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Teoria do crime
Francisco do Rosário Monsanto Ludovino Reis
FDUNL l 2019
A evolução histórica da Teoria Geral do Crime Segundo Figueiredo Dias, só o facto constitui o fundamento e o limite dogmático da
Teoria Geral do Crime; desta forma, é correto falar-se em direito penal do facto e não
em direito penal do agente. Compreender a sua existência, é compreender a evolução
histórica e plurifacetada do que, ao longo do tempo, foi sido considerado como facto
que constitui crime. Assim, todo e qualquer crime tem, nos dias de hoje, reunir cinco
elementos:
A Teoria Geral do Crime aparece, pela primeira vez, nos Tratados de direito penal do
séc. XVI através de Tiraqueau. Este autor já definia crime através da distinção dos seus
elementos que encontraremos na chamada escola clássica:
Ele via o crime como um facto ilícito e punível, praticado com dolo ou
negligência.
Neta linha de análise, distinguir-se-ão, em seguida, quatro grandes fases da evolução
do conceito de crime:
A Escola Clássica;
A Escola Neoclássica;
A Escola Finalista;
A Escola Pós Finalista.
1
CRIMEAção
Tipicidade
Ilicitude
Culpa
Punibilidade
Como ponto de partida, Figueiredo Dias e Jescheck ressalvam que nenhuma das teorias
conseguiu afastar completamente as outras, sendo o conceito atual de crime
composto por pensamentos procedentes dos sistemas de pensamento anteriores.
Escola clássica
Formulação clássica de Liszt
A formação que se denomina como clássica é a formação que a Teoria do Crime tem
em Liszt em finais do séc. XIX. Importa salientar que esta formulação foi a primeira
formulação perfeita e completa que foi desenvolvida e que inspirou todas as
posteriores formulações.
Liszt era filosoficamente1 um positivista. Para ele, a realidade é dada na
experiência. Os positivistas negam a metafisica, sendo que o saber não poderá
ir para além da realidade.
O direito teria como ideal a exatidão científica própria das ciências da
natureza.
Assim, entende que o crime é uma realidade no mundo da experiência e os
seus elementos serão parte dessa realidade e serem empiricamente
comprováveis.
Liszt considerava haver quatro elementos do crime essenciais que se bipartiam em
elementos objetivos e elementos subjetivos. Vejamos:
1 O pensamento filosófico que está por detrás das teorias em estudo é bastante importante, pelo que
será sempre estudado.
2
Ação – aqui, Liszt adorava um conceito naturalístico de ação, segundo o qual
ação traduz-se num movimento corporal que leva a uma transformação no
mundo exterior, estando esse movimento e essa transformação ligados por um
nexo de causalidade com a vontade do agente – conceito causal da ação;
Ilicitude – consistia apenas na contrariedade da conduta para com uma norma
jurídica;
Culpa – já os chamados elementos subjetivos do crime como o dolo e a
negligência, ainda faziam parte da culpa e por isso todos os processos anímicos
e espirituais que se desenrolavam no interior do autor ao praticar o crime,
pertenciam à culpa; o dolo, consistia na vontade de realizar o facto e a
negligência consistia na deficiente detenção da vontade que não permitia ver a
realização do facto;
Punibilidade – a punibilidade seria um conjunto de elementos adicionais,
geralmente objetivos, que permitiam distinguir determinado crime de outros
atos ilícitos e culposos.
A tipicidade e os seus conceitos
Posteriormente, em 1906, Beling faz uma alteração profunda na Teoria Geral do Crime,
introduzindo um novo elemento:
A tipicidade.
Em termos gerais, o autor vem dizer que para haver o crime é necessário que também
exista uma correspondência ou conformidade do facto praticado com a previsão da
3
Crime
Elementos objetivos: pertencentes à
facticidade do mundo exterior
Ação
Punibilidade
Ilicitude
Elementos subjetivos: processos psíquicos
internosCulpa
norma incriminadora; isto é, tem de haver uma conformidade do facto com o tipo
legal de crime. Assim, já na altura distingue-se dois conceitos de tipo que iremos
analisar adiante:
Tipo indiciário ou provisório – abrange apenas as circunstâncias incluídas na
norma incriminadora e por isso, sempre que um facto corresponde às
circunstâncias descritas na previsão da norma, verifica-se a tipicidade desse
facto;
Tipo essencial ou definitivo – abrange o conjunto de elementos constitutivos
do crime, isto é, abarca-se todas as circunstâncias de que depende a
consequência final; assim, para além das circunstâncias descritas na norma
incriminadora, incluem-se circunstâncias relacionadas com a ilicitude ou culpa
do facto. Este tipo chega mesmo a incluir o conteúdo das normas processuais
penais.
Liszt recebe então este conceito de Beling. Porém, quando Liszt acolheu como
elemento do crime a tipicidade, ele resolveu colocar esse elemento no fim da definição
de crime. Porém, nas últimas edições do seu Tratado, Liszt já coloca a tipicidade logo a
seguir à ação2.
Assim, crime passa a ser toda a ação típica, ilícita, culposa e punível.
Atualmente, o crime é definido como uma ação típica, sendo que o “típica” surge
como tipo indiciário. Porém, este tipo indiciário, para além de abranger os elementos
constitutivos do tipo legal, abarca as circunstâncias que vêm descritas nas chamadas
normas extensivas da punibilidade e que se encontram na parte geral do Código Penal.
Por exemplo, a norma que prevê a tentativa é considerada uma norma
extensiva da punibilidade ou tipicidade.
Para além da distinção acima mencionada de tipo, há que fazer outra distinção:
Se o ponto de referência é a previsão da norma incriminadora, fala-se do tipo
em sentido abstrato;
Se o ponto de referência ou análise é o facto/caso concreto, as circunstâncias
de que depende a consequência jurídica fazem parte do tipo em sentido
concreto.
2 Esta hesitação ocorre devido à dualidade do conceito de tipo. Liszt, quando coloca a tipicidade no final,
pensa no tipo essencial; porém, quando o coloca logo a seguir à ação, já está a pensar no tipo indiciário.
4
O método subsuntivo
Assim, para averiguarmos se determinadas circunstâncias previstas na lei estão ou não
presentes num determinado caso concreto, dá-se o chamado método subsuntivo3 que
consiste numa operação lógica pela qual o facto concreto se determina como um caso
suscetível de ser integrado em certa norma.
Assim, teremos de saber se um facto concreto se subsume em certa norma.
Esta operação lógica é constante uma vez que estaremos sempre a passar da
norma para o caso.
Há quem critique este método subsuntivo pois considera que este método implica
uma dissociação analítico-objetiva de dois termos: o facto e a norma. Além disso, de
acordo com esta doutrina, não existe um facto objetivo; através da aplicação do direito
ao caso, constrói-se antes um caso.
Porém, como contracrítica, é possível afirmar que sempre que se critica uma
doutrina, não basta criticar. Tem de se propor um método melhor, o que esta
doutrina não o faz.
Além disso, o método subsuntivo também vê o caso penal como um caso em
construção. É claro que para a subsunção de um caso a uma norma sem
sempre basta fazer este raciocínio; há que fazer valorações que não impedem
que se utilize o termo subsunção.
Em suma, a propósito do conceito de tipo, existem muito outros conceitos para além
destes. Existe o tipo de garantia (tipo relevante do ponto de vista constitucional e que
abrange todos os elementos que fundamentam positivamente a punibilidade), o tipo
de culpa (o tipo de ilícito vai abarcar todos os elementos de que depende o juízo de
ilicitude, sendo que esse conceito, por sua vez, pode ser indiciário ou essencial) ou
ainda o tipo objeto do dolo e de ilícito.
(Críticas do Professor Figueiredo Dias à Escola Clássica)
1. O conceito de ação, ao exigir um movimento corpóreo e, de todo o modo, uma
modificação do mundo exterior, restringia de forma inadmissível a base de toda a
construção, o que conduzia a afirmações tão estranhas à realização da vida como a de
que a ação, no crime de injúria, consistiria na emissão de ondas sonoras dirigidas ao
aparelho auditivo do recetor;
3 Este conceito provém de Kant e consiste em saber se algo cai debaixo de uma lei determinada.
5
2. A conceção psicológica de culpa esqueceria que também o inimputável que – por
definição, é incapaz de culpa – pode agir com dolo ou negligência.
Escola neoclássica
Mezger é o principal autor desta Escola (1930) em que o conceito de crime continua a
ser uma continuação do sistema anterior, não sendo um sistema totalmente
autónomo do mesmo; parte então das críticas ao à Escola Clássica e formula uma nova
teoria.
Esta escola, do ponto de vista da filosofia, assume contornos neo-kanteanos; assim, ao
contrário dos positivistas, os neo-kanteanos consideram que ao lado do mundo natural
há o mundo da cultura, dos valores, sendo que esses valores são atributos não
descritivos da realidade. São ainda uma qualidade que fundamenta uma atitude
positiva ou uma atitude negativa.
O Direito passa então a pertencer ao mundo dos valores, sendo que a ilicitude
e a culpa já não são comparadas tendo em conta a sua distinção material, mas
sim valores/desvalores.
O próprio conceito de ação passa a ser um conceito valorativo, deixando de ser
uma realidade do mundo natural – conceito social de ação.
De acordo com esta Escola:
Ação é um comportamento humano, voluntário e socialmente relevante; esta
formação é a última da escola neoclássica.
Quanto ao tipo, o mesmo deixa de se situar ao lado da ilicitude, para se
transformar no tipo de ilícito; assim, o tipo passa a ter a mera missão formal de
conter os elementos da ilicitude, surgindo como uma fundamentação positiva
da ilicitude. Materialmente, o tipo passa a ser visto também como uma
unidade de sentido socialmente danoso como comportamento lesivo de bens
juridicamente protegidos.
Já a ilicitude, surge como um desvalor e, para além de conter elementos
objetivos, passa a conter, por vezes, elementos subjetivos. Começa-se então a
perceber que para valorar, por exemplo, um facto como furto, não basta provar
a subtração; é essencial provar ainda a intenção de apropriação. Distinguem-se
então:
6
o Elementos positivos de ilicitude – fundamentam a ilicitude;
o Elementos negativos de ilicitude – causas de exclusão da ilicitude.
Por outro lado, distingue-se ainda a:
o Ilicitude formal – ocorre sempre que houver a contrariedade à norma
jurídica;
o Ilicitude material – surge no sentido de danosidade social de ofensa
material dos bens jurídicos; assim, já não interessa saber apenas se um
facto é ilícito ou não, passando a ser importante a medida do desvalor
dos bens jurídicos.
Quando à culpa, na escola neoclássica, surge uma nova teoria: A teoria
normativa da culpa, desenvolvida por Frank.
A teoria normativa da culpa
De acordo com este autor, percebe-se que o essencial na culpa é um juízo de censura
que só existiria se fosse exigível ao agente um comportamento contrário ao adotado e
se, além disso, houvesse uma motivação negativa do agente. Assim, esta ideia é
meramente normativa. Porém, apesar desta evolução, eram ainda considerados como
forma de culpa, o dolo e a negligência; o dolo existia quando a pessoa tinha condição
para se motivar pelo direito, mas não o fez e a negligência era quando houvesse falta
de atenção no cumprimento do dever de cuidar.
(Críticas do Professor Figueiredo Dias à Escola Neoclássica)
1. Os seus fundamentos ideológicos e filosóficos devem considerar-se, em larga
medida, ultrapassados;
2. O Ilícito continuaria, apesar de nele se terem introduzido já elementos subjetivos, a
constituir uma entidade fundamentalmente objetiva, que esqueceria ou minimizaria a
sua carga ético-pessoal e não poderia servir por isso para corretamente caraterizar a
contrariedade da ação à ordem jurídica;
3. A culpa, apesar de se dizer concebida como um juízo de censura, continuava ainda a
constituir um conglomerado heterogéneo do objeto, submetendo ao mesmo
denominador caraterísticas que, como a imputabilidade e a exigibilidade, são na
verdade elementos de um puro juízo, e caraterísticas que, como o dolo e a negligência,
são elementos do substrato que deve ser valorado como censurável, o que ainda não
acontecia.
7
Escola finalista
A Escola Finalista surge, por via de Welzel, a partir de 1930 e determinou os caminhos
da dogmática até hoje. Esta Escola corresponde, na filosofia à escola ontológica.
Assim, de acordo com esta Escola, é possível determinar as formas de ser ou essências,
nomeadamente através do método fenomenológico e ontológico.
Desta forma, os valores não são mais do que essências e formas de ser que
existem numa zona da realidade e por isso não resultam de atos de valoração,
como defendia a escola neo-kanteana. Além disso, o Direito deve partir da
realidade objetiva ou ôntica.
Figueiredo Dias refere que, após a II Guerra Mundial, ficou claro que o normativismo
de raiz neo-kanteana não oferecia garantia bastante de justiça, havendo a necessidade
de substituir a ideia de Estado de Direito Formal pela ideia de Estado de Direito
Material e de tentar limitar a normatividade pela via ontológica.
Os finalistas defendem desde logo que a ação é uma essência que o Direito não pode
alterar e, por isso, existe independentemente do Direito. O que passa a ser decisivo é
determinar a estrutura dessa ação; assim, para os finalistas, a ação é essencialmente
finalística, ou seja, a ação consiste num processo causal conduzido pela vontade para
determinado fim. A ação humana é uma essência, sendo que o seu central é ser uma
supradeterminação final de um processo causal.
Como o conceito de ação é final, quer o dolo, quer a negligência, passam a ser
averiguados logo ao nível da tipicidade.
Partindo deste conceito, começa-se a perceber que, para se poder afirmar que uma
ação é típica, há que ter em conta os elementos subjetivos; a tipicidade passa a
resultar da conjugação do tipo objetivo com o tipo subjetivo e, portanto, nos crimes
dolosos, o tipo só estaria preenchido se houvesse dolo; já nos crimes negligentes, o
tipo só estaria preenchido com a violação do cuidado necessário.
Na escola finalística, a tipicidade surge como uma valoração autónoma face à
categoria da ilicitude. Além disso, como a ilicitude era uma valoração sobre o ato do
homem, a ilicitude passa a compreender dois desvalores:
O desvalor da ação que se relaciona com a vontade ilícita;
O desvalor do resultado que se relaciona com a lesão do bem jurídico.
8
Ainda ao nível da ilicitude, na escola finalista, surge a chamada teoria dos tipos
permissivos. Para a escola finalista, as causas de justificação surgem como tipos
permissivos que, quando se verificam, excluem a punibilidade.
Já a culpa, no essencial é um juízo de censura pelo facto do agente não ter agido de
outra maneira, podendo fazê-lo de outra forma.
Assim, a análise da culpa coincide com as causas de exclusão da culpa em
sentido amplo.
Assim, teremos de verificar se existe alguma causa de exclusão da culpa em sentido
amplo – técnica negativa da exclusão.
Pós finalistas
Atualmente, maior parte da doutrina pode inserir-se na categoria dos pós finalistas
pois, segundo a Professora Bárbara Sousa Brito, tal como os finalistas, os pós finalistas
consideram que o dolo e a negligência são elementos do tipo; não é possível dizer que
um facto preenche materialmente um tipo de crime se não houver dolo ou
negligência. Consequentemente, a análise da ilicitude, só pode ser feita tendo em
conta os elementos subjetivos.
A grande vantagem do conceito final de ação foi perceber que só era possível
afirmar a ilicitude de um comportamento tendo em conta os elementos
objetivos e também subjetivos.
A diferença é que o dolo e a negligência passam a fazer parte do tipo.
Dentro dos pós finalistas, podemos identificar a seguinte conceção doutrinária:
Corrente ou doutrina teleológico-funcional ou racional-final do Direito Penal:
os defensores desta orientação vêm dizer que o sistema do Direito Penal só se
pode guiar pelas finalidades do próprio Direito Penal.
Quem defende esta conceção vem explicar que só é possível chegar aos
conceitos nesta disciplina, partindo das próprias finalidades do Direito Penal,
nomeadamente das teorias dos fins das penas e das bases politico-criminais da
teoria do crime. Roxin é quem arranca com esta conceção em 1970 em que ele
faz um estudo sobre as relações entre a político criminal e o sistema do crime
ou facto punível. Jakobs também se distinguiu na defesa desta teoria, mas
apresenta uma grande diferença de pensamento comparando com Roxin; para
9
Jakobs, o Direito Penal só pode determinar-se em concordância com as teorias
dos fins das penas. Porém, o grande defeito deste autor (apontado por Roxin) é
o esquecimento de outros princípios e valorações do Direito Penal,
nomeadamente o princípio da culpa; assim, ao contrário deste autor, a culpa
não deve ser absorvida pelo conceito de prevenção geral positiva, mas sim
avaliada pelas capacidades do agente4.
Outra corrente ainda considera que um Direito Penal que se proponha a
justificar cabalmente as suas propostas normativas como justas e eficazes, não
pode deixar de considerar os contributos das outras ciências sobre o seu
próprio objeto de valoração; assim, o Direito Penal não pode ignorar os
conhecimentos que as outras ciências têm acerca do seu objeto de estudo que
é o comportamento humano. Os penalistas não podem ter medo de ir buscar
conhecimentos às outras ciências uma vez que isso não significa substituir o
direito por outras ciências.
A professora Fernanda Palma afirma que tem de haver uma ligação do Direito
com a realidade social; esta realidade social terá de ser um instrumento de
interpretação do Direito. Para Bárbara Sousa Brito, tal realidade social não
pode deixar de ter em conta as ciências que estudam o comportamento
humano e que nem sempre são conhecidas pela realidade social.
4 Por isso, há quem denomine o funcionalismo de Roxin como um funcionalismo teleológico e o
funcionalismo de Jakobs como um funcionalismo sociológico.
10
O conceito de ação jurídico-penalmente
relevante Funções do conceito de ação
Para maior parte da doutrina, o primeiro elemento do crime é a ação; se não há uma
ação jurídico-penalmente relevante, não importa avançar na análise de determinado
comportamento. Assim, como estudado acima, existem diversos conceitos de ação em
Direito Penal. Temos, por exemplo, ação:
Causal: conceito da Escola Clássica;
Social: conceito da escola neoclássica;
Final: conceito da escola finalista;
Pessoal: conceito dos pós-finalistas, como Roxin.
O conceito de ação aparece, pela primeira vez, como pedra básica do sistema do
crime, em 1857 pela voz de Berner. Atualmente, maior parte da doutrina está de
acordo quanto às funções que o conceito da ação deve cumprir, sendo inclusivamente
a base autónoma e unitária da construção do sistema do crime, capaz de suportar os
posteriores requisitos da teoria do crime. Para que assim possa ser, um conceito de
ação tem então de cumprir, fundamentalmente, quatro funções:
Função classificatória: um conceito de ação tem e deve de abarcar em si todas
as formas de comportamento humano que possam ser relevantes para o
Direito Penal (tanto a forma ativa como omissiva, a forma dolosa como a
negligente),
11
Função delimitadora: o conceito de ação deve permitir por si só excluir todos
os comportamentos irrelevantes para o Direito Penal. Por exemplo, o caso do
sonâmbulo que não será responsabilizado criminalmente se agredir outrem ou
atos reflexos;
Função de definição: um conceito da ação tem de ser um conceito com um
conteúdo material suficientemente amplo para servir de suporte aos restantes
elementos do crime (ação típica, ilícita, culposa, punível);
Função de elemento de ligação: o conceito de ação deve ser neutral em
relação aos restantes elementos do crime; se um conceito de ação é a base de
todos os elementos do crime, ele tem de ser neutral face aos restantes
elementos sob pena da sua confusão entre elementos.
Posto isto, persiste um problema: o problema de saber qual o conceito que ação que
consiga abarcar todas estas finalidades.
Ação como primeiro elemento do crime?
A doutrina de Figueiredo Dias
Maior parte da doutrina entende que a ação é o elemento primário do crime. Porém, o
Professor Figueiredo Dias considera que o primeiro elemento do crime é a ação típica,
devendo renunciar-se a colocar como elemento básico do sistema um conceito geral
de ação. O conceito geral de ação tem um papel secundário no sistema teleológico,
dando-se primazia ao conceito de realização típica do ilícito. Mas quais os argumentos
para esta posição?
1. Ao direito penal só interessam as ações típicas e por isso não faz sentido
começar pela ação.
2. Não é possível chegar a um conceito geral de ação previamente ao tipo que
tenha um conteúdo neutral e geral em relação aos restantes elementos do
crime.
Porém, Bárbara Sousa Brito considera que é possível chegar a um conceito de ação
suficientemente geral para servir de base aos restantes elementos do crime. Por outro
lado, apesar de Figueiredo Dias defender que ao Direito Penal só interessa a ação
típica, quando o mesmo se depara com casos como o sonâmbulo que ataca outra
12
pessoa, Figueiredo Dias vai buscar o conceito de ação para excluir a relevância de tal
comportamento para o Direito Penal, sem recorrer ao tipo.
Além disso, tendo em conta o artigo 10 do CP, o legislador fala em ação e
omissão.
Em suma, teremos então de começar com o conceito de ação porque tem de haver um
substrato de todos os outros elementos do crime; a ação vai ser a base.
Sem ação, não temos responsabilidade jurídico-criminal.
Mas que conceito de ação adotar?
Conceitos de ação
Conceito casual de ação
Doutrina favorável: Beling
Noção: o conceito casual de ação surgiu com a Escola Clássica e de acordo com ele há
uma ação jurídico penalmente relevante quando houver um movimento cultural que
leva a uma transformação no mundo exterior, estando esse movimento e essa
transformação ligados por um nexo de causalidade. Fala-se em conceito casual de ação
não só porque atende-se à vontade como causa do comportamento físico, mas
também porque se dá relevância à relação causal entre o comportamento e a
consequência no mundo exterior.
Outra denominação para este conceito é conceito naturalístico.
Críticas: este conceito foi sujeito a várias críticas, pois não inclui uma figura central
para o Direito Penal que é a omissão5. A omissão não cabe neste conceito de ação,
pois na omissão não há nenhum movimento cultural, nem existe vontade em sentido
natural.
Beling respondeu que tal não era verdade alegando que na omissão havia
vontade de reter os músculos. Tal como afirma Roxin, tal não é verdade, pois
não existe qualquer vontade de reter os músculos.
Conceito social de ação
Doutrina favorável: Fernanda Palma, entre outros.
5 Este conceito admite ainda outra fragilidade: a sua extensão em demasia.
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Noção: surge com a escola neoclássica o conceito social de ação. De acordo com este
há uma ação sempre que houver comportamento humano, voluntário e socialmente
relevante. O comportamento em causa:
Tem de ser praticado pelo Homem, não podendo ser por uma pessoa coletiva;
Tem que ser voluntário, isto é, tem de ser uma resposta a uma situação
reconhecida ou reconhecível. Sempre que estivermos perante uma tomada de
posição face a uma exigência situacional reconhecida ou reconhecível, há uma
ação jurídico-penalmente relevante que pode consistir numa atividade ou
inatividade.
Tem de ser um comportamento socialmente relevante, ou seja, terá de ter
efeitos no exterior6 e de afetar a relação do indivíduo com a sociedade.
Críticas: uma das críticas que se pode fazer é a de que este conceito não era
suficientemente neutral, não podendo servir de base aos restantes elementos do
crime; se vamos exigir que um comportamento seja socialmente relevante, esse na
maioria das vezes é resultante da lei e isso não confere suficiente neutralidade ao
conceito pois já recorre ao elemento da tipicidade; tem de ser possível afirmar a
existência ou não de uma ação independentemente de ela ser típica ou não. Por
exemplo, não pagar os impostos num determinado prazo só é socialmente relevante
porque juridicamente a lei lhe deu tal relevância.
Porém, os defensores desta teoria vêm dizer que quando se exige que um
conceito de ação seja neutral surge no sentido de afirmar a existência ou não
de uma ação independentemente de ela ser típica ou não.
Conceito final de ação
Retomando o que vimos anteriormente, a Escola Finalista acredita que existem
essências que o Direito não pode alterar, sendo que a ação é dessas essências. Mas
qual a essência da ação?
Doutrina favorável: Welzel
Noção: para a Escola Finalista a essência da ação começou por ser a existência de um
processo causal, conduzido pela vontade para determinado fim. Assim, para haver
uma ação eram necessários três momentos:
Um primeiro momento em que o agente antecipa mentalmente o seu objetivo;
6 Uma vez que o Direito Penal não pune intenções.
14
Um segundo momento em que o agente elege os meios necessários para
atingir o seu objetivo;
Um terceiro momento em que o agente põe em andamento os processos
causais com vista à prossecução do fim.
Críticas: este conceito não abrange a totalidade dos comportamentos relevantes para
o Direito Penal; à partida, este conceito não abarca assim as omissões e não pune as
ações negligentes, nomeadamente as ações negligentes e inconscientes.
Existem duas formas de negligência:
A negligência consciente – o agente prevê a realização do facto típico, mas não
se conforma, afastando a ideia;
A negligência inconsciente – o agente não prevê a realização do facto típico,
mas podia ou tinha a possibilidade efetiva de o representar.
Por exemplo, o caso dos mendigos russos fez com que a doutrina tivesse de olhar de
outra forma para a distinção entre dolo ou negligência inconsciente.
Para se acusar com dolo, é necessário provar que o agente se conformou.
Face a estas críticas, a escola finalista vem corrigir o seu conceito de ação; assim, numa
segunda fase, quando exigem que uma ação seja final, não estão a exigir que a ação
seja intencional, mas sim que seja conduzida ou conduzível por parte do sujeito.
Assim, para haver uma ação final, o que tem de existir é a possibilidade de um
comportamento alternativo por parte do agente.
Por exemplo, o sonâmbulo que dá um soco não teria a possibilidade de um
comportamento alternativo; desta forma, não existe ação jurídico-penalmente
relevante.
Conceito pessoal de ação
Doutrina favorável: Roxin e Arthur Kaufmann7.
Noção: segundo este conceito, ação é então a exteriorização da personalidade do
agente entendida como unidade de corpo e espírito. Assim, segundo Roxin, este
conceito cumpriria integralmente as funções de classificação, de ligação e definição e
delimitação que dele se espera. Neste âmbito, a exteriorização significa que a conduta
7 Este conceito tem como seu defensor principal, Roxin, embora tenha surgido em 1966 com Kaufmann.
15
está sujeita ao controlo do “eu” que provem da autodeterminação do sujeito. Para
além disto, a ação traduz-se sempre numa valoração social; por isso o conceito pessoal
de Roxin é também um conceito social.
Críticas: Figueiredo Dias considera que este conceito, ao remeter para o conceito
social de ação, não se liberta de algumas críticas que foram apontadas ao conceito
social de ação. Para além disso, o mesmo autor defende que este conceito não é capaz
de cumprir eficazmente a sua função de delimitação, como por exemplo a questão dos
atos reflexos. Outra das críticas que se pode fazer a este conceito é que parece dar a
entender que só há ação quando ela for culposa, o que já não é aceitável segundo a
evolução da Teoria do Crime. Porém, a Professora Bárbara Sousa Brito não concorda
com esta questão pois considera que uma coisa é a exteriorização da personalidade;
outra é considerar essa exteriorização como um desvalor.
Conceito de ação de Jakobs
Doutrina favorável: Jakobs
Noção: para este autor, ação surge como evitabilidade de uma diferença de resultado.
Portanto, todo o comportamento que for evitável, é uma ação jurídico-penalmente
relevante. Assim, um comportamento será evitável se for conhecido ou cognoscível
pelo agente. A ideia de evitabilidade está ainda associada à ideia de dirigibilidade;
sempre que existir um comportamento humano controlável ou controlado pelo “eu”,
há uma ação jurídico-penalmente relevante.
Um denominador comum
Para haver ação em Direito Penal temos sempre de ter um comportamento controlado
ou controlável pela vontade. Todos os conceitos acima estudados exigem assim uma
ação alternativa. Sempre que existe então esta alternativa, existe uma ação jurídico-
penalmente relevante.
Porém, coloca-se a grande questão: quando é que temos um comportamento
humano controlável? Veremos já de seguida.
A experiência de Libet
Para dar uma resposta a esta questão, é essencial ter em conta o que as outras
ciências que estudam o comportamento humano dizem acerca do mesmo; de entre as
várias disciplinas que estudam este comportamento, é a neurociência que tem
16
alcançado os resultados mais importantes, não só pela sua novidade, mas pela
influência que eles passaram a ter nas outras ciências.
Libet desenvolveu esta ciência e percebeu que quando tocava no dedo de uma
pessoa durante uma operação, essa pessoa demorava algum tempo a perceber
que lhe estavam a tocar no dedo.
Libet tentou então perceber se o mesmo se passava com as nossas decisões.
Pediu então às pessoas para irem para uma sala com o cérebro ligado a
máquinas. Essas pessoas teriam de descrever em que ponto estava o ponteiro
do relógio quando decidissem levantar o pulso. Com esta experiência,
descobriu-se que as pessoas diziam que decidiam levantar o pulso, 350
milésimos de segundo depois de terem decidido levantar o pulso.
Esta descoberta trouxe uma grande discussão pois veio dizer-se que as nossas
decisões são tomadas inconscientemente. Entre a tomada de consciência e o
atuar, ainda restam 350 milésimos de segundo. Colocou-se então em causa o
livre-arbítrio.
As pessoas, quando decidem atuar, decidem de forma inconsciente; porém, há
uma altura em que as pessoas tomam consciência dessa decisão e podem
continuar ou vetar essa decisão. O grande problema disto é que não sabemos
se esse vetar da ação é determinado inconscientemente; porém, Libet vem
afirmar que o mais provável é que não o seja.
António Damásio vem refutar Libet dizendo que os 350 milésimos de segundo
não são relevantes para analisar o livre arbítrio do ser humano.
Porém, as ações de que a neurociência se ocupa são as ações voluntárias8; em Direito
Penal, para além de punirmos as ações voluntárias nesse sentido, vamos punir as
pessoas que não representam o facto, mas tem a mera possibilidade de o representar
(ações negligentes inconscientes). Pelo facto de poder representar o facto típico, essa
pessoa pode ser responsabilizada jurídico-criminalmente.
Por exemplo, o médico que atua negligentemente numa operação, será punido
caso essa negligência seja provada.
Assim, o Direito Penal, em certo sentido, debruça-se sobre ações que a neurociência
não se ocupa. Logo, a possibilidade de controlar uma ação passa pela possibilidade
8 Libet só estudou este tipo de ações.
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da sua representação. Basta então provar que a pessoa tinha a possibilidade de
controlar a ação; se o controlar dá-se com a representação do facto, uma ação será
controlável se a pessoa tiver a possibilidade de a representar.
Exemplos práticos
1. A, vai numa estrada à velocidade permitida por lei e de repente aparece uma criança
a correr no meio da estrada e a mata.
Em princípio a pessoa não teve a possibilidade de representar a ação.
2. A, vai numa estrada ao pé de uma escola a 80 km/hora. Vê o sinal e ouve crianças a
falar, mas continua e atropela uma criança que acaba por falecer.
No momento em que a pessoa vê o sinal e não reduz a velocidade, não prevê
atropelar a criança, mas tinha a possibilidade de prever essa situação – era algo
controlável efetivamente. Assim, teremos de punir A por negligência
inconsciente, uma vez que existe claramente uma ação.
3. B, foi picada por uma abelha e atropelou uma pessoa que veio a falecer.
Estamos perante um ato automático em que a pessoa não proveu nem tinha a
capacidade de prever aquele facto típico.
Porém, Roxin afirma que nos atos automáticos como o da abelha, há uma ação
porque para ele é uma resposta pessoal do agente.
4. A e B são marido e mulher, respetivamente. Certo dia, B pediu a A para deixar o filho
de ambos, C, no infantário, algo que A nunca teria feito. Porém, A esqueceu-se de ir
deixar o filho ao infantário e deixou-o no banco de trás do carro enquanto foi
trabalhar. Às 19h, quando a mãe liga para saber da criança, o pai recorda-se de que
não entregou a criança no infantário. Quando vai ao carro verificar o estado da criança,
constata que a mesma tinha falecido.
Para Bárbara Sousa Brito não existe aqui uma ação jurídico-penalmente
relevante pois o pai não representou o facto típico. Nunca lhe passou pela
cabeça que ele se fosse esquecer da criança pelo que nem sequer tinha a
possibilidade de representar tal comportamento. O pai só representa a
presença da criança no caso, mas, a partir do momento em que a criança
adormece, o pai deixou de ter consciência da presença da criança9.
9 Porém, se o pai soubesse que costuma esquecer-se das coisas em situações de stress, já havia
oportunidade de representar o facto ilícito, não se tratando de um ato automático.
18
5. A e B estão de visita a uma exposição de arte. A certa altura, há uma troca de
palavras entre os dois e B dá um murro a A, caindo este desamparado sobre uma obra
de arte, destruindo-a. Poderá A ser responsabilizado por um crime de dano?
Neste caso, a pessoa que caiu sobre a obra de arte não levou a cabo uma ação,
no sentido de comportamento humano. Do ponto de vista dos fins do Direito
Penal, não faz qualquer sentido discutir, sequer, a responsabilidade dessa
pessoa, porque ela funciona como uma força inanimada, como um objeto.
Casos práticos
1. Bernardo dá um encontrão a Amadeu e este cai sobre C que parte uma perna.
Pode ou não A ser responsabilizado jurídico criminalmente pelo crime de
ofensa à integridade física?
Amadeu não consegue controlar a ação; em princípio, ele não tinha sequer
capacidade para controlar a sua ação – ações sobre vis absoluto em que o
corpo da pessoa é quase como um instrumento.
Como a ação não era sequer controlável pela vontade do Amadeu, ele não
praticou uma ação jurídico-penalmente relevante.
2. A, condutor de um camião TIR que viajava há três dias seguidos, parando só
para comer, com o intuito de chegar mais cedo a casa, já perto de Coimbra,
deixou-se adormecer ao volante e nesse estado acabou por embater no carro
de C, provocando a sua morte. Quid iuris?
Será que existe ação? No momento em que ele se apercebe que está cansado e
mesmo assim continua, dá-se então o momento relevante para saber se existe
ação. Nestas situações fala-se numa figura, que é a chamada ação livre na
causa.
Assim, o momento relevante não é a altura em que ele lesa o bem jurídico, mas
sim o momento em que ele se apercebe que está com vontade de dormir e
mesmo assim continua a conduzir; neste momento, ele tinha a capacidade de
controlar, ganhando consciência de algo que lhe permite antecipar o facto
ilícito.
19
A ação jurídico-penalmente relevante: o caso
especial da omissãoAção como comportamento humano?
Breve introdução
Dentro do conceito de ação, para grande parte da doutrina, quando se fala em ação
jurídico penalmente relevante, pensamos numa ação em sentido amplo; isto significa
que o conceito de ação abarca, quer as ações em sentido estrito, quer as omissões.
Para Figueiredo Dias, nos crimes de omissão, o agente não levou a cabo a ação
esperada ou imposta. Porém, isto tem um limite: não podemos esquecer-nos que uma
punição generalizada ou demasiado alargada da omissão conduzirá seguramente a
uma sistemática e inadmissível intromissão de cada um na esfera jurídica de outros.
Como exemplo típico de omissão, destaca-se a mãe que deixa de alimentar o
filho, vindo o mesmo a falecer.
Uma das grandes discussões em Direito Penal é a de saber se a omissão faz ou não
parte do género comportamento humano.
Doutrina de Welzel e José de Sousa e Brito
Para uma parte da doutrina, a omissão só faz sentido dentro do género comum à ação
em sentido amplo. Assim, a omissão cabe no género comportamento humano e deve
ser vista como uma realidade que tem existência no mundo exterior ao lado da ação.
Dito de uma outra forma, a omissão, tal como a ação, é uma resposta controlada ou
controlável pela vontade do agente. Assim, quando o agente não tem sequer
capacidade de agir, não haverá omissão.
20
Para Bárbara Sousa Brito, que concorda com esta teoria, decorre que para
haver omissão, o agente tem de ter capacidade de agir/adotar uma ação
alternativa.
Doutrina de Eduardo Correia
Para outra parte da doutrina (Eduardo Correia), a omissão não existe como realidade
do mundo exterior, sendo que a mesma deve ser encarada como uma negação da
ação; a omissão é um produto ou juízo por parte do julgador. Dentro desta corrente,
existem autores que defendem a teoria lógica ou normativa da ação esperada, isto é, a
omissão continua a ser um juízo efetuado por quem julga a ação ao relacionar o que
aconteceu com a conduta esperada.
Crítica: quem faz este juízo, é o julgador. Desta forma, será que faz sentido o
direito penal efetuar valorações sobre juízos, em vez de efetuar valorações
sobre os comportamentos do arguido?
Para Bárbara Sousa Brito, a doutrina subjetiva da negação é a doutrina que está
na base desta teoria, sendo que esta deve ser substituída pela chamada
doutrina diferenciada da negação.
A doutrina subjetiva da negação traduz a negação na palavra “não ser isto”. Já com
base na doutrina diferenciada da negação, há uma diferença entre “não ser isto”
(ação) e “ser não isto” (omissão).
Por exemplo, A não salvou B. Esta afirmação pode ser verdadeira, não só
porque A nunca teve sequer oportunidade de salvar B, mas também nas
situações em que A não se encontra na possibilidade de salvar B.
Assim, a omissão é um comportamento humano que se diferencia da ação (“ser não
isto”). Por exemplo, quando o pai não salva o filho que se está a afogar na praia, é
sempre uma tomada de posição.
Doutrina de Roxin e Jakobs
Não obstante, há uma parte da doutrina que entende que o sistema penal e os seus
conceitos derivam só de valorações jurídico-criminais e, por isso, a ação e a omissão
são equiparáveis enquanto valorações, embora as duas sejam valorações.
Roxin defende esta posição.
Para Roxin, a ação traduz-se numa exteriorização da personalidade; porém, este
conceito é valorativo, sendo que o autor em causa não defende um conceito ôntico.
21
Jakobs, na mesma linha, tende a concluir que a ação e omissão não são distinguíveis na
perspetiva da competência desempenhada pelo agente na interação social. Assim,
para ele, o que importa é a identificação de estruturas comportamentais
identificáveis socialmente; assim, a definição de comportamento humano não será
naturalista, mas centra-se na significação social dos comportamentos.
Doutrina de Figueiredo Dias
Quarta parte da doutrina: Figueiredo Dias, defende que, como não há uma base
comportamental no crime, tende a integrar na categoria do tipo, a ação e a omissão.
Assim, ação e omissão são duas formas de realização do direito.
Omissões puras e impuras
Segundo Figueiredo Dias, o crime de omissão reside na violação de uma imposição
legal de atuar, pelo que, em qualquer caso, só pode ser cometido por pessoa sobre a
qual recaia um dever jurídico de levar a cabo a ação imposta. Já para Teresa Beleza, o
preenchimento do facto típico é feito através de um comportamento negativo.
Quando concluirmos por uma omissão, a análise do crime será diferente. Por isso, tal
não é irrelevante na prática porque dentro das omissões existem dois tipos:
Omissão pura ou própria – são aquelas que, independentemente do resultado,
integram o tipo (exemplos: artigos 200 e 284 do CP). Independentemente de
qualquer resultado que resulte dessa não prestação de auxílio, o crime de não
prestação de auxílio está consumado.
Por exemplo, o médico que se recusa a prestar cuidados de saúde, preencherá
o tipo de crime independentemente da pessoa vir a falecer ou não lhe
acontecer nada.
Omissão impura ou imprópria – são aquelas que estão relacionadas
causalmente com o resultado, não se encontrando descritos num tipo legal de
crime10; assim, teremos de recorrer ao artigo 10 do CP para resolução do
10 Segundo Teresa Pizarro Beleza, são crimes em que, através de uma omissão, uma pessoa deixou que
um certo resultado acontecesse.
22
problema. De acordo com o artigo 10/2 do CP, não é qualquer pessoa que
preenche o tipo de omissão; só pode ser punido por omissão impura, as
pessoas sobre as quais recai um especial dever de agir (por exemplo, o pai que
tem o especial dever de agir ao salvar o filho que se está a afogar).
´
Critério de distinção entre ação e omissão
Existem critérios que a doutrina propõe para saber se estamos perante uma ação ou
omissão:
Engisch dizia que na ação havia um dispêndio de energia que já não existia na
omissão. Porém, isto não cabe para a distinção pois pode haver grande
dispêndio de energia na omissão;
Em casos de dúvida, Kaufmann defende que a omissão só devia ter relevância
quando aquele comportamento não pudesse ser encarado como ação.
Já Roxin ou Figueiredo Dias vêm dizer que o que importa é a forma da criação
do perigo para o bem jurídico tutelado pela norma que está em causa.
Na ação, o agente cria ou aumenta o perigo; já na omissão, o agente não afasta
o perigo.
Há ainda quem defenda que na ação há uma intervenção modificadora na
situação por parte do agente e na omissão tal não existe.
Como é tão difícil distinguir na prática a ação de omissão, Roxin criou uma figura que
se denomina omissão por ação, em que a ação permanece ação, mas, nestes casos, ela
é punível dentro de um crime omissivo. Por exemplo, se A empreende a atividade de
salvamento e no último momento desiste de salvar. O que existe nestes casos?
Roxin afirma que tal se deve valorar como uma omissão por ação.
Para ser punido por omissão de auxílio, basta que o agente não auxilie. Já na omissão
impura, para o tipo ficar preenchido, é preciso que ocorra um resultado; em relação a
estas, só podem ser punidas as pessoas que têm o especial dever de agir.
Tal faz sentido, porque, caso não fosse essencial este especial dever de agir, a
restrição que o DP faria à liberdade seria enorme.
23
As omissões impuras e o especial dever de agir
Para Figueiredo Dias, ao se exigir o especial dever de agir equipara-se a omissão
imprópria à ação. Assim, existem dois critérios para aferir o especial dever de agir:
O critério formal ou teoria formal dos deveres de garante;
O critério material.
O Critério Formal
O critério formal, defendido por Feuerbach e Stubel, afirma que são três as fontes do
especial dever de agir:
Lei;
Contrato;
Ingerência – traduz-se numa ação perigosa, precedente criada pelo omitente.
Porém, este critério tem várias críticas e encontra-se hoje abandonado pela
jurisprudência e pela doutrina.
Em primeiro lugar, este critério não consegue abarcar todas as situações em que deve
haver o especial dever de agir. Por exemplo, a baby-sitter, que tem um contrato verbal
com os pais para tomar conta da criança até à meia noite; à meia noite os pais não
aparecem e a mesma vai-se embora e deixa a criança sozinha. A criança acorda,
levanta-se e parte uma perna. O que acontece?
De acordo com o critério formal, há contrato até à meia noite. Logo, este
critério formal falha porque não abarca situações em que materialmente
continua a haver o especial dever de agir.
Em segundo lugar, este critério falha relativamente à lei, pois a lei pode nem sempre
fundamentar uma posição de garante11.
O Critério Material
Face às fraquezas do critério formal, surge a defesa do chamado critério material; este
critério vai permitir ligar a infração daquele dever a um sentido de ilicitude material
face à nossa ordem jurídica. Assim, tem de existir um critério que permita distinguir a
relevância jurídica da relevância meramente ética que terá de vir do conceito da
ilicitude material (do que faz sentido punir).
11 Figueiredo Dias identifica o caso das leis extrapenais.
24
Armin Kaufmann apresentou este critério.
De acordo com Kaufmann, deve haver uma divisão bipartida do especial dever de agir:
Casos em que há o dever específico de assistência a um titular de bens
jurídicos independentemente da fonte de perigo (por exemplo, pais
relativamente ao filho menor). Nestes casos, o bem jurídico carente de guarda
deve ser protegido contra todos os perigos englobáveis no âmbito de proteção;
Casos em que há dever de vigiar uma fonte de perigo, independentemente do
titular do bem jurídico em causa (controlador de tráfego aéreo relativamente à
movimentação de aviões); aqui, o garante tem unicamente de fiscalizar fontes
de perigo determinadas.
O primeiro caso pode, por sua vez, derivar (1) da chamada solidariedade natural para
com o titular do bem jurídico apoiada num vínculo jurídico (por exemplo, os pais e
filhos, os avós e os netos, etc.). Em segundo lugar, (2) este dever pode resultar de uma
estreita relação de comunidade de vida ou de proximidade (relação entre cônjuges,
vizinho/vizinha, amigo/amigo, etc.). (3) O dever específico de assistência pode resultar
ainda numa assunção fáctica voluntária de deveres de custódia (professor, médico,
instrutor de condução, polícia, etc.).
Atualmente, para maior parte da doutrina, acrescenta-se outra fonte de especial
dever de assistência:
As chamadas relações de comunidade de perigo: há um conjunto de pessoas
que decide, em conjunto, efetuar uma atividade perigosa no pressuposto de
que se alguém estiver em perigo, a outra pessoa ajuda. Aqui, (1) tem de existir
uma relação estreita e efetiva de confiança (2) que a tal comunidade de perigos
exista e não seja meramente deduzida de uma proximidade suposta ou
presumível (3) e que esteja em perigo um bem jurídico concreto.
25
Dever de agir?
Dever específico de assistência a um titular de bens jurídicos
Solidariedade natural
Estreita relação de comunidade
Assunção fáctica voluntária de
deveres de custódia
Relações da comunidade de
perigo
Dever de vigiar uma fonte de perigo
Comportamento prévio perigoso
Âmbito social de domínio
Dever de vigiar a ação de terceiros
Por exemplo, um conjunto de pessoas que decide fazer uma escalada e, a certa
altura, uma delas escorrega. Será que os outros têm dever de agir? Face ao
exposto, em princípio sim, verificados os pressupostos acima referidos.
Porém, Fernanda Palma considera que só pode haver responsabilização nestes
casos se fosse previsível para o agente a responsabilidade inerente à sua
atividade; assim, tal só existirá se houver uma auto vinculação de
responsabilidades ainda que implícita por parte do agente. Se alguém vai
esquiar com um amigo para um sítio perigoso e dá-se uma avalanche, em que
um deles fica soterrado, só podendo salvá-lo com algum risco pessoal, não será
aceitável equiparar a omissão de socorro à ação causal omissiva.
Quanto ao segundo grupo, este pode derivar:
1. De um comportamento prévio perigoso – situações de ingerência; assim, o agente
tem de vigiar uma situação de perigo cuja mesma foi da sua responsabilidade.
Há uma discussão interessante na doutrina de saber se o comportamento prévio
perigoso pode ou não ser uma conduta lícita ou terá de ser sempre uma conduta
ilícita. Fernanda Palma considera que caso a pessoa atue em legítima defesa, não
existe dever de agir pois ele não ultrapassou a sua esfera de liberdade de ação própria
e por isso não adquiriu nenhuma responsabilidade pelos bens da esfera privada de
outrem; já Figueiredo Dias considera que poderá haver especial dever de agir.
Porém, e o que acontece quando alguém está a guiar o seu carro e os travões deixam
de funcionar? Haverá ação? Em princípio não pois a pessoa não tinha a possibilidade
de controlar a ação. Neste caso, a Professora Fernanda Palma considera que já há o
dever de vigiar a fonte de perigo.
Mas até onde deverá ir a solidariedade humana? Esta é uma das grandes questões do
Direito Penal.
Para a Professora Fernanda Palma, depende do comportamento prévio. Se ele
for lícito, não há qualquer dever de agir; exceção: carro que avaria pois não faz
sentido fazer a outra pessoa suportar a intromissão do agente da esfera jurídica
do outro.
2. Âmbito social de domínio – deve-se poder confiar em quem exerce o poder de
disposição sobre um determinado âmbito de domínio. Por exemplo, o dever do
controlador aéreo que tem o dever de vigiar a fonte de perigo que resulta do seu
26
âmbito de domínio. Por outro lado, qualquer pessoa que possua um estabelecimento
comercial, tem o dever de conservar as condições de segurança e precaver os perigos
que podem advir dessa atividade.
3. De um dever de vigiar a ação de terceiros por parte de quem exerce sobre esse
terceiro um poder de domínio ou de controlo (por exemplo, pais, professores, etc.).
Conceção Formal Material
Figueiredo Dias propõe a conjugação das teorias formais e materiais pois vai buscar à
ideia de solidariedade natural para com o outro, a principal fonte do especial dever de
agir e, nesse sentido, falamos em critério material. Porém, tal não basta, sendo preciso
que essa solidariedade material tenha apoio num vínculo jurídico que é retirado do
sentido da ilicitude material.
Quando, face, a um certo tipo de crime, se chegar à conclusão que o desvalor
da omissão corresponde no essencial, ao desvalor da ação, então a tal
solidariedade natural passa a ter um apoio na norma do ilícito.
Quando o dano à sociedade é tão grave como aquele bem por ação, deve haver
equiparação entre ação e omissão. Figueiredo Dias considera que a solidariedade
natural é essencial para descobrir a gravidade do dano; isto é essencial pois estamos a
restringir a liberdade do agente caso consideremos que o sujeito tem o dever de agir.
As situações de monopólio
Face a isto, existe uma discussão de saber se existe o especial dever de agir nas
chamadas situações de monopólio. Estas situações são:
Acidentais;
Instantâneas, criadas pelo destino ou acaso;
Limite, uma vez que o agente é a única pessoa que está em posição de evitar o
resultado, sendo que evitá-lo não exige grande esforço.
Por exemplo, A está na praia, a água está calma, e vê B a afogar-se. Para o salvar, a
pessoa apenas precisa de dar o braço a outro. Será que esta pessoa tem o especial
dever de agir?
27
Outro exemplo: A está a passear numa rua deserta e vê B, invisual a caminhar no meio
da estrada onde será provavelmente atropelado. Será que A tem o dever de ir
encaminhar a pessoa para o passeio?
Há uma parte da doutrina que entende que não existe especial dever de agir,
mas apenas um dever moral.
Há outra parte da doutrina que diz que, nestes casos, faz sentido haver um
especial dever de agir.
Para Bárbara Sousa Brito, esta situação está ligada com a ideia de
solidariedade natural, havendo especial dever de agir. São situações limite.
Fernanda Palma considera que não existe especial dever de agir porque não se
pode ficcionar que o agente tenha aceitado o dever de evitar a morte de
outrem nestas situações. Quando alguém vai à praia, não está à espera de que
vá acontecer algo do género. Por outro lado, no caso de A acompanhar B ao
hotel, terem relações sexuais e B vem a ter um ataque cardíaco. A, sai do
quarto e B morre por falta de assistência médica; nestes casos, a pessoa já se
auto vinculou ao dever de agir.
Para Figueiredo Dias, desde que haja (1) um número de pessoas que se consiga
determinar, (2) uma situação de domínio fáctico absoluto e (3) um perigo para
o bem jurídico iminente, existe especial dever de agir. Neste sentido, André
Leite afirma que o dever de agir assenta na abissal desproporção entre o bem
jurídico em perigo e o esforço exigido ao omitente no decurso do processo
salvador.
Nos EUA, um homem casado resolveu passar o fim de semana com uma senhora e
durante esse fim de semana a senhora ingeriu uma dose de morfina e a mesma
morreu porque não foi assistida. Neste caso, o STJ considerou que ele não tinha o
especial dever de agir, pois não existia um domínio fáctico absoluto.
Caso prático
1. A, tendo ficado grávida, ocultou o facto a todos. Quando sentiu as dores do
parto, fechou-se no quarto da sua residência e não pediu nem aceitou a
possível ajuda à criança. Nascida a criança, não laqueou o cordão umbilical
28
nem desobstruiu as vias respiratórias do recém-nascido, o que ocasionou a
sua morte. Quid iuris?
Haverá uma ação jurídico-penalmente relevante? Claro, é uma ação controlada pela
vontade. Haverá uma ação em sentido estrito ou uma omissão?
Uma omissão, pois, a pessoa não foi ao hospital, não chamou ajuda. O
relevante é o não ter diminuído o risco. Já na ação, o agente aumenta o risco, o
que não acontece. Como próximo passo, teremos de ver se existe especial
dever de agir. A pessoa tinha o dever de vigiar aquele titular pela relação de
solidariedade natural que mantinha com o filho.
2. António e Bento estavam a trabalhar num andaime situado a 5 metros do
solo quando este último, vítima de um choque elétrico que o projetou para
trás, empurrou António, fazendo-o cair do andaime. António ficou
gravemente ferido. Bento, imigrante brasileiro em situação ilegal, receando
vir a ser descoberto, decidiu vir a fugir do local sem prestar qualquer auxílio a
António. Determine a responsabilidade criminal de Bento na hipótese de
António vir a falecer por não ter sido tempestivamente auxiliado.
Será a ação que decorre do choque elétrico é jurídico-penalmente relevante? Não, é
como se o corpo da pessoa fosse um corpo morto, sem qualquer atividade – ato vis
absoluta.
Posteriormente, teremos de avaliar o comportamento de Bento, que desaparece do
local. Estamos claramente perante uma omissão: há um risco para a vida de outrem e
Bento nada faz para o evitar. Mas teria o especial dever de agir?
Neste caso, não faz sentido colocar o risco que Bento criou na esfera de
outrem. Assim, deverá haver especial dever de agir.
Se se verificar que existe dever especial de agir, não se pune por omissão pura, mas
sim por impura.
A constitucionalidade do artigo 10/2
É ou não constitucional o artigo 10/2 do CP, ao equiparar a ação à omissão quando
haja especial dever de agir? Para maior parte da doutrina, este especial dever de agir
deverá ser encontrado pelo critério material.
29
Coloca-se então em causa o princípio da tipicidade, no âmbito do princípio
“não há crime sem lei”.
Para Bárbara Sousa Brito, a ação e a omissão são realidades que se inserem no mesmo
género do comportamento humano, quando o legislador afirma “quem matar
outrem”, está a prever a morte por ação ou por omissão. Assim, o artigo 10/2 atua
como uma cláusula restritiva.
Por outro lado, há quem considere que a omissão é um juízo de valor, o que significa
que não existe uma norma determinada; assim, existe violação da constitucionalidade.
Assim, para Figueiredo Dias, este artigo é compatível com o sentido garantístico do
princípio da legalidade, embora defenda que o legislador deveria incluir um artigo no
CP que incluísse quais as situações em que existe um especial dever de agir.
30
A Tipicidade Depois da conclusão pela existência de uma ação jurídico-penalmente relevante, há
que analisar se essa ação é típica.
A tipicidade foi criada pela Escola Clássica, nomeadamente por Beling. Assim, teremos
de ver se aquela conduta se subsume a um determinado tipo legal de crime.
Este conceito de tipo é um conceito de tipo indiciário.
O tipo indiciário e o tipo essencial
O tipo indiciário abrange as circunstâncias descritas na previsão do tipo legal. Não
obstante, este tipo é um conceito mais amplo do que o de Beling pois, nesta altura,
cabe também no tipo indiciário, aquelas circunstâncias que se encontram nas
chamadas normas extensivas da punibilidade.
A tentativa e a comparticipação são normas extensivas da punibilidade.
Quando está preenchido o tipo, indicia-se a ilicitude do comportamento que será
avaliada pela técnica negativa da exclusão. Se se verificam causas de exclusão da
ilicitude, não há ilicitude.
Já o tipo essencial abrange o conjunto das circunstâncias de que depende a
consequência final descritas não só na norma incriminadora como noutras normas.
Elementos objetivos e subjetivos do tipo
Temos de averiguar ainda se estão presentes os elementos objetivos do tipo – ação,
agente, objeto de ação, bem jurídico, resultado e imputação objetiva do resultado à
31
conduta do agente – assim como os elementos subjetivos do tipo – dolo (direto
necessário ou atual) ou negligência (consciente ou inconsciente).
Maior parte da doutrina entende que, sempre que teremos de subsumir uma ação ao
tipo, averigua-se a presença dos elementos objetivos e apenas os elementos
subjetivos. Porém, Bárbara Sousa Brito tem um entendimento diferente.
Classificações de crime com base nos elementos objetivos do tipo – o agente
O autor da ação será, em princípio, uma pessoa individual, mas que pode ser também
um ente coletivo (situação rara).
Consoante o autor, distinguem-se dois tipos de crimes:
Crimes gerais ou comuns – pode ser realizado por qualquer pessoa. Por exemplo, o
homicídio (artigo 131 do CP: “quem matar outra pessoa (...)”) ou o furto (artigo 203 do
CP);
Crimes específicos – é um crime que só pode ser efetuado por determinadas pessoas
com certas qualidades. Por exemplo, o crime de omissão de auxílio médico (artigo 284
do CP: “o médico que (...)”).
Dentro dos crimes específicos temos ainda:
Crimes específicos impróprios – são aqueles que têm correspondência com
outro crime que pode ser praticado por qualquer pessoa, isto é, é uma variante
de um crime fundamental que pode ser praticado por qualquer pessoa. Porém,
o facto de ter sido praticado por aquela pessoa, agrava a responsabilidade (por
exemplo, se houver violação de domicílio praticada por qualquer pessoa,
teremos de recorrer ao artigo 190; porém, se esse crime for praticado um
funcionário, aplicamos o artigo 378 do CP). Em suma, a qualidade especial do
autor agrava a responsabilidade penal.
Crime específico próprio – são aqueles crimes que não têm correspondência
com outros crimes e por isso só podem ser praticados por pessoas com
determinadas qualidades (por exemplo, a omissão impura que só pode ser
praticado por quem tem especial dever de agir ou o artigo 370 do CP). Nestes
casos, a qualidade especial do autor fundamenta a responsabilidade penal.
Autonomamente, existem ainda:
32
Crimes de nome próprio ou mão própria – são crimes que só podem ser
praticados na forma de autoria direta e singular, isto é, o crime só pode ser
praticado pelo próprio (por exemplo, bigamia).
Classificações de crime com base nos elementos objetivos do tipo – a ação típica
Ação;
Omissão.
(ver capítulo acima relativo à ação jurídico-penalmente relevante)
Classificações de crime com base nos elementos objetivos do tipo – objeto da ação
Trata-se de um objeto do mundo exterior ao qual ou em relação ao qual se realiza a
ação típica. Aqui, não existe qualquer tipo de distinção.
Classificações de crime com base nos elementos objetivos do tipo – o bem jurídico
Segundo Figueiredo Dias, podemos definir bem jurídico como a expressão de um
interesse da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo
estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente
reconhecido como valioso.
Dentro do bem jurídico, distinguem-se os crimes:
33
Bem jurídico
Crimes de lesão
Crimes de perigo
1º classificação
Abstrato
Concreto
Abstrato e concreto
2º classificação
Singular
Comum
De dano ou de lesão – é um crime para cuja consumação a lei exige a efetiva
lesão do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora (por exemplo, crime
de homicídio – artigo 131 do CP);
De perigo – ao contrário dos crimes de dano, não implicam a efetiva lesão do
bem jurídico, sendo que a colocação em perigo do bem jurídico surge como
fundamento da punição.
Dentro dos crimes de perigo, temos:
Os crimes de perigo abstrato12 – para o tipo estar preenchido basta haver uma
ação adequada a produzir o crime, não sendo necessário que o perigo seja
comprovado no caso concreto (por exemplo, o crime de condução por
embriaguez ou o crime de porte de arma proibida).
Os crimes de perigo concreto – são aqueles para cuja consumação já se exige
que seja realmente colocado em perigo determinado bem jurídico, sendo que
o perigo faz parte do tipo (por exemplo, o crime de exposição ao abandono –
artigo 138 – em que é preciso provar que a criança correu perigo para punir o
agente; temos ainda como exemplos, os artigos 291 e 272 do CP).
Crimes de perigo abstrato concreto – o próprio tipo exige que a ação tenha de
ser adequada a causar perigo; desta forma, o perigo converte-se em parte
integrante do tipo e não num mero motivo de incriminação, como sucede nos
crimes de perigo abstrato. Por exemplo, o artigo 139 do CP.
Dentro dos crimes de perigo temos ainda:
Crimes de perigo singular – um só bem jurídico é colocado em perigo – por
exemplo, artigos 138 e 180 do CP.
Crimes de perigo comum – são aqueles em que são colocados em perigo um
conjunto de bens jurídicos – por exemplo, artigos 21013 ou 263.
12 Tem sido levantada a questão da constitucionalidade deste tipo de crimes por constituírem uma tutela
demasiado avançada de um bem jurídico, colocando em risco o princípio da legalidade e o princípio da
culpa. Todavia, a doutrina maioritária e o próprio TC têm considerado a não inconstitucionalidade deste
tipo de crimes quando visem a proteção de bens jurídicos de grande importância, quando for possível
identificar claramente o bem jurídico tutelado e a conduta típica for descrita de uma forma tanto
quanto possível precisa e minuciosa. Figueiredo Dias considera que a criação da categoria dos crimes de
perigo abstrato concreto é uma resposta a esta possível inconstitucionalidade.13 Neste crime, tutelam-se os bens jurídicos propriedade e integridade física.
34
Classificações de crime com base nos elementos objetivos do tipo – o resultado
O resultado é o evento espaço temporalmente separado da ação. Aqui, distinguem-se:
Os crimes formais – são crimes onde não é necessário verificar-se um certo
resultado para o tipo ficar preenchido; por isso, basta que se verifique uma
certa conduta. Podem ser por ação14 (crimes de mera atividade) ou omissão
(omissão pura).
Os crimes materiais ou de resultado: são aqueles crimes que pressupõem a
verificação de um certo resultado para o tipo ficar preenchido. Podem existir
crimes materiais por ação15 ou crimes formais por omissão (omissões impuras);
Quanto ao elemento resultado, não é possível confundir o mesmo com lesão de bem
jurídico pois o resultado, por vezes, não é a lesão do bem jurídico.
14 Por exemplo, violação de domicílio (190 do CP) ou coação sexual (163 do CP). 15 Por exemplo, homicídio (131 do CP) ou ofensas à integridade física (143 do CP).
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O resultado
Crimes materiais
Por ação
Omissão impura
Crimes formais
Crimes de mera atividade
Omissão pura
Além disso, existem crimes de lesão que não são crimes de resultado – por exemplo, a
violação de domicílio em que não existe qualquer resultado, mas sim lesão do bem
jurídico, vida privada.
A propósito do momento da consumação distinguem-se:
Crimes instantâneos: quando o tipo está preenchido ou concluído com a
provocação de determinado resultado ou estado. Por exemplo, o crime de
homicídio;
Crimes duradouros eu permanentes: o tipo fica preenchido com a criação de
determinado estado, mantendo-se o crime enquanto subsiste o estado criado
pelo autor. Por exemplo, o crime de condução com álcool.
Classificações de crime com base nos elementos objetivos do tipo – imputação
objetiva do resultado à conduta do agente
O sentido do problema
Quando temos um crime de resultado é essencial que impute o resultado objetivo à
conduta do agente. Tendo em conta o princípio da culpa, só é possível atribuir
responsabilidade criminal quando se consiga atribuir uma ligação objetiva do sujeito
ao facto. Isto implica que não só a ação, mas também o resultado sejam controláveis
pelo agente.
Já a imputação da ação ao agente analisa-se no pressuposto do crime ação.
Em primeiro lugar teremos de saber se aquele resultado foi causado pela ação; tem de
existir uma relação causal. Segundo Figueiredo Dias, esta é a exigência mínima do
processo de imputação do resultado à conduta do agente.
Porém, não basta provar a relação causa efeito, mas temos de conseguir atribuir o
resultado à conduta do agente sob o prisma de uma justa punição. No fundo, teremos
de determinar se tal resultado pertence ao universo de resultados que a norma quer
impedir com a proibição.
Isso implica que aquele resultado seja, em última análise, controlado ou
controlável pelo agente.
36
Os passos lógicos
Mas quando podemos imputar o resultado à conduta do agente? Teremos de ir passo
a passo:
1. A causalidade e a teoria da conditio sine qua non como exigência mínima
Em primeiro lugar, teremos de averiguar a relação causa-efeito entre ação e
resultado; a relação causal é uma relação estabelecida por uma lei causal
segundo a qual, verificados certos antecedentes, se verificam certos
consequentes. Esta lei é obtida pelo método da indução entre um antecedente
e o consequente no sentido de que, se se verifica o antecedente, verifica-se o
consequente. Mas como averiguar isto na prática?
Teremos de aplicar a teoria da conditio sine qua non ou teoria das condições
equivalentes16. De acordo com esta teoria, uma ação é causa do resultado
quando esta não pode suprimir-se mentalmente sem que desapareça o
resultado tal como se produziu. Teremos de fazer um juízo hipotético que se
traduz em eliminar mentalmente a ação e perguntamos se o resultado mesmo
assim subsiste. Se subsiste, é porque não foi causal. Se não subsiste, é porque
foi causal, havendo uma indivisibilidade da ação e do resultado17.
Por exemplo, o caso de A que dispara sobre B. B é socorrido por uma
ambulância e vem a morrer em virtude de um acidente rodoviário. Podemos,
neste caso, estabelecer uma relação causa efeito pois se eliminarmos
mentalmente a ação de A, B não teria falecido por via do acidente, mas tal não
basta para provar a imputação objetiva à conduta do agente18.
16 Esta é a teoria mais antiga para analisar a relação causa-efeito em Direito Penal. 17 Figueiredo Dias entende que esta teoria falha nos casos da causa virtual (por exemplo, A dá um tiro a
B quando este tem um AVC; neste caso, se eliminássemos a conduta do agente, o resultado subsistiria) e
casos de dupla causalidade ou causalidade alternativa. Por outro lado, casos existem em que é muito
difícil eliminar mentalmente o resultado e perceber se a ação subsiste. Vejamos o exemplo de
Figueiredo Dias: será condição sine qua non da morte das pessoas, o facto de se alimentar o gado
bovino com rações animais e com isso provocar neles a doença das vacas loucas, cuja carne será
consumida por pessoas que posteriormente contraíram uma doença mortal? 18 Teresa Beleza afirma que esta teoria é defeituosa pois, em última análise, estaríamos perante
exageros inqualificáveis: A e B são casados e geraram C; aos 18 anos, C matou D; se eliminássemos
mentalmente o facto de A e B terem casado, D não teria morrido. Assim, teremos de imputar o
resultado (morte de D) à conduta de A e B? Claro que não, pois se assim fosse, chegaríamos facilmente a
37
2. A teoria da adequação e teoria do risco
A teoria sine qua non, embora sempre necessária, não é suficiente para se
constituir em si mesma como doutrina da imputação objetiva. Assim, teremos
de imputar o resultado à conduta do agente com recurso a mais duas teorias
que ajudam a resolver esta questão: (1) a teoria da adequação e (2) teoria do
risco. Sem uma resposta afirmativa a estas três teorias (contando com a teoria
sine qua non) não poderemos imputar o resultado à conduta do agente,
segundo Figueiredo Dias. Já Bárbara Sousa Brito considera que deve apenas ser
aplicada a teoria do risco e a teoria das condições equivalentes, embora
reconheça que deveremos, em sede de caso prático, proceder a análise de
todas.
2.1 A teoria da adequação
Segundo a teoria da adequação ou teoria da causalidade adequada19, terá de
se colocar um Homem médio na conduta do agente e perguntar-se se lhe era
previsível aquele resultado e aquele processo causal concreto. Assim, nem
todas as condições são relevantes, mas apenas aquelas que, segundo as
máximas da experiência e a normalidade do acontecer, são idóneas de produzir
o resultado20.
Utiliza-se um Homem médio pois este Homem conhece as regras da
experiência que, naquele momento são conhecidas, colocando-se na posição
do agente. Caso o agente tenha conhecimentos especiais, o homem médio terá
esses conhecimentos especiais, que a generalidade das pessoas não dispunha;
fazemos então um juízo de prognose póstuma, ou seja, de previsão à
posteriori. Assim, em princípio, a atuação de terceiros que se integrem no
Adão e Eva.
Em suma, dentro da teoria das condições é não só impossível delimitar até onde é que faz sentido dizer
o que é causa de um certo resultado para o Direito Penal, como por outro lado, é difícil fundamentar
como é que se escolhe ou como se fundamenta que uma certa circunstância seja considerada como
causa e a outra não. 19 Figueiredo Dias defende que o CP (artigo 10) acolheu esta teoria, quando refere “ação adequada”. 20 Consequências imprevisíveis, anómalas ou de verificação rara são pois juridicamente irrelevantes.
38
processo causal desencadeado pelo agente excluirá a imputação, salvo se ela
aparecer como previsível e provável.
Passando aos exemplos, no caso acima estudado da ambulância, o homem
médio, colocado na posição do agente, não conseguiria prever o processo
causal, pelo que não poderíamos ter imputação objetiva.
Outro caso interessante é o caso da talidomida. Um conjunto de mulheres
grávidas que tinham certas perturbações mentais nervosas tomaram este
medicamento que era adequado para a sua doença. Só mais tarde, quando os
bebés começaram a nascer, percebeu-se que os mesmos nasciam com
malformações. A dúvida que se colocou era a de saber se se podia atribuir
essas malformações ao médico que prescreveu aquele medicamento. Assim,
para maior parte da doutrina, o médico médio, colocado na posição do médico
em causa não conseguiria prever aquele processo causal uma vez que não
haveria qualquer indicação que o medicamento trouxesse tais consequências21.
Porém, esta teoria tem as suas falhas, havendo 4 casos que a teoria da
adequação não consegue resolver satisfatoriamente. É por isso que a teoria
atual é a teoria do risco.
2.2 Teoria do risco
De acordo com a teoria do risco, o resultado pode ser imputado à conduta do
agente quando (1) o agente cria, aumenta ou não diminui um risco proibido
para o bem jurídico e (2) esse risco concretiza-se no resultado típico.
Barbara Sousa Brito considera ainda que tem de existir uma conexão entre o
risco criado e o resultado obtido.
Esta teoria consegue assim resolver os seguintes casos que a teoria da
adequação não conseguia resolver.
Casos de diminuição do risco: são casos em que o agente intervém no processo
causal para diminui o risco. Devido a essa intervenção, haverá imputação
objetiva? Vejamos.
21 De acordo com a teoria das condições aparentes, existia ação causal.
39
A, tem uma arma apontada à cabeça de B; no momento em que A dispara, C dá
um safanão no braço de A, com o objetivo de que a arma dispare para o pé de
B. Poderemos imputar objetivamente as ofensas corporais ao C?22
- A ação foi causal, nos termos da primeira teoria.
- Já o homem médio colocado na posição de C conseguia prever aquele
resultado causal.
Então iriamos imputar o resultado objetivo a C? Tal não faz sentido pois o
agente diminuiu o risco; a teoria da adequação falha nesta questão, sendo
essencial recorrer à teoria do risco.
Silva Dias considera que nestas situações estamos perante ações de
salvamento e, por isso, resolve-se logo no conceito de ação, afirmando que
esta ação não é jurídico-penalmente relevante.
Casos de criação de risco permitido ou não existe a criação de um risco
juridicamente desaprovado: são situações em que existe uma conduta
adequada a produzir um resultado só que o mesmo não deverá ser imputado
ao agente pois a conduta praticada não é proibida porque (1) o agente atuou
dentro dos limites que a lei impõe ou (2) a ação ocorre dentro do âmbito de
atividade social regulada por regras de cuidado que não são violadas. Nestes
casos, o agente pratica uma conduta socialmente normal.
Por exemplo, o sobrinho que compra um bilhete de avião para a tia na pior
companhia aérea do mundo para receber a herança e o avião efetivamente cai.
De acordo com a teoria da adequação, tal seria imputado ao agente. Já de
acordo com a teoria do risco, é permitido pois esta conduta não é proibida.
Outro exemplo é o caso de uma mulher que compra cogumelos há 10 anos na
esperança que o marido morra. Um dia compra então um cogumelo venenoso
e o marido morre. Também não existe imputação do resultado à conduta do
agente, segundo esta teoria pois, quer neste exemplo, quer no exemplo acima,
22 Outro exemplo dado por Figueiredo Dias: A empurra B, causando-lhe leves lesões a fim de que este
seja atropelado por um veículo conduzido por C. Também não existe imputação objetiva do resultado à
conduta do agente.
40
tratam-se de riscos que fazem parte da vida normal: comer um cogumelo,
podendo ser venenoso ou andar de avião, podendo o mesmo cair23.
Figueiredo Dias dá outros exemplos:
- A vai na estrada em dia de chuva. Não obstante ter todos os cuidados, perde o
controlo do seu carro devido a um inesperado lençol de água na estrada e
embate violentamente no automóvel de B que seguia em sentido contrário,
acabando B por falecer. Neste caso, Figueiredo Dias defende que o agente se
manteve dentro do risco permitido, não lhe devendo ser imputado qualquer
resultado.
- O médico A receita um medicamento ao paciente B, não havendo qualquer
razão para supor que ele era hipersensível ao medicamento. B vem a falecer 10
dias depois em virtude da toma do medicamento. Segundo Figueiredo Dias,
estamos perante um risco geral de vida, uma vez que o médico não era
obrigado a falar TODOS os exames complementares para saber se o doente era
hipersensível a qualquer componente do medicamento.
Casos de comportamento lícito alternativo: este grupo de casos faz parte das
situações em que teremos de aplicar critérios complementares à teoria do
risco. De acordo com esses critérios, deve afastar-se a imputação objetiva
quando se demostre que caso o agente tivesse atuado licitamente, mesmo
assim o resultado ter-se-ia produzido nas mesmas circunstâncias do tempo,
modo e lugar. São situações em que seria injusto punir o agente porque, na
realidade, o seu comportamento foi irrelevante para o processo causal que
conduziu ao resultado.
Vejamos o caso muito famoso dos pêlos de cabra. Um fabricante chinês de
pincéis para a barba adquiriu pêlos de cabra ao seu fornecedor para produção
dos tais pincéis. Porém, esqueceu-se de passar os pelos de cabra pelo processo
de desinfeção que eles tinham de passar. Daqui resultou que dois
23 Teresa Pizarro Beleza dá ainda outro exemplo interessante: A é dono de um monte no Alentejo e
manda B, seu empregado, ir apanhar laranjas num dia de tempestade, sabendo que a mesma era
particularmente violenta, havendo possibilidade de queda de raios. Quando vai apanhar laranjas, cai um
raio em cima de B e o mesmo vem a falecer em consequência desse acontecimento. Mais uma vez não
existe imputação objetiva do resultado (morte) à conduta do agente pois trata-se de um risco de vida
normal.
41
trabalhadores morreram por via de uma infeção. Veio a provar-se que aquela
bactéria que matou os trabalhadores não teria desaparecido porque era
totalmente desconhecida naquele momento. Aqui, não existe qualquer
imputação objetiva pois o resultado teria tido seguramente lugar. Segundo
Roxin, não podemos afirmar sequer que o comportamento do agente criou um
risco não permitido.
Outro exemplo: António, atira-se do 15º andar com objetivo de se suicidar. O
senhor Carlos está na sua casa a limpar a espingarda e dispara sem querer e
atinge António que está a cair. Nestes casos, maior parte da doutrina considera
que existe imputação objetiva pois uma coisa é morrer do tiro e outra é morrer
da queda.
Roxin indica ainda outro exemplo: um camionista ultrapassa um ciclista bêbado
e ao fazê-lo não obedece às regras de segurança que devia ter obedecido. O
ciclista, com a ultrapassagem assusta-se e vai parar à roda de trás do camião.
Provou-se em tribunal que caso o camionista tivesse obedecido às normas de
segurança, provavelmente, o resultado ter-se-ia verificado nas circunstâncias
de tempo, modo e lugar. Roxin vem dizer que só se pode aplicar o critério do
comportamento lícito alternativo quando a resposta é conclusiva. Já outra
parte da doutrina (Figueiredo Dias, por exemplo) defende que, quando se
provar que provavelmente o resultado se teria verificado, teremos de aplicar o
princípio in dúbio pro reu. Como a dúvida é de facto, poderemos aplicar este
princípio e afastar a imputação objetiva.
Outros tipos de casos: tem de aplicar o critério do âmbito da proteção da
norma. São situações em que o resultado cai fora do fim da norma de
proteção. Assim, não deve haver imputação objetiva quando o resultado
produzido não é nenhum daqueles a que a norma visou salvaguardar ou limitar
ao proibir determinado comportamento; nestes casos, o agente não criou o
risco que a norma violada queria impedir.
Imaginemos que estavam dois ciclistas a andar numa estrada à noite, um atrás
do outro, sendo que nenhum leva a luz acesa do farol. Em certa altura, aparece
um terceiro ciclista em sentido contrário e choca com o primeiro e morre. Será
que podemos imputar o resultado à conduta do segundo? Se o segundo ciclista
42
tivesse cumprido a norma de cuidado a que estava adstrito, o resultado não se
verificaria, tendo aumentado o risco. Quando à primeira teoria, encontra-se
verificada pois se eliminarmos mentalmente a conduta do agente (não ir com a
luz acesa), o resultado não se teria verificado. Quanto à teoria do risco, existe
aumento do risco proibido; existiu um resultado e o facto materializou-se no
resultado morte, embora a norma que proíba a circulação noturna sem luzes só
tenha como fim evitar acidentes que sejam causados diretamente pelo próprio
veículo e não impedir outro choque com terceiros. Assim, justifica-se a criação
deste novo critério.
O Professor Figueiredo Dias dá outro exemplo24: imaginemos um homem (A)
que resolve ultrapassar um carro perto de uma passadeira. Porém, o homem
que ele estava a ultrapassar (B), sem avisar, vira para a esquerda e o passageiro
do carro de B morre. Poderemos atribuir a morte ao homem que ultrapassou?
A norma violada não tinha como fim prevenir os perigos da manobra de A, pelo
que não lhe é imputável o resultado.
De Roxin, poderemos retirar outro exemplo. A, nadador salvador está distraído
enquanto B se está a afogar. C lança-se à água, morrendo na tentativa de
salvamento. Será que podemos responsabilizar A pela morte de C? Não, pois a
esfera de proteção da norma não abarca estes danos indiretos.
Casos especiais
A propósito da imputação objetiva surgem duas situações:
Casos de causa cumulativa: são situações em que há mais do que uma
conduta e ambas as condutas são necessárias para a produção do resultado;
por si só, uma conduta não é idónea a produzir o resultado.
Por exemplo, A deita uma dose de veneno num copo que não é suficiente para
matar C; B, sem saber do que A fez, deita uma dose de veneno no mesmo copo
que também não é suficiente para matar. Porém, as duas doses juntas já são
suficientes para causar a morte. Haverá imputação objetiva do resultado
morte? São ações causais e, de acordo com a teoria do risco existe um
aumento do risco. Porém, não há conexão entre o risco criado e o resultado
obtido.
24 Ver acs. da Relação do Porto de 25/06/97 e 09/07/2003.
43
Caso houvesse dolo, apesar de não haver imputação objetiva, poderia punir-se
por tentativa. Já se houvesse negligência, seria apenas possível punir por
ofensas à integridade física.
Porém, se os dois soubessem um do outro e haver acordo entre os dois,
existiria um caso de coautoria.
Casos de causa alternativa ou causalidade redundante: são situações em que
são colocados dois processos causais paralelos a funcionar, sendo que cada um
deles é suficiente para causar o resultado.
Por exemplo, A coloca no copo veneno suficiente para matar e, logo a seguir, B
faz o mesmo.
Nestas situações, toda a doutrina considera que os dois seriam punidos pelo
crime de homicídio pois criaram um risco proibido e esse risco concretizou-se
no resultado. Existe causalidade pois se retirássemos uma ação, as condições
de tempo, modo e lugar seriam diferentes.
Outros casos de resolução mais complicada:
Casos de crimes agravados pelo resultado: imaginemos que A dá uma bofetada
ao B; B desequilibra-se, cai com a cabeça no bico da comoda e morre. Quid
iuris?
Esta figura está prevista no artigo 18 do CP e tem como principal característica
o dolo em relação ao resultado menos grave e negligência quanto ao crime
mais grave. Neste caso, A tinha dolo de ofensas e, para se falar nesta figura,
teria de ter negligência para se aplicar o artigo 18 do CP.
A questão é a de saber se é ou não previsível que B venha a morrer. Se não for
de todo previsível, não é possível atribuir o resultado à conduta do agente.
Porém, tem de haver ainda conexão entre o risco criado e o resultado do
agente.
Casos em que a vítima tem uma constituição anormal e o agente não sabia:
imaginemos que A dá um arranhão a um hemofílico. Nestes casos, nem sequer
pela teoria da causalidade adequada poderíamos imputar objetivamente a
conduta ao agente pois o Homem médio não conseguiria prever tal solução.
Porém, se A soubesse que B era hemofílico, não haveria qualquer dúvida de
que o resultado seria imputado à conduta do agente.
44
Como resolver casos práticos?
Na análise do caso prático, teremos de começar por averiguar se existe uma ação
controlável ou controlada pelo agente; Bárbara Sousa Brito considera que deveremos
ir buscar o significado deste conceito a outras ciências.
Posteriormente teremos de ver se a ação se subsume ao crime, integrando-a no tipo. A
técnica de subsunção implica estar sempre a passar da norma para o caso concreto e
vice-versa.
Posteriormente, teremos de analisar os elementos objetivos e subjetivos do tipo.
Assim, quanto aos elementos objetivos:
Agente: quem pratica a ação, havendo determinados crimes que exigem que o
agente tenha certa qualidade (por exemplo, omissões impuras, em que só pode
ser punido por omissão quem tem especial dever de agir);
Ação típica: por exemplo, a ação de matar ou subtrair;
Objeto da ação: objeto em relação ao qual se realiza a ação (se A dispara sobre
B, será o B);
Bem jurídico;
Resultado, nos crimes que o exigem; nestes casos, teremos ainda de imputar o
resultado à conduta do agente, analisando as diversas teorias acima estudadas.
Quanto aos elementos subjetivos do tipo, teremos de determinar se existe dolo ou
negligência. Se concluirmos que não existe dolo, teremos de ir para negligência,
determinando se existe negligência consciente ou inconsciente.
Estando presente o tipo objetivo e subjetivo daquele tipo de crime, teremos de saber
se aquela ação típica é ilícita, apesar de o facto da ação ser típica já indiciar que ela é
ilícita. Porém, teremos de adotar a técnica negativa da exclusão, analisando se existem
causas de exclusão da ilicitude; caso não existam, passamos à culpa; caso existam,
termina neste momento a análise do crime. No âmbito das causas de exclusão da
ilicitude, teremos de perceber se estão presentes, quer os elementos objetivos, quer
os elementos subjetivos de cada causa.
No âmbito da culpa (elemento difícil de análise), teremos de a analisar da mesma
maneira do que a ilicitude: técnica negativa da exclusão. Assim, teremos de averiguar
se, naquele caso concreto, estão ou não presentes causas de exclusão da culpa (por
45
exemplo imputabilidade) em sentido amplo. Caso existam, termina a análise da culpa;
caso não existam, teremos de prosseguir a análise do crime.
Por último, teremos ainda de verificar a punibilidade da conduta que é uma espécie de
figura residual do crime pois acrescenta elementos extrínsecos ao facto típico ilícito
que o legislador exige para que o comportamento tenha relevância penal. Assim,
analisaremos:
As condições objetivas de punibilidade;
Causa pessoal de isenção da pena.
Casos práticos
1. A e B discutem irritamente. A certa altura, A decide por fim à discussão,
apontando uma pistola ao peito de B. No momento em que A dispara, C, que
estava ao lado de A, empurra-lhe a mão e com isso consegue que o projétil só
acerte nos intestinos de B, em vez de acertar no peito. B é transportado de
urgência para o hospital, constatando-se que só sofrera uma perfuração
traumática do intestino. Suponha, alternadamente, as seguintes subhipótese:
a) Operado de urgência, B vem, todavia, a falecer dois dias mais tarde,
em consequência de uma infeção intestinal;
C impediu que o tiro acertasse no peito e acertasse no intestino. Adotando a
posição do professor Silva Dias, que defende um conceito social de ação, a
mesma tem de ter uma consequência exterior e afetar negativamente a relação
do agente com a sociedade. Neste caso, podemos afirmar que estamos perante
uma ação de salvamento onde se pretende que o bem jurídico não seja
afetado. Assim, para Silva Dias, terminava aqui a análise da conduta de C.
Não adotando esta teoria, estávamos perante uma ação. Teremos então de
averiguar a imputação objetiva:
- A ação de C foi causal ao resultado;
- Colocando um homem médio na posição de C, haveria imputação objetiva;
- Só de acordo com a teoria do risco, teríamos uma resposta satisfatória, uma
vez que o agente diminuiu o risco produzido para o bem jurídico. Porém,
46
teremos de provar que houve efetivamente diminuição do risco, constituindo a
prova possível.
Assim, não é possível imputar o resultado à conduta do agente.
Em relação a A, existe uma ação jurídico-penalmente relevante porque é
controlável pela vontade. Por outro lado, teremos então de avaliar se estão
presentes os elementos objetivos do tipo:
- Agente (A),
- Ação típica (matar),
- Objeto da ação (B),
- Bem jurídico (vida) e
- Resultado (morte).
A partir do momento em que existe resultado, teremos então de o imputar à
conduta do agente. Mas haverá imputação objetiva?
- Se eliminarmos mentalmente a conduta de A, o resultado subsiste nas
mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar? Claro que não, logo foi causal.
- Já de acordo com a teoria da adequação, colocando um homem médio na
posição do agente, poderia prever aquele resultado (morte)? Claro que sim
pois a morte produziu-se em consequência do tiro e daí estar preenchido o
processo causal, ainda que ele depois venha a falecer por via de uma infeção.
Já se tivesse existido negligência por parte do médico, não era previsível que o
agente previsse aquele resultado causal, não havendo imputação objetiva.
- Quanto à teoria do risco, A aumentou o risco. Mas será que se concretizou no
resultado morte? Se houve negligência ou apanhou determinada bactéria, não
é possível; teremos então de punir o agente em concurso aparente (relação de
subsidiariedade) por tentativa25 e ofensa à integridade física. Caso esse
resultado se tiver concretizado por via do tiro, teremos de punir por homicídio.
b) B morre logo após ter chegado ao hospital. Todavia, na autópsia
constata-se que sofria de um cancro em estado avançado que lhe
provocaria a morte em escasso tempo;
25 A tentativa não ocorre apenas quando não se dá o resultado. Sempre que não conseguirmos imputar
o resultado à conduta do agente, aplica-se a tentativa.
47
Maior parte da doutrina considera que não tem qualquer relevância o
facto de ele ter um cancro. Em Direito Penal, a causa virtual26 não tem
relevância negativa porque não permite excluir a imputação objetiva.
Aplicando a teoria do risco é a única forma de punir o agente. Assim, é
irrelevante saber que ele irá morrer passado três semanas.
Não estamos perante um comportamento lícito alternativo; caso o
agente atuasse licitamente, ter-se-ia o resultado produzido nas mesmas
circunstâncias de tempo, modo e lugar? Claro que não.
Podemos atribuir o resultado à conduta do agente? Sim.
Quanto ao C, afastaríamos a imputação objetiva pela teoria do risco
pois ele diminuiu o risco.
c) D, esposa de B, que se encontrava no local da discussão e sofre do
coração, ao ver o desenrolar dos acontecimentos, sofre um ataque
cardíaco, vindo também a falecer.
Para uma parte da doutrina, neste caso, não existe ação; o homem que
disparou não praticou uma ação face à situação típica de homicídio da
esposa pois nunca conseguiu prever esse resultado. Neste caso, ele não
tinha a cognoscibilidade de realização do facto do típico, não havendo o
elemento subjetivo típico.
Por outro lado, para outra parte da doutrina (maioritária), existia uma
ação jurídico-penalmente revelante pois A tinha uma ação controlada
ou controlável pela vontade.
Estamos então perante um problema de imputação objetiva. Vejamos:
- De acordo com a teoria sine qua non há causalidade pois se
eliminarmos a conduta de A, o resultado morte da esposa desaparece.
- De acordo com a teoria da causalidade adequada o homem médio, em
princípio, não conseguiria prever aquele resultado. Porém, caso tivesse
conhecimento dos problemas de coração da esposa de B, já existiria
imputação segundo esta teoria.
26 A causa virtual é aquela que irá ocorrer por força de uma ação de terceiro ou de um acontecimento
natural.
48
De acordo com a teoria do risco, o agente aumentou o risco e
concretizou-o no resultado morte? Não, pois, poderíamos ir para o
âmbito da proteção da norma; a norma visa abarcar os riscos que
resultam diretamente da conduta do agente e não os que resultam
indiretamente e não são previsíveis.
Porém, se o agente tivesse praticado o crime apenas para que a esposa
de B viesse a falecer de coração, claramente que já lhe é imputável o
resultado da morte de D. Teresa Beleza afirma que nestes casos existe a
utilização de um processo causal anormal e atípico para
propositadamente produzir um resultado premeditado. O facto de a
pessoa utilizar este processo atípico, não exclui a sua responsabilidade
penal.
2. Na autoestrada Lisboa-Porto, António lançou uma pedra sobre um automóvel
conduzido por Bento. Bento, atingindo no rosto por fragmentos do vidro
para-brisas, guinou, subitamente, embatendo num automóvel conduzido por
Carlota. Em consequência dos factos descritos, Carlota foi conduzida ao
hospital onde viria a falecer por não ter sido sujeita a uma intervenção
cirúrgica. Provou-se que se a intervenção tivesse sido levada a cabo, Carlota
ter-se-ia salvo. Bento, por seu turno, sofreu ferimentos graves. Provou-se que
Bento conduzia na ocasião do acidente, com taxa de 1,1 gramas por litro de
álcool no sangue.
António, veio a confessar ter lançado a pedra, mas afirmou que nunca pensou
que ela pudesse quebrar o vidro de um automóvel e muito menos provocar
ferimentos a alguém.
a. António preencheu, com a sua conduta, algum ou alguns tipos de
crimes?
Existe uma ação jurídico penalmente relevante? Sim, pois é foi controlada
ou controlável pela vontade.
Relativamente à ação típica, teremos de ver se ela se subsume a algum tipo
legal:
- 290 e 293 em que existe uma relação de subsidiariedade expressa;
- 143 relativamente à integridade física de B;
49
- Homicídio?
b. Bento praticou alguma ação jurídico penalmente relevante?
Em relação a B, B não praticou uma ação jurídico penalmente relevante.
Estamos perante um ato automático.
Em relação ao álcool, Bento não preencheu qualquer tipo de crime pois
teria de ter 1,2 g/l de álcool no sangue.
c. A que conduta pode ser objetivamente imputada a morte de Carlota?
Segundo a teoria sine qua non, há imputação subjetiva. Já segundo a teoria
da causalidade e do risco, estaríamos dependentes de diversos fatores:
- Se o médico tivesse embriagado, não imputaríamos o resultado à conduta
de A pois interrompe-se o processo causal e o homem médio não
conseguiria prever que o médico estivesse nesse estado.
- Se a pessoa não fosse atendida a tempo no hospital porque o mesmo
estava lotado, esse risco já seria previsível para o agente, não se
interrompendo o processo causal e devendo o homem médio prever essa
situação.
Em suma, só devemos imputar resultados controláveis pelo agente; isso
implica a cognoscibilidade do processo causal.
d. A que conduta pode ser imputada objetivamente a ofensa corporal de
Bento?
Teríamos de afastar a ideia de comportamento alternativo lícito.
3. A e B são casados. Certo dia, ao chegar a casa, A constatou que B se
encontrava deitada no chão a esvair-se em sangue, presumivelmente por ter
caído e batido com a cabeça na esquina de uma mesa. A decidiu que não a
ajudaria, voltando imediatamente a sair. Pouco depois de A sair de casa,
chegou C que ligou para o posto médico da aldeia, solicitando a presença de
D, médico de serviço.
Aconteceu, porém, que este se encontrava profundamente embriagado,
ainda em consequência do bem regado almoço que acabara de saborear, não
estando sequer em condições de se suster em pé. Foi por isso solicitada a
50
presença do médico da aldeia mais próxima que, devido à distância e ao mau
estar das estradas, chegou tarde demais.
Analise, até ao momento da tipicidade, os comportamentos de A e D.
A: Temos uma ação jurídico-penalmente relevante controlada pela vontade, na
forma de omissão uma vez A não diminuiu um perigo já existente, segundo a
doutrina de Roxin e Figueiredo Dias. Mas existiria especial dever de agir?
Dentro das omissões, trata-se de uma omissão impura pois é necessário um
resultado para o tipo ficar preenchido (artigo 10 do CP). Nas omissões impuras,
nem toda a gente tem o dever de agir; porém, baseado num vínculo jurídico –
casamento – A teria o dever de agir. Isto advém de uma relação de
solidariedade natural (artigo 131, conjugado com o artigo 10/2 do CP)27.
Assim, face à ação típica, existia um agente (A), um objeto da ação (mulher),
bem jurídico (vida), resultado (morte) mas haverá imputação do resultado à
conduta do agente?
- Segundo a teoria sine qua non sim, pois se eliminássemos mentalmente a
ação, a mulher não teria morrido;
- Segundo a teoria da causalidade adequada, o homem médio colocado na
posição do agente e tendo os conhecimentos do agente, não conseguiria
prever aquele processo causal. Porém, se o agente soubesse que, por exemplo,
o médico estaria bêbado ou que costuma ter almoços bem regados, já existiria
conhecimento.
- De acordo com a teoria do risco, existe aumento do risco; porém, é preciso
que esse risco se concretize no resultado? Não, pois, há uma interrupção no
processo causal feita pelo médico que cria um novo risco que se concretizará
no resultado morte.
Em suma, uma vez que não existe imputação objetiva, A será então punido por
tentativa do crime de homicídio por omissão, pois o seu resultado não foi
imputado à conduta do agente.
D: já quanto a D, ao estar embriagado e não atender atempadamente a
senhora, não diminuiu um risco proibido, sendo que essa não diminuição do
risco se concretizou no resultado morte.
27 Segundo o critério material.
51
Classificações de crime com base nos elementos subjetivos do tipo – o dolo
Noções introdutórias
Maior parte da doutrina considera que teremos de primeiro analisar os elementos
objetivos e só depois os elementos subjetivos. Os elementos subjetivos do crime são:
Negligência;
Dolo.
A regra geral é a de que a lei penal requer o dolo; só a título excecional se pode punir
por negligência. Isto significa que, se não tivermos um tipo de crime previsto na forma
negligente, não é possível punir aquele tipo de crime a título de negligência. O
legislador terá de o punir de forma expressa28.
Por exemplo, o homicídio pode ser punido por negligência (137 do CP); já o
furto não pode ser punido por negligência pois não existe qualquer norma
nesse sentido.
Desta forma, Figueiredo Dias defende que entre o dolo e a negligência há uma
diferença de culpa.
Elementos do dolo
Há dolo quando existe conhecimento e vontade de realização do facto típico. Assim,
maior parte da doutrina considera que os elementos constitutivos do dolo são:
Elemento intelectual29 ou cognitivo que se traduz no conhecimento,
representação ou consciência da realização do facto típico. Assim, o agente
deve conhecer tudo quanto seja necessário a uma correta orientação da sua
consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à ação
intentada, para o seu caráter ilícito.
Elemento volitivo que se traduz na vontade de realizar o facto típico.
28 As penas dos crimes por negligência são (muito) mais reduzidas do que o crime praticado na forma
dolosa. Por outro lado, Figueiredo Dias afirma que apenas 1/10 dos crimes na parte especial do CP são
puníveis a título de negligência.
TERESA BELEZA: só se pode punir por negligência naqueles casos em que expressamente o CP diz que o
crime é punido sobre a forma de negligência. 29 FIGUEIREDO DIAS: Este elemento não basta pois também os crimes negligentes podem conter a
representação pelo agente de um facto que preenche um tipo de ilícito (a chamada negligência
consciente).
52
Para o professor Figueiredo Dias existe mais um elemento do dolo:
Elemento emocional que se traduz numa consciência ética que vai permitir ao
agente resolver o problema da ilicitude do seu comportamento; assim, para
afirmarmos o dolo, teremos de provar uma atitude pessoal do agente contrária
ao dever jurídico-penal.
Isto relaciona-se com o conceito especial de culpa que Figueiredo Dias
apresenta. Quando o agente quer realizar o facto típico, ele tem,
necessariamente, uma atitude pessoal contrária à ordem jurídica, sendo muito
difícil separar o elemento emocional do elemento volitivo do dolo.
Já para outra parte da doutrina tal não faz sentido pois esta atitude do agente face à
ordem jurídica é um elemento comum ao dolo e à negligência, não devendo ser
analisado ao nível do tipo, mas sim da culpa. Assim, é na culpa que temos de analisar a
atitude do agente pessoal face à ordem jurídica, sendo um elemento autónomo do
dolo e da negligência.
A culpa é um juízo de censura que se faz ao agente pelo facto de, podendo-se
motivar pelo direito, não o ter feito. Assim, este juízo de censura exige como
elemento a atitude do agente face ao Direito.
Por exemplo, no caso da dinamarquesa que veio abortar a Portugal, parece
claro que há a separação destes elementos.
53
Conhecimento Vontade DOLO
O elemento intelectual em especial
Num caso prático, teremos de provar os dois elementos do dolo. Vejamos, em mais
pormenor, o elemento intelectual, em que se exige que o agente conheça, saiba,
represente corretamente ou tenha consciência das circunstâncias de facto que
preenche um tipo de ilícito objetivo.
54
Situações de erro ao nível do elemento intelectual
Erro, em Direito Penal, traduz-se não só na discrepância entre a representação do
autor e a realidade, mas também quando existe falta de conhecimento ou ignorância
da realidade.
Mas que regime aplicar?
Teremos de excluir o dolo (artigo 16/1 do CP);
Porém, poderemos ainda punir por negligência (artigo 16/3 do CP).
Quando o artigo 16/1 CP estabelece que se “exclui o dolo”, tal não significa que o
mesmo foi eliminado, mas sim que não chegou sequer a constituir-se.
55
O agente conhece os elementos objetivos do tipo. Assim, não basta o conhecimento de meros factos, mas torna-se indispensável a apreensão do
seu significado correspondente ao tipo. Porém, se o agente conhece o conteúdo dos elementos, mas desconhece a sua consequência jurídica, trata-se de uma situação de erro que nada releva
para o dolo; não só os juristas podem cometer crimes dolosos. Por exemplo, basta que perceba o caráter "alheio" nos crimes patrimoniais (artigos 203, 204, 209, 212, etc.).
Outro exemplo: para que uma pessoa pratique um crime de violação é essencial que que tenha consciência de que está a ter relações sexuais contra a vontade da mulher.
A representação ou conhecimento do agente terá de ser atual. Por exemplo, A, médico, sabe que B, doente, é alérgico à substância X. Se a pessoa aparecer
passado 10 anos em emergência e A administra a substância X a B, ele não terá a representação atual, não existindo dolo. Para Teresa Beleza pode existir, nestes casos, homicídio negligente
(eventualmente)
A representação ou conhecimento do agente terá de ser concreta. Não basta que o agente conte com a eventualidade da verificação de um certo perigo abstrato; é essencial que ele conte com a possibilidade real do perigo inerente à conduta. Por exemplo, não
é por uma pessoa entrar no carro e pensar que corre risco de ter um acidente que existe dolo; tem de haver uma representação concreta do perigo.
Vejamos os exemplos:
1. A, caçador, vai à caça com o amigo e pensa que atrás da árvore está um
veado, mas afinal está o tal amigo. Neste caso, o agente não representou o
objeto do artigo 131 do CP, só podendo ser punido por negligência e não
por dolo. RESULTADO: exclui-se o dolo, podendo julgar-se por um crime de
homicídio negligente.
2. A quer matar B e vai para a porta da sua casa, mas quem sai da casa é C,
sendo que A dispara; não há erro sobre o objeto pois A representa matar
uma pessoa e fá-lo efetivamente, sendo os objetos tipicamente idênticos.
RESULTADO: não se exclui o dolo30.
30 Para Teresa Beleza, tal faz todo o sentido pois, tanto faz que tenha sido B, C ou D a morrer para
preencher o tipo de crime de homicídio.
56
Erro
Erro sobre o objeto
Há erro sobre o objeto e não há identidade típica dos objetos.
Exemplo 1.
Há erro sobre o objeto e há identidade típica dos objetos. Exemplo 2.
Erro sobre o processo causal
Há erro sobre o processo causal mas não há um desvio essencial entre o processo causal pensado e o processo causal realizado.
Exemplo 3.
Há erro sobre o processo causal, mas há um desvio essencial e imprevisível entre o processo causal pensado e o processo causal realizado.
Exemplo 4.
Erro sobre os elementos normativos do tipo
Elementos normativos com uma estrutura iminentemente jurídica, sendo necessário que o
sujeito conheça os critérios determinantes da sua classificação. Exemplo 5: matéria coletável
Elementos que exprimem uma valoração moral, social, sendo bastante que o agente conheça os seus pressuposos materais para a formação do dolo, não se excluindo o mesmo. Exemplo:
posição de garante nas omissões impuras.
Erro sobre normas que recaem sobre comportamentos axiologicamente neutros
Erro sobre proibições cujo conhecimento é indispensável para que o agente possa tomar
consciência sobre o caráter da conduta. Ele tem de conhecer a proibição para ter a noção do
caráter desvalioso da sua conduta. Exemplo 6.
Já se alguém pretender matar o seu pai, mas mata por engano outra
pessoa, para uma parte da doutrina não há uma verdadeira identidade
típica dos objetos e, por isso, teremos de punir por tentativa de homicídio
qualificado e pelo crime que realizou na forma homicídio negligente.
Porém, outra parte da doutrina, defende que a pessoa só deve ser punida
pelo crime de homicídio doloso simples31. RESULTADO: não se exclui o dolo.
3. A atira B da ponte do Tejo e pensa que B vai morrer devido ao embate na
água, mas, afinal, vem a falecer porque bateu com a cabeça no pilar da
ponte. Porém, o facto de ele ter batido com a cabeça no pilar é irrelevante,
sendo que A vai ser punido com crime doloso. RESULTADO: não se exclui o
dolo.
4. A atira B da ponte do Tejo e pensa que B vai morrer devido ao embate na
água, mas, afinal, vem a falecer porque um tubarão o comeu antes de
chegar à água. Nestes casos, não existe imputação objetiva, sendo que o
agente será punido por tentativa; o desvio entre o processo causal pensado
e realizado é essencial, uma vez que não é de todo previsível haver um
tubarão no Tejo.
Outro exemplo: A dispara sobre B. B vai parar ao hospital e morre por via
de um incêndio. Há interrupção do processo causal, só podendo ser punido
por tentativa. RESULTADO: não se exclui o dolo.
5. Os elementos objetivos podem classificar-se em elemento:
- Descritivo: ser imediatamente apreensível pelos sentidos. Por exemplo,
pessoa, corpo, etc.
- Normativo: não são imediatamente apreensíveis pelos sentidos e
implicam uma certa valoração para poderem ser compreendidos, isto é, são
elementos que só podem ser pensados partindo da sua compreensão
intelectual. Por exemplo, teremos de ter a ideia do que é um documento
face à ordem jurídica.
Dentro dos elementos normativos do tipo, existem elementos de (1)
estrutura eminentemente jurídica (por exemplo, matéria coletável,
obtenção indevida, etc.) ou (2) elementos que exprimem uma valoração
31 Ao nível do tipo subjetivo, existiu dolo qualificado, representando matar o pai.
57
moral ou social (por exemplo, funcionário, alheio, Governo, Estado, etc.).
Quanto aos primeiros, requer-se o máximo de conhecimento; quanto aos
segundos, não se exclui o dolo pois são facilmente apreensíveis pelos
sentidos.
Por exemplo, A, vai a uma discoteca e deixa o casaco no bengaleiro. Porém,
quando vai buscar o casaco, pensa que é o seu e vai-se embora. Pode a
pessoa ser punida por furto? Não, pois exclui-se o dolo; há um erro sobre os
elementos normativos do tipo.
6. Na próxima semana vem a Portugal um Chefe de Estado muito importante
estrangeiro e o legislador, para fazer face a isso, cria uma norma temporária
que proíbe o porte de armas brancas. António, que não vê televisão, e vai
todos os fins de semana à caça é apanhado com uma caçadeira pela polícia.
Terá um comportamento neutro se for apanhado pela polícia pois tem de
realmente conhecer a norma para se aperceber da ilicitude do seu
comportamento. Trata-se de um erro sobre normas que recaem sobre
comportamentos axiologicamente neutros; o legislador afirma que se a
pessoa não conhecer essa proibição, exclui-se o dolo (artigo 16/1 do CP) 32.
RESULTADO: exclui-se o dolo.
Já no caso da dinamarquesa que vem a Portugal e pensa que é permitido o
aborto, não se exclui o dolo por esta via pois não se trata de um
comportamento axiologicamente neutro. Não é preciso conhecer a norma
para se aperceber da valoração do seu comportamento.
Distinção entre erro e aberratio ictus ou (execução defeituosa)
No erro sobre o objeto, o resultado produz-se no objeto elegido pelo agente,
enquanto que na aberratio ictus o resultado produz-se num objeto distinto do elegido
pelo autor. Por exemplo, se A quer acertar em B, falha a pontaria e acerta em C. Aqui,
não há qualquer confusão entre objetos, mas apenas uma execução defeituosa. Já no
caso de A disparar atrás do arbusto porque pensa estar lá o veado, mas afinal está o
seu colega, estamos perante um erro sobre o objeto pois A atingiu exatamente o que
queria: o que estava atrás do arbusto.
32 Já se se trata de um erro sobre a ilicitude (que será analisado adiante), teremos de recorrer ao
exemplo da dinamarquesa que aborta em Portugal.
58
Por outro lado, imaginando esta mesma situação, mas C coloca-se à frente do
arbusto no momento em que A dispara. Neste caso, já existe aberratio ictus
pois A queria disparar para o que estava atrás do arbusto e não para C.
Para a doutrina maioritária (Figueiredo Dias), o agente deve ser punido em concurso
efetivo por tentativa do crime que visou realizar e pelo crime que realizou na forma
negligente – teoria da concretização.
Para a doutrina minoritária (Rui Pereira), sempre que há uma execução defeituosa e
existe coincidência típica entre o tipo de ilícito projetado e o tipo de ilícito consumado,
o agente deve ser punido por um só crime consumado doloso (homicídio doloso) –
teoria da equivalência33.
Em suma, na execução defeituosa o agente quer sempre acertar num determinado
objeto; mas devido a uma execução imperfeita (por exemplo, porque a vítima se
desviou), ele acerta num objeto distinto. Já no erro sobre o objeto, a pessoa
representa e acerta no objeto que representou.
Distinção entre erro e dolus generalis
No dolus generalis há duas ações, mas, tendo em conta a relação que existe entre
essas duas ações, elas devem ser valoradas como uma só. Aplica-se esta figura quando
o resultado se consuma em dois atos e o autor previu erradamente criar o resultado
apenas com a primeira ação; mas, na realidade, o resultado concretizou-se com a
segunda ação.
A dispara sobre B e atira o corpo do mesmo ao rio; vem-se a provar na autópsia
que B veio a falecer por afogamento. A pensa que conseguiu o resultado pela
primeira ação, mas apenas na segunda se deu o resultado.
Este tipo de casos, são casos em que na ação que causa o resultado (ação 2) não existe
dolo do facto, neste caso de morte.
33 Ver AC. da Relação do Porto de 20/10/2004.
59
Ação 1 (A dispara sobre B): o agente pensa ter produzido o resultado típico.
Ação 2 (A atira o corpo de B ao rio): o resultado veio efetivamente a concretizar-se.
Stratenwerth e Tereza Beleza afirmam que, se antes de praticar a primeira conduta, o
agente já tinha pensado representar a segunda, como o dolo abarca toda a situação
num momento prévio, isto é, o dolo abrange todo o processo causal que conduziu ao
resultado, o agente deverá ser punido apenas por um crime consumado a título de
dolo. Já, se antes de praticar a primeira ação, não pensou na segunda, deve ser punido
por tentativa de homicídio e por homicídio na forma negligente.
Por outro lado, para Figueiredo Dias, o que importa é determinar se o risco que se
concretiza no resultado pode ou não se reconduzir ao quadro dos riscos criados pela
primeira conduta, isto é, o que interessa é saber se, segundo as regras da experiencia,
era normal que o agente praticasse a segunda conduta. Se é uma consequência,
previsível e caracteristicamente associada à primeira conduta, devemos punir por
crime consumado. Já se assim não o for, a punição só poderá ter lugar a título de
tentativa, eventualmente em concurso com um crime negligente consumado.
No exemplo acima, podemos concluir que se trata de um risco associado;
assim, iremos punir a pessoa por homicídio doloso.
A doutrina atual e a jurisprudência tendem a não utilizar a expressão dolus generalis,
afirmando que só se deve utilizar esta expressão por tradição jurídica. As questões de
dolus generalis podem também ser resolvidas pelo desvio do processo causal,
resolvendo-se ao nível da imputação objetiva; isto é, se o desvio não for essencial,
existe crime consumado e dolo. Já se o desvio for essencial, existe tentativa uma vez
que se quebra a imputação objetiva.
Porém, o que ocorre quando o agente quer alcançar o resultado pela segunda
conduta, mas sem querer alcança logo pela primeira. Por exemplo, A quer matar B
com duas pancadas; na primeira, quer deixar a pessoa atordoada e na segunda quer
matar. Porém, mata logo na primeira. Poderá ser aplicado o mesmo raciocínio?
De acordo com a doutrina, iremos punir apenas por um crime de homicídio
doloso consumado pois as ações devem ser valoradas como uma só.
Imaginemos que A quer matar B e dá-lhe uma pancada forte. Quando vê a pessoa
inconsciente, tenta reanimá-la, pois, arrepende-se, mas, convencido que ela está
morta, deita a pessoa ao rio. Como resolver este caso?
O elemento volitivo em especial e as modalidades do dolo
60
Já sabemos que o dolo exige também uma vontade atual34 dirigida à realização do
crime. Importa agora, a propósito do elemento volitivo, estudar as modalidades do
dolo. Quais são?
Face ao artigo 14 do CP, o dolo pode revestir três formas:
Dolo direto, dolo de primeiro grau ou dolo direto intencional (artigo 14/1 do
CP) – o agente prevê e quer a realização do facto típico como fim último da sua
conduta, não interessando, por exemplo, o grau de previsão da mesma.
Exemplo: imaginando que A está a uma distância considerável do B e quer
matá-lo, basta que preveja a realidade do facto típico como possível e queira a
realização do mesmo para que exista dolo.
Também se afirma o dolo direto quando a realização do tipo não constitui fim
último da atuação do agente, mas aparece como estado intermédio necessário
da sua conduta e do seu fim último.
Exemplo: A quer assaltar um banco como fim último e apercebe-se que a única
forma que ele tem de conseguir realizar o assalto é matar o vigilante. Neste
caso, matar o vigilante trata-se de uma conduta com dolo direto. Por mais
desagradável ou lamentável que se tenha demostrado matar o segurança, o
agente dirigiu intencionalmente a sua vontade à realização do facto.
Dolo necessário, dolo de segundo grau ou dolo direto necessário (artigo 14/2
do CP) – a realização do facto típico não surge como degrau intermédio para
alcançar a finalidade última da conduta, mas como consequência necessária no
sentido de inevitável da sua conduta, se bem que lateral.
Exemplo: A quer matar B e põe uma bomba no avião. Ele prevê como
consequência necessária da sua conduta, morrerem os outros ocupantes.
Neste caso, quanto à morte de B, A tem dolo direto; quanto à morte dos outros
ocupantes, existe dolo necessário.
Exemplo: A provoca um incêndio na sua casa para obter o prémio do seguro
com a sua mulher, B, lá dentro. Embora o seu intuito imediato seja obter o
34 TERESA BELEZA: imaginemos o seguinte exemplo. A decide matar a mulher durante uma caçada,
simulando um acidente. Porém, na véspera à noite, enquanto limpava a arma, esta dispara sem ele
querer, vindo a atingir mortalmente a mulher. Neste caso trata-se somente de um homicídio negligente
pois o dolo seria apenas para o dia seguinte.
61
prémio do seguro, se A está perfeitamente seguro de que B está lá dentro e
tem a perfeita noção de que, com aquele ato, matará B, parece existir dolo.
Dolo eventual (artigo 14/3 do CP) – caracteriza-se por o agente prever a
realização do tipo como provável e possível e conforma-se com essa realização.
Existe semelhanças com a negligência consciente pois em ambos o agente
prevê a realização do facto típico como possível e provável; porém, no dolo
eventual, a pessoa conforma-se com essa realização; já na negligência
consciente, o sujeito prevê, mas não se conforma com essa realização.
Exemplo (Teresa Beleza): A provoca um incêndio em sua casa para receber o
prémio do seguro, mas não tem a certeza se está alguém dentro de casa,
embora admita essa probabilidade. Porém, quer esteja, quer não esteja, ele irá
incendiar a casa na mesma. Neste caso, a pessoa não tem como objetivo final a
morte das pessoas nem a vê como consequência necessário do seu ato, mas
admite que ela aconteça.
Dolo eventual e negligência consciente. Como distinguir?
Esta distinção é muito relevante pois:
As penas, no caso de negligência, são muito mais reduzidas que no caso de
dolo. Veja-se o exemplo do homicídio: pena de 8 a 16 anos por homicídio
doloso e pena até 3 anos em homicídio por negligência;
Os crimes podem não ser punidos sob a forma de negligência (grande maioria);
Teorias da probabilidade – estas teorias defendem que a distinção deve ser feita com
base no elemento intelectual. Por isso, no dolo eventual, o agente tem uma
representação do facto típico qualificada, não bastando o agente prever como
possível, mas é também preciso que ele preveja como provável. Já na negligência
consciente, o agente prevê a realização do facto típico como consequência possível.
Em suma, nem tudo o que é possível é provável.
Críticas: (1) esta corrente não é possível face à nossa ordem jurídica, (2) porque é
muito difícil saber o que é possível e provável no caso concreto e (3) porque apesar da
improbabilidade de realização do tipo, pode o agente querer firmemente alcançar o
resultado (A está a 500 metros de B e não pode aproximar-se mais; tendo má pontaria
sabe que é quase impossível acertar-lhe mas mesmo assim quer fazê-lo a todo o custo;
neste caso existe claramente dolo).
62
Teorias da vontade ou aceitação – de acordo com estas teorias, no dolo eventual, o
agente aprova a realização do facto típico, aceitando intimamente a realização do
facto típico ou mostrou-se indiferente quanto ao mesmo. Já na negligência consciente,
o agente repudia a verificação do resultado, esperando que o resultado não se
verifique.
Teorias emocionais – estas teorias fazem a distinção com base na atitude do agente
face à ordem jurídica; assim, no dolo eventual, haveria uma atitude de indiferença
face à nossa ordem jurídica.
Bárbara Sousa Brito não defende esta teoria porque o elemento emocional não
faz parte do dolo; este elemento só interessa ao nível da culpa.
A teoria da conformação – esta é a teoria dominante pela doutrina e aceite pela
ordem jurídica no artigo 14/3 do CP. Há dolo eventual quando o agente, ao atuar, se
conformou com a realização do tipo; por outro lado, existe negligência se o agente
confiou que o preenchimento do tipo não se iria verificar.
Mas quando saber se o agente se conformou ou não?
Frank, deparou-se com esta questão e resolveu criar uma fórmula para o
auxiliar.
Temos então a fórmula hipotética de Frank; de acordo com esta fórmula, teremos de
ficcionar que o agente previu como certa a realização do facto típico e, de seguida,
questiona-se se o agente, ainda assim, atuaria. Se sim, existe dolo eventual; se não,
existe negligencia consciente.
Esta fórmula teve de ser afastada por via do caso dos mendigos russos: havia
um grupo de criminosos que tinha como atividade estropiar crianças para que,
com a sua deficiência, elas ganhassem mais esmolas. Às vezes, algumas dessas
crianças morriam em função da perda do membro. A dúvida que se colocou foi
saber se agiram com dolo ou negligência. Se eles tivessem previsto o resultado
como certo, não teriam atuado, porque o que pretendiam não era matar, era
crianças vivas deficientes. Isto conduziria à aplicação da negligencia consciente
e não dolo eventual, o que parece extremamente injusto.
Frank, perante esta evidencia, disse que a fórmula hipotética não era válida. Criou
então a fórmula positiva de Frank. Assim, se o agente, ao atuar, previu como possível
a realização do facto típico e pensou, “aconteça o que acontecer, eu atuo”, existe dolo
63
eventual; se não, não há dolo eventual. Assim, no caso anterior, seria dolo pois eles
pensavam que “aconteça o que acontecer, eu atuo”.
Segundo Fernanda Palma35, a forma positiva de Frank pressupõe que se saiba o que o
agente pensou. Mas como provar isto?
Para Fernanda Palma, existem dois critérios para determinar o que o agente pensou:
Critério da coerência das motivações: quanto mais forte for a motivação,
maior o indício do dolo eventual;
Critério do grau de previsibilidade de lesão do bem jurídico: quando mais alto
for esse grau de probabilidade, mais haverá a probabilidade de termos dolo
eventual.
Imaginando que alguém infetado com o vírus da sida tem relações sexuais com outra
pessoa. Existe dolo ou negligência?
Se for propositado, existe dolo direto;
Figueiredo Dias recorre à ciência para afirmar que existe uma probabilidade de
1% de passar o vírus da SIDA pelo que existe negligência; porém, Fernanda
Palma defende que existe dolo eventual.
Concluindo
Em suma, e face à importância dessa questão, Figueiredo Dias defende a criação de
uma terceira figura que se denominaria temeridade e que abarcaria as situações de
dolo eventual e negligência consciente. Assim, o dolo passaria a ter apenas duas
formas, sendo que a negligencia passa a ter apenas a forma de negligência
inconsciente.
A intenção especial
Em certos tipos de crime doloso, exige-se um elemento subjetivo especial e adicional:
este elemento não se refere a elementos do tipo objetivo de ilícito, mas não deixa de
ser um elemento ligado à vontade do agente. Quando o mesmo elemento falta, o tipo
de ilícito daquela espécie de delito não se encontra verificado.
Por exemplo, no tipo subjetivo do crime de furto, para o mesmo estar preenchido,
teremos de provar a “intenção de se apropriar” que constitui um elemento subjetivo
especial (artigo 203 do CP). Já na burla, o legislador exige que o agente tenha a
35 Para melhor perceber esta matéria, ler a tese de mestrado da Professora Fernanda Palma.
64
“intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo” (artigo 217 do
CP).
Em suma, trata-se de um elemento que se adiciona ao dolo.
Classificações de crime com base nos elementos subjetivos do tipo – a negligência
Elemento subjetivo do tipo ou ação típica e ilícita?
Em Direito Penal, a outra forma que pode assumir o tipo subjetivo é a negligência,
podendo ser estudada como um elemento subjetivo do tipo ou, segundo outra parte
da doutrina, como uma ação, típica e ilícita.
Figueiredo Dias e quase toda a doutrina tratam da negligência como uma forma
especial do crime como um todo36.
Porém, Bárbara Sousa Brito não concorda com este entendimento uma vez
tratar-se de um elemento subjetivo; esta ideia foi introduzida por Jakobs.
A negligência é hoje em dia, por força do artigo 13 do CP um tipo de responsabilidade
excecional no Direito Penal. Assim, como afirmado anteriormente, só existem tipos
negligentes quando a lei expressamente se refere à possibilidade de responsabilizar
uma pessoa apenas por negligência.
Por exemplo, artigos 148, 152-B, 156, etc.
Elementos caracterizadores
Segundo Figueiredo Dias, o que caracteriza a negligência é a violação do dever de
cuidar. Porém, como crítica, é possível afirmar que podemos violar normas de cuidado
e atuar de forma dolosa: por exemplo, o médico pode matar uma pessoa, querendo,
violando normas de cuidado37.
Assim, segundo Bárbara Sousa Brito, o que permite então perceber se estamos
perante um crime doloso ou negligente é a caracterização do elemento subjetivo.
O elemento central da negligência é o elemento subjetivo do tipo.
Negligência consciente36 Segundo Figueiredo Dias, a punição por negligência é justificada do ponto de vista da dignidade penal,
sempre que estão em causa bens jurídicos e da carência da pena, sobretudo quando se trata da
contenção de fontes de perigo.37 A doutrina de Figueiredo Dias, um dos autores do CP, é um pouco estranha pois contradiz-se
claramente com o que a lei afirma.
65
Importa relembrar que esta figura é muito próxima do dolo eventual. Neste tipo de
negligência, o agente prevê o resultado, mas não se conforma com o resultado.
Negligência inconsciente
Na negligência inconsciente, o agente não prevê a realização do facto típico, MAS
PODIA ter previsto. Dito de outra forma, a realização do facto típico era cognoscível.
Porém, quando é que se pode afirmar que o agente, apesar de não ter previsto, tinha a
possibilidade de prever?
1. Bárbara Sousa Brito indica que teremos de provar que o agente teve
consciência de sinais objetivos de perigo que o podiam fazer pensar na
realização do facto típico. Por exemplo, os pais que se esquecem dos filhos
no carro, não têm consciência de sinais objetivos de perigo, havendo
necessidade de o agente ter consciência de algo que o possa levar a
representar o facto típico.
E se uma pessoa for distraída por natureza, coloca uma máquina de café a
funcionar, esquece-se da máquina ligada, e chega a tempo de apagar o
incêndio? Se na semana a seguir a pessoa faz o mesmo, em princípio terá
de ser punida por um incêndio no prédio em que morram pessoas. A pessoa
tinha a possibilidade de prever a realização do facto típico.
2. Por outro lado, é ainda exigido ao agente a possibilidade de ter a
consciência do perigo abstrato e concreto da sua conduta.
Por exemplo, uma mulher alemã tem um filho raquítico e vive numa
pequena aldeia alemã. A aldeia convence a mulher de que a forma de tratar
o filho é colocar o filho em água a ferver. Segundo Bárbara Sousa Brito, a
mulher tinha consciência dos sinais de perigo, mas não tem consciência do
perigo concreto.
Num outro exemplo, imaginemos que uma mulher deixa uma vela acesa
num quarto com crianças e fecha o quarto. Neste caso, a pessoa tem
consciência do perigo abstrato, mas não do perigo concreto da sua
conduta. Não há negligência neste caso porque a mulher nem sequer podia
prever a realização do facto típico.
Em suma a negligência inconsciente estabelece o elemento mínimo subjetivo do crime.
66
O dolo de perigo
Uma questão já antiga e que divide opiniões é a de saber se a negligência consciente
se identifica inteiramente com dolo de perigo, nos casos de perigo concreto.
O dolo da mãe que abandona a criança na floresta é um dolo de perigo; assim, temos
de provar que a mãe tinha negligência quanto ao dano e dolo necessário quanto ao
perigo. Como o perigo é a possibilidade de dano, para afirmarmos o dolo de perigo
temos de provar a relação do sujeito com o dano.
Por exemplo, se a mãe abandona a criança na floresta, representa a morte da
criança e conforma-se. Existe dolo eventual e a mãe será punida por homicídio.
Se a criança não morrer, existe tentativa de homicídio.
O crime de perigo concreto pressupõe perigo. Rui Pereira defende que se o agente
tiver dolo direto de perigo, ele terá dolo de dano; assim, se tem dolo de dano não
poderá haver crime de perigo. Se o agente tiver dolo eventual de perigo, terá dolo
eventual de dano, não podendo ir-se para o crime de perigo.
Assim, a única forma de dolo em relação ao perigo só pode ser a de necessário. O
agente tem de representar o perigo como consequência necessária da sua conduta.
Imaginemos que a mãe tem dolo direto de perigo: a mãe representa e quer a
possibilidade de dano para a vida da criança;
Em suma:
O crime de dano caracteriza-se por exigir a lesão do bem jurídico; para estar
preenchido, é necessário que exista a lesão do bem jurídico vida;
Já os crimes de perigo não exigem a lesão do bem jurídico porque o crime é
que vai ser o fundamento da punibilidade.
Quanto aos crimes de perigo, os mesmos podem ser abstratos (basta uma ação
abstratamente perigosa para o tipo ficar preenchido: por exemplo, a condução
por embriaguez). O legislador antecipou-se a qualquer lesão do bem jurídico e
puniu a conduta. Como podemos compreender, esta figura é absolutamente
anormal pois o conceito material de crime afirma que apenas é crime o que
lese bens jurídicos. Assim, o legislador só pode recorrer a estes crimes de forma
muito excecional, sob pena de criar normas inconstitucionais
Já no crime de perigo concreto, teremos de provar que houve a criação de um
perigo para o bem jurídico para estar preenchido o tipo. Porém, este perigo
67
não é dano, mas apenas a mera possibilidade. Assim, no exemplo em estudo,
teremos a exposição ao abandono é um crime de perigo concreto.
Nos crimes de perigo concreto, tal como em todos, existe tipo objetivo e
subjetivo. No âmbito subjetivo, se perigo é a possibilidade de dano, teremos
então de ter uma relação do sujeito com o dano. Mas que relação é esta?
A relação com o dano, não pode ser de dolo pois se o agente tiver dolo de
dano, será punido pelo crime de dano. Por exemplo, se a mãe abandona a
criança representando a morte e conformando-se será punida por homicídio e
não pelo crime de perigo concreto.
Assim, não podendo ser de dolo, só sobra a negligência; assim, no dolo de
perigo, teremos de ter negligência quanto à morte da criança.
Como segunda conclusão, quando a agente representa a criação de perigo
como consequência necessária da sua conduta, não pode ser nem dolo direto
de perigo nem dolo eventual de perigo. Ou seja, se a mãe representou a
possibilidade de perigo para a vida da criança e quis criar essa possibilidade de
perigo, ela teve de representar a morte e conformar-se. Assim, mais uma vez a
única forma de dolo que sobra é o dolo necessário.
Casos práticos
4. Abel, quer matar o cão de Carlos, seu vizinho, uma vez que o “bicho” lhe dá
conta das galinhas. Como vê mal ao longe, dispara sobre o próprio Carlos,
julgando tratar-se do cão. Carlos morre. Quid iuris?
Temos de saber se Abel preenche o tipo de homicídio. Existe uma ação jurídico-
penalmente relevante pois era controlada pela vontade ou pela consciência do
sujeito.
Quanto ao tipo38, temos:
- Agente (A),
- Ação típica (matar),
38 Se existir uma situação de concurso, teremos de a resolver ao nível do tipo.
68
- Objeto da ação (C),
- Bem jurídico (vida) e
- Resultado (morte).
Imputação objetiva do resultado à conduta do agente?
- Teoria sine qua non: verificada;
- Teoria da causalidade adequada: verificada;
- Teoria do risco: aumentou o risco, logo verificada.
Como todos os elementos anteriores estão preenchidos, teremos de ir para o
tipo subjetivo. Dolo ou negligência?
Trata-se de erro sobre o objeto (16/1), sem identidade típica dos elementos.
Há uma discrepância entre o que agente representou (animal que não é um
objeto do tipo do 131) e o que se verifica na realidade. Assim, exclui-se o dolo –
16/1 do CP.
Mas quanto à negligência? Poderá o agente ser punido? Sim, por via do artigo
16/3 que estabelece a possibilidade de punir por negligência. Neste caso, o
agente podia ter previsto que afinal não estava lá o cão, podendo ser punido
por negligência inconsciente.
5. Álvaro decidiu matar Bruno a golpes de enxada. De acordo com o seu plano,
dar-lhe-ia um pequeno golpe que apenas o deixaria inconsciente. De seguida,
daria um segundo golpe que o mataria em definitivo. A autópsia provou que,
ao contrário do que Álvaro planeou e representou, Bruno morreu logo por
efeito do primeiro golpe. Qual a responsabilidade criminal de Álvaro.
Iremos punir apenas por um crime de homicídio doloso consumado pois estas
ações devem ser valoradas como uma só – é uma situação inversa de dolus
generalis pois matou à primeira, pensando que só matou na segunda. Porém,
para a doutrina atual, a figura do dolus generalis é dispensável, podendo ser
utilizada apenas por uma questão de tradição jurídica; atualmente, tende-se a
ver estas situações nas situações de erro sobre o processo causal, mas em que
o desvio não é relevante. Assim, não existe consequências ao nível da
imputação objetiva e subjetiva.
6. Ana, grávida, está na praia com um grupo de amigos. A certa altura, os
amigos decidem iniciar um jogo de rugby e desafiam Ana a participar. Ela
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começa por rejeitar, invocando que é perigoso dado o seu estado de gravidez.
Mas, alguns minutos depois, sem nada dizer, começa a participar no jogo.
Posteriormente, cai e aborta. Ana pode ser punida por um crime de aborto?
Em primeiro lugar, existe uma ação jurídico penalmente relevante. Quanto aos
elementos objetivos do tipo parecem não existir problemas.
O grande problema desta questão é ao nível do tipo subjetivo; teremos de
discutir se existe dolo eventual ou negligência consciente. O que existe de
comum nestas duas questões é o facto de o agente representar a realização da
conduta típica. Só que no dolo a pessoa conforma-se e na negligência não. Mas
como saber se o agente se conformou?
Frank afirma que se o agente pensou “aconteça o que acontecer eu atuo”,
existe dolo. Claramente neste caso, Ana não pensará isso.
Posteriormente, teremos de recorrer aos critérios utlizados pela Professora
Fernanda Palma: critério das motivações (ela teve intenção de brincar, sem
qualquer motivo forte) e grau de probabilidade de lesão do bem jurídico (baixo,
pois estava na praia com amigos).
Assim, estamos perante um caso de negligência consciente; porém, com base
no artigo 13 do CP, não existe crime aborto por negligência, pelo que não
poderemos punir Ana por negligência.
7. Abel quer matar a sua prima Beatriz. Para esse efeito, envia-lhe, para esse
efeito, uma caixa com bombons envenenados. Resolva os seguintes cenários:
7.1 Carlos, carteiro, amante daquele produto, não resiste ao aroma da
encomenda e come alguns bombons, vindo mais tarde a falecer.
7.2 Beatriz, recebendo a oferta, compartilha os bombons com as suas
amigas durante o chá que todas as quartas feiras oferece em sua casa,
acabando todas elas por morrer. Quid iuris?
No caso do carteiro, existe uma aberractio ictus em que o agente atinge um
objeto distinto do que visava atingir. Assim, teríamos de punir por tentativa de
homicídio da tia e homicídio negligente do carteiro.
Porém, quanto ao carteiro, poderemos colocar o problema da imputação
objetiva; assim, quando se diz que o agente será punido em concurso, é uma
situação “em princípio”.
70
Na segunda subhipótese, o agente já poderia prever a questão. Em relação às
amigas da tia, Abel seria punido por negligência.
A comparticipação criminosaEnquadramento da matéria
Até agora estivemos a analisar o crime na perspetiva de um único agente material e
imediato que pratica a ação. Porém, existem muitas formas de participar no crime e,
sempre que isso acontece, entra uma figura fulcral na teoria do crime – a
comparticipação criminosa.
Sempre que houver uma pluralidade de agentes a realizar o facto típico, temos
de determinar qual o papel que essas pessoas desempenharam no
cometimento do crime: se assumiram a forma de autores ou se são apenas
participantes.
Imaginemos que 5 pessoas decidem assaltar um banco. Um deles é o cérebro
do grupo, o outro leva os explosivos, o outro agarra o polícia, o outro aponta a
71
arma à pessoa que está na caixa e o outro aponta uma arma às pessoas que
estão presentes. Nenhuma destas pessoas subtraiu e usou violência para essa
subtração, tal como o artigo 210 exige, sendo que todas acabaram por
contribuir um pouco para o resultado. Como punir então estas pessoas?
Em sentido amplo, esta figura abarca39:
A autoria;
A participação.
Normalmente, a figura da comparticipação é estudada no fim dos manuais como uma
forma especial de surgimento do crime ao lado da tentativa, crimes negligentes e
crimes omissivos. Porém, para Bárbara Sousa Brito e Figueiredo Dias, a forma correta
de estudo da comparticipação é ao nível da tipicidade pois um dos elementos objetivos
do crime é o agente; assim, teremos de saber qual a forma que o agente tem naquele
crime: se é agente material, mediato, instigador, cúmplice, etc.
Crimes dolosos e crimes negligentes
Em primeiro lugar, para perceber melhor esta questão, teremos de distinguir entre:
Crimes dolosos – o legislador adota um conceito restritivo de autoria.
Aplicando a teoria do domínio do facto que a doutrina dominante utilizava para
determinar quem é autor, é autor quem tem o “se” e o “como” da realização
do facto típico. No fundo, é autor quem controlar o processo causal que leva
ao resultado típico. Assim, o facto surge como obra da sua vontade e fruto de
uma contribuição para o acontecimento com determinado peso e significado
objetivo.
Crimes negligentes – é autor todo aquele que contribui causalmente para o
resultado a título de negligência – conceito unitário de autoria. Esta
contribuição implica a cognoscibilidade individual da realização do facto típico
por parte dessa pessoa.
Dentro dos crimes doloso, há quem distinga diferentes tipos de autoria, consoante o
crime doloso seja:
Comum – pode ser praticado por qualquer pessoa;
39 Segundo Figueiredo Dias e Teresa Beleza, não podemos incluir nesta área a figura do encobridor pois
trata-se de uma participação depois do facto ter sido cometido. Deve então ser tratado como um crime
autónomo.
72
Específico – só pode ser praticado por determinadas pessoas.
A distinção entre autoria e participação
Ao longo dos tempos, surgiram diversas teorias para esta questão:
A teoria formal objetiva: esta teria afirmava que só podia ser autor todo
aquele que executar o facto por si mesmo, pessoal e diretamente. Esta teoria
veio a relevar-se insuficiente por não abarcar as situações de autoria mediata.
A teoria subjetiva: a distinção entre autor e participante deve ser feita com
base no elemento subjetivo, isto é, na intenção, vontade e motivos da pessoa.
Assim, seria autor quem atuasse com animus auctoris uma vez que ele
entende, quer e vê o crime como seu e seria participante quem atuasse com
animus socii de participante agindo tendo a consciência e vontade de que está
a ajudar outra pessoa a cometer um crime alheio. Esta teoria levou a alguns
absurdos tal como um caso em que um tribunal alemão condenou como
cúmplice um espião russo que, a mando da US, matou dois conterrâneos seus
na Alemanha porque o mesmo não tinha uma vontade independente;
claramente que neste caso o agente cometeu voluntariamente o crime de
homicídio, sendo absurdo não o considerar autor.
Assim, tal como Figueiredo Dias afirma, não é por alguém se sentir autor que
uma tal qualidade lhe deve passar a caber.
Como síntese de ambas as conceções e de aplicação atual quase unânime em toda a
doutrina, desenvolveu-se a teoria do domínio do facto, em que a autoria, pressupõe
que o agente tenha o domínio do “se” e do “como” na realização do facto típico, ou
seja, que tenha nas suas mãos o comando de um certo processo. Já a participação
pressupõe que o agente preste uma certa ajuda, mas que não dependa dele que o
processo vá ou não até ao fim.
Roxin, um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento da teoria do domínio do
facto, considera que deve ser aplicado um conceito restritivo de autor aos crimes
dolosos comuns, não podendo este conceito ser tomado como universal. Sempre que
houver um crime doloso específico, para Roxin, nestes casos, não tem de haver
domínio do facto para se falar em autoria. Para estes crimes, Roxin considera que é
autor apenas quem violar o dever a que está adstrito não sendo necessário o domínio
do facto.
73
Assim, por exemplo, no crime de prevaricação, será sempre necessário um
advogado (artigo 370 do CP). Se se incluir outra pessoa na prática do crime,
essa pessoa só poderia ser o participante.
Já Figueiredo Dias não concorda e afirma que mesmo nos crimes específicos não basta
a violação do dever do titular para se falar em autoria; é necessário que haja domínio
do facto.
Por exemplo, A, titular do poder específico, utiliza B, estranho, para praticar um
crime. Neste caso, quem tem um poder específico denomina-se por intraneus e
quem não o tem será o extraneus.
O juiz pede ao irmão para proferir uma sentença: neste caso, o titular do dever
é o juiz e o irmão é o extraneus; para Roxin, isto basta para se dizer que o
titular do dever tem autoria; já Figueiredo Dias, considera que tal não é
suficiente, pois teria de dominar a vontade do irmão, tendo o domínio do facto
em relação a ele.
O regime legal
O CP atual, distingue formas de autoria e formas de participação:
74
Conclusões:
Só há participação se houver autoria.
A autoria – autoria mediata
A autoria imediata
Segundo Figueiredo Dias, nos termos do artigo 26, é autor imediato quem executa o
facto pelas suas próprias mãos, em termos de preencher na sua pessoa a totalidade
dos elementos objetivos e subjetivos do tipo, detendo, por isso, o domínio da ação.
A autoria mediata
75
Comparticipação criminosa
Autoria (26 do CP)
Imediata
O autor tem domínio do facto através do
domínio da ação; é o autor que executa a
ação pelas suas próprias mãos. "É punível como
autor quem executar o facto, por si
mesmo"
Mediata
O autor tem o domínio do facto
através do domínio da vontade; ele não executa a ação mas
domina a vontade do executante.
"É punível como autor quem executar
o facto por intermédio de
outrem"
Coautoria
O domínio do facto obtém-se através do domínio funcional do
facto; o agente, durante a execução, possui uma função
relevante para a realização típica, em
conjunto com os outros agentes.
Participação (26 e 27 do
CP)
Instigação Cumplicidade
O artigo 26 estabelece que também é punível como autor quem executar o facto por
“intermédio de outrem”. Assim, pratica-se um facto por intermédio de outrem quando
esse outrem (homem da frente) é utilizado como instrumento da vontade do chamado
autor mediato ou “homem de trás”. Mas como obter o domínio da vontade?
Para maior parte da doutrina, obtém-se das seguintes formas:
1. Por erro que exclua o dolo ou a culpa do executor;
2. Por coação que exclua a culpa do executor;
3. Por domínio da organização ou domínio da vontade no quadro de um aparelho
organizado de poder;
4. Por utilização de inimputáveis.
Antes do estudo de cada uma destas formas, tal como defende Teresa Beleza, não
existe autoria mediata quando o autor material não chega sequer a praticar uma ação
jurídico-penalmente relevante.
Por exemplo, A empurra B. B cai sobre C. Há autoria mediata por A? Não, pois,
B foi um mero instrumento, não havendo qualquer ação por parte do mesmo.
Assim, A será autor imediato e não mediato.
A hipnotiza B para B matar C; não existe qualquer ação de B.
Em suma, nestes casos, não existe autoria mediata pois a outra pessoa é utilizada
como instrumento.
Autoria mediata por erro
O autor mediato induz o autor imediato ou direto em erro ou explora um erro do autor
imediato.
Por exemplo, A diz a B que quem está atrás da árvore é o veado, quando sabe
perfeitamente que é C. Desta forma, conseguiu dominar a vontade do B.
B será punido, eventualmente por homicídio negligente. Não existe dolo pois
existe erro sobre o objeto.
A, por homicídio doloso como autor mediato.
Outro exemplo: A diz a B que dispare sobre C porque o C está com uma arma apontada
a D, filho de B. B dispara. O auto mediato vai ser punido por homicídio doloso e B será
punido por homicídio negligente.
Mais um exemplo: a dinamarquesa que vem a Portugal e pensa fazer o aborto na 13ª
semana. Vai a uma advogada e a mesma, por inveja, afirma que a dinamarquesa pode
76
fazer o aborto. Neste caso, a dinamarquesa não será punida, mas a advogada será
como autora mediata pois conseguiu o domínio da vontade da dinamarquesa.
Autoria mediata por coação
A aponta uma pistola à cabeça de B e diz: “ou disparas sobre C, ou eu dou-te um tiro”.
B dispara. Neste caso, A consegue o domínio do facto através do elemento volitivo da
decisão do autor mediato. B não será punido, por não ter culpa. Este exemplo é
parecido com o exemplo da tábua de Carnéades.
Outro exemplo: estão três alpinistas a subir na vertical. O primeiro diz ao segundo “ou
cortas a corda ao C, ou eu corto a corda aos dois”. A domina a vontade de B porque
domina o elemento volitivo da decisão.
Autoria mediata por domínio na organização ou por fungibilidade do instrumento no
âmbito de aparelhos organizados de poder
Estamos perante situações em que temos uma (1) organização estruturada
hierarquicamente, com uma forte disciplina interna, em que o (2) modo de
funcionamento dos seus elementos é quase mecânico; isto é, eles reagem às ordens
do chefe porque sabem que, caso eles não cumpram, outro praticará. Nestes casos,
maior parte da doutrina defende que (3) as suas atividades têm de se situar fora do
quadro da ordem jurídica.
Estamos perante casos, por exemplo, de chefe da máfia.
Nestes casos, para Figueiredo Dias, só haverá autoria mediata por domínio da
organização se o autor imediato estiver a atuar sobre coação ou sobre erro; já Roxin
defende que utilizaremos as primeiras formas.
Autoria mediata por utilização de inimputáveis
Pode ser-se inimputável em função:
Da idade;
De anomalia psíquica.
Nestes casos, o autor mediato tem o domínio ético-social pelo facto. Nesta linha, há
outra parte da doutrina que considera que só existe autoria mediata quando se prove
que existe também o domínio da vontade de quem sofre de anomalia psíquica por
parte do autor imediato.
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Assim, se alguém utilizar um jovem para praticar um crime e se se perceber que
o jovem tem vontade de perceber o que está a fazer, não há razão alguma para
considerar a existência de autoria mediata, para esta parte da doutrina.
(Critério da professora Conceição Valdágua)
Há autoria mediata em todos os casos em que o executor material se subordina
voluntariamente à decisão do homem de trás até ao último momento; isto é, o
homem da frente não tem uma vontade autónoma própria que faz depender o fazer
ou não fazer da vontade do homem de trás.
São casos de acordo, ajuste ou pacto criminoso no qual o agente de trás se
compromete a realizar determinada prestação e, em contrapartida, o agente
imediato obriga-se ao cometimento do crime e faz depender até ao último
momento a vontade do homem de trás.
Já Jakobs considera que só nestes casos é que existe instigação.
Autoria – a coautoria
A coautoria está presente no artigo 26 do CP e contém os seguintes elementos:
Tem de haver execução conjunta;
Tem de haver decisão conjunta.
Para Figueiredo Dias, trata-se de uma situação de domínio do facto coletivo ou
condomínio de facto. Cada coautor realizará a tarefa que lhe coube na “divisão de
trabalhos”.
Mas qual a importância de chegar a uma situação de coautoria? Imaginemos o
exemplo de Teresa Beleza. A e B combinam assaltar um banco. No dia e hora
combinados, chegam em conjunto ao banco e A retira o dinheiro do cofre enquanto B
ameaça o funcionário do banco com uma pistola. Caso não considerássemos a
existência de uma situação de coautoria, A seria punido por furto e B por crime de
ameaças ou ofensas (se se verificarem). Porém, havendo coautoria, iremos punir A e B
por um crime de roubo.
Porém, se estão A e B no banco e B decide ameaçar o funcionário do banco por este
lhe andar a tirar a namorada e A, aproveitando a situação, decide ir ao cofre retirar o
dinheiro, não existe uma situação de coautoria, uma vez que ambos serão punidos
pelo crime que cometeram.
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Decisão conjunta
No âmbito da coautoria, tem de haver sempre um acordo em sentido amplo40, sendo
que esse acordo pode ser:
Prévio – antes de se executar o facto;
Durante a execução – ação concertada que implica uma consciência recíproca
de colaborar na realização do facto.
A decisão conjunta não se basta com o mero acordo, mas sim com a existência
material desse acordo, no sentido de que cada coautor leve a cabo parte da atividade
total e as ações dos outros sejam um complemento da sua participação própria.
Seguro é que a responsabilidade dos coautores só se verifica quando estiver coberta
pela decisão conjunta. Se houver excesso na execução do facto, esse excesso, por
regra, não poderá ser imputado ao coautor. No caso de ser um excesso previsível,
poderá ser atribuído ao autor a título de negligência como autor e não como coautor.
A e B combinam dar os dois uma sova a C. B, sem dizer nada a A, leva uma pistola e
durante a sova e mata C. Como punir os agentes?
A e B são coautores no que concerne à sova;
Quando ao excesso, o mesmo não pode ser imputado a A; porém, caso ele
pudesse ter previsto a situação, será punido como autor paralelo a título de
negligência.
Nos crimes negligentes é autor todo aquele que contribui causalmente para o
resultado.
Execução conjunta
Neste caso, interessa recorrer ao artigo 26 do CP em que o legislador afirma que cada
um dos coautores tem de ter o domínio da sua parte e contributo na execução,
repartindo tarefas. Neste sentido, os elementos típicos do crime não necessitam de
estar previstos por todos os sujeitos, para que todos sejam punidos, em coautoria,
pelo mesmo crime.
Roxin acrescenta que, para além de termos de provar que cada um domina a sua parte
na execução, é necessário provar que cada um dos coautores tem a titularidade de
uma contribuição essencial na execução do facto, isto é, nos termos do plano, a
40 Pode ser expresso ou tácito.
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contribuição de cada um dos coautores tem de ser considerada indispensável, ao
ponto de poder fazer fracassar o plano com a não prestação do seu contributo.
A pessoa, ao não realizar a sua contribuição, faz com que fracasse o plano.
Outra parte da doutrina considera ainda que não basta a titularidade do plano; há
quem considere que, em concreto, esse contributo tenha que ser essencial.
A leva B ao local do crime (porta do banco) e a partir do momento em que o
deixa no local do crime vai-se embora. Neste caso, a execução do crime começa
quando o outro se vai embora.
Já na situação de A dar instruções a B pelo telemóvel. Será coautor?
Poderá ser pois não é necessário que a pessoa se encontre no lugar em que vai
dar-se a execução material.
A doutrina diverge. Há quem considere que é necessário um contacto direto e
outros que consideram que este contacto pode ser indireto. Caso não se
consiga punir como coautor, poderemos punir como cúmplice moral.
Participação
As formas de participação são:
Instigação (artigo 26 do CP);
Cumplicidade (artigo 27 do CP).
Participação – a instigação
Será o instigador autor, por via do artigo 26 que tem como epigrafe a “autoria”?
Figueiredo Dias considera que se houver determinação de outrem a praticar o
crime, o instigador deve ser uma forma de autoria porque ele pressupõe
através do domínio da decisão o domínio do facto. Para este autor, o instigador
cria no executor a decisão de atentar contra um certo bem jurídico-penal
através da comissão de um concreto ilícito típico. Assim, este entendimento é
comum à ideia da chamada responsabilidade do verdadeiro “senhor” do facto,
isto é, daquele que criou no homem da frente a decisão da realização típica.
Porém, outra parte da doutrina não concorda com este entendimento e
considera a instigação como uma forma de participação – Teresa Beleza.
O fundamento da punibilidade do instigador é ele determinar outro a praticar o crime.
80
Elementos
Os elementos da instigação são:
Determinação de outrem a executar dolosamente o crime;
Duplo dolo do instigador.
Quanto à determinação de outrem a executar dolosamente o crime, implica-se que o
instigador produza e crie no executor a decisão de realizar o facto. Isto significa que
para haver instigação não basta que se influencie a decisão do executor ou que se
sugira algo ao executor. Na instigação, o instigador faz nascer no executor a vontade
de executar o crime. Assim, a decisão de executar o crime foi produzida pelo
instigador.
Como segundo pressuposto, o executor tem dolo; apesar da decisão ter sido
provocada por parte do instigador, ele terá dolo da ação executada.
Por exemplo, A paga 5000 euros a B para matar C; quem fez nascer neste caso
a vontade de matar C foi A, na cabeça de B; porém, a partir do momento em
que a decisão surgiu na cabeça do outro, passa a ter dolo na ação instigada.
Além disso, o instigador tem de ter dolo de determinar, querendo determinar o outro
a praticar o facto; além disso, ele tem de ter dolo da ação instigada.
Problemas possíveis
1. Mas o que acontece quando A paga 5000 a B para matar C e B confunde C com D?
Neste caso, maior parte da doutrina (Roxin) entende que este erro deve valer
como uma aberractio ictus para o homem de trás.
2. A pede a B para matar C; B está atrás de uma árvore, faz pontaria para o C e acerta
em D que está ao lado. Em relação ao executor houve uma aberractio ictus e em
relação ao homem de trás também.
3. A pede a B para dar uma sova em C; B entusiasma-se e além da sova mata C. Quanto
às ofensas corporais é instigador; quanto ao homicídio, trata-se de negligência, caso
fosse previsível.
4. Importa ainda falar da instigação em cadeia em que o agente não tem contacto
direto com o executor do facto mas surge como elo de uma cadeia conducente à
determinação da prática de um facto típico ilícito.
A, amante de B, convence-o a determinar C a matar D, marido de A.
81
No caso de mea culpa (em Amarante) em que o dono de um bar de meninas (A)
quis incendiar o bar de meninas concorrente; A contratou B, que por sua vez
contratou C para provocar um incendio nesse bar. Neste caso, a porta de
incêndio não funcionou e morreram muitas pessoas. Ao dono do bar
concorrente, aplicou-se a figura de autor mediato pois a lei apenas afirma
“determinar outra pessoa à prática”.
Existe outra parte da doutrina que diz que a lei não define se direta ou indiretamente,
pelo que poderíamos aplicar ao dono do bar a figura da instigação.
Já Figueiredo Dias e João Raposo defendem que devemos partir de quem executou o
facto e perguntar o que determinou a sua atuação. Se na cadeia causal encontrarmos
elos que não tenham determinado a sua atuação, eles não serão punidos como
autores mas apenas como cúmplices.
Cumplicidade
Para haver cumplicidade tem de haver:
Contributo direto do cúmplice para facilitar ou preparar a execução; esse
contributo pode ser material, mas não pode ser um contributo material ao
ponto de ele tomar parte direta na execução ou contributo moral em que,
neste caso, não pode ser um contributo essencial ao ponto do contributo moral
ser determinante da vontade do executor.
Por exemplo, alguém empresta uma arma sabendo que a mesma vai ser
utilizada num assalto.
Tem de haver causalidade em relação ao resultado tal como se produziu:
imaginando que uma pessoa emprestou uma arma que não foi utilizada, não
existe causalidade;
Tem ainda de haver execução ou começo da execução;
Tem de haver dolo por parte do autor material/executor
Quanto aos elementos subjetivos:
Tem de existir duplo dolo por parte do cúmplice: o cúmplice tem de ter dolo de
auxílio e dolo quanto ao facto ilícito praticado.
Como resolver casos práticos? O princípio da acessoriedade limitada
Numa hipótese de comparticipação, deveremos sempre analisar em primeiro lugar o
autor material porque, face ao princípio da acessoriedade limitada, a responsabilidade
82
do participante é determinada em função da responsabilidade do autor material;
assim, só podemos punir o participante se o autor material tiver praticado o facto
típico e ilícito.
Se houver uma causa de exclusão da ilicitude, essa ilicitude estende-se ao participante.
Já a culpa, vai ser analisada individualmente.
Artigo 29 do CP.
O artigo 28 do CP
O artigo 28 aplica-se para os crimes específicos próprios e impróprios; assim, ao
contrário do princípio da acessoriedade limitada, não se aplica a todos os crimes.
Este artigo visa responder ao problema de saber se eventuais comparticipantes que
não têm a qualidade exigida no tipo podem ou não ser responsabilizados por esse tipo
de crime.
Em relação a esta questão, a professora Teresa Beleza afirma que o artigo 28 só se
aplica quando o autor material não tem essa qualidade específica. Basta que o
comparticipante tenha essa qualidade, para se estender ao autor material? O artigo 28
afirma que sim, segundo o entendimento desta doutrina.
O princípio da acessoriedade limitada aplica-se quando falamos de participação, isto é,
só se aplica às formas de participação. Já o artigo 28 aplica-se a todas as formas de
comparticipação, quer de autoria, quer de participação.
Este artigo afirma que são comunicáveis todas as qualidades ou relações especiais do
agente que servem para fundamentar ou graduar a ilicitude; já não o são as que
servem para graduar a culpa.
Por exemplo, o crime do artigo 369 só pode ser praticado por quem for
funcionário. Imaginando que o funcionário é juiz e o mesmo utiliza o irmão
gémeo para produzir a sentença. Neste caso, ele não é funcionário.
Imaginemos que o pai paga a uma pessoa para matar o filho. Como será punida
a pessoa que executa o facto? O pai será punido por homicídio qualificado e o
executor por homicídio simples. Porém, para outra parte da doutrina, o artigo
132, no que concerne ao executor, considera que passa também pela culpa.
A professora defende que os elementos estão todos ligados.
83
Assim, quando funciona o 132 nestes casos, não poderemos funcionar com o
artigo 28 do CP. A qualidade de pai não será estendida à pessoa a quem ele
pagou pois está relacionada com a culpa, sendo que a mesma é analisada
individualmente. Assim, o autor material será apenas punido por homicídio
simples.
Casos práticos
1. Abel oferece a Bernardo uma recompensa pelo assassínio do Carlos.
Bernardo, aceita a oferta de Abel lhe fornecer, para além da recompensa, a
espingarda e munições. Abel acede ao pedido e Bernardo aceita a oferta. No
dia seguinte, Bernardo aguarda Carlos à porta de casa e ao avistar Frederico,
pensa que é Carlos e dispara. Ao aperceber-se do erro, resolve esperar por
Carlos; quando este surge, dispara novamente. Determine a responsabilidade
jurídico criminal dos agentes.
Tendo em conta o princípio da acessoriedade limitada, os participantes só
serão punidos se o autor material tiver praticado um ato típico ilícito – assim,
deveremos começar a análise do crime pelo autor material.
Bernardo praticou uma ação jurídico-penalmente relevante; os elementos
objetivos do tipo estão todos presentes segundo o crime de homicídio. Já
quanto aos elementos subjetivos, existe um erro; porém, o mesmo não tem
relevância pois os objetos são tipicamente idênticos. Assim, o dolo direto não
se exclui.
Para maior parte da doutrina, aplicamos o instituto da aberractio ictus para o
homem de trás. Em princípio, Abel será punido por tentativa de homicídio
(como instigador) de Carlos e por homicídio negligente de Frederico (apenas
como autor paralelo e não como instigador).
Quanto à morte de Carlos, serão ambos punidos por homicídio doloso. Porém,
Abel apenas será punido por homicídio uma vez que existe uma relação de
concurso aparente.
Abel é instigador, sendo necessário provar que existe duplo dolo do agente e
houve execução do facto. Por outro lado, é também cúmplice material pois
contribuiu para a realização do facto, auxiliando materialmente Bento; teremos
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de provar o contributo material de Abel, a causalidade em relação ao resultado,
duplo dolo do cúmplice (dolo de auxiliar e dolo de realização do facto). Assim,
Abel é instigador e cúmplice em relação ao mesmo facto; porém, ele não pode
ser punido por ambos os crimes, sendo punido apenas como instigador pois é a
forma mais grave de realização do facto típico; conseguimos assim abarcar toda
a ilicitude do agente – subsidiariedade implícita.
2. Havia já algum tempo que Carlos não gostava de Duarte. Porém, quando ficou
a saber que este começara a namorar com a sua irmã Elsa, ficou furioso.
Contava Carlos o seu drama a Filipe, um amigo, quando este lhe disse
“conheço um tipo, o Gustavo, que já limpou o sebo a uns quantos e anda com
dificuldades económicas. Por algum dinheiro, ele faz o que tu quiseres”.
Carlos pediu então a Filipe que, em seu nome, contactasse Gustavo e lhe
oferecesse 500 euros para dar uma sova a Duarte. Este aceitou prontamente
a proposta. Mais tarde, nesta noite, esperou por Duarte à porta de uma
discoteca e, vendo sair uma pessoa de aspeto físico semelhante ao de Duarte,
mas que era Hugo, agrediu-o violentamente. Hugo foi transportado ao
hospital, onde acabou por falecer por não ter sido possível realizar
imediatamente uma transfusão de sangue, uma vez que aquele hospital não
dispunha em stock sangue do tipo do seu (que era efetivamente um tipo de
sangue muito raro).
Começando pelo autor material (Gustavo), não existe erro sobre o objeto;
como os elementos são tipicamente idênticos, não relevância este erro.
No âmbito do tipo objetivo, coloca-se a dúvida da imputação objetiva. Haverá
imputação objetivo do resultado morte do Hugo à conduta do Gustavo?
- A teoria da conduta sine qua non está verificada pois se eliminarmos a
conduta de Gustavo, o resultado morte não subsiste.
- A teoria da causalidade adequada não está verificada pois o homem médio
não conseguiria prever aquele resultado segundo aquele processo causal. O
homem médio não conseguia prever a falta de sangue por parte do hospital,
mas tudo dependia da razão da falta de sangue.
85
- A teoria do risco não está verificada pois o agente criou um risco proibido,
mas que se concretizou no resultado. O risco concretizado no resultado foi o
risco criado pelo senhor do stock.
Assim, a Gustavo apenas pode ser imputada a tentativa de homicídio e ofensas
corporais graves; porém, existe concurso aparente sob a forma de
subsidiariedade.
Porém, Gustavo foi contratado para dar uma sova a Duarte; porém, ele deu
uma sova noutra pessoa que não era supostamente a sua vítima. Existe um
erro sobre o objeto, mas não é relevante pois existe uma identidade típica
entre os objetos não se excluindo o dolo.
Quanto à responsabilidade de Carlos e Filipe, teremos de analisar a
participação criminosa. Temos a figura da instigação em cadeia pois quem
contacta Gustavo é o Filipe; mas Filipe fala com Gustavo em nome de Carlos e,
além disso, Gustavo trabalha a troco de dinheiro. O problema é que quem
contactou o Gustavo foi o Filipe. Neste sentido, segundo o artigo 26, parece
que apenas é possível punir o Filipe pois foi ele que determinou. Como resolver
esta situação?
- Para uma parte da doutrina, estão incluídas neste artigo o contacto direto ou
indireto com o autor material.
- Para outra parte da doutrina, para que se considere uma pessoa como
instigador, essa pessoa tem de contactar diretamente com o autor material.
Assim, Carlos só pode ser punido como cúmplice e não como instigador.
- Temos ainda uma terceira posição: partindo do autor material, teremos de
perceber o que foi determinante para ação do mesmo. Se foi o dinheiro,
considera-se que o instigador é quem contribui de forma determinante para o
crime.
Porém, temos de analisar a situação de excesso uma vez que o autor faz mais
do que foi pedido; poderemos atribuir esse excesso ao homem de trás?
- Poderia ser instigador, mas caso lhe fosse previsível que o executor ia exceder
os seus poderes, ele podia ser considerado não instigador da morte, mas autor
negligente do crime de homicídio. Nos crimes negligentes, é autor todo aquele
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que contribui causalmente para o resultado, pelo que ele seria autor e não
instigador.
- Neste caso, em princípio, o excesso não poderá ser atribuído porque não se
verificam os elementos da instigação.
Por fim, resta analisar o erro por parte do autor material. Terá esse erro
relevância para o homem de trás (instigador)?
- Em princípio não, pois ele pediu para bater na pessoa X e não na outra. Mas
poderemos considerar a identidade típica dos objetos? Para maior parte da
doutrina, esse erro equivale e deve ser tratado como uma aberractio ictus para
o instigador. Assim, a solução será a punição por tentativa do crime que era
para ser realizado e como autor negligente de ofensa à integridade física do
homem que realmente sofreu o dano, se lhe fosse previsível.
- Porém, outra parte da doutrina considera que, quando na aberractio ictus os
objetos são tipicamente idênticos, o agente deve ser punido por um só crime
doloso; por isso, o homem de trás será punido pelo crime de ofensa à
integridade física dolosa da pessoa que o autor material atingiu (Hugo).
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A ilicitudeO método utilizado
Não basta que uma ação configure um tipo especial de crime, uma vez que, em certos
casos, apesar de típica, uma ação pode não ser ilícita. Pode ser então permitido matar
alguém ou ofender a pessoa corporalmente.
Assim, depois da tipicidade, teremos de analisar a ilicitude de ação. Mas como fazê-lo?
A ilicitude analisa-se pela técnica negativa da exclusão. Para chegarmos à
conclusão de saber se uma conduta é ilícita ou não, teremos de averiguar se se
verifica ou não alguma causa de exclusão da ilicitude (causa de justificação).
Assim, caso de verifique alguma delas, termina a análise do crime.
O tipo essencial e indiciário
No tipo indiciário da ilicitude estão em causa os elementos positivos da ilicitude e são
necessários para dizer que o tipo está preenchido. No tipo essencial, já iremos ter em
conta os elementos que podem ou não afastar a ilicitude.
Porém, para se afirmar a ilicitude de um facto, teremos de ver se estão
preenchidos o tipo indiciário e o tipo essencial. Posteriormente, teremos de
analisar se existe alguma causa de exclusão da ilicitude.
Em suma, o juízo essencial da ilicitude só estará completo depois da análise das causas
de exclusão da ilicitude.
O artigo 31 do Código Penal
O artigo 31/2 do CP estabelece uma enumeração de causas de exclusão da ilicitude.
Mas será este elenco taxativo? Vejamos os argumentos.
A expressão “nomeadamente” pode ser interpretada como uma possibilidade
de abertura deste artigo a outras causas de exclusão da ilicitude;
Na mesma linha, a expressão “ordem jurídica considerada na sua totalidade”
remete para a utilização de outras figuras de outros ramos do Direito
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(nomeadamente no direito civil): por exemplo, a ação direta. Teresa Beleza
defende esta mesma posição.
Assim, a ação direta, caso se verifique, será uma causa de exclusão da ilicitude.
Para além disso, existem causas de exclusão da ilicitude previstas na parte
especial do CP: por exemplo, no caso do aborto, há uma parte da doutrina que
considera que quem o realizar até às X semanas, será um caso de exclusão da
ilicitude.
Temos ainda as causas de justificação supralegais como a legitima defesa
preventiva; esta causa não está prevista, mas é aceite pela doutrina pois a
razão de ser da legitima defesa está presente nesta figura. Já o estado de
necessidade defensivo, é também uma causa de justificação supralegal.
A legitima defesa preventiva não exige como pressuposto uma agressão atual,
bastando provar uma agressão futura e que aquele comportamento era a única
via que o agente tinha para se defender. Já o estado de necessidade defensivo,
não exige, ao contrário do direito de necessidade, que o interesse a
salvaguardar seja sensivelmente superior ao interessa sacrificado e não exige
que será razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse;
Podem ainda ser estabelecidas causas de exclusão da ilicitude por analogia. Tal
não viola o princípio da legalidade pois tratam-se de normas que excluem ou
diminuem a responsabilidade criminal do agente.
O regime geral das causas de exclusão da ilicitude
1. Será que, para um determinado comportamento estar justificado, é preciso, para
além dos elementos objetivos estabelecidos pela lei, que se verifiquem também
elementos subjetivos? Para excluir a ilicitude, é preciso, para além da existência da
situação justificadora, que o sujeito conheça a existência dessa situação? Por
exemplo, para atuar a figura da legitima defesa, basta que se verifique a existência de
uma agressão atual e ilícita ou é ainda necessário provar que o sujeito sabia que existia
uma atuação atual e ilícita?
A resposta varia consoante o crime seja doloso ou negligente.
2. Quais as consequências se houver um erro sobre os elementos objetivos de uma
causa de justificação? Por exemplo, A vê B, seu inimigo a aproximar-se e vê B a colocar
89
a mão no bolso e pensa que é uma pistola, mas afinal B iria retirar uma carteira. A
dispara. Quid iuris?
Para resolver estes casos, teremos de recorrer ao artigo 16/2 do CP, excluindo-
se o dolo. Trata-se de um caso de legitima defesa putativa.
A primeira questão
Durante muito tempo, o Professor Cavaleiro Ferreira defendeu que as causas de
justificação só exigiam a presença de elementos objetivos. Atualmente, maior parte da
doutrina defende que as causas de exclusão integram, para além de elementos
objetivos, o elemento subjetivo, isto é, é preciso que o sujeito conheça a situação
justificadora. Mas qual a principal razão disso?
Só é possível justificar um comportamento se conseguirmos compensar o
desvalor da ação e do resultado desse comportamento.
A ação de A de matar é composta por desvalor de ação e desvalor do resultado;
o desvalor da ação ocorre devido ao facto de ele conhecer e querer matar B; o
desvalor do resultado é a morte. Para dizer que essa ação é culposa, estamos a
fazer um juízo de censura ao agente porque ele podia ter-se motivado para o
direito, tinha liberdade para o fazer e não o fez.
Assim, para excluir a ilicitude, teremos de eliminar o desvalor da ação e o
desvalor do resultado. O desvalor do resultado elimina-se com a presença dos
elementos objetivos; já o desvalor da ação elimina-se com a presença dos
elementos subjetivos.
A dispara sobre B, mas porque o B estava com uma pistola apontada à cabeça de A.
Podemos neste caso excluir a ilicitude? Será este comportamento lícito?
DESVALOR DA AÇÃO: neste caso, A representou uma agressão por parte de B,
querendo repelir essa agressão; esta representação elimina claramente o
desvalor da ação. Na realidade, ele não quer matar, mas sim defender-se.
90
Ilicitude
Desvalor da açãoApenas se se verificar os
elementos subjetivos
Desvalor do resultado
Apenas se se verificar os
elementos objetivos
DESVALOR DO RESULTADO: por outro lado, teremos de anular o desvalor do
resultado (morte de B) com o facto de B estar com uma arma apontada a A,
verificando-se os pressupostos da legítima defesa.
Assim, a consequência da não existência do elemento subjetivo, é o facto de não se
eliminar o desvalor da ação. Será então punido por tentativa pois essa é a figura que
pune o desvalor da ação.
O mesmo ocorre por via do artigo 38/4 do CP. A propósito do consentimento do
ofendido, o legislador exige claramente esse conhecimento. Mais uma vez aqui, caso
esse consentimento não esteja justificado, teremos de punir o agente por tentativa,
com a pena aplicável à tentativa.
Este artigo pode ser aplicado analogicamente uma vez que não se aplica o
princípio da legalidade. Trata-se de uma norma penal negativa.
Assim, maior parte da doutrina considera que o artigo 38/4 é aplicável a todas
as causas de exclusão da ilicitude.
Se A dispara sobre B e mais tarde se vem a saber que B estava com uma arma
apontada a A, não é possível compensar o desvalor da ação; assim, teremos de
punir o agente por tentativa. O facto de se provar que estavam presentes os
elementos objetivos da legitima defesa, tal deve conferir um tratamento
especial.
Resumindo...
- B pratica uma agressão atual e ilícita e A sabe disso – legítima defesa;
- B pratica uma agressão atual e ilícita e A não sabe disso – tentativa, pois falha o
elemento subjetivo;
- B nada faz e A dispara – Homicídio.
Outros casos...
A vai numa estrada e, de repente, vê no meio da estrada uma caixa de papelão e pensa
que nada é e passa por cima. Depois, constata que estava lá dentro uma pessoa.
Neste caso, o tribunal puniu por homicídio negligente. Mas havia razões para o
homem constatar isto?
Porém, imagine-se que a pessoa estava com o propósito de obrigar o carro a parar, a
pessoa sair de dentro da caixa, dar um tiro ao condutor e fugir com o carro.
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O agente atuou negligentemente; nestes crimes, o desvalor da ação é muito
diminuto, sendo que não se vai exigir a presença do elemento subjetivo na
causa de justificação para compensar essa ação.
Assim, nos crimes negligentes, para excluir a ilicitude, não necessitamos do
elemento subjetivo.
A segunda questão
Chama-se a esta situação erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de
exclusão da ilicitude. Resolve-se esta questão pelo artigo 16/2 do CP e exclui-se o
DOLOOOOOOO.
Neste artigo, o legislador refere-se a um erro sobre os elementos objetivos de
uma causa de exclusão da ilicitude.
Assim, o que acontece é que há uma discrepância entre a representação do agente e o
que se passa na realidade. Porém, também há erro em Direito Penal quando há uma
ignorância total da situação.
Nestes casos, existe um elemento subjetivo das causas de exclusão da ilicitude,
representando uma agressão, atual e ilícita. Porém, não existe qualquer causa de
exclusão da mesma.
Em suma, exclui-se o dolo e o agente pode ser, eventualmente punido, por
negligência (artigo 16/3 do CP). Nestes casos, só conseguimos compensar o desvalor
da ação, permanecendo o desvalor do resultado – assim, exclui-se o dolo, podendo
punir-se a título de negligência.
A evolução do artigo 16/2 do CP
1. A teoria do dolo, defendida por Eduardo Correia, considera que faz parte do
elemento do dolo, a consciência do ilícito. Se a consciência do ilícito faz parte do dolo,
o dolo, para além de ser comporto pela representação e o querer realizar o facto
típico, também é composto pela consciência do facto ilícito.
Como a consciência faz parte do dolo, exclui-se o dolo.
Já Figueiredo Dias considera que o dolo que se exclui quando há erro sobre os
pressupostos de facto de uma causa de exclusão da ilicitude é o dolo que se analisa em
sede de culpa; isto é, como falta o elemento emocional, o agente não se motivou
contra a ordem jurídica.
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2. A teoria da culpa rigorosa considera que, como o dolo pressupõe o conhecimento e
vontade da realização do facto típico, não é possível excluir o dolo pois o agente
representou e quis a realização do facto típico; apenas podemos excluir a culpa.
3. A teoria moderada ou delimitada da culpa (doutrina dominante) afirma que este
erro está entre o erro sobre o facto típico e o erro sobre a ilicitude. Por um lado, este
erro, tal como o erro sobre o facto típico, é um erro de natureza fáctica em que há
uma representação errónea da realidade; o agente representa algo que não se verifica.
Por outro lado, é, tal como o erro sobre a ilicitude, um erro em que a vontade do
agente é conforme ao Direito; isto é, a pessoa que quer defender-se não pensa que
está a atuar contra a ordem jurídica.
4. Assim, nestas situações exclui-se o dolo pois temos uma situação incompatível com
esta figura. Como nestas situações o desvalor da ação é tão diminuto, que não é
possível ir buscar o dolo.
5. Fernanda Palma considera que, para tomar uma posição sobre o regime a aplicar ao
erro sobre os pressupostos de facto, não temos de aceitar os pressupostos das teorias
anteriores; o que importa é analisar o sentido substancial deste erro. Assim, importa
analisar a natureza deste erro; se é um erro de natureza intelectual ou um erro de
natureza moral. Para Bárbara Sousa Brito estamos perante um erro de natureza
intelectual pois há uma discrepância entre o que ele representa e o que se passa na
realidade. Já no erro moral, o agente representa corretamente a realidade; porém, o
que ele representa mal é a ordem jurídica41.
Nos erros de natureza moral, aplica-se o artigo 17 em que, caso o erro não seja
censurável, exclui-se a culpa.
A legitima defesa
O professor Cavaleiro Ferreira resolveu dividir em pressupostos e requisitos da
legítima defesa:
Pressupostos (condições sem as quais não se verifica uma causa de justificação
da ilicitude): (1) agressão, (3) atual, (3) ilícita que (4) ameace interesses
juridicamente protegidos do agente ou terceiro.
41 Por exemplo, no caso da dinamarquesa, estamos perante um erro de natureza moral.
93
Requisitos: (1) meio de defesa necessário; (2) inexistência de provocação
preordenada; (3) animus defendendi.
A legitima defesa tem como elemento subjetivo o animus defendendi.
Pressupostos – a agressão atual e ilícita
1. Uma agressão tem de ser uma ação jurídico-penalmente relevante que terá de
ameaçar interesses juridicamente protegidos do interesse ou de terceiro.
Assim, a título de exemplo não é possível legitima defesa contra o sonâmbulo.
Por outro lado, a agressão poderá dar-se sobre a forma de comportamento ativo ou
omissivo.
2. É ainda necessário que haja uma possibilidade efetiva da lesão do bem jurídico;
assim, não é possível legitima defesa se houver uma tentativa impossível que não se
pode concretizar, ou porque o objeto não existe, ou porque o meio é inidóneo.
3. Esta agressão tem ainda de ser atual, isto é, tem de estar em execução ou ser
iminente.
Por exemplo, o disparo de B que ocorre quando A se prepara para retirar a
pistola do bolso do casaco com que pretendia matar B, está justificado, pois
trata-se de uma agressão atual.
Há uma discussão na doutrina de saber se para uma agressão ser atual tem de ser um
ato de execução à luz do artigo 22/c) do CP; assim, há quem entenda que os atos de
execução têm de caber, pelo menos neste artigo e outros (como Figueiredo Dias) que
não concordam com essa ideia e exigem apenas uma expectativa.
Este requisito também significa que não é possível legitima defesa contra uma
agressão já consumada ou futura (neste caso, pode existir legitima defesa preventiva
ou mesmo o direito de necessidade).
Figueiredo Dias afirma que o término da atualidade da agressão ocorre no momento
exato em que a defesa já não é suscetível de colocar fim à agressão.
4. É ainda necessário que essa agressão seja ilícita42, ou seja, a ação jurídica
penalmente relevante não pode estar justificada. Não há legitima defesa contra
legitima defesa.
42 Figueiredo Dias: a ilicitude da agressão afere-se à luz da totalidade da ordem jurídica, não tendo de ser
especificamente penal.
94
Esta ação não tem de ser violenta para ser ilícita: por exemplo, A vê B a furtar a
carteira de C e, nesse momento, dá-lhe um safanão. Por parte de B não existe uma
agressão violenta, mas sim ilícita.
Além disso, essa ação não precisa de ser culposa ou dolosa; é possível atuar em
legitima defesa se a ação provier de um inimputável ou se for negligente.
Pressupostos – a ameaça de interesses juridicamente protegidos do agente ou
terceiro
É possível atuar em legitima defesa de um terceiro; mas pode essa atuação se dar
quando esse terceiro dispõe dos meios para se defender e não se quer defender?
A está a bater em B; B tem possibilidade de se defender, mas não quer. Pode C
intervir? Para Bárbara Sousa Brito, esta questão relaciona-se com os bens
jurídicos disponíveis e indisponíveis. Porém, quando há especial dever de agir,
admite-se sempre essa intervenção.
Por outro lado, pode a legitima defesa incidir sobre bens jurídicos sociais?
Para Bárbara Sousa Brito, tal não é um problema, nomeadamente se esses bens
atingirem bens individuais: por exemplo, A rouba um carro do Estado; B pode
claramente intervir.
Requisitos – o meio de defesa necessário
Para este requisito estar preenchido:
Não é possível recorrer à força pública; caso seja possível, o meio deixa de ser
necessário;
Tem de ser um meio eficaz ou idóneo;
Tem de ser um meio menos gravoso entre todos aqueles que o agente tiver ao
seu alcance e/ou o único possível43. Tem de haver uma proporcionalidade
entre o bem jurídico lesado e o bem jurídico protegido; isto é, tem de haver
uma proporção entre a agressão e defesa.
Por exemplo, se A tiver uma arma de fogo apontada a B, B deverá primeiro ameaçar ou
atirar para o ar para verificar se o A se demove daquela ação. Posteriormente, poderá
disparar, mas apenas acertando em partes não vitais do sujeito (por exemplo, pernas).
43 Porém, isto é muito difícil de concluir no caso concreto, pelo que temos de fazer um juízo de prognose
póstuma; teremos de colocar um homem médio na posição do agente, com todos os conhecimentos
que o agente tem (nomeadamente o tempo que ele tem para pensar no assunto.
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Só quanto todos os procedimentos anteriores se mostrarem preenchidos é que B pode
então disparar para a cabeça ou para o tronco de A.
Requisito – inexistência de provocação preordenada
Se houver uma agressão que foi dirigida com objetivo de obter do provocado uma
reação agressiva, por forma a conseguir colocar o provocador na situação de
defendente, não poderá haver legitima defesa.
Por exemplo, A ofende B, fazendo com que B dê um murro a A. Neste caso, se
A ferir B, não poderá ser aplicado o instituto da legítima defesa.
Elemento subjetivo – animus defendendi
É preciso provar que o agente tinha conhecimento da agressão atual e ilícita e, além
disso, tinha vontade de repelir essa agressão. Este elemento subjetivo não é
incompatível com uma motivação negativa por parte do agente que atua em legítima
defesa.
Limites da legitima defesa
Assim, para além de se provar que o meio era o necessário, é essencial demostrar que
há proporcionalidade entre a agressão e a defesa. Por exemplo:
B, jovem, vai todos os dias furtar maças ao pomar de um vizinho, A
(paraplégico). A já fez de tudo para impedir o rapaz de furtar as maças: chamou
os vizinhos, falou com os pais, chamou a polícia, comprou um cão, etc. Certo
dia, para impedir B de furtar as maças, A conclui que a única solução é disparar
B.
Mas imaginemos que B quer furar um olho a A. Poderá A dar um tiro a B?
Parece que neste caso não é admissível legitima defesa pois não existe
proporcionalidade entre os bens jurídicos. O princípio que justifica a legitima defesa é
a proteção de bens jurídicos, havendo necessidade de encontrar limites ético-sociais.
Tendo em conta o sistema de valorações da ordem jurídica em geral, há que haver
uma proporcionalidade entre o bem jurídico lesado e o bem jurídico ameaçado.
Figueiredo Dias, afirma que a legitima defesa tem como princípio fundamentador, o tal
direito de defesa que o agente deve ter face a uma agressão ilícita. Esse direito é um
direito subjetivo como outro qualquer; assim, como todos eles, está limitado pela
figura do abuso de direito.
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Já a professora Fernanda Palma entende que basta recorrer ao fundamento da
legítima defesa que, para ela, é a dignidade da pessoa humana, ou seja, a
insuportabilidade da lesão do bem tendo em conta a dignidade do agente. A
proporcionalidade exige-se quando a lesão não é insuportável.
Por outro lado, imaginemos que alguém vê outro a furtar o seu carro. A única hipótese
que ela tem de evitar o furto é disparar. Quid iuris?
Não se justifica a legitima defesa pois os bens jurídicos são muito diferentes
(vida e património).
Direito de necessidade (artigo 34)
Pressupostos:
Tem de existir um (1) perigo (2) atual e (3) real que (4) ameace interesses
juridicamente protegidos do agente ou de terceiro
Requisitos:
O facto praticado ser o meio adequado para afastar o perigo;
A sensível superioridade do interesse a salvaguardar face ao interesse lesado;
A razoabilidade da imposição do sacrifício;
A não provocação voluntária pelo agente de uma situação de perigo.
A existência de um perigo atual e real
1. Na legítima defesa, a causa do perigo tem de ser uma ação humana que se traduza
numa ação jurídico penalmente relevante. No direito de necessidade, a causa de um
perigo tanto pode ser um comportamento humano que não se traduza numa ação
jurídico penalmente relevante, como pode ser ataques de animais ou acontecimentos
naturais.
2. O perigo tem de ser atual e encontrar-se muito próximo da lesão, não podendo
haver erro sobre os pressupostos de facto do estado de necessidade;
3. Têm de se verificar os elementos reais para se poder atuar em direito de
necessidade; se não for real, o agente está em erro sobre os pressupostos de facto de
uma causa de exclusão da ilicitude.
A adequação do meio
O legislador utiliza a expressão “meio adequado”. Este meio tem de ser:
97
Necessário, sendo o menos gravoso para afastar o perigo entre os disponíveis.
Assim, terá de responder de forma socialmente aceitável à situação.
Exemplo: A roubou o valor de 4 euros num supermercado. O STJ afirmou que
este homem atuou em estado de necessidade pois não tinha outra forma de se
alimentar a não ser esta.
Outro exemplo: determinada pessoa precisa de um medicamento para se
salvar. Ele pretendeu obter aquele medicamento através dos meios legais (SS e
Sistema de Saúde) e não conseguiu. Se for a uma farmácia e furtar o
medicamento, poderemos aplicar o Estado de Necessidade? A professora
considera que sim.
Se assim for, poderemos, por outro lado, retirar a legitima defesa ao dono da
farmácia.
A sensível superioridade do interesse a salvaguardar face ao interesse lesado
Para Bárbara Sousa Brito, teremos de analisar os fatores essenciais para considerar o
interesse superior, recorrendo à hierarquia dos bens jurídicos em confronto. Para isso,
Figueiredo Dias defende que devemos em primeiro lugar analisar a medida da pena e,
dessa forma, perceber qual o bem jurídico que prevalece. Para além disso, devemos
ainda atender:
À intensidade de lesão do bem jurídico;
Ao grau dos perigos que ameaçam os interesses em jogo;
Ao respeito pela eminente autonomia e dignidade da pessoa humana.
Exemplo: A, é assaltado no metro e roubam-lhe a carteira que continha lá dentro o seu
ordenado. A tenta perseguir o assaltante e empurra B, milionário, partindo-lhe os
óculos. Os óculos têm o valor do ordenado de A. Pode haver crime de dano? Não, há
aqui direito de necessidade, pois o interesse de A prevalece (é mais importante o
ordenado de A do que os óculos de B).
Um dos fatores a ter em conta é também a proximidade ou grau do perigo. No caso
da ambulância que vai em emergência e conduz de forma perigosa, ela coloca em
causa a vida e integridade física das pessoas que estão na estrada. Comparando os
bens jurídicos, podemos chegar à conclusão de que eles têm o mesmo valor. Porém,
teremos de analisar a proximidade do perigo. Como o perigo para a pessoa que está
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na ambulância é muito mais próximo, poderá a ambulância estar em excesso de
velocidade.
Porém, Figueiredo Dias defende que já não é assim quando a ambulância
apenas transporta um sujeito com uma pena partida.
Imaginando que alguém mata o cão do vizinho para salvar umas flores. Neste caso,
mesmo que fosse umas flores muito raras, esta ação não é lícita.
Ainda a propósito disto, coloca-se a questão da fábula do homem gordo, relacionado
com o princípio da igualdade do valor vida. Imaginemos que um homem gordo está
numa caverna e, a única forma de sair da caverna é por um buraco, sendo que o
homem gordo é o primeiro a meter-se no buraco. A dúvida é: pode fazer explodir-se o
homem gordo?
A razão de ser deste princípio é garantir que as posições mais fracas não são
absorvidas pelas posições mais fortes.
Neste caso, há uma parte da doutrina que considera que nem se pode aplicar a
legitima defesa nem o Estado de necessidade. Porém, pode aplicar-se uma
figura do estado de necessidade defensivo que se trata de uma causa de
exclusão da ilicitude supralegal. Para quem não queira aplicar esta figura,
podemos chegar à culpa e excluir pela figura do estado de necessidade
desculpante.
Em suma, matando o Homem gordo, nunca poderíamos punir o agente.
A razoabilidade da imposição do sacrifício
Imaginemos que há uma situação de emergência num hospital e é necessário um
determinado tipo de sangue. Só A é que tem esse sangue e é preciso o seu sangue para
salvar a vida de B, que precisa do sangue para sobreviver. Mas A recusa-se a dar
sangue porque tem medo de agulhas. Será aceitável que o médico tire sangue de A
contra a sua vontade?
Teremos de nos questionar até onde deve de ir a solidariedade das pessoas. Assim,
tem de ser razoável imputar o sacrifício, não podendo existir qualquer violação da
autonomia pessoal do sujeito. Já se ele fosse obrigado a doar um rim, já existe
claramente violação da sua autonomia pessoal.
A não provocação voluntária pelo agente de uma situação de perigo
99
Maior parte da doutrina entende que quando a situação de perigo for dolosamente44
criada pelo próprio para o colocar numa situação de perigo e dessa forma ele poder
atuar ao abrigo do direito de necessidade, neste caso não se pode aplicar esta figura.
Porém, se ela criar a situação de perigo negligentemente, já poderá ser aplicada a
figura do estado de necessidade.
Conflito de deveres
Pressupostos: tem de existem uma situação de conflito no cumprimento de deveres
jurídicos ou de ordens legítimas de ação, de natureza idêntica.
Cumprimento de um dever de valor igual ou superior àquele que não cumpre
Exemplo: dois doentes precisam de ser ligados à máquina sob pena de morrerem.
Havendo apenas uma máquina, o médico tem de escolher um. Estamos perante um
caso em que há um conflito de deveres em que com o cumprimento de um não se
pode cumprir o outro. Para aplicar uma causa de exclusão de ilicitude, o dever
sacrificado tem de ser de valor inferior ou igual àquele que é salvaguardado . Mesmo
perante deveres iguais, o agente deve sempre cumprir um deles, sob pena de a sua
atuação ser ilícita.
No exemplo acima, estando já uma pessoa ligada à máquina e chega outra que precisa
de ser ligada. Se o médico desligar a pessoa que está ligada à máquina e ligar a nova
pessoa, não pode ser aplicada esta figura.
O legislador valora de forma mais grave a ação. Por isso, o dever de não
desligar é superior ao dever de liga. Em suma, isto só acontece se ele não ligar a
máquina.
Elemento subjetivo
Este elemento subjetivo traduz-se no conhecimento.
Se o médico não ligar a máquina, não comete qualquer ato ilícito pelo que a
mulher do senhor não pode atuar em legitima defesa por parte do médico.
Consentimento do ofendido
Esta figura pode surgir com três formas:
44 Neste caso, Figueiredo Dias utiliza a expressão “intencionalmente”.
100
Como elemento positivo do tipo em que é preciso haver consentimento para o
tipo estar preenchido.
Como elemento negativo do tipo em que a sua existência levar ao não
preenchimento do tipo. Considera-se que isso acontece quando o bem jurídico
em causa só tem valor quando associado à sua livre disposição: por exemplo,
crime de intromissão em casa alheia em que, se a pessoa der consentimento, o
tipo não está preenchido.
Assim, o consentimento impede o próprio tipo de estar preenchido.
Como causa de exclusão de ilicitude quando o bem jurídico tem um significado
valioso por si só, independentemente da posição do seu titular face a esse bem.
Há uma parte da doutrina (por exemplo, Silva Dias e Conceição Valdágua) que
afirma que o bem jurídico só tem valor quando associado à sua livre disposição.
Por isso, o consentimento do ofendido atua sempre como causa de exclusão da
tipicidade. Porém, Figueiredo Dias entende que há bens jurídicos (por exemplo,
propriedade e integridade física) que só têm valor se associados à sua livre
disposição; mas existem outros bens jurídicos que têm valor objetivamente,
isto é, independentemente da posição do seu titular face ao bem jurídico.
Assim, no caso dos bens jurídicos que só têm valor quando se vêm associados à
sua livre disposição, o consentimento do artigo 38 atua como causa de exclusão
da tipicidade. Porém, nos bens jurídicos com valor por si só, o consentimento
do lesado atua como causa de exclusão da ilicitude.
Por exemplo, se alguém consentir outrem em entrar em sua casa, não estamos
perante uma ação típica. Assim, havendo consentimento, o tipo nem sequer está
preenchido.
Os pressupostos são:
Tem de existir bens jurídicos livremente disponíveis;
Idade superior a 16 anos;
Discernimento necessário de quem consente;
Não ofensa aos bons costumes pelo facto consentido (por exemplo, uma
pessoa de 18 anos consente que outra pessoa lhe corte os braços; aqui releva o
artigo 149/2 do CP);
Quanto aos requisitos:
101
Consentimento expresso por qualquer meio que traduza uma vontade séria,
livre e esclarecida. Aqui releva o consentimento presumido que se aplica,
quando no momento em que o agente atua, era de considerar que caso a
vítima tivesse conhecimento do facto, daria o seu consentimento. Por exemplo,
A entra de urgência no hospital e, para lhe salvar a vida, teremos de lhe cortar
a perna. Claramente que aqui presume-se o consentimento pois, em princípio,
a pessoa queria continuar a viver.
Já nos casos, em que por questões religiosas, a pessoa não quer levar
transfusões sanguíneas, não se presume o consentimento.
Elemento subjetivo.
Casos prático
1. A, de regresso a casa, caminhando pela rua, ouve proferir graves insultos.
Logo supondo serem efetuados por B, que se encontrava uns metros à frente,
imediatamente atira a este uma pedra, atingindo, porém, C, que saia de um
café próximo, causando-lhe ligeiras escoriações. C era o verdadeiro autor dos
insultos, mas dirigia-os a D, com quem estava envolvido numa zaragata de
café. Aprecie a responsabilidade jurídico-criminal de A.
Ação jurídico-penalmente relevante controlada pela vontade. Elementos
objetivos preenchidos.
Quanto ao dolo, existe uma execução defeituosa (aberratio ictus), uma vez que
A queria acertar em B e acertou em C. Para maior parte da doutrina, nestes
casos, iremos punir por concurso efetivo de tentativa de ofensas corporais de B
(artigos 143 + 22) e o crime realizado na forma negligente (artigo 148). Porém,
outra parte da doutrina afirma que quando os objetos são tipicamente
idênticos, poderemos punir A por crime de ofensas à integridade física de C na
forma dolosa.
Quanto à ilicitude da tentativa de B, há um erro sobre os pressupostos de facto
pois A representou uma agressão atual e ilícita. Consequência: exclui-se o dolo.
Como não existem tentativas negligentes, termina a análise do crime.
Isto apenas será assim se se demostrar que o meio era o adequado.
102
Quanto a C, existe um crime negligente. A estaria a atuar em legitima defesa
alheia de D, uma vez que C nada disse. Aplicaríamos o artigo 32 referente a
defesa de terceiro.
2. António decidiu levar os dois irmãos mais novos B e C a uma praia deserta.
Quando olhou para o mar, estavam ambos a pedir ajuda. António, que não
podia salvar os dois, decidiu ajudar Bruno. Celso morreu afogado. Mais tarde,
pressionado, Bruno acabou confessar que não necessitava de ajuda, tendo
decidido simular que se estava a afogar porque odiava Carlos. Determine a
responsabilidade António e Bruno.
Responsabilidade Penal de A:
Sempre que temos um crime de resultado provocado por omissão (impura)
temos que aplicar o artigo 10/2 do CP, de acordo com o qual só pode ser
responsável quem tem especial dever de agir. Neste caso, A tinha ou não
especial dever de agir?
- Segundo o critério formal a fonte é a lei. Segundo o critério material afirma-se
que A tem o dever de vigiar a fonte de perigo que pode derivar de uma relação
de proximidade.
Então, como havia especial dever de agir, o tipo em causa é o tipo de
homicídio por omissão.
Temos então:
- Agente: A - Autor material.
- Ação típica: Não salvar
- Objeto da ação: C
- Bem jurídico: Vida
- Resultado: Morte de C.
Quanto à imputação objetiva do resultado morte à ação típica do A:
Conditio sine qua non: omitindo a omissão o resultado não subsiste nas
mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar.
Adequação: um homem médio colocado na posição do A conseguia prever a
morte de C e segundo aquele processo casual.
103
Risco: o agente criou um risco não permitido e há uma conexão entre o risco
criado “não salvar” e o resultado produzido “morte de C”.
Em suma, o tipo objetivo está preenchido, então passamos para o tipo
subjetivo: há dolo nos termos do artigo 14/2 ou 14/3 do CP.
Quanto à ilicitude, se fosse verdade que ambos estivessem mesmo a precisar
de ajuda, o A não atuava ilicitamente, uma vez que atuava ao abrigo do artigo
36 - conflito de deveres.
MAS, ao contrário do que o A pensava, o B, não estava aflito. Representou que
estava aflito, mas não estava. Portanto A achava que estava em conflito de
deveres, mas não estava. Verifica-se um erro.
Erro sobre as circunstâncias de facto: aplica-se o artigo 16/2 do CP e exclui-se
o dolo. Neste caso exclui-se o dolo e pode o agente ser punido por homicídio
negligente se fosse possível perceber que o B estava a fingir.
Porém, neste caso, muito dificilmente se punia por negligência, uma vez que o
agente não sabia que ele estaria a fingir.
Responsabilidade Penal de B:
Será que podia ser punido como autor mediado pelo crime de homicídio de
omissão pelo A? Sim porque uma das formas, diz o art.26º é a utilização de
outra pessoa como instrumento, induzindo-o em erro. Utiliza A como
instrumento da prática do crime. Sendo assim o B era autor mediato por erro.
Além de mediato é imediato. Também tem especial dever de agir, porque era
irmão de C, tal como B. Há um concurso aparente entre autoria mediata e
imediata. E vai ser punido por autoria imediata porque é a forma mais perfeita
da realização do crime e vai ser punido por crime por omissão.
104
A culpaA culpa é um novo elemento adicionado ao tipo de ilícito. Independentemente do que
é a culpa materialmente, importa saber que mesma se traduz num juízo de censura
dirigido ao agente pela prática do facto, ao contrário da ilicitude, que consiste num
juízo de desvalor que recai sobre o comportamento em si.
Assim, na ilicitude o juízo de desvalor recai sobre o comportamento do agente
e na culpa o juízo é de censura e dirige-se ao agente.
Para Bárbara Sousa Brito, a culpa traduz-se num juízo de censura pelo facto de, tendo
o agente podido se determinar pelo direito, não o fez. O que se analisa na culpa é a
possibilidade que o agente tem de se determinar numa norma de dever; isto é
diferente da possibilidade de adotar uma ação alternativa.
A palavra censura está relacionada com moral, mas é uma moral normativa,
estabelecida pelo Direito.
Em determinadas situações, apesar de o agente se poder determinar pelo
Direito, mesmo assim não lhe era exigível que o fizesse, por razões aceites pelo
mesmo.
Assim, a culpa também envolve uma avaliação moral/jurídica da atitude do agente
face ao direito.
Há outra parte da doutrina, nomeadamente Figueiredo Dias que defende que, o que
se avalia na culpa é a atitude interna juridicamente desaprovada por parte do agente.
Isto é, na culpa fazemos um juízo de censura ao agente, pelo facto de o agente ter de
105
responder pelas qualidades pessoais juridicamente censuráveis, que se exprimem no
ilícito típico que ele praticou. Assim, não interessa tanto o real psicológico ou o
concreto poder de o agente se motivar pelo direito, mas sim o facto de o agente ter ou
não de responder pelas qualidades pessoais manifestadas aquando da prática do facto.
Se forem censuráveis há culpa; se não forem não há.
Bárbara Sousa Brito não concorda com esta visão. Esta diferente conceção de
Figueiredo Dias vem do facto de ele não aceitar que há livre-arbítrio.
Porém, os estudos de Libet não negam o livre-arbítrio. Como há livre-arbítrio,
podemos dizer que essa qualidade existe no agente.
Já Roxin defende um conceito de culpa social, que para a Professora Bárbara Sousa
Brito é inconcebível.
Não devemos fugir da culpa em concreto. A culpa está sempre relacionada com
a culpa em concreto que o agente tem sendo um juízo de censura, que está
ligado à moral; mas essa moral não pode ser arbitrária; tem de ser normativa.
Isto não implica transformar o conceito de culpa em culpa social.
Teresa Beleza afirma que age com culpa quem tem consciência da ilicitude do seu
comportamento e tem liberdade para se motivar consoante esse conhecimento da
ilicitude.
Esquema de análise da culpa
Tal como a ilicitude, a culpa deve ser analisada pela técnica negativa da exclusão, isto
é, teremos de averiguar se, no caso concreto, se verifica alguma causa de exclusão da
culpa em sentido amplo. Em caso afirmativo, exclui-se a culpa.
106
Porém, há quem não analise a culpa desta forma, começando por averiguar em
primeiro lugar se estão presentes os chamados elementos da culpa:
O agente ter capacidade de culpa, ou seja, o agente ser imputável.
O agente ter consciência da ilicitude do seu ato.
Só depois iremos analisar as causas de exclusão da culpa em sentido estrito.
A inimputabilidade (artigos 19 e 20)
Temos dois tipos de imputabilidade:
1. Em razão da idade, face ao artigo 19 do CP, só a partir dos 16 é que se é imputável e
suscetível de sofrer um juízo de culpa. Assim, existe uma presunção legal absoluta de
que no dia antes dos 16 anos a pessoa não é responsável pelos seus atos e, no dia
seguinte, passa a ser.
De qualquer forma, há que ter em atenção que existe um regime especial para
os jovens entre os 16 e os 21 anos, que está regulado no DL 401/82 de 23 de
setembro.
Entre os 12 e os 16 anos, se os menores praticarem um facto qualificado como
crime, aplicam-se os regimes da Lei Tutelar Educativa e do regime de Proteção
das Crianças e dos Jovens em Perigo.
107
Caus
as d
e ex
clus
ão d
a cu
lpa
Em sentido amplo
Inimputabilidade
Em razão da idade (19 do CP)
Em razão de anomalia psíquica (20 do CP)
Erro não censurável sobre a iliciitude (17/1 do CP)
Em sentido estrito
Estado de necessidade desculpante
Excesso de defesa devido a medo, susto ou perturbação não censuráveis
Obediência indevida desculpante
Outras causas de exclusão da culpa "típicas" em sentido estrito que resultem da ordem jurídica, nomeadamente da parte especial
do CP
2. Também, em razão de anomalia psíquica, o agente pode ser inimputável. Para isso,
o agente tem de sofrer de qualquer transtorno ao nível psíquico e que pode ser
congénito ou adquirido:
Em primeiro lugar, coloca-se a questão das psicoses, que consistem num
defeito corporal ou orgânico que pode ser exógeno ou endógeno: exógeno,
quando provocado por fatores externos como intoxicações, por exemplo;
endógeno, quando provocado por fatores internos, como por exemplo, a
esquizofrenia.
Oligofrenia que são casos de fraqueza intelectual congénita ou não, como é o
caso da idiotia, em que o individuo não atinge o desenvolvimento mental de
uma criança de 6 anos ou da imbecilidade, que é próprio de quem não atinge o
desenvolvimento ligado à puberdade.
Perturbações da personalidade ou desvios do comportamento social, que não
tenham fundamento corporal ou orgânico; aqui cabem todas as psicopatias.
No momento da prática do facto, por força da anomalia psíquica, o agente não tinha
sequer capacidade de valorar o facto que estava a praticar ou, apesar de ter
capacidade de valoração, não tinha capacidade volitiva, ou seja, não tinha capacidade
de se motivar pelo direito.
O psicopata em série tem capacidade de distinguir o bem do mal, mas não tem
a capacidade de se motivar por essa valoração.
Quanto à anomalia psíquica, teremos de distinguir:
Casos em que o agente provoca a sua anomalia psíquica, sem qualquer
intenção. Alguém toma uma droga que sabe que lhe irá causar perturbações,
mas toma sem qualquer intenção. Neste caso, ele não vai ser punido pelo ato
que praticou.
Maior parte doutrina considera que o agente vai ser punido pelo artigo 295 do
CP; trata-se de uma ação livre na causa.
Casos em que o agente provoca uma situação de anomalia psíquica, mas com
intenção de praticar o facto. Como o agente se colocou naquela posição com
intenção de, continuará a ser imputável (artigo 20/4 do CP).
Maior parte da doutrina entende que, nestes casos, há que haver dolo direto
ou necessário quanto ao facto que praticou.
108
Erro sobre a ilicitude
Quando o agente estiver em erro sobre a ilicitude, há a possibilidade de excluir a
culpa, uma vez que a culpa exige que o agente tenha consciência da ilicitude do seu
ato. Mas quando se exclui a culpa por esta causa? Temos de distinguir dois tipos de
erros:
Erro direto;
Erro indireto.
O erro direto, tal como o nome indica, ocorre quando o erro recai sobre proibições
cujo conhecimento é dispensável à tomada da consciência da ilicitude do ato, isto é,
são proibições que já transportam consigo uma carga valorativa.
Estas proibições têm já uma carga desvalorativa forte. Já as proibições do artigo
16/1 do CP (última parte) recaem sobre comportamentos axiologicamente
neutros, isto é, que não têm qualquer desvalor, havendo necessidade de existir
uma norma que os puna para seres desvaliosos. Por exemplo, o DL sobre a
proibição do uso e porte de armas.
Por exemplo, não é necessário conhecer a norma que proíbe o homicídio para que o
mesmo seja desvalioso. Assim, teremos de aplicar o artigo 17. Tal como afirma
Fernanda Palma, este erro choca com as valorações da ordem jurídica, sendo moral. O
que é essencial é que exista a consciência de que algo é proibido.
A consequência do artigo 16/1 é a exclusão do dolo. Já a consequência do erro sobre
as proibições do artigo 17 é:
Mas como saber se o erro é censurável?
Critério da evitabilidade.
Critério da retitude da consciência errónea.
109
Erro
CensurávelNão se exclui a culpa
Não censurável
Exclui-se a culpa
Critério da evitabilidade
Coloca-se um homem médio na posição do agente e questiona-se se ele podia
ter evitado o erro.
No exemplo da Dinamarquesa e do aborto, se a mesma consultou um
advogado e ele afirmou que tal era possível, o erro não era censurável. Caso
não tenha feito nada, esse erro já é censurável, pois podia ter evitado esse
efeito.
Critério retitude da consciência errónea
De acordo com este critério de Figueiredo Dias, o que importa é averiguar se o agente
ao atuar se pautou por motivos que são permitidos pela ordem jurídica, apesar de se
ter esquecido de outros que a ordem jurídica também considera relevante.
Por exemplo, A pede a B, amigo sueco deste, para o matar. Poderemos punir B
pelo homicídio? B pensa que a ordem jurídica portuguesa é igual à dele,
devendo a resposta depender do critério utilizado.
O que interessa é saber se a motivação por detrás é boa: B, ao ver o amigo em
sofrimento, tem pena desta e mata-o.
Há erro indireto sobre a ilicitude quando o agente está em erro sobre a existência de
uma causa de justificação e sobre os limites da mesma. O que acontece é que o agente
que existe uma causa de exclusão da ilicitude, mas afinal não existe.
Isto é diferente do erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de
exclusão da ilicitude; trata-se de um erro fáctico e intelectual. Já no erro
indireto, o agente tem uma ideia errada da nossa ordem jurídica porque pensa
que existe uma causa de exclusão da ilicitude, quando ela não existe.
Por exemplo: A pensa que em Portugal é possível fazer o aborto quando o feto sofre
de uma anomalia até à 18ª semana. Trata-se de um erro indireto sobre a ilicitude.
Causas de exclusão da culpa em sentido estrito
Para além da imputabilidade e do erro sobre a ilicitude, teremos ainda de verificar se
existe alguma causa de exclusão da ilicitude em sentido estrito.
110
Por exemplo, a tábua de Carnéades. Se a tábua só aguentar com uma pessoa, não é
razoável exigir ao agente que se mate para salvar o outro. O direito Penal não exige
que as pessoas sejam heróis.
Estado de necessidade desculpante
Para aplicar o estado de necessidade desculpante do artigo 35 do CP, teremos de
verificar os requisitos:
Exista um perigo atual;
Que esse perigo coloque em causa um número limitado de bens jurídicos
presentes no artigo 35. Se for, por exemplo, o património, tal já não vale;
Não seja razoável, face às circunstâncias do caso, exigir do agente, que adote
outro tipo de comportamento;
Que o agente conheça a situação de perigo.
Assim, nos casos de doação forçada de sangue, o médico que tira o sangue da pessoa à
força pode atuar sobre um estado de necessidade desculpante (quando não se consiga
excluir a sua ilicitude).
Excesso de defesa devido a medo, susto ou perturbação não censurável (artigo 33/2
do CP)
O excesso pode ser intensivo ou extensivo. Intensivo quando a pessoa utiliza meios
superiores ao necessário para a defesa ou não há proporcionalidade entre a agressão e
a defesa. Extensivo quando alguém se defende de uma agressão que já deixou de ser
agressão atual.
Os estados emocionais por detrás do excesso, têm de ser asténicos, ou seja, têm de
resultar de uma tensão emocional inconsciente (medo ou susto). Por exemplo, o ódio
ou a vingança não constituem excesso de defesa, pois são estados esténicos que não
resultam de uma tensão emocional inconsciente.
Em suma, se for um estado valorado positivamente pela ordem jurídica, é aceite como
excesso de defesa.
Obediência indevida desculpante (artigo 37)
Ocorre uma causa de exclusão da culpa quando alguém cumpre uma ordem sem saber
que ela conduz à prática de um crime e, além disso, não era evidente que essa ordem
conduzisse à prática de um crime.
111
Por exemplo, o funcionário que falsifica um documento sem saber. Neste caso
o funcionário não será punido pois há uma causa de exclusão da culpa.
(Erro sobre os pressupostos de facto de exclusão da culpa)
Exemplo: na tábua de Carnéades, se se vier a provar que a tábua aguentava sobre os
dois, aplica-se o artigo 16/2 do CP; neste caso, exclui-se o dolo. E a culpa?
Esta solução está completamente errada, mas terá de ser aplicada. Faria
sentido que o legislador dissesse que se teria de excluir a culpa e não apenas o
dolo.
Casos práticos
1. A, encontrava-se certa noite, numa conhecida discoteca de Lisboa, a
comemorar com os amigos o seu 20 aniversário, quando reparou que B, seu
inimigo de estimação, acabara de entrar na discoteca. A, comentou com C,
um dos seus amigos, que, se continuasse a beber, poderiam acontecer
consequências imprevisíveis. Decidiu, contudo, continuar a beber, uma vez
que era o seu aniversário.
Duas horas e muito álcool mais tarde, acabou por se envolver numa briga
com B, da qualquer resultou um traumatismo craniano. Determine a
responsabilidade jurídico criminal de A.
Será que existe negligência, quando o agente prevê que pode acontecer
qualquer coisa e não se conforma? Sim, poderá existir negligência na
aceitação, o que neste caso não se verifica, segundo a Professora, pois a pessoa
não teve a possibilidade de prever a realização do facto.
Porém, esta pessoa colocou-se numa situação de inimputabilidade com o
propósito de atacar B; neste caso, maior parte da doutrina considera que existe
dolo direito ou dolo necessário.
Face ao artigo 20/4 não é possível excluir a culpa. Porém, se a pessoa não se
coloca de propósito nesta situação, não é possível considerar a pessoa como
capaz de culpa; pode, antes, ser punida pelo artigo 295.
2. No preciso momento em que A se preparava para realizar uma curva mais
apertada, entra no carro que conduzia, uma abelha. A, num gesto instintivo,
112
tira as mãos do volante, acabando por embater em B, motociclista, que
circulava em sentido contrário. Assustado, A decidiu fugir sem prestar auxílio
a B. C e D, dois policias que circulavam alguns metros atrás de A, tendo visto o
acidente e a fuga, seguem em perseguição de A, não prestando, também eles,
qualquer auxílio a B. C, fê-lo, porque julgou que, dada a violência do embate,
B já estaria morto, o que não era naquele momento verdade. D, porque
julgou que o principal dever de um polícia é prosseguir o criminoso e não
salvar a vítima. B, acabou por morrer algum tempo depois. Determine a
responsabilidade jurídico criminal de A, C e D.
Responsabilidade jurídico criminal de A:
1ª conduta: ter tirado mãos do volante por ter entrado abelha no carro. Sendo
um ato automático, não se trata de uma ação jurídico penalmente relevante
pois não havia possibilidade de controlo nem de prever o facto típico. A
possibilidade de controlar é o mínimo que o DP exige para uma ação ser
jurídico penalmente relevante e advém da possibilidade de o agente a prever.
2ª conduta: fugiu sem prestar auxílio a B. Trata-se de um crime de homicídio
por omissão (omissão impura) porque A tinha o dever de vigiar o perigo que
criou (fonte de especial dever de agir, ingerência). Quanto ao tipo objetivo:
- Agente tem especial dever de agir;
- Objeto: B;
-Bem jurídico: vida;
- Resultado: morte de B;
- Imputação objetiva: segundo teoria sine qua non, se suprirmos a omissão de
A, o resultado não subsiste no mesmo tempo, modo e lugar; segundo a teoria
da adequação, A não poderia prever o resultado segundo aquele processo
causal (que passavam polícias e não ajudavam B); segundo a teoria do risco, o
agente criou um risco ao ir-se embora e esse risco, apesar de não ser
diminuído, não foi o risco criado pelo A que se concretizou no resultado de
morte pois entretanto aconteceu um novo risco criado pelos polícias. A
omissão impura por parte dos polícias vai interromper o risco causado pelo A e
o resultado morte (interrupção do processo causal). Então, não podemos
imputar o resultado a A, mas podemos puni-lo por tentativa de homicídio.
113
Quanto ao tipo subjetivo da tentativa, tem de haver dolo, pois não é possível
haver tentativas negligente. A vê B a precisar de auxílio e foge. Há elemento
intelectual e volitivo. A tem a possibilidade de prever a morte e conforma-se –
dolo eventual.
Responsabilidade criminal dos polícias:
Homicídio por omissão pois não auxiliam uma pessoa que está em perigo.
Quando é o polícia que não auxilia, há uma omissão impura pois existe sempre
especial dever de agir (artigo 10 do CP). Não há coautoria pois não existe
decisão conjunta.
1º polícia: não fez nada porque achou que estava morto. Artigo 16/1 do CP –
erro sobre o objeto pois representou um objeto que não existe. Representação
de uma pessoa morta e ela estava viva. Consequência: exclui o dolo. Não há
dolo de homicídio. A única hipótese é punir por homicídio por omissão
negligente.
2º Polícia: não há erro porque não acha que o senhor está morto. Há elemento
volitivo (dolo eventual ou necessário – só falamos nas teorias se houver dúvida
entre dolo eventual e negligencia consciente), conforma-se com a morte
porque o que quer é perseguir o criminoso. Quanto à ilicitude, teremos de
verificar se ocorre ou não alguma causa de exclusão da ilicitude. Não havia
conflito de deveres porque não era um dever igual ou superior. A vida era mais
importante. Quanto à culpa, teremos também de verificar se há ou não alguma
causa de exclusão da culpa. Trata-se de um erro moral porque não representa
corretamente a ordem jurídica. Ele julga que o dever do polícia é perseguir o
criminoso e não salvar a vítima. Está em erro sobre a ilicitude. Art.17º/1 E 2.
Teremos de recorrer ao critério da evitabilidade: o homem médio na posição
do agente podia ou não ter evitado o erro? Claro que sim. O polícia tem que
saber que é mais importante salvar as pessoas.
Critério de FD – retitude da consciência errónea. O agente ao atuar em erro
pautou-se ou não por motivos que a ordem jurídica defende? Não se pode
defender esta conclusão. Sendo censurável, não se exclui a culpa e o agente
será punido por homicídio por omissão doloso.
114
3. A, B e C decidiram aventurar-se numa descida pelos rápidos de um perigoso
rio na zona norte do país. A certa altura, A foi projetado para fora do bote em
que se faziam transportar. Embateu com a cabeça numa pedra e ficou a boiar
inanimado. Quando B se preparava para se lançar à água para o ajudar, C,
que verdadeiramente nunca gostava de A demoveu-o dessa ideia, dizendo
que A andava à muito a traí-lo com a sua namorada, o que bem sabia não ser
verdade. B acreditou e nada fez, tendo A morrido afogado. Determine a
responsabilidade criminal de B e C
Quanto a B, podia ser punido por homicídio simples por omissão. Tinha o
especial dever de agir pois tinha a relação de comunidade de perigos (maior
parte da doutrina entende que dá origem a um especial dever de agir). Assim,
aplicam-se os artigos 131 e 10/2 do CP. O facto de ele achar que o amigo o
enganava, não tinha qualquer relevância. Dolo direto.
Quanto a C, é instigador do crime de homicídio por omissão porque determina
B a não salvar A, tendo duplo dolo. Por outro lado, tem também o especial
dever de agir devido à comunidade de perigos, sendo neste caso autor
imediato.
Assim, como temos um conflito entre instigador vs. autor imediato, existe um
concurso aparente, sendo apenas punido por autoria imediata por homicídio
por omissão que é a forma mais perfeita de praticar o crime.
Punibilidade Considerações gerais
Depois de chegarmos à conclusão de que existe um facto típico ilícito e culposo,
normalmente o facto também é punível.
Mas, pode acontecer que, no caso em concreto, exista uma condição de punibilidade
em sentido amplo que terá de se verificar para que o facto seja punível. Por vezes, o
legislador exige certas condições de punibilidade e temos de verificar se elas existem.
115
Por detrás da punibilidade está a ideia de dignidade penal; porém, existem casos em
que o facto concreto fica aquém do limiar mínimo da dignidade penal.
Roxin afirmava que era muito importante estudar a punibilidade pois colocam-
se em causa as ideias preventivas dos fins das penas, nomeadamente a ideia
de prevenção geral e especial.
Já Figueiredo Dias afirma que só pode ser crime o comportamento que se
revele digno de punição.
Condições da punibilidade em sentido amplo
Condições objetivas de punibilidade45: em determinados tipos de crime, para além de
ter de haver um facto tipo ilícito e culposo, o legislador exige que se verifiquem certas
circunstâncias extrínsecas para que o facto possa ser punível. Essas circunstâncias nada
têm que ver com o tipo de ilícito ou de culpa.
Por exemplo, na tentativa é necessário que a pena aplicável ao crime
consumado seja superior a 3 anos, para a mesma ser punida. Esta é uma
circunstância que o legislador resolveu exigir para que a tentativa tenha
dignidade penal e por isso, uma condição objetiva da punibilidade é que ao
crime consumado seja superior a 3 anos
Por exemplo, para o 29546, o legislador exige como condição objetiva da
punibilidade que a pessoa pratique o crime nesse estado: “e nesse estado
praticar um facto ilícito típico”.
Se a pessoa apenas se embriagar com dolo ou negligência, apesar da sua
conduta já ser ilícita, não é suficiente para existir punibilidade.
Causas pessoais de isenção da pena/levantamento da culpa: condições que ocorrem
após a prática do facto e que impedem a sua punibilidade; são pessoais porque só se
aplicam apenas àquela pessoa.
45 Teresa Beleza realça que estamos perante condições exteriores à ideia de ação, tipicidade, ilicitude e
culpa. 46 Outros exemplos poderão ser dados:
Artigo 151/1, quando da participação em rixa não resultou morte ou ofensas à integridade
física graves de pessoas;
Artigo 135, quando o suicídio não se verificou.
116
Desistência voluntária: por exemplo, artigo 24 do CP em que, se a pessoa
apenas praticou uma tentativa e antes do crime estar consumado desiste e
essa desistência for voluntária (podia prosseguir e não o fez), o facto praticado
não será punido. O legislador dá relevância a um facto posterior e vai
determinar que o agente não vai ser punido. Já existe um facto praticado
porque houve uma tentativa.
Exemplo: alguém mete uma bomba na casa de outra pessoa, mas depois vai lá
tirá-la.
Exemplo: agente tenta matar alguém, mas, entretanto, arrepende-se e leva-a
ao hospital, neste caso, a pessoa não vai ser punida pela tentativa de
homicídio, mas vai ser punida pelo crime de ofensas à integridade física.
Nestes casos, para Figueiredo Dias, o facto praticado não exige punição do
ponto de vista da prevenção geral ou especial.
Princípio da insignificância: apesar do tipo e ilícito estarem preenchidos, tendo
em conta que há uma lesão insignificante face aos fins das penas (prevenção
geral e especial) do bem jurídico, aquele facto não é merecedor da pena.
Exemplo: caso do pai que se esquece da criança o carro, não faz sentido à luz
das finalidades das penas, punir este pai.
Verificada a punibilidade, estão confirmados todos os pressupostos para haver
punição. Mas não significa que haja punição:
Terão de existir condições de procedibilidade, em que se estabelece a exigência
de um processo penal conforme à lei. Por exemplo, se não houver notícia do
crime e abertura do inquérito, não se verificam as condições de
procedibilidade.
Há institutos da despensa de pena (artigo 74 do CP) que têm que ver com o
regime da consequência da pena e não com os elementos constitutivos do
crime.
Por exemplo, tendo em conta as condições do delinquente, há possibilidade de
haver dispensa da pena.
117
Resolução de casos práticosAção
Se não se colocar nenhum problema, não é necessário explicar que o agente praticou
uma ação jurídico-penalmente relevante.
Ação livre da causa surge a propósito da culpa. Quando alguém é inimputável, exclui-
se a culpa. Porém, quando se provar que ele se colocou naquela situação com o
propósito de praticar o facto típico e ilícito, não se exclui a culpa, por via do artigo 20/4
do CP.
Quando o agente decide embriagar-se, é aí que existe uma ação livre na causa,
uma vez que o momento para definir se existe ou não ação antecipa-se.
118
Tipicidade
A tipicidade é o segundo elemento do crime. Contém elementos objetivos e subjetivos.
Dentro dos elementos objetivos, relativamente ao autor, teremos de distinguir se se
trata de autoria mediata, coautoria, instigação ou cumplicidade.
Temos ainda a ação típica, em que se deve analisar se existe uma ação ou omissão, o
bem jurídico, o objeto da ação e a imputação objetiva. Neste último caso, quando não
existem problemas, não vale a pena abordar todas as teorias.
Temos ainda os elementos subjetivos do tipo: dolo ou negligência.
Ao nível do dolo, teremos de analisar:
Elemento intelectual, em que poderão existir problemas de erro (sobre o
objeto
Quando há uma execução defeituosa, devemos identificar logo de início esta figura e
avaliar posteriormente os diferentes tipos de crime.
Dolo de perigo – dolo que só interessa perante um crime de perigo concreto. Perigo
trate-se de uma possibilidade de lesão do bem; desta forma, temos de perceber qual a
relação que o agente tem com o dano.
O crime de exposição ao abandono é um exemplo paradigmático de um crime de
perigo concreto. Neste crime, apenas temos de provar que a pessoa criou um perigo
para a vida ou integridade física de outrem; a pessoa não tem de lesar qualquer bem
jurídico, bastando criar um perigo.
Se assim o é, há negligência consciente quanto ao dano e dolo quanto ao perigo.
Rui Pereira considera que este dolo só pode ser necessário.
Crimes de instigação: como punir o instigador?
Há o princípio da acessoriedade limitada, valendo para a instigação e
cumplicidade. O instigador só pode ser punido pelo facto típico e ilícito que o
instigado praticar. Assim, deveremos sempre começar a analise do crime pelo
autor material.
Erro sobre os elementos normativos?
A distinção entre elementos descritivos e normativos é uma outra, a par da
distinção entre elementos objetivos e elementos subjetivos.
119
Os elementos normativos pressupõem uma valoração. Exemplo: A trás o casaco
que não é dele. Ele não representou o caráter alheio do casaco.
Ilicitude
Teremos de averiguar se está presente ou não algum caso de exclusão da ilicitude.
Legais: artigo 30
Supralegais: estado de necessidade defensivo e legitima defesa preventiva.
Nos crimes negligentes apenas é necessário verificar os elementos objetivos. No caso
dos crimes dolosos terão de se verificar os elementos objetivos e subjetivos.
Culpa
Analisam-se as causas de exclusão da culpa, tal como na ilicitude.
Punibilidade
Trata-se de uma categoria residual. Teremos de avaliar se se verifica alguma condição
de punibilidade. Isto relaciona-se com a dignidade penal do comportamento, tendo
isto mais relevo ao nível da tentativa:
Artigo 23/2 do CP;
Uma causa especial de exclusão da pena:
É a desistência voluntária de um crime – artigo 24 do CP.
1. Xavier apostou 100 euros com Zacarias em como este não seria capaz de
percorrer 5 kms de estrada em sentido contrário. Zacarias aceitou a aposta e
a meio do percurso embateu no carro de Célia, causando-lhe a morte. Deve
Zacarias ser punido por homicídio doloso ou negligente?
A grande dúvida desta hipótese é a de saber se existe dolo eventual ou
negligência consciente de Zacarias. Será que o agente se conformou com o
resultado morte?
Claramente que o agente representou o resultado morte. A fórmula positiva
de Frank afirma que, se o agente ao atuar pensou “aconteça o que acontecer
eu atuo”, há dolo eventual; em caso negativo, existe negligência consciente.
Esta é a forma mais utilizada por maior parte da doutrina e jurisprudência. Esta
120
forma adapta-se à teoria da conformação, que é a teoria aplicada pelo CP, no
artigo 14/3 do CP.
Mas como saber o que o agente pensou? Recorrendo aos critérios da
Professora Fernanda Palma que não são cumulativos:
- A motivação é forte ou não? Não, são apenas 100 euros; não se trata de uma
motivação forte, a não ser que o agente precise dos 100 euros para salvar a
mãe.
- Grau de probabilidade de lesão do bem jurídico? Depende da circunstância e
dos fatores a ter em consideração (por exemplo, hora do dia, tamanho da
estrada, etc.), mas em princípio sim.
Assim, em princípio existe dolo eventual.
Mas será Xavier instigador? Não.
2. Caso prático do teste
António e Bento estão em erro sobre um pressuposto normativo que recai
sobre um comportamento axiologicamente neutro. Trata-se de um erro que
não cabe no erro do artigo 17 pois o erro deste artigo é um erro moral que
choca com a ordem jurídica. Tem de existir mesmo uma norma para que se
perceba que esse comportamento é crime.
A consequência, com base no artigo 16/1 do CP, é a da exclusão do dolo.
Quando a Carlos, estamos perante uma execução defeituosa, preenchendo,
para maior parte da doutrina (teoria da concretização) dois tipos de crimes.
Apenas por erro na execução o agente acerta noutra pessoa. Assim, o agente
será punido:
Pelo crime que visou realizar na forma de tentativa – tentativa de homicídio do
chefe de estado;
Pelo crime que realizou na forma negligente – homicídio negligente de Daniel.
Quando a Eduardo, existe um erro sobre os elementos objetivos da legítima
defesa. A consequência é a aplicação do artigo 16/2, excluindo-se o dolo. A
punição apenas pode ser feita a título de negligência.
Elisa estava a atuar contra os próprios agressores. Poderá haver legítima
defesa? Foi por caso que ela impediu que Carlos e Guilherme. Neste caso falha
121
o elemento subjetivo da legítima defesa; porém, nos crimes negligentes basta a
presença dos elementos objetivos.
A tentativaA tentativa poderia ser abordada na tipicidade. Porém, Barbara Sousa Brito considera
que toda a análise da tentativa é feita da mesma forma de um crime consumado. Só
depois de se identificar a tentativa é que analisaremos a ilicitude, a culpa e a
punibilidade.
Aliás, as normas que preveem a tentativa são consideradas normas extensivas da
tipicidade porque vêm punir a forma de tentativa a todos os crimes
122
Quando há uma tentativa, o seu tipo resulta sempre da conjugação entre o artigo 22 e
a norma incriminadora da parte especial.
O elemento subjetivo da tentativa
Só há tentativas dolosas, não sendo possível existir tentativas negligentes, com base
no artigo 22. Temos então de analisar o dolo da pessoa, sabendo o que ela decidiu
fazer, uma vez que, segundo Figueiredo Dias, quem tenta alguma coisa é porque a
decide realizar.
A discussão que se faz na doutrina é se o dolo pode assumir todas as formas no âmbito
da tentativa.
Maior parte da doutrina e jurisprudência entendem que todas as formas do
dolo permitem a figura da tentativa, uma vez que qualquer forma de dolo exige
sempre ser integrada por uma decisão.
Porém, quando há dolo eventual, Faria e Costa considera não há tentativa
porque, de acordo com este autor, o agente não decidiu praticar o facto.
Porém, Bárbara Sousa Brito considera que o agente decidiu fazer algo e, neste
âmbito, existe tentativa.
Os crimes de resultado cortados ou parciais são crimes que exigem como elemento
subjetivo especial um certo pressuposto. Sempre que tivermos este tipo de crime, para
punir uma pessoa, para além do dolo, temos de provar a existência desse elemento
subjetivo especial.
Por exemplo, para punirmos a pessoa por tentativa de furto (artigo 203 do CP),
para além do dolo, tem de estar verificado o elemento subjetivo especial de
intenção de apropriação.
Tipo objetivo
Neste tipo, temos de provar, em primeiro lugar, que existe a prática de atos de
execução, não bastando os atos preparatórios. Em segundo lugar, teremos de verificar
a não consumação do crime por parte do agente por duas razões:
Ou porque não há produção do resultado;
Ou porque, apesar de haver resultado, não é possível imputar objetivamente o
resultado à conduta do agente.
Existência de atos de execução
123
Teremos de ter em conta o artigo 21 do CP pois, por regra, não se punem os atos
preparatórios a não ser que o legislador transforme esses atos preparatórios num tipo
de crime:
Por exemplo, a contrafação de moeda – artigo 262. Aqui, o legislador
pretendeu apenas criar um tipo em que se pune apenas a contrafação indevida.
Mas quando é que existem atos de execução?
Artigo 22/2/a) – são atos de execução todos aqueles que caem sobre a alçada
de um tipo de ilícito, sendo abrangidos pelas palavras da norma incriminadora.
Este tipo de atos de execução só ocorre nos chamados crimes de forma
vinculada (que só podem ser praticados de uma determinada forma). Estamos
perante a chamada teoria formal objetiva47 defendida por Liszt.
Exemplo: furto com introdução em casa alheia. Esta forma de furto só pode ser
feita com introdução em casa alheia. Assim, a introdução na casa alheia é um
ato de execução que cabe na própria letra da lei.
Artigo 22/2/b) – para fazer face às insuficiências da teoria formal objetiva,
estabelece-se que sempre que existe um ato adequado a produzir um resultado
típico, há um ato de execução. Estamos perante a teoria material objetiva48.
Exemplo: A dispara sobre B. Este ato é claramente um ato de execução.
Porém, para Figueiredo Dias, este preceito tem de ser interpretado em
conjugação com alínea c) pois só assim haverá a iminência de um perigo para o
bem jurídico.
Artigo 22/2/c) – esta é a alínea mais importante que permite distinguir os atos
preparatórios dos atos de execução. Assim, maior parte da doutrina interpreta
esta alínea de uma forma restritiva porque entende que não basta serem atos
que, segundo a experiência comum, sejam de natureza a fazer esperar que
imediatamente a seguir lhe sigam atos das alíneas anteriores. Desta forma, a
doutrina acrescenta que só há atos de execução de acordo com o plano
concreto do agente. Mas porquê? Porque só nestes casos se pode afirmar que
47 Segundo esta teoria, a tentativa pressupõe a prática de atos que caem já na alçada de um tipo de
ilícito e são, portanto, abrangidas pelo teor literal da descrição típica. 48 Segundo esta teoria, são atos de execução os atos que em virtude de uma pertinência necessária à
ação típica, aparecem como suas partes componentes.
124
existe um perigo concreto para o bem jurídico, não só porque há uma estreita
conexão temporal com a efetiva lesão do bem jurídico, mas também há já
uma relação direta com a esfera da vítima.
Exemplo: o atirador que está pronto para atirar ao chefe de Estado, sendo que
o ato seguinte será o disparo. Imaginando que o chefe de Estado apenas
aparece daqui a 2 dias, tal significa que não há uma estreita relação temporal
entre aquele ato e a lesão do bem jurídico. Assim, para haver tentativa, tem de
se colocar em perigo a lesão de um bem: este é o fundamento PRINCIPAL da
tentativa.
Chama-se a esta doutrina, a doutrina do último ato parcelar.
O fundamento da punibilidade da tentativa
Ainda a propósito do fundamento da punibilidade da tentativa, para além de ter de
existir o tal perigo iminente de lesão do bem jurídico, há ainda outro fundamento da
punibilidade da tentativa – a existência de dolo, ou seja, de desvalor da ação.
Assim, há uma discussão na doutrina de saber a qual destes elementos se deve dar
primazia: se ao dolo ou à criação de um perigo iminente para o bem jurídico.
A não consumação do crime por imputação do resultado à conduta do agente ou não
verificação do resultado
Quando à imputação objetiva do resultado à conduta do agente, essa questão já foi
analisada acima.
A ilicitude, a culpa e a punibilidade da tentativa
A ilicitude e a culpa analisam-se pela técnica negativa da exclusão. Assim, se
concluirmos pela ilicitude e pela culpa, temos ainda de analisar se a ação típica, ilícita e
culposa é punível.
As condições objetivas da punibilidade
Artigo 23/1 do CP: ao crime consumado, tem de ser aplicável uma pena
superior a 3 anos. Exceção: quando o legislador afirma que a tentativa é punível
(por exemplo, o crime de furto – artigo 203/2 do CP).
Artigo 23/3 do CP: o caso das tentativas impossíveis que são tentativas que não
podem levar à produção do resultado ou porque (1) o meio utilizado não é
125
idóneo a produzir o resultado ou porque (2) o objeto do crime não existe.
Assim, na tentativa impossível estão presentes os elementos objetivos e
subjetivos, mas não há lugar à produção de um resultado típico pelas razões
acima mencionadas.
Exemplo 1: A dispara, mas a arma não está carregada;
Exemplo 2: A dispara sobre uma pessoa que já estava morta.
Na tentativa impossível, o legislador afirma que, é condição objetiva de
punibilidade, o ser manifesto para a generalidade das pessoas que o meio era
idóneo ou que o objeto do crime era existente, equiparando-se assim a
tentativa impossível à tentativa possível.
Assim, o legislador aplica a chamada teoria da impressão: se para um
observador médio colocado de fora era percetível que o meio era inidóneo ou
que o objeto não existia, a tentativa não é punível. Se a generalidade das
pessoas ficasse impressionada, é porque era manifesto que o meio existia ou
que o objeto existia.
Se for manifesto, não fica abalada a confiança na ordem jurídica, podendo a
tentativa não ser punível – assim, passamos a ter um facto que não é digno de
tutela penal. Só quando a confiança da sociedade ficar abalada é que faz
sentido punir a tentativa impossível49.
A tentativa impossível não se confunde com a sua situação inversa – o erro sobre os
elementos do facto típico que leva à exclusão. Imaginemos que A pensa que está
grávida já na 13 semana e toma um produto abortivo. Como poderemos punir a
Antónia? Por tentativa impossível, pois, ela acha que vai cometer um crime, mas afinal
não vai porque o objeto não está lá.
Mas e se Antónia pensa que ela não está grave e toma um produto abortivo? Trata-se
de um crime de aborto em que ela pensa que não praticará um crime, mas vai praticar
– exclui-se o dolo (16/1 do CP)50.
49 Alguns ordenamentos jurídicos, que seguem à risca a ideia de que o Direito Penal serve para tutelar
exclusivamente bens jurídicos ofendidos, recusam a punibilidade da tentativa impossível.
Figueiredo Dias defende que a punibilidade da tentativa impossível relaciona-se com o facto desta
tentativa, apesar de estar impossibilitada de produzir o resultado típico, ser suficiente para abalar a
confiança comunitária na vigência e na validade da norma de comportamento. 50 Embora ela não possa ser punida por negligência.
126
Também o crime impossível não pode ser confundido com a tentativa; neste caso, uma
pessoa pensa que determinado facto é crime quando na realidade não há. A, que tem
uma certa idade, pensa que ao praticar o adultério comete um crime, pratica um crime
impossível e não será punido. A situação inversa desta questão é o erro sobre a
ilicitude (artigo 17/1 do CP).
Causas pessoais de isenção da pena
Face ao artigo 24/1 do CP, o seu pressuposto básico é o de que a consumação não
pode ter lugar. Assim, existem três tipos de desistência51:
Abandono da prossecução do crime: Como o próprio nome dá a entender, se o
agente praticar certos atos de execução, mas ainda falta praticar uns quantos a
seu cargo para a consumação de um crime. Nestes casos, basta haver a
desistência passiva, bastando que o agente omita os atos que ainda faltam.
Exemplo: A aponta a pistola a cabeça de B, mas não puxa o gatilho.
Impedimento da consumação: o agente já praticou todos os atos de execução
que estão a seu cargo e, por isso mesmo, a desistência terá de ser ativa, no
sentido de ter de haver a prática de atos do próprio agente para impedir a
consumação do crime, mesmo que tenha ajuda do terceiro (por exemplo,
médicos, polícias, bombeiros, etc.).
Desistência em caso de consumação: quando, não obstante a consumação
formal, a pessoa desiste antes da consumação material. Isto pode ocorrer nos
crimes de perigo concreto – nestes crimes, para o tipo estar preenchido, basta
haver perigo para o tipo estar preenchido. Porém, supondo que a mãe volta
atrás e salva a criança, ela impede a consumação material do crime.
Porém, o mais importante é estabelecer que estas desistências têm de ser voluntárias.
Mas quando é voluntária? Quando o agente poderia prosseguir com a prática do crime
com êxito, segundo o que ele pensa e, mesmo assim, decide não terminar a execução
normal. Se o agente desistir porque tem receio face a circunstâncias exteriores (medo
de ser apanhado), nesse caso não existe desistência voluntária; só é voluntária, a
desistência em que o autor diz que não quer alcançar a sua finalidade, embora o
conseguisse – formula inventada por Frank.
51 Esta figura só aproveita ao próprio.
127
Assim, tal como Figueiredo Dias defende, a desistência tem de ser uma obra
pessoal do agente; o agente tem de ter o domínio do “se” e o “como” da
execução do facto típico.
Essa decisão poderá estar relacionada com o facto do agente ter ganho piedade
da vítima ou a realização do facto se ter tornado mais difícil.
O fundamento jurídico da impunidade da desistência voluntária é muito discutido pela
doutrina. Surgiram diversas teorias:
Teoria da ponte dourada em direção à impunidade, em que a impunibilidade
leva a que o agente desista do seu intento criminoso;
Teoria que premeia a pessoa que quer regressar ao direito, atribuindo um
prémio a todo aquele a quem couber o mérito de desistir da tentativa;
Teoria que relaciona a desistência com os fins das penas que deixam de fazer
sentido neste caso.
Figueiredo Dias afirma que não existe uma única teoria que fundamente a impunidade
quando há desistência voluntária, mas todas acabam por o fazer. Assim, é uma decisão
de política criminal que está justificada.
Em suma, o mais importante é que essa desistência seja voluntária e constitua uma
obra pessoal do agente.
O artigo 24/2
Aplicamos este artigo, não punindo a tentativa quando o agente se esforçar
seriamente e são casos em que a consumação do crime ou o resultado foram
impedidos pelo facto independente da conduta do desistente.
A abandona o seu filho à porta de um convento. Se A ligar para o convento e
fizer tudo o que está ao seu alcance para afastar o resultado, tal é suficiente
para aplicar este artigo, embora seja a freira a impedir formalmente esse
resultado.
O artigo 25
A desistência só impede a punição do próprio agente. Porém, o legislador refere que,
se num caso de coautoria um desiste e faz tudo ao seu alcance para que o crime não se
realize, ele não deve ser punido.
128
Porém, se o agente apenas desistir do crime, não se exclui a punibilidade.
Na coautoria, existe uma questão muito interessante. Surge uma grande discussão na
doutrina que consiste em saber qual a solução a dar quando são praticados atos de
execução de um determinado tipo de crime acordados pelos coautores, mas apenas
um dos coautores praticou atos.
Há a solução global que afirma que a tentativa começa para todos a partir do
momento que é praticado um determinado ato de execução de qualquer um
deles. Argumentos: (1) a partir do momento em que os agentes elaborarem um
plano comum e, nos termos desse plano, têm um contributo essencial na
execução do crime, tal é suficiente para que, quando um deles pratique um ato
de execução, os outros são punidos por tentativa. (2) O argumento do acaso
afirma que é injusto punir apenas o coautor que no plano tem o ato de
execução inicial e não punir os restantes coautores só pelo facto de, por acaso,
a execução ter ficado pelo primeiro ato.
A solução individual é defendida pela professora Conceição Valdágua que defende que
os outros não podem ser punidos como coautores, mas apenas como cúmplices morais
pois não basta a titularidade do domínio funcional ao nível do plano; é essencial que
exista o seu exercício. Nestes casos, em que só foram praticados atos de execução pelo
autor que atuava em primeiro lugar, os outros aurores não adquiriram a execução do
domínio funcional.
Casos práticos
1. Apercebendo-se que Z, chefe de contabilidade da empresa X, havia
descoberto o desvio de fundos que fizera, Álvaro decidiu que o mais seguro
seria matá-lo. Para o efeito e utilizando a ameaça de divórcio, conseguiu
convencer Beatriz, sua mulher e funcionária da secção de contabilidade da
empresa a matar o seu chefe. Beatriz, sabendo que Sónia, secretária de Z, lhe
costumava servir todos os dias uma chávena de chá, decide aproveitar-se
desse facto para, durante uma distração de Sónia, misturar no mesmo, umas
gotas do que pensava ser um poderoso veneno (veneno que havia pedido a
Hugo, ajudante de farmácia, que desconfiava das intenções de Beatriz,
resolveu antes dar-lhe um líquido perfeitamente inócuo dizendo que era
129
veneno). Sónia, sem se aperceber do sucedido, serviu o chá a Z, com as ditas
gotas. Mais tarde, encontrava-se Z já em casa quando recebeu um
telefonema de Beatriz, que arrependida, decidiu contar-lhe o sucedido, na
esperança de o veneno ainda não ter atuado e de assim conseguir evitar a sua
morte. Z dirige-se então à única farmácia da aldeia a fim de tomar o antídoto.
Como a mesma estava fechada, Z, que tinha conhecimentos do assunto, uma
vez que tinha chegado a fazer o terceiro ano do curso de medicina, arrombou
a porta a fim de tomar rapidamente um medicamento que ele sabia que
poderia neutralizar o efeito do veneno que julgava ter tomado. Analise a
responsabilidade jurídico criminal dos intervenientes.
Sónia
Sónia não sabe de nada. Apenas levou o chá todos os dias como faz, pelo que
não praticou uma ação jurídico penalmente relevante; nunca poderia
representar que estava a matar o chefe.
Estamos perante atos neutros pois teremos de analisar a ação sempre em
relação a um determinado tipo.
Beatriz
Em relação à compra de veneno, não se trata de um ato de execução.
Em relação à colocação do veneno por parte de Beatriz, há uma ação jurídico
penalmente relevante pois tem consciência de sinais que levam à produção
daquele tipo de crime.
Estamos perante um tipo de tentativa de homicídio (131/132 + 22). Estará
presente o elemento subjetivo? Sim, existe dolo pois ela representa e quer
matar o chefe. Quanto ao tipo objetivo, existe a prática de atos de execução,
existindo uma tentativa impossível pois o meio é inidóneo a produzir o
resultado. Porém, ela será punida por via do artigo 23/3 do CP uma vez que a
generalidade das pessoas ficaria impressionada com a ação.
E quanto à desistência? Trata-se de uma tentativa inacabada ativa pois a
pessoa teve de se mexer para que a desistência acontecesse; trata-se de uma
desistência voluntária.
Álvaro
130
Álvaro é quem cria na cabeça da Beatriz a ideia de matar; desta forma, é
instigador pois tem dolo na morte e dolo de determinar.
Assim, ele seria punido por tentativa impossível de homicídio pois este crime
foi punido por tentativa.
Hugo
Hugo não praticou uma ação jurídico penalmente relevante. Neste sentido,
para maior parte da doutrina ele nem sequer é cúmplice pois teria de ter duplo
dolo.
Z
Estamos perante um concurso aparente em que ele seria apenas punido por
um crime de furto em casa alheia.
Porém, ele está em erro sobre os pressupostos de facto do direito de
necessidade, pelo se exclui o dolo por via do artigo 16/2 do CP, que remete
para o 16/1 (última parte).
Como não existe furto negligente, não é possível punir o agente.
2. Exame de 31-03-2016
A e B serão coautores? Teremos de verificar a existência de uma decisão
conjunta (que se verifica) mas não existe uma execução conjunta. Assim, não se
verificam os elementos da coautoria.
António é autor material e não coautor. Assim, teremos de analisar a conduta
do António que entrou pela janela no quarto de Celeste e dá de caras com a
sua empregada que fechou na casa de banho.
Relativamente à morte de Elsa, existe uma ação e teremos de analisar se todos
os elementos objetivos do crime estão cumpridos, nomeadamente o problema
da imputação objetiva:
- A conduta do António é causal em relação ao resultado morte. Aplicando a
teoria da conditio sine qua non que implica suprimir mentalmente a conduta
do António e perguntar se, mesmo assim, o resultado subsistiria nas mesmas
circunstâncias de tempo, modo e lugar. Se eliminarmos a conduta de António,
não existiria morte de Elsa.
- Segundo a teoria de adequação, teremos de fazer um juízo de prognose
póstuma, colocando o homem médio na posição do agente com os
131
conhecimentos dele. É muito difícil que António previsse esta situação, pois de
acordo com as regras da experiência normais, quando se coloca uma fita na
boca da pessoa, não se espera que ela morra. Porém, se António conhecesse a
situação de Elsa, tal já seria imputável.
- Segundo a teoria do risco, parece não existir conexão entre o risco criado e o
resultado obtido.
Assim, está afastada a imputação objetiva.
E quanto ao elemento subjetivo? Se considerarmos a negligência, não pudemos
punir por tentativa. Porém, continuaríamos a punir por ofensas à integridade
física.
António praticou ainda uma tentativa impossível de furto qualificado quando
levou a caixa, pois o objeto não existe. Esta tentativa era punível pois não era
manifesto que o meio não servia (artigo 23/3 do CP); aplicamos a teoria da
execução pois a generalidade das pessoas ficaria impressionada.
Bento será cúmplice moral, pois ele não chega a tomar parte direta na
execução. Mas procedeu a atos de execução? Não, logo não existe qualquer
tentativa.
Teremos de analisar a desistência enquanto cúmplice, embora esta desistência
não seja voluntária.
Diogo tem, em princípio, dolo. Mas será Diogo coautor? Ele era essencial
durante a execução, embora não exista decisão conjunta.
3. Exame (sem data)
Temos uma tentativa impossível pois o objeto não existe. Nesse momento ela
será inimputável. Porém, questiona-se se ela praticou uma ação jurídico-
penalmente relevante: para a professora existe uma ação livre na causa que
preenche o tipo da tentativa impossível. A discussão situa-se agora ao nível da
culpa.
Será que quando ela aceitou a injeção foi para praticar o crime ou apenas
porque precisava?
Nos termos do artigo 20/4 do CP, existe uma parte da doutrina que considera
que tem de existir dolo direito ou necessário.
132
Quanto à punibilidade, como estamos perante uma tentativa impassível, temos
de decidir se era manifesto ou não que o objeto existia, segundo a teoria da
impressão, o que claramente se verificava. Quanto à tentativa impossível
temos de perceber se o meio é idóneo a produzir o resultado (artigo 23/3 do
CP), o que se verifica. Assim, esta tentativa era punível.
Quanto a Bruno, será em princípio instigador porque faz nascer na Ana a
vontade de praticar o facto típico. Porém, podemos também defender que ele
é também coautor; considerando que existiam as duas formas, ele será punido
por autoria em concurso aparente.
Segunda conduta da Ana
Existe uma aberratio ictus em que o agente deve ser punido em concurso
efetivo por tentativa do crime que visou realizar na forma dolosa e homicídio
doloso do crime que realizou.
Quanto à tentativa, temos uma ação jurídica controlável pela vontade. Temos
também, quanto ao tipo objetivo, um ato de execução (elemento objetivo) pois
este era idóneo à realização do facto típico (artigo 22/2/b)) e não se verificou
qualquer resultado. Existe ainda dolo direto.
Aqui, o grande problema é a culpa. Ele só lhe deu o revólver depois de lhe ter
dado a dose de heroína; assim, poderíamos aplicar o artigo 20/1 do CP. Temos
então uma causa de exclusão da culpa.
Quanto ao homicídio negligente de Ana, não existe imputação objetiva, uma
vez que não existem tentativas negligentes. Podem ainda existir ofensas à
integridade física negligentes; porém, ela não será punida porque não tem
culpa.
Quanto ao médico, existe omissão de auxílio, sendo controlável pela vontade
pois o momento relevante é o momento em que ele decide beber sabendo que
está a fazer urgências. Existia um especial dever de agir (artigo 131+10/2 do CP)
por assunção fáctica de deveres de custódia.
Bruno
Bruno não pode ser autor mediato pois a Ana é inimputável; assim, é instigador
e coautor quanto ao furto. Quanto à tentativa de homicídio ele é autor mediato
133
por utilização de inimputáveis. Por outro lado, ele não poderia ser autor
negligente das ofensas pois nem sequer tinha possibilidade de prever.
Quanto à outra ação, como há um erro na execução por parte de bruno ele
poderia ser puído por tentativa de homicídio de Carlos e crime de homicídio
negligente de Ana.
Quando à tentativa de Carlos, existe um erro sobre os pressupostos de facto de
uma causa de exclusão da ilicitude – 16/2 do CP; porém, se considerarmos que
existiu excesso, não podemos ir aplicar esta figura.
Porém, nem se pode excluir a culpa – o homem não tem medo.
Quanto a Ana, há negligência. Porém, foi Carlos quem puxou Ana para a sua
frente: há uma interrupção do processo causal.
A morte de Ana, relativamente a Carlos, existe um estado de necessidade
desculpante (artigo 35 do CP). Face a um perigo para a vida não lhe é razoável a
adoção de outro tipo de comportamento.
Correção do teste
I
B não praticou uma ação jurídico-penalmente relevante. Nestes atos, o agente não
tem controlo nem possibilidade de controlo da sua ação. Para o Direito Penal
interferir, é necessário que exista uma ação que caiba no âmbito da autonomia do
agente. Se o mesmo não tem a possibilidade de controlo, essa ação não cai no âmbito
da sua atuação.
Quanto a António, será autor imediato e não apenas mediato por faltar ao executor
material a capacidade de ação. Não se trata de instigação pois nesses casos ele teria de
determinar outrem a executar dolosamente o facto.
A figura da autoria mediata pressupõe que exista uma ação jurídico-penalmente
relevante por parte do B.
Quanto a Carlos, a legitima defesa pressupõe uma ação atual e ilícita, não se aplicando
aqui essa figura. Mas podia aplicar-se outra causa de exclusão da ilicitude, como seja o
estado de necessidade defensivo.
II
134
Quanto ao E, ele terá especial dever de agir? Por via de uma relação de comunidade
próxima. E quanto ao monopólio? Pode existir.
Quanto à culpa, poderá existir um erro sobre a ilicitude. Trata-se de um erro moral em
que o agente tem uma ideia errada da ordem jurídica – artigo 17/1 do CP. Só se exclui
a culpa se o erro não for censurável, pelo critério da evitabilidade e da retitude da
consciência errónea.
Já se ele não soubesse que era seu filho, tratava-se de um erro do artigo 16/1 do CP.
Quanto a G, a dúvida era se ele era instigador ou autor mediato. Neste caso, nem todo
o erro exclui a culpa, pelo que teria de se afastar a autoria mediata, podendo o agente
ser punido como instigador.
Se o E não tivesse especial dever de agir, poderíamos aplicar o artigo 28.
G tinha também o especial dever de agir; poderá ser fundado em questões de
monopólio ou em assunção fáctica de deveres de custódia.
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