeiro significado do Princípio da Igualdade.

Em sua fase embrionária, a linha evolutiva do Princípio da Igualdade que, emtraços muito largos, se vem esboçando, recebe sua consagração nos períodos que

antecedem a própria vida de Cristo, uma vez que, já em 640 – 540 a. c, a igualdade

surgia como ideal no entendimento dos pitagóricos, como Sólon. Aqui, a temática da

igualdade em muito se entrelaçava a questões numéricas e matemáticas, em que a

Justiça, no papel daquela pitagórica, era composta de duas partes iguais e o número

de partes, igual ao valor numérico de cada uma.

No entanto, não é esse mote que nos revela o interesse demandado ao tema,

todavia, devemos relevar que, a partir dessa consideração, chegaremos a uma

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noção básica de justiça - no sentido de igualação de resultados – e da qual

passaremos a colacionar os ensinamentos, tais como os de Platão e Aristóteles,

dentre tantos outros filósofos patrocinadores da nossa própria história.

Devemos ressaltar o entendimento de Péricles e Tucídides (460 – 429 a. c)

que, pioneiramente, reconheceram o fato de que a igualdade já exigia que se desse

o mesmo tratamento nas relações estabelecidas entre os particulares e, igualmente,

abordavam a abolição da pobreza na vida pública e, inclusive, para surpresa de

muitos já previa a luta pelo acesso aos cargos de governos, etc.

Destarte, é a posição de Platão que mais se aproxima do sentido de igualdadecomo sinonímia de oportunidades, a partir do momento, em que ele entendeu

necessário conceder chances iguais às crianças tidas como virtuosas e talentosas,

no intuito de ultrapassarem as desigualdades sociais. Percebemos que, naquele

tempo, a expressão desigualdade social já era mencionada, sendo que o significado

de seu conteúdo é o que veremos no desdobramento desse trabalho, ademais,

analisaremos se ele coaduna-se ou não, com nossos entendimentos

contemporâneos.

Albuquerque1, parafraseando Platão, apresenta-nos com destacada didática

seu entendimento. Nesse sentido, são suas palavras

Platão vê na igualdade o fundamento da democracia, distinguindo nela doistipos – a igualdade absoluta e a igualdade proporcional. Aquela implica asmesmas oportunidades de acesso aos cargos públicos; esta o provimentono governo segundo (na proporção) dos méritos.

Nas leis , adverte que quando a igualdade é conferida a coisas desiguais, oresultado será o desigual, a menos que se aplique medida devida. E queexistem dois tipos de igualdade, os quais, embora idênticos no nome, sãofrequentemente opostos nos seus resultados práticos. Um, é determinadopela medida, peso e número. O outro dá a cada um segundo a naturezamerecida.Essas idéias de platão encontram-se, aliás, repetidas noutras obras suas.assim, na república  e no górgias, onde proclama, nomeadamente, que aigualdade de proporção deve observar-se acima de tudo. Ela é justiça.

Não obstante os aprendizados trazidos pela era platônica, o que se pode inferir

é que ensaios bastante próximos dos conceitos contemporâneos já circundavam a

1 ALBUQUERQUE, Martim. Da Igualdade - Introdução e Jurisprudência.Coimbra: Livraria Almedina,1993, p. 12.

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questão da igualdade nas suas mais diversas concepções. Além disso, o aspecto

democrático já manifestava seus primeiros passos no sentido de ocupar a relevância

de seu significado para a esfera jurídica, política e social.

Desse modo, num Estado de Direito, dentro do qual se procura esmiuçar a

significância da igualdade, torna-se imperioso trazer à baila este estudo evolutivo,

desde a concepção do mundo antigo até nossos dias, como uma forma de se

resgatar todas as dimensões pelas quais tal princípio planou. Sem, no entanto,

perder de vista, o reconhecimento de que as mais diversas nuances e peculiaridades

da igualdade somam-se, nesta trajetória histórica, e não substituem as já existentes.

Ainda seguindo este caminho histórico do sobredito princípio, podemos inferir

que, por um extenso período e, por vezes, ainda nos dias atuais, o significado de

igualdade é compreendido como antítese da desigualdade, não como princípio, mas

como um dos vieses que compõem a caracterização do conceito de discriminação.

Neste contexto, colacionamos a inteligência de outro jus-filósofo a respeito da

igualdade. São estudos trazidos por Albuquerque2 a respeito da compreensão deAristóteles (384 – 322 a.c.):

Todos opinam que a justiça é uma certa igualdade, e até certo pontocoincidem com os tratados filosóficos nos quais nos ocupamos de questõeséticas (pois dizem que a justiça é algo, que é relativo a certas pessoas eque deve haver igualdade para os iguais). De que coisas há igualdade e dequais desigualdades é algo que não deve deixar-se no olvido, pois encerraalguma dificuldade e implica uma filosofia política. Acaso alguém dirá queas magistraturas devem distribuir-se desigualmente, segundo asuperioridade em qualquer bem, se os cidadãos não diferem nada nasdemais coisas e são todos semelhantes, pois os quais são diferentes têmdistintos direitos e merecimentos. Todavia se isto é verdade, a cor, aestatura ou qualquer outra excelência será para os que possuem motivo deuma maior participação nos direitos políticos. É notória a falsidade disto, eevidencia-se nas outras ciências e faculdades [...]. Além disso, segundoaquele modo de argumentar, qualquer bem seria comparável com qualqueroutro, pois se o ter certa estatura é melhor, a estatura em geral poderiacompetir com a riqueza e com a liberdade. De modo que se um sedistingue em estatura mais que o outro em virtude, e a estatura em geralprevalece sobre a virtude, tudo será comparável, já que se tal quantidade ésuperior a tal outra, é claro que haverá outra que seja igual. Dado que istoé impossível, torna-se evidente que em questões é razoável não fundar-seem qualquer classe de desigualdade para aspirar às magistraturas. [...],Antes a pretensão às magistraturas deve fundar-se nas faculdades

2 Ibidem, p. 13.

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respeitantes à cidade” [...] Aristóteles, porém, defende a desigualdadenatural essencial dos homens, visto alguns serem capazes de sedeterminarem por um fim racional e outros não. Daí que a escravatura sejauma instituição natural, pois o escravo corresponde ao não racionalmentelivre de origem.

As considerações apresentadas lograrão reflexo na contextualização do

Princípio da Igualdade hodierno, sobretudo, quando adentrarmos, especificamente,

na questão das ações afirmativas e dos aspectos discriminatórios, uma vez que o

pensamento aristotélico, embora demandando séculos e séculos de distância da

nossa atual realidade, ou seja, da nossa concepção de igualdade contemporânea,

ocupa ainda lugar de relevância. As ponderações do pensador helênico se fazem

atuais devido à magnitude de seus ensinamentos e à correspondência com asdemandas da nossa sociedade no que tange a esta seara, assim como a estreita

compreensão, que os juristas e filósofos contemporâneos apresentam a respeito

desse contexto.

É, sem dúvida, possível, adaptar o pensamento supracitado a nossa realidade

e depreender desse ensinamento que, em verdade, uma norma pode desatender, ou

não, a igualdade, verificando-se, em cada caso, se há violação da igualdade notratamento dispensado. Ressaltamos, no entanto, que a mencionada análise deverá

ser feita diante de iguais circunstâncias, pois não encontraremos respaldo para tratá-

los em desigualdade de condições. Note-se que esse mesmo filósofo, em uma outra

abordagem, não deixa de reconhecer a existência de uma desigualdade natural-

essencial dos homens em razão de suas peculiaridades racionais.

Na seqüência, o prefalado autor3, baseado em Aristóteles, e a despeito de tal

assertiva relativa à desigualdade natural, procurou descrever, por meio de tópicos,

algumas de suas maiores proposições, quais sejam:

A) todos os homens são naturalmente iguais;B) a igualdade é essência da justiça;C) a igualdade pressupõe a comparação e não tem sentido entre coisasnão comparáveis;D) a igualdade obriga a tratar igualmente, o igual, desigualmente odesigual;E) a igualdade é a base da democracia;

3 Ibidem, p. 13.

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F) a igualdade não é necessariamente aritmética, podendo ( e devendo)em certos casos ser geométrica;G) a igualdade contém uma componente de adequação às situações eaos fins;H) a igualdade implica a participação das oportunidades.

Dispensada faz-se uma análise escorreita de tais proposições, visto que elas

comportam, em seu bojo normativo, nada mais do que aspectos que conseguem

reduzi-las a visão de igualdade, coadunada com a contemporaneidade do Princípio

da Igualdade consagrada no nosso ordenamento jurídico, tal como a igualdade ser

pressuposto da democracia, por exemplo. Ora, a igualdade não pode consistir

apenas no fato de ser indiferente aos outros seres por ela abrangidos, mas sim

considerada como norma jurídica, lei escrita, regra geral e uniforme, que sejaadequada às situações e às finalidades dos casos concretos, igualmente aplicável a

todos os indivíduos que convivem em uma determinada sociedade constituída.

O eco de semelhantes idéias repercute no encadeamento histórico, sendo que,

na idade média, a questão da igualdade recebeu um tratamento específico

correlacionando-a a Lei e o Privilégio . À lei caberia a qualificação de caráter genérico

e abstrato e, ao privilégio, o caráter pessoal e individual. Devemos reconhecertambém a importância do Contrato Social de R ousseau, que igualmente distingui a

lei como um ato voluntário do poder, eivado de um caráter de generalidade, portanto

coletivo e abstrato. Em síntese, a lei, em princípio, deve ser formal e,

substancialmente, geral e abstrata, sob pena de violar a igualdade cominada pela

 justiça.

Merece reflexão a síntese apresentada nesta mesma obra de Rousseau, no

que tange a igualdade do fim do mundo antigo, como o próprio autor 4  refere, até o

constitucionalismo da era setecentista:

A) conservou o acervo patrimonial anterior e desenvolveu-o, repetindo,inclusive, a lição de Aristóteles e Ulpiano;B) somou o ensino dos padres da igreja, que acentuaram a idéia deigualdade natural e inseriram a aequitas na justiça;C) tratou a respectiva temática em várias sedes – Direito Natural; Justiça e Direito; características ou essência da lei; da dispensa da lei...;  D) reconduziu-a, com a máxima clareza, às idéias de medida,ordem,adequação e proporcionalidade...;  

4 Ibidem, p. 14.

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E) ligou-a intimamente à universalidade da lei, negando por conseqüência,como regra, o preceito ou privilégio, o qual apenas é admissível a títuloexcepcional, com  justa causa , mas abrindo-se então em geral via indenizatória ;F) aceitou o princípio cerca aequalas equalia, et circa inequales servantur 

inequalia, ou seja, de forma a que o igual seja tratado igualmente edesigualmente o desigual de acordo com a equidade natural;G) definiu mecanismos processuais adequados para a defesa daigualdade. 

Nesse espectro de idéias, mesmo tratando-se de questões bastante

complexas, oriundas de um passado longínquo e, que para a devida compreensão

do fiel significado das mesmas, precisaríamos nos valer de um conhecimento muito

mais profundo da evolução histórica mundial principiológica, como o Princípio da

Igualdade, de onde é possível inferir que sua dimensão jurídica, independentementede seu tempo e época, deve pautar-se com as conexões políticas, econômicas e

sociais que hão de se realizar. Vejamos, por exemplo, o que preceitua a assertiva

“g”, supracitada, que reconhece a importância de definição, também nos dias atuais,

de mecanismos processuais que sejam aptos ao efetivo reconhecimento, concretude

e defesa da igualdade.

Considerando este contexto, devemos observar que o período Axial, ou seja, oeixo histórico delimitador da humanidade, caracterizado pelos anos entre 600 e 480

a.C, foi considerado como o marco de surgimento dos primeiros profetas de israel,

os quais foram enunciadores dos grandes princípios e instituidores das diretrizes

essenciais de vida que se prolongam até os dias atuais.

À luz dessa perspectiva histórica, colacionamos a vivaz compreensão de

Comparato5

a esse entendimento:

Foi durante o período axial da história, como se acaba de assinalar, quedespontou a idéia de uma igualdade essencial entre todos os homens. Masforam necessários vinte e cinco séculos para que a primeira organização aenglobar a quase-totalidade dos povos da terra proclamasse, na aberturade uma Declaração Universal de Direitos Humanos, que “todos os homensnascem livres e iguais em dignidade e direitos”. [...] Ora, essa convicção deque todos os seres humanos têm direito a ser igualmente respeitados pelosimples fato de sua humanidade, nasce vinculada a uma instituição socialde capital importância: a lei escrita, como regra geral e uniforme,

5 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos . 2ª ed. São Paulo: 2001,p. 12.

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igualmente aplicável a todos os indivíduos que vivem numa sociedadeorganizada.

Nessa personificação da idéia de evolução do Princípio da Igualdade e já

caminhando na busca do enquadramento deste na visão apresentada pela

Constituição Federal de 1988, faz-se pertinente repisarmos, em última análise, duas

fulcrais contribuições, sendo que a primeira nos é trazida pelo sobredito autor6.

Foi sobre esta concepção medieval de pessoa que se iniciou a elaboraçãodo Princípio da Igualdade essencial de todo ser humano, não obstante asdiferenças individuais e grupais, de ordem biológica ou cultural. E é essaigualdade essencial da pessoa que forma o núcleo do conceito universal dedireitos humanos. A expressão não é pleonástica, pois que se trata de

direitos comuns a toda a espécie humana, a todo homem enquantohomem, os quais, portanto, resultam da sua própria natureza, não sendomeras criações políticas.Desse fundamento, igual para todos os homens, os escolásticos ecanonistas medievais tiraram a conclusão lógica de que as leis contráriasao direito natural não teriam vigência ou força jurídica [...]

O segundo aporte é o de que os movimentos políticos, culturais e doutrinários

dos séculos xviii e xix, no que dizem respeito a igualdade, foram marcados pela

riquíssima contribuição patrimonial trazida por Rousseau que, aliás, foi reconhecido

como um dos grandes idealizadores e pilares de sustentação da vertente igualitária.

Por outro lado, nessa mesma ordem de digressão e para inaugurar o contexto

na seara do direito brasileiro, passaremos a reportar a existência de questões

igualmente relevantes no contexto antecessor a Constituição de 1988.

A historicidade nos revela que em 1824, mais precisamente com a Constituição

de 25 de março, a igualdade de todos perante a lei já fora declarada solenemente.Dita Constituição teve como marco essencial o fato de ter sido outorgada seis

décadas antes da formal abolição da escravatura. Essa Carta caracterizou-se,

sobretudo, por não reconhecer o condão de cidadania à população negra

escravizada. Exemplo típico dessa exclusão dava-se com relação aos direitos civis e

penais da população negra, os quais se resumiam nas seguintes situações: para fins

sucessórios, os negros escravizados não eram reconhecidos como sujeitos de

direitos; entretanto, quando a relação fosse pertinente a demandas de cunho penal,

6 Ibidem, p. 19 -20.

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o negro, sendo acusado, era pessoa, detentora de deveres e suscetível de

responsabilizamento, o que vem ao desencontro da afirmação realizada

anteriormente, de que a vítima negra era apenas “coisa”, não acobertada por

nenhuma proteção jurídica, quiçá humana.

Não obstante a isso, é justo reconhecermos que dita Carta inaugurou a

preocupação voltada, pioneiramente, à busca pela democracia. Ademais, esse

mesmo diploma traz consigo a característica de denotar-se liberalista, em especial,

quando se reportava ao rol dos direitos individuais e por ter adotado o critério

clássico da separação tripartite com relação à divisão dos Poderes.

Avançando rumo às abordagens evolucionistas, temos a Constituição de 1891

 – primeira republicana (embora promulgada somente depois de passados dois anos

da Proclamação da República) –, que, embora tenha ampliado a tutela dos direitos

civis e políticos, o fez em nome de uma parcela restrita da população, uma vez que

segregou desse direito à comunidade negra. Tal segregação deu-se sob a

 justificativa de que era pressuposto para o exercício do sufrágio universal a

exigência de que os cidadãos votantes fossem alfabetizados, e como se sabe emum país recentemente saído do processo de escravatura, dificilmente encontravam-

se negros alfabetizados e os que detinham este requisito, eram proibidos de divulgá-

lo.

A Carta de 1891 desfralda categoricamente as expressões Federação e 

República  e, no melhor sentido dessa última, correlato a esse nosso estudo,

compreendendo o enfrentamento e reconhecimento das desigualdadeshereditariamente absorvidas pelos contextos antecessores, bem assim as

diferenciações jurídicas tendentes ao status dos indivíduos da época, além de um

incremento na representatividade do povo por intermédio das ditas autoridades.

A propósito, nessa Carta, reconhecidamente republicana e federativa,

concederam-se grande destaque às garantias constitucionais que sequer haviam

constado na sua antecessora. Destacamos, nesse período, uma maior preocupação

com o alcance da igualdade formal, na qual os privilégios de uns em detrimento de

outros foram formalmente extintos. Destarte, do bojo desse ordenamento,

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despontaram vedações que visavam à proteção e à aniquilação da discriminação

racial e sexual.

O texto constitucional de 1934 destacou-se pela associação, feita pelo

legislador, do Princípio da Igualdade às formas discriminatórias que tinham como

escopo a questão da raça, além de pioneiramente apresentar punição ao

preconceito racial.

Nesse passo, trazemos à baila os ensinamentos de Bastos7 

Do ponto de vista histórico, a Constituição de 1934 não apresentarelevância. É, no fundo, um instrumento circunstancial que reflete osantagonismos, as aspirações e os conflitos da sociedade daquelemomento, mas que estava fadada a ter uma curta duração, abolida que foipelo de 1937.

Assim, vale lembrar que a Constituição de 1934 refletia fielmente o que

denotava o contexto político-social vigente à época, o qual assinalava o repúdio à

discriminação racial. Contudo, ressalvamos a antinomia dos preceitos por ela

apregoados, haja vista que prescrevia o ensino da eugenia – pureza racial emcontraposição aos cruzamentos raciais –, além de instituir demasiadamente a

restrição de critérios étnicos para a seleção dos imigrantes.

Nesse sentido, essa Constituição certamente concebe a melhor tentativa de

branqueamento da população brasileira que já se viu, gerando, nesse mesmo passo,

a certeza de ter sido a mais (disfarçada) racista de todos os tempos, quando, em seu

artigo 138, pontuava que era dever da União, dos Estados e dos Municípios –

municipalidade à época – promover a educação eugênica, isto é, desconsideração e

eliminação dos tidos “inferiores”, “segregados” e “degenerados”.

No despontar da Constituição de 1937, muito pouco há o que se asseverar em

termos de acréscimo ao estudo do Princípio da Igualdade. Deste novo ordenamento,

o que se pode extrair é que houve a conservação, mais precisamente em seu artigo

122, item 1, do Princípio da Igualdade perante a lei e a vedação ao voto para os

analfabetos e mendigos.

7 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 121.

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Cronologicamente, há ainda a Constituição de 1946, a qual ratificou o Princípio

da Igualdade consagrando-o, pela primeira vez, como princípio integrado ao rol dos

direitos individuais. Além de punir a discriminação racial, pontuava, em seu bojo

normativo, a vedação à distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e

convicções políticas. Ressaltamos, contudo, que ela não conseguiu prover-se de

normas aptas a debelar a discriminação política para os analfabetos que ainda

permanecera.

Nessa ordem de idéias, aduz a história constitucional que a Carta de 1946

reputou-se de grande valia porque foi pioneira em trazer à baila a adesão do Brasil à

Convenção da Organização Internacional do Trabalho - n.º111 -. Esta convençãocuidou de avalizar a discriminação como “toda distinção, exclusão ou preferência,

com base em raça, cor, sexo, religião, opinião pública, nacionalidade ou origem

social, que tenha o efeito de anular a igualdade de oportunidade ou de tratamento

em emprego ou profissão”.

Por fim, quanto as Cartas constitucionais datadas de 1967 e 1969,

asseveramos que, em ambas, tal qual a Carta de 1934, também houve umacorrelação estreita do Princípio da Igualdade à proibição de formas de discriminação

em razão da raça.

Mais especificamente com relação a Carta de 1967, surgem os primeiros

manifestos em prol da concretização da igualdade sob a acepção material

provocada pela constitucionalização da punição à discriminação de raça.

E, por fim, antecedendo nosso atual ordenamento constitucional, reputamos

relevante observar que Carta de 1969 dedicou-se apenas a reescrever o contido no

dispositivo da Constituição que a antecedera, ou seja, os dispositivos legais,

próprios, tanto de 1967 quanto de 1969, dispunham, em termos de conteúdo,

exatamente a mesma coisa.

Para melhor aclararmos tais declarações, exporemos, rapidamente, a citação

dos principais dispositivos jurídicos e suas respectivas Cartas pátrias, os quais

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contêm diferentes aflorações do Princípio da Igualdade, sendo este o aspecto que

agora importa revelar.

Podemos ordenar os artigos, quanto à igualdade, dos ordenamentos

constitucionais brasileiros passados em revista, de acordo com os ensinamentos de

Silva Júnior8:

O artigo 179, inciso XIII, da Constituição Política do Império do Brasil – 25 de

março de 1824, dispunha: “A lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e

recompensará em proporção dos merecimentos de cada um”.

Ressalvamos que, mesmo dispondo a respeito do princípio da isonomia e

propalando uma proteção atinente a igualdade, este ordenamento jurídico pioneiro

apresentava previsões legais que esfolavam a própria igualdade formal. Tal

constatação decorre do fato que, ao mesmo tempo, em que dava proteção e

prerrogativas a determinados indivíduos, o fazia com base na aferição de rendas ou

posses desses, ou ainda, vinculando-os ao cargo que exerciam.

Na seqüência, apontamos dois dispositivos da Constituição de 24 de fevereiro

de 1891, quais sejam:

Artigo 70, § 2º: Não podem alistar-se eleitores para as eleições federaes oupara as dos Estados:1º Os mendigos;2º Os analphabetos;Art. 72, § 2º Todos são iguaes perante a lei. A Republica não admiteprivilegio de nascimento, desconhece foros de nobreza, extingue as ordens

honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem comoos títulos nobiliarchicos e de conselho.

Vejamos, agora, os artigos 113, 121 e 138 da Constituição da República dos

Estados Unidos do Brasil, de 16 de junho de 1934:

Art. 113.1º todos são iguaes perante a lei. Não haverá privilégios, nem distincções,por motivo de nascimento, sexo, raça, profissiões proprias ou dos paes, classe social, riqueza, crenças religiosas ou ideas políticas.

8 SILVA JÚNIOR, Hédio. Direito de Igualdade Racial. Aspectos Constitucionais, Civis e Penais.Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 8 – 11. 

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Art.121

§ 6º A entrada de immigrantes no território nacional soffrerá as restricçõesnecessárias á garantia da integração ethnica e capacidade physica e civildo immigrante...

Art. 138. Incumbe á União, aos Estados e aos Municípios, nos termos dasleis respectivas:B) estimular a educação eugênica.

Em sede de complementação ao que foi referido acima sobre a Constituição de

1934, essa inovou quando, além de sustentar a igualdade perante a lei, coibiu as

seguintes formas de discriminação: por motivo de nascimento, sexo, raça, classe

social, crenças religiosas ou idéias políticas, etc., ressaltando “nesta Constituição, a

existência de incursões no sentido de proteger a diferença para lograr a igualdade”9. 

Entretanto, com esta constituição, a parcela de mendigos e analfabetos manteve-se

excluída do processo eleitoral, tal qual a Constituição antecessora, o que, em outras

palavras, significa dizer que houve a manutenção de uma discriminação política de

alta relevância.

Na seqüência, temos a Constituição promulgada em 10 de novembro de 1937 –

Constituição dos Estados Unidos do Brasil, que, em seu art. 122, 2, preceituava:

“Todos são iguais perante a lei”.

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946, por

sua vez, referia-se ao assunto no art. 141, § 1º, com a mesma disposição acima

mencionada.

Segundo o entendimento da Constituição do Brasil, de 24 de janeiro de 1967,

brevemente apresentada acima, trouxemos o conteúdo do artigo 150, § 1º, tendentea igualdade, o qual enuncia: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo,

raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será

punido pela lei”.

Por fim, antecedendo nossa atual Carta constitucional, ressaltamos o art. 153, §

1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 17 de outubro de 1969,

9 ATCHABAHIAN, Serge. Princípio da Igualdade e Ações Afirmativas . São Paulo: RCS Editora, 2004,p. 61.

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que preceituava: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça,

trabalho, credo religioso e convicções políticas. Será punido pela lei o preconceito de

raça”.

Nesta ordem de idéias, alguns outros apontamentos se fazem necessários, até

mesmo para que possamos estabelecer as semelhanças de intenções quando da

inserção de preceitos protetivos e o alcance de suas normas, bem como as

subseqüentes alterações ocorridas, em especial, porque vinculadas às

características socioeconômicas, políticas e culturais das épocas nas quais estes

ordenamentos foram instituídos.

Numa retomada, mister ressaltar que o artigo 179 da Constituição Imperial de

1824, cuja declaração fora acima referida, expressava à época um esteio de direitos

individuais e garantias que, nos seus alicerces, perpetuou-se nas constituições

posteriores.

Ainda, nesse período, embora alguns anos subseqüentes – 1889 –, novos

fatores determinantes de uma estruturação do Estado surgiram, quais sejam, ofederalismo  e a democracia , como caracterizadores de um regime político que

melhor assegurava os Direitos Humanos Fundamentais. 

É importante asseverar que, nas Constituições de 1934, 1967 e 1969, foi

preconizada, em relevante destaque, a proibição de discriminação por força da raça

e que, nas duas últimas, acrescentou-se a determinação de punição quando do

implemento de preconceito racial, já referido.

Observamos, ainda, que mesmo as Constituições flagrantemente militaristas

repudiavam o preceito racial, mas não demonstravam a certeza de efetivo combate a

esta infringência capital.

Realizados esses contornos embrionários a respeito da evolução histórica das

constituições antecessoras da atual Constituição, direcionados ao Princípio da

Igualdade e, reconhecendo seus conceitos e entendimentos plúrimos, além da

essência que se pode inferir dos atributos semânticos, é possível concluirmos que

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uma digressão histórica pode e deve ser reconhecida como de vital importância para

 justificar a razão desse trabalho. Tal revisão propicia uma capacidade ímpar de

aprendizado do processo de formação das normas constitucionais, visto que, pelo

estudo delas, percebemos as mudanças e o acompanhamento cambiante da

significância dos princípios em cada época e contexto.

De acordo com os objetivos traçados para a consecução deste trabalho,

passamos de imediato a apresentar a evolução do constitucionalismo, agora sob a

ótica contemporânea, em consonância com a constituição vigente.

1.2 A evolução do Constitucionalismo Contemporâneo e a Constituição de

1988.

Em busca do encaixilhamento do quadro do constitucionalismo moderno,

impomos, de antemão, a emolduração de uma definição do que seja a Constituição.

No entanto, segundo Bastos10:

Tentar oferecer um conceito de Constituição não é das tarefas mais fáceisde serem cumpridas, em razão de esse termo ser equívoco, é dizer,prestar-se a mais de um sentido. [...] Não se pode dar um conceito único,pois ela varia conforme a ótica a partir da qual se vai visualizá-la.

Desta forma, não podemos nos furtar de cotejar alguns conceitos, dentre os

inúmeros existentes, e, para tanto, demanda essencial reconhecer que os conceitos

escolhidos e reproduzidos são conceitos com conteúdos antagônicos entre si, masque, sobretudo, representam certa relevância à história da esfera constitucional.

Os conceitos foram extraídos da obra e dos ensinamentos de Bastos11, muito

embora esse autor denote interesse exclusivamente pelo conceito formal que será

reproduzido em primeira mão. Vejamos o que ele pontua, referindo-se ao conceito

formal de Constituição:

10 Ibidem, p. 41.11 Ibidem, p. 46.

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Constituição, neste sentido, seria um conjunto de normas legislativas quese distinguem das não constitucionais em razão de serem produzidas porum processo legislativo mais dificultoso, vale dizer, um processo formativomais árduo e solene. [...] Portanto, a Constituição formal não procuraapanhar a realidade do comportamento da sociedade [...] mas leva em

conta tão-somente a existência de um texto aprovado pela força soberanado Estado e que lhe confere a estrutura e define os direitos fundamentaisdos cidadãos. Essa é uma realidade eminentemente normativa, é umconjunto de normas jurídicas. Por serem normas, não descrevem a realmaneira de ser das coisas, mas sim instituem a maneira pela qual ascoisas devem ser.

Este conceito é importante, pois implica reconhecer a existência das normas

propriamente ditas, que dão vida e permitem identificar, com nitidez, que, agregada

a elas, existe uma concepção material, que demonstra o conteúdo, depreendido

dessas normas, traduzido pelo escopo da realidade comportamental da sociedade,

ou seja, conforme pondera Bastos12:

Podemos dizer que a Constituição material é o conjunto de forças políticas,econômicas, ideológicas etc. que conforma a realidade social dedeterminado Estado, configurando a sua particular maneira de ser. Emboramantenha relações com o ordenamento jurídico a ela aplicável, essarealidade com ele não se confunde. Ela é do universo do ser, e não dodever ser, do qual o direito faz parte. Ela se desvenda por meio de ciênciaspróprias, tais como a sociologia, a economia, a política, que formulam

regras ou princípios acerca do que existe, e não acerca do que deve existir,como se dá com o direito. 

A definição contida nesse conceito traduz a idéia de que a Constituição, sob

seu manto material, caracteriza-se precipuamente pelo fato de que, nela, o que

demonstra efetivo interesse são as relações, os aspectos fáticos, o objeto, a matéria,

o conteúdo do poder emanado das relações sociais, ou seja, as forças reais que

comandam um determinado país. 

Nesse sentido, convém observar que inúmeros serão os aspectos formadores

desse conceito material, os quais variarão de acordo com a época, o contexto e a

localização territorial dos detentores dessa tarefa conceitual. Por exemplo, em uma

nação de imposição soberana, podemos dizer que o conceito constitucional estará

vinculado a uma questão de pacto entre rei e súditos, pacto esse que estabelecerá

os princípios fulcrais da legislação e da forma de governo reinante nesse país.

12 Ibidem, p. 43.

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Na atualidade, sem embargo, temos que o constitucionalismo coevo, na órbita

internacional, teve como alvo de arrancada as constituições americana de 1787 e

francesa de 1793, as quais erigiram a igualdade em princípio jurídico-político.

Citamos, como exemplo característico desse contexto, a Constituição americana que

consagrava textos básicos de constitucionalidade da igualdade.

A Constituição tem alma de Direito e forma de Lei, formulando-se como seu

coração — órgão dominante e diretor de suas ações — os Direitos Fundamentais do

homem. Direitos Fundamentais em duplo sentido jurídico: de um lado, são eles

essenciais aos homens em sua vivência com os outros, fundando-se neles, em seu

respeito e acatamento, as relações de uns com os outros homens e com o próprioEstado; de outro lado, eles fornecem os fundamentos da organização estatal, dando

as bases sobre as quais as ações da entidade estatal se desenvolvem, em cujos

limites se legitimam (determinantes de limites negativos) e para a concretização dos

quais se determinam comportamentos positivos do Estado (determinantes

positivos)13.

Nesse contexto, pontua Hesse14, “a Constituição jurídica está condicionadapela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade concreta de seu

tempo”. Vejamos, como exemplo, que ao nos depararmos com uma realidade de

governo republicano, conforme assevera Lassalle15, teremos que a Constituição é

“uma lei fundamental proclamada pela nação, na qual baseia-se a organização do

Direito público do país”.

O pesquisador acentua16

,

Uma Constituição [...] necessita de aprovação legislativa, isto é, tem queser também lei [...] Estas, fazem com que a Constituição seja mais do quesimples lei [...] uma Constituição deve ser qualquer coisa de mais sagrado,de mais firme e de mais imóvel que uma lei comum [...] sendo a

13 ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. O constitucionalismo contemporâneo e a instrumentalização paraa eficácia dos direitos fundamentais. Disponível em:<http://www.gl.gov,br/revista/numero3/artigo10.htm. Acesso em: 21 out. 200514 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição . Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. PortoAlegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 25. 15 LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Prefácio de Aurélio Wander Bastos. 3ª ed. Riode Janeiro: Editora Líber Júris, 1995, p. 24.16 LASSALLE, Ibidem, p. 26 - 29.

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Constituição a lei fundamental de uma nação, será [...] qualquer coisa quelogo poderemos definir e esclarecer, ou como já vimos, uma força ativa quefaz, por uma exigência da necessidade, que todas as outras leis einstituições jurídicas vigentes no país sejam o que realmente são.

À medida que a sociedade se tornou mais tensa e conflitiva, pluralista portanto,

em face da velocidade das transformações sociais e econômicas, foi se inaugurando

uma nova fase do direito constitucional moderno, em que não mais se encontram

respostas prévias a toda a demanda exigida, criando-se, assim, uma lacuna na

forma de aplicação das normas constitucionais, tal qual foram concebidas para

solubilidade desses conflitos.

A "pós-modernidade" constitucional, expressão empregada no discurso jurídico,

não se distancia demasiado, aqui, do sentido que lhe é outorgado na obra de

Lyotard, colhida por Rocha17, que se referia a uma mudança dos paradigmas

culturais, determinada e determinante de uma transformação social.

Segundo o entendimento de Canotilho18 

No Brasil, o direito constitucional está hoje numa fase de grande pujança,oferecendo os manuais de direito constitucional uma visão plurifacetadados problemas jurídicos e políticos brasileiros. Desde obras com grandeacentuação teorética em torno dos problemas da constituição às obrasgerais de carácter mais institucionalista, os manuais mais conhecidosoferecem uma exposição global dos problemas do estado e suaorganização, da constituição e dos direitos fundamentais.

Existe, no constitucionalismo pátrio, a fidúcia de que vivemos um momento de

transformação na seara constitucionalista, isto porque o modelo que marcou o

constitucionalismo do século XVIII não pode ser reconhecido como o mesmo dos

arcabouços constitucionais contemporâneos.

Não obstante, devemos reconhecer, do mesmo modo, que muitos dos

tradicionais traços daquele apresentam-se, ainda, sucessivamente, afiançados e que

as discussões que permeiam esse novo modelo sofrem invariavelmente reflexos do

mesmo. Para uns, ele já se encontra ultrapassado, para outros, apenas está

dissociado das atuais demandas sociais.

17 Ibidem.18 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed.Coimbra: Almedina, 2003, p. 24. 

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Da mesma forma, é importante colacionarmos o entendimento de Bonavides19,

As Constituições são como as dinastias: têm as suas linhagens. De tal

sorte que seus troncos se ramificam por distintos Estados no tempo e noespaço. Conservam um parentesco, quase sempre de caráter ideológicocomum, que faz levantar do solo político, onde deitam as suas raízes, aárvore constitucional da liberdade e das competências dos podereslimitados.

Molde de tal exposição, e, numa retomada ao tópico anterior, é o fato de que a

Carta brasileira de Getúlio Vargas, Constituição do Estado Novo – 1937 -, imprimiu

uma orientação corporativista, ou seja, da prevalência dos interesses de grupo em

detrimento dos interesses gerais, que perdura até hoje.

Necessário se faz observar que, embora, o contexto apresentado nesse tópico

seja a busca da contemporaneidade do Constitucionalismo, inevitável e justificável o

porquê da permanente retomada da digressão histórica anteriormente apresentada,

razão pela qual, este entrelace, é indissociável.

Igualmente, repensar a constituição coadunada com a contemporaneidade da

nossa sociedade, levando-se em conta a influência dessa proposta, tanto para o

próprio direito constitucional, quanto para as relações entre particulares, e deles com

o Estado, é uma árdua tarefa, que não há como deixar passar in albis a presença,

cada vez mais forte, dos Direitos Humanos e Fundamentais nesse processo.

Lassale20, em sua conferência sobre a essência da Constituição, proferida em

12 de abril de 1862, nos enriquece o conhecimento quando pontua:

Segundo sua tese fundamental, questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões políticas. É que a constituição de um paísexpressa as relações de poder nele dominantes: o poder militar,representado pelas Forças Armadas, o poder social, representado peloslatifundiários, o poder econômico, representado pela grande indústria epelo grande capital, e, finalmente, ainda que não se equipare ao significadodos demais, o poder intelectual, representado pela consciência e pelacultura gerais. As relações fáticas resultantes da conjugação dessesfatores constituem a força ativa determinante das leis e das instituições dasociedade [...] a correlação de forças que resulta dos fatores reais do

19 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Jurisdição Constitucional e intranqüilidade discursiva. In: MIRANDA, Jorge (Org.). Perspectivas constitucionais nos 20 anos da Constituição de 1976. Coimbra:Coimbra Editora, 1996, p. 49. 20 LASSALLE apud HESSE, Ibidem, p. 9.

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poder; Esses [...] formam a Constituição real  do país. Esse documentochamado Constituição – a Constituição jurídica  – não passa, nas palavrasde Lassalle, de um pedaço de papel.

No dizer de Hesse21

, “questões constitucionais não são, originariamente,questões jurídicas, mas sim questões políticas” Diante desta premissa, podemos

perceber que ambos os doutrinadores traçam a distinção entre os aspectos reais e

os jurídicos dos arcabouços constitucionais no sentido de que a Constituição jurídica

deve estar limitada à sua compatibilidade com a Constituição real, vez que a

formação da primeira, conforme esposado acima, nada mais é do que a expressão

das relações fáticas conjugadas, de tal sorte, caracterizando os fatores reais do

poder.

Ainda segundo o estudioso22,

Constituição real e a Constituição jurídica estão em uma relação decoordenação. Elas condicionam-se mutuamente, mas não dependem, purae simplesmente, uma da outra. Ainda que não de forma absoluta, aConstituição jurídica tem significado próprio.

Nas palavras de Hesse23

,

Se as normas constitucionais nada mais expressam do que as relaçõesfáticas altamente mutáveis, não há como deixar de reconhecer que aciência da Constituição jurídica constitui uma ciência jurídica na ausênciado direito, não lhes restando outra função senão a de constatar e comentaros fatos criados pela Realpolitik .

De outro lado, é bem verdade que, entre alguns juristas e renomados

conhecedores da questão constitucional, como Kelsen e Lassalle, não há um

consenso no que tange a lei fundamental, por isso valemo-nos das palavras de

Kelsen, citadas por Bastos24, na obra de Lassalle

Muito embora, na posição Kelsiniana, a Norma Fundamental adquiracontornos teóricos mais amplos, ao contrário de Lassalle, ele não aconfunde com a própria Constituição, enquanto norma juridicamentesuperior. Para Kelsen, a Norma Fundamental é um pressuposto queantecede à própria ordem jurídica que dela deriva, mas dela não é parte.

21 Ibidem, p. 922 Ibidem, p. 1523 Ibidem, p. 1124 BASTOS, Aurélio Wander apud LASSALLE, Ibidem, p.15.

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Em resumo, refere Bastos25, com um tom de crítica a Lassalle,

[...] exceto nas suas explícitas opiniões sobre a necessidade de se

desarticular os fundamentos de força da Constituição real, ele não definecomo se construiria, como se organizaria um Estado de novo tipo, ou umaordem jurídica democrática alternativa [...] um clássico doconstitucionalismo que desconhece a importância do Direito comoinstrumento de organização social e, ao mesmo tempo, escrevendo sobre oque é uma Constituição, ensina exatamente o que não deve ser a essênciade uma Constituição.

Nesta linha de pensamento, não de modo fortuito, acentuamos, cada vez mais,

o debate sobre a centralidade da presença do ser humano nessa ceifa

constitucional, de tal sorte que é preciso chamar a atenção para a necessidade de

estudarmos o direito positivo incondicionalmente pela sua dimensão histórica,

recusando o prosseguimento das análises ditas objetivas no que tange aos

elementos normativos. Assim posto, equivale dizer que devem ser refutadas aquelas

análises que desconhecem e repudiam o papel desempenhado pelas leis e códigos

no advento da formação social, assim como as que desconhecem, igualmente, a

importância dos aspectos socioeconômicos para a positivação do direito.

A partir do que foi exposto, utilizamo-nos da compreensão de Morais26 

Assim, de que adianta retomar o tema dos direitos humanos, e suaimplementação a partir de uma estratégia constitucional e de hermenêuticade suas disposições, para consolidarmos ampliarmos o seu catálogo, osmecanismos procedimentais e as instâncias de proteção dos mesmos se,diante do atual quadro de crise  das instituições públicas – crise do espaçopúblico, da democracia, do Estado enquanto tal e até mesmo de suafórmula privilegiada de organização pactuada, ou seja, o constitucionalismo,etc – as instâncias de regulação social, como é o caso do direito, estão seenfraquecendo, ou pior desaparecendo [...]

Isso posto, torna-se conveniente destacarmos a importância de sopesarmos

doutrinariamente a implementação e a conceitualização dos ditos Direitos Humanos

frente às transformações jurídico-sociais do Estado e ao constitucionalismo

moderno. Ao mesmo tempo, convém que aprofundemos a noção de igualdade,

assim como todos os grandes valores fundamentais citados acima, uma vez que

25 BASTOS apud LASSALE, ibidem, p.16.26 MORAIS, José Luis Bolzan de. Direitos Humanos “Globais (Universais)” de todos, em todos oslugares! In:  PIOVESAN, Flávia. (Coord.). Direitos Humanos, globalização econômica e integração regional: desafios do direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 533.

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todo este contexto dirige-se ao desenvolvimento ético-social da comunidade

humana.

Com o termo igualdade temos pretendido ressaltar fatos reais ou meras

esperanças, verdades da natureza ou códigos intrigantes, bem como explicações

lógicas da condição humana.

Avançando no processo histórico, verificamos que a atual Constituição Federal,

promulgada em 1988, infiltra-se na contemporaneidade constitucional, uma vez que,

no bojo de seu ordenamento, encontramos iguais elementos históricos da idéia

central na formulação de direitos e princípios que remontam a Antigüidade.

Na seqüência, vejamos o que preleciona Barbosa Gomes27, quando arrosta a

despeito da constitucionalidade das ações afirmativas no Direito Constitucional

Contemporâneo:

No plano estritamente jurídico (que se subordina, a nosso sentir, à tomadade consciência assinalada nas linhas anteriores), o Direito Constitucional

vigente no Brasil, é perfeitamente compatível com o princípio da açãoafirmativa. Melhor dizendo, o Direito brasileiro já contempla algumasmodalidades de ação afirmativa, inclusive em sede constitucional.Ainda: Assim, à luz desta respeitável doutrina, pode-se concluir que oDireito Constitucional brasileiro abriga, não somente o princípio e asmodalidades implícitas e explícitas de ação afirmativa a que já fizemosalusão, mas também as que emanam dos tratados internacionais deDireitos Humanos assinados pelo nosso país".

Reconhecemos, aqui, que o Direito Constitucional, nos moldes apresentados

pela contemporaneidade, admite não só a existência de políticas afirmativas, mas,

sobretudo, demonstra a necessidade da análise, do aprofundamento e do estudo

minucioso desta questão. Tratando-se de tema intrinsecamente ligado ao Princípio

da Igualdade, reportamo-nos ao estudo de seu objeto primeiro que é, no nosso

entender, a desequiparação social, política e econômica, bem como todas as formas

de discriminação e segregação.

27 BARBOSA GOMES, Joaquim. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: O direito como instrumento de transformação social . Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2000, P. 15.

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Desse modo, não podemos deixar de trazer à baila a questão do

constitucionalismo comunitário impregnado na nossa Carta Magna e, igualmente,

reconhecer sua importância para com o estabelecimento de novos paradigmas. Por

meio de uma leitura atenta da obra de Cittadino28, podemos destacar alguns pontos

relevantes e caracterizadores do caráter comunitário na seara constitucional,

partindo em princípio da ousada tentativa de definir (de forma bem simplista) o

comunitarismo, isto é, a busca de uma sociedade justa e uma estrutura normativa

que lhe seja adequada.

Vejamos, a seguir, reservas apontadas na obra da sobredita autora:

1) A Constituição Federal de 1988 converteu todos os direitos daDeclaração da ONU em direitos legais no Brasil, bem como instituiu umasérie de mecanismos para assegurar-lhe eficácia, sendo a principalreferência desta linguagem dos direitos;2) Ao deliberar sobre a caracterização e denominação do nosso EstadoBrasileiro, o fez como Estado Democrático de Direito, destacando comodeterminantes fulcrais a cidadania, a dignidade da pessoa humana e opluralismo político, todos previstos no art. 1º, incisos I, III e V, e, ainda, emseu artigo 3º estabelece os objetivos fundamentais do Estado brasileiro;3) Converteu-se, o sistema de direitos fundamentais, na essência

primeira do ordenamento constitucional brasileiro;4) Pretenderam os constitucionalistas participar do processo dereconstrução do Estado de Direito e também procuraram dar umfundamento ético à nova ordem constitucional brasileira, tomando-a comouma estrutura normativa que incorpora os valores de uma comunidadehistórica concreta;5) Ao abraçar o ideário comunitário e batalhar por sua inclusão noordenamento constitucional do país, os "constitucionalistas comunitários"brasileiros se submergem no debate acerca de como é possível adaptaruma sociedade justa a uma estrutura normativa a ela adequada;6) Por fim, ao estabelecer os fundamentos e objetivos do EstadoDemocrático de Direito, citados anteriormente, privilegiando, tanto numcomo noutro, a dignidade da pessoa humana, determinados princípios

foram positivamente incorporados na Constituição. Isto é, oreconhecimento do que denominamos normas-princípio criadas peloconstituinte. Os princípios são considerados “mandamentos nucleares deum sistema” ou “ordenações que se irradiam e imantam os sistemas denormas”.

Salientamos que o Direito Constitucional é um dos ramos do Direito de maior

relevância no domínio dos Direitos Humanos. Destacamos também que ele está em

consonância com os princípios da igualdade, da liberdade, da dignidade humana,

etc, tendo em vista não só o fato que se encontra umbilicalmente ligado às28 CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva: Elementos da Filosofia Constitucional Contemporânea. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2000, p. 44.

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transformações do homem e do mundo, mas também por servir de parâmetro crítico

a todos os regulamentos e ordenamentos jurídicos. Dessa forma, focaliza variadas

reflexões acerca da eficácia social das normas constitucionais de direitos

fundamentais, desde o seu surgimento até os dias atuais.

Esse mesmo Direito Constitucional Contemporâneo, que se vem festejando,

põe-se no turbilhão das mutações e oferece-se ao destino das transformações dos

homens, desde que não se perca o seu centro e a sua razão maior: o valor homem e

os valores dos homens. Razão esta que não se pode abandonar, eis que os

objetivos devem ser persistentes, sempre no sentido de se traçar novos caminhos,

(leal aos quais se persiste a buscá-los no traçado dos sobreditos caminhos),seguindo-se as novas vertentes.

Por assim dizer, é imperioso reconhecer que todos esses fatores parecem

convergir para o crescimento da eficácia dos Direitos Humanos e o fomento da

questão da igualdade como um dos valores mais importantes da sociedade de

nosso tempo. Todavia, ainda nos faltam legisladores e operadores do direito que

reconheçam e harmonizem a eficaciabilidade dos Direitos Humanos com a essênciaplúrima da nossa sociedade moderna e que venham a reservar à igualdade o lugar

de destaque nessa escala de valores.

Vejamos a contribuição de Morais29:

[...] por fim, no caso brasileiro, é preciso que se busque, até mesmo pelaexperiência histórica, instrumentalizar os operadores jurídicos com os

meios necessários para uma prática comprometida com a eficácia dosdireitos humanos, especialmente a partir da promulgação da Carta Magnade 1988, que se assenta, fundamentalmente, na salvaguarda dos direitos egarantias fundamentais, na esteira, diga-se, do constitucionalismo contemporâneo , estruturado sob a opção do Estado Democrático de Direito. 

Por fim, reconhecer a necessidade de preservação da Constituição, mesmo

diante das transformações constitucionais que se impõem, é reconhecer,

igualmente, a relevante necessidade de preservação dos Direitos Humanos e dos

princípios constitucionais. Esta prerrogativa demanda que sejam designados

29 Ibidem, p. 533.

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instrumentos por meio dos quais consigamos garantir a concretude da igualdade e

da dignidade da pessoa humana, conjuntamente com o respeito à diversidade sócio-

cultural que se depreende da contemporânea sociedade pluralista em que vivemos.

Feitas as contextualizações preliminares a respeito do tema, foi necessário, para

a boa fluidez da proposta e até por uma questão de fechamento cronológico, trazer ao

lume, igualmente, o enfoque da Constituição de 1988 nessa conjuntura constitucional.

Em outras palavras, faz-se relevante esta digressão para que não só os dados

anteriores, mas também os vindouros não fiquem soltos e dissociados do contexto do

trabalho.

Nesse viés, observe-se, inicialmente, que, na nossa atual Carta Constitucional, a

igualdade está presente em vários dispositivos, de forma explícita e implícita, sem ser

exaustiva em um determinado artigo, às vezes igualando e, em outras, desigualando,

sempre com o escopo de se alcançar a igualdade materialmente falando. Dessa

maneira, colacionamos o entendimento de Bastos30,

Diferentemente das Constituições anteriores, a atual redação, ao nãoespecificar quais os critérios vedados, deixa certo que o caráterinconstitucional da discriminação não repousa tão-somente no critérioescolhido, mas na falta de correlação lógica entre aquele critério e umafinalidade ou valor encampado quer expressa ou implicitamente noordenamento jurídico, quer ainda na consciência coletiva.

Nessa hodierna Constituição, diferentemente das anteriores, nota-se a

valorização do Princípio da Igualdade, tendo em vista que, atualmente, os direitos

individuais são tratados em capítulos específicos, além de estarem elencados no

início da Carta Maior.

Ademais, temos ainda o inciso LXXVII, § 2º, do artigo 5º, da Constituição

Federal, o qual preceitua que os direitos e as garantias expressos nesta Constituição

não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos

tratados internacionais que a República Federativa do Brasil seja parte.

30 Ibidem, p.190.

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Em verdade, quis o legislador, com esse dispositivo legal, manter sempre

presente a imperiosa necessidade de que devem ser observados tratados e

convenções de que o Brasil seja signatário quando estivermos diante de questões

de regime, princípios e Direitos Humanos por eles adotados.

Faz-se ainda oportuno destacar a existência formal da proteção de garantia e

vigência de ditos tratados apresentados na Constituição, comprovando-se isso pelas

previsões expressas, constantes no mesmo ordenamento, no que tange a

constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos mesmos, tanto pelo STF31, quanto

pelo STJ32.

Igualmente, há que se reconhecer que os tratados internacionais, em termos de

hierarquia constitucional, ocupam o mesmo pódio das emendas constitucionais. Esta

equiparação ocorre desde que respeitados os requisitos para tanto, com a

aprovação, em dois turnos, em cada uma das Casas do Congresso, por três quintos

dos votos dos respectivos membros e que, no seu conteúdo se destaquem inúmeros

instrumentos jurídicos antidiscriminatórios, de suma relevância.

Bastos33 nos brinda com uma compreensão de fulcral importância quando da

aplicação dos dispositivos legais da Carta referencial, qual seja, a Constituição

Federal. O estudioso pondera:

É fundamental, pois, que se tenha uma compreensão do seu todo. Nenhumdispositivo constitucional deve ser examinado isoladamente. É que asolução para determinado caso concreto nem sempre se encontra em umúnico artigo; no mais das vezes resolve-se por outras regras, isso sem falar

nos princípios. [...] os princípios constitucionais são aqueles que guardamos valores fundamentais da ordem jurídica. Isso só é possível na medidaem que estes não objetivam regular situações específicas, mas simdesejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico. Alcançam osprincípios essa meta à proporção que perdem o seu caráter de prisão deconteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, elesascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre umaárea muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos.

31 Ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar, mediante Recurso Especial, causasdecididas em única ou última instância, quando a decisão contrariar ou negar vigência aos tratadosinternacionais, ou a lei federal (art. 102, III, b, da CF de 1988).32 Ao Supremo Tribunal de Justiça compete processar e julgar, mediante Recurso Especial, causasdecididas em única ou última instância, quando a decisão contrariar ou negar vigência aos tratadosinternacionais, ou à lei federal (art. 105, III, a, da CF de 1988).33 Ibidem, p. 161.

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Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha como forçavalorizativa a espraiar-se por cima de um sem-número de outras normas.O reflexo mais imediato disso [...] sem eles a Constituição se pareceriamais com um aglomerado de normas que só teriam em comum o fato deestarem juntas no mesmo diploma jurídico, do que com um todo

sistemático e congruente. [...] por mais que certas normas constitucionaisdemonstrem estar em contradição, essa aparente contradição deve serminimizada pela força catalizadora dos princípios.

Nessa seara, portanto, precisamos entender a importância que esses institutos

encerram, eis que eles constituem-se em verdadeiras bússolas de concretização do

intérprete do direito. Assim, em outras palavras, podemos dizer que os princípios do

ordenamento jurídico são aqueles que contêm os valores fundamentais da

Constituição.

Retomando a idéia nuclear do tema, é imprescindível colacionarmos a idéia

trazida por Silva Júnior34:

[...] a Carta de 1988 reflete com fidelidade o esforço feito pelo movimentonegro no sentido de pautar a temática da igualdade racial na agenda doEstado brasileiro [...] podemos afirmar que, ao disciplinar a matéria daviolação de direitos fundada em atributos da pessoa, notadamente no quediz respeito à raça e/ou cor, o constituinte de 1988 incorreu empropriedades semânticas que dificultam uma apreensão satisfatória dotema.

Convém assinalarmos que esse será um breve comentário que trará as linhas

iniciais do que, efetivamente, será analisado, com o devido aprofundamento, quando

adentrarmos no capítulo específico da igualdade em relação às questões étnicas e

educacionais. No entanto, não podemos nos furtar de reconhecer a sensatez e o

prestígio deduzido dos ensinamentos do referido autor, no que tange a problemática

da igualdade, que encerra não somente fatores pertinentes à cor, mas também e,sobretudo, à raça, à discriminação, à (des)equiparação salarial, empregatícia, social,

educacional, dentre outros.

Assim, é forçoso repisar que o uso da linguagem comum é imprescindível para

a formação do alicerce da linguagem constitucional no que tange à concretude

igualitária. Diante disto não podermos ficar adstritos somente ao sentido técnico, o

qual, por vezes, deixa a desejar o objetivo buscado pelo legislador podendo

34 Ibidem, p. 11.

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caracterizar uma impropriedade semântica, que distorce e confunde a real

compreensão da questão posta em tela.

Apresentada essa crítica, inicial e pertinente, prosseguimos, à guisa de

contribuição, pontuando que a Constituição da República Federativa do Brasil, em

seu artigo 208, dispõe que é dever do Estado promover a educação, significando

dizer que lhe cabe o dever de propiciar e efetivar a educação, segundo o que

preceitua esse mesmo dispositivo, em seu inciso V: “acesso aos níveis mais

elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de

cada um”.

Leciona Gal, nesse sentido35 

O direito à educação faz-se um direito de todos, porque a educação já nãoé um processo de especialização de alguns para certas funções nasociedade, mas a formação de cada um e de todos para a sua contribuiçãoà sociedade nacional, que quer construir com a modificação do tipo detrabalho e do tipo de relações humanas. 

Indubitavelmente, o direito à educação ultrapassa a correlação estreita de seuconceito em relação ao primado da igualdade e, nesse sentido, podemos asseverar

que o autor citado quis, em verdade, ressaltar a imperiosa necessidade de se

manter sempre viva a obrigatoriedade de fomento à educação. Tal fomento,

contudo, não deve considerar a educação como um privilégio a poucos, mas, e

fundamentalmente, como direito irrestrito e universal, além do que é impossível

entrarmos na seara de estudo de qualquer que seja o Direito Fundamental ou

princípio regente de um Estado Democrático de Direito, que se infere, sem que seja

ofertada a dignidade mínima de acesso educacional. Falar em Direitos

Fundamentais, cidadania, dignidade e igualdade sem o implemento da oportunidade

educacional a todos, como um direito que é indisponível, é negar sobremaneira todo

e qualquer direito básico do cidadão, enquanto pessoa.

35 GAL, José Carlos. Linhas Mestras da Constituição Federal de 1988 , São Paulo: Saraiva, 1988, p.60.

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O doutrinador avança em suas considerações, completando36:

Uma análise mais profunda mostra, no entanto, que parte extremamente

importante das desigualdades na distribuição dos rendimentos, nasociedade moderna deriva não do fato de o patrimônio ser distribuídodesigualmente, mas do fato de que alguns gozam da felicidade de teracesso ao ensino e outros não. Aqueles que têm a oportunidade de acessoao ensino conseguiram instrumentalizar-se de tal forma, que constroemuma diferencial de rentabilidade que perdura por toda a vida. É evidente,em estudos empíricos muito cuidadosos, que parte extremamenteimportante da desigualdade na distribuição de rendimentos é devido aonível de escolaridade e à diferença da taxa de retorno da educação, maisdo que qualquer outra variável.

Diante do exposto, cumpre-nos apenas ratificar a ligação estreita que há entre

a demanda da procura pela igualdade e a necessidade de suporte educacional a

todos os indivíduos e que a Constituição Federal de 1988, tal qual fora posta,

corrobora nesse sentido, e apresenta diversos fundamentos legais37.

Inferimos que a Constituição hodierna, que nos rege como ordenamento

superior, constitui-se, sobretudo, como um instrumento de suma relevância para o

Constitucionalismo Contemporâneo que inaugurou esse capítulo.

Sendo assim, passamos a reconhecer o direito constitucional como corolário

dos Direitos Humanos, tendo em vista que ele se encontra intimamente atrelado às

transformações do homem, do modelo estatal e, principalmente, do

constitucionalismo. Por essa razão, tornou-se igualmente relevante rabiscar em

36 Ibidem, p. 60.37 Artigo 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados eMunicípios, e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem comofundamentos:[...];II - cidadania;III - dignidade da pessoa humana;Artigo 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;[...];III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outrasformas de discriminação.Artigo 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintesprincípios:[...];II - prevalência dos direitos humanos;[...];VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

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torno do Constitucionalismo Contemporâneo adstrito ao modelo de Estado

Democrático de Direito e o papel fundamental desse para a consolidação dos elos

sociais na eficácia constitucional.

Nesse sentido, a definição do papel da Constituição conformada com as

transformações que permeiam a realidade sócio-econômico-política da sociedade

pluralista será capaz de influir sobre a práxis jurídica e, por maior impacto que uma

nova acepção constitucional possa causar, ela ainda será incapaz de premeditar

todas as normas constitucionais que abarquem a solubilidade dos conflitos

contemporâneos. Mas, uma coisa será certa, esse novo paradigma, ao menos,

servirá como instrumento de fomento à eficácia dos direitos humanos, além de quecontribuirá, igualmente, como porta de entrada para novas propostas de reformas

constitucionais que zelem por preservação e ampliação desses objetivos

comunitários/justos.

Podemos citar, como exemplo peremptório de ratificação do esposado acima,

que a Constituição de 1988 foi concebida completamente diferente das demais, em

especial, porque delimitou, com propriedade, um capítulo destinado a princípiosfundamentais; outro, aos direitos e garantias fundamentais – abrangendo direitos

sociais, individuais, coletivos, sociais, etc –; à organização estatal; à organização da

divisão dos poderes, prestigiando o respeito a trilogia clássica do Executivo,

Legislativo e Judiciário; à defesa do Estado; à ordem e instituições democráticas,

dentre outros.

A íntima, escorreita e indissociável vinculação dos aspectos formais e materiaisdas Constituições, em especial, da nossa Carta, com os Direitos Fundamentais e

Humanos, compõe, atualmente, uma das fontes primordiais nas quais se assenta o

direito constitucional de igualdade, razão pela qual, entendemos, conveniente e

oportuno, abordarmos a distinção conceitual existente entre Direitos Fundamentais e

Humanos para a melhor compreensão quando da utilização de uma ou de outra

nomenclatura. 

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1.3 Distinção entre Direitos Fundamentais e Direitos Humanos

Numa visão extremamente didática, é necessário, de antemão, colacionarmos

a idéia de que, mesmo que tenhamos conhecimento ou saibamos o que

pretendemos falar a respeito de Direitos Humanos e/ou Fundamentais, nos falta

embasamento teórico, jurídico e semântico para apresentarmos uma eficiente, e

porque não dizer, convincente definição do que sejam os mesmos.

É perfeitamente razoável perceber que poderemos citar inúmeros conceitos

que encerram essas nomenclaturas. Na maioria das vezes, tais conceitosdescreverão qual o entendimento do doutrinador a respeito do tema, porém, é aí que

a dúvida palpita, uma vez que não é fácil o trabalho de enquadrar, posicionar tal

conceito na seara jurídica e social. Dessa forma, precisamos nos questionar a

respeito da razão que assiste à distinção desses direitos, que na seqüência serão

elencados.

Neste pequeno prefácio sobre a questão da diferenciação dos referidos direitos,requeremos o esclarecimento de que, muito além da concepção jurídica que o termo

encerra, sua fundamentação perpassa não só o campo da cidadania, como também

da ética, da política, do âmbito social, dentre outros. Em outras palavras, o que se

pretender aclarar é o fato de que não existe uma noção estanque de Direitos

Humanos, muito menos uma unanimidade conceitual. Portanto, não é de se

estranhar, se, por ventura, encontrarmos designações iguais, com conceitos

diversos, já que se trata de tarefa extremamente árdua o estabelecimento de umaúnica conceituação. 

Destarte, não podemos deixar de destacar que a questão central do cotejo dos

Direitos Humanos esbarra na necessidade de observarmos e reconhecermos,

inicialmente, que, parte da doutrina, distingue Direitos Humanos (direitos natos/ 

inerentes aos cidadãos) de Direitos Fundamentais, os quais nada mais são do que

os Direitos Humanos positivados e, que outros, no entanto, não estabelecem essa

distinção.

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  43

Souza38 reconhece, igualmente, essa distinção apontando:

È certo que não existe um conceito uniforme no que se refere aos direitos

fundamentais. Nem mesmo o nome “direitos fundamentais” é de aceitaçãoplena. Para Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, “aexpressão Direitos Fundamentais é mais precisa’”. [...] Os DireitosHumanos não podem ser confundidos com os direitos fundamentais, já queos primeiros são direitos não-positivados, enquanto os últimos sãopositivados.

Portanto, como se afere dos conceitos trazidos a lume, torna-se necessária,

hodiernamente, tal distinção, uma vez que, por meio dela, podemos melhor

caracterizar cada tipo de direito tratado. Isso porque, face a atual conjuntura

econômica, tornar-se-ia insustentável a manutenção de conceitos estanques quenão se adequassem a essas modificações, ressaltadas quando do comentário a

evolução do Constitucionalismo Contemporâneo.

Em assim sendo, valemo-nos das palavras de Gorczevski39, quando pontua,

numa síntese, a referida distinção. Em suas palavras:

Direitos Humanos trata-se de uma forma abreviada e genérica de se referira um conjunto de exigências e enunciados jurídicos que são superiores aosdemais direitos, quer por entendermos que estão garantidos por normas jurídicas superiores, quer por entendermos que são direitos inerentes aoser humano. Inerentes no sentido de que não são meras concessões dasociedade política, mas nascem com o homem, fazem parte da próprianatureza humana e da dignidade que lhe é intrínseca; e são fundamentais,porque sem eles o homem não é capaz de existir de se desenvolver eparticipar plenamente da vida; e são universais porque exigíveis dequalquer autoridade política em qualquer lugar.

Observamos que, sempre que tratamos de Direitos Humanos, o fazemos para

não torná-los repetitivos, quanto ao seu caráter inerente a todas as pessoas, no qual

apenas lhes falta a positivação no ordenamento jurídico, característica essa presente

como peculiaridade do conceito de direito fundamental. Desse modo, é

imprescindível ressaltar que esta acepção sempre será derivada do resguardo

constitucional.

38 SOUZA, Marcelo Agamenon Góes de. Ações Afirmativas, o direito de minorias e as quotas nasuniversidades. Revista Discente Interinstitucional . Vol. 1, jan/jun 2006, Florianópolis: FundaçãoBoiteux, p. 269.39 GORCZEVSKI, Clóvis. Direitos Humanos – Dos primórdios da humanidade ao Brasil de Hoje . PortoAlegre: Imprensa Livre, 2005, p. 17.

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Leciona Morais40:

[...] poderíamos dizer, então, que os direitos humanos, como conjunto de

valores históricos básicos e fundamentais, que dizem respeito à vida digna jurídica, política, psíquica, física e afetiva dos seres e de seu habitat, tantoos do presente quando os do porvir, surgem sempre como condiçãofundante da vida, impondo aos agentes político-jurídico-sociais a tarefa deagirem no sentido de permitir que a todos seja consignada a possibilidadede usufruí-los em benefício próprio e comum, ao mesmo tempo.

Assim, o que se denota de particularmente importante, nesse tópico, é a

análise estreita que deve ser feita quanto à vinculação dos Direitos Humanos

correlatos às transformações constitucionais.

O reconhecimento e a positivação jurídica dos Direitos Humanos conquistam-

se, historicamente, por movimentos circundantes projetados em épuras

desdobradas, conexas e coordenadas. As conquistas históricas dos direitos dos

homens, como a conquista cadenciada e sucessiva que o ser humano realiza em

sua própria aventura de viver, aperfeiçoam-se nas denominadas "gerações de

direitos fundamentais"41.

Tomamos, por empréstimo, a lição de Morais42:

A preocupação com o tema Direitos Humanos está presente desde hámuito tempo nos trabalhos jurídicos dos preocupados com a dignidade davida cotidiana dos indivíduos, dos grupos sociais, da humanidade e detodos os seres que habitam o planeta [...] Deve-se ter presente que taisquestionamentos devem acompanhar as transformações que se operamnos conteúdos tidos como próprios dos mesmos – e aqui observemos que,como adverte Norberto Bobbio em seu A era dos direitos , os DireitosHumanos não nascem todos de uma vez, eles são históricos e se formulam

quando e como as circunstâncias sócio-histórico-políticas são propícias oureferem a inexorabilidade do reconhecimento de novos conteúdos,podendo-se falar, assim, em gerações de Direitos Humanos[...] Os DireitosHumanos são universais e cada vez mais se projetam no sentido de seualargamento objetivo e subjetivo, mantendo seu caráter de temporalidade.

Dessa forma, temos por certo que o elenco dos Direitos Humanos se modifica

e se constitui gradativamente. A grande prova dessa constante atualização é a

chamada constitucionalização do direito privado, onde, exemplificativamente, o

40 Ibidem, p.523.41 Ibidem.42 Op cit., p. 520.

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Direito Civil hoje empregado passa por grandes transformações, uma vez que o

individualismo exacerbado não mais se sustenta, em face do referido fenômeno

alhures mencionado.

Nesse passo, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o

Código Civil era tido como uma constituição privada que regulava a vida dos

cidadãos desde o nascimento até depois de sua morte. Partindo dessa premissa, a

divisão entre direito público e direito privado era praticamente absoluta, sendo o

primeiro destinado a regular os interesses gerais e o segundo, as relações entre as

pessoas privadas. Após a Constituição Federal de 1988, houve uma reformulação

de valores pela sociedade, ou seja, os valores que outrora estavam no Direito Civil,estão agora nas Constituições. É ela quem positiva os direitos concernentes à

 justiça, segurança, liberdade, igualdade, propriedade, herança que antes estavam

somente no Código Civil.

O Direito Civil anterior era norteado pela regulamentação da vida privada

unicamente sob o ponto de vista do patrimônio do indivíduo. A partir da

constitucionalização do Direito Privado passa a ser visto como uma regulamentaçãode interesses do homem que convive em sociedade. Falamos, portanto, em uma

“despatrimonialização  do direito civil, como conseqüência da sua

constitucionalização”43, ou seja, recolocamos, no centro do Direito Civil, o ser

humano e suas emanações, o que significa dizer que a noção de patrimônio é

abandonada e substituída, sobretudo, pelo princípio da dignidade humana e suas

irradiações.

No entanto, apesar desse fenômeno, restam ainda e sempre restarão os temas

específicos de direito civil/privado, como o disciplinamento das relações jurídicas

específicas a esses ramos sem, contudo, menosprezar os preceitos constitucionais.

Fechado esse breve parêntese a respeito de uma exemplificação prática do

dinamismo dos direitos em geral, retomamos, na seqüência, a questão principal a

43 FINGER, Júlio César. Constituição e direito privado: algumas notas sobre a chamadaconstitucionalização do direito civil. In:  SARLET, Ingo Wolfang (Org.) A Constituição Concretizada:Construindo pontes com o público e o privado . Porto Alegre: Livraria do Advogado,2000,p. 94.

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que esse trabalho se destina, qual seja a conceituação do que são Direitos

Fundamentais e Humanos.

Fernández-Largo44 não se escusou de reconhecer que os Direitos Humanos

Não é fruto de uma invenção pontual ou a construção de um gênio dodireito. Também não devem sua origem a algo fortuito na história dahumanidade, nem mesmo à autoridade política de um partido que os impôspela força do poder. Os Direitos Humanos [...] Tratam-se, sim, de umconjunto de exigências muito diferentes entre si com uma historia distintaem cada caso e em diferentes períodos [...]. Daí que a tentativa dedescrever os Direitos Humanos como um todo homogêneo, sem fissuras ecujo nascimento se pode atribuir a uma data específica é uma vãempreitada e geradora de confusão.

E, prossegue, aduzindo que:

Os Direitos Humanos são una categoría histórica que tan sólo puede ser predicada con sentido en un contexto normal determinado ou un conjunto de faculdades e instituciones que, en cada momento histórico normal concretan unas exigencias o valores fundamentales.

Desse modo, reconhecemos que várias denominações e conceituações foram

apresentadas. No entanto, esta variedade conceitual pode servir como uma forma de

aperfeiçoamento e de desmembramento de controvertidas opiniões, uma vez que a

interpretação de um pode vir ao encontro da justificativa de outro. Tal discrepância

pode gerar uma proximidade de uniformização para a fundamentação primordial que

é a de reconhecer tais direitos como universais e respaldadores de uma efetiva

dignidade da pessoa humana, cidadania e justiça social.

De outra banda, é imperioso advertir que a suposta universalidade não podeesquecer a especificidade de cada um dos povos, com suas diferenças étnicas e

culturais. Deve, por seu turno, tornar extensíveis esses direitos a todos os habitantes

do planeta. Muito embora, seu processo de universalização permita a formação de

um sistema normativo internacional de proteção desses direitos45.

44 FERNÁNDEZ-LARGO, Antonio. Teoría de los Derechos Humanos – Conocer para practicar .Salamanca –Madrid: San Esteban – Edibesa, p. 27.45 PIOVESAN, Flávia. A universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos: desafios eperspectivas. In : BALDI, César Augusto (Org.). Direitos Humanosna Sociedade Cosmopolita. Rio deJaneiro: Renovar, 2004.

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Nesse espectro de idéias, é que se introduz a concepção contemporânea de

Direitos Humanos, por meio da Declaração de 1948, segundo Piovesan46:

Caracterizada pela universalidade e indivisibilidade desses direitos.Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitoshumanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito únicopara a dignidade e titularidade de direitos. Indivisibilidade porque a garantiados direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitossociais, econômicos e culturais e vive-versa. [...] Os direitos humanoscompõem uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada,capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo dedireitos sociais e culturais. [...] Vale dizer para a declaração universal acondição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularidade dedireitos.

Entretanto, uma tendência bastante atual é a abordagem intercultural, dialógica

e pluralista dos aludidos direitos, onde se critica a designação do universalismo dos

direitos humanos, devido ao fato de não existir valores transculturais, “pela simples

razão de que um valor existe como tal apenas em um dado contexto cultural” 47, ou

seja, somos, com isso, convidados a repensar o universalismo, porque sempre

caímos na tentação da visão cultural centrada no ocidente.

Dessa forma, a partir do momento que passamos a entender a dignidadehumana como fundamento basilar da concepção de direitos humanos, tendemos

igualmente, à obrigatoriedade de seu entendimento e de sua assimilação por todos

os tratados e declarações de Direitos Humanos na seara internacional48. E, aqui,

ousamos dizer, que esta universalização é possível...

Nestas ponderações, é sabido que a noção jurídica de dignidade humana

torna-se imperiosa. Tal fato resulta da premissa que ela nos auxilia na clarificação deoutros tantos enunciados fundamentais e, salienta, além disso, a importância de

apontarmos corretamente o papel que a mesma exerce na questão da cidadania e

da efetivação do Estado Democrático de Direito, como será especificamente

analisado no capítulo seguinte.

46 Ibidem, p. 49.47 PANIKKAR, Raimundo. Seria a noção de Direitos Humanos um conceito ocidental? In : BALDI,César Augusto (Org.). Direitos Humanosna Sociedade Cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004,p.221.48 Op.cit., p. 50.

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Assim, podemos ainda trazer a baila à concepção de Silva49, com um rápida

passagem em suas abordagens, uma vez que este reconhece um conceito preciso

de direitos fundamentais, torna-se um tanto quanto difícil de emoldurar-se, isto

porque, segundo seu entendimento, várias são as expressões aptas a designar o

significado de direitos fundamentais. Dentre elas podemos citar direitos positivos,

direitos humanos, direitos individuais, liberdades fundamentais, liberdades públicas. 

Num rápido desmembramento desses, podemos dizer que os direitos positivos

são fundamentados pelas relações sociais materializadas em um determinado

momento da história. Por Direitos Humanos, entendemos a “expressão preferida nos

documentos internacionais” embora seja muito criticada, uma vez “que não há direitoque não seja humano e do homem”. Já os individuais, “dizem-se os direitos do

indivíduo isolado” [...] “terminologia que a doutrina tende a desprezar cada vez mais”

[...] “empregada para denotar um grupo dos direitos fundamentais” [...] “denominados

direitos civis ou liberdades civis”.

As liberdades fundamentais e públicas, em conformidade com o prefalado

autor, são conceitos que limitam os Direitos Fundamentais e são igualmenteinsuficientes para defini-los com coesão. Pelas primeiras (fundamentais), referimo-

nos apenas a determinadas liberdades, enquanto que as públicas apresentam-se

amplamente reconhecidas nos conceitos do tipo “liberdade-autonomia  (igual aos

direitos individuais clássicos) e liberdade-participação (também chamada liberdades

políticas, que correspondem ao gozo livre dos direitos políticos)”.

Nas palavras de Silva50

 

Direitos Fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada aeste estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem aconcepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelasprerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de umaconvivência digna, livre e igual de todas as pessoas [...] fundamentais  [...]indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoahumana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive;fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual devem ser

49 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros,2005, p. 175-179.50 Ibidem.

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não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente.Direitos Fundamentais do Homem  significa Direitos Fundamentais dapessoa humana ou direitos fundamentais.

Com efeito, parece-nos já ter sido suficientemente repisada tal distinção.Porém, cumpre destacar a afirmação de que todos os direitos e garantias

fundamentais “encontram seu fundamento direto, imediato e igual na dignidade da

pessoa humana, do qual seriam concretizações”51. O certo, portanto, é que tais

direitos podem, ainda que de modo variável, serem conduzidos à noção de

dignidade, o que se constitui no próximo obstáculo, a ser vencido, na seqüência

deste trabalho.

No encadeamento das idéias expostas, passaremos, a seguir, à apresentação

de breves notas conceituais da igualdade. Tal conceituação procurará apresentar,

de forma didática, sua amplitude e abrangência, bem como a importância desse

conceito como valor, como disposição de norma de Direito Fundamental e como

princípio, aqui representado pelo da igualdade, a fim de que possam iluminar o novo

Direito Constitucional e postarem-se como instrumentos de salvaguarda da

fundamentalidade dos direitos contra a ação arbitrária, discriminatória e limitativa

que o Estado impõe.

1.4 Breves apontamentos conceituais da igualdade: a igualdade como valor,

princípio e como disposição de norma de Direito Fundamental

Seguindo essa esteira de raciocínio, buscaremos, em referência a matéria,

realçar um registro devido e merecedor de igual importância no que tange à análise

da igualdade ora como princípio, ora como valor do ordenamento jurídico, para, por

fim, arrematarmos estes apontamentos delimitando tal conceito na esfera dos

Direitos Fundamentais.

51 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas notas em torno da relação entre o princípio da dignidade dapessoa humana e os Direitos Fundamentais na ordem constitucional brasileira. In :  BALDI, CésarAugusto (Org.). Direitos Humanos na Sociedade Cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 555.

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Comumente denominado de princípio da isonomia, a Constituição Federal de

1988 erigiu o instituto da igualdade à categoria de direito fundamental ao explicitá-lo

no “caput” do art. 5º, desse diploma legal, que trata “Dos Direitos e Garantias

Fundamentais”.

Ao adotarmos o entendimento desse instituto como Princípio da Igualdade,

pela atual Carta Magna, significa propiciar, perante o direito, um tratamento

legislativo e jurídico igualitário aos iguais, e, por questão de justiça, da mesma forma

tratar os desiguais, desigualmente. Sabemos, no entanto, que a igualdade absoluta

é uma utopia, uma vez que existem diferenças nas pessoais naturais, tais como

habilidade e aptidão que não podem ser ignoradas. Porém, a busca pela igualdadeabsoluta persiste no constitucionalismo moderno. Esta é também denominada de

igualdade material, substancial, que postula uma igualdade real, efetiva entre todos

os homens perante os bens da vida.

O Princípio da Igualdade insculpido no artigo 5º, assim como em quase todas

as Constituições modernas, na verdade, refere-se a uma igualdade formal, isto é,

“consiste no direito de todo cidadão não ser desigualado pela lei senão emconsonância com os critérios albergados ou ao menos não vedados pelo

ordenamento constitucional”52. Todavia, visando aos avanços em direção à

igualdade substancial (concepção que será oportunamente dissecada na

seqüência), ou do que mais se aproxime dela, insurgem-se as normas ditas

programáticas voltadas a diminuir as desequiparações materiais e sociais existentes

na sociedade atual, bem como as políticas ou programas de ação estatal, por meio

das ditas ações afirmativas.

Nesse sentido, corrobora Puyol53:

Aunque se espera que, una vez en el poder, los pobres, las mujeres, las minorias étnicas, los ancianos, los jóvenes, los minusválidos, los indigentes, los parados, consigan por si mismos lo que de otra manera no obtendrían, la satisfación de sus intereses particulares, en realidad difícilmente sucederá así.54  

52 BASTOS, ibidem, p.188.53 PUYOL, Angel. El discurso de la igualdad. Barcelona: Crítica, 2001. p. 61.54 Nossa Tradução: Embora se espere que, uma vez no poder, os pobres, as mulheres, as minoriasétnicas, os anciões, os jovens, os deficientes, os indigentes [...], consigam por eles mesmos, já que

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Da apreciação realizada no subtítulo antecedente, reputamos imperioso

registrar que, no esquadro do constitucionalismo contemporâneo, incluindo-se aqui,

nossa atual Carta, o Princípio da Igualdade passou a ser delineado sob novas

linhas, esboçando um papel de suma importância como princípio jurídico, político e,

sobretudo, de dignificação do ser humano como efetivamente o é.

Portanto, o que se porá à mostra é a imperiosa necessidade de conceituação

do Princípio da Igualdade, suas diferentes formas de manifestação e, sobremaneira,

a análise das acepções formal e material que o dito princípio encerra.

Nas palavras de Silva55:

[...] A igualdade constitui o signo fundamental da democracia. Não admiteos privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra.Por isso é que a burguesia, cônscia de seu privilégio de classe, jamaispostulou um regime de igualdade tanto quanto reivindicara o de liberdade.É que um regime de igualdade contraria seus interesses e dá à liberdadesentido material que não se harmoniza com o domínio de classe em queassenta a democracia liberal burguesa.

Segundo a ótica liberal, o Princípio da Igualdade atinha-se à proclamação daigualdade de todos perante a lei, sob a acepção estritamente formal - aspecto esse

que será abordado oportunamente -, dissociada do interesse de eliminar as

desequiparações sociais e econômicas.

No início do século passado, a acepção do princípio ganhou novo

entendimento, ou seja, passamos a compreendê-la como um conceito substancial,

que, igualmente, constitui-se em objetivo de estudo do desenrolar do trabalho, queencerra o aspecto de proporcionalidade e ponderação no que tange a consideração

das peculiaridades específicas de cada pessoa, pontuado por Faria56: “(...) além da

igualdade perante a lei, deverá existir igualdade perante a vida”.

de outra maneira não obteriam, a satisfação de seus interesses particulares, mas que em realidadedificilmente acontecerá assim.55 Ibidem, p. 211.56 FARIA, Anacleto de Oliveira. Do Princípio da Igualdade jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais,Ed. da USP, 1973, p. 264-265.

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Em nossa Constituição atual, tal princípio vem se reproduzindo em variados

dispositivos constitucionais, de forma esparsa, como corolário da preocupação

dessa questão tão peculiar ao constituinte originário, qual seja, a busca da eficaz

igualdade em nome de todos e para todos. Encontramos a caracterização do

Princípio da Igualdade desde seu preâmbulo, em que já se vislumbra o Princípio da

Igualdade, ostentando suas ramificações por todo o texto constitucional, questão já

anteriormente clarificada e apresentada.

Ainda no que tange ao preâmbulo, convém ressaltar que o mesmo dá destaque

a igualdade como um dos valores supremos do Estado Democrático Brasileiro, e

expressa a questão do repúdio ao preconceito. Por exemplo, nesse intróito,registramos que esse conceito encerra um caráter psicológico, volitivo, inerente ao

próprio indivíduo, a sua essência interior. Logo, ele não está sujeito à subordinação

e penalização pela esfera criminal. Em assim sendo, deduzimos que o legislador, em

verdade, pretendeu tarifar essa questão como uma discriminação, esta sim,

suscetível de sancionamento penal.

Na seqüência, elencaremos, em termos exemplificativos, outros dispositivoslegais que não foram citados anteriormente e encerram esse mesmo entendimento.

Relembremos também que os artigos 3º e 5º, da CF de 1988, são os que inauguram

a questão da saliência do Princípio da Igualdade na busca pela redução das

desigualdades e pela consagração da igualdade entre todos os homens – latu sensu 

– homens e mulheres em direitos e deveres.

Assim sendo, passemos aos dispositivos do aludido diploma legal referidoacima: artigo 170 e incisos VII e IX57, artigo 7º e inciso XX58, artigo 37 e inciso VIII59,

artigo 208 e inciso V60, artigo 227 e inciso II61.

57 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tempor fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados osseguintes princípios:[...];VIII - busca do pleno emprego;IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras eque tenham sua sede e administração no País.Parágrafo único. – [...]58 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de suacondição social:XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

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Numa correlação entre essas constituições mais próximas, vejamos a

afirmação de Bastos62:

Não é à toa que, “o atual artigo isonômico teve trasladada a sua topografia.Deixou de ser um direito individual tratado tecnicamente como os demais.Passou a encabeçar a lista destes direitos, que foram transformados emparágrafos do artigo igualizador”.

Em contrapartida, a constituição antecessora à vigente, conforme apresentado

na feitura de artigo de nossa autoria63, já trazia o Princípio da Igualdade com certa

amplitude em sua definição, haja vista, ter a atual Constituição ter quase repetido o

mesmo conteúdo semântico ao dizer tão-somente “todos são iguais perante a lei,

sem distinção de qualquer natureza”.

Temos que o Princípio da Igualdade caracteriza-se por sua função informativa

e condicionadora na interpretação de todo o direito, o que significa dizer que se trata

de princípio basilar do direito, na mesma proporção em que o princípio da dignidade

humana é tido como pedra angular de todo o ordenamento jurídico.

Ainda, mister reservarmos a compreensão de que o Princípio da Igualdade, ou

simplesmente, a igualdade propalada por muitos, encontra sua vertente fundante de

59 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras dedeficiência e definirá os critérios de sua admissão;60 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:[...];V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo acapacidade de cada um;61 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, comabsoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, àprofissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar ecomunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,violência, crueldade e opressão.§ 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente,admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos:[...];II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores dedeficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador dedeficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aosbens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.62 Ibidem, p.191.63 SALLA, D. M.; TERRA, R. B. M. da R. B;. Ações Afirmativas: cotas universitárias, um afronte ao Princípio da Igualdade? . In: GORCZEVSKI, Clóvis (Org.). Direito & Educação. Porto Alegre: UFRGS,2006, p. 211.

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que tal norma encerra a necessidade de todos os seres deverem ser tratados de

forma igualitária perante o ordenamento legal, isto porque se todos nascem e vivem

sob o mesmo manto de abrigo de direitos e obrigações advindos do Estado, aquele

princípio, por sua vez, deve ser respeitado e cumprido.

Numa retomada breve histórica, não esqueçamos que a igualdade está para a

Revolução Francesa, como os ideais de abolição do clero estão para a nobreza, isto

é, todos passaram a ter o mesmo tratamento perante a lei.

Desse modo, é como se sempre a Constituição afirmasse, ao elencar um

direito e/ou dever ao final de uma norma, de forma implícita, “respeitada a igualdadede todos perante este direito”64. Nesse sentido, é fundamental, portanto,

considerarmos que “a igualdade não assegura nenhuma situação jurídica

específica, mas na verdade garante o indivíduo contra toda má utilização que possa

ser feita na ordem jurídica”65, visto ser papel da lei impor distinções.

Em outras palavras, significa quer dizer que a igualdade proclamada pela atual

Constituição pode e deve ser reconhecida como aquela que busca não a

padronização das diversas classes sociais e culturais, mas sim o tratamento justo e

necessário a cada uma das diferentes classes existentes.

Como conseqüência lógica, reputamos que efetivamente são vedadas as

discriminações arbitrárias, absurdas e não qualquer diferenciação legal, em outras

palavras, a injusteza de tratamento. Sem sombra de dúvida, “a igualdade é,

portanto, o mais vasto dos princípios constitucionais, não se vendo recanto onde ela

não seja impositiva”66.

Pérez-Luño67, de forma didática, expõe a significação do conceito de

igualdade:

Desde un punto de vista lógico, el concepto de igualdad significa la coincidencia o equivalencia parcial entre diferentes entes. Esta categoria 

64 BASTOS, ibidem, p.19165 Ibidem.66 BASTOS, ibidem, p.191.67 PÉREZ-LUNÕ, Antonio Enrique Pérez, Dimensiones de La Igualdade . Editorial DYKINSON. Madrid:2005, p. 17.

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es distinta de la identidad, que entranã la coincidencia absoluta de un ente consigo mismo, y de la semejanza, que evoca la mera afinidad o aproximación entre diferentes entes 68 .

Sabemos, no entanto, que a igualdade absoluta é utópica, uma vez queexistem pessoas com diferentes valores, tais como habilidades e aptidões que não

podem ser ignoradas. Nesse sentido, a busca pela igualdade absoluta persiste no

constitucionalismo moderno, de maneira itinerante.

Nessa linha de raciocínio, ousamos fazer uma construção conceitual que expõe

uma compreensão didática da acepção da igualdade, reconhecendo-se que a

mesma deve ser tida como a capacidade de tratamento igualitário àquelesdetentores dos mesmos direitos e obrigações (os iguais) e de forma desigual os

reconhecidamente desiguais. A redundância é proposital e, dificilmente, dela

conseguiremos escapar para intentar tal conceituação.

Torna-se substancial relevar que, buscar um tratamento igual aos desiguais,

equivale dizer que a desigualdade já existente é majorada e que, por essa razão, tal

desequiparação de tratamento não se afigura inconstitucional. Podemos afirmar que

nem todo tratamento desigual é, pois, desumano e, sobretudo, inconstitucional.

Nesse espectro de idéias, é de bom tom reconhecer que o desigual é somente o

tratamento que busca efetivamente majorar tal desequiparação material e

naturalmente já existente.

É preciso admitir ainda que o entendimento que cerca o conceito de igualdade,

além de plúrimo, encerra distintas conotações. Para tanto elencamos o parecer de

Faria69 

O Princípio da Igualdade que logo após as primeiras Constituições escritasse dirigia aos Poderes Executivo e Judiciário, deve ser objeto de aplicaçãonão só a todos os Poderes do Estado, inclusive e principalmente aoLegislativo, como, ainda aos homens em geral. Nesse sentido, pode e deveo Estado editar leis proibindo segregamento racial.

68 Nossa Tradução: “Desde um ponto de vista lógico, o conceito de igualdade significa a coincidênciaou equivalência parcial entre diferentes entes. Esta categoria é distinta da identidade, que contem –entranha - a coincidência absoluta de um ente consigo mesmo, e da semelhança, que evoca a meraafinidade ou aproximação entre diferentes entes”.69 Ibidem, p. 266.

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Podemos, desse modo, inferir que antes mesmo da expressão igualdade

encerrar uma obrigatoriedade de ordenação jurídica a ser seguida e implementada

pelos poderes estatais, ela é objeto de domínio de todos os indivíduos. Em outras

palavras, o Estado não pode eximir-se de seu papel de protetor e provedor da

igualdade e da punibilidade da segregação racial, porque cabe-lhe a possibilidade

de extensão dessa tarefa à sociedade – destinatária final - como detentora de

direitos e deveres de concretização desse princípio.

Destarte, se torna imperioso observarmos que a igualdade deve,

necessariamente, ser observada como um dos valores de maior fundamentalidade e

relevância para toda a sociedade, em especial a nossa, que se denota comoextremamente mutante e pluralista, seja em valores ou critérios de adaptação ao

cotidiano hodierno. Podemos afirmar, neste ponto, que a igualdade é um dos valores

primordiais e centralizadores de um conceito de pedra angular do ordenamento

 jurídico e de caracterização e legitimação de um verdadeiro Estado Democrático de

Direito. Estado em que cada um de nós, enquanto membros inseridos em uma

determinada sociedade, aufere-lhe escalas de valores e dela não nos distancia, pois

adentramos nos campos da fidelização dos Direitos Fundamentais e respeito a CartaMagna.

A partir desses apontamentos, reputamos relevante realçar, por fim, que a

igualdade imbrica-se com o Direito Fundamental de cidadania não mais circunscrito

apenas a uma noção de busca e participação na esfera política, mas pela efetivação

desse como direito fundamentalmente edificado na esfera constitucional. Para

melhor compreendermos esta correlação valemo-nos dos ensinamentos de Oliveirae Guimarães70 

O exercício da cidadania demanda um ambiente em que todos sejamiguais materialmente, ou seja, “pressupõe o reconhecimento dasdesigualdades reais, notadamente, as econômicas e sociais, existentesentre as pessoas, bem como a busca de sua atenuação, a fim de garantira todos condições mínimas para o pleno desenvolvimento dapersonalidade humana”.

70 OLIVEIRA, F. de P. M. de; GUIMARÃES, F. R.. Direito, meio ambiente e cidadania: uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Madras, 2004. p.100.

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Em vários momentos desse estudo, inevitavelmente, nos depararemos com a

concepção da igualdade jungida à questão de justiça, isto porque, como já foi

delineado anteriormente, foi na pessoa de Aristóteles que nos deparamos com a

união do conceito de igualdade ao de justiça.

Coube-nos, entretanto, com base nos ensinamentos dos inúmeros mestres que

trilharam o caminho para chegar a esse arremate, reconhecer, primeiro, que não

existe uma única concepção de igualdade e, segundo, que o aspecto de justiça, por

si só, não basta para delimitar, com a devida nobreza que lhe é ímpar, o verdadeiro

significado de efetivação da igualdade, qual seja que, embora a igualdade seja a de

distribuição justa de bens e valores entre os integrantes da sociedade, ela o é deevolução acumulativa e progressiva, isto é, se, antigamente, apenas tínhamos uma

acepção de igualdade pela distribuição justa de bens, hoje temos a igualdade de

oportunidades, igualdade de resultados, a própria igualdade material tão propalada,

etc...

A igualdade posta sob esse conceito, antes de qualquer coisa, encerra o

primado da verdadeira acepção do princípio posto em tela, eis que ela é um dosvalores mais importantes da sociedade de nossos tempos. Ao abordarmos valores

significa guindá-la à condição de sublimação suprema dos ordenamentos jurídicos

quando assentados nos Estados Democráticos de Direito. Esta noção deriva do fato

que neles estão contidas as principais metas e objetivos – da dignidade humana -

que se almejam alcançar, pelos critérios de fundamentação, legitimação e

orientação, a efetivação da dignidade humana. Encontramos ainda, na busca de um

dos objetivos fulcrais que nosso sistema jurídico-político e democrático se propõe aalcançar, a legitimidade das diversas manifestações do sistema de legalidade e

respeito ao ser humano.

Corroborando o exposto, pontua Pérez-Luño71:

La igualdad en su condición de valor superior constitucional asume su dimensión transcendente […] la igualdad supoe, por tanto, en su condición de valor superior constitucional el contexto axiológico fundamentador o básico para la interpretación de todo el ordenamento jurídico; el postulado- 

 71 Ibidem, p. 85.

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guía para orientar la hermenéutica teleológica y evolutiva de la Constitución, y el criterio para medir la legitimidad de las diversas manifestaciones del sistema de legalidad .

Deste entendimento, não se aparta que, em verdade, quis o constituinte, noacervo dos pressupostos supremos do ordenamento da Carta Constitucional,

ressaltar a superioridade de dito conceito de igualdade. O constituinte, porém não

quis reduzir seu alcance a artigos que denotam apenas a acepção formal que

igualmente encerra esse princípio, mas alcançar de forma mais ampla possível a

substancialidade (acepção material) de seu conteúdo, razão maior desse pleito.

Ademais, quando se aporta essa questão correlacionando a igualdade comovalor, buscamos caracterizar a supremacia transcendente que o princípio isonômico

pleiteia quando deparamo-nos com uma latente situação de desigualdade que fira a

própria Constituição Federal e, mais, que se apresente contrária e incompatível com

as normas do ordenamento de valores insculpidos na Carta Constitucionais, valores

esses como o de supremacia da dignidade humana.

Em contrapartida, não podemos deixar de reconhecer que os valores não se

proclamam aptos a apresentarem os pressupostos de aplicabilidade específicos da

norma constitucional, ou seja, quando diante de valores estamos, em verdade,

diante do contexto histórico e da possibilidade da interpretação e aplicação das

normas constitucionais em harmonia com os preceitos dos direitos fundamentais.

Nessa questão pontual, trazemos o entendimento de nossa doutrina pátria, na

pessoa de Bastos72 que afirma:

Entende-se por valores os conteúdos materiais da Constituição, queconferem legitimidade a todo o ordenamento jurídico. Eles transcendem oquadro jurídico institucional e a ordem formal do direito, pois indicamaspirações que devem informar todo o sistema jurídico.[...] Os valores sãomutáveis, pois têm a necessidade de se acomodar às novas realidades.São, em síntese, manifestações da vontade de todos os cidadãos, ou seja,aquelas metas que devem ser sempre alcançadas e preservadas por todoordenamento jurídico: a liberdade, a igualdade, o direito à vida, a dignidadeda pessoa humana etc.[...]Os valores podem ser inseridos dentro daConstituição, como autêntica norma jurídica. [...] O caput  do art.5º da

Constituição Federal de 1988, ao dispor que “todos são iguais perante a lei,sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros a aos

72 Ibidem, p. 56.

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estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, àliberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:...”, erigiu,pelo seu próprio caráter abstrato, autênticos valores, que deverão estarpresentes em todo o ordenamento jurídico.

Seguindo essa linha de raciocínio, uma vez reconhecendo que os valores

encerram um determinado conteúdo material constitucional, verificamos a

possibilidade de equipará-los a “normas de segundo grau”. Em razão dessa

condição, entendemos que se apresentam impregnados pela permeabilidade e

capacidade de adaptar-se e alterar-se segundo a ingerência de um novo valor, ou

seja, um valor vige até que outro se insurja. Por essa razão, podemos concluir que

um valor poderá sofrer restrições advindas da própria Constituição.

Particularizando essa questão e ratificando esse entendimento Pérez-Luño73,

assevera que

Los valores no suelen contener especificaciones respecto a los supuestos en que deben ser aplicados, ni sobre las consecuencias jurídicas que deben seguirse de su aplicación; constituyen ideas directivas generales que, como anteriormente he indicado, fundamentan, orientan y limitan críticamente la interpretación y aplicación de todas las restantes normas del 

ordenamiento jurídico. Los valores forman, portanto, el contexto histórico- espiritual de la interpretación y aplicación de los derechos fundamentales 74 . 

No entanto, fica patente a necessidade da compreensão da simultaneidade –

existente - e que se deve fazer para o melhor entendimento da igualdade segundo o

conceito de valores e princípios extraídos do ordenamento maior.

Segundo Alexy75, por ora, os conceitos em baila podem ser equiparados, eis

que adiante se demonstrará a sua possível diferenciação. Assim, em suas palavras:

La comparación entre el valor y principio puede apoyarse en algunas características estructurales generales y, a la vez, elementales, de los valores. Ellas, se ponen de manifiesto cuando se toma en cuenta una 

73 Ibidem, p. 86 – 87.74 Nossa Tradução: “Os valores não contém especificações em relação aos supostos em que devemser aplicados, nem sobre as conseqüências jurídicas que devem seguir-se de sua aplicação;constituem idéias diretivas gerais que, [...] fundamentam, orientam e limitam criticamente ainterpretação e aplicação de todas as restantes normas do ordenamento jurídico. Os valores formam,portanto, o contexto histórico-espiritual da interpretação e aplicação dos direitos fundamentais”.75 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales . Madrid: Centro de EstudiosConstitucionales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés, 1993, p. 141.

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diferencia fundamental en el uso de la palabra “valor”: La diferencia entre la determinación que algo tiene un valor y que algo es un valor.

Princípios são diretrizes normativas, pertencentes a um sistema jurídico, no

qual servem de base interpretativa e construtiva, e, por isso, de caráter

generalizante. “Princípios e regras são normas, porém de espécies diferentes e a

distinção existente também é qualitativa”76, isto é, de valor, além da generalidade.

As teorias de Alexy e Dworkin, a fim de identificar critérios diferenciadores

entre regras e princípios em essência são a mesma. Elas têm por diferença

substancial o fato de que Dworkin entende os princípios de forma mais restrita, isto

é, relacionando-os somente aos direitos individuais, enquanto que Alexy77 ampliou

seu conceito alcançando igualmente os direitos coletivos. Sendo assim, cessados

“os debates acerca de sua normatividade que lhes é inerente se converteu no

coração das Constituições”.

As regras vigem, os princípios valem; o valor que neles se inserem seexprime em graus distintos. Os princípios, enquanto valores fundamentais,governam a Constituição, o regímem, a ordem jurídica. Não apenas a lei,mas o Direito em toda a sua extensão, substancialidade, plenitude eabrangência.

Por outro lado, retomando a questão de valores versus  princípios, podemos

inferir que estes, podem, diferentemente dos valores, demonstrar um aspecto

bastante proeminente, qual seja, eles apresentam maior índice de concretude e

especificação, isto porque, frente a uma situação peculiar de aplicação da norma

 jurídica, o princípio será invocado a fim de promover a efetivação e proteção legal da

situação juridicamente posta a prova.

Para esse entendimento, é necessário que se parta da premissa que o nosso

ordenamento jurídico é composto por um sistema aberto de regras e princípios.

Segundo Canotilho78,

(1) é um sistema jurídico porque é um sistema dinâmico de normas, (2) éum sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica, traduzida na

76 Ibidem.77 Ibidem.78 Ibidem, p. 1159.

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disponibilidade e capacidade de aprendizagem das normas constitucionaispara captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepçõescambiantes da verdade e da justiça; (3) é um sistema normativo, porque aestruturação das expectativas referentes a valores, programas, funções epessoas, é feita através de normas; (4) é um sistema de princípios e

regras, pois as normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma deprincípios como sua forma de regras.

Assim, para os fins a que esse trabalho se destina, seguimos a concepção de

que há distinção entre princípio e regra e que essa ocorre entre duas espécies de

normas. Por fim, a referida distinção encerra grande complexidade, já que vários são

os critérios sugeridos. Para Canotilho, pode-se eleger, no mínimo cinco critérios à

aludida distinção:

a) Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstraçãorelativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstraçãorelativamente reduzida.b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios,por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras(do legislador? Do juiz?), enquanto as regras são suscetíveis de aplicaçãodireta.c) Caráter de fundamentabilidade no sistema de fontes de direito: osprincípios são normas de natureza ou com um papel fundamental noordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema dasfontes (ex.: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante

dentro do sistema jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito).d) ‘Proximidade’  da ideia de direito: os princípios são ‘standards’ juridicamente vinculantes radicados nas exigências de ‘justiça’ (Dworkin) ouna ‘ideia de direito’ (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas comum conteúdo meramente funcional.e) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é,são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas,desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante”. 

Dessa forma, os princípios jurídicos fundamentais são integrantes da ordem

 jurídica e, como tal, constituem um importante fundamento à interpretação e à

aplicação do direito positivo. Ademais, são eles que estabelecem limites a atuação

dos governantes, enquanto que as regras são normas que prescrevem uma

exigência imperativa.

Alexy também trata, com propriedade, a questão. Na concepção do

doutrinador, temos que os princípios, como identidade suprema das Constituições

democráticas contemporâneas, são mandamentos de otimização, ou seja, é por

meio deles que se permite que algo seja realizado na maior medida possível, desde

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que o núcleo essencial seja preservado79. Na análise de um caso prático, essa

identificação será realizada pelo intérprete da norma, por meio do princípio da

proporcionalidade, que será explorado, na seqüência deste trabalho.

Realizada essa breve distinção, retomamos o objetivo inicial proposto. E, nesse

diapasão, ninguém melhor do que Alexy para ressaltar, igualmente, os ensinamentos

da diferenciação entre os Princípios e os Valores. Segundo ele80, a referida

diferença se reduz a um único ponto, qual seja,

que en el modelo de los valores es prima facie lo mejor es, en el modelo delos princípios, prima facie debido; y lo que en el modelo de los valores esdefinitivamente lo mejor es”, isso no modelo dos princípios definitivamentedevidos. Assim, portanto, “los princípios y los valores se diferencian sólo envirtud de su carácter deontológico y axiológico respectivamente.

Logo, é imprescindível que façamos uma leitura desses caracteres. Assim,

temos como determinante do conceito de axiológico quando algo é catalogado como

seguro, econômico, democrático, social, liberal ou próprio do Estado de Direito.

Conceito esse que não encerra o caráter de dever ser ou mandamental

propriamente dito. Em contrapartida, valemo-nos de exemplos para efetivar adiferenciação do conceito deontológico, uma vez que o mesmo apresenta, no seu

núcleo, a característica de um dever ser. São exemplos a proibição, a permissão e o

direito a algo.

Partindo, pois, dessa premissa, encontramos, em Alexy81, o enquadramento

dos princípios e valores segundo esses conceitos. Os princípios são mandatos de

um determinado tipo, quer dizer, mandatos de otimização. Mandatos pertencem ao

âmbito deontológico. Em troca, os valores têm que ser incluídos no nível axiológico.

Por fim, o que nos resta reconhecer é que, mesmo havendo críticas à

“segurança jurídica”, é inegável que ela se faz necessária, assim como a proteção

da mesma, de tal sorte, que a garantia dessa amparar-se-á na concretude dos

Princípios atinentes aos Direitos Fundamentais. Segundo esta razão, analisamos a

correlação de princípios e valores para chegar à noção de que a igualdade foi

79 Ibidem, p. 81-83. 80 Ibidem. p. 82.81 Ibidem, p. 139.

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erigida a condição de princípio, precipuamente, porque deve ser considerada como

exigência permanente da vida em sociedade dirigida ao desenvolvimento ético-

social da comunidade humana.

Clarificadas as distinções que se fazem necessárias ao assunto, persiste,

ainda, outro ponto de crucial importância, qual seja o enquadramento do Princípio da

Igualdade como Direito Fundamental. De acordo com Canotilho82:

Designam-se por normas de Direitos Fundamentais todos os preceitosconstitucionais destinados ao reconhecimento, garantia ou conformaçãoconstitutiva de Direitos Fundamentais[...].

A importância das normas de Direitos Fundamentais deriva do facto deelas, directamente ou indirectamente, assegurarem um status  jurídico- material aos cidadãos.

Assim, é que se torna admissível, e mesmo necessária, a atribuição do

Princípio da Igualdade, pedra angular desse trabalho, como direito fundamental.

Dessa maneira, princípios como o da igualdade e da proporcionalidade

aparecem como engrenagens essenciais do “mecanismo político constitucional de

acomodação dos diversos interesses em jogo, em dada sociedade, e, logo,

indispensáveis para garantir a preservação de direitos fundamentais”83.

A igualdade, em nosso sistema jurídico, prevista como direito, foi tomando o

contorno de princípio constitucional, conquistando maior importância e, hoje, serve

de baliza das políticas públicas. Após as revoluções socialistas, incorporou-se,

definitivamente, ao seu significado, a necessidade de igualdade real, material, entre

as pessoas e não somente a proibição de não-discriminação.

Do exposto até aqui, esperamos ter ficado suficientemente claro que o estado

desempenha um grande papel para a concretização do Princípio da Igualdade,

82 Ibidem, p. 1170.83 GUERRA FILHO, Wilis Santiago. Notas em torno do Princípio da Proporcionalidade. In:  MIRANDA,Jorge (Org.). Perspectivas constitucionais nos 20 anos da Constituição de 1976. Coimbra: CoimbraEditora, 1996, p. 256.

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enquanto norma de Direito Fundamental. Nesse sentido, trazemos a perspicaz 

colaboração de Ferreira Mendes84 

A moderna dogmática dos Direitos Fundamentais discute a possibilidadede o Estado vir a ser obrigado a criar os pressupostos fáticos necessáriosao exercício efetivo dos direitos constitucionalmente assegurados e sobre apossibilidade de eventual titular do direito dispor de pretensão a prestaçõespor parte do Estado.

De fato, a leitura atual de nossa Carta Magna ampliou em muito a função e a

importância desses direitos, transformando-os em elementos diferenciadores dentro

do ordenamento jurídico. De posse dessa evidência, é que passamos, a seguir, a

mencionar sua hodierna classificação que, seguindo as tendências doConstitucionalismo Contemporâneo, por meio da doutrina, acaba por repensar seu

conceito, tornando-o mais dinâmico e eficiente. 

No encadeamento das idéias expostas neste trabalho, buscaremos a acepção

e o enquadramento do conceito de igualdade e a sua positivação na Constituição

Brasileira de 1988, cotejando e, principalmente, estabelecendo, de forma didática, a

diferenciação da concepção formal da material que se depreende do instituto daigualdade.

Ainda, com este fito, ponderaremos a questão do Princípio Constitucional da

Igualdade como norteador da assunção do Estado Democrático Brasileiro de Direito,

bem como as correlações aos princípios igualmente basilares do ordenamento

 jurídico, para fim adentrarmos especificamente na seara das discriminações.

84 FERREIRA MENDES, Gilmar Ferreira. Os Direitos Individuais e suas limitações: breves reflexões.In:___. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais . Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 203.

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2 A POSITIVAÇAO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO

BRASILEIRA DE 1988

Como prefácio à discussão sobre a efetivação do Princípio da Igualdade,

abordamos, no capítulo antecessor, a evolução do aludido princípio, as designações

do Constitucionalismo Contemporâneo de forma a justificar sua inserção naquela

linha de pesquisa. Para tanto, traçamos as linhas mestras da modalidade de direito

que se tem denominado Direitos Fundamentais, bem como as distinções hodiernas

que a doutrina nos trouxe.

Ademais, expomos ainda elementos conceituais da igualdade como valor e

como princípio fundamental que serão, agora, aprofundados, analisados, por meio

de sua positivação e da demonstração de temas correlatos, de suma importância

para sua contextualização na atual sociedade.

2.1 A leitura Constitucional do Princípio da Igualdade

Anotamos, pois, inicialmente, que antes de adentrarmos no exame a que nos

propomos, impomos a colocação de um apanhado geral sobre a elevação da

Igualdade como princípio constitucional, para somente, depois de vencido esse

obstáculo, trazermos à baila a questão da dicotomia conceitual, qual seja, as visões

material e formal. 

Dessa maneira, diversamente da Constituição anterior (1969), o Princípio da

Igualdade tornou-se eivado de amplitude em seu significado, haja vista ter sido

retirado, de seu âmbito, qualquer elemento limitador à sua incidência, ao dizer tão-

somente “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Segundo Bastos85:

85 Ibidem, p.191. 

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não é à toa que, “o atual artigo isonômico teve trasladada a sua topografia.Deixou de ser um direito individual tratado tecnicamente como os demais.Passou a encabeçar a lista destes direitos, que foram transformados emparágrafos do artigo igualizador”.

Assim, o Princípio da Igualdade caracteriza-se por sua função informativa e

condicionadora na interpretação de todo o ordenamento jurídico, significando dizer

que é um princípio norteador do direito, tanto quanto o princípio da dignidade

humana o é. Nesse sentido, repisamos, que é como se sempre a Constituição

dissesse ao elencar um direito e/ou dever ao final de uma norma, de forma implícita,

“respeitada a igualdade de todos perante este direito” 86.

Desse modo, encontramos essa função norteadora por vários dispositivos

legais. Mas é o sentido constitucional da igualdade, como tal, que é trazido pela

nossa Carta Magna contemporânea em seu art. 5º, caput, a sua maior expressão,

que preleciona a igualdade de todos perante a lei, bem como a inadmissibilidade de

qualquer forma de distinção e discriminação de direitos e liberdades fundamentais, e

a prática de racismo (art. 5º, incisos XLI e XLII).

Ademais, é ofertada a garantia de inviolabilidade a brasileiros e estrangeiros,em território nacional, de direitos de liberdade, segurança, igualdade, dentre outros.

Nesse contexto, apossamo-nos das palavras de Canotilho87 para obter uma melhor

apreensão do panorama da igualdade como um pressuposto ordenatório de juízo de

oportunidades. Ele relata:

O Princípio da Igualdade é não apenas um princípio de Estado de direito  mas também um princípio de Estado Social.Independentemente do problema

da distinção entre “igualdade fáctica” e “igualdade jurídica” e dos problemaseconômicos e políticos ligados à primeira, o Princípio da Igualdade pode edeve considerar-se um princípio de justiça social. Assume relevo enquantoprincípio de igualdade de oportunidades (Equality of opportunity) e decondições reais de vida. Garantir a “liberdade real” ou “liberdade igual”(gleiche Freiheeit) é o propósito de numerosas normas e princípiosconsagrados na constituição. 

Diante dessas ponderações acerca do cenário da igualdade como repositório

de preservação de justiça e/ou oportunidades, entendemos que a Constituição

Federal trata este princípio como político e igualmente jurídico, ambos como

86 Loc. Cit.87 Ibidem, p. 428.

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motrizes de um Estado que se pontua não como bipartite de “Direito” e de “Social”,

mas precipuamente como Estado Social de Direito. Desta forma, permitimo-nos

reaver o sentido primário de seu tema, que encerra o objetivo fulcral da Carta

Constitucional em comento, visto que a igualdade como lei deve representar, antes

de mais nada, o reconhecimento de justiça social para com os Direitos

Fundamentais e Humanos, dentre os quais se insere a igualdade. Nesse contexto,

entendemos que, ao postular esses direitos, denotamos o conjunto de exigências e

pretensões étnicas tais que dizem respeito a todos os seres humanos e favorecem a

liberdade, a dignidade e a igualdade desses.

Assim, a inquietude da sociedade e a busca da real e oportuna igualdadepassam inexoravelmente pela concepção de justiça como pressuposto fundamental

da filosofia e sociologia política modernas do nosso mundo contemporâneo.

Destarte, uma interessante opção para tratarmos da acepção de justiça

deveria iniciar pelo desmembrar de concepções como opressão, dominação,

discriminação e outras formas desequiparatórias inconstitucionais. Portanto, uma

 justiça social que pretenda ser universal deve lastrear-se pelo caráter ímpar dacompreensibilidade e reflexão moral e é, nesse sentido de reflexão, que a justiça

deve ser racional a ponto de saber escutar e de dar atenção às demandas sociais

emergentes, em especial as de caráter discriminatório e atentatório ao Princípio

Constitucional da Igualdade.

Precisamos, portanto, não só de políticas públicas eficazes, como o

engajamento da sociedade, de modo que todos possam desenvolver o seu papel decidadão bem além do direito ao voto. Dessa maneira, toda essa questão acaba

redundando num aspecto puramente cultural, pois o ativismo da cidadania ainda

não é algo que traga grandes comoções públicas. As audiências públicas são um

bom exemplo de que apenas uma parcela da população comparece nessa

administração compartilhada, normalmente aqueles ligados a partidos políticos,

deixando a grande massa sem acesso às questões de gestão. Sem dúvida, isso

precisa ser modificado, a fim de que todas as demandas da comunitárias sejam

ouvidas.

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Devemos considerar que “a igualdade não assegura nenhuma situação jurídica

específica, mas na verdade garante o indivíduo contra toda má utilização que possa

ser feita na ordem jurídica” 88, visto ser papel da lei impor distinções, o que será

amplamente discutido ao tratarmos da questão principal desse trabalho, qual seja a

questão da reserva de cotas para afrodescendentes e para aqueles oriundos do

ensino público.

Assim, quando ligamos a idéia de igualdade com não-discriminação, o que se

deve vedar é a idéia de discriminação arbitrária, absurda, e não qualquer

diferenciação legal. E é com base nessa designação que o Princípio da Igualdade

apresenta seu entorno tão fundamental, perpetuando a noção de que o mesmo, “[...]é, portanto, o mais vasto dos princípios constitucionais, não se vendo recanto onde

ela não seja impositiva” 89.

Imperioso, pois, repisarmos a distinção de apresentação do princípio isonômico

na nossa Carta Constitucional, uma vez que dele depreende-se, com clareza, o

duplo aspecto de igualdade ora como “na” lei e ora como “perante” a lei. Cientes de

que essa confusão conceitual prescinde de uma análise mais clara, nos detemos,por ora, nessa questão.

Anotamos, nesse passo, que a Igualdade perante a lei encerra a compreensão

da mesma já estar positivada de forma que a aplicabilidade e a execução dela

exigem, por parte do Poder Executivo e/ou Judiciário, que esses Poderes não a

façam sob o manto de qualquer discriminação. Enquanto que a Igualdade na lei,

segundo Chimenti e outros90

, constitui exigência destinada ao legislador, que, naelaboração da lei, não poderá fazer nenhuma discriminação. Aliás, a lei punirá

qualquer discriminação atentatória aos direitos e às liberdades fundamentais (art.5º,

XLI).

Destacamos, outrossim, que esses mesmos autores enriquecem nosso

trabalho ao apresentar vários exemplos, um em especial, que demonstram, na

88 BASTOS, loc. cit.89 Loc. cit..90 CHIMENTI, R. C. et al. Curso de Direito Constitucional . 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.58.

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prática, a aplicabilidade do princípio da isonomia, extraído da Carta Constitucional.

Os autores afirmam:

O Princípio da Igualdade sem distinção de raça, cor e origem, que vai alémdo repúdio ao racismo (art.4º, VIII), vedando-se também qualquer outraforma de discriminação, como a feita contra pessoas de origem humilde,contra nordestinos etc. Nesse diapasão, a lei não poderá estabelecerdistinção entre brasileiros natos e naturalizados, além dos casos previstosna Constituição (art.12, § 2º). A prática de racismo constitui crimeinafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, na forma da lei(art. 5º, XLII).

Para concluirmos a ilustração sobre o Princípio da Igualdade, precisamos, além

dessas observações iniciais já transcritas, esboçar, na seqüência, de forma mais

profícua, a igualdade nas suas diversas formas de manifestações, bem como sob

seus aspectos formal e substancial e sua crucial correlação a outros princípios

basilares do Estado Democrático de Direito.

2.2 As diferentes designações do Instituto da Igualdade: Formal e Material

Na tentativa de dar resposta as diferentes acepções que o termo igualdade

encerra, avaliamos ser necessária a postulação daquelas pela doutrina pátria, a fim

de clarificar e distinguir tal conceituação.

Nessa conjuntura, destacamos dois importantes momentos no processo de

conceitualização desse princípio, quais sejam: segundo a ótica liberal, esse princípio

atinha-se à proclamação da igualdade de todos perante a lei, sob a acepção

estritamente formal, dissociada do interesse de eliminar as desequiparações sociais

e econômicas. No início do século passado, a acepção do princípio ganhou novo

entendimento, ou seja, passamos a compreender a igualdade como um conceito

substancial que encerra o aspecto de proporcionalidade e ponderação no que tange

à consideração das peculiaridades específicas de cada pessoa, pontuado por

Faria91, “... além da igualdade perante a lei, deverá existir igualdade perante a vida”.

91 Ibidem, p. 264-265.

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Ainda, dito princípio apresenta-se, no direito pátrio, por meio de várias feições e

definições que, uma vez cotejadas, possibilitam visualizar-se uma expressão

específica que vem embasar o propósito desse projeto. Eis a expressão: O Princípio

da Igualdade tem como destinatários tanto o legislador, quanto o aplicador da lei e

ambos devem imbuir-se no objetivo maior que é a busca do modo justo de se viver

em sociedade.

Percebemos, pois, a existência de uma visão jurídico-formal manifestada pela

expressão “igualdade perante a lei”, a qual vem corroborada taxativamente na

Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, caput, que prenuncia: “todos são

iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza....”

Logo, observamos que paira, sobre a elite jurídica, uma inquietação

significativa diante do fato de que grande número de intérpretes constitucionais vem

dando uma compreensão, de forma muito estreita, aos dispositivos que normatizam

o Princípio da Igualdade, como o referido artigo 5º, caput, da CF/ 88. Equivale dizer

que se trata de uma visão apenas de isonomia formal – todos tratados igualmente

pela lei e sua aplicação, sem levar em conta as variadas distinções existentes nosgrupos.

Assim sendo, essa interpretação contraria ou subestima a verdadeira

compreensão e a existência de outros tantos dispositivos da própria Constituição,

traduzidos, por exemplo, no artigo 7º, incisos XXX e XXXI. Dispositivos tais que

trazem, no seu bojo, igualmente, a efetiva preocupação em se exigir justiça social,

como objetivo não só da ordem econômica, mas também da ordem social, proibindodistinção de salários, de exercício de funções, por motivo de sexo, cor, raça, dentre

outros, que encerram sinônimos da isonomia material.

Desse modo, a Constituição Federal, no modo como dispõe a questão do

Princípio da Igualdade, dá margem para que surjam duas formas de interpretações,

ou seja, em um Estado de Direito, como se constitui o nosso, o princípio em tela,

segundo seu enfoque constitucional, pode ser reconhecido sob dois ângulos, duas

vertentes interpretativas, quais sejam: uma formal e outra material.

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Pelo prisma abordado, objetivando a concretização dos ideais lançados,

insistimos na essencialidade do estabelecimento da distinção de acepções do

princípio referido, pois, quando da análise dessas, delimitaremos que acepção

material será reconhecida como fio condutor de fundamentação teórico-

constitucional à concretude das medidas e políticas que pontuam a desequiparação,

que será abordada no deslinde desse trabalho.

Contudo, em linhas iniciais não podemos deixar de ressaltar que é a acepção

formal do Princípio da Igualdade que se encontra, primeiramente, estatuída em

nossa ordem jurídica. Como observa Souza92:

A igualdade formal trata da necessidade de vedar ao Estado toda forma detratamento discriminatório negativo, ou seja, de proibir todos os atosadministrativos, judiciais ou expedientes normativos do Poder Público quevisem à privação do gozo das liberdades públicas fundamentais doindivíduo com base em critérios suspeitos, tais como a raça, a religião ou aclasse social.

Apesar de, formalmente, não se admitir qualquer forma discriminatória de

cunho negativo, o que se percebe é que esse contorno de positivação formal do

instituto da igualdade, por si só, não basta para a solubilidade das questões

concernentes às desigualdades discriminatórias de fatos oriundos do processo

histórico-político e da edificação cultural, assim como das atuais formas de

marginalização do ser humano, excluso do cotidiano. Tal ponderação decorre da

percepção da falta de instrumentos políticos de efetivação da promoção da

igualdade que será, ao fim e ao cabo, alcançado por meio da concepção material do

deflagrado princípio.

Por essas razões, torna-se de fácil assimilação o entendimento de Kelsen93,

que vem ao encontro desse mesmo juízo, ao assinalar:

Com a garantia da igualdade perante a lei, no entanto, apenas seestabelece que os órgãos aplicadores do Direito somente podem tomar emconta aquelas diferenciações que sejam feitas nas próprias leis a aplicar.Com isso, porém, apenas se estabelece o princípio imanente a todo oDireito, da juridicidade da aplicação do Direito em geral e o princípio

92 SOUZA, ibidem, p. 272.93 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 3ª ed., Coimbra:Armênio Amado. [195?], p. 204.

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imanente a todas as leis da legalidade da aplicação das leis, ou seja,apenas se estatui que as normas devem ser aplicadas de conformidadecom as normas jurídicas.

Isto, portanto, nos faz reconhecer que o tratamento formal da igualdade não ésuficiente para o alcance efetivo do tratamento igualitário, aquele que prima pela

satisfação do verdadeiro atendimento das especificidades dos segmentos menos

desprovidos.

Todavia, é o aspecto formal que nos dará o devido parâmetro tanto para a

compreensão dessa forma de acepção, como também para a delimitação do

segundo aspecto, derrogatoriamente material, de forma que se torna imprescindívelreconhecermos a importância de ambos sem qualquer aferição de hierarquia de

importância e/ou interesse para a consagração do objeto desse trabalho. Ainda

podemos colacionar o argumento trazido por Silva94:

Nossas constituições, desde o Império, inscreveram o Princípio daIgualdade, como igualdade perante a lei , enunciado que, na sua literalidade,se confunde com a mera isonomia formal , no sentido que a lei e suaaplicação tratam a todos igualmente , sem levar em conta as distinções de

grupos. 

Numa análise estreita, retiramos, do bojo normativo que acompanha tal

ensinamento, que esta concepção formal, que escolta o Princípio da Igualdade,

significa que os organismos jurídicos não podem e nem devem inferir distinções que

a própria lei, posta em tela, não faça. Ousamos, ainda, entender que é possível a

feitura de uma analogia desse viés do referido princípio com o princípio da

Legalidade, cujo norte dá-se estritamente nos parâmetros legais, isto é, nada além,

nem aquém, ao permitido pela lei.

Nesse sentido, temos a designação do que seja a igualdade formal, presente

em nossa atual Carta Magna, assim como em quase todas as Constituições

Democráticas da modernidade. Assim entendido, o formalismo dessa igualdade

“consiste no direito de todo cidadão não ser desigualado pela lei senão em

94 Ibidem, p. 214

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consonância com os critérios albergados ou ao menos não vedados pelo

ordenamento constitucional” 95.

Analisando a questão em um segundo prisma, temos o Princípio da Igualdade

buscando propiciar, perante o direito, um tratamento legislativo e jurídico igualitário

aos iguais e, por questão de justiça, da mesma forma tratar os desiguais,

desigualmente. Esta é, em linhas inaugurais e singelas, a forma denominada de

igualdade material, substancial, que impetra uma igualdade real, efetiva, entre todos

os homens, perante os bens da vida. Nesse contexto, postulamos que a igualdade

material, antes de mais nada, deriva da necessidade de tratamento singular e

distintivo ao conjunto de pessoas, o qual se encontra deficitário de igualização,frente as suas peculiaridades e/ou posições específicas.

Portanova96 enriquece tal ordenamento de idéias supra-referidas, quando

enuncia:

Não é difícil de constatar: o princípio jurídico da igualdade ou da isonomiaé um princípio dinâmico. Melhor se diria ao denominá-lo princípio

igualizador. Ou seja, não se trata de uma determinação constitucionalestática que acomoda na fórmula abstrata “todos iguais perante a lei”. Pelocontrário, a razão de existir tal princípio é propiciar condições para que sebusque realizar a igualização de condições desiguais.É que, havendo indiscutivelmente desigualdades, a lei abstrata eimpessoal que incida em todos igualmente, levando em conta apenas aigualdade dos indivíduos e não a igualdade dos grupos, acaba por gerarmais desigualdades e propiciar injustiças.

Nesse diapasão, segundo Villas-Bôas97:

O Princípio da Igualdade desdobra-se em dois outros princípios, quaissejam:- Princípio da Igualdade formal, que diz respeito ao Princípio da Igualdadeperante a lei; e- Princípio da Igualdade material, que se refere ao princípio da reduçãodas desigualdades.[...] Nascia assim a igualdade formal, que preconiza que todos os homenssão iguais perante a lei. [...] Não sendo o Princípio da Igualdade formalsuficiente para se atingir a igualdade, uma vez que não vemacompanhado de institutos hábeis para torná-lo um princípio eficaz,evoluímos para o Princípio da Igualdade material [...] “Desta forma,

95 BASTOS, ibidem, p.188.96 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 39.97 VILLAS-BÔAS, Renata Malta. Ações Afirmativas e o Princípio da Igualdade . Rio de Janeiro:América Latina, 2003, p. 20.

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visando a promover a igualdade material, e não apenas a igualdadeformal, a lei passa a ter como uma das suas funções essenciais apromoção de igualdades onde seja possível e se preciso for, desigualarem determinados aspectos para que tenhamos como resultado umequilíbrio justo”.

Visando aos avanços em direção à igualdade substancial, ou do que mais se

aproxime dela, eis que se constitui o escopo da presente pesquisa. Valemo-nos de

normas ditas programáticas voltadas a diminuir as desequiparações materiais e

sociais existentes na sociedade atual, bem como da implementação das políticas ou

programas de ação estatal, por meio das ditas Ações Afirmativas, que serão

retomadas adiante com mais afinco.

Silva98, em posicionamento peculiar, entende que a igualdade deve ser

interpretada, aproximando-se as duas formas de igualdade expressas na própria

constituição federal.

Assevera ainda Pérez-Luño99, com propriedade, a justificativa para a real

compreensão da diversidade da noção do Princípio da Igualdade:

La noción de igualdad, como casi todos los grandes valores fundamentales,

presenta estrechas concomitancias con otros princípios ideales (libertad,

 justicia, bien común...) Dirigidos al desarrollo ético-social de la comunidad 

humana. Esta condición, junto con la diversidad de planos y etapas 

históricas em los que há venido utilizada há sido motivo de su diversidad 

significativa.

Assim, da leitura acima se infere que tal princípio, além de toda carga

principiológica que lhe é peculiar, serve como critério de fundamentalidade para

outros princípios de similar importância.

Por derradeiro, Silva100, ao tratar especificamente do direito de igualdade,

salienta que este direito há muito não vem recebendo um destaque maior nas rodas

de discussão, se comparada ao direito de liberdade. Em suas palavras, 

98 SILVA, Ibidem, p. 215.99 Ibidem, p. 16.100 Op.cit., p.206.

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(...) A igualdade constitui o signo fundamental da democracia. (...) Nãoadmite os privilégios e distinções que um regime simplesmente liberalconsagra. (...) Por isso é que a burguesia, cônscia de seu privilégio declasse, jamais postulou um regime de igualdade tanto quanto reivindicara ode liberdade. (...) É que um regime de igualdade contraria seus interesses

e dá à liberdade sentido material que não se harmoniza com o domínio declasse em que se assenta a democracia liberal burguesa.

Em que pese o teor crítico de tal postulação, laureamos o fato do

reconhecimento do Princípio da Igualdade como símbolo do ideário democrático,

como será comentado adiante.

Nesse ponto do trabalho, realizadas essas considerações a respeito da

inserção do princípio em tela, segundo a visão constitucional e de uma análisesintética da dicotômica acepção que emoldura o Princípio da Igualdade, passamos a

aprofundar os ensinamentos doutrinários que cercam as correlações desse princípio

no âmbito do Estado Democrático de Direito. No mesmo ensejo, serão abordadas as

conceituações necessárias para a boa fluidez da compreensão da proposta.

2.3 O Princípio da Igualdade como vetor basilar e constitucional do EstadoDemocrático Brasileiro de Direito

A atual concepção de Estado Democrático de Direito é constituída por um

arcabouço de diretrizes normativas que servem de base interpretativa e construtiva

do sistema jurídico e que denominamos princípios. É, pois, o Princípio da Igualdade,

pedra angular desse trabalho, o esteio da ordem jurídica democrática.

Dessa forma, antes de ingressarmos no exame primordial a que nos propomos,

precisamos vencer algumas etapas, como o é a questão dos princípios dentro do

nosso ordenamento jurídico. Primeiro, cotejaremos o princípio vetor desse trabalho e

seus desdobramentos, como direito e garantia individual que é. Depois, aferiremos

outros princípios de igual ou maior status , quais sejam o da Proporcionalidade e o da

Dignidade Humana e seus desdobramentos dentro do Estado Democrático de

Direito.

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Deixamos anotado que o detalhamento dessa questão vem sendo feita ao

longo do trabalho, até porque é ela quem orienta a conformação de todo propósito

do tema. Assim, cumpre destacarmos que, por vezes, ainda se retomará tal

perspectiva no intuito de tornar facilmente compreensível a pedra angular desse

trabalho, já que ao direito cabe a competência de garantir esses preceitos e a nós

esmiuçá-la da maneira mais didática possível.

Nessa proposta, precisamos, de forma correlata, demonstrar alguns dados

históricos de referência importantíssima nesse contexto de surgimento do Estado

Democrático de Direito. Dessa maneira, foi a partir do colapso do petróleo, em 1973,

que se instaurou uma crise no Estado de Bem-Estar Social (Welfare State). OEstado encontrava-se com grandes dificuldades de execução de suas tarefas,

devido ao surgimento de novos fatores, como o desemprego, a globalização, a

grande expansão tecnológica e capitalista, dentre outros, fazendo surgir o atual

Estado Democrático de Direito como uma reação às anomalias daquele Estado.

Nessa conjuntura, nunca é demais lembrar que o caput do artigo 1º da CF

estabelece que, em relação à forma de governo e à forma de Estado, o Brasil é umaRepública Federativa, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e

do Distrito Federal.

Assim, as constituições passam a incorporar uma função essencialmente

principiológica, de textura aberta. Há um fortalecimento da idéia dos Direitos

Fundamentais e da Dignidade Humana nas Constituições, que acabam

representando o elemento de estabilidade da sociedade, havendo um grande relevoao Poder Judiciário.

Nesse contexto, a Constituição, que já era considerada lei fundamental, passou

a proclamar sua supremacia também no campo normativo. Em outras palavras, a

Constituição, na qualidade de lei suprema, é quem agrega em torno de si todo o

complexo de normas que compõe o ordenamento jurídico, expressando uma ordem

material de valores101. O princípio da Dignidade passa a exercer o papel, mais que

101 FINGER, ibidem, p. 95.

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merecido, de cume do ordenamento jurídico em todo Estado que se reconhece como

Democrático de Direito, como se destacará à frente.

Portanto, a Constituição Federal de 1988 possui força normativa e é

considerada como lei suprema, sendo que todos os atos praticados devem-lhe se

adaptar, sob pena de inexistência, nulidade, anulabilidade ou ineficácia. Nesse

sentido, todo o direito infraconstitucional é constitucionalizado, não se podendo,

exemplificativamente, ter um direito administrativo, independente em relação ao

Direito Constitucional, como já brevemente evidenciado quando da demonstração do

dinamismo das normas no atual Constitucionalismo e a conseqüente

Constitucionalização do Direito Privado.

Aqui, cabe a tessitura de alguns comentários a respeito da localização do

Princípio da Igualdade dentro da Constituição Federal. Assim, o artigo 5º é

considerado o artigo, por excelência, que abriga os chamados direitos e garantias

individuais. A propósito, o seu caput começa mencionando o direito de igualdade de

todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, servindo de orientação aos

setenta e oito incisos que o sucedem, ou seja, em toda a interpretação do festejadoartigo ter-se-á que manter sempre presente tal princípio.

Repetindo, como vimos, que a igualdade constante nesse artigo é a igualdade

que a doutrina denominou de formal, eis que inexiste a possibilidade de existência

expressa da igualdade material no corpo do texto constitucional. De posse dessas

premissas, podemos estender a designação de que o Princípio da Igualdade como

orientador de todo rol do artigo 5º é, igualmente, integrante das garantias de direitoindividual e, como tais, resguardados a condição de cláusula pétrea, ou seja,

imodificáveis pelo legislador ordinário.

Como vivemos sob a égide de um Estado que, como o próprio nome já diz, é

democrático, por óbvio, que se exige dos membros da comunidade uma co-

participação nas questões de gestão, eis que, atualmente, se concebe cidadania sob

um novo viés, exigindo-se um maior ativismo por parte da população. Como exemplo

do que estamos expondo, podemos citar o art. 14 da CF que traz os instrumentos de

participação popular como iniciadores do processo legislativo; o artigo 29 do mesmo

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diploma legal, que requer a participação dos representantes de associações

populares no processo de organização das cidades, dentre outros que se referem à

participação das associações civis.

É por meio dessas afirmações legislativas que nos é possível a incorporação

de novos ideais culturais, que ainda precisam desabrochar dentro da sociedade,

pois, até o presente momento, ao menos formalmente, a democracia participativa foi

implantada, restando-nos agora a divulgação de uma consciência cidadã e,

conseqüentemente, uma maior participação de todos nesse processo.

Indubitavelmente, a proposta é de que descentralização e democratização

caminhem juntamente, a fim de garantir a formulação de políticas públicas eficazes,que respondam satisfatoriamente aos anseios da população.

De plano, consideramos que o Estado desenvolve sua função administrativa

por meio de órgãos, agentes e pessoas jurídicas. Para tanto, ele (Estado) adota

duas formas de organização administrativa: centralização e descentralização. A

primeira ocorre sempre que executa suas tarefas diretamente, por meio dos órgãos

e agentes integrantes da Administração Direta. A segunda, da qual se comentaacima e se correlaciona com a democratização, acontece quando o Estado

desenvolve uma ou mais funções por meio de outras pessoas jurídicas. Dessa

forma, a descentralização pressupõe a existência de duas pessoas jurídicas

distintas: o Estado e a entidade que executará o serviço e é, nesse ínterim, que

invocamos a participação popular.

Leal e Reck102

preconizam essa idéia de democracia. Em suas palavras:

A idéia de Estado Democrático de Direito, como referimos antes, estáassociada, necessariamente, à existência de uma Sociedade Democráticade Direito, o que de uma certa forma resgata a tese de que o conteúdo doconceito de democracia aqui se assenta na soberania popular (poderemanado do povo) e na participação popular, tanto na sua forma diretacomo na indireta, configurando o que podemos chamar de princípioparticipativo, ou, em outras palavras: democratizar a democracia através da

102 LEAL, Rogério Gesta; RECK, Janriê Rodrigues. Possíveis dimensões jurídico-políticas locais dosdireitos civis de participação social no âmbito da gestão dos interesses públicos. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. LEAL, R.G.; REIS, J. R. (ORG.).Santa Cruz do Sul:EDUNISC, 2004, p. 968.

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participação significa em termos gerais, intensificar a optimização dasparticipações dos homens no processo de decisão.

Nessa perspectiva, encontramos também Oliveira Filho103 expressando que:

a tendência da administração pública em sobrepor os seus atos aoconsentimento do cidadão vem sendo substituída por novos modelos degestão em que o papel do cidadão passa de mero espectador paracolaborador ativo, co-gestor, prestador e fiscalizador. Após a promulgaçãoda Constituição Federal de 1988, tem havido no país uma tendência àproliferação dos sistemas de gestão democrática, mediante a criação deconselhos, comissões e comitês. A Constituição estabeleceuexpressamente sistemas de gestão democráticos em vários campos daadministração pública, o que inclui o planejamento participativo, mediante acooperação das associações representativas no planejamento municipal,

como preceito a ser observado pelos municípios (art. 29, XII).

De fato, o reconhecimento de mecanismos jurídico-políticos de efetivação da

democracia, por meio da participação dos cidadãos no processo de gestão

democrática, é algo de fulcral importância no desdobramento da nossa história

política, que precisa cada vez mais ser intensificado.

Trazendo a questão da igualdade, nesse contexto, precisamos considerá-la

como pressuposto do Princípio da Dignidade Humana e, portanto, da sua faceta

política, a cidadania como meio de participação social e, conseqüentemente, do

próprio Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, podemos dizer que

todos esses institutos se mantêm graças a existência de todos, ou seja, eles são

indissociáveis. Vejamos o porquê.

O federalismo permite a responsabilidade do governo para com as pessoas e

incentiva a participação e a responsabilidade dos cidadãos. No caso brasileiro,apresenta a peculiaridade de estender aos municípios a característica de ente

federado, permitindo que os governos locais elaborem e administrem suas leis. Suas

responsabilidades são, portanto, compartilhadas e resguardadas pela Constituição

que delineia o âmbito dessas responsabilidades para cada nível de governo.

Essa descentralização de poder adveio com a CF/88 e permite que as leis

locais possam refletir as preferências dos cidadãos. Dessa forma, a103 OLIVEIRA FILHO, João Telmo. O Estatuto da Cidade: fundamentos e principais instrumentos.Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5370>. Acesso em 04 jul. de 2005.

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indissociabilidade de tais institutos parece ser impossível, uma vez que o sistema

federativo, para sua eficácia, precisa de idéias democráticas e da conseqüente

participação dos cidadãos em todos os níveis de decisão, e somente, desse modo, é

que se estará na promoção de outros princípios como o da igualdade e o da

dignidade humana.

Aliás, segundo Sarlet104:

A imbricação dos Direitos Fundamentais com a idéia específica dedemocracia é outro aspecto que impende seja ressaltado. Com efeito,verifica-se que os direitos fundamentais podem ser considerados

simultaneamente pressuposto, garantia e instrumento do princípiodemocrático da autodeterminação do povo por intermédio de cadaindivíduo, mediante o reconhecimento do direito de igualdade (perante a leie de oportunidades), de um espaço de liberdade real, bem como por meioda outorga do direito à participação (com liberdade e igualdade), naconformação da comunidade e do processo político, de tal sorte que apositivação e a garantia do efetivo exercício de direitos políticos (no sentidode direitos de participação e conformação do status político) podem serconsideradas fundamento funcional da ordem democrática.

Assim, embora existam algumas diferenças nas várias democracias, certos

princípios e práticas caracterizam o governo democrático de outras formas de

governo. Assim posto, podemos conceituar a Democracia como o governo no qual o

poder e as responsabilidades são exercidos por todos os cidadãos, diretamente ou

através dos seus representantes eleitos.

É possível perceber, ainda, que há uma crise no modelo do Estado social-

burocrático que não mais se sustenta e que tem sido gradativamente substituído por

formas de controle social direto sobre a administração pública e do próprio Estado.

Essa proteção do direito à coisa pública implica no recriamento desse espaço

público que torna possível a ligação do “Princípio da Igualdade política” com o da

participação popular em prol do interesse comum, o que reforça a tese de que tais

institutos são indissociáveis, após o modelo implantado pela Constituição Federal de

1988.

104 SARLET, Ingo Wolfang. A eficácia dos Direitos Fundamentais . 3 ed. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2003, p. 67.

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Portanto, o processo de democratização da sociedade civil, fundamental para a

reforma do Estado e que garante os direitos de cidadania, fica na dependência da

atuação governamental e da distribuição de renda para tal, assim como da

capacidade de organização e de consciência dos cidadãos da sociedade civil, que

não devem ser confundidos com o governo, mas constituem parte essencial dele.

Por fim, com base nos ideais aqui lançados, podemos, de acordo com Sarlet105,

concluir que, além da indissociável relação “entre as noções do Estado de Direito,

Constituição e direitos fundamentais, este sob o aspecto de concretizações do

princípio da dignidade da pessoa humana, bem como dos valores da igualdade,

liberdade e justiça” são condições de “existência e medida de legitimidade de umautêntico Estado Democrático e Social de Direito”.

Embora não tenhamos a pretensão de esgotar e aprofundar os diversos

assuntos que poderiam ser suscitados nessa conjuntura, na medida em que apenas

nos propusemos a contextualizar tais fatos, entendemos ser adequada, para efeitos

dessa dissertação, a referência de, ao menos, dois outros princípios basilares e de

igual importância no ordenamento jurídico, quais sejam: o Princípio da DignidadeHumana e do da Proporcionalidade, eis que, ao analisarmos o Princípio da

Igualdade confrontando-o com as denominadas Ações Afirmativas de inserção

educacional, nos utilizaremos deles como suportes constitucionais para a

implementação ou não de tais políticas.

A partir do que foi antes exposto, escolhemos o caminho de iniciar essa

correlação partimos da premissa de que o Estado Democrático de Direito possuicomo fundamento o respeito à dignidade da pessoa humana, ou seja, um Estado

submetido ao direito e que se pauta pela lei e, por via de conseqüência, obedece ao

princípio da legalidade. Outrossim, da legalidade decorre o Princípio da Igualdade,

ambos sob o crivo de uma justiça, o que resulta, segundo Ferreira Filho, em

posicionamento peculiar, no Princípio da Justicialidade106.

105 Idem, 2003, p. 68.106 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Estado de Direito e Constituição . São Paulo: Saraiva,1999, p. 30 -31.

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Portanto, o Princípio da Proporcionalidade encerra, resumidamente, a

necessidade de buscar-se um equilíbrio para a efetivação de todo e qualquer direito

fundamental. É Bonavides107 quem nos enriquece com a afirmação da existência de

dois aspectos relevantes desse princípio, trazidos por um publicista francês: “o

princípio da proporcionalidade é regra fundamental a que devem obedecer tanto os

que exercem quanto os que padecem o poder” – sentido amplo -, enquanto que em

sentido restrito, assinala-se a relação entre fim e meio, de acordo com o objetivo a

ser atingido.

Nesse sentido mais estrito, assinala-se tal relação, de acordo com o objetivo a

ser atingido. Nas palavras desse autor108:

Nesse segundo sentido, “há violação da proporcionalidade, com ocorrênciade arbítrio, toda vez que os meios destinados a realizar um fim não são porsi mesmos apropriados e ou quando a desproporção entre meios e fim éparticularmente evidente, ou seja, manifesta”. 

Diante disso, no confronto da igualdade versus a implementação de ações

afirmativas, valemo-nos da incidência do aludido princípio visto que este norteador

 jurídico busca a solidez do próprio Estado de Direito. Além disso, numa relação

estreita com o Princípio da Igualdade, de acordo com Bonavides109, contribui para

conciliar o direito formal com o direito material em ordem a prover as exigências de

transformações sociais extremamente velozes e, de outra parte, juridicamente

incontroláveis caso faltasse à presteza do novo axioma constitucional. 

Historicamente, o Princípio da Proporcionalidade é antiqüíssimo, porém

redescoberto nos últimos duzentos anos, deveras aplicado no direito administrativo.No direito constitucional, teve grande projeção no final do século passado. Tal

princípio vincula-se à busca de solidez do próprio Estado de Direito que se ampara,

nessa segunda fase, na abertura da constitucionalidade,  uma vez que aquele

necessita fortalecer-se e instaurar as dimensões de direitos, buscando legitimá-los

no esteio daquele mesmo princípio, tornando-o assim essencial à fundamentação

constitucional. Daí o seu alcance primordial, cada vez maior na aferição da

107 Ibidem, p. 531.108 Loc. cit.109 Ibidem, p.360.

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constitucionalidade dos atos do executivo, do legislativo e do próprio judiciário, já

que, inicialmente, destacamos como instrumento garantidor e protetor dos direitos

fundamentais da pessoa humana110.

Com efeito, “cânone de grau constitucional” com que os juízes corrigem odefeito da verdade da lei, bem como, em determinadas ocasiões, “asinsuficiências legislativas provocadas pelo próprio Estado com lesão deespaços jurídicos fundamentais”, como assevera ainda o publicistaespanhol Penalva, o princípio da proporcionalidade assume, de último,importância que só faz crescer, qual se depreende do estudo de Stelzer,constante da mais recente bibliografia austríaca de direito constitucional, eestampado em 1991.

No Brasil, o Princípio da Proporcionalidade não existe como norma escrita e

sua utilização pelos Tribunais é alvo de questionamento por alguns doutrinadores.

Porém, vários mestres, como, Ferreira Mendes111, são árduos defensores da

utilização da proporcionalidade no Direito brasileiro, inclusive, corrobora nesses

entendimentos vasta jurisprudência do STF.

Apesar de possuírem origens diversas, os Princípios da Igualdade e da

Proporcionalidade entrelaçam-se, na medida em que se exige que se recorra

também ao juízo da razoabilidade, a fim de obtermos um equilíbrio entre diferentes

valores a serem preservados. Os valores fundamentais a um Estado Democrático de

Direito devem ser defendidos da inconstitucionalidade de leis, às quais falta o caráter

de generalidade, editadas para beneficiar ou prejudicar acanhado grupo de pessoas.

Segundo Guerra Filho112, temos que:

Indagar se o princípio da proporcionalidade efetivamente corresponderia auma garantia fundamental, podendo a mesma questão ser colocada emface do princípio da isonomia (mais conhecido por igualdade entre nós –grifos nossos). Ambos os princípios, aliás, acham-se estreitamenteassociados, sendo possível, inclusive, que se entenda a proporcionalidadecomo incrustada na isonomia, pois como se encontra assente em nossadoutrina, com grande autoridade, o princípio da isonomia traduz a idéiaaristotélica – ou, antes, “pitágórica”, como prefere Del Vechio – de“igualdade proporcional”, própria da “justiça distributiva”, “geométrica”, quese acrescenta àquela “comutativa”, “aritmética”, meramente formal – aqui,igualdade de bens; ali, igualdade de relações.

110 BONAVIDES, ibidem, p.358.111 Ibidem.112 GUERRA FILHO, ibidem, p. 254.

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Dessa maneira, desmembrando os ensinamentos do autor e correlacionando

às considerações de Canotilho113, podemos dizer que a proporcionalidade, seja

como princípio ou comando de agir, busca, sobremaneira, a adequação dos meios

aos fins, quando colocados em debate por meio do juízo de ponderação, objetivando

a avaliação do meio utilizado, isto é, se ele é ou não desproporcional em relação ao

fim.

Para a sua eficácia restauradora, no entanto, dependerá mais do que da sua

mera adequação, ou seja, ficará na dependência de uma redefinição do conceito de

igualdade e, por que não dizer, do conceito de tolerância, em especial dos membros

majoritários a quem as medidas possam soar como limitadoras do Princípio daIgualdade formal.

Nesse mesmo espectro de idéias, sobre o princípio da proporcionalidade,

Steinmetz114 pondera,

Em matéria de limitação dos direitos fundamentais, pressupõe aestruturação de uma relação meio-fim, na qual o fim é o objetivo ou

finalidade perseguida pela limitação, e o meio é a própria decisãonormativa, legislativa ou judicial, limitadora que pretende tornar possível oalcance do fim almejado. O princípio ordena que a relação entre o fim quese pretende alcançar e o meio utilizado deve ser proporcional, racional,não-excessiva, não-arbitrária. Isso significa que entre meio e fim devehaver uma relação adequada, necessária e racional ou proporcional.

Sustenta, ainda, Bonavides115: 

Finalmente, com a introdução do princípio da proporcionalidade na esferaconstitucional, o constitucionalismo mergulhou a fundo na existencialidade,

no real, no fático, sendo contraditórias desse processo todas asConstituições que, por demasiado formalismo, põem a confiança de suaeficácia e normalidade na extensão do texto, na qualificação prolixa deartigos e parágrafos, como se esse fora o critério de qualidade dosestatutos fundamentais” [...]. Chegamos, por conseguinte, ao advento deum novo Estado de Direito, à plenitude da constitucionalidade material.Sem o princípio da proporcionalidade, aquela constitucionalidade ficariaprivada do instrumento mais poderoso de garantia dos direitosfundamentais contra possíveis e eventuais excessos perpetrados com opreenchimento do espaço aberto pela Constituição ao legislador para atuarformulativamente no domínio das reservas de lei.

113 Ibidem, p. 270.114 STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade .Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 149.115 Ibidem, p. 386.

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Assim sendo, consoante inteligência desse mesmo jurista, a vinculação do

aludido Princípio da Proporcionalidade ao Direito Constitucional, genericamente

falando, dá-se por via dos Direitos Fundamentais e é nesse sentido que o mesmo

ganha extraordinária proeminência auferida a outros tantos princípios cardeais e

afins, nomeadamente como o Princípio da Igualdade.

Inauguremos o estudo do núcleo temático do Princípio da Dignidade Humana,

como concepção de Direito Humano, por meio dos ensinamentos de Peces-

Barba116, que nos presenteia com seus ensinamentos:

La dignidad humana es el fundamento de la ética pública. Ésta, como paradigma político y jurídico de la modernidad, está conformada por cuatro grandes valores: la liberdad, la igualdad, la solidaridad y la seguridad  jurídica. La idea de dignidad humana, para su realización a través de la vida social, inseparable de la condición humana, se plasma en esos cuatro valores, cuyo núcleo esencial lo ocupa la liberdad, matizada y perfilada por la igualdad y la solidaridad, en un contexto de seguridad jurídica.La ética pública configura una organización jurídica y política donde cada uno puede establecer libremente sus planes de vida o elegir entre aquellos proyectos de planes de vida institucionalizados […] La dignidad humana se presenta como el referente principal de los valores políticos y jurídicos de la ética pública de la modernidad y de los principios y derechos que de ellos derivan. Por tanto, la idea de dignidad humana constituye, igualmente, el fundamento de los derechos humanos 117 .

Seguindo a esteira de raciocínio apresentado, podemos inferir no que tange à

dignidade humana, que esse princípio é, do mesmo modo, princípio basilar da

contemporaneidade dos Direitos Humanos e representa o pilar referencial do

pensamento político, moral e jurídico, sendo esse último o sustentáculo da

fundamentação da tripartição valores, princípios e direitos.

116 PECES-BARBA, Martinez Gregório. Dignidad humana.In:___.TAMAYO, Juan José (Coord.) 10 palabras clave sobre Derechos Humanos. España, 2005,p. 55.117 Nossa Tradução:  A dignidade humana é o fundamento da ética pública. Esta como paradigmapolítico e jurídico da modernidade, está conformada por quatro grandes valores: a liberdade, aigualdade, a solidariedade e a segurança jurídica. A idéia de dignidade humana, para sua realizaçãoatravés da vida social, inseparável da condição humana, insere-se nesses quatro valores, cujo núcleoessencial é ocupado pela liberdade, matizada e perfilada pela igualdade e a solidariedade, em umcontexto de segurança jurídica.A ética pública configura uma organização jurídica e política onde cada um pode estabelecerlivremente seus planos de vida ou escolher entre aqueles projetos de planos de vidainstitucionalizados […].A dignidade humana se apresenta como referente principal dos valores políticos e jurídicos da éticapública da modernidade e dos princípios e direitos que deles derivam. Portanto, a idéia de dignidadehumana constitui, igualmente, o fundamento dos direitos humanos.

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Segundo Mazzuoli118, o “verdadeiro núcleo de todos os demais direitos

fundamentais do cidadão, através do qual, todas as pessoas devem ser tratadas e

 julgadas de acordo com seus atos, e não em relação a outras propriedades suas,

não alcançáveis por eles”.

Uma das principais dificuldades, todavia, conforme a lição de Sachs119, reside

no fato de que a dignidade da pessoa, diversamente do que ocorre com as demais

normas jusfundamentais, não se cuida de aspectos mais ou menos específicos da

existência humana (integridade física, intimidade, vida, propriedade, etc.) Mas, sim,

de uma qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser humano, de tal sorte que

a dignidade passou a ser habitualmente definida como constituinte do valor próprioque identifica o ser humano como tal.

Ressaltando o altivo valor da dignidade no entrelaçamento das relações

humanas como valor supremo, disciplina Canotilho e Moreira120 que:

(...) O conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificaçãovalorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-

constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, nãopodendo reduzir-se o sentido da dignidade humana a defesa dos direitospessoais tradicionais, esquecendo-se nos casos de direitos sociais, ouinvocá-la para construir “teoria do núcleo da personalidade” individual,ignorando quando se trate de garantir as bases da existência humana. 

Assim, há que se asseverar que o conteúdo da noção de dignidade da pessoa

humana, na sua condição de conceito jurídico-normativo, reclama uma constante

concretização e delimitação pela práxis constitucional, tarefa incumbida a todos os

órgãos estatais.

118 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos & cidadania. Campinas: Minelli, 2002, p.62.119 SACHS, Michael apud  SARLET, Ingo Wolfang. Algumas notas em torno da relação entre oprincípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais na ordem constitucionalbrasileira. In:  BALDI, César Augusto (Org.). Direitos Humanos na Sociedade Cosmopolita . Rio deJaneiro: Renovar, 2004, p. 558.120 CANOTILHO; MOREIRA apud SILVA, de Plácido e. Vocabulário Jurídico. 12 ed. Rio de Janeiro:Forense, 1997, p. 109.

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Nessa órbita, colacionamos os ensinamentos de Comparato121:

Ora, a dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela

diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado como um fim emsi e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado.Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoavive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelasleis que ele próprio edita. [...]

Desse modo, cumpre destacar que a dignidade é, indubitavelmente, condição

peculiar da pessoa humana, ou seja, irrenunciável e inalienável e, como tal, apta a

tornar o ser humano titular do exercício desse Direito Fundamental, isto é, por sua

simples existência biológica, ele adquire tal qualidade. Há, ainda, que se reconhecer

que o conteúdo da noção de dignidade da pessoa humana, “na sua condição de

conceito jurídico-normativo, a exemplo de tantos outros conceitos de contornos

vagos e abertos”, solicita uma permanente efetivação e “delimitação pela práxis

constitucional, tarefa cometida a todos os órgãos estatais” 122.

Dessa forma, muito embora contenha conceitos vagos, ela é possível de

verificação, principalmente naqueles casos de agressão e desrespeito. Podemos,

nesse contexto, exemplificar tal situação por meio do direito à moradia, já que essa é

essencial à dignidade da pessoa humana, uma vez que se parte do pressuposto de

que toda pessoa deve ter uma referência habitacional, minimamente confortável.

Ocorre que, em proporção diametralmente oposta ao viés constitucional, a dura

realidade nos mostra que ela, pouco - ou nada - se coaduna com os objetivos

traçados pelo Estado Democrático de Direito e, conseqüentemente, viola o princípio

em tela.

Por fim, dentre as funções exercidas pelo Princípio da Dignidade Humana,

asseveramos, pela sua majestosidade, o fato de ser, simultaneamente, elemento

que confere unidade de sentido, além de legitimidade para determinada ordem

constitucional123.

121 Ibidem, p. 21.122 SARLET, 2004, ibidem, p. 560.123 Ibidem, 2004, p. 581-582.

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2.4 Os diferentes tipos de Discriminações e o caso das discriminações

Positivas e Negativas

À guisa de introdução dessa reflexão sobre a incidência do Princípio da

Igualdade, não poderíamos deixar de lembrar as suas conseqüentes discriminações.

Dessa forma, pensamos necessário anotar, num segundo momento, especialmente,

a questão daquelas discriminações positivas e negativas.

De toda sorte e, independentemente, do mérito do caso concreto invocado, o

tema das diversas formas de discriminações existentes tem ocupado lugar de relevoem nosso ordenamento jurídico, de modo específico a dividir-se em diversos

conceitos.

Nesse particular, em que pese sua inegável importância, cumpre salientar que

se analisará suas designações, bem como as exceções trazidas pela própria

Constituição Federal ao princípio em tela, discutindo, por fim, a questão do que pode

ser discriminado sem ofensa a seus ordenamentos essenciais.

Assim como se pode arrebatar do parágrafo anterior, e antes de adentrarmos

especificamente na ceifa das Ações Afirmativas, é prudente que se faça a distinção

quanto ao conteúdo do termo discriminatório lato sensu, utilizando-se, para tanto, os

ensinamentos de Melo124.

discriminação é qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferênciabaseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica quetenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento,gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdadesfundamentais nos campos políticos, econômico,social, cultural ou emqualquer outro campo da vida pública 

No centro do sistema dessa conceituação de discriminação e no que tange ao

seu conteúdo que é, normalmente ilícito, por ser contrário ao princípio isonômico em

124 MELO, Mônica de. Convenção sobre Todas as Formas de Eliminação de Todas as Formas deDiscriminação Contra a Mulher e Convenção Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra aMulher. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/textos/tratado09.htm>. Acesso em:26 ago. de 2006.

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seu sentido formal, ele acaba, por vezes, sendo esvaziado, uma vez que existirão

situações nas quais as discriminações apresentarão a necessidade essencial de sua

implementação, o que significa dizer que, em função da natureza específica da

atividade a que se destina, em certas ocasiões, admitiremos a discriminação. É o

caso, por exemplo, da exigência de uma peculiaridade, de uma qualificação técnica

específica para o efetivo exercício de determinadas atividades profissionais,

tratando-se, portanto, das discriminações explícitas.

Dessa forma, frisamos, pela primeira vez, que toda a discriminação explícita

será intencional, mas, nem toda a discriminação intencional será explícita, eis que

aquela será a discriminação pública e notória do ato normativo introdutor daexclusão. Ela será visível, ou seja, sua vontade deliberativa será nítida e sua

intenção discriminatória ungida de seu caráter intencional.

Ao revés dessa medida, temos a figura da discriminação implícita, que nada

mais é do que a tipologia de uma discriminação despida de um caráter ostensivo, ou

seja, é a forma dissimulada, ou ainda, da discriminação não proposital. Citemos, por

exemplo, a discriminação oriunda de uma norma legislativa que se distancia dessareal finalidade e sub-repticiamente incorpora um condicionamento discriminatório

e/ou embora a norma não ostente igualmente esse artefato discriminatório, quando

da aplicação e de sua efetivação, depreendemos o desfavorecimento de um grupo

ou classe em detrimento de outro.

Podemos nos valer, ainda, da conceituação das discriminações não-

intencionais. Segundo entendimento de Gomes125

, esta é a denominadadiscriminação de fato, na qual incorre um objetivo discriminatório explícito ou

implícito de exclusão sob determinado grupo, ou ato comissivo administrativo,

legislativo ou particular. O que se faz presente, nesse tipo discriminatório, é a

equivocada apreensão apenas do conteúdo formal do Princípio da Igualdade pelo

Poder Público que, frente a determinadas parcelas da sociedade já segregadas e

marginalizadas, mostra-se indiferente e dotado de uma postura passiva.

125 Ibidem, 2001, p. 29.

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A partir dessa compreensão, é possível inferirmos que estamos diante de uma

discriminação inconsciente, uma vez que decorrente da falta de políticas públicas e

privadas, dotadas de capacidade de reversão do quadro excludente de 

oportunidades, essas desigualdades passam a ser incorporadas naturalmente ao

cotidiano social.

Nesse mesmo sentido, temos a manifestação do jurista Silva Júnior126:

Salvo engano, é certo que a Constituição de 1988, implícita eexplicitamente, não apenas admitiu como prescreveu discriminações, aexemplo da proteção do mercado de trabalho da mulher (artigo 7º, XX) e

da previsão de cotas para portadores de deficiência (artigo 37, VIII), dondese conclui que a noção de igualdade circunscrita ao significado estrito denão-discriminação foi contrapesada com uma nova modalidade dediscriminação, visto como, sob o ângulo material, substancial, o Princípioda Igualdade admite sim a discriminação, desde que o discrímen sejaempregado com a finalidade de promover a igualização.

No intuito de colacionar outros exemplos dessa discriminação, apresentamos

aqueles citados por Ferreira127, baseados no texto constitucional, como o art. 29, X,

que trata do julgamento dos prefeitos perante o Tribunal de Justiça; o Presidente da

República que, nos crimes de Responsabilidade, é julgado pelo Senado Federal e,nos crimes comuns, pelo Supremo Tribunal Federal; o caso dos governadores de

Estado e do Distrito Federal que detêm a prerrogativa de serem julgados pelo

Superior Tribunal de Justiça, nos crimes comuns; dentre tantos outros expressos ao

longo das competências, destacando-se, dessa forma, que os dispositivos supra-

referidos corporificam a desigualdade “entre todos, em razão da função que a

pessoa exerce e de fundamento processual”. Trata-se, desse modo “de exceção

ratione personae que é ditada pela função que a pessoa exerce. Tem-se em vista adesigualdade do cargo e não de seu ocupante”. Nesse sentido, a “Constituição

Federal desiguala os desiguais entre si, sob o aspecto processual, levando em

consideração a função por eles exercida”.

126 SILVA JÚNIOR, Hédio. As políticas de promoção da igualdade no direito internacional e nalegislação brasileira. In: HERINGER, Rosana (Org.). A cor da desigualdade: desigualdades raciais no mercado de trabalho e ação afirmativa no Brasil . Rio de Janeiro: IERÊ: Núcleo da Cor, LPS, IFCS,UFRJ, 1999, p. 56.127 FERREIRA, Wolgran Junqueira. Direitos e Garantias Individuais – Comentários ao art. 5º da Constituição Federal de 1988 . Bauru: São Paulo: Edipro, 1997, p. 19.

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Aqui, permitimos a abertura de um parêntese no intuito de clarificar a

designação das pessoas acima descritas, ou seja, dos agentes qualificados como

políticos. Tais agentes são aqueles titulares de cargo governamental, investidos por

eleição, nomeação ou designação, para o exercício de funções estabelecidas pela

Constituição. São os políticos eleitos pelo voto popular, Ministros de Estado, juízes e

promotores de justiça, membros dos Tribunais de Contas e representantes

diplomáticos. Tais agentes têm  como principal característica o fato de não se

submeterem a poder hierárquico, isto é, nenhum agente político tem chefe.

Ademais, esses agentes possuem foro privilegiado128 em decorrência desse cargo.

Diante do exposto, nos deparamos com o reconhecimento da existência demedidas discriminatórias de efeitos positivos, assim denominadas de formas

legítimas de discriminações.

Ao lado dessas formas legítimas de discriminação, o Direito Americano e o

Direito Europeu reconhecem tais discriminações, denominando-as positivas para

esses últimos ou como Ações Afirmativas para os primeiros, as quais, independente

da tipologia utilizada, encerram, na sua essência, o objetivo de estabelecer políticaspúblicas ou privadas, distributivas e restauradoras voltadas à efetivação da

igualdade material. Em sentido oposto, adotaremos uma medida política capaz de

impedir a utilização da acepção formal da igualdade no manejo da consagração das

desequiparações sociais.

A propósito, Vilas-Bôas129, sobre a distinção de discriminação negativa e

positiva, pondera:

A primeira refere-se ao conceito amplamente divulgado que determinatratar-se de forma diferenciada um determinado grupo social ou umconjunto de pessoas que possuem características em comum, com oobjetivo específico de menosprezá-las, dando a elas atributos equalificações negativas. Caminhando no sentido inverso, a discriminaçãopositiva a determinadas ações que visam equiparar pessoas ou grupos

128 Nessa mesma linha, adverte-se que possa causar estranheza o fato dos membros do MinistérioPúblico e do Judiciário serem enquadrados como tal, todavia tal ocorre em face do regime jurídico aque estão submetidos, gozando de vitaliciedade, e sendo detentores de parcela do "poder" estatal.Possuem suas atribuições definidas na CF e são imprescindíveis à manutenção da ordem jurídica, doregime democrático e para a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).129 Ibidem, p. 28.

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sociais que estão discriminados negativamente para que possam integrara sociedade de forma igualitária. Para se promover a discriminaçãopositiva utilizamos as acepções afirmativas.

Assim, segundo Gomes130

, comentando o conteúdo da obra de sua própriaautoria:

A igualdade em nosso sistema jurídico, prevista como direito, foi tomandoo contorno de princípio constitucional, conquistando maior importância ehoje deve servir de baliza das políticas públicas. Após as revoluçõessocialistas se incorporou, definitivamente, ao seu significado anecessidade de igualdade real, material entre as pessoas e não somente aproibição e não-discriminação.Em relação às ações afirmativas como instrumento para a promoção daigualdade real, as primeiras vozes divergentes também já se fazem soar.Há os que argumentam que elas são discriminação ao contrário, que nosEUA já estão superadas, que não consideram o mérito das pessoas nosprocessos competitivos dentre outros.

Dito isso, é possível inferirmos que o autor observa que muitas disputas

 judiciais serão geradas, tornando-se imprescindível um trabalho conjunto do

legislador, dos intérpretes, dos operadores do direito em geral, além da sociedade

como um todo, para a adoção de medidas voltadas à concretização do princípio

constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminaçãoracial.

Imperioso se faz ressalvarmos as observações trazidas por Fernandez131,

quando da análise dos princípios de não-discriminação por motivos específicos:

Lugar destacado dentro do principio da igualdade lo ocupan los principios de no discriminación por motivos específicos (raza, sexo, religión, etc).Suponen, entre otras cosas, que tales rasgos distintivos entre las personas deben considerarse al menos en principio, como irrelevantes a los efectos de establecer un trato normativo diferenciado.

Do exposto acima, salientamos que, da análise superficial, torna-se quase que

automática a assimilação do termo discriminação sob a ótica apenas de aspecto

negativo, de conotação reprovativa, razão pela qual trataremos a seguir da tipologia

que a expressão encerra, bem como a justificativa da existência de um caráter

legítimo para tanto.

130 Ibidem, p. 29.131 FERNANDÉZ, Encarnacion. Igualdad Y Derechos Humanos.Madrid: Tecnos, 2003, p. 79.

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Independente da nomenclatura escolhida para sua designação, sejam elas

positivas ou Ações Afirmativas, ambas trazem o conteúdo de uma política, pública

ou privada, distributiva e restauradora que visa à efetivação da igualdade material,

ou a contrário senso, uma política impeditiva de que a igualdade puramente formal

consagre as desequiparações incorporadas de forma intrínseca e

inconscientemente partilhadas pela cultura de determinado povo, sociedade ou

grupo.

Nessa medida, torna-se importante, por fim, destacarmos que alguns autores

têm-se esmerado na criação de certos requisitos para justificar a proeminente

permanência do Princípio da Igualdade, frente a essas desequiparações. Nessesentido, trazemos à baila, as designações de Vilas-Bôas132:

A discriminação não entra em conflito com o Princípio da Igualdade, desdeque preencha os seguintes requisitos:a) a norma criada não venha a atingir um só indivíduo, ou seja, esteja emconsonância com os princípios da generalidade e abstração da norma jurídica;b) realmente exista nas pessoas, coisas ou situações características etraços que sejam diferenciados;

c) há uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e adistinção que foi estabelecida;d) esta distinção estabelecida precisa ter um valor positivo, dentro doestabelecido pelo nosso ordenamento jurídico através da ConstituiçãoFederal.

Tal pensamento vem exatamente ao encontro do reconhecimento por parte

daqueles que objetivam o sistema de inserção de cotas sem o afronte de tal

princípio, o que se voltará a discutir em momento oportuno.

Dessa forma, esboçadas essas linhas construtivas a respeito das diversas

acepções que as discriminações nos colocam, é de suma relevância anotar, na

seqüência, breves considerações a respeito do Princípio da Igualdade e de suas

correlações a dois outros princípios basilares.

132 Ibidem, p. 28-29.

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2.5 Algumas notas em torno do Princípio da Igualdade e de sua conseqüente

discriminação no Direito Comparado

Vimos, anteriormente, que o surgimento das questões das Ações Afirmativas, e

de suas correlações, passou a desenvolver-se e diferenciar-se por meio da

positivação inicial do Princípio da Igualdade. Nesse sentido, cumpre sopesarmos

alguns aspectos que merecem especial destaque no âmbito da evolução

internacional desse surgimento.

Dessa forma, o que pretendemos enfatizar é que, em certos países,individualmente, em maior ou menor medida, o mencionado princípio mereceu tal

evidência por características peculiares. Ademais, salientamos que sua valoração

como princípio balizador liga-se à estrutura fática do seu surgimento no âmbito

interno, sendo, por isso, de extrema importância a sua correspondência. Nesse

contexto, será analisada, por ora, a questão do seu surgimento.

Como descrito, o Princípio da Igualdade é considerado o símbolo dademocracia, pois recebeu status  constitucional em grande parte das nações

democráticas, inicialmente sob a forma de norma programática, no intuito de

diminuição das desigualdades. Destarte, o fato de que se analisará aqui o aspecto

formal do Princípio da Igualdade em algumas nações, já que não se constitui em

objetivo primordial dessa o seu total exaurimento.

Assim, podemos citar, a princípio, que, na Constituição da República Popularda China, promulgada em 1982, a preocupação em relação à igualdade perante a

lei, não se constitui em aspecto primordial. Na verdade, a questão da igualdade,

nesse ordenamento jurídico, está disposta, logo após os artigos que tratam do

exercício da cidadania133. E, aqui, vem a questão que nos interessa frisar, por sua

grande relevância para o tema em análise, pois se não há a preocupação, de fato,

com a igualdade diante da legislação, qual seria a real plenitude de sua

institucionalização nesses países que ainda não começaram o processo de

133 ATCHABAHIAN, ibidem, p. 48.

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democratização? Certamente, pela via oposta chegamos a questão das

discriminações, já que, nos chamados regimes de exceção, os interesses do estado

sempre serão assegurados em primeiro lugar e, uma eventual transgressão a esse

princípio, não causaria grandes repercussões, ao revés, daqueles países, como o

nosso, onde a preocupação com o Princípio da Igualdade está sempre em tela.

Nessa conjuntura, cumpre assentar, de modo explícito, o fato irônico de que as

discriminações também se estenderem os comentários realizados a Chinesa, devido

a “igualdade” ser nivelada muito aquém do que ela realmente encerra nesse país. A

Constituição Cubana é uma das únicas a dispor do aludido princípio em um capítulo

inteiro, tratando, inclusive, das discriminações por “motivo de raça, cor de pele, sexo,origem nacional, crenças religiosas e qualquer outra lesiva a dignidade humana” 134.

Vejamos que essa Constituição faz menção à não-discriminação por motivos de

cor de pele, prevendo, de forma explícita, que a questão da raça e de cor de pele é

coisa distinta, o que nem a nossa Constituição difere, já que, como veremos no

capítulo derradeiro, há grande divergência doutrinária quanto a tipificação das

discriminações, uma vez que o termo racismo não explicita quais as figuras que elecontempla.

Dando seguimento, trazemos ao lume a Constituição da República Islâmica do

Irã, que possui uma forte influencia religiosa e que, por isso, talvez, se preocupe com

a questão da igualdade, tratando da questão da fruição de direitos iguais e, da

mesma forma, vedando a desvantagem de certos particulares, exemplificativamente,

em relação à cor, raça e a língua.

Ressaltamos, nesse ínterim, que a lei islâmica preocupa-se muito com a

questão do “processo justo e eqüitativo, um conceito que tem suas raízes no próprio

Corão, a fonte máxima de orientação para os muçulmanos, pois essas escrituras

dão muita ênfase ao julgamento realizado entre pessoas, de forma justa e igualitária”135.

134 Parte do art. 41 da Constituição Cubana, colhida por ATCHABAHIAN, ibidem, p. 49.135 MUZZAFFAR, Chandra. Islã e Direitos Humanos. In: BALDI, César Augusto (Org.). Direitos Humanosna Sociedade Cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 310.

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Nessa conjuntura, permitimos uma maior digressão devido às peculiaridades

desse povo. Ressaltamos o fato de, ao nosso sentir, ser uma forma de combate à

discriminação de acordo com seus ideais e princípios. Vejamos o exemplo de que o

Corão “confere aos pobres um direito automático à riqueza da comunidade através

da instituição do zakat  (um imposto sobre a riqueza, que deve ser pago por todo o

muçulmano de posses)” 136. Além disso, muitos outros direitos de cunho econômico

são garantidos pelo Islã, particularmente aos pobres e desamparados, como é o

caso do acesso às necessidades básicas de alimentação, vestuário, moradia, dentre

outros.

Por sua vez, a Constituição Italiana, que foi promulgada logo após o término daSegunda Guerra Mundial, prevê a igualdade entre todos os cidadãos, determinando,

como desígnio da República, a remoção de todo e qualquer obstáculo de ordem

social e econômica que limitasse a plenitude da igualdade137.

Nesse limiar, os americanos, famosos pelas primeiras formas de

implementação das ditas Ações Afirmativas, também o são quanto à concretização

do Princípio da Igualdade. Nesse sentido, Atchabahian138 esclarece:

No tocante ao tratamento igualitário e tomando por base o ideal a seratingido, é irrefutável que a sociedade norte-americana atingiu um elevadograu de igualdade, principalmente se levado em conta o número dehabitantes daquele país. É dizer, que no contexto de duzentos e cinqüentamilhões de habitantes, a massacrante maioria desfruta da igualdade detratamento em quase todos os setores da vida.

Dando seguimento, por fim, trazemos à baila o referencial da Constituição

Espanhola, promulgada em 27 de dezembro de 1978, que traz, em seu bojo, aprevisão de que a igualdade deve ser real e efetiva. Pérez-Luño139, inclusive, apõe

que ela constitui-se numa das palavras-chave do texto constitucional espanhol,

abarcando mais de uma acepção, ou seja, ele refere-se à igualdade como valor,

como princípio e como Direito Fundamental, abrangendo suas duas dimensões: a

igualdade formal e a igualdade material, tal qual a nossa Constituição prevê.

136 MUZZAFFAR, ibidem, p. 312.137 ATCHABAHIAN, ibidem, p. 52.138 Ibidem, p. 54.139 Ibidem, p. 84.

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Assim, apesar de não ser este o momento mais adequado para tal

aprofundamento, dado os limites que os propósitos iniciais nos colocam, permitamo-

nos, aqui, breves pinceladas a respeito do Princípio da Igualdade na concepção

espanhola, já que essa nação também é uma das pioneiras da proposição de

políticas afirmativas.

Assim, a igualdade, em primeiro lugar, constitui-se como um valor superior do

ordenamento jurídico. Como assinala Pérez-Luño140, os valores constitucionais

possuem uma tripla dimensão, quais sejam, uma função fundamentadora do

conjunto do ordenamento jurídico e, em especial, das disposições e instituições; uma

função orientadora do ordenamento jurídico-político para fins enunciados no sistemaaxiológico e, por fim, uma função crítica, já que serve de parâmetro de valoração

para medir as diversas manifestações do sistema de legalidade. Dessa maneira,

esse princípio, sob esta égide, encerra um guia para orientar a sua evolução,

servindo, ao mesmo tempo, de critério para medir a legitimidade de feitos

interpretativos ou de condutas.

Nesse diapasão, já a igualdade enquanto Princípio Fundamental vem aoencontro com a distinção realizada outrora por Alexy141. Repitamos que, nesse

aspecto, os princípios possuem um maior grau de concretização e especificações

que os valores, assumindo um sentido que transcende ao ordenamento jurídico

positivo.

Por fim, a igualdade enquanto Direito Fundamental, juntamente com as duas

outras distinções (valor e princípio) é que forma um dos seus Direitos Fundamentaistrazidos pela Constituição Espanhola.

Salientamos, outrossim, que a Grundgesetz  alemã reproduz, num mesmo

artigo, não só o Princípio da Igualdade formal, mas também as suas projeções

subjetivas que acabam por concretizar os diferentes direitos de igualdade142.

140 Loc., cit.141 Ibidem, p. 86.142 PÉREZ-LUÑO, Ibidem, p. 91.

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Tracejadas algumas das concepções que o Princípio da Igualdade adquire nas

diversas Constituições ao redor do mundo, independentemente de serem

democráticas ou não, parece-nos, pois, de especial relevância, expor, no

seguimento de nosso estudo, a noção das Ações Afirmativas enquanto políticaspúblicas de inclusão social e os aspectos positivos e negativos que sua

implementação pode acarretar. E, particularmente, quando de sua aplicação,

tratarmos dos instrumentos legislativos já existentes. Ademais, avaliamos que pesa,

sobremaneira, o aspecto educacional nesse contexto, por isso, urge, igualmente,

encerrarmos este trabalho com uma descrição mais detalhada dos contornos dessas

ações no caso do acesso ao ensino superior aos afrodescendentes e àqueles

oriundos do ensino público, resguardando sempre, com fundo respeito, à

diversidade cultural que nos marca como Nação e tanto nos orgulha.

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3 NO UNIVERSO DAS DISCRIMINAÇÕES: AS AÇÕES AFIRMATIVAS

No capítulo anterior, cotejamos a positivação do Princípio da Igualdade dentro

dos parâmetros recebidos pela Carta Constitucional de 1988, bem assim, os vários

sentidos que o termo encerra. Destacamos alhures que tal princípio é indissociável

dos preceitos do Estado Democrático de Direito, porque está jungido a outros

princípios igualmente basilares, como o são o da Dignidade Humana e o da

Proporcionalidade.

Aliás, no intuito da compreensão, sopesamos os tipos de discriminaçõesexistentes no nosso ordenamento pátrio e tecemos algumas notas em torno de sua

correlação internacional para, enfim, aferirmos as ações afirmativas e suas

conseqüentes interligações.

3.1 Conceitualização das Ações Afirmativas

Em uma sociedade de múltiplas facetas, como a nossa, torna-se mister, por

parte do Poder Público, encontrar soluções que ataquem os mecanismos geradores

das inúmeras desigualdades verificáveis. Para tanto, uma das formas encontradas

foi a criação de Ações Afirmativas, que vêm operando como instrumentos que

concorrem para dirimir tais desequiparações. É, nesse espectro de idéias, que o

presente e, derradeiro, capítulo seguirá os seus deslindes. Porém, antes deespecificarmos suas conceituações, precisamos demonstrar algumas conexões

históricas ao seu surgimento.

A idéia inicial do termo Ação Afirmativa surgiu nos Estados Unidos, como forma

de combate à histórica e permanente luta dos negros contra o racismo. No ano de

1941, o então presidente Franklin Roosevelt proibiu, por meio de um Decreto, “a

discriminação racial contra negros quando da seleção e do recrutamento de pessoal

para trabalhar no governo dos EUA, prática comum até aquele momento”, muito

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embora ela somente tenha sido abolida em 1964, com a promulgação da lei dos

direitos civis143.

O termo Ação Afirmativa propriamente dito foi criado pelo presidente Jonh

Kennedy, quando da instalação de uma Comissão por Oportunidades Iguais de

Emprego, em 1961. Todavia, ela apenas surtiu efeito quando o movimento liderado

por Martin Luther King assumiu a reivindicação em prol dos direitos civis dos negros.

De fato, a primeira iniciativa oficial por parte do governo, foi a promulgação da

emenda à lei acima mencionada, realizada por Nixon, determinando, segundo

Brandão144, que

Todos os órgãos públicos federais, todas as empresas que prestavamserviços para o governo federal e todas as instituições que recebiamqualquer tipo de ajuda financeira (incentivos, subsídios etc) do governofederal americano deveriam estabelecer metas e prazos específicos paraadmitir pessoas de minorias raciais e, também, para a admissão demulheres.

Ademais, ressaltamos, de acordo com o autor, que a “idéia de estabelecer

metas e prazos específicos” traduz o conceito de cotas o qual não pode ser usado

como tal, por ferir a legislação daquele país devido à obrigatoriedade encerrada pelo

termo. Assim posto, significa afirmar que um objetivo pode até não ser cumprido,

enquanto que a designação de cota exige que o órgão público acabe cumprindo tal

desiderato, independentemente de qualquer fator. Nesse sentido, podemos inferir

que esta segunda designação permite certa margem de discricionariedade,

enquanto que a primeira restaria numa concretização forçosa. 

Desse modo, sempre houve muitas polêmicas quanto a real implementaçãodas ditas cotas. Em 1978, por exemplo, a Suprema Corte proibiu a adoção de cotas

para minorias no ingresso de alunos em universidades, somente mantendo a

questão da cor e sexo como fator que pudessem ser levados em consideração como

facilitadores de ingresso. Em 1995, Clinton ordenou a revisão de toda legislação que

continha resquícios de ações afirmativas, por entender necessário a coibição de

excessos. Mas ele não foi o único, no governo Bush, o juiz Bernard Friedman, em

143 BRANDÃO, Carlos da Fonseca. As cotas na Universidade pública brasileira: será esse o caminho?  

São Paulo: Autores Associados, 2005, p. 05.144 Ibidem, p. 06-07.

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2001, determinou o fim dessas políticas de ingresso na Universidade de Michigan,

afirmando ser inconstitucional tal medida145.

Estas ações fizeram com que a Suprema Corte Americana decidisse, em

dezembro de 2002, reexaminar a integralidade das decisões envolvendo esse tipo

de ação de ingresso em universidades. Em junho do ano seguinte, ficou declarado

que tais políticas são constitucionais, muito embora tenhamos restringido sua

praticidade, pois o fato de conceder pontos extras aos candidatos provenientes de

minorias raciais foi tido como inconstitucional146.

Atualmente, tais medidas são utilizadas não só na admissão de estudantespelas universidades americanas, mas também na admissão de empregos e de

licitações públicas, e englobam os negros, os indígenas, os asiáticos, os hispânicos

e as mulheres brancas147.

Mas o certo é que ditas ações não se restringem aos EUA, também na Índia,

desde a sua primeira Constituição, em 1948, “previam-se medidas especiais de

promoção dos Dalits ou Intocáveis no parlamento (reserva de assentos), no ensinosuperior e no funcionalismo público”. Na Malásia, igualmente, foram estabelecidas

medidas de promoção de etnia minoritária. Na antiga União Soviética, foi adotado

uma cota de 4% de vagas, na universidade de Moscou, para aqueles habitantes que

adviessem da Sibéria. “Em Israel, adotam-se medidas especiais para acolher os

Falashas , judeus de origem etíope”. Na Alemanha e na Nigéria, protegem-se, por

meio das ações afirmativas, as mulheres. “Na Colômbia, para os (as) indígenas; no

Canadá, para indígenas e mulheres, além de negros (as), como as medidasexistentes na áfrica do sul”148.

No Brasil, temos como um dos primeiros, senão o primeiro, o projeto de Ação

Afirmativa para pessoas negras, que surgiu em 1999, chamado de Geração XXI, que

é “fundamentada e dirigida na perspectiva do desenvolvimento humano sustentável,

145 BRANDÃO, Ibidem, p. 14.146 Ibidem, p. 15.147 Ibidem, p. 07.148 SILVA, Cidinha. Ações Afirmativas: um debate para além das cotas. In: ___. Ações Afirmativas em educação: experiências brasileiras . São Paulo: Summus, 2003, p. 20.

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que, por meio de uma proposta político-pedagógica inovadora, toma 21 jovens

negros(as), como sujeitos de direitos” proporcionando-lhes condições de

aprendizado e de desenvolvimento de dons, acesso a linguagens novas,

tecnologias, dentre outros aspectos, contribuindo, sobretudo, para a equiparação

econômica, social e cultural desses jovens. A Ação Geração XXI é resultado de uma

parceria entre três instituições: uma organização não governamental; uma

organização empresarial e, por fim, uma organização governamental149.

Delineados esses breves comentários acerca do surgimento das Ações

Afirmativas nos EUA, país pioneiro em tal implantação, e em outros países,

passamos a descrever, segundo a ótica de renomados doutrinadores, elencados aseguir, a conceituação de tais ações, apresentando, na seqüência, um sucinto

enquadramento do correto espaço-temporal dessas políticas.

Inicialmente, coletamos a conceituação trazida por Gomes150 para a melhor

compreensão de ditas ações. O doutrinador afirma que

consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas àconcretização do princípio constitucional da igualdade material e àneutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, deorigem nacional e de compleição física. Impostas ou sugeridas peloEstado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramenteprivadas, elas visam a combater não somente as manifestações flagrantesde discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade.

Assim, temos que a primeira designação de Ação Afirmativa influencia, até os

dias de hoje, a questão da conservação do sentido de reparação por uma injustiça

passada. Enquanto que a noção moderna diz respeito a um programa de políticas

públicas impostas pelo executivo ou pelo legislativo, ou praticado por empresas

privadas para garantir a ascensão de minorias étnicas, raciais e sexuais151.

Portanto, podemos afirmar que são duas as correntes teóricas embasadoras

das ditas ações. Citamos a existência do que se denomina justiça compensatória,

caracterizada como política/programa público ou privado que objetiva conceder

149 Idem. Geração XXI: o início das ações afirmativas em educação para jovens negros(as). In:___. Ações Afirmativas em educação: experiências brasileiras . São Paulo: Summus, 2003, p. 64-65.150 Ibidem. 151 GUIMARÃES, Sérgio Alfredo. Racismo e anti-racismo no Brasil . São Paulo: Ed. 34, 1999. p. 154.

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benefícios às minorias sociais, em condições desvantajosas, frente a uma realidade

social, em face de discriminações negativas passadas. A segunda corrente

fundamenta-se na justiça distributiva, ou seja, baseia-se na eqüidade da

redistribuição de encargos e benefícios sociais.

Pensamos que, aqui, se faz imprescindível uma digressão sobre o conceito

desses tipos de justiça. Assim, a noção de Justiça Distributiva “faz referência a

redistribuição equânime dos ônus, direitos, vantagens e outros importantes bens e

benefícios entre os membros da sociedade”152, centrando suas atenções no

presente e no direito que determinado indivíduo ou grupo social tem de reivindicar

certas vantagens, partindo do princípio de que os seres humanos são iguais desde oseu nascimento153. Enquanto que a Justiça compensatória, ao revés, possui caráter

retroativo, ou seja, é voltada a reparação de danos passados.

É relevante ressaltar a existência de doutrinadores que reconhecem as Ações

Afirmativas como sendo medidas eivadas do caráter de temporariedade. Nesse

sentido, é pertinente a conceituação de Cashmore154 sobre as referidas ações:

(...) medidas temporárias e especiais, tomadas ou determinadas pelo Estado,de forma compulsória ou espontânea, com o propósito específico de eliminaras desigualdades que foram acumuladas no decorrer da história dasociedade. Estas medidas têm como principais beneficiários os membros dosgrupos que enfrentaram preconceitos.

Desse modo, podemos concluir que a execução das Ações Afirmativas possui

uma finalidade social, ou seja, ela busca a eliminação da exclusão, pois é

 justamente aos grupos que enfrentam uma série de preconceitos que ela visa a

atingir, mesmo que seja de caráter temporário.

Gomes155 enuncia, ademais, que essas ações podem ser definidas como

um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório,facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminaçãoracial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos

152 Gomes, ibidem, p. 65.153 MEDEIROS, Carlos Alberto. Na Lei e na Raça: Legislaçãoe relação raciais, Brasil - Estados Unidos. Rio de Janeiro: DP&A, 2004, p. 136.154 CASHMORE, Ellis. Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Summus, 2000, p. 31.155 Ibidem, p. 7.

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presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo aconcretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentaiscomo a educação e o emprego (...).

Enfim, versar sobre Ações Afirmativas é tratar de programas que envolvempolíticas, mecanismos de inclusão concebidos não só por entidades públicas, mas

também por entidades privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional,

no intuito de concretizar efetivamente o Princípio da Igualdade de oportunidades a

todos os seres humanos. Na verdade, isso denota a imprescindibilidade do

somatório do esforço de vários órgãos para sua real concretização.

Parece-nos, pois, que o principal objetivo das Ações Afirmativas é diminuir asdesigualdades de raça, e do conseqüente racismo, e de seus desdobramentos ainda

exercidos; além disso, introduzir mudanças de cunho cultural, econômica e social, de

maneira a incluir os “diferentes”.

Sobre a necessidade de se desconstruir as desigualdades, Silva156 pondera

que:

Para que um programa de ações afirmativas seja efetivo, a oferta deoportunidades é apenas um dos primeiros passos. É fundamental garantir,aos protagonistas em questão, as condições materiais e simbólicas paraque as dificuldades ou desníveis sejam superados e as escolhas possamser feitas de maneira lúcida e conseqüente, a médio e longo prazos. Épreciso promover as condições para a construção da igualdade. Paraalcançar este fim, no que tange à universidade, é preciso criar condiçõespara que as pessoas negras possam ter acesso a boas escolas e exercerprofissões de prestígio, até agora destinadas a certos grupos sociais.

Dessa forma, torna-se mister, na opinião de tal autora, a implementação de

cotas para a diminuição das desigualdades sociais e para a mudança de postura do

próprio Estado que sempre agia em nome da suposta neutralidade. Assim, não

significa dizer que, com a concreção de tais medidas, estaríamos prejudicando um

ou outro, mas evitando a total discriminação advinda de contextos históricos e

culturais.

Ressaltamos que as Ações Afirmativas não devem ser confundidas, segundo

Silva157, com as chamadas cotas numéricas, que são “um aspecto da ação

156 Ibidem, p. 21.

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afirmativa que, em muitos casos, tem um efeito pedagógico e político importante,

posto que força o reconhecimento do problema da desigualdade e uma

implementação” concreta, de forma a garantir os direitos ao trabalho, à educação, à

promoção profissional, dentre outros, “para as pessoas em situação de inferioridade

social”.

Para enriquecer o debate em relação às Ações Afirmativas, proporemos

algumas diferenciações relativas ao tipo de política pública a que esse trabalho se

destina, qual seja as relativas à questão do sistema de cotas para o ingresso no

ensino superior para negros e para aqueles advindos do ensino público.

Dessa forma, trazemos à baila, inicialmente, a questão de que a espécie

humana está dividida em raças geneticamente diferentes umas das outras e os fatos

correlatos a esse entendimento. Entre os fatos que destacamos está o caso dos

estereótipos criados e que estão, sem dúvida, na base do preconceito racial, ainda

encontrado numa proporção abundante, não só na sociedade brasileira como na

mundial. Há assim um espectro muito grande de questões que poderiam ser

abordadas, mas que ficarão adstritas ao objetivo a que esse trabalho se destina,conforme afirmação feita no parágrafo anterior.

Deste modo, num primeiro momento, podemos destacar que as diferenciações

culturais não são levadas em conta para a distinção entre raças, considerando-se

somente as genéticas. Segundo Pessoa158:“Raça são populações que diferem

significativamente nas freqüências de seus genes”. E, desse modo, é imprópria a

comparação com a etnia ou grupo étnico, pois “esses termos indicam assemelhanças culturais dentro de uma população, ou conjunto de suas características

culturais e genéticas”. Segundo esse mesmo autor, ademais, definimos a raça

brasileira por intermédio de seus genes, ou “dos fenótipos que eles produzem”,

enquanto que a etnia brasileira é caracterizada pela cultura de nossa população

157 Ibidem, p. 21-22.158 PESSOA, Oswaldo Frota. Raça e eugenia. In: SCHWARCZ, L. M.; QUEIROZ, R. da S. (Orgs.).Raça e Diversidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Estação Ciência: Edusp,1996, p. 29.

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(língua, religiões, tradições) ou até mesmo por suas peculiaridades “culturais

acrescidas das genéticas”159.

Corroborando esse entendimento, Montes160 assinala que

a raça é, portanto, o que garante a unidade e a diversidade dos homens, eé ela ainda que estabelece os limites dentro dos quais vamos poderidentificar cada grupo, não apenas como parte da grande família humana,mas também como as características que lhe são próprias.

Desse modo, podemos afirmar que a raça é uma “categoria da biologia”, pois é

por seu intermédio que podemos diferenciar os elementos de uma mesma espécie.

Silva Junior nos traz um exemplo esclarecedor a respeito, que, muito embora seja no

reino animal, nos serve sobremaneira para aclarar a questão: “um leão não viveria,

nem reproduziria, senão por meios artificiais, com um gato, ambos da mesma

espécie – felinos – mas racialmente diferentes”161.

Outro tema de correlata importância é o que diz respeito à cor das pessoas,

seja da pele, dos olhos e/ou dos cabelos. Sabemos que estes elementos variam na

espécie humana e sua existência “está ligada à quantidade de melanina existente no

organismo”162. Entretanto, a miscigenação também contribui para essa variação, ou

seja, o fenótipo da cor pode variar na medida em que as pessoas de cores

diferentes gerem uma prole. Tanto isso é fato que o IBGE – Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatísticas – utiliza categorias de cores à realização do censo,

classificando as pessoas como pretos, pardos, amarelos e brancos.

Advertimos, outrossim, que a questão da raça, muitas vezes, acaba sendoempurrada a outro campo, qual seja o da discriminação, do preconceito, em que o

potencial de uma raça é medido pela atitude de um indivíduo. Dessa forma, não é

difícil de encontrarmos comentários do tipo: “o que se podia esperar, é negro!”, “se

159 Ibidem, p. 30.160 MONTES, Maria Lúcia. Raça e identidade: entre o espelho, a invenção e a ideologia. In:SCHWARCZ, L. M.; QUEIROZ, R. da S. (Orgs.). Raça e Diversidade. São Paulo: Editora daUniversidade de São Paulo: Estação Ciência: Edusp, 1996, p. 53.161 SILVA JUNIOR, ibidem, p. 14.162 Ibidem, p.15.

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não erra na entrada, erra na saída”, dentre tantos outros que comumente ouvimos e

que, por questão cultural, acabamos não dando a devida importância.

Nesse aspecto, são relevantes as palavras de Silva163 

A compreensão das “brincadeiras” e piadas racistas e discriminatóriascontra pessoas negras como expressões do racismo no Brasil são umexemplo dessa dificuldade. Essas atitudes se revestem de uma aparênciatrivial e inofensiva, mas verdadeiramente formam um repertório discursivoque garante a perpetuação de preconceitos, esteriótipos e práticasdiscriminatórias em relação ao povo negro. Quando crianças eadolescentes ouvem adultos(as) criando “inocentes brincadeiras racistas”,sentem-se encorajadas a compreender a hostilidade racial como algoaceitável e a perpetuá-la como algo admirável.

Na verdade, esse tipo de pensamento está atribuindo uma característica

fantasiosa do indivíduo particular ao seu grupo. Incriminando, desse modo, a partir

de uma atitude isolada, a totalidade daquele. Só que esquecemos o fato de não ser

somente os negros que transgridem a normativa legal, também os brancos o fazem.

E, aí, não se ouve os mesmos comentários, por quê? Naturalmente, por uma

questão cultural. Estamos habituados a compará-los, a pensá-los, associá-los ao

tempo da escravidão. Por isso que não causa tanto impacto, não “soa tão mal”, opreconceito contra negros, ele torna-se normal, pois numa sociedade que sempre

fez a diferenciação entre brancos e negros, certamente levará, ainda, muitos séculos

para abandonarmos essa leitura.

Assim, o que estamos tentando demonstrar é que há uma complexidade de

processos sociais, de contextos e de situações de desrespeito às condições

mínimas de cidadania dessa raça, o que certamente deriva do sistema escravocrata,historicamente, utilizado pelo Brasil, que sempre usou tanto da cor como da etnia

como mecanismo de estratificação social.

Montes164, nesse contexto, descreve, com propriedade, esse sentimento:

Em uma sociedade em que há apenas um século ser negro, era serescravo, e em que, embora soubesse que existiam diferenças étnicas,todos os negros eram agrupados como africanos porque eram escravos, aí,

163 Ibidem, p. 40-41.164 Ibidem, p. 59.

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evidentemente, ser branco é um valor; branquear-se é um valor, não sernegro é um valor. O senso comum, na forma mais preconceituosa possível,fala de “negro de alma branca” e diz: “Ele é negro e é tão bonzinho”. Estemas dói no fundo da alma, porque está dizendo, na verdade, que um negrosó pode ter uma determinada identidade e aceitar uma certa forma de

identificação a partir do momento em que se distingue daquelascaracterísticas negativas que sempre foram histórica e contextualmenteconstruídas, constrastivamente construídas, para definir o que é identidadenegra num país como o Brasil.

Nessa quadra, desafiamos os leitores a um exame de consciência, de auto-

questionamento, no sentido de nunca se terem valido de algum dos comentários

acima insculpidos. Por óbvio, que a resposta dificilmente será negativa, vez que se a

probabilidade de uma manifestação implícita, dada às circunstâncias já comentadas,

é muito grande, sobretudo pela proximidade temporal do fim do processoescravagista.

Nessa linha, Bertúlio165 afirma existir três formas de racismo, que separada ou

conjuntamente, são partes integrantes das nossas vidas:

Racismo Individual: sugere uma crença na superioridade da nossa raçacom relação a outra, bem como as sanções comportamentais que mantêm

tais proposições superiores e inferiores. Todos os julgamentos desuperioridade se baseiam em traços correspondentes de pessoas brancas – padrão.Racismo Institucional: é definido a partir de ações oficiais que, de algumaforma, excluem ou prejudicam indivíduos ou grupos de indivíduosracialmente distintos. As instituições são por óbvio extensões dopensamento racista individual, que se introduz no sistema macro derelações sociais atendendo os objetivos de discriminação ou segregaçãoraciais.Racismo Cultural: conta com elementos do racismo individual einstitucional: é a expressão individual ou institucional da superioridade daherança de uma raça com relação a outra.

Ademais, é imperioso destacar que a prática de racismo, independentemente da

nomenclatura utilizada, é rechaçada na Constituição Federal, em seu artigo 5º, XLII.

Além de haver a garantia, no inciso anterior, de que “a lei punirá qualquer

discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.

165 BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. O “novo” direito velho: Racismo & Direito. In: WOLKMER, A. C.;MORATO, J. R. (Orgs). Os novos direitos no Brasil: natureza e perspectivas: uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas . São Paulo: Saraiva, 2003, p. 120-121.

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Porém, o que se depreende da interpretação do inciso XLII, do referido artigo, é

que ele não especifica o que se deve entender pelo termo “racismo”.

Proporcionando, dessa forma, duas opiniões a respeito. De um lado, aqueles que

entendem ser o racismo uma questão de cor de pele e, de outro, os que entendem

que toda e qualquer prática de discriminação racial está sob a proteção do crime de

racismo. Nesta última acepção, estão compreendidas as distinções entre os homens

por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem

nacional e étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de

que são exemplos a xenofobia, a "negrofobia", a "islamafobia" e o anti-semitismo.

Frisamos, nesse passo, que a Constituição Federal de 1988 comina, ainda, aoscrimes de racismo, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de

imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam , verberado o repúdio

e a abjeção da sociedade nacional à sua prática (CF, art. 5º, XLII)166.

Portanto, no Estado Democrático de Direito em que vivemos, devem ser

intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos

Direitos Humanos e Fundamentais. Jamais podem ser apagados da memória dospovos, que se pretendam justos, os atos repulsivos do passado que permitiram e

incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável. Aliás, a

ausência de prescrição nos crimes de racismo daria ensejo a um alerta grave para

as gerações de hoje e de amanhã, no intuito de que sempre se estaria na iminência

de uma reinstalação de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica

e histórica não mais admite.

166 E esse é o posicionamento do STF, conforme se depreende da leitura do Habeas Corpus 82.424-2/RS: “escrever, editar, divulgar e comerciar livros fazendo apologia de idéias preconceituosas ediscriminatórias contra a comunidade judaica constitui crime de racismo sujeito às cláusulas deinafiançabilidade e imprescritibilidade”.

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3.2 Um olhar retrospectivo: instrumentos legislativos de efetivação das Ações

Afirmativas (genéricas) no contexto nacional e internacional

Cientes que a análise ora posta prescinde de uma apreciação legislativa,

passemos a uma breve descrição das principais ações afirmativas no contexto

internacional e nacional.

A Constituição Federal de 1988 apresenta um rol significativo de dispositivos

que corroboram a possibilidade de efetivação de políticas afirmativas tanto na seara

estatal, quanto na seara privada. Observamos que o constituinte originário incluiu,

na essência desses dispositivos, verdadeiros mandamentos de implementação

dessas políticas, os quais se apresentam como importantes mecanismos ético-

pedagógicos que evidenciam o respeito às diversidades, sejam elas raciais, étnicas,

culturais, de classe, opção sexual e etc.

Exemplificativamente, podemos citar os seguintes dispositivos: Preâmbulo167,

artigo 3º e incisos I, III e IV 168, artigo 5º e inciso I169, artigo 170 e incisos VII e IX170 ,artigo 7º e inciso XX171, artigo 37 e inciso VIII172 , artigo 208 e inciso V173 , artigo 227

e inciso II174.

167 Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte parainstituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, aliberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valoressupremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social ecomprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVADO BRASIL.168 Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedadelivre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais eregionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisqueroutras formas de discriminação.169 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileirose aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, àsegurança e à propriedade, nos termos seguintes: homens e mulheres são iguais em direitos eobrigações, nos termos desta Constituição;170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fimassegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintesprincípios: redução das desigualdades regionais e sociais; tratamento favorecido para as empresasde pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº. 6, de 1995).

 

171 São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de suacondição social: proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nostermos da lei.

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Logo, é oportuno reconhecer que o Direito Constitucional Brasileiro alberga não

somente modalidades implícitas e explícitas de Ações Afirmativas, como também as

que emanam dos tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo

nosso país, conforme veremos adiante.

No contexto nacional, a doutrina tem estabelecido como primeiro marco a

questão proposta pelos técnicos e demais membros do Tribunal Superior do

Trabalho, propondo aprovação de lei que obrigasse as empresas privadas a manter

uma percentagem mínima de empregados de cor175. Ademais, Brandão176 nos

apresenta, em posicionamento peculiar, que o disposto na CLT, de 1943, jácontinha, em pelo menos dois artigos, medidas consideradas como de Ação

Afirmativa, quais sejam, os artigos 354177 e 373-A178.

172 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, doDistrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela EmendaConstitucional nº 19, de 1998) a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para aspessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão.173 O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: acesso aos níveismais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.174 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absolutaprioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, àcultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.Criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiênciafísica, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência,mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens eserviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.175 SANTOS, Jocélio Teles dos. Dilemas nada atuais das políticas para os afro-brasileiros: açãoafirmativa no Brasil dos anos 60. In: BACELAR, J. ; CAROSO, C. (Orgs.). Brasil: uma país de negros?  Rio de Janeiro: Pallas, 1999, p. 221-233.176 Ibidem, p. 25.177 Art. 354 - A proporcionalidade será de 2/3 (dois terços) de empregados brasileiros, podendo,entretanto, ser fixada proporcionalidade inferior, em atenção às circunstâncias especiais de cadaatividade, mediante ato do Poder Executivo, e depois de devidamente apurada pelo DepartamentoNacional do Trabalho e pelo Serviço de Estatística de Previdência e Trabalho a insuficiência donúmero de brasileiros na atividade de que se tratar.178 Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam oacesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordostrabalhistas, é vedado: (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999).I - publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ousituação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assimo exigir;II - recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor,situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória epublicamente incompatível;III - considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins deremuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional;

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Ainda no âmbito federal, podemos destacar alguns dos vários mecanismos

legais existentes: Lei nº 7.668 de 22 de agosto de 1988, que instituiu a Fundação

Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura, tendo o seu estatuto sido

aprovado pelo Decreto nº 418, de 10/01/92; Lei nº 8.112/90 que preleciona, em seu

artigo 5º, § 2º, o estabelecimento de cotas de até 20% para os portadores de

deficiência no serviço público civil da União; Lei nº 8213/91, concernente ao âmbito

da iniciativa privada, a qual determina um aumento do percentual de contratação em

caráter obrigatório de pessoas portadoras de capacidades especiais, levando-se em

conta o número total de empregados, até o percentual de 5% para as empresas com

mais de 1000 empregados; Lei nº 8666/93, Lei das Licitações, que, em seu artigo

24, XX, prescreve a inexigibilidade de licitação para contratação de associaçõesfilantrópicas de portadores de deficiências; Lei nº 9.125/95, que instituiu aquele ano

como o ano Zumbi dos Palmares.

Em 20 de novembro de 1995, o Governo Federal, na figura do então Presidente

Fernando Henrique Cardoso, criou o GTI – Grupo de Trabalho Interministerial para a

Valorização da População Negra, com o objetivo de sugerir ações e políticas de

valorização da comunidade afrodescendente. Em 20 de março de 1996, foiinstituído, no Ministério do Trabalho, o Grupo de Trabalho para a Eliminação da

Discriminação no Emprego e na Ocupação – GTEDEO. Este Grupo de Trabalho, de

constituição tripartite, apresenta objetivos e finalidades voltados à definição de um

programa de ações e à propositura de estratégias de combate à discriminação no

emprego e na ocupação, como preconizado na Convenção nº 111, da Organização

Internacional do Trabalho- OIT.

Em 13 de maio daquele ano, foi lançado o Programa Nacional dos Direitos

Humanos (PNDH). Em 02 de julho de 1996, tivemos a edição do “Seminário

IV - exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez,na admissão ou permanência no emprego;V - impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação emconcursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado degravidez;VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.Parágrafo único. O disposto neste artigo não obsta a adoção de medidas temporárias que visem aoestabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular as que sedestinam a corrigir as distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e ascondições gerais de trabalho da mulher.

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Internacional: Multiculturalismo e Racismo: O Papel da Ação Afirmativa nos Estados

Democráticos Contemporâneos”, patrocinado pelo Ministério da Justiça. No Distrito

Federal, no mesmo ano, o governo tornou obrigatória a representação de todas as

etnias nas propagandas institucionais, determinando a proporção de 54% de

brancos, 40% de pardos, 5% de negros e 0,11% de índios.

Já em 20 de novembro de 1997 (Dia Nacional de Valorização da Consciência

Negra), houve a entrega solene, pelo Ministro Raul Jungmann, de títulos de

propriedade aos integrantes das comunidades negras remanescentes dos

quilombos. No ano seguinte, houve a promulgação da Lei nº 9.649/98, a qual criou o

Conselho Nacional de Combate à Discriminação - CNCD, no âmbito do Ministério daJustiça.

Na seqüência, por meio da Portaria nº 1.740/99, o Ministério do Trabalho

determinou a inclusão de dados informativos da raça e da cor dos empregados nos

formulários da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS e no Cadastro Geral

de Empregados e Desempregados – CAGED.

Ademais, recentemente, em junho de 2000, por meio da Portaria nº 604, o

Ministério do Trabalho instituiu, no âmbito das Delegacias Regionais do Trabalho, os

Núcleos de Promoção da Igualdade de Oportunidades e de Combate à

Discriminação, encarregados de coordenar ações de combate à discriminação em

matéria de emprego e profissão.

Em dezembro do mesmo ano, o Brasil participou da Pré-Conferência Regionaldas Américas, no Chile, e, logo em seguida, realizou várias Pré-Conferências

Regionais em todo o País, organizadas pela Fundação Cultural Palmares e pelo

Ministério da Cultura, com representantes do Movimento Negro, da sociedade civil,

acadêmicos, cientistas sociais, parlamentares e gestores públicos, as quais

desencadearam a iniciativa de criação de Políticas de Ações Afirmativas.

No ano seguinte, foi criada a Lei no 10.172/2001 que instituiu o Plano Nacional

de Educação, o qual estabeleceu a necessidade de políticas de inclusão de minorias

étnicas. Em setembro daquele ano, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, por

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meio da Portaria nº 202, instituiu um Programa de Ações Afirmativas, Raça e Etnia.

O referido programa tratava da reserva das vagas dos servidores contratados por

concurso, dos cargos comissionados e dos empregados em empresas prestadoras

de serviços ao ministério, estipulando o percentual de 20% das vagas para negros,

20% para mulheres e 5% para pessoas portadoras de deficiência.

No mês seguinte, houve a implementação da Procuradoria Federal dos Direitos

do Cidadão, no âmbito do Ministério Público Federal e, em 19 de dezembro, ainda

do mesmo ano, ao discursar na cerimônia de entrega do Prêmio Nacional dos

Direitos Humanos, o Presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu abertamente

a adoção de políticas afirmativas no Brasil. Ademais, nesse mesmo período, o STFcriou reserva de 20% das vagas para negros, 20% para mulheres e 5% para

pessoas portadoras de deficiência no programa de adoção de cotas para negros,

mulheres e portadores de necessidades especiais nas empresas prestadoras de

serviço ao mesmo.

De maneira análoga, o Ministério da Justiça, por meio da Portaria nº 1.156/01,

estabeleceu reserva de 20% das vagas para negros, 20% para mulheres e 5% parapessoas portadoras de deficiência, anunciando, além disso, a adoção do sistema de

cotas, nos moldes do adotado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário,

incumbindo ao Conselho Nacional de Combate à Discriminação a supervisão desse

sistema.

Em 2002, o Brasil tornou-se signatário e fez o depósito da declaração

facultativa prevista no art. 14 da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial , após o Congresso Nacional tê-lo

aprovado, através do Decreto Legislativo nº 57, de 26 de abril de 2002. O Decreto

presidencial 4.228/02 instituiu o Programa Nacional de Ações Afirmativas e, em 13

de maio do mesmo período, foi lançado o Plano Nacional de Direitos Humanos II.

Nesse mesmo ano, o Ministério da Educação lançou o Programa Diversidade

da Universidade (MP n. 63/2002) e a UNB - Universidade de Brasília - estudou a

possibilidade de reserva de 20% das vagas para estudantes negros. A proposta do

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Conselho Universitário previu a destinação de 20% das vagas no vestibular e no

PAS (Programa de Avaliação Seriada) para negros.

Cumpre dizer que a Lei 10.639/03, de 09 de janeiro de 2003, alterada da Lei n o 

9.394, de 20 de dezembro de 1996 - a qual estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional -, é o dispositivo legal, em âmbito federal, que demonstra uma

grande preocupação com relação à questão das cotas, que vem tomando conta das

prognoses legislativas, uma vez que dita lei incluiu, no currículo oficial da Rede de

Ensino, a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" em todos

os estabelecimentos de ensinos fundamental e médio oficiais e particulares, com o

fito precípuo de que, por meio desse estudo, seja amplamente divulgada ereconhecida a contribuição dos negros para formação da nossa nacionalidade179.

Em 2005, houve a aprovação do Estatuto da Igualdade, no Senado Federal, por

meio do Projeto de Lei 6264/05. A versão que será votada pela Câmara modificou

alguns pontos aprovados em 2002. O projeto original (PL 3198/00) é do ex-deputado

e atual senador Paulo Paim (PT-RS), que, no intuito de combater a discriminação

racial e as desigualdades estruturais e de gênero que atingem os afro-brasileiros,incluiu a dimensão racial nas políticas públicas e outras ações desenvolvidas pelo

Estado.

Advertimos, nesse ponto, que a descrição acima mencionada, apesar de

extensa não é conclusiva, ou seja, muitos outros programas e leis podem ter

passado despercebidos, em especial, no que diz respeito àquelas estaduais e

municipais, dada à competência territorial de ambos, para tanto, sendo, impossível,nesse aspecto, o almejo da fatigante previsão.

Ressaltamos, outrossim, a acuidade da medida que implementou a Secretaria

Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em 2003, com status  de

Ministério, objetivando a coordenação e a elaboração de políticas públicas

combatíveis a todas as formas de discriminação racial no Brasil. A mesma secretaria

deve buscar uma efetiva discussão sobre os programas direcionados às minorias

raciais e étnicas como forma de efetivação de Ação Afirmativa.

179 BRANDÄO, ibidem, p. 25-69.

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Tracejados esses contornos históricos das criações legislativas no âmbito

pátrio, e antes de nos embrenharmos na questão das universidades, precisamos

retomar alguns acontecimentos de importância internacional a respeito do Princípio

da Igualdade e das Ações Afirmativas.

Assim sendo, quando os Direitos Humanos, em âmbito internacional,

recomendam medidas que visam a promover atendimento a indivíduos vulneráveis,

o fazem utilizando-se da nomenclatura promoção de “medidas especiais”, ao invés

de “ações afirmativas”, diferentemente do utilizado no nosso ordenamento pátrio.

Nesse particular, podemos destacar, como exemplo de aplicação do princípio

da não-discriminação na seara dos Direitos Internacionais, os seguintes diplomas

legais: A Convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino, de

1960; Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Formas de

Discriminação Racial, artigo 1o, item 4, de 1996; Convenção Sobre a Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, artigo 4o, item 1, de 1979;

Convenção Européia de Direitos Humanos (artigo 14); Convenção Americana sobreDireitos Humanos (artigo 1º, I), de 1969; Convenção da OIT sobre Discriminação em

Matéria de Emprego e Ocupação, de 1958; Convenção da UNESCO contra

Discriminação na Educação, de 1960; Carta Africana de Direitos Humanos e dos

Povos (artigo 2o); Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 2o), de 1948;

Pacto dos Direitos Civis e Políticos (artigos 2o, I, e 26); Pacto de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais (artigo 2o) ambos de 1966; Declaração das Nações

Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e DiscriminaçãoBaseadas na Religião ou Crença, de 1981, dentre outros.

Dessa maneira, urge, pois, uma positivação mais detalhada dos contornos das

Ações Afirmativas de acesso ao ensino superior nas universidades públicas, de

acordo com o disposto no sistema constitucional vigente, no tocante ao sistema de

cotas especificamente.

As pesquisas acadêmicas existentes, qualitativas e quantitativas, sobre as

diversidades racial e cultural, realizadas, em especial, nas áreas da educação, têm

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apresentado contribuição de renomada relevância para evidenciar o interesse na

efetivação do incremento de políticas públicas voltadas ao estabelecimento de cotas

para o ingresso universitário.

Nesse aspecto, em especial, no ano de 1992, foi dado o primeiro passo desse

intento, na oportunidade em que foi criado, por meio de organizações não

governamentais, a possibilidade de alunos carentes e/ou afrodescendentes

freqüentarem cursos pré-vestibulares, tendo como maior expoente dessa iniciativa a

promoção da ONG Educação e Cidadania de Afrodescentes e Carentes

(EDUCAFRO)180.

Nesse sentido, é forçoso que se observe a posição da Universidade do Estado

da Bahia (UNEB) como sendo a primeira instituição de ensino no Norte-Nordeste e,

a segunda no país, após a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a

implantar o sistema de cotas para ingresso em seus cursos de Graduação e Pós-

graduação. A UNEB estabeleceu uma proporção de 40% das vagas aos candidatos

afro-descendentes, egressos da rede pública de ensino, que optarem pelo

sistema181.

A UERJ e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF)

estabeleceram, de acordo com a Lei nº 3.524/2000, a reserva de 50% das vagas

para alunos provenientes de ensino público e, posteriormente, a Lei nº 3.708/2001

prescreveu, para essas duas universidades, uma cota de 40% do total de vagas

para os que se declarassem negros ou pardos. Uma lei ulterior, em 2003,

sancionada pela então governadora Rosinha Garotinho, instituiu nova disciplina parao sistema de cotas de ingresso nessas universidades, ampliando o estabelecimento

de mais uma categoria de cotas, qual seja, a garantia de vagas para deficientes

físicos e para aqueles oriundos da rede pública de ensino182.

180 BRANDÃO, ibidem, p. 55.181 Ibidem.182 Dados obtidos em: http://www.senado.gov.br/sicon/executapesquisabasica.action. Acesso em: 30ago. de 2001.

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Ademais, no ano passado, tal previsão foi estendida de forma impositiva, pela

Lei 4680/05, a todas as instituições públicas de ensino superior do Estado do Rio de

Janeiro.

Frisamos, nesse passo, que os programas de Ações Afirmativas voltados à

educação superior estão se desenvolvendo gradativamente. Podemos exemplificar,

para além das instituições comentadas, a existência de tais ações nas seguintes

universidades públicas: UEL (Universidade Estadual de Londrina), UNB

(Universidade de Brasília), UFBA (Universidade Federal da Bahia), UEA

(Universidade Estadual do Amazonas), UNIFESP (Universidade Federal de São

Paulo - Escola Paulista de Medicina), UFAL (Universidade Federal de Alagoas),

UFPR (Universidade Federal do Paraná), UFJF (Universidade Federal de Juiz deFora), UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina), UEMG (Universidade

do Estado de Minas Gerais), UEMS (Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul),

UNIMONTES (Universidade Estadual de Montes Claros-MG) e UNICAMP

(Universidade Estadual de Campinas-SP)183. 

Anotamos, igualmente, que algumas universidades particulares também se têm

valido dessas políticas, como a PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio deJaneiro), a UNESA (Universidade Estácio de Sá), a UCP (Universidade Católica de

Petrópolis), a Faculdade de Enfermagem Luiza Marilac, todas do Rio de janeiro184.

Realizados esses contornos gerais sobre a efetivação das Ações Afirmativas

no âmbito nacional, passamos, agora, a análise específica de um caso que nos é

muito próximo.

No Rio Grande do Sul, temos um exemplo muito interessante, advindo de uma

pesquisa realizada com base no sistema adotado pela Universidade Estadual do Rio

Grande do Sul (UERGS). Essa Universidade reserva 50% de suas vagas a

candidatos economicamente carentes e 10% para candidatos portadores de

deficiências. Esses candidatos participam do exame vestibular em igualdade de

condições com os demais inscritos e é, somente em etapa posterior, que os

183 BRANDÃO, ibidem, p. 25-67.184 Ibidem.

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selecionados concorrem entre si, respeitando o limite do percentual das vagas

reservadas185.

Dessa maneira, centenas de candidatos, que se enquadram nos parâmetros

estabelecidos, oriundos, quase que na sua totalidade, de escolas públicas, que não

atingiriam o ensino superior por meio dos métodos tradicionais, têm ingressado na

UERGS.

E o mais interessante é que a pesquisa referida concluiu que o desempenho

acadêmico atingido pelos ingressantes na UERGS, pelo sistema das Ações

Afirmativas, foi equiparável ao desempenho daqueles que não participaram de talsistema186.

Ademais, deve ser ressaltado o desempenho em relação à natureza do curso,

eis que, nas áreas das Ciências Exatas, foi notado um rendimento pouco inferior ao

das Humanas, o que talvez possa ser explicado devido ao fato das primeiras

aproveitarem conhecimentos advindos do ensino fundamental, que certamente não

podem ser comparados com o ensino ministrado nas escolas privadas. Ao revés,tais alunos demonstraram desempenho acima da média nas áreas das Ciências

Humanas, o que tem sido hodiernamente valorizado pelo mercado de trabalho.

Um outro aspecto relevante da pesquisa, que merece ser apreciado, diz

respeito à permanência e à evasão. O estudo demonstrou que 80% dos

ingressantes pelo sistema ainda continuam ativos, enquanto que os não

participantes atingem um patamar de 86% de permanência na universidade187

.

Podemos concluir da explanação acima apresentada, e nos é forçoso esse

reconhecimento, que a experiência desta medida, já concretizada, mostra-nos que,

apesar da resistência daqueles que vêem nesse sistema a inconstitucionalidade

185 OLIVEIRA, C.; MATOS, J. Da L.; SILVA, S. Ações Afirmativas em universidades públicas: o casoda Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. In: GORCZEVSKI, Clóvis (Org.). Direito & Educação. Porto Alegre: UFRGS, 2006, p. 256.186 Ibidem, p. 266.187 Ibidem, p. 268.

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absoluta, os resultados por si só são capazes de derrubar essa argumentação,

tamanho é o sucesso que vem sendo alcançado por ela.

Assim, traçados esses contornos preliminares, partimos ao enfoque da questão

da educação considerando, nessa conjuntura, sua importância e seus

desdobramentos especificamente dentro da questão do acesso ao ensino superior.

3. 3 A questão da Educação nesse contexto

Inicialmente, impende salientar que, antes de introduzirmos a questão dos

desdobramentos das ações afirmativas como meio de inserção de afrodescendentes

e daqueles oriundos do ensino público, precisamos nos deter no tema da educação

e de sua fundamentalidade no contexto atual.

Assim, é cogente recordamos que, em 05 de outubro de 1988, proclamou-se a

tão propalada Constituição Cidadã, em que permite destacar que o papel dosconstituintes já estava intrinsecamente voltado a reconhecer a temática da educação

como um avanço que buscava a preservação da qualidade de ensino e a

preocupação com os Direitos Fundamentais.

A educação sempre foi considerada, por nossas Constituições, como um Direito

Fundamental, mas é na Constituição de 1988 que ela se sobreleva com a criação de

aparatos para a sua garantia. Tal direito certamente constitui-se no mais nobre dosinstrumentos da consolidação da cidadania e no mais elementar dos direitos que

devem ser assegurados a todas as pessoas e, certamente, no meio mais eficaz de

se desenvolver políticas públicas. Não que os outros direitos sejam menos

importantes em ordem de hierarquia, mas é que somente através da educação bem

sedimentada que se poderá exigir o cumprimento das outras garantias asseguradas

aos cidadãos, qualidade estendida também às crianças e aos adolescentes.

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Kant188 já preconizava que “o homem só pode ser homem pela educação”. E,

atualmente, ela é considerada um instrumento indispensável para o exercício da

cidadania, uma vez que, na passagem de mudança do Estado, precisou ser

redefinida, pois se fez imprescindível uma ampliação de sua designação para que

ela própria pudesse se integrar em meio a isso tudo.

Assim, antes de tudo, é imperioso que se faça a distinção entre Educação e

Ensino, apesar de comumente as duas palavras serem utilizadas como sinônimos. A

educação, segundo Bittar189, encerra um tema mais amplo do que o ensino. Para

este autor, a educação envolve “todos os processos culturais, sociais, éticos,

familiares, religiosos, ideológicos, políticos que se somam para a formação doindivíduo”. Enquanto que o ensino é apenas um pedaço da educação de uma

pessoa, eis que ele se constitui no meio de se realizar a educação e aqui reside a

necessidade da eficiência pedagógica e da capacitação dos educadores, para que

se consiga atingir o fim almejado.

O ensino, dessa forma, constitui-se num capítulo da educação, eis que é por

meio dele que se atingirá a meta da educação. Em outras palavras, o ensino é omeio, enquanto que a educação é o fim. Para tanto, ele necessita de artefatos

sólidos que permitam tal sustentação.

Assim, a Constituição Federal de 1988 abriga, em seu corpo, dispositivos que

resguardam, tanto a educação, como o ensino propriamente dito. Tais disposições

podem ser encontradas, exemplificativamente, nos seus artigos 205 e 214,

baseados no artigo XXVI da Declaração Universal dos Direitos do Homem que jámencionava “o direito à educação fundamental, de forma gratuita e obrigatória, à

educação técnica-profissional generalizada e à educação superior, que deve

assegurar a igualdade para todos, baseada em méritos individuais”.

Cumpre destacar que o aludido artigo 205 encerra três finalidades, quais sejam,

primeiramente, por meio delas, desenvolver a totalidade do ser humano, depois sua

188  Apud VERONESE, Josiane Rose Petry. In PEREIRA, Tânia da Silva (coord.). O Melhor Interesse da Criança: Um debate Interdisciplinar . Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 663.189 BITTAR, Eduardo C. B. Direito e Ensino Jurídico: legislação educacional . São Paulo: Atlas, 2001.P. 15

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organização para a constituição de uma cidadania ativa e, por fim, a finalidade que

diz respeito à qualificação profissional.

O artigo 227 da Constituição Federal brasileira, igualmente, preconiza, entre

outros deveres, o de ser priorizado o direito à educação das crianças e dos

adolescentes, obrigação esta de incumbência simultânea da família, da sociedade e

do Estado. Porém, não é somente aos menores de idade que esse direito é

estendido, os entes acima descritos, e principalmente o Estado, pelos seus três

Poderes, têm a obrigação de estabelecer metas e propiciar que a educação seja

prestada a qualquer cidadão, independentemente de sua idade.

Precisamos salientar a magnitude do inciso I, do art. 208, da CF, ao trazer essa

previsão do acesso ao ensino fundamental em todas as idades, não excetuando,

dessa forma, aqueles que já ultrapassaram a faixa etária de início das atividades

escolares.

Podemos encontrar previsão igualmente expressa quanto ao dever precípuo do

Estado de prestar educação no mesmo diploma legal, mais especificamente noartigo 208, que prevê a obrigatoriedade do oferecimento de creches, pré-escolas,

direito público subjetivo (obrigatório e gratuito).

Portanto, os incisos do artigo em comento contêm preceitos asseguradores de

uma boa qualidade de ensino público e gratuito, que, conseqüentemente,

disseminará o desenvolvimento de uma efetiva consciência cidadã por meio da

gestão democrática do ensino, eis que a educação consiste num dos instrumentosmais eficazes para tanto.

Para assinalar a intenção do constituinte (entendimento do artigo 6º da CF),

quando da inserção deste preceito legal, podemos depreender, embora para alguns

de forma velada, por meio de uma leitura atenta, que a educação, assim como

outros direitos de fulcral importância, são considerados direitos sociais, como tal,

auto-aplicáveis e, incontroverso, podendo ser exigido por meio do exercício judicial.

Por esta razão, o parágrafo 2º deste mesmo artigo encerra a previsão legal de

responsabilização por meio do Poder Judiciário e Ministério Público, daqueles a

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quem por dever cabe o exercício de asseguramento da educação e do

desenvolvimento regular desta.

Ademais, a extensão da obrigatoriedade e da gratuidade do ensino médio

proporciona a possibilidade de estudo daqueles menos favorecidos que estão na

busca de novas oportunidades para o trabalho, eis que, na atualidade, prezamos

muito a capacitação profissional. Além disso, é somente com o ensino médio

concluído que se abre a oportunidade pela busca do ensino universitário.

Para tanto, é necessária uma grande transformação social, um maior

engajamento da comunidade, das autoridades públicas e, principalmente, deprojetos de inclusão social, tema que será analisado, designadamente, quando se

tratar da proposta de cotas para o ingresso no curso superior.

No mundo globalizado em que vivemos, é mister que se reconheça a

humanização do processo ora discutido. O acesso e a permanência das pessoas

menos favorecidas no ambiente escolar, seja no ensino fundamental, no médio ou

no superior, representa muito mais que a garantia do direito à educação a essaparcela da população, significa, isto sim, o rompimento com uma história de

exclusão social. Ademais, consignou local de relevo a referência especial que deve

ser dada ao atendimento educacional especializado em prol dos denominados

“portadores de deficiências”.

Por fim, é cogente recordar-nos de que a concretude de tais proposições está

condicionada à eficácia das políticas públicas voltadas a este objetivo, bem como àslimitações orçamentárias. Além disso, convém ter presente que o ensino público,

pretensiosamente abrangente, na forma e metodologia que ora apresenta-se não

tem propiciado aos educandos concorrer em igualdade de oportunidades. Da

mesma forma não lhes propicia que estejam recebendo as mesmas condições para

seu pleno desenvolvimento acadêmico, se comparados à qualificação recebida

pelos alunos advindos das escolas particulares e com a suplementação dos

cursinhos pré-vestibulares, inacessíveis a significativa maioria dos que almejam

chegar à universidade pública.

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Acrescentamos o fato que a maior parte das vagas, hoje, preenchidas nas

universidades públicas não é composta por alunos egressos da rede pública de

Ensino Médio, o que tem propiciado, para alguns, cada vez mais a necessidade de

cotas inclusiva para tal intento, o que se constitui, como vimos, na essência da

investigação da presente pesquisa.

Nessa órbita, passa a fazer sentido as ditas propostas de Ações Afirmativas

voltadas a permitir, via reserva de vagas, a inserção do educando, egresso do

ensino público, portadores de deficiências e parcela da população

reconhecidamente segregada pela humanidade, negros, índios, pobres, ao ensino

superior.

O que pretendem os maiores defensores – ponderados -, com essa medida, é

que se efetive o Direito Fundamental de Educação ancorado por outros dois

princípios vetores do Estado Democrático de Direito, quais sejam, os Princípios da

Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana, conforme outrora analisado.

O direito à educação como um Direito Fundamental está intrinsecamente ligadoà condição de elemento indispensável para que se efetive o pleno desenvolvimento

do educando como pessoa humana, portadora de personalidade própria e para a

concretude da competente cidadania. O Princípio da Igualdade, como estrutura

educacional, caracteriza-se por sua função informativa e condicionadora na

interpretação de todo o direito, o que significa dizer que é um princípio norteador de

todo e qualquer direito, tanto quanto o Princípio da Dignidade humana o é.

Justamente, por isso, que se faz relevante a digressão quanto a questão do ensino eda educação, já que a aplicação de tais medidas (Ações Afirmativas) ou não, como

se analisará adiante, vir a ferir o Princípio da Igualdade.

Por último, não podemos deixar de salientar o quão válida é a revisão e a

reavaliação que deve permear a Lei de Diretrizes e Bases, visto que o direito à

educação está consagrado constitucionalmente, conforme temos ressaltado ao

longo dos comentários, como um Direito Fundamental, no qual se busca a igualdade

de ações, levando-se em conta a riquíssima diversidade dos indivíduos e que,

outrora, quando do estabelecimento das bases e diretrizes do processo educacional,

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estavam voltadas a outros intentos, como o progresso do ensino e a capacidade do

aluno em aprender mais rapidamente.

Nesse sentido, é importante trazermos à baila a visão de Bobbio190:

[...] enquanto a liberdade é uma qualidade ou propriedade da pessoa (nãoimporta se física ou moral) e, portanto, seus diversos significadosdependem do fato de que esta qualidade ou propriedade pode ser referidaa diversos aspectos da pessoa, sobretudo à vontade sobretudo à ação, aigualdade é pura e simplesmente um tipo de relação formal, que pode serpreenchida pelos mais diversos conteúdos.

O processo educacional é de extrema importância, sublinhamos novamente,

mas é de asseverar, embora não seja objetivo principal desse ponto, que a questão

da educação como cultura é uma contingência cultural que, apesar da redundância,

expressa a nossa realidade social, onde as pessoas não se “preocupam” em

aprofundar os estudos, contentando-se com a conclusão do Ensino Médio, senão,

do Fundamental. Por isso, a importância da educação como exercício de cidadania,

pois é somente através de uma educação bem sedimentada que se poderá exigir o

cumprimento das outras garantias asseguradas aos cidadãos e da efetiva realização

de políticas públicas eficazes como o são as Ações Afirmativas.

Dessa maneira, trazemos os ensinamentos de Costa191 

A construção de uma real cidadania, renovadora do espaço público eemancipadora dos indivíduos, necessita antes de mais nada, de um novoolhar para o campo da educação como um direito fundamental do serhumano. Ao que tudo indica, o momento é de abertura de novos espaçosde reflexão.

Adrede, parece-nos óbvio, segundo a autora, que o desenrolar da democracia e

do conseqüente papel de cidadão perpassa não só pela afirmação da igualdade,

mas também pela educação, porque é somente por esse direito que se atingirá a

equalização dos demais indivíduos.

190 BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade . Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 2ª ed. Rio deJaneiro: Ediouro, 1997, p. 12.191 COSTA, Marli Marlene Moraes da. A educação como um direito fundamental para o plenoexercício da cidadania. In: REIS, J. R.; LEAL, R. G. Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos . Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006, p. 1718.

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Sobre a importância do ensino, Bittar192 corrobora o entendimento acima que

destaca a sua a importância:

Sem dúvida alguma, o ensino superior (universitário e não universitário;graduação e pós-graduação), se comparando ao ensino básico (infantil,fundamental e médio), deve ser considerado menos prioritário. No entanto,isso não quer dizer que possua menos importância no processo deformação de uma nação. Isso porque é por meio das IES, dasUniversidades, dos Centros Universitários, das Faculdades Integradas, dosInstitutos Superiores, dos Centros de Educação Tecnológica que sefomenta o desenvolvimento de novos saberes e de novas pesquisas.

Ademais, o sucateamento das universidades públicas também colabora para

esse entendimento. Não obstante, tenha a previsão legal de incentivo e fomento à

pesquisa e extensão, na prática, ela acaba se distanciando desse intento, seja pela

falta de recursos, seja pela falta de vontade política nesse sentido.

Ao cabo, não podemos deixar de ressaltar que, diante da constante luta pela

busca de um equilíbrio orçamentário compatível com as políticas públicas

educacionais, os municípios apresentam-se, cada vez mais, dependentes de

programas orçamentários com maior participação da União e dos Estados.

Devemos, neste aspecto, salientar que o repasse de verbas nos percentuais

hodiernos tem deixado a desejar no que tange à satisfação da demanda e da

necessidade educacional. Requer, pois, haver, cada vez mais, um engajamento

conjunto entre essas três esferas para o atendimento de tal necessidade.

Resta, ademais, um outro tema relevante, qual seja a questão da autorização

do ensino à autonomia privada por força do que dispõe o art. 229 da CF. Tema

correlato, e de igual importância, refere-se ao acesso ao ensino superior, crucial

para a questão da aplicação das Ações Afirmativas. Assim, a CF dispõe autonomia

às universidades no trato de questões internas, sobretudo, “quando se refere à idéia

de igualdade, como basilar do sistema de recorrência ao ensino superior, e, em

segundo lugar, as disposições da lei e a força supletiva do Conselho Nacional de

Educação (CNE)”193.

192 Ibidem,p. 28.193 Ibidem, p. 31.

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Nesse contexto, nunca é demais lembrar que o acesso ao ensino universitário

normalmente se dá por meio de vestibular ou de processo seletivo, este último mais

maleável, pode até mesmo ser realizado conjuntamente com outras formas de

avaliação, desde que respeitada algumas condições194. Isto levou o Conselho

Nacional de Educação a emitir certos pareceres sobre a questão da igualdade,

nessa conjuntura. Exemplificativamente, podemos citar o de nº 95/98, que aponta:

Inúmeras pesquisas têm demonstrado, por exemplo, que a falta deeqüidade no acesso ao ensino superior não têm sido conseqüência diretado processo de seleção, mas dos condicionamentos sócio-econômicos docontexto de origem dos candidatos e das iniqüidades dos níveis anterioresde ensino. As diferenças se revelaram já no nomento da escolha das

carreiras, isto é, na inscrição para o concurso, e não somente após aclassificação dos candidatos que lograram aprovação.

Ademais, extraimos outro trecho de similar grandeza do referido parecer, no

que tange à questão dos critérios de igualdade: “a igualdade de critérios de

 julgamento e das coisas que se comparam é indispensável”. E, mais adiante, o

mencionado parecer repele a matrícula em universidades daqueles que ainda estão

cursando o ensino médio, por constituir-se num afronte ao Princípio da Igualdade de

condições de acesso, exigida pela Constituição: “já que a igualdade implica umarelação que se estabelece entre os concorrem às mesmas vagas”195.

Bittar196, com propriedade, expõe que a concorrência entre as instituições de

ensino privado tem levado a aprovação inescrupulosa de candidatos inaptos ao

acesso ao ensino superior. Segundo ele:

A igualdade não significa unânime aprovação dos candidatos conformeestatísticas numéricas e interesses econômicos das instituições. Aigualdade constitui condições igualitárias e públicas de acesso a todos,sem restrições, orientações ideológicas, discriminações oudirecionamentos, como respeito aos mandamentos fulcrais do regimedemocrático.

Disso, retiramos algumas conseqüências óbvias em relação à aplicação das

Ações Afirmativas, uma vez que se põem em choque o direito de autonomia das

universidades, os pareceres do CNE que resguardam o Princípio da Igualdade, e

194 Ibidem, p. 32.195 Parecer nº CP 95/98.196 Ibidem, p. 34

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sua conceituação, frente às Ações Afirmativas. Instigamos o intérprete da norma à

escolha e à busca pela resposta correta. O que deve prevalecer nesses casos: o

acesso à educação superior, mediante a “discriminação”, vedada pela CF ou o

Princípio da Igualdade, respaldado, igualmente, no corpo da CF? É esta intrigante

questão que se busca responder com o desenvolvimento da presente dissertação.

Quiçá, chegaremos ao final com uma solução para este impasse.

Embora autores como Dworkin, Alexy e Canotilho, como já ressaltado, tenham

discutido a relevância de outros tantos preceitos fundamentais, de que, por exemplo,

o princípio é direito197, e como tal assunto inquestionável, diante da fase pós-

positivista198 em que estamos inseridos, ainda discutimos a respeito do alcance dosprincípios frente às normas infraconstitucionais tanto quanto aos próprios princípios,

em especial, no tocante à colisão entre estes. Sob esta ótica, o debate ocorre

quando necessitamos determinar se uma regra atinge ou não um Direito

Fundamental por estar embasada em um princípio constitucional, ao mesmo tempo

em que infringiria princípio constitucional diverso. Daí a necessidade de

conceituarmos o que, no âmbito jurídico, se entende por princípio e,

primordialmente, por Princípio da Igualdade, na medida em que é a “pedra de toque”deste ensaio.

Destes preceitos, temos demonstrado que o Princípio da Igualdade é norteador

do sistema educacional, de modo indiferente se esse ensino for fundamental, médio

ou superior, em razão do enfoque sistêmico que se deve ter ao interpretar as

normas. Todavia, já existem correntes doutrinárias se posicionando a respeito do

impasse questionado.

Dessa forma, para aqueles que afirmam que o sistema de cotas fere a

igualdade entre as pessoas são usados os seguintes argumentos: a busca da

universalização do ensino não alcança o ensino superior, pois, de acordo com o

inciso V, do art. 208, da CF, ressalvamos que essa modalidade de ensino é

acessível apenas aos mais capacitados, o que implica a realização de algum tipo de

teste para se aferir dita capacidade; ao concedermos privilégios a certos grupos

197 BITTAR, ibidem, p. 44.198 BONAVIDES, ibidem, p. 237.

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étnicos ou sociais, provocamos a suspensão do sistema de ingresso na universidade

baseado no mérito do candidato, visto que o sistema de cotas combate uma injustiça

criando outra; e, por último, a consignação de cotas é também arbitrária, porque não

há critérios científicos para se identificar quem é, de fato, afrodescendente ou pardo.

Por outro lado, os defensores da idéia sustentam que a concessão de

tratamento mais favorável a grupos que se encontram em desvantagem não

caracteriza arbítrio ou violação do Princípio da Igualdade, pelo contrário, o que se

pretende é viabilizar a igualdade material, já que realmente existe uma pequena

proporção de negros nas escolas públicas superiores. Reiteram, não obstante, que o

atual vestibular serve não para medir o mérito do candidato, mas para medir aqualidade do sistema escolar, refletindo a desigualdade de oportunidades, desígnio

este que o princípio isonômico visa a propiciar à sociedade. Alegam, também, que o

conceito de raça humana é fixado sócio-culturalmente e não biologicamente, razão

pela qual não pode ser determinado por nenhum critério científico199 e, por fim, que a

reserva de vagas é compatível com a Constituição Federal que contém princípios e

modalidades implícitas e explícitas de Ação Afirmativa.

A questão, por conseguinte, a ser definida é a de se saber se o Princípio da

Igualdade abrange somente a paridade dos indivíduos nas condições necessárias a

fim de atingir a ascensão social, econômica e cultural, ou garante o sucesso desse

indivíduo em uma competição social, intelectual, em razão de não ter havido a

igualdade nas condições de acesso. Dessa maneira, falta, sem dúvida, a definição

 jurídica de qual seja o verdadeiro intento das Ações Afirmativas, que repetimos,

constitui-se no objetivo da presente pesquisa.

Dessa forma, efetuados os contornos necessários ao destaque do papel e da

fundamentalidade do processo educacional, este entendido em sentido amplo, já

que, como vimos, aborda, também, a questão do ensino, precisamos dar seguimento

a proposta, ora iniciada, e nos atermos nas formas de implementação das Ações

Afirmativas.

199 SILVA, Luiz Fernando Martins da. Estudo sócio-jurídico relativo à implementação de políticas de ação afirmativa e seus mecanismos para negros no Brasil: aspectos legislativo, doutrinário, jurisprudencial e comparado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 342, 14.06.04. Disponível em: www1. jus.com. br/ doutrina/ texto.asp?id=5302. Acesso em 29 ago. de 2005.

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3.5 A especificidade das Ações Afirmativas no caso do acesso ao Ensino

Superior aos afrodescendentes e para os egressos do Ensino Público.

Pelo que apresentamos até o presente momento, deduzimos que a importância

dada à questão da educação ainda não é a das mais elogiáveis, muito embora

merecedora. Vimos, porém, que, mesmo assim, esse direito constitui-se em

mandamento constitucional, que necessita do Princípio da Igualdade e é reflexo de

outros tantos como o Princípio da Dignidade Humana.

Como vivemos em um Estado Democrático de Direito, sua formataçãoperpassa, sem dúvida, pela realização de todos os seus objetivos, mas nos

ocupamos, aqui, apenas da superação das desigualdades como forma de

proporcionar a máxima constitucional da busca de uma sociedade justa e igualitária.

Para tanto, temos demonstrado que a simples previsão legislativa da igualdade

formal não é suficiente, ela não é o bastante para assegurar à totalidade dos

cidadãos as mesmas oportunidades, já que uns, historicamente, são maissegregados do que outros.

É nesse contexto de desigualdades, de mundos plurais, que deteremos a

discussão da questão da reserva de vagas por meio do estabelecimento de cotas de

acesso ao ensino superior àqueles oriundos do ensino público e para os

afrodescentes, ou seja, analisaremos se tal previsão fere ou não o Princípio da

Igualdade, mas antes precisamos traçar algumas linhas discursivas, como porexemplo, a postura brasileira diante desse cenário, etc.

Tal debate tomou maiores dimensões, entre nós, após a participação do

governo brasileiro na III Conferência Mundial contra o Racismo realizada, em 2001,

na África do Sul. Existe, atualmente, uma profusão de clamores de políticas

corretivas de desequiparação na educação. Tanto isso é assim que, tramitam

projetos de Lei visando à criação de reserva de cotas para os menos favorecidos,

seja em função da cor de pele, seja em função das condições sociais, econômicas,

etc. Todavia, este estudo, pelos limites iniciais delineados, ficará adstrito a discussão

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daquelas ações que intentam incluir negros e estudantes do ensino médio da rede

pública nas nossas universidades.

Recentes pesquisas têm demonstrado que o número de estudantes no terceiro

grau é relativamente pequeno. Sabemos que o mercado, por conta da globalização,

tem exigido cada vez mais qualificação na oferta dos poucos empregos que ainda

restam. O Ministério da Educação, preocupado com essa questão, estabeleceu a

meta de que até 2010 ao menos 30% da população em idade universitária devem

estar matriculados em uma instituição educacional de tal porte200.

De posse de tais afirmações, surge a imbricada questão das cotas ou será quehaveria outra forma de inclusão universitária para o cumprimento dessa meta?

Sabemos que as vagas em universidades públicas são restritas e que seu acesso

somente é possível depois de muito estudo e muita perseverança, em face da

grande concorrência existente. Então, qual a alternativa que resta? O ensino

privado, talvez! Para isso, contudo, é necessário, além dos aspectos acima

identificados, terem condições financeiras de arcar com esse estudo.

Portanto, não basta a afirmação de simples metas, é preciso ações por parte do

governo para que esse ideal seja efetivamente cumprido. Para uns, como já

comentado outrora, a solução está no aumento de vagas nas universidades públicas

e uma exigência maior de qualificação dos professores, enquanto que, para outros,

as cotas são a solução para esse problema.

Segundo estudos do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada (ipea), menosde 2% dos estudantes universitários são negros e dentre esses somente 15,7%

concluem os cursos201. Então, diante dessa realidade, independente de convicção a

respeito das cotas, é forçoso admitir que essa exclusão é deveras preocupante e

ações devem ser empreendidas para acabar com tal marginalização.

200 SILVA, Cidinha, ibidem, p. 23.201 Dados obtidos em: <http.: // www.ipea.gov.br>. Acesso em 29 set. de 2005.

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Em conformidade com tal assertiva, Araújo202,acerca do ingresso e da

permanência, bem como do sucesso, das pessoas negras nas universidades

públicas, pondera:

Revela uma face do violento esquema de inclusão planejada na reclusãoda miséria (inclusive referencial), uma outra pode ser vista na omissão, nodesdém, no descaso com que são tratados os legados cultural e intelectualdos povos negros no Brasil, lesados de sua humanidade existencial pelanaturalização do advento político da escravidão mercantil que se estruturouna base de formação da economia moderna. Como resultado, este carimbohistórico confinou, entre outras coisas, os saberes de matriz africana naingenuidade passiva da folclorização ou na periferia ativa damarginalização, descaracterizando os seus referenciais estratégicos desobrevivência histórica.

Assim compreendido, pensamos necessário frisar que a delimitação do tema

das Ações Afirmativas em volta daquelas que se pretende estabelecer para os

negros e estudantes oriundos do ensino público, deu-se em função da maior

polemização em seu entorno, eis que outras, como as já estabelecidas para as

pessoas portadoras de deficiência física e do acesso das mulheres ao direito de

voto, por exemplo, encontram-se prontas e acabadas, inexistindo qualquer debate

sobre elas.

A primeira questão controvertida sobre a aprovação de cotas para negros

centra-se no problema da identificação daqueles que são considerados como tal,

uma vez que o critério é absolutamente falho, além de ser subjetivo, vejam como ele

tem sido apresentado: as pessoas por si próprias se auto-identificam segundo o que

lhes convém. Desta forma, é imperioso reconhecer que a distinção entre a teoria e a

prática é substancial para que se compreenda a necessidade de implementação de

tais medidas para este segmento da sociedade.

Segundo Silva203, ferrenha defensora das cotas para negros, as “metodologias

para definir pessoas negras nos programas de ação afirmativa têm seguido a

autodeclaração”. Muito embora ela própria advirta que, sempre que possível, um

especialista acompanhe a classificação para que se evite, segundo a autora, o

202 ARAÚJO, Rosângela Costa. A África e a afro-ascendência: um debate sobre a cultura e o saber.In: SILVA, Cidinha (Org.). Ações Afirmativas em educação: experiências brasileiras . São Paulo:Summus, 2003, p.218. 203 Ibidem, p. 47.

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chamado “negro(as) de ocasião”, entendido como “oportunista e/ou desonestas que

se declaram negras com o fim exclusivo de conseguir uma vaga, cujo acesso não

seria possível caso se declarassem brancas, morenas ou quase brancas”.

Nesse ponto, precisamos pensar se a autodeclaração das pessoas como

negras é suficiente para tanto, já que se trata de critério puramente subjetivo, ou se

a essa declaração deveríamos exigir obrigatoriamente uma avaliação técnica, no

intuito de, sob o manto de uma política inclusiva sem caráter objetivo, estar

afastando a possibilidade de verdadeiros negros participarem da reverenciada

medida. Aliás, como se demonstrará, esta questão é um dos argumentos daqueles

que se dizem contrários a tal intento, eis que tanto outros negros como muitaspessoas que estudaram em colégios particulares podem ficar sem acesso à

universidade.

Diante desse quadro, retomemos o tema das cotas. Sabemos que as pesquisas

demonstram que somente a classe elitizada tem acesso a uma educação de

qualidade, a qual, salvo raríssimas exceções, não é a negra, que, por razões

históricas, tem-se mantido afastada da cúpula. Por uma questão de igualdade, o quetemos defendido ao longo de todo o trabalho, é que essa realidade precisa ser

mudada, mas será realmente por meio do estabelecimento de cotas compulsórias

que se transformará esse contexto?

Conforme Teixeira204:

A concentração de poder no domínio dessa elite precisa ser tambémmodificada, pois o ingresso na universidade pública exige uma maiordemocracia que torne possível a entrada da camada populacional preteridado poder, que é a negra. As cotas para estudantes negros, como medidaspara se tentar corrigir os bloqueios decorrentes da situação de exclusãoenfrentada por esse público no exame do vestibular, seriam um dos meiospossíveis para se tentar promover a igualdade racial, entretanto, a suaimplementação vem sofrendo severas críticas por parte das elites e daclasse média.

204 TEIXEIRA, Valéria Maria Borges. “Abrindo-se as cancelas da África”: rompendo as barreiras doconhecimento – a experiência educacional do projeto Geração XXI. In: SILVA, Cidinha (Org.). Ações Afirmativas em educação: experiências brasileiras . São Paulo: Summus, 2003, p.96.

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Dessa forma, inaugurada está a polêmica sobre os posicionamentos dos

autores a respeito que aqui se digladiam com os mais diversos argumentos.

Deteremo-nos, neste ponto, a expor alguns dos posicionamentos de ambas as

correntes.

Oliveira205 afirma:

A idéia de que ações afirmativas ferem o Princípio da Igualdade é umafalácia. O primeiro problema diz respeito ao caráter de universalidade daspolíticas públicas. Nenhuma política pública no Brasil é universal. Nocampo educacional isso fica mais do que evidente. O que significa ter umapolítica educacional universal, ter salas de aula e giz? Se todas as crianças

em idade escolar resolvessem fazer matrícula nas escolas públicas, auniversalidade brasileira enfrentaria seu primeiro problema. Depois, se nãoexiste isonomia de qualidade e se a escola não educa, o que estádiretamente ligada com a noção de universalização de oportunidades,como podemos ter uma política que espera atender todos que necessitamdela?

Este é um ponto que, apesar de louvável, transcende ao debate das cotas e,

certamente, perpassa pela temática da gestão orçamentária e de condições para

tanto, bem além das possibilidades metodológicas a que este trabalho se destina.

Trazemos, em continuidade, as palavras de Telles206 que nos diz que não basta

apenas a inserção de políticas públicas desse caráter. É preciso que “sejam

atacadas as três maiores barreiras à verdadeira democracia racial”, quais sejam:

A hiperdesigualdade; “barreiras invisíveis” e a cultura racista. Se o governobrasileiro deseja fazer uma diferença significativa na vida da maioria dospretos e pardos, necessita desenvolver um conjunto de políticas quecombinem políticas sociais universalistas de desenvolvimento para reduzir

a hiperdesigualdade existente no país com ação afirmativa de naturezaracial que possa anular as barreiras invisíveis e minorar a cultura racista.

Assim, para o autor, na verdade, apresenta-se muito mais eficaz uma reforma

educacional em seu sentido amplo do que a simples previsão legislativa de tais

medidas. Ademais, para ele, “outros programas universalistas” precisam assegurar

mecanismos de inclusão à população negra, que consigam garanti-la ao menos em

205 OLIVEIRA, Eduardo Henrique Pereira de. Pelo Direito de Sonhar o futuro. In: SILVA, Cidinha(Org.). Ações Afirmativas em educação: experiências brasileiras . São Paulo: Summus, 2003, p.164.206 TELLES, Edward. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica. Tradução de Nadjeda Rodrigues Marques. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003, p. 274.

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mesmo grau do que aos brancos, sob pena de se criarem desigualdades ainda

maiores. Dito de outro modo, essas outras formas universalistas abarcam não só a

questão racial, como todo conjunto de desequiparações, sejam elas econômicas,

culturais, sociais, dentre outras tantas que objetivem a real distribuição de rendas

e/ou a redução da pobreza.

Segundo Oliveira207, outro grande dilema colocado falsamente à questão das

cotas é que a “melhor maneira de lidar com as diferenças seria não reconhecê-las”.

Além disso, este foi um grande desafio que as delegacias especializadas para

mulheres enfrentaram quando de sua implementação. Ora, até pode ser que ocorra

situação semelhante ao reconhecimento da importância da demanda daimplementação de cotas, a exemplo do que aconteceu com as delegacias

mencionadas, que, somente após anos de experiências, começaram a ser

agraciadas como política pública de inclusão capaz de alterar a estrutura machista

de desigualdade.

Ambicionando propiciar a justificativa da implementação de tais ações,

Medeiros208 relata o fato de que as

Sociedades que por muito tempo adotaram políticas de subjugação de umou mais grupos de pessoas precisam não apenas eliminar a discriminaçãono presente, mas também corrigir os efeitos perversos da discriminaçãopassada, ou seja, promover uma “reparação” ou “compensação” pelasinjustiças cometidas aos antepassados dos membros desses grupos.

Nesse sentido, essa “reparação” se justificaria pura e simplesmente pelo

caráter de permanência estendida às gerações posteriores, sendo, na opinião desse

mesmo autor, um fardo muito pesado de ser carregado por aqueles que não

vivenciaram a situação de escravidão, por exemplo, muito embora sejam seus

descendentes. Na verdade, com a efetivação das políticas de inclusão social,

estaríamos restaurando o equilíbrio entre as pessoas independentemente de sua

origem.

207 Ibidem, p, 164.208 MEDEIROS, Carlos Alberto. Na Lei e na Raça: Legislaçãoe relação raciais, Brasil - Estados Unidos. Rio de Janeiro: DP&A, 2004, p. 134.

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Continua, o sobredito autor209, dizendo que “o argumento central em defesa da

ação afirmativa, utilizado, de alguma forma, pelas três principais linhas que se

baseia essa defesa: a da justiça compensatória, a justiça distributiva e a do

multiculturalismo”.

Silva210 ainda chama a atenção para o relato de certos jovens, segundo os

quais, as Ações Afirmativas, na sua concepção, são uma “esmola” por parte do

estado; um favor, um facilitador para seu ingresso no ensino superior que os

colocaria em uma situação inferior aos brancos por não terem entrado pelo esforço

pessoal, pela luta individual, enfim, pelo mérito.

Deparamo-nos na seara daqueles que se destacam contrários à

implementação de políticas públicas no intuito de proporcionar maiores

oportunidades àquelas parcelas mais segmentadas.

Rocco211 assim preceitua sua contrariedade:

Essa idéia é uma forma enganosa de tentar corrigir distorções. Cotas paranegros, mulheres ou pobres criam discriminação. Elas abrem cursos desegunda classe para cidadãos ditos de segunda classe. Essa história decotas é populismo, demagogia barata. As experiências em universidadesamericanas mostram-se altamente desastrosas. Quando se fala em falta deacesso à universidade pública, ninguém pensa nos excluídos da classemédia. Há uma faixa constituída por bons alunos que estudam em escolade ponta, fazem cursos preparatórios tidos como excelentes, têm boasnotas e não entram nas universidades que são o objeto de desejo de todos.Eles são bons alunos, mas há pouca vaga pra muita gente. Esse é o ponto.Nenhum dos filhos dos seis diretores da fuvest, incluindo os meus dois,conseguiu entrar na USP. Existe uma fatia da classe média que não entranas universidades públicas. Acho que chegou a hora de também falar

desse tipo de exclusão.

Tal declaração vem ao encontro a muitas outras que acabam suscitando a

contrariedade à idéia de implementação de cotas nas universidades. E, ao mesmo

tempo, essa opinião, em especial, demonstra a defasagem do nosso ensino público

e a falta de vagas bem aquém da demandada. Realmente procede a essa

209 Ibidem, p. 134-135.210 Idem. Um perfil de vida da juventude negra na cidade de São Paulo. In:___. Ações Afirmativas em educação: experiências brasileiras . São Paulo: Summus, 2003, p. 207.211 ROCCO, Maria Thereza Fraga. Barrados no vestibular. Revista Época , 09 de setembro de 2002, p.53.

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afirmação: quem de nós já não passou por uma seleção inexitosa de processo

vestibular de universidade pública? É comum nos depararmos com isso.

Por outro lado, de tal afirmação podemos extrair igualmente uma faceta

perversa, porque ao afirmarmos que jovens, bons alunos, que estudam em boas

escolas, não são inseridos nessa conjuntura, estamos num ângulo diametralmente

oposto, segregando ainda mais a posição dos negros que normalmente estudam em

escolas públicas.

Brandão212 expõe que aqueles que se colocam contrários a tal implementação,

argumentam que esse tipo de política, apesar de transitória, deixa seus efeitos ad perpetuam . Cita, como exemplo dessa assertiva, o fato de empresários negros

beneficiados por incentivos fiscais, por serem negros, continuarem pagando menos

impostos do que os colegas brancos, mesmo já tendo mudado de classe econômica

em face dessa benesse.

Por fim, é forçoso reconhecer que a problemática das cotas nunca esteve tão

em evidencia e, certamente, a imprensa, muitas vezes, sensacionalista, acaba pordifundir tais problematizações, impulsionadas, sem dúvida, a partir da promulgação

da lei 10.639/03 que refunda inúmeros avanços nas reivindicações dos movimentos

negros no brasil e, inclusive, afirma o dia 20 de novembro como o dia Nacional da

Cultura Negra.

Tais estudos e debates, no momento em que ganham as ruas por meio de

 jornais e noticiários, adquirem certa materialidade em alguns segmentos dasociedade, o que gera a divergência na tomada de posição de políticos, operadores

do direito, doutrinadores e de toda sociedade em geral.

Como podemos demonstrar, ao longo desse trabalho, a efetivação de cotas de

acesso ao ensino superior nas universidades públicas, como meio de inclusão

social, é um assunto de limites muito tênues. Dizemos isso porque essas

212 Ibidem, p. 21.

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universidades são mantidas por impostos pagos por toda a população,

independentemente de sua cor ou de sua condição social.

Certamente, muitos pontos ainda restarão em aberto, já que os cortes

metodológicos aqui escolhidos não nos permitem maiores divagações e muitos

desses ainda prescindem de amplas discussões públicas e, quiçá, de um referendo

sobre o assunto, para que toda a parcela da população possa, de fato, expressar a

sua real opinião a respeito.

Realizadas as premissas necessárias para a polêmica que o tema encerra,

começamos descrever e repisar o que há de ser ressaltado nessa seara.

Assim, Domingues213 ressalta que, ao se falar em igualdade na constituição,

está-se dizendo duas coisas ao mesmo tempo: por um lado, impede-se o tratamento

desigual e, por outro, se impõe ao Estado uma ação positiva no sentido de criar

condições de igualdade o que, necessariamente, comina um tratamento desigual

dos indivíduos. Nessa órbita particular, não é ilegal a discriminação positiva, com o

objetivo de criar melhores condições para um determinado grupo, tradicionalmentedesprivilegiado dentro da sociedade. 

A questão crucial é o fato de que a programação de Ações Afirmativas

estipulatórias de cotas diferenciadoras para ingresso ao ensino superior, em favor

não só da comunidade negra, mas também de grupos socialmente desfavorecidos,

precisa, necessariamente, do auto-questionamento, se e quando estabelecermos

cotas em razão da cor e do local onde o cidadão freqüentou o Ensino Médio, nãoestaremos combatendo uma injustiça sob o manto de criação de outra, pois a razão

que assiste àqueles que procuram combater às diferenças socioeconômicas entre

brancos e negros não pode gerar uma suspensão, ainda que temporária, do sistema

de ingresso na universidade baseado no mérito do candidato.

213 DOMINGUES, Petrônio José. Racismo e anti-racismo na USP . Jornal da USP 2 a 8 de junho de2003, ano XVIII. nº. 644. 

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Depois de traçados os contornos a despeito, não só dos pontos negativos, mas

também dos positivos, prescindimos agora de uma análise reflexiva e pontual dos

aspectos que fazem a devida alusão ao tema.

Repisamos, mais uma vez, aqui o tema da igualdade e a imprescindibilidade de

sua retomada, no sentido do enfrentamento que, inevitavelmente, este problema nos

traz, por que, ao reconhecer as Ações Afirmativas como forma de inserção no ensino

superior beneficiando afrodescendentes e os egressos da rede pública, por meio de

cotas, estaríamos afrontando a matriz central do Princípio da Igualdade. Em

segundo lugar, pelo reconhecimento e efetividade das mesmas, o arrostamento a tal

princípio não restaria demonstrado, eis que uma grande parcela de doutrinadores,operadores do direito e legisladores, numa análise talvez precipitada, justamente

pela falta de informações técnicas e jurídicas suficientes, entendem que a

estipulação de cotas permissivas ao acesso universitário para alunos negros e/ou

egressos do ensino público passa a compor um conjugado de medidas práticas,

políticas e sociais, eficazes e tendenciosas à abolição das desequiparações raciais

na sociedade brasileira.

Em termos de posicionamento em relação aos dois vieses apresentados acima,

a única certeza que nos acoberta, com plenitude de conteúdo, é a de que essas

ações têm poucas probabilidades de serem adotadas pacificamente. Neste sentido,

até que a base para a discussão das questões das minorias venha a se modificar,

deixando de ser um mote compensatório pelos prejuízos histórico-culturais do

passado para, enfim, transpor uma barreira e ser visto como denominador de justiça,

não teremos condições de evoluir para a efetiva solubilidade da questão e nemenfrentarmos novas e prováveis sugestões a respeito do tema.

O processo é certamente demorado. Na verdade, nem mesmo resta claro se

esta abordagem é de comum acordo por todos os segmentos da sociedade. Assim

sendo, qualquer dos rumos tomados deverá passar pelas desconstruções inevitáveis

dos mitos que envolvem esta intrincada polêmica. Mas, como fazer com que as

maiorias apresentem menos objeções a tal intento?

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A idéia que se põe, neste caso, seria, primeiramente, estimular o Estado à

reflexão da autonomia e conveniência dessas propostas de forma aberta, sem que

se coloque em xeque o debate de afronte das cotas ao Princípio da Igualdade, no

intuito de sua análise, pura e simples, para que as opiniões públicas não sejam

induzidas nesse sentido.

Por derradeiro, reconhecemos que grande parte dessa situação já fora

esposada durante o desmembrar deste trabalho e, mesmo assim, pouco se

conseguiu persuadir a respeito desta emblemática tese. Obviamente, a maior parte

da comunidade não acredita no implemento dessas medidas sem abalar as

estruturas mestras do Princípio da Igualdade, pois, há um histórico bastante confusoquanto a abrangência, os limites e os entornos do mesmo, que continua apoiado na

plenitude da acepção que corrobora o mencionado princípio.

Inferimos, deste contexto, a afirmação de Bertúlio214 sobre a falta de

rompimento da sociedade brasileira com as relações raciais:

São quase 500 anos de exploração, genocídio e discriminação em razãode raça na história do brasil sem histórias revolucionárias decisivas. Estaausência implica uma concordância ou conformação da sociedade comoum todo para com fenômenos sociais que desencadeiam açõesdestruidoras e desestruturadoras dos valores e da qualidade de vida detoda a sociedade, valores que servirão de base para a formulação doideário jurídico que conforma e elege os distintos bens jurídicos a seremprotegidos pelo sistema jurídico.

Na verdade, esta reflexão ilustra que, muito embora a história reconheça as

barbáries cometidas, em nada propiciou, nem permitiu o surgimento da discussão

desses problemas, uma vez que eles sempre foram impostos, sem qualquer

possibilidade de pleito de participação.

De fato, quando se proporciona a participação conjunta entre sociedade e

Estado são atingidos, sem dúvida, os objetivos da República. Ao revés, quando isso

não ocorre, é inerente ao ser humano a sua conduta repulsiva.

214 Ibidem, p. 112.

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Dessa forma, não existe maneira de um país livre e democrático impedir uma

vontade maciça do povo, seja qual for o tema que se pleiteia. Agora, no que diz

respeito às cotas ainda não se tem esta certeza do apoio popular, pois sequer foi

realizado um referendo neste sentido, como já comentado alhures. Dito de outro

modo, se ainda restam divergências entre os operadores do direito, doutrinadores e

legisladores, o que dizer da ininteligência de parte da população no que tange a este

tema fulcral?

Mormente, de nada adianta a sua aquiescência com má vontade, precisamos é

de legitimidade, pois se o povo não adere a tal luta, estamos diante de meios

antidemocráticos, de imposição de vontades. Tais meios, ainda que viessem afuncionar, seriam contraditórios na sua própria razão de ser e estariam na contramão

dos preceitos da carta maior e, igualmente, contrária a tudo que já fora prelecionado.

Afinal de contas, a razão da vivência de ditas ações afirmativas é, como vimos,

dar às minorias condições sociais, econômicas e culturais tendo sempre em mente o

preceito maior da igualdade. Estas minorias, nesses moldes, não sentiriam qualquer

diferença porque elas continuariam a receber o mesmo tratamento que as levou aserem excluídas e/ou diferenciadas, ou seja, permanecendo fora das decisões

inclusivas.

Observamos que mesmo aqueles que se postam contrários a efetivação das

ações afirmativas costumam reconhecer a láurea dos objetivos destas. Mas o fato

desse reconhecimento não significa dizer que elas sejam justificáveis porque o

estado, nessa implementação, está a admitir a sua omissão pregressa, utilizando-nos, neste sentido, de um método duvidoso de correção de seus atos anteriores,

uma conseqüência de anos de renegação, segregação e de variadas formas de

discriminação, sejam elas econômicas, sociais ou raciais.

Frisemos, neste passo, que a população somente aceitará uma forma de

política pública de inclusão social se tiver acesso ao direito participativo deste

intento. Tal afirmativa decorre da percepção que, uma vez que o estabelecimento de

cotas não só em só em função da cor, bem assim aquelas para os estudantes

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oriundos do ensino público, afeta todas as classes sociais, eis que o número de

vagas nas universidades públicas, que já não é suficiente, será ainda mais reduzido.

Se o Estado impuser tais medidas à população estará ferindo pelo menos

outros direitos fundamentais, igualmente basilares, como o da liberdade, da

participação democrática, da cidadania, dentre tantos outros prescritos em nossa

Carta Constitucional, o que somente ensejará o repúdio e a revolta da nação.

Ao nosso sentir, a sociedade, em especial a brasileira, ainda não está

preparada para imposição dessas medidas, pois acreditamos que essa estratégia

não está apta e amadurecida para exercer sua eficácia, uma vez que,exemplificativamente, nas experiências americanas, a aceitação tem andado de

mãos dadas com a inconstitucionalidade.

Pensamos ser grave demais essa temática, para tratá-la com soluções tão

simplistas. Se quisermos promover a igualdade material, precisamos combater as

raízes dessas desequiparações, não perdendo de vista a promoção da democracia,

dos Direitos Humanos, da justiça e do bem estar dos cidadãos. Não devemos insistirem que toda a parcela da população se considere eternamente obrigada por aqueles

métodos antidemocráticos e injustos.

Dessa forma, é imprescindível uma opinião pública esclarecida, corajosa e

amplamente democrática que possa trilhar apenas um caminho, qual seja, oferecer

às minorias existentes oportunidades de acordo com a estrutura pré-estabelecida.

Precisamos, portanto, de uma nova configuração do direito e de uma novaconformação das relações raciais, porque é o primeiro quem tem condições de

promover uma revisão crítica para sedimentar esses novos valores.

Este debate deve, inicialmente, elucidar “quem são os principais protagonistas

e quais os principais agentes ativos de reprodução desse fenômeno”215, caminhando

para o estabelecimento crescente da dignidade dos sujeitos envolvidos e das

melhorias de suas condições de vida.

215 BERTÚLIO, ibidem, p. 126.

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Se quisermos a aceitação de cotas pela população, mesmo que, um dia,

precisemos concentrar esforços na redução dos riscos envolvidos para tal intento,

buscando encontrar uma forma de garantia de inclusão social, de tal ordem que as

próprias minorias não vejam nisso um presságio de inferioridade, de forma a garantir

a sua identidade. Para resumirmos essa argumentação, pensamos necessário que a

acomodação justa dessa minoria prescinde da discussão ampla e aberta, de forma a

propiciar a legitimidade e a democracia.

Invocamos, verbi gratia , sell216 colhido por Brandão, quando expressa, com

propriedade, pensamento que vem ao encontro do esposado acima. Em suas

palavras:

Não é descabida tese de que as medidas de ação afirmativa produzamcomo conseqüências colaterais uma depreciação na auto-estima da raçanegra, já que os negros poderiam perpetuar uma auto-imagem deincompetentes, visto que teriam acesso ao ensino superior nãonaturalmente, mas por força de lei. Entende que esse problema édecorrente de uma distorcida compreensão popular acerca do sucessonatural dos brancos e propõe que as políticas de ação afirmativa devam serelaboradas com cautela suficiente para que seus efeitos colaterais nãosomem à ordem de problemas que visam combater.

Nesse viés, muito pode ser feito pela inclusão das minorias sem a necessária

implementação desse tipo peculiar de cotas e sem o conseqüente afronte ao

Princípio da Igualdade, bastando, para tanto, vontade política para adotar formas de

autonomia democrática. Todavia, isso envolve uma abordagem particularmente

diferente daquela realizada quando da escolha do tema da presente dissertação. O

foco, agora, se concentra na tentativa de propiciar maiores garantias aos excluídos,

sem a concreção dessas cotas, mas, ao invés disso, das garantias firmes econcretas de que os direitos das minorias poderão ser protegidos.

É em razão disso que, quando se implanta um sistema de cotas como meio de

efetivação de Ações Afirmativas, baseado unicamente no critério de cor de pele e de

sua origem advinda do Ensino Médio exclusivamente cursado na rede pública,

estamos deixando de lado outros critérios importantes, tais como a condição social e

216 Apud BRANDÃO, ibidem, p. 40.

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econômica e, no caso em questão (de acesso às universidades), o critério do mérito,

normalmente aferido por meio do processo vestibular.

Nesse sentido, não há como negar que a implementação de um sistema de

cotas afronta o sistema de acesso baseado no mérito do candidato, já que se espera

a seleção daqueles candidatos mais bem preparados intelectualmente.

Ao admitirmos as cotas, estaremos aceitando a entrada em universidades de

candidatos supostamente menos preparados, eis que privilegiados em função de

sua cor ou do local onde prestou o seu ensino médio, deixando fora das

universidades públicas uma fatia de brancos igualmente pobres, por exemplo, o quenão seria socialmente justo.

Por derradeiro, para a resolução desse impasse, a opção mais viável seria o

investimento em educação desde o Ensino Fundamental até o efetivo Ensino

Universitário, o que certamente levaria muitos anos a surtir efeitos, mas que seria

 justo e proporcionaria a todos, sem distinção, as mesmas oportunidades. É claro

que, para tanto, também seria necessário não só a distribuição de recursos, masvontade política, e, mesmo que isso redunde a um futuro distante, é preciso sonhar.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ousamos, nessas linhas conclusivas, valermo-nos da expressão “novo direito”

para agasalharmos o entendimento do Princípio da Igualdade como Direito

Fundamental e Humano insculpido na nossa atual Carta Constitucional. Aliás, ele

encerra muito mais do que um simples preceito de norma legal, acima de tudo é uma

espécie de direito que deve evoluir em compasso com as peculiaridades da

sociedade complexa em que vivemos. Tanto isso é verdade que o próprio texto

constitucional reconhece, ordinariamente, nos seus artigos primeiros, que a

amplitude e a abrangência dos institutos da Cidadania, da Dignidade Humana, assimcomo da Igualdade, devem ultrapassar a barreira da leitura fria da lei, no intuito da

concretude de seus efeitos em termos jurídicos e sociais.

Assim, partindo do pressuposto da grandeza do tema e de suas múltiplas

implicações e desdobramentos, temos plena consciência de que, nesta dissertação,

tivemos apenas condições de discorrer sobre alguns aspectos que julgamos

fundamentais à compreensão das relações concernentes ao Princípio da Igualdadena Constituição Brasileira. Estudamos ainda o seu possível imbricamento com as

denominadas Ações Afirmativas, no que tange ao ingresso no ensino superior, já

que substancial parcela da população brasileira vive à margem desse processo, sem

acesso à cultura universitária, estando distante de conquistar uma profissão e uma

condição social com a respectiva qualidade de vida.

No intuito de contribuir para a transformação desse quadro, foi que a presentedissertação, inicialmente, demonstrou a conceituação do Princípio da Igualdade e

seus aspectos conformativos. Entre estes aspectos, destacamos sua evolução,

importância e localização no texto constitucional, justamente por ser, nesse princípio,

que as Ações Afirmativas de reservas de vagas encontram seu sustentáculo de

embasamento.

Aliás, asseveramos que o Princípio Constitucional da Igualdade está assentado

não somente no artigo 5º da CF, como também se encontra espraiado por todo o

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corpo da Carta Magna, inaugurando os primeiros passos de caracterização dos

fundamentos que o Estado Democrático de Direito requer.

Importante anotar, a despeito das inúmeras conceituações da igualdade

formuladas, ao longo da história pré-constitucional, que se fez necessário arribar

essa questão, correlacionando a igualdade como valor e princípio, pleiteando-se

encontrar no seio desses uma forma de caracterizar a supremacia transcendente de

solubilidade que o princípio isonômico busca quando esbarra em uma situação de

desequiparação.

Conforme mencionado, na exposição do nosso objetivo, tratamos em esparsaslinhas a evolução do constitucionalismo, sob a ótica contemporânea. Este tratamento

deu-se, inclusive, quanto ao contexto da Constituição vigente, ou seja, destacamos

que à medida que a sociedade se tornou mais tensa e conflitiva, pluralista, em face

da velocidade das transformações sociais e econômicas, foi se inaugurando uma

nova fase do Direito Constitucional Moderno, onde não mais se encontram respostas

prévias a todas as demandas exigidas.

Foi, nesse sentido, que se evidenciou a necessidade imperiosa de adentrarmos

na ceifa dos Direitos Fundamentais e Humanos. A partir de sua distinção, chegamos

ao cerne da magnitude correlata à esteira das medidas supra-referidas. Isto posto, a

conformação dos mesmos nos afirma e reafirma a existência de um Estado

Democrático de Direito que, muito além dos seus fundamentos legais, insculpidos na

Carta Constitucional, precisamente no artigo 1º - soberania, cidadania, dignidade da

pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismopolítico, tem por alicerce o resguardo dos Direitos Fundamentais e Humanos na

busca da efetivação desses, não apenas no plano constitucional ou infra-estatal,

mas sim como direitos supra-estatais. 

No mesmo passo, num segundo momento, foi que trouxemos ao lume a

abordagem pós-Constituição de 1988, onde asseveramos que o Princípio da

Igualdade caracteriza-se por sua função informadora e interpretativa de todo o

ordenamento jurídico, significando dizer que é um princípio basilar, norteador do

Direito, tanto quanto o Princípio da Dignidade Humana.

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Encontramos referências similares por vários dispositivos do texto

constitucional, mas é o art. 5º, caput, a sua maior expressão, que preleciona a

igualdade de todos perante a lei, bem como a inadmissibilidade de qualquer forma

de distinção e discriminação de direitos e liberdades fundamentais, bem assim a

prática de racismo (art. 5º, incisos XLI e XLII).

Assim, evidenciamos, para além da compreensão da sua perspectiva jurídico-

normativa, que é possível realizarem-se duas interpretações do referido Princípio,

quais sejam, a formal e a material. Porém, o objeto desse estudo ficou adstrito a

essa última que postula uma igualdade real, efetiva, entre todos os homens, perante

os bens da vida.

Ademais, nessa mesma ordem axiológica de idéias, repisamos a importância

do Princípio em comento dentro do Estado Democrático de Direito Brasileiro, que

tem a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos, objetivando

construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional;

erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Daí, porque, sob outro ângulo, mas na  mesma linha de idéias, fez-se

necessário o aprofundamento de outros dois princípios basilares: Proporcionalidade

e Dignidade Humana, como suportes constitucionais para a implementação de

políticas de Ações Afirmativas, uma vez que há impossibilidade de dissociação de

tais institutos.

Destacamos que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana adquiriu, na

ordem Constitucional Brasileira, a condição privilegiada de princípio e valor

fundamental, que não exclui uma dimensão subjetiva, no sentido de que ela

pressupõe e exige um complexo de direitos e deveres fundamentais da pessoa.

Como corolário desse molde, salientamos que os princípios acima referidos são

considerados o ponto de esteio de todo Estado Democrático de Direito.

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Além disso, tivemos oportunidade de demonstrar os diferentes tipos de

discriminações, bem como a não inconstitucionalidade da discriminação positiva,

desde que o objetivo motivador seja criar melhores condições para um determinado

grupo, tradicionalmente desprivilegiado dentro da sociedade.

Merece lembrança, ainda, o fato destacado de que, em certos países, em

maior ou menor medida, o Princípio da Igualdade mereceu tal evidência por suas

características peculiares, adquirindo diversas facetas pelas Constituições ao redor

do mundo, independentemente de serem democráticas ou não.

Para a concretização desse fim, destacamos, sob a ótica de alguns autores, aconceituação das Ações Afirmativas, apresentando, inclusive, um sucinto

enquadramento do espaço-temporal dessas políticas. E, tenha-se em mente que a

primeira designação de Ação Afirmativa influencia, até os dias de hoje, a questão da

conservação do sentido de reparação por uma injustiça passada.

Logo, vê-se que essa denominação, hoje, vai mais além, pois também se

encarrega de indicar caminhos às suas realizações, já que se trata de um programade políticas públicas impostas pelo executivo ou pelo legislativo em prol daqueles

diferenciados. Seguindo linha similar, asseveramos a existência de duas matrizes

teóricas no que tange às Ações Afirmativas: uma se denomina justiça

compensatória, que é caracterizada como política – programa - pública ou privada,

que objetiva conceder benefícios às minorias sociais, em face de discriminações

negativas passadas; a outra que se fundamenta na justiça distributiva, isto é,

baseada na eqüidade da redistribuição de encargos e benefícios sociais.

Situando-nos já na seara das aplicações dessas ações, descrevemos, nesse

ponto, exemplos de aplicação de instrumentos legislativos, de sua efetivação, no

contexto nacional e internacional, sem adentrarmos, no entanto, no mérito de sua

constitucionalidade.

Numa perspectiva ampla, certos que o debate da reserva de cotas de acesso

ao ensino superior prescindia duma análise do contexto educacional, demonstramos

a fundamentalidade da educação à concretização de toda e qualquer política pública

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e/ou privada. Ademais, ressaltamos a diferenciação entre educação e ensino, sendo

este último a finalidade da primeira, muito embora nossa Constituição utilize os dois

termos indistintamente.

Assim, conforme salientado na introdução da presente dissertação, não se

busca aqui extrair conclusões definitivas acerca do tema, em face da complexidade

da pesquisa realizada, ainda considerando-o apenas sob o aspecto doutrinário, já

que, infelizmente, pouco se tem debatido a respeito, no nível de legislativo.

Certamente, alguns pontos restarão em aberto, não podendo sequer serem

tangenciados pelo estudo ora apresentado. Resta-nos, portanto, apenas enfatizar ointuito primordial desse trabalho no que concerne à aplicação do Princípio da

Igualdade e as Ações Afirmativas como meio de ingresso ao ensino superior.

No mundo globalizado em que vivemos, é mister que se reconheça a

humanização do processo ora discutido. O acesso e a permanência das pessoas

menos favorecidas no ambiente universitário representa muito mais que a garantia

do direito à educação a essa parcela da população, significa o rompimento com umahistória de exclusão social.

Todavia, esperamos, com esta pesquisa, conscientizar as pessoas de que

independentemente da origem, da raça e da condição socioeconômica, todos somos

iguais em dignidade e que o tão sonhado caminho para a paz social somente se

dará quando todos forem tratados com igualdade.

Merece especial destaque, nesse contexto, a dimensão do Direito à Igualdade

Educacional, como está anuída na Carta Constitucional vigente, de forma bastante

explícita, embora sob outra rubrica, e que não pode estar desarticulada da

fundamentalidade desse direito como garantia individual e coletiva. Auferimos tal

colocação porque entendemos que não se deve partilhar do entendimento daqueles

que, embora acompanhem a trajetória da vida político-administrativa brasileira, vêem

o preceito insculpido no artigo 5º da Constituição Federal como mera reprodução

presente na evolução constitucional, desprovida de conteúdo normativo, ou seja,

como mera irrealidade.

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Salientamos que a educação sempre foi considerada, por nossas

Constituições, como um Direito Fundamental, mas é na Constituição de 1988 que

ela se sobreleva com a criação de aparatos para a sua garantia. Tal direito,

certamente, constitui-se no mais nobre dos instrumentos da consolidação da

cidadania e no mais elementar dos direitos que devem ser assegurados a todas as

pessoas. Por fim, deve configurar-se no meio mais eficaz de se desenvolver as

políticas públicas, porque é somente por meio dela, de maneira bem alicerçada, que

se poderá exigir a manutenção de uma pretensão real de alcance de dignidade e da

implementação dos outros Direitos Fundamentais.

É em face disso, e sem desvendar apaixonamentos, mas contagiados peloespírito pacífico e cauteloso que o tema requer, dada a sua magnitude, que não

podemos deixar passar in albis os grandes empecilhos que escoram esta temática.

Dessa forma, a presente dissertação tem a pretensão de asseverar que há possíveis

caminhos pelos quais se pode perpassar a concretização efetiva do direito de

igualdade, no que diz respeito à possibilidade de acesso ao ensino superior, por

todas as pessoas, sem cair-se na tentação de preterir uns em relação a outros.

De toda sorte, entre os fogos cruzados daqueles formadores da opinião contra

e a favor de tais medidas, sejam eles quem for, não bastam argumentos, muito pelo

contrário, faz-se necessário o incremento de medidas que efetivamente prestigiem o

princípio em comento, de forma a combater a prática do pensamento circular e

essencialista. Assim posto, significa dizer que não basta a mera repetição de tudo o

que já se preconizou anteriormente, é essencial atender-se a outros aspectos que

tentaremos aqui lastrear, ainda que brevemente e com intuito puramente reflexivo.

Em verdade, esses dois novos conceitos querem expressar o quão necessário

é desvelar os velhos hábitos e os velhos discursos de que o Princípio da Igualdade,

na concepção constitucional atual, está sendo mal interpretado e/ou denegrido pelos

operadores, justamente por acobertar e reconhecer que toda e qualquer forma de

Ação Afirmativa seja verdadeiramente legítima e constitucional.

Com este trabalho, buscamos avalizar uma apreciação sobre atitudes e ações

a serem articuladas para se implantarem tais políticas em benefício da população

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afrodescendente e de egressos da rede pública de ensino. Procuramos, neste

particular, comprovar que o enfrentamento dessa temática, tal qual posta em

apreciação e divulgação pelos meios acadêmicos, legislativos e pela imprensa, fere

o prestigiado Princípio da Igualdade na sua essência, pois sob o manto de fazermos

 justiça à parcela significativa da população, estamos, em verdade, cometendo um

grande afronte a própria justeza de postura e oportunidades.

Dito de outro modo, o que se depreende dessa conjuntura é que o

estabelecimento de cotas, tal qual o pleiteado pelos projetos legislativos e pelos

defensores ferrenhos desse intento, acirrará ainda mais o racismo e o preconceito,

visto que estaremos criando um país dividido sob o véu educacional. Ainda, sealbergarmos a cotização em prol dos mencionados cidadãos (afrodescendentes e

egressos do ensino público), estaremos igualmente criando uma segunda forma de

discriminação com esse conteúdo, que é a discriminação daqueles brancos que se

encontram na mesma situação dos negros, mas que não serão abrangidos por essa

medida em função, principalmente, da cor da pele.

Dessa forma, não podemos deixar de reconhecer que a representação dedesfavorecidos social e educacionalmente não se restringe a uma quantia de

afrodescendentes e/ou indivíduos advindos da escola pública. Ademais,

questionamos, nesse contexto, como restaria dignificada e amparada a parcela de

brancos que não se vê acobertada sob essa medida e, ainda, daqueles que, embora

oriundos da escola particular, abdicaram de outros bens e genuinamente se

sacrificaram para custear seu ensino médio em escola particular, no intuito

primordial de lograr êxito no vestibular, pois sabedores da sua incapacidade de arcarcom a permanência numa universidade particular. De maneira mais clara: este outro

grupo, em estando excluído dessa reserva, não estaria contrariando o que

resguarda o Princípio da Igualdade?

Arrazoamos que o grande problema está adstrito à baixa qualidade do ensino

público, a falta de preparo dos professores que, na maioria das vezes, são mal

remunerados e fazem da sua tarefa uma carga muito pesada, descontando todas as

suas frustrações naqueles alunos que nada tem a ver com seus problemas. É claro

que existem bons professores, mas esta não é a regra, não podemos ser puritanos

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ao ponto de acreditar que o despreparo e o desrespeito não são verdades, que isso

não ocorre. Além disso, o que se dizer quanto aos parcos incentivos à pesquisa e a

tantas outras áreas.

Daí, pensamos decorrer a faceta mais importante dessa argumentação, pois

não são medidas discriminatórias que precisamos. São imprescindíveis, isto sim,

atitudes enérgicas no fortalecimento de todo o sistema educacional, desde o

Fundamental até o Ensino Médio, do oferecimento de melhores condições de

trabalho aos professores, de maior capacitação técnica, de maior qualificação para

os educadores, dentre tantas outras medidas que poderíamos elencar, que

perpassam o tema imprescindível da educação.

Reportamo-nos, particularmente, a um exemplo citado por nós, daquela ONG

que criou um sistema de cursinho pré-vestibular para afrodescendentes a fim de dar

maior condição de acesso ao ensino superior. Frise-se, no entanto, que, muito

embora seja louvável esse intento, avaliamos que ele seria ainda melhor se não

fosse à determinada parcela, mas como uma medida prévia de qualificação

educacional de abrangência unificadora, sem fazer discriminação em relação,principalmente, à cor de pele. Ao revés, oportunizando a todos a mesma qualidade

de ensino. Sem dúvida, é disso que precisamos, são ações que dêem a mesma

oportunidade ao branco e ao negro, para que este último não carregue a

discriminação de inferioridade que todos os seus antepassados perpassaram.

Talvez, as próprias universidades poderiam se preocupar com a oferta de condições

igualitárias de acesso, não sabemos ao certo, mas é preciso refletir sobre o tema.

Advertimos, como já foi observado no corpo desse trabalho, que o sistema de

cotas ao acesso do ensino universitário se constitui em uma política que não se

coaduna com os princípios basilares do Estado Democrático de Direito. Esta

constatação vem pontualmente demonstrada quando perquirimos que, ao

estipularmos outra forma ou critério de escolha para ingresso na universidade, que

não seja o mérito do candidato – via vestibular -, e que este critério não esteja

sedimentado nas qualificações e habilidades pessoais educacionais dos candidatos,

conformaria uma nova forma de discriminação. Assim posto, a instituição de novo

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método de avaliação desigualaria critérios universais em prol de parcela restritiva da

população.

De posse dessas premissas, é cogente reconhecermos que a aferição da

qualificação seria absurdamente desigualitária, afrontando-se, precipuamente, o

caráter de justiça, além de emoldurar-se os beneficiários das reservas de cotas, sob

este manto, como recebidas pela sua inferioridade, em relação aos demais

candidatos que foram selecionados, independente de sua cor de pele ou sua origem

educacional, abstraindo-se seus méritos educacionais.

Todavia, é forçoso o reconhecimento de que o método do vestibular não éperfeito e que a dificuldade apresentada significa muito mais do que isto. Em

verdade, esse exame acaba medindo a qualidade do ensino oferecido aos

candidatos durante toda a sua vida escolar, do sistema social e da desigualdade de

oportunidades. Não é por acaso que o vestibular das universidades públicas

seleciona um grande número de estudantes que vem de escolas privadas e das

classes mais abastadas, ele é o reconhecimento do nosso fracasso enquanto

escolha de prioridades. Só que não é, ao nosso sentir, por meio da estipulaçãodesse tipo específico de cotas que tocaremos nessas discriminações. Repetimos: o

investimento de recursos na educação faz-se fundamental à contribuição da

mudança dessa realidade.

Por fim, nos é possível concluir que a observação do sistema de cotas ao

acesso do ensino universitário se constitui em uma política pública e privada que não

se coaduna com os princípios basilares da nossa Constituição, enquanto

Democrática de Direito. Além disso, onde implantado, tem-se revelado

extremamente conturbador e gerador de polêmicas no âmbito do Poder Judiciário, e

isso vem de encontro ao preceito maior que a igualdade reza. Portanto,

conseqüentemente inviável o estabelecimento das cotas exaustivamente discutidas

como cerne dessa proposta, quais sejam, de acesso ao ensino superior por

constituir-se, sobretudo, num afronte direto desse princípio.

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