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SEMINARIOS DE
ESTUDOS ESTRATÉGICOS
2018
ANAIS DO EVENTO
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SEMINÁRIOS DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS 2018
II Seminário de Estudos Estratégicos do Comando Militar do Sul
IV Seminário Brasileiro de Estudos Estratégicos Internacionais
V Seminário Casas de União
5 a 8 de junho de 2018
Porto Alegre/RS, Brasil
Comissão Organizadora Seminários Estudos Estratégicos
Prof. Dr. Paulo Gilberto Fagundes Visentini (Coordenador Acadêmico)
Cel Cav Mário Giussepp Santezzi Bertotelli Andreuzza (Coordenador Institucional)
Prof. Dr. José Miguel Quedi Martins
Cel Cav Antônio Augusto Brisolla de Moura
Cel Cav Ary Albuquerque Gusmão Filho
Ten Cel Joel Ferreira Pedreira
Ten Cel Elyne Carla Silva de Medeiros
Cap Daniel Arrais Barroso
Cap Viviane Machado Prim
ST Charles Xavier Fuhro
ST André Müller Gonçalves
Sd Keoma Patrick Garcia Costa
João Henrique Salles Jung (Presidente do ISAPE)
Eduardo Tomankievicz Secchi (Coordenador do CERI)
Paolla Codignolle Souza (Coordenadora do CERI)
Athos Munhoz Moreira da Silva (Doutorando)
Bruna Toso de Alcântara (Doutoranda)
Guilherme Thudium (Doutorando)
Larlecianne Piccolli (Doutoranda)
Rômulo Barizon Pitt (Doutorando)
Augusto César Dall'Agnol (Mestrando)
Luiza Pecis Valenti (Mestranda)
Betina Thomaz Sauter (Mestranda)
Luana Isabelle Beal (Bacharel)
Valeska Ferrazza Monteiro (Bacharel)
Beatriz Vieira Rauber (Graduanda)
Magnus Kenji Hernandes Hübler Hiraiwa (Graduando)
Vitória Vieira de Souza Abreu (Graduanda)
Coordenadores dos Grupos de Trabalho e Fórum da Graduação Política Internacional:
Profa. Dra. Danielle Jacon Ayres Pinto e Me. Guilherme Thudium
Economia Política Internacional:
Prof. Dr. Andrés Ernesto Ferrari Haines e Me. Raul C. Nunes
Defesa e Segurança Internacional:
Prof. Dr. Edson José Neves Júnior e Ma. Larlecianne Piccolli
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II Seminário de Estudos Estratégicos do Comando Militar do Sul
IV Seminário Brasileiro de Estudos Estratégicos Internacionais
V Seminário Casas de União
5 a 8 de junho de 2018
Porto Alegre/RS, Brasil
Conselho Editorial Prof. Dr. Paulo Gilberto Fagundes Visentini
Cel Cav Mário Giussepp Santezzi Bertotelli Andreuzza
Prof. Dr. José Miguel Quedi Martins
Cel Cav Antônio Augusto Brisolla de Moura
Cel Cav Ary Albuquerque Gusmão Filho
Profa. Dra. Danielle Jacon Ayres Pinto
Prof. Dr. Andrés Ernesto Ferrari Haines
Prof. Dr. Edson José Neves Júnior
Comitê Editorial Betina Thomaz Sauter
Bruna Toso de Alcântara
João Gabriel Burnmann
Luana Isabelle Beal
Luiza Pecis Valenti
Contato:
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Ciências Econômicas
Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais
Av. João Pessoa, 52 sala 33A - 3° andar - CEP 90040-000 - Centro - Porto
Alegre/RS - Brasil
Tel: +55 51 3308-3150 | Fax: +55 51 3308-3963
Email: eventosestudosestrategicos@gmail.com
Porto Alegre v.2 n.1 p. 1 – 698 Out.2018 Bianual ISSN 2527-0508
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II Seminário de Estudos Estratégicos do Comando Militar do Sul
IV Seminário Brasileiro de Estudos Estratégicos Internacionais
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................11
ARTIGOS FG ................................................................................................................................................14
ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL ................................................................................................16
DEZ ANOS DEPOIS DO DECRETO HEROES DEL CHACO: OS IMPACTOS DA NACIONALIZAÇÃO DO
SETOR DE HIDROCARBONETOS NA ECONOMIA BOLIVIANA ...................................................................17
POLÍTICA INTERNACIONAL ......................................................................................................................29
A EMERGÊNCIA DE UM NOVO ESTADO EM UM MUNDO INTERDEPENDENTE: O CASO DO
“CURDISTÃO” ..............................................................................................................................................30
DEFESA E SEGURANÇA INTERNACIONAL..............................................................................................43 A MAGNITUDE ESTRATÉGICA DO COMPLEXO INDUSTRIAL-MILITAR-ACADÊMICO NO XADREZ
GEOPOLÍTICO INTERNACIONAL: ANÁLISE COMPARADA ENTRE BRASIL E ESTADOS UNIDOS ...........44 OS IMPACTOS DA VULNERABILIDADE ECONÔMICA RUSSA NA FORMULAÇÃO DA SUA POLÍTICA
EXTERNA E DE SEGURANÇA (PES) .............................................................................................................56
O IMPACTO DA INSERÇÃO DO GÁS NATURAL BOLIVIANO NA ECONOMIA BRASILEIRA NO
PERÍODO DE 1994 A 2010 .............................................................................................................................70
ARTIGOS GT ...............................................................................................................................................91
ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL ................................................................................................92
AMÉRICA DO SUL: INFRAESTRUTURAS EM REGIÕES PERIFÉRICAS E TENDÊNCIAS ATUAIS .........93
O PAPEL DA POLÍTICA INTERNACIONAL NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DA COREIA DO SUL ..................................................................................................................................................................... 116
AS AGÊNCIAS DE CLASSIFICAÇÃO DE RISCO E SEUS IMPACTOS NA ESFERA ESTATAL: O CASO DO
BRASIL ......................................................................................................................................................... 131 POLÍTICA INTERNACIONAL .................................................................................................................... 152
DESCONSTRUINDO O DISCURSO DA “AGRESSÃO RUSSA” NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DOS
ESTADOS UNIDOS DE 2016: UMA ANÁLISE À LUZ DO REALISMO ESTRUTURAL E DO PÓS-
ESTRUTURALISMO ..................................................................................................................................... 153 A COOPERAÇÃO MILITAR ENTRE ISRAEL E ÁFRICA DO SUL: DA GUERRA FRIA AO PERÍODO PÓS-
APARTHEID ................................................................................................................................................. 180 DO SURGIMENTO DO CONCEITO DE RESPONSABILIDADE AO PROTEGER A SUA APLICAÇÃO:
POSIÇÃO BRASILEIRA E REPERCUSSÃO INTERNACIONAL..................................................................... 189 COOPERAÇÃO SUL-SUL EM DEFESA E A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA DURANTE O GOVERNO
LULA (2003-2011) ........................................................................................................................................ 208 ATORES TERRITORIAIS E CONFLITOS DE PROJETOS NA HIDROVIA PARAGUAI-PARANÁ ............. 226 MUDANÇA DE POLÍTICA EXTERNA DURANTE O GOVERNO MICHEL TEMER EM RELAÇÃO À
AMÉRICA DO SUL ....................................................................................................................................... 247 SOCIALISMO DO SÉCULO XXI: A POLÍTICA EXTERNA VENEZUELANA E O POPULISMO DE HUGO
CHÁVEZ ....................................................................................................................................................... 272 TRANSFRONTEIRIZAÇÕES E MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS NA BACIA DO PRATA: POLÍTICAS DE
ESTRATÉGIA E ESTRATÉGIAS POLÍTICAS ................................................................................................ 290 O PODER DA EPISTEMOLOGIA (OU A EPISTEMOLOGIA DO PODER): A RELEVÂNCIA DA
CONSOLIDAÇÃO DO SISTEMA SINOCÊNTRICO NA ANÁLISE DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS CONTEMPORÂNEAS ................................................................................................................................... 315
A (DES)ESTABILIZAÇÃO DA PENÍNSULA COREANA E OS PROJETOS DE INTEGRAÇÃO DA EURÁSIA
..................................................................................................................................................................... 334 A INFLUÊNCIA E INSERÇÃO DAS ZONAS ECONÔMICAS ESPECIAIS (ZEES) CHINESAS NO
CONTINENTE AFRICANO: DESENVOLVIMENTO PACÍFICO OU NEOIMPERIALISMO?......................... 355 DEFESA E SEGURANÇA INTERNACIONAL............................................................................................ 376
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SOB A BRUMA DO ZAPAD-2017: MITO E REALIDADE DOS EXERCÍCIOS MILITARES DA RÚSSIA E SUA CORRELAÇÃO COM A NOVA DOUTRINA MILITAR................................................................................... 377
O CRESCIMENTO DAS EMPRESAS MILITARES PRIVADAS NO PÓS-GUERRA FRIA PELOS EUA: A
OPORTUNA CONJUNTURA MILITAR ......................................................................................................... 399 MISSÃO DA UNIÃO AFRICANA NA SOMÁLIA (AMISOM): DESAFIOS E PERSPECTIVAS ................... 418 FERRAMENTAS DE GESTÃO ESTATAL SOBRE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS: O CONSÓRCIO PÚBLICO
COMO MODELO ......................................................................................................................................... 442 O OBUSEIRO M109A5+BR E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A TRANSFORMAÇÃO DA FORÇA TERRESTRE
..................................................................................................................................................................... 463 A GRANDE ESTRATÉGIA DO BRASIL NO SÉCULO XXI: DEBATE TEÓRICO E ANÁLISE DOS OBJETIVOS
ESTRATÉGICOS ........................................................................................................................................... 478 O PAPEL DA GOVERNANÇA DA SEGURANÇA MARÍTIMA NO ESTABELECIMENTO DOS MEIOS
NAVAIS QUE VIABILIZAM A EXPLORAÇÃO DA ZONA ECONÔMICA EXCLUSIVA .................................. 497 ORDEM REGIONAL NA AMÉRICA DO SUL: MUDANÇAS E CAUSAS SISTÊMICAS (1810-2010) ......... 539 A CHINA DA AMÉRICA DO SUL: IMPACTOS À SEGURANÇA NA FAIXA DE FRONTEIRA BRASIL-
PARAGUAI ................................................................................................................................................... 576 MALVINAS/FALKLANDS: O EMPREGO DA DESINFORMAÇÃO, PELOS BRITÂNICOS, NO CONTEXTO
DO DESEMBARQUE ANFÍBIO EM PUERTO SAN CARLOS ........................................................................ 592
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APRESENTAÇÃO
O Núcleo de Estudos Estratégicos do Comando Militar do Sul (NEE/CMS), o Programa
de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais (PPGEEI) da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS), e o Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV-
UFRGS) teve a honra de realizar o IV Seminário Brasileiro de Estudos Estratégicos
Internacionais (IV SEBREEI), que contou com a realização simultânea do II Seminário de
Estudos Estratégicos do CMS (II SEE/CMS) e do V Seminário Casas de União (V CdU). Os
eventos ocorreram na Faculdade de Ciências Econômicas (FCE/UFRGS) em Porto Alegre, Rio
Grande do Sul, Brasil, entre 5 a 8 de junho de 2018. Contaram com palestras de professores,
pesquisadores e funcionários públicos brasileiros e estrangeiros especializados no tema: As
Questões Nacionais e a Agenda de Defesa. O público alvo foi composto por estudantes de pós-
graduação e graduação, militares, pesquisadores, gestores públicos com atuação internacional,
e empresários vinculados ao assunto.
O NEE/CMS foi ativado em 20 de outubro de 2015, sendo subordinado ao Centro de
Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx/7ª SCh-EME), por meio do canal técnico. Tem por
missão contribuir para o desenvolvimento de uma mentalidade de defesa no Brasil. Promove a
interação, na área do CMS, entre órgãos públicos e privados, Instituições de Ensino Superior
(IES), institutos de pesquisa públicos e privados, associações, pesquisadores e “think
tanks” nacionais e estrangeiros voltados para a produção e difusão de conhecimentos de Defesa
Nacional. Além disso, o NEE/CMS tem a atribuição de incentivar a criação de centros/núcleos
de estudos estratégicos em sua área de influência, bem como articular os integrantes da rede de
colaboradores, por intermédio da realização de seminários, encontros, convênios, produção de
artigos, livros, com base, inicialmente, nas áreas temáticas de interesse do Exército.
O PPGEEI surgiu como resultado natural do desenvolvimento da área de Relações
Internacionais na UFRGS. É fruto do trabalho desenvolvido desde 1999 pelo Núcleo Brasileiro
de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT), que realiza pesquisas, seminários e edição
de duas coleções de livros e de dois periódicos, e da consolidação do Curso de Graduação em
Relações Internacionais da FCE, criado em 2004. Além de possuir um corpo de Docentes-
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Pesquisadores especializado e com experiência internacional, o Programa conta com o apoio
do Núcleo de Estudos em Tecnologia, Indústria e Trabalho (NETIT/FCE), do Centro de Estudos
Internacionais de Governo (CEGOV) e do Centro de Estudos Brasil-África do Sul (CESUL).
O PPGEEI promove eventos regulares na área, com a e já publica dois periódicos acadêmicos:
as revistas “Conjuntura Austral” e “AUSTRAL Brazilian Journal of Strategy and International
Relations”.
O CEGOV/UFRGS é um centro interdisciplinar vinculado à Reitoria, cujo objetivo é
estudar a ação governamental no Brasil e no mundo. Nesse sentido, a missão do CEGOV é
articular seus pesquisadores em áreas interdisciplinares prioritárias e realizar projetos de
pesquisa aplicada. Desenvolve atividades de extensão e de ensino, e serve como espaço para
coordenação e interlocução entre pesquisadores, grupos de pesquisa, cursos de graduação e
programas de pós-graduação da UFRGS, voltados para as políticas públicas. Preza pela
excelência acadêmica no desenvolvimento de seus projetos e pelo progresso da UFRGS como
instituição de ensino de reconhecimento internacional. Além disso, desde sua criação tem
procurado contribuir para a interação institucionalizada entre a comunidade acadêmica da
UFRGS e instituições da Administração Pública Federal, Estadual e Municipal.
O IV SEBREEI consistiu em um evento para difundiu conhecimentos e buscar
aprofundar o debate entre civis, acadêmicos e militares nas áreas de Segurança, Política e
Economia Política Internacionais. Essa edição foi organizada a partir do eixo temático “As
Questões Nacionais e a Agenda de Defesa”. Essa edição, por meio dos parceiros externos,
Comando Militar do Sul (CMS) e Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE),
reuniu também as temáticas abordadas no II SEE/CMS e no V CdU, respectivamente. Os três
seminários foram unificados pelo eixo temático proposto, sendo as apresentações de trabalhos
acadêmicos responsabilidade do SEBREEI. O evento se justificou acadêmica e socialmente.
Em âmbito acadêmico, as áreas de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais, recentes no
Brasil, têm apresentado crescimento considerável nas últimas duas décadas, seja na graduação
quanto na pós-graduação. São escassos, contudo, ambientes de interação e debates acadêmicos
que possam proporcionar o incremento do relacionamento entre professores, pesquisadores e
militares, bem como a qualificação de pesquisas na área. Além disso, faz-se necessária a maior
integração da região sul do país, local de posição geográfica privilegiada para a relação do
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Brasil com seus vizinhos do MERCOSUL, no circuito de eventos nacionais da
área. Socialmente, devido ao crescente papel do Brasil nas relações internacionais e as
decorrentes necessidades de se fomentar e divulgar a pesquisa e a produção de conhecimento
na área, além de se reduzir a distância entre Estado, empresariado e academia - para que se
promova o diálogo e o amparo a políticas públicas.
Nessa perspectiva, a Comissão Organizadora do IV SEBREEI apresenta nessa
publicação o compilado de trabalhos apresentados no evento e agradece a todos os
colaboradores e participantes desta edição.
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Artigos FG
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ECONOMIA POLÍTICA
INTERNACIONAL
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DEZ ANOS DEPOIS DO DECRETO HEROES DEL CHACO: OS
IMPACTOS DA NACIONALIZAÇÃO DO SETOR DE
HIDROCARBONETOS NA ECONOMIA BOLIVIANA1 Gustavo Olímpio Rocha Leão2
Danillo Michael da Costa3
Resumo
O crescimento boliviano pode ser justificado, em parte, pelo perfil exportador do país, ancorado na exploração
comercial de recursos naturais. Neste sentido, no portfólio boliviano, o gás natural é considerado o principal
produto exportado pelo país. A maior parte do gás natural produzido na Bolívia é exportada para a Argentina e para
o Brasil por meio dos gasodutos Yabog (primeiro gasoduto internacional da América do Sul, inaugurado em 1972)
e GASBOL (obra de maior envergadura infraestrutural da América do Sul, inaugurada em 1999), respectivamente.
É importante mencionar que a nacionalização das empresas estrangeiras que atuavam no setor de exploração de
hidrocarbonetos em território boliviano em 2006 permitiu ao governo de Evo Morales alavancar o processo de
desenvolvimento econômico do país. Em função disso, o governo boliviano passou a receber importantes somas de divisas provenientes da cobrança direta de impostos das empresas estrangeiras que continuaram, sob o controle
da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), operando no país. Para sustentar o desenvolvimento
boliviano o governo Morales tem empregado importante parte destas divisas em políticas de desenvolvimento
social e de infraestrutura. Deste modo, em 2016, a Bolívia registrou um crescimento econômico de 5,0%. Este
artigo tem como principal objetivo apresentar os principais impactos destas mudanças na sociedade e na economia
boliviana no período de 2006 a 2016.
Palavras-Chave: Bolívia, Brasil, Desenvolvimento, Gás Natural, Economia.
Introdução
Dentre os países andinos, a Bolívia se destaca, em função de sua posição geográfica e de
seus recursos naturais, como sendo um dos países de maior importância nas propostas de
integração regional a partir da segunda metade do último século. Além disso, a importância da
Bolívia nos processos de integração da América do Sul resulta das políticas econômicas e sociais
que foram empreendidas no país a partir de 2006.
Neste sentido, este trabalho pretende analisar os impactos das medidas políticas e
econômicas tomadas pelo governo de Evo Morales Ayma, de origem colla4, sobre a população
1 Orientador: Dr. Adriano Pires de Almeida, Professor do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), coordenador da pesquisa de Iniciação Científica “O papel dos grupos
de interesse do setor industrial das regiões Centro – Oeste, Sudeste e Sul na formação da política brasileira” na
PUC Goiás e coordenador da linha de pesquisa “energia” do NEBBRICS – UFGRS 2 Graduando do quinto período do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Goiás
(PUC Goiás) e membro do grupo de estudos “Relações Internacionais na América Latina” da PUC Goiás 3 Graduando do sexto período do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de
Goiás (PUC Goiás) e pesquisador da Iniciação Cientifica “O papel dos grupos de interesse do setor industrial das
regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul na formulação da política energética brasileira” da PUC Goiás. 4 De acordo com Blanchard apud Souchaud e Baeninger (2008, p. 273), “[...] o termo colla derivaria da palavra collasuyo, que designava um dos quatro setores (distritos) do Império Inca, o qual correspondia, grosso modo, à
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boliviana. O primeiro ato governamental de Evo Morales pôs fim à hegemonia dos interesses
políticos e econômicos de grande parte da população camba5 ao publicar, no dia 1° de maio de
2006, o Decreto Supremo Heroes Del Chaco6 que nacionalizou os ativos das empresas
estrangeiras que atuavam no setor exploração de hidrocarbonetos no território boliviano.
Em função disso, este trabalho considera que a publicação do referido Decreto em
conjunto com o “boom” dos preços das commodities, deve ser analisada no contexto que
remonta os movimentos sociais que cercaram tanto a Guerra da Água7 quanto a Guerra do Gás8.
Nesse sentido, o discurso nacionalista do candidato do Movimiento Al Socialismo (MAS) à
presidência da Bolívia, Evo Morales reforçou a reivindicação de uma parcela importante da
população boliviana que reclamava a nacionalização dos ativos de todas as empresas ligadas ao
setor de exploração de hidrocarbonetos como uma maneira de combater a pobreza existente
naquele país, pois este setor é percebido como o mais dinâmico na economia boliviana.
Com a promulgação do Decreto Heroes Del Chaco, o governo Morales inaugurou uma
via de desenvolvimento centrada no papel do Estado, que proporcionou ao governo boliviano a
legitimidade para exercer um maior controle sobre as atividades das empresas ligadas à
exploração dos hidrocarbonetos.
Dessa forma, pode-se dizer que a surpresa com a qual o governo brasileiro, a impressa
nacional e o empresariado brasileiro trataram a questão da nacionalização dos hidrocarbonetos
bolivianos desconsiderou o fato de que no decorrer das campanhas presidenciais bolivianas o
candidato do MAS já prometia nacionalizar os ativos das empresas estrangeiras do setor de
hidrocarbonetos que atuavam no país.
Deste modo, se faz necessária a compreensão da sociedade boliviana. Entendida por seu
governo como um país com várias etnias, daí o caráter plurinacional já presente em sua
atual região andina da Bolívia. Hoje, a palavra colla designa os que são ou vêm do altiplano, isto é, os aimaras e
quíchuas”. 5 De acordo com Souchaud e Baeninger (2008, p. 273), “[...] os cambas são os membros das comunidades nativas
das regiões baixas [do país], principalmente guaranis e chiquitanos”. 6 Oficialmente esse decreto é chamando de Decreto Supremo n° 28.071, mas também é conhecido como Decreto Supremo e Decreto Heroes Del Chaco – em homenagem aos mortos na guerra contra o Paraguai.
7 De acordo com Rocha (2006), a Guerra da Água (2003) foi um movimento que contestava a exclusão do uso de
água até da chuva 8 Para Rocha (2006), a Guerra do Gás (2003) foi resposta popular à pretensa vontade em se exportar gás natural a
partir do Chile, país que é apontado por alguns setores nacionalistas bolivianos como usurpador do litoral deste
Estado.
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constituição e reforçado na simbologia que cerca a bandeira whipala, símbolo este que evidencia
as nuances que envolvem tanto o pensamento como a cultura dos povos andinos, a qual a Bolívia
faz parte, se faz prudente trabalhar com maior cuidado as diferenças entre cambas e collas de
modo a posicioná-los tanto geográfica quanto politicamente.
Dos cambas e collas
De acordo com Santoro (2006), a população boliviana é classificada como sendo de
origem ameríndia, ou seja, descendente de sociedades existentes no território americano antes
das incursões espanholas do século XVII. No início do século XXI a maior parte da população
boliviana já estava composta, segundo pontua Souchaud e Baeninger (2008), por quíchuas e
aimarás. Desse modo, essas populações formam uma parcela importante da população colla e
vivem, em maior número, em áreas rurais do altiplano boliviano e, por não estarem inseridas
nos debates sobre importantes questões políticas e econômicas, se encontram à margem da
sociedade boliviana.
Na Bolívia oriental, estão localizados, os departamentos de Beni, Pando, Santa Cruz e
Tarija, a maior parte da população camba. Estes departamentos apresentam os melhores índices
de desempenho econômico do país. Em função disso, as assimetrias econômicas e políticas e o
fosso social existente entre cambas e collas acabaram se aprofundando ainda mais, o que
contribuiu para o aumento das tensões sociais que resultaram nos movimentos reivindicatórios
que criaram as bases de sustentação para que o MAS alcançassem o poder em 2006. Portanto,
pode-se dizer que as prioridades políticas e econômicas refletiam os interesses daquelas parcelas
da sociedade boliviana que estavam mais inseridas na vida econômica do país, ou seja, da
população camba localizada na parte oriental da Bolívia.
Dos Recursos Naturais bolivianos
Nesta seção será desenvolvido um panorama histórico a partir dos estudos de Galeano
(2006) e de Watson (2005) sobre o papel que a Bolívia vem desempenhando na região desde o
século XVI. Inicialmente, a Bolívia teve sua economia subordinada aos interesses da metrópole
espanhola. Nesse sentido, Galeano (2006) destaca que a história da exploração da prata na
Bolívia ajuda a desenhar o quadro explicativo sobre as lutas entre os espanhóis e os nativos.
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Deste modo, é importante destacar que nos idos do século XVII o conquistador Fernando Pizarro
implementou uma campanha intensiva para a extração e monetização9 da prata com o objetivo
de garantir a manutenção das posições espanholas nas guerras europeias.
Em função disso, Galeano (2006) ressalta que exploração da prata potosina tornou a
Bolívia a principal economia da América do Sul no século XVII. Atualmente a cidade de Potosí
é vista como uma das cidades mais pobres da Bolívia. No início do século XIX, a ofensiva
napoleônica acabou subjugando a coroa espanhola de modo que o poder foi colocado nas mãos
do irmão mais velho de Napoleão Bonaparte. Em outras palavras, a administração da América
espanhola, conforme observa Watson (2005), foi deixada nas mãos da família de Bonaparte.
De acordo Watson (2005), a deposição de Carlos IV e o avanço dos pensamentos de José
de San Martin e Simón Bolívar criaram o ambiente favorável para o surgimento dos movimentos
de independência na América Latina. Os movimentos de independência da América Latina
evidenciaram as raízes e os interesses de uma elite latina ligada aos costumes europeus que, por
vezes, desconsiderava ou ignoravam os interesses e necessidades das camadas mais pobres das
populações que formavam os novos países da região. Estas elites entendiam que a situação
política e econômica de seus países dependia do poder de barganha que elas possuíam junto às
ex metrópoles europeias10.
Santoro (2006) aponta que no século XIX o estanho pode ser considerado como o motor
da economia boliviana, uma vez que sua exploração pode vista como sucessora à da prata. Deste
modo, a dependência boliviana de seus recursos naturais percorre um continuum que remonta
desde a sua colonização a até a atualidade, haja vista a predominância do papel do gás economia.
Para Almeida (2016), a viabilidade dos acordos de complementação energética pode ser
entendida dentro do quadro político que historicamente permeia a região. De acordo com o
autor, o fato de que os governos militares do Brasil e da Bolívia possuíam mais contatos que
rivalidades, aliado ao fato de que após os choques do petróleo dos anos 1970 o governo
brasileiro procurou minimizar a sua dependência externa do petróleo por meio da diversificação
– tendo em vista a criação do primeiro biocombustível a partir da cana de açúcar – da sua matriz
9 Galeano (2006, p. 28) aponta que “Em meados do século XVII a prata alcançava mais de 99 por cento das exportações minerais da América Hispânica”. 10 Watson (2005, p. 308) afirma que “Os colonos exploravam as populações locais, a despeito da oposição da
igreja, e atingiram um padrão de vida mais alto que aqueles de que gozavam em suas pátrias de origem”.
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energética, podem ter fornecido os estímulos necessários para o estabelecimento do acordo de
complementação energética em torno do gás natural entre os dois países.
Assim sendo, a dependência econômica da exploração de recursos naturais, o perfil
econômico da Bolívia, como demonstrado por Galeano (2006), pode ser vista como uma das
explicações para o aprofundamento das diferenças sociais entre cambas e collas, uma vez que
aos primeiros a participação na vida econômica e administrativa do país mencionado não era
estranha e aos segundos o exercício do poder encontrava dificuldade tanto na representatividade
política quanto na proximidade dos centros produtivos bolivianos.
Da participação política e econômica
A seção que se segue apresentará, de acordo com Rocha (2006) e Nogueira (2007), as
características e as orientações políticas e econômicas dos cambas e collas. As diferenças no
exercício da vida política entre cambas e collas evidenciou a propensão da parcela camba em
aceitar um projeto mais ou menos consoante ao neoliberalismo e, também, os posicionamentos
de cambas e collas em relação ao aproveitamento dos recursos naturais de seu território. Nesse
sentido, as demandas políticas da parcela colla da sociedade boliviana, revelaram as fraturas
econômicas e representativas escondidas por sua pouca participação política.
Como exemplo desses embates entre cambas e collas cita-se a Guerra da Água11. A
Guerra da Água apresenta um importante ponto de inflexão na análise desse embate, pois
congregam, na mesma posição, as demandas tanto da população mais pobre quanto da
população das camadas médias que enxergavam na gerencia internacional de seus recursos
naturais um afronte à soberania boliviana.
Nesse cenário se inserem ainda, de acordo com Rocha (2006), o modelo clientelista que
havia tomado os poderes Executivo e Legislativo da Bolívia. Essa perspectiva pode ser
confirmada a partir da visão de que, por falta de apoio popular, os governos que precederam o
governo Morales, enfrentavam tanto uma oposição forte, centrada principalmente nos
11 De acordo com Camargo (2006, p. 188), “[...] quando ampla mobilização de classes populares e médias obrigou a rescisão do contrato firmado com nova concessionária privada dos serviços de fornecimento de água [...]”.
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movimentos sociais, quanto a pouca legitimidade de sua passagem, uma vez que em muitos
casos coube ao Congresso decidir quem seria o Presidente12.
O clima que cercou a administração de Evo Morales era visto com atenção, de acordo
com Rocha (2006), por parte de seu eleitorado devido às promessas feitas durante a campanha,
principalmente as que perpassavam os recursos energéticos. Do momento de sua eleição a até a
publicação do Decreto Heroes Del Chaco, o governo de Evo Morales viu sua popularidade
esvair-se rapidamente. Em apenas três meses de governo, o presidente Evo Morales havia
perdido 12% de apoio popular o que pode ter sido um dos propulsores para a publicação, no
feriado de 1º de maio, da nova política boliviana sobre a exploração de seus recursos naturais.
Dessa maneira, o governo de Evo Morales teve como principal desafio, alinhar o
desenvolvimento boliviano – que remonta o período colonial, como representante de uma nova
classe e negociar a transição entre o modelo de desenvolvimento neoliberal, centrado
principalmente no investimento externo – a um modelo de desenvolvimento dirigido pelo
Estado, mas com o objetivo de promover o desenvolvimento de toda a sociedade boliviana e
não apenas o de um grupo específico.
Da Nacionalização
Esta seção tenciona identificar as razões, os desdobramentos e o contexto que envolveu
o terceiro processo de nacionalização dos recursos naturais da Bolívia. Cabe ressaltar, que
diferentemente das tentativas empreendidas nos anos 1930 e 1960, tidas por Rocha (2006) como
“mais abrangentes”, o sucesso da nacionalização de 2006 foi resultado de um cenário político,
econômico e social mais favorável às demandas da população collas.
Sendo assim, Rocha (2006) e Almeida (2016) destacam que a publicação do Decreto
Heroes Del Chaco encontrava respaldo tanto na experiência boliviana, de nacionalizar recursos
naturais, quanto no referendo popular realizado em 2004. Nesse sentido, a figura 1, a seguir,
apresenta um quadro geral sobre essa questão.
12 Para Rocha (2006, p.140), “A fórmula das eleições, no entanto, não garantiu a vitória de Paz Estenssoro, de
maneira que coube ao Congresso decidir o desempate. Os parlamentares tampouco conseguiram resolver a questão
de maneira definitiva, encontrando como solução para o impasse a realização de novas eleições”.
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Figura 1 – Referendo 2004
Fonte: Almeida (2016, p.160).
No referendo de 2004, a maioria dos bolivianos votou em favor da nacionalização
tornando evidente, conforme destaca Almeida (2016, p. 160) o seu desejo de “recuperación de
la propiedad de todos los hidrocarboburos en boca de pozo para el Estado boliviano”, conforme
pode ser observado na Figura 1, acima, mais de 90% da população votou a favor da
nacionalização.
Desse modo, este trabalho entende que o governo de Evo Morales estava com “a faca e
o queijo”, pois existia o respaldo legal, artigos constitucionais que tratavam da soberania
energética da Bolívia – em especial o § 139 – e a legitimidade conferida pelas urnas tanto para
sua eleição quanto para a retomada do controle das reservas de gás natural, conforme revelou o
referendo popular de 2004.
Todavia, a resposta das empresas petrolíferas estrangeiras situadas em solo boliviano e
que tinham suas principais atividades ligadas à comercialização de gás natural, pode ser vista
como adversa ao resultado do Referendo de 2004, uma vez que, de acordo com Almeida (2017,
p.163):
[...] aumentou em 32% a sua participação no valor bruto da produção nacional de
hidrocarbonetos. Como resultado disso – ou seja, do aumento dos impostos sobre as
atividades de produção de hidrocarbonetos na Bolívia – a margem de lucro das
empresas petrolíferas situadas no país foi drasticamente comprimida.
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De acordo com Santoro (2006), a Petrobras foi a empresa brasileira que mais investiu na
Bolívia. O autor aponta que no ano de 1996 a empresa respondia por 18% de todo o PIB
boliviano. Almeida (2017) corrobora com esse argumento, apresentando que o interesse no país
vizinho se justificaria por um histórico que remonta, conforme destaca Ramos (2018), as trocas
de Notas Reversais de Roboré (1938) e perpassa as décadas de 1980 e 1990. Além disso, é
importante mencionar que o interesse da Petrobrás refletia o entendimento do governo brasileiro
em ter acesso a insumos energéticos que pudessem lhe proporcionar o impulso necessário para
alcançar o seu desenvolvimento.
Então, por mais que Nogueira (2007) pontue que a Petrobrás possuía alguma vantagem
negocial no estabelecimento do contrato de compra e venda do gás boliviano, – uma vez que a
venda do gás boliviano para essa empresa respondia por grande parcela de seu PIB – as
negociações acerca do pagamento por metro cúbico de gás e as indenizações adequaram aos
preços pagos pelo Brasil aos preços praticados no mercado internacional. Neste ponto, este
artigo procura analisar a relação Bolívia-Brasil, a partir da perspectiva de Putnam (2010) que
analisa o processo de tomada de decisão a partir de um jogo realizado em dois níveis, o
doméstico e o externo. Dessa forma, posiciona-se os interesses das empresas internacionais,
dentre elas a Petrobras, como pertencentes ao “grupo externo”, em relação à Bolívia, e a posição
da população boliviana como “grupo doméstico”.
Putnam (2010) apresenta a noção de que, num processo de decisão, que envolva cenários
domésticos e internacionais, atores de ambos os níveis se autorregulam a fim de construir uma
proposta que melhor lhes satisfaçam. Entretanto, por se tratar de “dois ou mais” tabuleiros,
interno e externo, o “jogador”, no caso aquele que for incumbido da tarefa de negociar, pode
encontrar-se numa posição de vulnerabilidade, tanto internamente, caso as negociações não
sejam satisfatórias àqueles indivíduos afetados dentro do Estado, quanto externamente caso
deixe os interesses internos ditarem os rumos das negociações.
No caso boliviano, a grande maioria colla, que percebia seus interesses há muito
ignorados pela elite camba, pressionou, tanto no nível doméstico, para que as reformas fossem
coerentes com as propostas feitas pelo governo Evo Morales, quanto internacionalmente a fim
de pressionar as empresas estrangeiras, tidas como dilapidadoras das riquezas bolivianas, a
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negociar um acordo que garantisse respeito à soberania energética boliviana consoante com o
disposto no Decreto Heroes Del Chaco.
Assim, situando o então presidente Evo Morales na posição de negociador-chefe13, este
se encontrava numa posição privilegiada. Uma vez que possuía como respaldo, o Referendo de
2004, o § 139 da Carta Magna boliviana e o apoio popular. Dessa forma, Nogueira (2007)
considera que no contexto da nacionalização, enquanto a Bolívia se posicionou confortável para
negociar em termos favoráveis para si, a Petrobrás ficou numa posição desconfortável – dada a
proximidade ideológica entre os governos da Bolívia e do Brasil – por ter conferido mais poder
de barganha ao governo de Evo Morales.
Dessa forma, mesmo que a Petrobrás tivesse evitado uma negociação com o governo de
Evo Morales no campo político – dominado pelo entendimento do governo brasileiro que a
decisão boliviana foi legítima – ela teria de reforçar a visão comercial, por se tratar de uma
empresa que lidava no competitivo mercado energético.
Considerações finais
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), procura sintetizar e demonstrar as
variações nas áreas dos países analisados, sendo elas: a saúde, a educação e a renda da
população. Deste modo, a análise do IDH boliviano no período de 2006 a 2016 apresenta uma
melhora nesse índice.
A Bolívia, no período analisado, conseguiu patamares de crescimento econômico
próximos de 5%. Esse crescimento econômico pode ter melhorado o IDH que serve como
indicativo na melhora da qualidade de vida da sociedade boliviana. De acordo com o Relatório
da PNUD de 2006, o IDH dos 20% mais ricos, na Bolívia, era comparado com os de países com
alto IDH, como a Polónia. Já aqueles 20% mais pobre estariam numa colocação mais próxima
13 De acordo com Putnam (2010, p. 167), “No modelo estilizado de jogos de dois níveis
delineado aqui, o negociador-chefe é a única conexão formal entre o nível I e o nível II. Até o
momento assumi que o negociador-chefe não tem perspectivas políticas independentes, mas
que age meramente como um honesto intermediário, ou melhor, como um representante dos
interesses dos grupos domésticos”.
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de países como o Paquistão. Assim, os dados presentes no referido Relatório demonstram a
urgência em diminuir o fosso que separa os indivíduos ricos dos indivíduos pobres na Bolívia.
Dessa forma, o ranking da Bolívia em 2006, que ocupava a 115º com um IDH de 0.626,
a coloca numa posição intermediária, entre países de continentes que experimentam profundas
desigualdades sociais, como a África e a América Latina. Neste sentido, a melhora do IDH
boliviano pode ser atribuída aos seguintes fatores: maior distribuição de renda – devido à
nacionalização dos hidrocarbonetos e da maior autonomia do governo boliviano em estimular a
diminuição da pobreza; e, desenvolvimento de politicas públicas inclusivas – uma vez que a
pouca participação colla pode ter contribuído para a desigualdade social. Desse modo, o governo
de Evo Morales trouxe mais visibilidade para as questões de desenvolvimento que envolve essa
parcela da população.
Assim, dados do FMI, indicam que a situação de dependência boliviana dos
hidrocarbonetos para superar suas dificuldades econômicas, pode colocar o país em um cenário
de dependência do valor dos hidrocarbonetos para a sua manutenção. Dessa forma, quando se
avalia a potencialidade boliviana em conjugar o desenvolvimento econômico refletindo em
melhoras para a sua população, o FMI sugere que outras áreas da economia boliviana sejam
estimuladas juntamente com a previsibilidade dos gastos para superar a situação de pobreza de
parte de sua população.
Portanto, a capacidade dos próximos governos em sistematizar uma agenda que conflua
tanto os interesses dos mais pobres quanto daqueles mais ricos, pode evitar o que Albó (1999,
p. 480) pontua como sendo um “efeito bumerangue”. Nesse sentido, a experiência brasileira,
fundamentada sobre o tripé econômico – câmbio flutuante, regimes de meta de inflação e
responsabilidade fiscal – pode ser tida como aconselhável ao país vizinho. Uma vez que o
equilíbrio econômico do Estado pode ser apontado como o caminho para a superação das
desigualdades sociais, haja vista o exemplo brasileiro nos anos que sucederam ao Plano Real.
Se for realmente do interesse do Brasil, a integração regional deve ser levada a cabo
considerando-se os desafios que a plurinacionalidade boliviana apresenta. Para que os dois
países possam juntos superar as suas condições de marginalidades, no atual modelo econômico,
e também servir de inspiração àqueles, fisicamente distantes, mas próximos nas questões que
envolvem um desenvolvimento solidário.
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POLÍTICA
INTERNACIONAL
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A EMERGÊNCIA DE UM NOVO ESTADO EM UM MUNDO
INTERDEPENDENTE: O CASO DO “CURDISTÃO” 14 Heitor Frazão Bernardes15
Danillo Michael da Costa16
Resumo
Com flagrantes características de um Estado nacional – tais como, língua, cultura e território – a causa curda,
enquanto luta para a criação de um Estado independente, se apresenta no cenário internacional como sendo uma
das mais complexas na atualidade. Assim, avaliar o mapa geopolítico que uma nação curda poderia desempenhar no tabuleiro energético do Oriente Médio, com o apoio de países como os Estados Unidos, lança questionamentos
sobre a estabilidade geopolítica da região. Assim, a análise baseada nos princípios vestfalianos, deve considerar
as vicissitudes que cercam o longo processo de afirmação do povo curdo no cenário internacional. Em
consequência disso, o presente artigo procura refletir sobre a questão da emancipação curda, à luz do principio de
autodeterminação dos povos previsto na Carta Constitutiva da ONU e em consonância com os acontecimentos que
impulsionaram as intervenções econômicas e militares naquela porção do globo no pós Guerra-Fria. No arco
temporal que se pretende avaliar – o período de 1970 a 2010 – essa pesquisa empregará os pressupostos teóricos
da teoria da interdependência complexa de Nye e Keohane (2012). Para análise dos dados coletados será utilizada
a metodologia mista. Portanto, considerando-se a importância das commodities energéticas, principalmente o
petróleo, nos processos de desenvolvimento daqueles países, este artigo procura responder à seguinte hipótese: a
interferência internacional pode ser benéfica para a afirmação de uma identidade curda independente dos demais
países que atuam naquela região. Portanto, o objetivo central desse artigo é relacionar segurança energética
mundial com a instituição de um novo player, o “Curdistão”, no palco internacional.
Palavras-Chaves: Afirmação, Curdos, Independência, Petróleo, Interdependência.
Introdução
A causa curda é percebida como uma luta que remonta ao século XIX. Em função do
complexo cenário internacional que se insere ela não pode menosprezar fatores que tornam o
povo curdo um caso excepcional dentro da já intricada região do Oriente Médio. Além disso, o
entendimento de Larry e Buzan (2005) que pontua a centralidade do Estado em agir no sentido de
garantir a autonomia e a segurança de seu povo pelo uso da força, não considera o fato de que por não
haver um “Estado” curdo reconhecido internacionalmente, o recurso ao uso da força enfrenta muitas
críticas uma vez que a garantia de segurança curda, na prática, é realizada por uma milícia, os
Peshmerga.
14 Orientador: Dr. Adriano Pires de Almeida, Professor do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), coordenador da pesquisa de Iniciação Científica “O papel dos grupos
de interesse do setor industrial das regiões Centro – Oeste, Sudeste e Sul na formação da política brasileira” na PUC Goiás e coordenador da linha de pesquisa “energia” do NEBBRICS – UFGRS. 15 Graduando do primeiro período do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de
Goiás (PUC Goiás) e membro do grupo de estudos “Relações Internacionais na América Latina” da PUC Goiás. 16 Graduando do sexto período do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Goiás
(PUC Goiás) e pesquisador da Iniciação Cientifica “O papel dos grupos de interesse do setor industrial das regiões
Centro-Oeste, Sudeste e Sul na formulação da política energética brasileira” da PUC Goiás.
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No entender de Huntington (1996), no contexto da Guerra-Fria as questões que
envolviam a criação do Estado Curdo estavam intimamente ligadas aos assuntos que se
encerravam no conflito ideológico, entre os dois polos antagônicos – Estados Unidos da
América (EUA) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) – o que tornou a causa
curda latente, conforme será abordado adiante. Assim, as análises que permeiam a situação
curda, tendem a situar a posição destes como sendo ímpar e estratégica.
Nos anos 1990, os estudiosos que consideravam a posição curda como ímpar – como,
por exemplo, a CIA em seu Challenge of Ethnic Conflict to National and International Order
in 1990´s: Geographic Perspectives, publicado em outubro de 1995 – classificavam esse caráter
como sendo o de um povo que “[…] indeed, lie acros the shared bounds of two or more States,
as do Kurds in Southweat Asia” 17 (CIA, 1995, p. 2). Ademais, aqueles que percebem a condição
curda como sendo uma posição estratégica, concordam com as proposições de Carstens (2006)
de que os curdos ocupam uma região no Oriente Médio que por anos foi alvo de conflitos
ligados à exploração de recursos naturais, como o petróleo. Neste particular, a administração
curda experimenta tanto o financiamento internacional na área energética quanto o
estabelecimento de um ambiente de previsibilidade e segurança para a realização de negócios
voltados para a exploração de recursos naturais.
Em função disso, a análise que se segue não se limitará da área de segurança. A riqueza
dessa questão não permeia somente essa região limítrofe, ao contrário, ela perpassa vários
problemas que se não afetam diretamente a vida no ocidente, como a formação dos preços das
commodities energéticas o posiciona diante dos direitos humanos, no que se refere à questão da
autodeterminação dos povos.
Sendo assim, este trabalho está dividido nos seguintes tópicos: apresentação dos grupos
que formam os curdos, sua cultura, costumes e raízes históricas; demonstração da capacidade
curda de conseguir alguma representação política no ambiente hostil no qual está inserida; e,
apresentar dados econômicos que reforcem a posição curda como amistosa ao Ocidente.
Em tempo, cabe ressaltar que o presente artigo não ambiciona, de forma alguma,
reforçar uma posição mais contundente em favor deste ou daquele ator internacional. Este
17 “[…] de fato estão entre fronteiras compartilhadas de dois ou mais Estados, como os Curdos no sudeste asiático”. Tradução livre.
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trabalho se embasa na capacidade que o cenário internacional, com fortes traços de desgaste
dos conceitos vestfálianos, pode acrescentar na convivência pacífica, e concomitantemente,
prospera, dos indivíduos que vivem naquela região.
Raízes do Povo Curdo
O tópico que se segue centrará seus esforços em descrever quais foram os grupos
formadores dos curdos. Nesse sentido, se faz importante mencionar que, de acordo com Gunter
(2013, p.20), o povo curdo remonta sua gênese da data de 612 A.C. Deste modo, pode-se dizer
que o nacionalismo curdo apresenta traços fortes que são classificados pelo autor (2013) como
sendo “primordialistas”.
Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se situar o povo curdo como uma coletividade
que não se enquadraria na etnia árabe, pois, além do passado paralelo, as divergências
repousariam sobre outros aspectos. O principal seria o fato de que a religião18 curda, uma
variação de várias religiões monoteístas, dentre ele o judaísmo19 e o zoroastrismo20, não possui
aceitação entre seus pares muçulmanos da região. Neste sentido, Gunter (2013, p. 34) aponta
para a afirmação do Sheikh Abeydullah Nehri que afirma que “The Kurdish nation... is a people
apart. Their religion is different and their laws and customs are distinct... We also are a nation
apart. We want our affairs to be in our own hands”21.
A Figura 1, a seguir, sintetiza a condição singular da população curda. Nela é possível
corroborar com a argumentação de que essa porção do Oriente Médio possui grande população
curda, o que por si só, configuraria legitimidade22 por parte daqueles que reclamam autonomia
sobre a região.
18 Adota-se a definição de Schilling apud Epelboim (2006, p. 49) que define como “[...] como união pela fé, vínculo que se desenvolveria na vivência do sagrado e provocaria ações responsáveis nas esferas do culto e da
ética”. 19 A partir de Epelboim (2006, p. 51) o judaísmo como seria uma prática religiosa que perpassa desde ritos de
passagem como, circuncisão, nos meninos, ou, em alguns casos, a necessidade em ter nascido de família judia ou
em Israel. 20 Stacey (2015, p. 1) define como “uma religião persa fundada no século seis AEC pelo profeta Zoroastro, promulgada no Avesta e caracterizada pela adoração de um deus supremo, Ahura Mazda, que requer boas ações
para ajudar em sua batalha cósmica contra o espírito mal Ahriman”. 21 “A nação curda ... é um povo à parte. Sua religião é diferente e suas leis e costumes são distintos ... Nós também
somos uma nação à parte. Queremos que nossos assuntos estejam em nossas próprias mãos”. Tradução livre. 22 Seguindo o mesmo raciocínio empregado, por exemplo, na Constituição de Israel presente na Resolução 181 da
ONU.
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Figura 1 – O projeto Curdo
Fonte: Adaptado de The Kurdish Project (2018).
De acordo com Gunter (2013), o relativo controle de porções de países, como o Iraque
e a Turquia, oferece o pano de fundo necessário para a compreensão das demandas curdas. Ou
seja, o movimento nacionalista curdo, que se estende desde o norte do Iraque, perfazendo um
caminho no Irã, Síria e Turquia, antes mesmo de uma uniformização política das demandas
nesses países, já enfrentava os desafios inerentes às minorias. Contudo, a posição curda
manteve-se firme na perseguição de seu fim maior, o Curdistão.
Com isso, qualquer perspectiva que se adote para entender a posição curda no tabuleiro
geográfico, que esta se insere, tem de levar em consideração que as mudanças regionais e
internacionais impactaram23, e impactam até hoje, a frágil convivência do povo curdo em
23 Neste sentido, Said (1990, p. 199) aponta que “Judeus, ortodoxos gregos e russos, drusos, circassianos, armênios,
curdos e as várias pequenas seitas cristãs: todos foram estudados, todos foi objeto de planos e base de projetos por
parte das Potencias europeias, improvisando e concebendo as suas políticas orientais”.
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relação aos seus vizinhos. Dessa forma, a procura por uma identidade curda, não pode minorar
as relações que pautaram durante séculos aquela região. Seja para conformar as demandas e os
interesses dos atores analisados, seja para escapar do senso comum que interpreta os povos lá
viventes como pertencentes de um mundo distante e que, portanto, não seriam merecedores de
reflexões.
Sendo assim, a próxima seção centrará seus esforços em captar as forças que
galvanizaram a luta curda para a arena política nos diferentes países onde a população curda
entendesse sua representatividade. Desse modo, a compreensão da natureza diversa a qual os
curdos estão ligados, sua língua, cultura e religião foram importantes para o entendimento que
se segue.
Movimentos de Independência
Está seção tenciona centrar seus esforços em relacionar os movimentos de
independência do povo curdo, durante com o século XX e a sua relação com o cenário que se
inseria na região. De acordo com Meintjes (2018), a tentativa curda em conseguir, se não o
Estado Curdo, ao menos uma região autônoma, teve apoio da conjuntura que envolve a
reformulação da Al Qaeda em Daesh24. Nesse sentido, enquanto as forças iraquianas
centravam-se em conter o avanço do Daesh, rumo ao norte do país, os curdos, que já gozavam
de alguma autonomia, no norte do Iraque, viram-se impelidos a juntar forças, em certa medida,
com as defesa iraquiana a fim de expurgar os combatentes do Daesh.
A Figura 2, a seguir, apresenta a percepção à época dos iraquianos quando questionados
sobre quais os fatores levaram a emersão do Daesh.
24 De acordo com Ahmad (2017, p. 1), esse termo se refere ao acrônimo conhecido no Ocidente como Isis ou
Estado Islâmico.
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Figura 2 – Percepção do povo iraquiano sobre o Daesh
Fonte: Adaptado de Chatham House (2018).
Dessa forma, pode-se inferir que a ajuda curda para frear o avanço do Daesh, naquele
momento, foi de grande importância, uma vez que, se não houvesse êxito nessa campanha por
parte da coalizão formada por curdos e iraquianos, fatalmente a região mais rica em recursos
energéticos, sabidamente petróleo, poderia ter ficado sob o controle de um ator que pretendia a
reformulação de um califado25.
Como efeito desse embate contra o Daesh, a precária organização de defesa curda,
acabou sendo pega num dilema. A pergunta que se apresentou à etnia centrava-se em até onde
lhe caberia a defesa de um território que não era de fato seu e agora, com a bem sucedida
empreitada como isso poderia ser usado num cenário mais amplo a fim de reforçar o desejo de
um Estado, por mais que sua criação este fosse rebatida pelos países da região.
Como exemplo da tentativa por parte dos curdos em terem suas demandas ouvidas pelo
Legislativo turco, cita-se a criação, por parte de Abdullah Ocalan, do Partido dos Trabalhadores
do Curdistão (PKK) de inspiração marxista-leninista, que é vista até pela comunidade
internacional de maneira preocupante. Isso pode ser apreendido a partir da perspectiva de
25 Cunha (2009) oferece a interpretação de que um califado seja uma região dominada por um líder que teria
encerrada em si funções como, chefe do executivo, do judiciário e religioso.
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Dayton (2013), que apresenta a categorização, por parte da Europa e dos Estados Unidos, de
terroristas a essa agremiação política.
A próxima seção se mantem na linha de raciocínio da construção de uma harmonia
naquela região, por meio das relações governamentais e comerciais. Nesse sentido, a
visibilidade conferida por Carstens (2006), em relação à abundancia de recursos naturais, pode
ser um ponto de contato a ser explorado por todos os atores que estão atuando naquela região
e, também, por empresas e governos internacionais que buscam acesso seguro a essas fontes.
A “inserção” Internacional do Curdistão
Até este momento, este trabalho procurou oferecer bases para que a causa curda fosse
entendida de forma regionalizada, sua inserção, suas demandas e principalmente sua
localização. Num primeiro momento essa visão pode levantar poucos questionamentos sobre a
importância do Curdistão. Entretanto, um exame mais próximo da potencialidade que um
Estado Curdo, poderia trazer para a estabilidade do Oriente Médio, apresentaria uma via que
possibilitaria o ambiente comercial e, consequentemente, uma maior interação entre os
envolvidos.
Um dos exemplos clássicos das relações que podem ser desencadeadas a partir de um
ambiente profícuo ao comércio, Kant (2008), ainda sem a contemporaneidade do efeito de
transbordamento26, já prenunciava que enquanto as nações fossem fechadas para suas relações
comerciais outras seriam prejudicadas, haja vista que quanto maior for o contato entre os povos,
no caso, suplantado pelo comércio, menor seria a disposição destes em pegar em armas.
Dessa maneira, a maior interação entre os atores regionais e internacionais, dentro do
contexto do Oriente Médio, poderia ser o patrocinador necessário para a diminuição das
questões conflituosas o que poderia trazer ao cenário maiores possibilidades de negociação em
outras questões que extrapolassem o comércio. Ou seja, por meio do comércio e do maior
contato, a causa curda poderia encontrar a seara necessária para levar suas demandas a serem
ouvidas, mesmo que não fossem atendidas.
O simples fato de constituir oportunidades para que isso acontecesse já poderia conferir
aos curdos – como aponta Putnam (2010), a lógica da teoria dos jogos em dois níveis –
26 Dada as relações comerciais outras relações, sociais culturais, etc. poderiam melhorar.
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constrangimentos e vitórias tanto dentro quanto fora de seu país. Sendo assim, mesmo que a
causa curda encontrasse grande resistência entre Iraque, Síria, Irã e Turquia, a pressão
internacional poderia ser o elemento motivador para que essa resistência se enfraquecesse.
Para oferecer essa perspectiva, as linhas a seguir serão preenchidas com informações
que tratam tanto da produção petrolífera da região denominada Curdistão, quanto sobre a
disposição das empresas em investir em regiões pacíficas. Dentro dessa argumentação as
percepções de autores que lidam diretamente com o tema energético, como Yergin (2012), e
também com questões que envolvem a interligação dos Estados, como os teóricos da teoria da
interdependência, Nye e Keohane (2006). A Figura 3, a seguir, que se segue apresenta o fluxo
de petróleo no mundo durante o ano de 2016:
Figura 3 – Fluxo de petróleo no mundo (2016)
Fonte: Adaptado de BP Statistical Review of World Energy (2016).
A partir das informações dispostas na Figura 3, a cima, pode-se interpretar a
diversificação das exportações de petróleo o qual o Oriente Médio. Por mais que seja obviedade,
a região que concentra a maioria dos poços produtivos dessa commodity se encontra na
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confluência dos países que tem uma população curda relevante. Ou seja, uma visão mais
próxima da importância dos curdos nas dinâmicas mundiais já evidencia seu papel ativo. A
Figura 4, a seguir, apresenta a relação entre as reservas de petróleo com a sua produção no ano
de 2016:
Figura 4 – Relação entre reservas de petróleo e produção (2016)
Fonte: Adaptado de BP Statistical Review of World Energy (2016).
Com base nos dados expostos na Figura 4, acima, pode-se situar a região do Curdistão
como um player importante na construção de uma agenda de desenvolvimento para toda a
região. Desconsiderando-se o papel gigantesco que a Venezuela, com as maiores reservas
comprovadas de petróleo do mundo, possui no que diz respeito aos recursos energéticos, pode-
se depreender a centralidade dos curdos na questão energética.
Nesse sentido, a situação do povo curdo, em relação a uma maior inserção internacional
pode ser interpretada como, a partir de Nye e Keohane (2013), proporcional à sua riqueza
energética, dada a centralidade que os recursos energéticos assumiram no cenário que sucedeu
a Segunda Guerra Mundial. O conceito de sensibilidade apresentado pelos autores pode ser
utilizado para justificar o apoio ocidental na promoção do Estado Curdo, uma vez que os
choques do petróleo, dos anos 1970, colocaram de acordo com Yergin (2012), os países mais
desenvolvidos em posições desconfortáveis tanto em relação à sua opinião pública, devido à
escassez desse energético, quanto entre si, devido aos contratos que, suspeitam-se, não eram
honrados por parte das companhias petrolíferas.
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Portanto, o tema que envolve a criação do Curdistão, perpassa necessariamente questões
que não são percebidas como estanques. Ao mesmo momento que a segurança humana, nos
termos da Escola de Copenhague, é percebida, a partir de e Buzan e Hansen (2012), como
relevante para a solução coordenada do tema, ela não pode excluir o fato de que existe uma
necessidade mundial em manter uma oferta previsível e segura de insumos energéticos. Dessa
forma, as pressões que podem trazer para o cenário internacional, não só a questão energética,
mas também a vontade de uma nação em se ligar formalmente a uma localidade, carregada de
simbolismo e história, deve ser considerada, também, no seio do direito internacional.
Considerações finais
O Tratado de Vestfalia (1648), a partir de Watson (2004), legitimou uma comunidade
de Estados soberanos, marcando o triunfo do Stato27, detentor do controle de seus assuntos
internos e independentes em termos externos. O Tratado de 1648 lançou as bases para muitas
regras e políticos da nova sociedade de Estados. Sendo assim, a reinvindicação curda em muito
se assemelha com as ideias impressas nesse Tratado uma vez que a não interferência em
assuntos internos, a liberdade religiosa e a autodeterminação dos povos em fazer parte deste ou
daquele Estado, apresentam uma leitura contemporânea das questões que perfazem o Estado
Moderno.
No Curdistão, uma possível aproximação com o Ocidente, poderia trazer certa
resistência entre os países contrários à independência deste. Entretanto, de acordo com Renan
(1882), a amálgama na qual se insere o povo curdo principalmente na Turquia, não foi capaz
de criar um sentimento de nacionalidade consoante com aquele visto em outros países europeus,
pois o sentimento de esquecimento, apresentado pelo autor como o catalisador das nações
europeias, ainda enfrenta resistência pelos dois povos envolvidos.
Desse modo, o argumento de Huntington (1997), de que uma civilização apresentaria
um caráter evolutivo e que não se restringiria tão somente ao seu local de origem, pode-se
considerar que a posição do povo curdo em muito concorda com essa afirmação, haja vista seu
27 O Stato, de acordo com Watson (2004), é uma palavra de origem italiana, que descrevia a situação política da
Itália no século XV.
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caráter transacional, envolvendo indivíduos que compartilham a mesma cultura, dispersos em
quatro países diferentes.
Sendo assim, a reflexão deste trabalho demonstra a relevância do Curdistão no canário
interdependente o qual se insere a política e a economia atuais. Devido suas grandes reservas
de petróleo, sua posição expressa, de acordo com Fuser (2013), o potencial que esse novo ator
teria para se desenvolver, dada a centralidade que a energia possui nos processos nacionais de
desenvolvimento. Todavia, a inserção autônoma desse “país” traria uma diminuição na
percepção que tanto a segregação quanto a xenofobia, a qual os curdos sofrem por parte de seus
nacionais, por mais que não se percebem como tal.
Outro ponto importante a se mencionar nesta parte do trabalho é que há séculos os
curdos habitam as montanhas das regiões onde atualmente vivem. Em 1920, de acordo com
Hobsbawn (2014) a derrota do Império Otomano, na Primeira Guerra Mundial, e sua
consequente queda, abriu caminho para a criação de uma nação curda. Naquele ano, os Aliados,
vencedores no conflito mundial, assinaram com os turcos um acordo de paz chamado Tratado
de Sèvres. O acordo previa o desmembramento do território turco em favor dos países vizinhos.
O tratado contemplava os curdos com uma região autônoma, situada no leste da península turca
da Anatólia e na atual província iraquiana de Mossul.
Somado a isso, a possível emergência do Curdistão, de acordo com Renan (1882), pode
ser vista como resultado do efeito enclausurador de sua cultura e a moeda (o Dinars). Dessa
forma, sua independência é tida como ameaçadora pelos outros países da região uma vez que,
pode ser identificada como interesse dos Estados Unidos, dada a sua importância no tabuleiro
energético mundial.
Além disso, o Curdistão é tido como uma região com tendências políticas que se
assemelham à democracia ocidental, dada a natureza de seu governo situado ao norte do Iraque,
e a visão que as empresas ligadas ao ramo petrolífero enxergam aquela região, conforme destaca
Carstens (2006), como sendo uma região de grandes oportunidades para investir em seu
principal produto exportável, o petróleo. Assim, o apoio ocidental e a predisposição a ter uma
economia liberal apresentariam vantagens em relação aos seus vizinhos, que são entendidos
como regimes autoritários e tímidos nas questões que envolvem a participação política de suas
minorias. Todavia, Fuser (2013) lembra que a dependência extrema à essa commodity
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energética pode amaldiçoar o povo curdo. Uma vez que ligar a existência desse novo país
exclusivamente à suas reservas energéticas, pode num primeiro momento garantir sua
sobrevivência, entretanto, no longo prazo, os riscos cresceriam bastante, caso sua economia não
se diversificar.
Portanto, não apenas garantir que esse povo tenha autonomia sobre as os recursos
naturais existentes nas regiões que habitam, mas também que consigam conciliar sua riqueza
energética em melhorias da qualidade de vida de seus cidadãos pode ser o caminho para a
inserção, de fato, do Curdistão, de acordo com as premissas de Nye e Keohane (2012), num
mundo interdependente.
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