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GraGoatá

ISSN 1413-9073

Gragoatá Niterói n. 32 p. 1- 258 1. sem. 2012

n. 32 1o semestre 2012

Política Editorial

a revista Gragoatá tem como objetivo a divulgação nacional e internacional de ensaios inéditos, de traduções de ensaios e resenhas de obras que representem contribuições relevantes tanto para reflexão teórica mais ampla quanto para a análise de questões, procedimentos e métodos específicos nas áreas de Língua e Literatura.

1ª prova – Káthia – 24 mai 2013

Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense Direitos desta edição reservados à– Editora da UFF – Rua Miguel de Frias, 9 – anexo – so-breloja – Icaraí – Niterói – RJ – CEP 24220-900 – Tel.: (21) 2629-5287 – Telefax: (21)2629-5288 http://www.editora.uff.br – E-mail: secretaria@editora.uff.br

Organização:Projeto gráfico:Capa:Diagramação e supervisão gráfica:Coordenação editorial:Periodicidade:Tiragem:

Reitor:Vice-Reitor:Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação:Diretor da EdUFF:Conselho Editorial:

Conselho Consultivo:

Mônica Maria Guimarães Savedra e Xoan Carlos LagaresEstilo & Design Editoração Eletrônica Ltda. MERogério MartinsKáthia M. P. Macedoricardo Borges Semestral400 exemplares

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Ana Pizarro (Univ. de Santiago do Chile)Cleonice Berardinelli (UFRJ)Célia Pedrosa (UFF)Eurídice Figueiredo (UFF)Evanildo Bechara (UERJ)Hélder Macedo (King’s College)Laura Padilha (UFF)Lourenço de Rosário (Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa)Lucia Teixeira (UFF)Malcolm Coulthard (Univ. de Birmingham)

© 2012 by

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Editora.

aPoIo ProPPi/CaPES / CNPqUNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

G737 Gragoatá. Publicação dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense.— n. 1 (1996) - . — Niterói : EdUFF, 2012 – 26 cm; il.

organização: Mônica Maria Guimarães Savedra, Xoán Carlos LagaresSemestralISSN 1413-9073

1. Literatura. 2. Linguística.I. Universidade Federal Fluminense. Programas de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem e Estudos de Literatura. CDD 800

Editora filiada à

Site: www.uff.br/revistagragoata

Maria Luiza Braga (UFRJ)Marlene Correia (UFRJ)Mieke Bal (Univ. de Amsterdã)Nádia Battela Gotlib (USP)Nélson H. Vieira (Univ. de Brown)Ria Lemaire (Univ. de Poitiers)Silviano Santiago (UFF)Teun van Dijk (Univ. de Amsterdã)Vilma Arêas (UNICAMP)Walter Moser (Univ. de Montreal)

roberto de Souza SallesSidney Luiz de Matos MelloAntonio Claudio Lucas da NóbregaMauro Romero Leal PassosMariangela Rios de Oliveira – UFF - PresidenteMaria Lúcia Wiltshire - UFFFernando Muniz – UFFJussara Abraçado - UFFVanise Medeiros - UFFMaria Elizabeth Chaves - UFFMônica Savedra - UFFPaula Glenadel - UFFSilvio Renato Jorge - UFFXoán Lagares – UFFArnaldo Cortina – UNESP/ARARDermeval da Hora – UFPBEneida Leal Cunha - UFBAEneida Maria de Souza - UFMGErotilde Goreti Pezatti – UNESP/SJRPJacqueline Penjon – Paris III- Sorbonne Nouvelle

José Luiz Fiorin – USPLeila Bárbara – PUC/SPMabel Moraña – Saint Louis UniversityMárcia Maria Valle Arbex - UFMGMarcos Antônio Siscar - UNICAMPMarcus Maia – UFRJMargarida Calafate Ribeiro – Univ. de CoimbraMaria Angélica Furtado da Cunha – UFRNMaria Eugênia Lamoglia Duarte - UFRJRegina Zilberman – UFRGSRoger Chartier – Collège de FranceVera Menezes – UFMGSírio Possenti – UNICAMPTeresa Cristina Cerdeira - UFRJ

1ª prova – Káthia – 24 mai 2013 1ª prova – káthia – 24 mai 2013

Sumário

Apresentação ................................................................................. 5(Organizadores)

AberturaPolítica e planificação linguística: conceitos, terminologias e intervenções no Brasil ................................................................ 11Mônica Maria Guimarães Savedra, Xoán Carlos Lagares

ARTIGOS

Uma política pública e participativa para as línguas brasileiras: sobre a regulamentação e a implementação do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL) ..................................................................... 31Rosângela Morello

A invenção do monolinguismo e da língua nacional ......... 43Henrique Monteagudo

Nouvelles perspectives sur les politiques linguistiques: le poids des langues ................................................................... 55Louis-Jean Calvet

Um olhar crítico sobre a sociometria da língua portuguesa 75Cláudia Roncarati (in memorium), Diego Barbosa da Silva, Letícia Cao Ponso

Políticas linguísticas e historicização do Brasil: a escrita na construção vernacular .......................................................... 99Anderson Salvaterra Magalhães

Fabrica-se um “novo português”? Uma análise discursiva de documentos da CPLP ......................................................... 117Diego Barbosa da Silva, Vera Lucia de Albuquerque Sant´AnnaSite: www.uff.br/revistagragoata

José Luiz Fiorin – USPLeila Bárbara – PUC/SPMabel Moraña – Saint Louis UniversityMárcia Maria Valle Arbex - UFMGMarcos Antônio Siscar - UNICAMPMarcus Maia – UFRJMargarida Calafate Ribeiro – Univ. de CoimbraMaria Angélica Furtado da Cunha – UFRNMaria Eugênia Lamoglia Duarte - UFRJRegina Zilberman – UFRGSRoger Chartier – Collège de FranceVera Menezes – UFMGSírio Possenti – UNICAMPTeresa Cristina Cerdeira - UFRJ

GRAGOATán. 32 1o Semestre 2012

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Ensino via Pesquisa: a universidade para a diversidade latino-americana ....................................................................... 137Ivani Ferreira de Faria, Karina Mendes Thomaz

Política linguística para as línguas oficiais em Timor-Leste: o português e o Tétum-Praça .................................................. 153Davi Borges de Albuquerque, Kerry Taylor-Leech

Representação linguística: perspectivas práticas e teóricas 171Telma Pereira, Débora Costa

Um lugar de representação pela língua: o programa de leitorado do Ministério das Relações Exteriores brasileiro ................................................................. 189Leandro Rodrigues Alves Diniz

A Norma-Padrão Europeia e a Mudança Linguística na Escola Moçambicana .......................................................... 207Alexandre António Timbane, Rosane de Andrade Berlinck

Combatir y conservar: posiciones y saberes sobre el lenguaje popular en los Boletines de la Academia Argentina de Letras (1933-1943) ................................................................ 227Mara Glozman

COLABORADORES DESTE NÚMERO ................................ 247

NORMAS DE APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS .......... 255

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Apresentação

O número 32 da Gragoatá, dedicado aos estudos em política e planificação linguística, reflete uma das linhas de investigação de nosso programa de pós-graduação em Estudos de Linguagem.

No texto de abertura descrevemos o desenvolvimento histórico dos estudos desenvolvidos na área, com breve relato dos principais tópicos apresentados e discutidos nos últimos 50 anos e da situação atual das pesquisas desenvolvidas em nível nacional e internacional. Na organização do texto, articulamos as contribuições deste número de modo a propiciar ao leitor, além de ambiência teórica e prática, uma visão dos temas que com-põem o mosaico político-acadêmico atual, que alberga grande parte dos trabalhos desenvolvidos sobre esta temática: políticas e ideologias linguísticas; glotopolítica, planejamento linguístico e ensino; planificação de corpus e de status; direitos linguísticos; plurilinguismo; gestão da diversidade linguística.

Escolhemos abrir a revista com três artigos que introduzem a temática deste número: ações de política linguística em nosso país; estudos teóricos basilares sobre nacionalismo linguístico e uma nova proposta para tratar do tema de política linguística. No primeiro artigo intitulado “Uma política pública e parti-cipativa para as línguas brasileiras: sobre a regulamentação e a implementação do Inventário Nacional da Diversidade Lin-guística (INDL)” Rosângela Morello aborda a primeira política linguística brasileira pública de abrangência nacional, instituída pelo Decreto federal no. 7.387, de 09 de dezembro de 2010: o In-ventário Nacional da Diversidade Linguística Brasileira (INDL). Em seu texto, a autora apresenta um histórico dos trabalhos que precederam ao Decreto, apontando as prerrogativas políticas para sua regulamentação e implementação. o segundo artigo “A invenção do monolinguismo e da língua nacional”, escrito por Henrique Monteagudo, propõe uma discussão sobre a ideologia da “língua nacional”, mantida artificialmente pelas noções de Estados-nação e Nações-estado, identificadas na Europa a partir do século XVIII, como resultado de operações glotopolíticas de homogeneização de populações plurilíngues. No terceiro artigo de abertura “Nouvelles perspectives sur les politiques linguisti-que: le poids des langues”, Louis-Jean Calvet propõe incluir nos estudos sobre políticas linguísticas a questão do peso das línguas, medido quantitativamente a partir de um barômetro (baromètre Calvet des langues du monde), baseado em alguns critérios tais como: número de locutores; entropia; índice de desenvolvimento humano; índice de fecundidade; índice de penetração na internet;

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número de artigos na Wikipédia; línguas oficiais; prêmio nobel de literatura; traduções língua-fonte; traduções língua-alvo.

os artigos seguintes relatam pesquisas desenvolvidas no Brasil e no exterior sobre o tema da revista, que embora não esgotem toda a referência teórica e metodológica apresentam resultados significativos sobre o estado atual das investigações na área.

O texto “Um olhar crítico sobre a sociometria da língua portuguesa”, elaborado por Cláudia Roncarati , Diego Barbosa da Silva e Letícia Cao Ponso, aborda de maneira crítica a socio-metria representada por estudos e pesquisas que visam elaborar rankings e hierarquias entre as línguas. Neste contexto, os auto-res discutem dois problemas que envolvem a língua portuguesa: a defesa da lusofonia frente às demais línguas e fonias, numa tentativa de manter uma unidade linguística entre os países de língua oficial portuguesa, e a assimetria existente, mas por vezes intencionalmente ignorada, entre as variedades do português.

O texto de Anderson Salvaterra Magalhães, “Políticas linguísticas e historicização do Brasil: a escrita na construção vernacular”, demonstra como a escrita instaura uma arena de sentidos determinante para os discursos constitutivos do senso de vernáculo no e do Brasil. o autor seleciona para discussão dois documentos, representativos da tensão estabelecida pela políti-ca linguística da Coroa Portuguesa: a Carta régia declarando guerra contra os índios chamados botocudos e um texto editorial publicado no Correio Braziliense sobre tal Carta. Em sua análise destaca como ponto fundamental a imposição de uma política linguística portuguesa, que afeta o funcionamento cultural do país, gerando instrumento de afirmação e questionamento de ideologias linguísticas.

Na sequência, o texto de Diego Barbosa da Silva e Vera Lucia de Albuquerque Sant Anna “Fabrica-se um “novo portu-guês”? Uma análise discursiva de documentos da CPLP” expõe uma análise discursiva de declarações e resoluções emitidas pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), com o propósito de identificar traços das políticas linguísticas para a promoção e difusão do português, difundidas nesta última década. Os autores partem da ideia de etos e polêmica para identificar perfis de enunciadores, quais sejam: ufanista, defensor, apreensivo e idealista-apaziguador. Nos enunciados identificam a tendência para construção de um novo sentido de língua portuguesa, com força homogeneizante em contraposi-ção a outro já em curso, que tem como base o processo social e histórico de gramatização e heterogeneização das línguas portuguesas nacionais.

No trabalho de Ivani Ferreira de Faria e Karina Mendes “Ensino via Pesquisa: a universidade para a diversidade latino--americana” as autoras discutem políticas mercosulistas de inte-

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gração voltadas para a área educacional, que abrangem tanto a Educação Básica quanto a Educação Superior (o Projeto Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira do MERCOSUL (PEIBF) e os blocos temáticos do Setor Educacional do MERCOSUL para a Educação Superior) e propõem reflexões sobre como abarcar nas salas de aula a diversidade latino-americana nas institui-ções educacionais dos países membro do Mercosul, de modo a contemplar a diversidade cultural e linguística latino-americana existente entre os países do bloco.

o artigo intitulado “Política linguística para as línguas oficiais em Timor-Leste: o português e o Tétum-Praça”, de Davi Borges de Albuquerque e Kerry Taylor-Leech, analisa a política e o planejamento linguístico para o português e o Tétum-Praça em Timor-Leste, línguas asseguradas pela constituição do país (2002) como línguas oficiais. Discutem questões de planificação de corpus e de status de ambas as línguas e propõem grades de análise para avaliar a eficácia do planejamento linguístico leste--timorense em diferentes momentos de sua história.

apresentando resultados de políticas linguísticas postas em prática, o artigo de telma Pereira e Débora Costa “repre-sentação linguística: perspectivas práticas e teóricas” propõe uma revisão bibliográfica acerca do conceito de representações linguísticas sob a perspectiva da sociolinguística, desde sua constituição, no âmbito da psicologia social, até sua aplicação aos estudos da linguagem. aos discutir os resultados da pesquisa que realizam, as autoras ressaltam a noção de representação linguística como um conceito coletivamente construído acerca de uma língua, marcado tanto pela prática e pela memória discursiva de seus falantes quanto pela ideologia na qual estão inseridos, ressaltando ainda sua importância para a análise das dinâmicas linguísticas.

O artigo de Leandro Rodrigues Alves Diniz, intitulado “Um lugar de representação pela língua: o programa de leito-rado do Ministério das Relações Exteriores brasileiro” parte do quadro teórico-metodológico da História das Ideias Linguísticas, na sua relação com a análise do Discurso materialista. o autor analisa alguns aspectos relativos à política linguística exterior brasileira, mais especificamente, o imaginário que significa o leitor do Ministério das Relações Exteriores. Em sua análise, Leandro questiona a construção de identidade através da língua nacional, enquanto signo de cultura, enquanto um lugar de representação cultural e/ou diplomática do Brasil.

Dando sequência aos estudos apresentados, o artigo “A Norma-Padrão Europeia e a Mudança Linguística na Escola Moçambicana” de Alexandre António Timbane e Rosane de Andrade Berlinck sugere a padronização da variante moçam-bicana, bem como a elaboração de dicionários e de gramáticas que ilustrem a realidade sociolinguística de Moçambique para

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a melhoria da qualidade de ensino e também para a autoestima dos moçambicanos em geral, eliminado assim o preconceito de que os moçambicanos não sabem falar português. Os autores baseiam sua recomendação a partir do papel da língua portugue-sa em Moçambique, considerada língua oficial, língua segunda, língua nacional, concorrendo com mais de vinte línguas bantu faladas pela maioria da população.

Finalmente, no artigo “Combatir y conservar: posiciones y saberes sobre el lenguaje popular en los Boletines de la acade-mia Argentina de Letras (1933-1943)”, Mara Glozman apresenta uma análise glotopolítica das posições e dos saberes a cerca da linguagem dos Boletines da Academia Argentina de Letras (BAAL) durante os primeiros dez anos de publicação (1933-1943). A autora identifica em seu estudo posicionamentos políticos e institucionais, que operam com a dicotomia rural-urbana, explicados pela institucionalização de imaginário ligado ao vernáculo, por um lado (uma definição específica de tradição) e, por outro, para as políticas de exclusão (práticas associadas ao espaço urbano popular).

os organizadores

Abertura

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Política e planificação linguística: conceitos,

terminologias e intervenções no Brasil

Mônica Maria Guimarães Savedra (UFF)

Xoán Carlos Lagares (UFF)

1 Questões terminológicas: Origem do conceito e campos de aplicação

O uso dos termos política e planificação linguística é recente, utilizados na literatura da área de sociolinguística no final da década de 50 e início da década de 60, para dar conta de estudos desenvolvidos em situações linguísticas de contato. Ferguson (1959) apresenta os conceitos de diglossia e bilingüismo ao tratar de situações de plurilinguismo, onde coexistem duas variedades (uma alta e outra baixa) de uma mesma língua e que são utilizadas em situações determinadas de comunicação. In-troduz em sua obra a terminologia de língua dominante, língua dominada, substituição e normalização. Haugen (1959) introduz pela primeira vez o termo language planning quando desenvolve estudo sobre a intervenção de determinadas regras ortográficas do norueguês e para construção de uma identidade nacional na Noruega. Em 1964, usando o termo introduzido por Haugen (1959) com o mesmo sentido introduzido por este autor, Bright, Labov, Gumperz e Hymes definem a sociolinguística dos anos 70 e 80 nos Estados Unidos aplicando o termo ¨language planning¨ a diferentes situações linguísticas.

A partir destes estudos iniciais surgem os seguintes termos que passam a figurar no contexto dos estudos de línguas em contato: language planning, language planning process, advances in the creation and revision of writing system, language and politics, language standardization, language planning for modernization ,study in societal multilinguism . Fishman (1970) passa a utilizar o termo language policy no âmbito da sociolinguística que define como aplicada .

Uma contribuição inestimável para o desenvolvimento dos estudos na área foi introduzida por Kloss (1967) através dos

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conceitos de Abstandsprache (línguas consideradas isoladas, in-dependentes) e Ausbausprache (línguas consideradas próximas de outras da mesma família linguística). Estes conceitos são utilizados em estudos atuais, como em Born (2002 e 2003) para a discussão de minorias linguísticas na Península Ibérica. Outro estudo que merece destaque no tema foi desenvolvido por Stewart (1968), quando o autor propõe 4 atributos para situações de pluri-linguismo: padronização, autonomia, historicidade e vitalidade, cuja combinação permitia definir 7 tipologias linguísticas: stan-dard, clássica, artificial, vernácula, dialeto, crioulo e pidgin. Mas foi a contribuição de Kloss (1969) que deu origem à distinção que é utilizada pela maioria dos autores atuais ao tratarem de política linguística nos estudos atuais. Kloss (op.cit) propôs a distinção entre Sprachplanung (planificação do corpus) e Statusplanung (pla-nificação do status). Com base nestes conceitos, a planificação do corpus diz respeito às intervenções na forma da língua (criação de uma escrita, neologismos, estandardização...), enquanto que a planificação do status diz respeito às intervenções nas funções da língua, seu status social e suas relações com outras línguas. Esta distinção abriu consideravelmente o campo da política linguística, afastando-se de abordagens mais instrumentais. Com base nos conceitos introduzidos por Kloss, Ninyoles (1975) usa o termo política linguística e Glück (1979) apresenta na literatura alemã o termo Sprach(en)politik, distinguindo os estudos quanto à forma da língua e os estudos quanto ao status de uma língua perante outras.

Como consequência da evolução dos estudos e terminologias desenvolvidas na área, Haugen (1983) também integra o modelo de Kloss ao seu e passa a trabalhar com as noções de status e corpus, distinguindo a forma da língua (planificação linguística) da função (cultura da língua). Outra contribuição de destaque foi apresentada por Fasold (1984) quando o autor estabelece 7 funções linguísticas: oficial, nacionalista, de grupo, veicular, internacional, escolar e religiosa.

Como consequência destes estudos, os conceitos de Plani-ficação e Política linguística passam a apresentar uma relação de subordinação. Política linguística é definida como sendo a determinação de grandes escolhas relativas às relações entre as línguas e determinadas sociedades e planificação linguística como a política linguística posta em prática, representando um ato de autoridade. Nesse sentido, Ninyoles (1991, p. 51) faz referência à distinção terminológica que se expressa em inglês por meio de dois substantivos diferentes: language policy (atitudes e planos de ação relativos à língua) e language politics (uma decisão ou uma série de decisões que implicam um ato de poder).

Calvet (1996) ainda apresenta outras denominações para esses conceitos, referindo-se às contribuições de uma política linguística “nativa”, própria de autores que são membros de comunidades linguísticas minorizadas, cientes das relações de

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poder e dos conflitos que caracterizam as situações de contato de línguas e, em muitos casos, engajados na subversão dessas relações desiguais. O autor cita o termo utilizado no Quebec: aménagement linguistique (reforma linguística), para se referir a uma maneira de evitar relacionar a política linguística apenas com uma ação (de planejamento) do Estado e o termo normalizació, utilizado na Catalunha como alusão aos processos de “normalização” das funções sociais da língua, com o objetivo de frear e subverter uma situação de substituição linguística em andamento. Entretanto, afirma que para Hamel (1993) os termos planification, aménage-ment e normalisation referem-se ao mesmo núcleo conceitual, mas distinguem-se por suas conotações em diferentes contextos de contato linguístico.

Como podemos comprovar, a noção de planejamento lin-guístico é usada reiteradamente na bibliografia, mas com sen-tidos diversos. Cooper (1997: 42-43) recolhe doze definições que apareceram após a publicação do artigo de Haugen de 1959. As diferentes definições apresentam divergências em relação, sobre-tudo, aos agentes desse tipo de intervenção: para alguns autores, só poderiam ser instituições normativas de órgãos governativos, enquanto outros reconhecem este papel na ação dos mais diversos agentes sociais. Também não há coincidência no que diz respeito ao próprio objeto do planejamento, que pode abarcar um enorme leque de opções: apenas a padronização formal da língua, a in-tervenção sobre as suas funções sociais, o ensino da língua ou a aquisição, ou simplesmente a resolução de problemas sociais que têm uma componente linguística, tais como a integração nacional ou internacional, o intercâmbio científico, a assimilação de mino-rias ou a proteção do consumidor, por exemplo.

Após examinar todas elas, Cooper (1997: 60) propõe a sua própria definição, em termos mais abrangentes. Segundo ele: “O planejamento linguístico compreende os esforços deliberados para influir no comportamento de outras pessoas a respeito da aquisição, da estrutura ou da correspondência funcional dos seus códigos linguísticos”. Este autor considera que os modelos descritivos usados pelo planejamento linguístico devem levar em consideração questões que respondam não apenas ao ‘que’ se planeja ou a ‘quem’ planeja, mas também, e de forma prioritária, ao ‘por que’, ao ‘como’ e ao ‘quando’. Também formula a necessidade de se procurar saber ‘quem sai beneficiado’ do planejamento e sobre que aspecto da realidade social ele acaba provocando uma efetiva mudança.

Por outro lado, existe uma perspectiva de estudo que se apresenta como abordagem integral da política linguística e que recebe o nome de “glotopolítica”, termo que, apesar de ter sido usado pelas primeiras pesquisas da sociolinguística moderna, elaboradas nos Estados Unidos na década de 50, teve uma fortuna desigual nos estudos da área.

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Embora o próprio Haugen tenha feito uso do termo ‘gloto-política’ no seu ensaio sobre a ecologia das línguas de 1971, para se referir fundamentalmente aos aspectos relacionados ao ‘status’ institucional dos idiomas, esse conceito achará uma maior difusão na sociolinguística europeia, usado “preferentemente por autores franceses de origem periférica”, segundo Herrero Valério (2003, p. 1060), para fazer referência a uma abordagem “integral” da polí-tica das línguas. No número da revista Langages de setembro de 1986, dedicado à Glotopolítica, Guespin e Marcellesi defendem o uso deste neologismo “para englobar todos os fatos de linguagem em que a ação da sociedade toma a forma do político” (1986, p. 5). Esse conceito permitiria neutralizar, segundo esses autores, a oposição entre langue e parole, designando todas as formas de ação social sobre a linguagem, no que diz respeito, por exemplo, à legislação sobre o status das línguas, mas também à repressão (mais ou menos difusa) de determinados usos linguísticos ou à delimitação dos gêneros que podem ser matéria de avaliação nas escolas.

Nesse sentido, Guespin e Marcellesi (1986, p. 15) consideram que esse conceito

toma conta de um eixo vertical, relacionando o fato normativo ou antinormativo aparentemente mais insignificante com os fatos mais salientáveis da política da língua. Ele cobre também um terreno ho-rizontal muito mais vasto do que o delimitado pela noção de política da língua: toda decisão que modifica as relações sociais é, do ponto de vista do linguista, uma decisão glotopolítica.

Para a análise das práticas glopolíticas, ambos os autores propõem levar em consideração os agentes sociais que intervém nelas, estudando a ação das forças sociais, mediante conceitos de análise provenientes do marxismo, assim como as instâncias em que se realizam as ações, sejam academias, órgãos de governo ou o próprio campo dos estudos linguísticos. Por último, como utensílios de análise, são usados tanto parâmetros linguísticos como sociais, o que faz com que os autores interpretem a gloto-política como um braço hoje necessário da sociolinguística, ou segundo Malmberg (apud Ninyoles 1991, p. 52), numa espécie de linguística aplicada.

Por outra parte, Guespin e Marcellesi (1986, p. 16) esclarecem que o termo glotopolítica pode ser utilizado com dois fins: como evocação das práticas e para a designação da análise, sendo, por-tanto, ao mesmo tempo uma prática social, à qual ninguém escapa, pois as pessoas fariam glotopolítica sem o saber, seja um simples cidadão ou um ministro de economia, como uma disciplina dos estudos linguísticos. Ambas as dimensões, como vemos, não são perfeitamente delimitáveis, pois, como afirma Elvira Narvaja de Arnoux (1999), mesmo que adotemos a perspectiva do pesquisador e não a do técnico/aplicador de políticas linguísticas, é preciso es-

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tar cientes do próprio papel político e do frequente compromisso ético e ideológico desse tipo de pesquisa.

2. Perspectivas atuais.Nos estudos de Calvet (1987, 1993, 1996, 2002) encontramos

a definição atual utilizada pela maioria dos autores. Calvet en-tende por política linguística um conjunto de decisões tomadas pelo poder público a respeito de quais línguas serão fomentadas, ensinadas ou eventualmente reprimidas e eliminadas; de quais funções as línguas terão ou deveriam ter, de que espaços sociais ocuparão. Considera este tipo de preocupações inerentes à pla-nificação do status das línguas.

Nesta mesma linha Ammon (2003), retomando os conceitos de Kloss (1969) e de Glück (1979), distingue entre Sprachpolitik (quando se refere especificamente à estrutura (o corpus) de uma língua, como determinadas línguas serão escritas ou como seu léxico / vocabulário será ampliado ou reformado) e Sprachenpo-litik (quando se refere à posição de uma língua perante outras línguas, seus falantes, determinados usos, prestígio linguístico ou autorização de uso em determinados domínios linguísticos, como escola, administração pública, justiça, entre outros). Utiliza este conceito no âmbito da definição das línguas oficiais, línguas de trabalho, línguas minoritárias na União Europeia.

Atualmente os estudos sobre política e planificação linguísti-ca são campo de estudo e aplicação da Sociolinguística, Linguística Aplicada e do Ensino de línguas (language teaching). No que diz respeito aos instrumentos de intervenção política sobre as línguas, faz-se ainda necessário considerar alguns conceitos apresentados em Calvet (1996):

a) o equipamento das línguas (a escrita, o léxico e a padro-nização);

b) as intervenções in vivo que procedem das práticas so-ciais, o modo como as pessoas resolvem os problemas linguísticos;

c) as intervenções in vitro, ou seja, a abordagem do poder, da política linguística como ato de autoridade. Linguistas analisam em seus laboratórios as situações e as línguas, descrevem-nas, fazem hipóteses sobre seu futuro e criam propostas para regular os problemas. Futuramente os políticos estudam as hipóteses, fazem as escolhas e as aplicam. Assim, os instrumentos da planificação lin-guística aparecem como uma tentativa de adaptação e de utilização in vitro de fenômenos que se manifestam in vivo. A política linguística vê-se então confrontada aos problemas da coerência entre os objetivos do poder e as soluções intuitivas do povo, e deve ser objeto de um certo

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controle democrático para não deixar aqueles que tomam as decisões fazerem o que bem entendem;

d) o ambiente linguístico: Marcação linguística de território. Pode ocorrer como produto de práticas espontâneas ou de práticas planejadas, e servem como instrumento de leitura semiológica da sociedade: entre as línguas presentes, algumas são expostas e outras que são difi-cilmente percebidas. Nesses casos, estão em jogo o peso sociolinguístico e o futuro das línguas. Quando o Estado decide intervir sobre o meio linguístico, a língua que é exposta pode até não ser lida pela maioria das pessoas (dependendo do grau de alfabetização da população), mas ela é percebida como uma língua escrita e sua presença simboliza uma escolha política;.

e) as leis linguísticas: Não existe planejamento linguístico sem que haja um suporte jurídico. Há várias concepções de leis linguísticas: leis que tratam da forma da língua, fixando sua grafia, seu vocabulário; leis que tratam sobre o uso que os homens fazem das línguas, indicando que língua deve ser falada em determinada situação, fixando a língua nacional de um país ou a língua de trabalho de uma organização; leis que tratam da defesa das línguas, seja para promovê-la, por exemplo no plano internacional, seja para protegê-la como um bem ecológico.

3. Os estudos de linguística e política no Brasil.O interesse pelas questões que dizem respeito às políticas

linguísticas estão no centro de numerosas pesquisas situadas no âmbito não apenas da Sociolinguística e da Etnolinguística ou da Antropologia Linguística, mas também (e sobretudo) da Linguística Aplicada, ou nas pesquisas que abordam o fenôme-no da linguagem pelo viés discursivo, dado que estes trabalhos observam o modo como a história e a ideologia se inscrevem nos enunciados que circulam na sociedade.

No Brasil encontramos esta perspectiva de pesquisa nos es-tudos sobre a história das ideias linguísticas que, em colaboração com o grupo de Sylvain Auroux (Paris VII), se desenvolve sob a coordenação de Eni Orlandi (UNICAMP). Esta autora diferencia entre “política linguística” e “política de línguas”. Segundo Or-landi (2007, p. 7-8), ao falarmos de políticas linguísticas, já damos como pressupostas as teorias, assim como a existência das línguas como tal. Ao falar em “política de línguas”, porém, considera-se que estas tem um sentido político necessário, isto é, que a língua, como “corpo simbólico-político que faz parte das relações entre su-jeitos na sua vida social e histórica”, está já afetada pelo político. A pergunta que se instaura, nessa perspectiva, é a de “que discursos

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sobre a língua são admitidos como verdadeiros determinando um conjunto de práticas? Que práticas são essas?” (Orlandi 2007, p. 8). Nesse sentido, Guimarães (2007, p. 63-65), ao perguntar-se sobre os espaços de enunciação em que as línguas funcionam, afirma que elas são marcadas historicamente pela organização política dos Estados nacionais. Partindo dessa base, o autor considera dois modos de funcionamento das línguas num mesmo espaço de enunciação, um deles representa as relações imaginárias cotidia-nas entre falantes, e nele distingue os seguintes conceitos: a) língua materna: a língua que se apresenta como sendo a primeira para seus falantes; b) língua alheia: toda língua que não se dá como materna para os falantes; c) língua franca: a língua praticada por grupos de falantes de diversas línguas maternas, com o objetivo de manter um intercurso comum.

O outro modo de funcionamento representa as relações imaginárias (ideológicas) institucionais, e nele são distinguíveis as seguintes noções: a) língua nacional: a língua do povo, que dá aos falantes uma relação de pertencimento a esse povo; b)língua oficial: a língua de um Estado, obrigatória nas ações formais do Estado e c) língua estrangeira: a língua de falantes que constituem o povo de uma Nação ou Estado diferente.

Para Guimarães (2007, p. 65), no espaço linguístico brasileiro observa-se “a história específica da construção da representação que sobrepõe a língua oficial à língua nacional e que sobrepõe es-tas à língua materna, reduzindo a língua materna à língua nacio-nal”. Tanto este autor como outros que integram o projeto História das Ideias Linguísticas defendem que o próprio pensamento dos linguistas, muitas vezes sob o modo da simples descrição, constitui a formulação de uma política de línguas.

No Brasil tem se constituído uma pujante linha de reflexão e intervenção sobre a linguagem, no campo dos estudos linguísticos, que diz respeito às consequências políticas da descrição sistêmica do português brasileiro e de suas variedades. De tal maneira que boa parte dos trabalhos sobre política linguística no país estão relacionados à planificação do corpus da língua, ao debate normativo e suas consequências para o ensino regular.

Como explica Faraco (2011), toda uma tradição padronizado-ra que ele denomina de “norma curta”, constituída de manuais condenatórios, cheios de juízos categóricos sobre a língua e alheios à realidade variável da própria norma culta (entendida como a variedade usada, de fato, pela população urbana altamente letra-da), faz sucesso social, como produto de um imaginário muito arraigado, de maneira que

eles é que são tomados como referência para a elaboração de boa parte das provas de português de vestibulares e de concursos públicos. Eles é que são tomados como base para a elaboração dos manuais de im-prensa. Eles é que são tomados por muitos professores como referência

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para o ensino. Eles é que são tomados como referência para o trabalho dos revisores, e assim por diante (Faraco 2011, p. 209).

Contrariamente, os “bons instrumentos normativos” são objeto de descrença, de maneira a se prolongar o uso desse modelo normatizador restritivo e preconceituoso como mais um fator de exclusão social. Para o próprio Faraco (2008, p. 71), o problema da norma culta no Brasil não se resolve em si, mas através de políticas destinadas a alcançar, no mínimo, três metas, no intui-to de se desenvolver uma cultura positiva diante das questões da língua: a universalização da educação básica; a garantia de conseguir, mediante uma educação de qualidade, um bom nível de letramento entre a população; e, por último, o redesenho da maneira de encarar a realidade linguística brasileira, por meio de um processo padronizador flexível e moderado.

Nesse sentido, Bagno (2001, p. 175-293) defende uma “in-tervenção consciente” na norma-padrão brasileira, partindo do conhecimento atual sobre a realidade da língua no Brasil e dos instrumentos desenvolvidos pela linguística moderna:

Trata-se, evidentemente, de um processo político declarado, na contramão do processo político dissimulado que subjaz às atitudes preconceituosas e/ou cientificamente desinformadas assumidas pelos comandos paragramaticais e pelos que tentam legislar sobre o idioma apoiados em inconsistentes concepções de língua [...]. Acredito ser função social da Linguística intervir nas políticas do idioma, fazendo valer seu status de ciência e desenvolvendo à sociedade, em termos práticos, os dividendos que a ela cabem por proporcionar ao cientista as condições de seu desenvolvimento intelectual (Bagno 2001, p. 176).

Essa intervenção na codificação da língua, tentando aproxi-mar o padrão brasileiro da norma culta real, deveria ir acom-panhada, para este autor, de um ensino crítico da norma-padrão (Bagno 2001, p. 156-159), para o qual a escola teria que dar espaço ao “máximo possível de manifestações linguísticas”, tanto de gêneros discursivos como de variedades de língua, assim como ao próprio questionamento da legitimidade da norma, por ser produto de convenções consagradas pelo uso das classes privilegiadas.

Um capítulo marcante na história política da língua portu-guesa no Brasil, e na reflexão sobre os limites da intervenção na realidade dinâmica da linguagem por parte dos poderes públicos, foi a apresentação no congresso do projeto de lei 1676/1999, do deputado Aldo Rebelo, sobre “a promoção, a proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa”. Esse projeto, que pretendia, entre outras coisas, punir o uso de estrangeirismos no Brasil, provocou uma reação imediata da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN) e uma série de reflexões sobre políticas linguísticas, norma-padrão e estrangeirismos. Dessa maneira, tornava-se evidente a existência de duas dimensões, que, contudo, não são independentes, mas que estão correlacionadas, no campo das políticas linguísticas: a da análise e a da intervenção. O papel dos

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estudos da linguagem na realidade social brasileira, a análise e o comentário do projeto de lei e de sua veiculação na mídia, a inter-pretação do purismo linguístico e da ideia da contínua degradação da língua, ou a questão dos estrangeirismos, foram objeto de dis-cussão em livros como Estrangeirismos: guerras em torno da língua, organizado por Carlos Alberto Faraco (2001) ou A linguística que nos faz falhar: Investigação crítica, debate entre linguistas brasileiros em cima de um texto de Kanavillil Rajagopalan (2004).

Por causa da polêmica levantada pelo projeto do deputado Aldo Rebelo, foi realizada uma audiência em 4 de dezembro de 2002 na Comissão de Educação do Senado, da qual participaram representantes da Associação Brasileira de Linguística (ABRA-LIN), da Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB) e da Associação Nacional da Pós-Graduação em Letras e Linguística (ANPOLL), assim como da Academia Brasileira de Letras (ABL) e do Movimento em Defesa da Língua Portuguesa. Nessa Comissão foi apresentado pelo senador Amir Lando um projeto substitutivo, acatando algumas das críticas feitas ao projeto original, embora, segundo Faraco (2004, p. 214), esse novo projeto ainda suponha um ameaça para a liberdade de expressão.

Também a Linguística Aplicada, enfim, vem se debruçando sobre as implicações políticas do ensino-aprendizagem de línguas e sobre os conflitos e as dinâmicas relacionadas às suas diversas esferas de uso. Discutem-se, assim, o modo como se inscrevem os conflitos sociais e políticos nas práticas linguísticas (Moita Lopes 2006) ou as próprias determinações políticas que estabelecem que língua(s) estrangeira(s) deve(m) ser ensinada(s) nos níveis funda-mental e secundário, que papel deve(m) cumprir essa(s) língua(s) no currículo escolar e na educação linguística dos cidadãos ou a que modelo de língua (tanto “materna” como estrangeira) deve estar orientado o ensino e como pode ser abordada a diversidade linguística em sala de aula (veja-se, por exemplo, Soares 1993; Mat-tos e Silva 1995; Bagno 2002; Bortoni-Ricardo 2005; Fanjul 2004).

Nas atuais realidades multilíngues surge a necessidade de dar resposta aos problemas e conflitos gerados pelos diversos in-teresses presentes na esfera pública. Para tanto, é preciso entender e intervir sobre as lutas ideológicas e de poder que envolvem as situações de contato de línguas, assim como criar mecanismos que permitam defender os direitos dos falantes (e mesmo dos aprendizes de línguas). Por esse motivo, talvez, vivemos hoje aquilo que Gilvan Müller de Oliveira (2007) chama de uma “vi-rada político-linguística” que, na contramão dos paradigmas científicos de estudos de linguagem interessados em se constituir autonomamente em relação às questões históricas ou sociológicas, procura produzir teoria e conhecimento junto com os falantes e em diálogo com suas aspirações. Para esse autor:

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A política linguística é a tentativa de estruturar os estudos linguísticos desde a perspectiva das lutas políticas dos falantes: as lutas tanto dos indígenas como dos imigrantes para a manutenção das suas línguas, a luta dos excluídos da cidadania pela desqualificação dos seus falares, a luta dos falantes para desenvolver novos usos para suas línguas. Ao linguista cabe identificar essas comunidades linguísticas, cada uma delas com suas histórias e estratégias políticas, e se aliar a elas, construir com elas, em parceria, as novas teorias que darão o tom no século XXI. Isso implica entender o funcionamento do poder, ou dos poderes (Oliveira 2007, p. 91).

4. Elementos da realidade política-linguística brasileira.No Brasil a língua oficial e o português, que constitui o

grupo majoritário com 95% dos falantes. O grupo minoritário é representado pelas 180 línguas autóctones e em torno de 30 línguas alóctones.

O sistema político é de República Federativa (26 estados e um distrito federal).

Os artigos constitucionais que tratam sobre línguas são o 12, 13, 210, 215 e 231 da constituição de 1988 modificada em 1994 .

Como leis linguísticas, ou que constituem um ato de política linguística, em vigor, identificamos as seguintes, dentre outras:

1. a lei No. 5.371 de 5 de dezembro de 1967, que autoriza a instituição da fundação nacional do índio;

2. a lei No. 5. 765 de 18 dezembro de 1971 relativo ao For-mulário Ortográfico de 1943;

3. a lei No. 6001 de 19 de dezembro de 1973, que se relaciona ao estatuto do índio;

4. o acordo ortográfico da língua portuguesa (1990); 5. o decreto 43/1991 de 23 de agosto que ratifica o acordo

ortográfico da língua portuguesa; 6. a lei No. 9. 394 de 20 dezembro de 1996 que fixa as dire-

trizes e as bases da instrução nacional (LDB);7. o projeto de lei Federal No. 1676/1999 que se relaciona à

promoção e à defesa da língua portuguesa;8. o projeto de lei Federal No. 4681 de 2001 que obriga a

tradução, a dublagem e as legendas de filmes em portu-guês.

9. a lei No. 11.161/2005, que determina a implantação, de oferta obrigatória pelas escolas e de matrícula facultati-va para os alunos, da disciplina de língua espanhola no ensino médio.

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Em estudos anteriores já tivemos a oportunidade de obser-var a falta de políticas linguísticas e educacionais para o ensino de línguas no país, considerando as diferentes situações de contato linguístico que aqui coexistem, a partir de línguas autóctones, alóctones e línguas de fronteira. (Cf. Savedra, 2000, 2003 (a) e (b), 2004).

Dentre os aspectos tratados nestes estudos , ressaltamos:a) a Constituição atual em seus artigos 215 e 216 admite que

o Brasil é um país pluricultural e multilíngue;b) no Brasil coexiste um grande número de línguas de

imigrantes;c) para integração cultural e linguística das comunidades de

imigrantes no território nacional pouco foi feito e ainda persiste o desprezo por minorias linguísticas, revelando a discriminação legal para com as comunidades de língua materna não portuguesa;

d) a pluralidade linguística no Brasil delineia situações diversas de bilinguismo e multilinguismo e somente a educação indígena está contemplada com propostas curriculares de educação bilíngüe na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996. Em âmbito nacional, o tema foi ini-cialmente discutido em fóruns promovidos por duas as-sociações nacionais: Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB) e a Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN)1, que passam a constituir, como já foi dito, fóruns de discussão sobre a formulação e implementação de políticas linguísticas para o Brasil.

5. Discussões finaisNos debates promovidos pelas associações científicas e pelo

IPOL, fica claro que nosso país ainda se ressente da falta de uma política linguística que abranja de forma coerente e contínua os múltiplos fatores que lhe seriam afetos. As discussões ainda se apresentam em forma de ações fragmentadas, emanadas de asses-sorias especiais, ou de alguns manuais ou guias curriculares de apresentação de programas de ensino ligados à política linguís-tica indígena. Por outro lado, boa parte da análise e da reflexão sobre políticas linguísticas no Brasil foca seu interesse na língua portuguesa e se articula de uma perspectiva monolíngue.

Como resultado da reforma do Estado e da crescente conscientização acerca dos processos da globalização, iniciou-se o reconhecimento das minorias etnolinguísticas. Paralelamente através da reforma dos parâmetros curriculares nacionais, ocorreu a introdução de temas para discussão, tais como o da pluralidade cultural, que alberga a questão do multilinguismo. Nesta área

1 Recentemente, o tema também foi incluído na agenda do GT de Socio-linguística da ANPOLL (Associação Nacional de Pós-graduação em Letras e Linguística), passando a ser um dos itens de investigação da área de línguas em con-tato (Cf. Savedra, 2002).

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destacaram-se as ações pela educação formal via missões e via escolarização. (Cf. Franchetto,1996)

Estabelecer uma política linguística para o Brasil é tema especialmente relevante. Aqui coexistem mais de 180 línguas indígenas (línguas autóctones), além de cerca de outras 30 lín-guas de imigrantes (línguas alóctones) provenientes da Europa, da Ásia, do Oriente Médio e até de outros países do continente americano. (Cf. dados do censo demográfico 2000).

Com relação à questão das línguas indígenas, é importante ressaltar a permissão para o ensino especial bilíngue oferecido aos membros das diversas comunidades indígenas brasileiras, como previsto pela Lei de Diretrizes e Bases ( Lei 9.394/96) - LDB, Art. 32, Art. 78 e art. 79). Entretanto, pouco foi feito para a problemática do bilinguismo identificado em comunidades de imigrantes. Ainda persiste no Brasil o desprezo por estas comunidades, enfatizado pela “campanha de nacionalização do ensino”, influenciada pela Segunda Guerra Mundial e posta em prática pelo governo Vargas na década de 40, quando foi proibido o uso das línguas mater-nas dos imigrantes. O descaso da LDB atual sobre o assunto revela a discriminação legal para com as comunidades de língua materna não portuguesa. Alguns estudos recentes corroboram esta afirmativa quando tratam da discriminação dos falantes de variedades não padrão da língua portuguesa (Cf. Bagno, 1999 e Silva e Moura, 2000)

Outro ponto que merece destaque, diz respeito à condição do Brasil como país membro do Mercosul. Da mesma forma que o Tratado de Roma (25 de março de 1957) que institui a criação da atual União Européia, posteriormente consolidado pelo Tratado de Maastricht na Holanda em 2001, o Tratado de Assunção (26 de março de 1991) que estabelece a união regional entre Argentina, Brasil , Uruguai e Paraguai , ao qual se associaram o Chile e a Bolívia em 1996, não se propõem a objetivos culturais e linguísti-cos; limita-se a instaurar o espanhol e o português como línguas oficias do Mercado Comum. Poucos são os documentos elaborados no âmbito das línguas do Mercosul: O Protocolo de intenções (13 de dezembro de 1991), que no artigo 4 demonstra o interesse de difundir as línguas oficias do Mercosul por intermédio dos sistemas educacionais; o Plano trienal para o setor educacional no contexto do Mercosul, aprovado na primeira reunião dos Mi-nistros de Educação em 1992, modificado e prorrogado por três anos em 10 de dezembro de 1998 no Rio de Janeiro, no qual se define a atividade do Comitê coordenador regional, que trata da qualidade da educação e das políticas educacionais da região. Entretanto, na análise dos contextos políticos, socioeconômicos e socioculturais do bloco, fica clara a importância da definição de uma identidade cultural regional para o Mercosul. Para definição desta identidade cultural, a questão linguística desempenha um fator de relevância indiscutível2. Deste modo, fica aqui declarada

2 Vale lembrar os tra-balhos sobre os censos linguísticos e diagnós-ticos sociolíngüísticos desenvolvidos pelo GTPL (Grupo de Tra-balho sobre Política Lin-güistica) no âmbito do Mercosul, com especial atenção para a questão da definição das lín-guas oficiais do Bloco e formação linguística dos professores de por-tuguês e espanhol como primeiras e segundas línguas e até como lín-guas estrangeiras.

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a relevância da formulação e implementação de políticas linguís-ticas para o Mercosul, que contemplem a diversidade linguística e cultural existente neste bloco regional. Neste sentido, a formu-lação de uma política linguística nacional implica, certamente, em discussões com os demais países do Mercado Comum do Sul, como propõe Savedra (2008) em estudo que trata das minorias linguísticas no Bloco.

Se, por um lado, o Tratado de Assunção enfatizava apenas os aspectos comerciais da união, o Tratado Constitutivo da União de Nações da América do Sul (UNASUL), assinado em 2008, integra já aspectos linguísticos e culturais, declarando o caráter plurilíngue das nações que a integram e definindo quatro línguas oficiais: o castelhano, o inglês, o português e o neerlandês. Como explica Elvira Narvaja de Arnoux (2011), muitos dos seus objetivos específicos exigem para sua implementação a consideração de aspectos glotopolíticos:

o acesso universal à educação de qualidade e o reconheci-mento regional de estudos e títulos; a consolidação de uma identidade da América do Sul; o propósito de alcançar uma cidadania da América do Sul; a participação plena da cidada-nia no processo da integração e da união da América do Sul; a definição e implementação de políticas e projetos comuns ou complementares de pesquisa, inovação, transferência e produção tecnológica; e a promoção da diversidade cultural (Narvaja de Arnoux 2011, p. 59).

Como tópicos importantes da pesquisa e discussão na área das políticas linguísticas em nível nacional e internacional, iden-tificamos alguns pontos relevantes, que gostaríamos de propor para discussão após a leitura dos diversos artigos dedicados ao tema, apresentados neste número 32 da revista Gragoatá. São eles:

• definir e descrever os vários níveis e tipos de planejamen-to linguístico, identificando aqueles que estão envolvidos de forma oficial e não-oficial;

• identificar os contrastes entre as abordagens de políticas linguísticas vigentes e/ou em fase de discussão e implan-tação e as orientações escolares;

• no caso do Brasil como país membro do Mercosul, des-crever e analisar os objetivos políticos e econômicos de cada país; como membro do grupo regional;

• definir a(s) língua(s) no planejamento escolar (língua(s) oficial (is), incluindo no debate a questão da língua edu-cacional das minorias linguísticas, com intervenção de linguistas, sociolinguistas, linguistas aplicados e profes-sores de línguas;

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• considerar o impacto negativo de algumas políticas e práticas linguísticas institucionais e exemplos positivos de propostas educacionais para minorias linguísticas;

• considerar os contextos bilíngues provocados pela imi-gração, atentando para a compreensão das diferentes situações de língua de contato existentes e definir pro-postas educacionais adequadas para cada situação;

• discutir a questão da formação do professor de primeiras e segundas línguas, como os de língua estrangeira, em especial nas propostas de licenciatura em línguas.

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Política e planificação linguística: conceitos, terminologias e intervenções no Brasil

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Artigos

1ª prova – Káthia – 25 fev 2013

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Uma política pública e participativa para as línguas brasileiras: sobre a regulamentação e a implementação

do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL)

Rosângela Morello (IPOL)

ResumoEste texto aborda a primeira política linguísti-ca brasileira pública de abrangência nacional, instituída pelo Decreto federal no. 7.387, de 09 de dezembro de 2010: o Inventário Nacional da Diversidade Linguística Brasileira (INDL). Tra-zendo um histórico dos trabalhos que precederam ao Decreto, discutiremos na sequência, algumas prerrogativas para sua regulamentação e imple-mentação, em especial, a que prevê a participação das comunidades linguísticas no processo.

Palavras-chave: línguas brasileiras; inventário; diversidade linguística; política linguística; gestão de línguas.

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Gragoatá Rosângela Morello

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1. A política linguística do Inventário Nacional da Diversi-dade Linguística (INDL) – alguns precedentes

Antes de iniciarmos a discussão propriamente prevista para este texto, merece destaque o fato de, neste momento, ser necessário qualificar uma política linguística no Brasil. Nada mais salutar em nossa história! Após um longo período de si-lenciamento e de interdição de línguas em prol de um Estado Nacional alicerçado sobre a língua Portuguesa como única língua oficialmente reconhecida e promovida, chegamos a um momento de afirmação e promoção da diversidade linguística, com políticas de reconhecimento das línguas brasileiras e de fortalecimento de sua presença em variados âmbitos sociais. A oficialização na-cional da língua brasileira de sinais (LIBRAS), a cooficialização de línguas por municípios1, a implementação de programas de educação escolar bilíngues e a oferta de cursos universitários contemplando formação em linguas indígenas, de sinais e de imigração são alguns exemplos desse novo modo de entendimen-to das línguas no Brasil. Justamente dessa vivacidade emerge a demanda, muito positiva, de um planejamento qualificado das ações visando a fortalecer as distintas comunidades linguísticas. Neste quadro inserimos nossas considerações sobre o INDL no intuito de contribuir para o debate sobre sua gestão.

Ao menos dois trajetos se entrecruzam na história do decreto federal 7.387/2010 que criou o Inventário Nacional da Diversidade Linguística Brasileira (doravante INDL).

Em um deles estão os movimentos mundiais em defesa das minorias que vicejaram a partir do final da década de 1940 e cujo marco é a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Ao longo de mais de seis décadas, tais movimentos geraram acordos e declarações fundamentais para que se estabelecessem direitos culturais e linguísticos na modernidade. Entre os mais importantes documentos encontraremos, em ordem cronológica : a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); o Pacto In-ternacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); a Declaração sobre os Direitos de pessoas pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas (1992); a Carta Europeia sobre as Línguas Regionais ou Minoritárias (1992); a Declaração da Cúpu-la do Conselho da Europa sobre as Minorias Nacionais (1993); a Convenção-Marco para a Proteção das Minorias Nacionais (1994); e a Declaração Universal para a Promoção da Diversidade Cultu-ral – Unesco (2005).

Em 1996, em Barcelona, vem a público a Declaração Univer-sal dos Direitos Linguísticos. Apoiada no conjunto de documentos que a precedem e enquadrando os direitos linguísticos no âmbito dos direitos humanos, em especial no que a Declaração de 1948, em seu artigo segundo, a todos assegura “todos os direitos e

1 Sobre o atual quadro de linguas cooficiais no Brasil – são 9 linguas em 12 municípios - ver Política de Cooficializa-ção de Línguas no Brasil (MORELLO, 2012).

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Uma política pública e participativa para as línguas brasileiras: sobre a regulamentação e a implementação do

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liberdades” sem distinção de “raça, cor, sexo, língua, religião, opi-nião política, origem nacional ou social, posição socioeconômica, nascimento ou qualquer outra condição” (2003, p. 8), a Declaração dos Direitos Linguísticos afirma ter surgido “das comunidades linguísticas e não dos Estados [...] e tem como finalidade propiciar a organização de um marco político da diversidade linguística baseado na convivência, no respeito e no benefício recíprocos” (idem, p. 23). Entre as formulações consolidadas por esta Decla-ração, uma delas pode ser considerada fundadora desse marco político: a que diz respeito à compreensão de comunidade linguís-tica. Retomaremos mais adiante esta formulação para reafirmar as aberturas que oferece a uma gestão democrática e participativa das línguas no Brasil.

Em outro trajeto encontraremos o conjunto dos esforços e iniciativas de comunidades linguísticas brasileiras para se fazer ouvir pelo Estado naquilo que lhes foi historicamente negado pela tradição monolinguista: o reconhecimento de suas línguas como um bem social, fundamental para a plena formulação de seus conhecimentos e expansão de suas formas de vida e trabalho.

A Constituição da Repúlblica Federativa do Brasil de 1988, que reconheceu aos indígenas o direito à língua, cultura e edu-cação próprios e assim definiu um importante marco jurídico em prol dessas comunidades, silenciou, no entanto, sobre todas as demais línguas brasileiras faladas por imigrantes, negros, sur-dos, ou fronteiriços. Somente mais de uma década mais tarde, a questão das línguas voltará ao debate político.

Em 2002, assistiremos a primeira política de cooficialização de línguas indígenas em nível municipal, em São Gabriel da Cachoeira, Amazonas. Com ela, abria-se precedente para outras iniciativas, fazendo com que chegássemos a 2012 com 9 línguas cooficiais em 12 municípios, sendo 5 indígenas e 4 de imigração.

Em 2004, teremos importante ação institucional em prol do reconhecimento das línguas brasileiras em nível nacional, por meio de uma petição encaminhada pelo IPOL2 à Comissão de Educação e Cultura do Congresso Nacional e que desembocaria no decreto 7.387/2010. O referido documento solicitava a abertura de um Livro de Registro para as Línguas Brasileiras como bem imaterial, ao modo do que o Ministério da Cultura já realizava com bens imateriais como os saberes, as celebrações, as formas de expressão e os lugares3. O pedido foi encaminhado ao Insti-tuto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) pelo então presidente da Comissão de Educação e Cultura, deputado Carlos Abicalil. Após os trâmites interinstitucionais, realizou-se em Brasília, em março de 2006, um seminário legislativo para a discussão sobre a relevância social dessa política. Este seminário contemplou depoimentos de falantes de outras línguas que não o português e ao final, instalou um grupo interinstitucional e in-terministerial - o Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística

2 O IPOL Instituto de Investigação e Desen-volvimento em Polí-t ica Linguística atua no campo das politicas linguísticas e dos direi-tos linguísticos desde 1999, tendo, ao longo desses anos, proposto e executado censos e diagnósticos linguísti-cos no Brasil e demais países do Mercosul e assessorado progamas de educação bi ou pluti-lingues. Participou das ações que originaram a primeira proposta de cooficialização das línguas indígenas no Brasil, em São Gabriel da Cachoeira, Amazo-nas, da cooficialização do Pomerano em Santa Maria de Jetibá, Espírito Santo e do Hunsrükis-ch, em Antônio Carlos, Santa Catarina. Teve importante papel gestor nas ações que culmina-ram no Decreto n. 7.387, sendo responsável pela execução do projeto pi-loto Inventário da Língua Indígena Guarani Mbya. Este texto resulta, de fato, de todo o trabalho em equipe feito no IPOL, da qual faço parte desde 2004, e a qual muito agradeço.3 Confere documento disponível em www.ipol.org.br.

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do Brasil (doravante GTDL) - para dar continuidade aos trabalhos, definindo critérios e procedimentos para o registro das línguas brasileiras.

Vale ressaltar que o pedido de abertura de um livro de re-gistro específico para as línguas deu voz a muitas comunidades linguísticas invisibilizadas na história de constituição da nação brasileira e, ao mesmo tempo, trouxe especificidade a demandas já efetivadas ao IPHAN, como a dos falantes do talian solicitando reconhecimento do patrimônio cultural ligado a essa sua língua. De acordo com o relatório do GTDL (2007), de fato o reconhe-cimento de línguas como patrimônio havia se constituído em uma preocupação da comissão e do grupo de trabalho criados em 1998 pelo Ministério da Cultura para estabelecer as políticas do patrimônio imaterial. No entanto, dúvidas relacionadas a as-pectos conceituais e técnicos sobre o registro e o reconhecimento de línguas levaram a um adiamento da decisão. Deixou-se, por isso, em aberto, a possibilidade de criação de novos livros. É este campo de diálogo que é reativado em 2004 e 2006.

Com base na origem histórica e cultural e na natureza se-miótica das línguas, o GTDL estabeleceu categorias histórico-so-ciológicas para as línguas brasileiras, propondo que cada uma fundamentasse ações necessárias ao inventário: i) indígenas; ii) imigração; iii) comunidades afro-brasileiras; iv) sinais; v) crioulas e; vi) língua portuguesa e suas variações dialetais (Relatório de atividades do Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística do Brasil, 2007). Propôs ainda que no grupo das línguas indígenas se dis-tinguissem as ações necessárias a duas situações: a das línguas ameaçadas e próximas à extinção e a das línguas de grande po-pulação e extensão territorial.

Acionadas pelo GTDL como base para a implementação da política do INDL, estas categorias de línguas foram indicadas como âncoras para ajustes metodológicos e administrativo-finan-ceiros, os quais seriam estabelecidos a partir de projetos pilotos. Um requisito geral foi estabelecido para que qualquer língua tomasse parte do inventário: “ter relevância para a memória e identidade dos grupos que compõem a sociedade brasileira, ser veículo de transmissão cultural e falada no território nacional há pelo menos três gerações (ou 75 anos)” (2007, pag. 11). Em suas considerações sobre a implementação da política de Inventário, diz o GTDL (2007, p. 14):

O Inventário permitirá ao Estado e à sociedade em geral o conhe-cimento e a divulgação da diversidade linguística do país e seu reconhecimento como patrimônio cultural. Esse reconhecimento e a nomeação das línguas inventariadas como referências culturais brasileiras constituirão atos de efeitos positivos para a formulação e implantação de políticas públicas, para a valorização da diversidade linguística, para o aprendizado dessas línguas pelas novas gerações e para o desenvolvimento do seu uso em novos contextos.

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Além de especificações sobre as línguas a serem inventaria-das, o relatório do GTDL trouxe ainda uma refinada análise das condições para a regulamentação e a implementação do INDL, entre as quais está o Decreto publicado em 2010. São aspectos dessas condições que abordaremos a seguir, articulando-os a uma breve discussão sobre a constituição de sentidos para co-munidade linguística no Brasil e sua repercussão no âmbito da representação política.

2. Inventário: documentação, registro e gestão de línguas com participação social

Defendendo a política do Inventário como “etapa indis-pensável para o conhecimento e a disseminação de dados sobre a diversidade linguística brasileira e também como um ins-trumento de reconhecimento e salvaguarda das línguas como patrimônio cultural” (2007: 10), o GTDL indicou os passos para sua regulamentação e implementação. O Decreto 7.387, como dissemos, é parte das recomendações. Além dele, foi indicada a criação de uma Comissão Técnica para ser responsável pela organização institucional, gestão e financiamento do programa. Nas discussões sobre a criação do Livro de Registro das Línguas, de acordo com o relatório, buscou-se um entendimento sobre a atribuição do caráter de brasileiras a todas as línguas faladas no Brasil, mas este não foi consensuado, fazendo com que a abertura do livro fosse postergada. Considerou-se, ainda, que a abertura do Livro seria uma consequência da implantação da política do inventário, inclusive porque dele poderia derivar os critérios para se consolidar o caráter seletivo do Registro como política de salvaguarda destinada, em especial, às línguas em risco de extinção.

Por outro lado, o GTDL encaminhou ainda duas propostas: a de criação de um Sistema de Documentação e Informação com os dados sistematizados pelo INDL e outros já existentes e a de que a política do INDL fosse integrada, constituindo um compromisso no âmbito governamental, e que sua execução contasse com a participação das comunidades linguísticas e fosse compartilhada com a sociedade (2007, p. 14 e 15). A essas ações, o GTDL articulou a necessidade de um escopo e uma metodologia de modo a garantir qualidade e comparabilidade das informações diante da diversi-dade das situações a serem descritas. Ao estar relacionada com distintas situações históricas das línguas e suas especificidades semiológicas, a metodologia adquire, ela também, ao longo do tex-to do relatório, qualificações que escapam a uma composição ho-mogênea de critérios universalmente válidos. Dessa compreensão derivou sua implementação em projetos piloto realizados entre

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2008 e 2010, com o objetivo de torná-la funcional e representativa de cada uma das seis categorias de línguas propostas.

Em seu conjunto, as ações recomendadas pelo GTDL, aqui apresentadas de forma sintética, constituem importantes parâme-tros para o estabelecimento da política do INDL. Ao Decreto 7.387, de 2010, segue-se agora o desafio muito específico de avançar na sua regulamentação e implementação.

O empenho do IPHAN, no momento atual, para institucio-nalizar um regulamento interno visando garantir um domínio técnico e administrativo para essa política evidencia sua conti-nuidade e relevância. Uma apurada discussão sobre a especifici-dade metodológica do trabalho de inventariar línguas bem como das possibilidades de se contemplar suas variadas formas e situações históricas tem tido igualmente lugar. Entra em cena, neste caso, a necessidade de se garantir o foco político do inventário: o de ser instrumento de conhecimento e gestão da realidade linguística brasileira e não apenas de arquivamento de línguas.

Seguindo a linha de ações propostas pelo GTDL, e consi-derando as inciativas já em andamento, verificamos que a conso-lidação da política do INDL como política pública de gestão das línguas pelo Estado brasileiro passa por uma apropriação social de seus sentidos e procedimentos, uma vez que em variados pontos do processo de discussão repercutido no relatório, reivin-dica-se que haja uma participação das comunidades linguísticas e da sociedade em geral. No entanto, igualmente se reconhece o desconhecimento que reina no país sobre a situação das línguas e suas distintas demandas. Esse desconhecimento é especialmente marcante em relação a línguas de base oral, de comunidades rurais ou alijadas de centros urbanos, como é o caso de muitas comuni-dades falantes de línguas de imigração, de origem afro ou crioulas, sem falar nas variedades do português profundo, estigmatizadas por todo tipo de marca que as distingam do almejado padrão.

3. Comunidades linguísticas: a busca por reconhecimento e representação

A questão que então se coloca é que a história de silencia-mento e interdição que submeteu inúmeros brasileiros a uma situação de marginalidade linguística (e também identitária), com profundos efeitos sociais ligados à negação de suas línguas (pelos próprios falantes e por seus outros), afeta fortemente sua capacidade de se fazer representar nos âmbitos nacionais institu-cionalizados de gestão das políticas que lhes dizem respeito. Desse modo, a demanda por participação das comunidades linguísticas formulada pelo GTDL enfrenta o desafio de não se ter ainda, no Brasil, essa representatividade fortemente instalada, exceto, talvez, para as línguas indígenas e de sinais, com estatutos jurídicos de-finidos e com presença reconhecida em instituições de pesquisa.

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A contradição que se instala nesse espaço da representa-tividade advinda das condições históricas que determinaram diferentes formas de participação política para as diferentes par-celas da sociedade brasileira tem se constituído, de fato, em um motor dos movimentos sociais no Brasil. A proposição de Fóruns Permanentes para alavancar propostas para políticas públicas, como o que acaba de ser criado para as línguas de imigração, a flexibilização nos assentos de comissões e colegiados instituídos pelo Governo para acolher representantes da sociedade civil e suas instituições, a abertura cada vez mais bem estruturada, de iniciativas que fomentam a participação de amplos setores sociais na formulação de soluções para questões de ordem cultural, té-cnica/tecnológica ou econômica são alguns dos mecanismos que marcam o enfrentamento de tal contradição.

Se esta contradição perpassa todas as frentes políticas, no campo da gestão das línguas, seu enfrentamento requer ações que possam promover, primordialmente, uma ressignificação do tecido simbólico sobre o qual se instala a própria ideia de identi-dade e comunidade linguística.

O ideário nacional constitutivo do Estado brasileiro estabe-leceu uma identidade comum a todos os brasileiros, tendo por suporte a língua portuguesa. Ser cidadão brasileiro e ser falante da língua portuguesa foram fatos que ideologicamente coincidiram até recente data. Ressaltemos que somente com a constituição de 1998 a cidadania brasileira foi reconhecida a indígenas brasilei-ros. Essa extraordinária reversibilidade entre identidade brasileira/língua portuguesa, corolário do monolinguismo, desqualificou imaginariamente todas as demais possibilidades de representação identitária ancorada em outras línguas, no Brasil. Mais do que isso, qualquer indício de composição mais ou menos organizada de agrupamentos linguisticamente coesos passou a ser interpre-tado como fator de ameaça ao estado nacional ou como distúrbio ao pleno desenvolvimento social dos grupos4. Falar uma outra língua ou a língua de sua comunidade se revestiu de valores ne-gativos para os falantes. Fonte de muitos tipos de exclusão, essa carga simbólica se transvestiu historicamente em conceitos ou preconceitos sobre o desempenho linguístico de cada um. E cada um passou a sentir-se responsável pela língua diferente que fala e pela decisão de transferi-la aos seus, juntamente com os sentidos de ser dela um falante, no Brasil.

Essa condição histórica e ideológica se repercute nos dias de hoje sob a forma de desafios. Para as comunidades linguísticas, de modo geral, e para as falantes de línguas de imigração, afro-bra-sileiras ou crioulos, de modo particular, porque carecem de qual-quer instrumento de reconhecimento em nível nacional, coloca-se a necessidade de criarem canais para agirem e se representarem frente aos poderes constituídos. Os processos de cooficialização de línguas por municípios possuem esse caráter. Em nível nacio-

4 Na história do Brasil colônia e depois, como Estado independente, teremos leis que proibi-rão os usos de línguas que não a portugue-sa, com penas que iam de torturas e prisões e mortes, passando pelo extermínio sumário de grupos inteiros. Há far-ta bibliografia sobre esse assunto.

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nal, o próprio INDL faz demandas por participação de todas as comunidades, em todas as suas faces, cabendo a elas exigir uma forma e um espaço de representação plena nesse processo.

Para o Estado, coloca-se o desafio de mobilizar os agentes políticos e as aparelhagens administrativas para dar voz às comu-nidades linguísticas. As inciativas, nesse sentido, são de natureza ao mesmo tempo ideológica e técnico-administrativa, uma vez que incidem sobre uma compreensão muito peculiar do próprio senti-do de inventário e de patrimônio, e implica em uma posição nova para o Estado: a de institucionalizar uma política pública brasileira de gestão de línguas. Esta política implica uma formulação clara de uma base de dados sobre as línguas, com diretrizes e critérios de acessibilidade voltados ao fomento de políticas linguísticas, possibilitando que elas sejam articuladas entre si e planejadas a médio e longo prazo. Implica igualmente o fomento de espaços abertos ao debate com as comunidades sobre suas demandas no campo das políticas linguísticas.

A Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (2003) oferece importantes parâmetros para esse novo entendimento sobre as comunidades linguísticas e seus papéis nos dias de hoje. Na de-finição proposta nesta Declaração, a concepção de comunidade linguística sugere uma territorialidade geográfica e simbólica para a língua, uma vez que engloba seu espaço de uso e circulação e a autoidentificação do falante com ela. De acordo com a Declaração:

Título Preliminar

Conceitos

Artigo I

Esta Declaração entende por comunidade linguística toda a socieda-de humana que, assentada historicamente em um espaço territorial determinado, reconhecido ou não, se autoidentifica como povo e desenvolve uma língua comum como meio de comunicação natural e coesão cultural entre seus membros. A denominação língua própria de um território faz referência ao idioma da comunidade historicamente estabelecida neste espaço (p. 23 e 24).

Título Primeiro

Princípios gerais

Artigo 8

Todas as comunidades linguísticas têm direito a organizar e gerir os recursos próprios, com a finalidade de assegurar o uso de sua língua em todas as funções sociais (p. 28).

Todas as comunidades lingüísticas têm direito a dispor dos meios necessários para assegurar a transmissão e a continuidade de futuro de sua língua (p. 28).

Ao reunir, pela identidade linguística, grupos e pessoas dis-persos pelo território, essa concepção de comunidade linguística

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propicia a constituição ou o fortalecimento de vínculos do falante com uma memória e uma história, independentemente de onde ele esteja ou de ser ele falante da língua a que se filia.

Desta perspectiva, a política do inventário pode abordar uma língua e seus usos de modo amplo, englobando o autore-conhecimento do falante como parte dela, validado por seus pares. Com essa ação, o INDL permite que se reafirmem vínculos iden-titários, alavanca importantíssima para produzir e disponibilizar novos sentidos, agora positivos, para o fato de se falar outra língua ou pertencer a uma distinta comunidade linguística no Brasil.

A presença de mais de 200 línguas no Brasil de hoje – se-jam elas indígenas, de imigração, crioulas, afro-brasileiras ou de sinais – embora em número infinitamente menor do que as cerca de 1.500 existente há quinhentos anos5, são a expressão de uma diversidade linguística que resistiu e que agora está disponível para que o cidadão brasileiro possa com ela se identificar e nela investir simbolicamente, culturalmente, economicamente.

O INDL, articulado, é claro, a outras ações como a da coo-ficialização de línguas, pode, assim, iluminar a configuração de um novo quadro para a promoção das línguas brasileiras, agindo na direção da consolidação social e política dessa noção línguas brasileiras como espaço de negociação e de fortalecimento das diversas comunidades linguísticas.

4. Considerações para fechar este texto e manter o debateAo colocar em discussão as diretrizes de um programa

que conduzisse ao reconhecimento e registro das línguas como patrimônio imaterial MORELLO e OLIVEIRA (2006), afirmaram sua relevância como “um espaço de atuação política do Estado Brasileiro, em conjunto com as sociedades civis”, e defenderam a criação do livro de registro das línguas como um instrumento que contemplaria ao menos, três linhas de atuação política: a promoção do direito às línguas; a instalação de políticas de registro e circu-lação das línguas e; a elaboração de equipamentos - instrumentos e dispositivos – articulados às políticas linguísticas.

Estas três linhas de atuação reverberam, de fato, nas questões que aqui colocamos. Passados seis anos, constatamos que se o Decreto 7.387 representa enorme vitória da sociedade brasileira na garantia dos direitos linguísticos para suas mais de 220 comuni-dades, ele também trouxe para a agenda política e administrativa a necessidade de uma ordenação que permita a gestão das línguas por aqueles que as falam, cuidando para não se reproduzir antigas práticas que excluem da aparelhagem do Estado, das instâncias gestoras e deliberativas, aqueles que historicamente estiveram alijados delas. Concebido como um programa que pudesse ser ao mesmo tempo de reconhecimento, conhecimento e gestão de línguas, o INDL instaura, de fato, a possibilidade de participação

5 Estimativa apresen-tada por Aryon Rodri-gues (1986).

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social como um ganho político sem precedentes na história das línguas no Brasil. E nisso está sua maior qualidade e seu maior desafio.

AbstractThis paper addresses the first Brazilian public language policy nationwide, established by fede-ral decree 7387, issued on December 09, 2010: the Inventory of Brazilian Linguistic Diversity (INDL). First, it is presented a history of works that preceded the decree. Some prerogatives for its regulation and implementation will then be discussed, in particular, providing for the parti-cipation of language communities in the process.

Keywords: Brazilian languages; inventory; linguistic diversity; language policy; language management .

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A invenção do monolinguismo e da língua nacional

Henrique Monteagudo (Instituto da Língua Galega, Universidade de Santiago de Compostela)

ResumoO monolinguismo social, longe de ser um fenô-meno espontâneo, frequentemente é o resultado de uma série de operações glotopolíticas de homoge-neização de populações falantes de várias línguas, um resultado que é mantido artificialmente pelo Estado. O artigo mostra como esses processos históricos se vinculam à emergência dos Estados--nação e das Nações-estado que se forjaram na Europa a partir do século XVIII, ao tempo que se espalhava a ideologia da ‘língua nacional’.

Palavras-chave: Sociolinguística; Política lin-guística; Nacionalismo; Bilinguismo.

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No prólogo à sua conhecida obra Bilingualism, a sociolinguis-ta Suzanne Romaine (1995) faz uma observação sobre a estranheza que causaria uma monografia intitulada Monolingualism (cf. Ellis, 2008). Por que pareceria estranho um volume de estudos sobre o monolinguismo e, em troca, a ninguém chama a atenção o título Bilinguismo na capa do livro? Porque existe um modelo norma-tivo, tacitamente aceito e profundamente interiorizado, segundo o qual o monolinguismo é o natural, o normal, o esperável, enquanto o bilinguismo (ou o plurilinguismo) é o especial, o excepcional, o anômalo: a condição monolíngue não requer qualquer tipo de explicação, ao contrário, a condição bilíngue exige uma justifica-ção e justifica uma pesquisa, inclusivamente um diagnóstico, ao menos em alguns casos.

O caráter reconhecidamente ‘normal’ do monolinguismo dos indivíduos constitui o correlato subjetivo da conceituação geralmente admitida como ‘normal’ do monolinguismo plu-ri-individual – ou melhor, coletivo. Se o indivíduo é / deve ser ‘idealmente’ monolíngue, é porque a formação social básica a que pertence também é / deve ser assim.

Ora, se o monolinguismo é o normal, resultam lógicas perguntas do tipo como é que chega um indivíduo a ser bilíngue? E não menos lógicas outras do tipo como é que chega uma coletividade a ser bilíngue? O suposto de base é: todo o indivíduo e toda a comunidade nascem monolíngues e só alguns/algumas se fazem bilíngues. Daí também o desconcerto do indivíduo monolíngue perante o bilíngue, que chega até o extremo de perguntar coisas como: por que te empenhas em falar galego? Como se falar esta língua fosse expressão de uma espécie de estranha mania, e não um fato simplesmente natural para as pessoas que a aprendemos ao tempo que começamos a falar, e que a partir daí a utilizamos com uma série de pessoas com que nos relacionamos de jeito mais ou menos frequente (incluindo os nossos pais, irmãos, cônjuges e filhos).

Dada a minha condição pessoal de bilíngue, consequência de me ter criado em ambientes em que circulavam correntemente duas línguas em estreito contato (galego e castelhano), vou-me situar, a efeitos de introduzir o assunto que nos ocupa, na pers-pectiva justamente inversa à expressada no parágrafo anterior. Assim, vou fazer estas duas perguntas: como é que se consegue que os indivíduos se façam monolíngues? Evidentemente, criando meios sociais monolíngues. Pois bem, como é que se consegue criar ambientes sociais monolíngues?

Estas perguntas podem parecer escusadas, mas se o podem parecer, isto se deve simplesmente a que estamos mergulhados em uma cultura linguística1 (num autêntico paradigma ou, seguindo Foucault, epistemé) em que o monolinguismo foi construído e instaurado como a situação normal. Na verdade, a pouco que per-corramos a história da própria civilização ocidental e reparemos no que acontece hoje mesmo ao longo do planeta, chegaremos à

1 Para a noção de cultura, lingüística, veja-se Schiffman 1996.

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conclusão de que o bilinguismo e o plurilinguismo não são, de maneira nenhuma, fenômenos extraordinários.

Por sinal, na Roma antiga, as elites eram bilíngues, pois não havia cidadão romano culto que não soubesse ler e falar em grego, que, além disso, era a língua comum ou franca em toda a metade oriental do Império (PALMER, 1984). Na Europa centro-ocidental do medievo os clerici ou letrados eram necessariamente bilíngues, pois a língua culta era o latim (WOLF, 1982). Na realidade, na medida em que o latim continuou a ser a língua da alta cultura, os eruditos europeus foram obrigadamente bilíngues até o século XVIII2. A mesma Península Ibérica, por acaso no século XIII, era uma região plurilíngue, com várias línguas escritas, duas delas de ampla circulação (latim, só escrita, e árabe, falada e escrita), outra com cultivo exclusivamente literário, mas procedente de fora da Península Ibérica (o occitano), outra mais com uso ritual (o hebreu), os diversos romances em pleno processo de emergência como línguas escritas (galego-português, asturleonês, castelhano, aragonês e catalão) e ainda o basco, carente de cultivo escrito. Não esqueçamos da previsão testamentária de Afonso X, segundo a qual no seu túmulo devia figurar uma inscrição em quatro lín-guas: árabe, latim, hebreu e romance (MORENO FERNÁNDEZ, 2005, p. 65-124).

Com certeza, nos exemplos anteriores podem distinguir-se diversos tipos de bilinguismo, que respondem a situações bem diferentes. De uma parte, existe um bilinguismo de elite, que se consegue mediante o aprendizado formal de uma língua de cultura auxiliar, e que tradicionalmente estava reservado a grupos sociais privilegiados, como era o caso da aristocracia romana, os clérigos medievais ou os letrados da idade moder-na. De outra parte, existe um bilinguismo social, que se produz mediante o contato espontâneo entre falantes de várias línguas, e que tipicamente corresponde à situações de coexistência de duas línguas espalhadas em um mesmo território e/ou duas comunidades linguísticas formando parte de uma mesma enti-dade política, como podia ser o caso das variedades faladas do árabe e do romance no centro e, sobretudo, no sul da península durante a Idade Média.

Num sentido em certa maneira análogo ao dito, o mo-nolinguismo pode se estudar no plano individual e no plano social. Uma sociedade, comunidade ou país monolíngue é aquele em que só uma língua é conhecida e usada pela ge-neralidade dos seus membros. Ora, o que queremos mostrar aqui é que o monolinguismo social, longe de ser um fenômeno espontâneo, pode ser (e frequentemente é) o resultado de uma série de operações glotopolíticas, mais ou menos deliberadas, de homogeneização de populações falantes de várias línguas, um resultado que, aliás, é mantido artificialmente pelos estados mediante políticas de exclusão de línguas outras que a ‘oficial-

2 Pense-se que a obra científica mais i m p o r t a n t e d e Newton, Principia Mathematica, está escrita em latim; veja-se Blair 1996 e Pantin 1995, mais em gera l Bu rke 2004: 43-60.

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mente’ reconhecida. Por outras palavras, contra o que pareceria indicar o sentido comum (a doxa, usando o termo de Bourdieu), o monolinguismo não é (ou não sempre) o estado natural das coisas, mas é o resultado de processos muito complexos, e em boa parte específicos da nossa civilização na época contempo-rânea. Mais concretamente, tem muito a ver com a criação dos estados nação de formato europeu, que são uns artefatos de invenção relativamente recente.

Língua e identidade nacional na Europa contemporâneaEm tempos recentes, na bibliografia antropológica e so-

ciológica o vocábulo ‘invenção’ aparece em sintagmas tais como ‘invenção da tradição’ (The Invention of Tradition; veja-se Hobs-bawm & Ranger (eds.) 1984) ou ‘invenção duma nação’ (como em La invención de España; veja-se Fox, 1997), associado a certas construções culturais ou políticas, em referência a processos que se consideram típicos da modernidade, desenvolvidos a partir do século XVIII. Neste contexto, o termo ‘invenção’ aparece utiliza-do polemicamente nas controvérsias sobre a gênese das nações, dos nacionalismos e das correspondentes identidades nacionais européias (ou euro-americanas) modernas, por parte dos estu-diosos que defendem pontos de vista construtivistas, e criticam as posições primordialistas ou essencialistas3.

Como é sabido, segundo os relatos tradicionais, as identi-dades nacionais têm uma origem remota e, em todo o caso, num momento da história passada (tipicamente, a Idade Média) fica-ram fixadas num molde definitivo, que praticamente não sofreu alterações substanciais ao longo da história posterior. Segundo este ponto de vista, a nação, cada nação, tem séculos de existên-cia, possui uma essência imutável e descansa em fundamentos permanentes e objetivos: território, raça, psicologia coletiva ou Volksgeist, unidade e originalidade cultural... Um destes funda-mentos acostuma ser, tipicamente, a língua.

O construtivismo, ao contrário, propugna que as nações e as correspondentes identidades nacionais são artefatos de fabricação recente, resultados de processos característicos da modernidade, relacionados com a construção de estados nacionais e com os cor-respondentes processos de unificação de mercados e culturas, e particularmente, resultantes da elaboração de específicas tradições culturais, linguísticas e literárias mediante processos, tecnologias e meios de comunicação de invenção recente, apoiados na ação de aparelhos educativos estato-nacionais, difusores de línguas escritas estandardizadas graças à imprensa. Dentro do constru-tivismo convivem pontos de vista mais radicais com outros mais moderados, que correspondem, grosso modo, com as distintas acepções do termo invenção.

3 O nacionalismo é tema privilegia-do de pesquisa nas c iênc ias soc ia is contemporâneas. Entre a ampla bi-bliografia relevan-te, selecionamos alguns títulos que no s r e su lt a ra m mais reveladores. Entre os estudos antigos mas ainda úteis podemos citar Weil (1961 [1938]) e Kohn (1984 [1944]). Referência obriga-da entre os atuais são Kedourie (1993 [1960]) e Smith (1976 [1971]). Especial-mente úteis para nós foram Gellner (1988 [1983]), An-derson (1991 [1983]), Hobsbawn (1991 [1990]) e Thiesse (1999). Damos entre parênteses a data da primeira edição de cada obra. Uma primeira aproxi-mação nossa a esta questão em Monte-agudo (1999b).

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Como é sabido, invenção procede do latim inventione, subs-tantivo deverbal de invenire. Este verbo tem, já no latim, duas acepções de base: a) produzir uma coisa nova, não previamente existente; b) descobrir, tirar à luz algo que estava ignorado. Um construtivista radical entende a ‘invenção da identidade nacional’ como um processo de produção de uma novidade sem muita base real (ou inclusivamente com engano); e mesmo, em alguns casos, a partir do nada. Um construtivista moderado a entende como um processo de re-interpretação de elementos tradicionais pré-existentes, elementos que ganham um novo sentido ao se articu-larem uns com outros de um jeito novo, ou ao se incorporarem a um contexto histórico e discursivo diferente. Quem escreve estas linhas manifesta-se partidário da segunda linha de aproximação. O que em todo o caso fica claro é que as identidades nacionais, as nações, não são entidades decantadas na Idade Média, e menos ainda entidades fixadas de uma vez e para sempre.

Em realidade, a invenção do monolinguismo é inseparável da invenção do Estado-nação (e posteriormente, como veremos, da nação-Estado). Para simplificarmos uma realidade histórica notavelmente complexa, o estado-nação típico na Europa (ou, se se prefere, o primeiro protótipo de estado-nação europeu) é o construído segundo o modelo napoleônico. A sua aparição tem a ver com a mudança de uma série de conceitos chave ao redor do poder político e a sua legitimação: no Antigo Regime, o Monarca era a personificação do estado, e recebia o poder diretamente de Deus (ou, indiretamente, através do povo). O estado do antigo re-gime era um estado patrimonial, propriedade da dinastia reinante.

As fronteiras dos estados mudavam conforme as alianças, matrimônios, conquistas ou compras dos seus monarcas, e em muitos casos os domínios das monarquias mesmo eram terri-torialmente descontínuos, e não só pela existência dos impérios ultramarinos, mas também na mesma Europa. A lealdade dos súditos a respeito dos monarcas e dos senhores era de tipo pes-soal, tinha um fundamento religioso e comportava obrigas fiscais e militares. Aliás, entre o monarca e os súditos se interpunham frequentemente poderes intermédios, tais como os diversos sen-horios nobiliários ou eclesiásticos. Nas ditas circunstâncias, nem existiam as condições nem a necessidade de forjar uma consciência ou uma identidade nacional, fundada numa certa homogeneidade de cultura, pela sua vez apoiada na unidade de língua.

O modelo napoleônico: um estado, uma nação, uma línguaAs mudanças revolucionárias que trouxeram noções fabri-

cadas e difundidas ao longo dos séculos XVIII e XIX tais como ‘soberania nacional’, ‘governo do povo’, ‘igualdade dos cidadãos’ foram as que propiciaram a aparição de consciências nacionais. Os revolucionários franceses se encontraram com a herança do

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estado dinástico francês, cujas fronteiras (europeias) eram o resul-tado mais ou menos fortuito de aquisições, conquistas e alianças das sucessivas dinastias que detiveram historicamente o trono da França. No interior dessas fronteiras se falavam várias línguas (tais como o bretão, o francês, o occitano, o basco, o catalão, o italiano, diversas variedades germânicas, desde o alemão da Alsácia até o flamengo passando pelo lorenês), e o idioma francês era falado somente na região parisina, com as suas variedades distribuídas pelas outras regiões do norte (normando, picardo, champanhês, etc). A maioria da população era analfabeta, falava dialetos locais da respectiva língua, e só uma minúscula porcen-tagem sabia ler e falar do francês cultivado. Aproximadamente dois terços dessa população falavam variedades de línguas outras que o francês.

Os revolucionários fundaram a ideia de nação nos princí-pios de soberania popular e igualdade dos cidadãos, mas ao mes-mo tempo decidiram que os franceses constituíam uma nação, e para fazer realidade os ditos princípios, a nação devia ter uma cultura homogênea exprimida numa língua comum. Da noção de ‘estado francês’ (que correspondia ao velho estado dinástico, multi-étnico e plurilíngue) passou-se à noção de ‘nação france-sa’, e essa nação devia se exprimir na única língua nacional, a língua francesa. Dessa maneira, empreendeu-se um processo de ‘etnicização do estado’: a identidade política adotava assim um fundamento étnico (GRILLO, 1989, p. 22-42). Ficava cunhado o ‘modelo napoleónico’: um estado > uma nação > uma língua. Daí, o objetivo programático do novo estado revolucionário francês de ‘anéantir les patois’, isto é, aniquilar a diversidade linguística para homogeneizar a nação francesa do ponto de vista linguís-tico-cultural (DE CERTEAU; JULIA; REVEL, 1975; BALIBAR; LAPORTE, 1976).

O discurso revolucionário sobre a identidade estato-nacional francesa repousava em uma operação ideológica de disfarce da realidade, utilizando para tanto uma linguagem aparentemente descritiva, que na verdade, é normativa e performativa. Na su-perfície, esse discurso afirmava que os franceses já eram uma nação porque possuíam uma cultura e uma língua comuns, mas o que na verdade afirmava é que os franceses deviam possuir uma língua e uma cultura comuns para chegarem a constituir uma nação; portanto, ainda não eram uma nação. O discurso sobre a nação, a língua e o estado pode ser interpretado como uma instância de interpelação4: as várias populações que habitavam nos territórios do velho estado dinástico são chamadas a se constituir em nação francesa, e para tanto, a abandonar as suas línguas seculares e adotarem o idioma francês.

De outra parte, a realidade do plurilinguismo é escamo-teada, ocultada, negada, mas o é precisamente para que não seja visível o projeto da sua destruição. Destarte, também fica excluída

4 Interpelação (“inter-pellation”) é uma noção introduzida por Louis Althus-ser (1970) como u m me c a n i smo ideológico defini-do do seguinte jeito: “l’idéologie «agit» ou « fonctionne » de telle sorte qu’elle «recrute» des su-jets parmi les in-dividus (el le les recrute tous), ou «trans-forme» les individus en sujets (elle les transforme tous) par cette opé-ration très précise que nous appelons l’interpellation” (49), levando em conta que, seg u ndo o mesmo autor, «la catégorie de sujet est constitutive de toute idéolog ie, m a i s e n m ê m e temps et aussitôt nous ajoutons que la catégorie de su-jet n’est constitutive de toute idéologie, qu’en tant que toute idéologie a pour fonc-tion (qui la définit) de «constituer» des individus concrets en sujets» (ibídem, 46, salientado no ori-ginal). Nas ciências sociais, o uso da noção de ‘interpe-lação’ se espalhou consideravelmente para se referir de modo geral ao pro-cesso pelo qual o sujeito se reconhece a si mesmo em uma identidade dada.

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à partida a hipótese da convivência pluralista: a necessidade de impor a língua comum se vincula necessariamente à destruição das outras línguas, sem dar sequer a oportunidade de contem-plar a possibilidade de fazer compatível a diversidade linguística dos diferentes povos com a difusão de uma língua comum de intercomunicação. Nascia assim a ideologia da monoglossia, e o modelo do estado-nação monolíngue, ao tempo que se iniciava a construção discursiva da nova noção de ‘língua nacional’. A diversidade línguística se tornava uma realidade anômala e dis-funcional, tanto na ideologia quanto na prática. O estado ficava programaticamente vinculado ao programa de homogeneização linguística e cultural, correlativo ao de criação e difusão da língua e a cultura nacionais e a manutenção da correspondente intelec-tosfera ideológica e cultural que acompanha, legitimando-os, esses processos.

Os meios de que se valeu o estado nacional de novo cunho para conseguir a uniformização linguístico-cultural e a difusão das ideologias que a legitimavam, isto é, os meios de moldeamento das consciências e dos hábitos linguísticos, foram basicamente dois: de uma parte, os aparelhos do estado e a burocracia ao seu serviço (o uso administrativo da língua), da outra, e muito especialmente, o aparelho educativo sob controle do Estado (quando não diretamente estatal e centralizado), que ao longo dos séculos XIX e XX foi estendendo a sua cobertura da população infantil e juvenil e ampliando o período de per-manência obrigatória.

Mas a construção do estado nacional respondeu também ao interesse de determinados grupos sociais (a grande burguesia industrial, comercial e financeira; a burocracia, o exército e outros corpos estatais; certos setores da intelectualidade), que contri-buíram decisivamente neste programa de ‘nacionalização’. Assim, não se pode esquecer a relevância dos meios de comunicação e em geral de todas as instituições do que Habermas denominou a ‘publicidade burguesa’: meetings, clubes políticos e esportivos, comemorações e festividades públicas, cassinos, tertúlias, etc. (HABERMAS, 1994). Todos estes meios contribuíram em maior ou menor medida à criação e difusão da cultura monoglóssica e à divulgação da ‘língua nacional’.

O correlato na consciência individual da identidade mo-noglóssica do estado-nação monolíngue e a constituição de um novo sujeito é o cidadão monolíngue, interpelado para manter uma forte e unívoca lealdade àquela identidade coletiva. Um cidadão instruído e construído, tanto nas suas competências linguístico-comunicativas, quanto nas suas representações men-tais e atitudes, em grande parte através do sistema educativo. De determinar os seus hábitos linguísticos se encarregaria mais bem o meio social.

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O contra-modelo herderiano: uma língua, uma nação, um estado

O modelo napoleônico foi aplicado para transformar vel-hos estados proto-nacionais da Europa ocidental em modernos estados-nação: primeiro a França, depois, ao menos tentativa-mente, a Espanha; Portugal e a Holanda, com as suas especi-ficidades (entre outras cousas, não eram países multi-étnicos); a Grã Bretanha seguiu um caminho próprio, mas, afinal não substancialmente distinto. Mas não demorou em se gerar um contra-modelo, que aqui vamos denominar herderiano, pois a sua inspiração foi atribuída ao filósofo alemão Johann G. Her-der (1744-1803) (cf. Monteagudo, 1999a). Este modelo surgiu e se espalhou na Europa central e oriental, e provocou de uma parte os movimentos de unificação de Itália e Alemanha, e de outra a desmembração de Impérios como o Haubsburgo (austríaco) e o Otomano, e a independência de países como a Noruega (arrancada antes da Dinamarca e finalmente da Suécia) ou Finlândia (que escachou primeiro da Suécia e finalmente da Rússia). Esses processos históricos foram impulsionados por movimentos nacionalistas que também estabeleceram uma relação entre a língua, a identidade nacional e o estado, mas em termos precisamente contrários ao ‘modelo napoleônico’ (BAGGIONI, 1997, p. 201-87).

Os nacionalismos ‘irredentistas’ não se apoiavam num estado pré-existente, mas aspiravam a criá-lo, por tanto, partiam de uma situação radicalmente distinta aos nacionalismos esta-talistas. Quer dizer, fundavam-se na existência de comunidades étnicas englobadas em estados multiétnicos (e/ou fragmentadas politicamente), comunidades muitas vezes carentes de tradições estatais próprias e caracterizadas pela posse de uma língua própria, a qual, frequentemente carecia de tradição cultivada (mesmo, em muitos casos, era totalmente ágrafa), ainda que em alguns casos pudessem ser invocados precedentes históricos mais ou menos remotos de posse de um estado próprio ou de cultivo literário do idioma vernáculo. Esquematicamente, o ra-ciocínio dos nacionalistas irredentistas corria em sentido inverso aos estatalistas: somos uma comunidade diferenciada porque possuímos uma língua própria e distinta, e por isso mesmo constituímos uma nação, e como tal temos direito a um estado independente. Se bem que em ocasiões, o que se reivindicava não era um estado independente, mas um estado federado em pé de igualdade com outras comunidades étnico-linguísticas.

Se no caso do nacionalismo estatalista falamos antes de um processo de ‘etnicização da política’, agora podemos falar da ‘politização da etnicidade’. Na Europa dos séculos XIX e XX, o nacionalismo irredentista propiciou amplos movimentos de unificação nacional (Itália e Alemanha), que pela sua vez se rea-

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lizaram a custa da desaparição de unidades políticas anteriores e da desmembração de partes de territórios doutros países; mas com muita mais frequência deu azo à fragmentação de Impérios e ao nascimento de novos estados: desde a Grécia e a Polônia até a Estônia ou a Croácia. Uma solução intermédia, que podia consistir na federação igualitária das distintas comunidades etno-linguísticas, foi tentada em ocasiões e nem sempre com sucesso durável (a Suíça e em certa maneira a Bélgica podem servir de exemplos).

A invenção do monolinguismo e da língua nacionalMas o que nos importa salientar é que, fosse pela via do

modelo napoleônico, fosse pela via contrária do modelo herde-riano (este em princípio mais aberto ao pluralismo), em toda a Europa acabou por se estabelecer uma associação estreita entre língua, identidade nacional e estado; e por via da regra essa associação era unívoca e excludente, quer dizer: o monolinguis-mo das nações e o uninacionalismo dos estados é a norma; em correspondência, fomentou-se a monolingualização das popu-lações e dos indivíduos. Nas nações monolíngues se formaram cidadãos monolíngues. A convivência de várias línguas dentro de uma sociedade passou a ser uma raridade, uma anomalia, e com ela também os indivíduos bilíngues (exceto, claro está, o aprendizado de segundas línguas auxiliares, para o estudo, o comércio, etc.).

Portanto, a emergência dos estados nacionais, fossem do tipo napoleônico (estado > nação) fossem do tipo herderiano (nação > estado) teve um duplo efeito (sócio)linguístico: de uma parte, a política dos estados nacionais se orientou à uni-formização linguística das populações mediante a imposição da língua nacional, de outra parte, a própria língua nacional foi sujeita a uma série de profundas intervenções tendentes à estandardização, tanto mais intensas quanto menos tradição de elaboração e cultivo tivesse às suas costas (por caso, as lín-guas ágrafas tiveram de ser dotadas de um alfabeto e normas ortográficas, etc.). Estes dois processos foram impulsionados por e acompanhados de grandes transformações na consciên-cia linguística das respectivas comunidades idiomáticas, e em particular pela criação e difusão de ideologias e discursos legitimadores da uniformização linguística, da hegemonia da língua nacional, e da estandardização (com a correspondente preeminência da variedade padrão dessa língua). Foi assim que se inventou o monolinguismo.

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AbstractSocietal monolingualism, far from being a spontaneous phenomenon, is usually the ou-tcome of glotopolitical interventions aimed at the uniformization of previously multilingual populations. This outcome is achieved and arti-ficially sustained by deliberate institutional and governmental policies. This contribution explains how these historical processes are connected to the emergence of Nation-States and States-Nation established in Europe form the 18th century on. At the same time, the ideology of the ‘national language’ was elaborated and diseminated, so the cultural, socio-political and practical condi-tions for the creation of monoligual spaces were achieved.Keywords: Sociolinguistics; Language Plan-ning; Nationalism; Bilingualism

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A invenção do monolinguismo e da língua nacional

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Gragoatá Henrique Monteagudo

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WEILL, Georges. La Europa del siglo XIX y la idea de nacionalidad. México: Unión Tipográfica Editoria Hispanoamericana, 1961.WOLFF, Philippe. Les Origines linguistiques de l’Europe occidentale. Toulouse: Association des publications de l’Université de Tou-louse-Le Mirail, 1982.

Gragoatá Niterói, n. 32, p. 55-73, 1. sem. 2012

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Nouvelles perspectives sur les politiques linguistiques:

le poids des languesLouis-Jean Calvet (Université de Aix en Provence)

ResumeUne politique linguistique doit pouvoir s’appuyer sur une description précise de la réalité du terrain. Le « baromètre Calvet des langues du monde », reposant dans sa version 2010 sur l’analyse sta-tistique de dix facteurs discriminants, nous donne une vision du « poids » des langues et constitue une aide à la décision en matière d’intervention in vitro sur les situations linguistiques. Et une réflexion sur l’aspect prospectif de ces situations nous montre qu’à l’heure de la mondialisation une politique linguistique ne peut pas se limiter aux seules frontières d’un état mais doit tenir compte des relations entre toutes les langues du monde. C’est à cette condition qu’une politique linguistique de la diversité peut être pensée.

Mots cles: Poids des langues; politique linguis-tique; sociolinguistique; mondialisation; diversité linguistique.

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Gragoatá Louis-Jean Calvet

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Tout d’abord une précision. Cet article s’appuie sur des tra-vaux menés par Alain et Louis-Jean Calvet, dont les résultats sont en ligne (http://www.portalingua.info/fr/poids-des-langues/) sous la forme d’un « baromètre Calvet des langues du monde ». Ce baromètre est actuellement en cours de remise à jour, et la ver-sion 2012 en sera disponible dans le courant du premier semestre 2012. Les chiffres et classements utilisés ci-dessous sont extraits de la version 2010.

Commençons par un rappel de quelques données chiffrées. Comme le montre le document 1, les langues du monde sont assez inégalement réparties, et s’il fallait imaginer un planisphère en rendant compte, cela donnerait ce que nous montre le document 2.

Document 1Commençons par un rappel de quelques données chiffrées.

Comme le montre le document 1, les langues du monde sont as-sez inégalement réparties: nous avons des continents pauvres en langues et d’autres riches. Pour présenter les choses d’une autre façon (document 2). Nous voyons qu’un petit nombre de langues (0,2% soit 12 langues) sont parlées par un grand nombre de locu-teurs (plus de 100 millions) et représentent 44,3% des locuteurs, puis que 1,2% des langues (72 langues) sont parlées par 38% des locuteurs, c’est-à-dire qu’1,2% des langues du monde représentent 82,3% des locuteurs. En revanche, à droite, le plus grand nombre des langues sont parlées par très peu de locuteurs. Pour résumer, disons que 5% des langues du monde sont parlées par 95% de la population mondiale, et que 95% des langues du monde sont parlées par 5% de la même population.

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Document 2Il est une façon de rendre compte des rapports entre ces

langues, ce que j’ai appelé le modèle gravitationnel : En partant du principe que les langues sont reliées entre elles par des bilingues, et en étudiant ces bilinguismes, nous arrivons à une présentation étagée, une langue hypercentrale, l’anglais, autour de laquelle gra-vitent une dizaine de langues supercentrales qui sont à leur tour pivot de gravitation de langues centrales autour desquelles gra-vitent plus de six milles langues périphériques. Notons au passage que l’orientation des bilinguismes nous permet une certaine pré-dictibilité. Ainsi un bilingue arabe/kabyle en Algérie sera, à 98% des cas, de première langue kabyle, un bilingue anglais/français au Québec sera, dans des proportions comparables, de première langue française, un bilingue espagnol/quichua en Equateur sera de première langue quichua, etc… Mais ce qui importe, c’est que ces langues « périphériques » sont aujourd’hui les plus menacées, menacées par d’autres langues mais aussi par le désintérêt de leurs locuteurs, par le fait qu’ils ne les transmettent plus.

Nous allons dans un premier temps analyser cette situation en termes écolinguistiques, et nous partirons d’une évidence : il n’y a pas de langues sans locuteurs et nous avons donc deux populations, celle des langues et celles des êtres humains, qui entretiennent des rapports de type hôte/parasite. En revanche, les relations entre les langues sont de type proie/prédateur. Et ces deux populations se

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Gragoatá Louis-Jean Calvet

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comportent de façon différente. La population humaine continue de croître de façon exponentielle ou géométrique, sa courbe monte sans cesse, tandis que la population des langues se heurte à la résistance du milieu et sa croissance devient de type logistique, en forme de S.

Ceci est un phénomène connu en génétique des populations. Si nous introduisons un couple de lapins dans une île déserte, ils vont se reproduire librement, génération après génération, et leur multiplication sera de type exponentielle. Mais au bout d’un certain temps la quantité de nourriture fournie par l’île va limiter cette croissance, qui va devenir logistique. C’est cette décroissance qui affecte aujourd’hui le nombre des langues du monde. La popu-lation des êtres humains continue de croître, mais la croissance du nombre de langues est stoppée, et ce nombre pourrait diminuer, même s’il y a des langues qui apparaissent. Et c’est face à cette réalité incontournable qu’il nous faut réfléchir.

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Comment analyser le devenir des langues, celles menacées de disparition et celles qui ne semblent pas menacées mais dont le devenir est inséparable de celui des autres langues ? De tous temps les êtres humains ont eu à la fois une vision utilitaire des langues, une évaluation intuitive de leur importance, et un juge-ment sur elles. On entend ainsi dire qu’une langue est « belle », « chantante », « gutturale », qu’on aime telle ou telle langue, qu’on n’aime pas telle autre, que celle-ci est utile, celle-là moins… Bref l’espèce humaine n’a pas cessé d’établir des échelles de valeur plus ou moins approximatives ou intuitives, d’émettre des stéréotypes, dont Einstein disait qu’ils étaient plus difficiles à désintégrer qu’un atome... En d’autres termes, dès lors que des populations parlant des langues différentes sont entrées en contact, ces contacts et les rapports de force qui leur étaient associés ont produit une certaine vision des langues.

Dès lors se pose une question : Comment mesurer l’impor-tance relative des langues, en évitant les stéréotypes, les idées toutes faites ? Comment les classer ? Cette approche pose bien sûr un certain nombre de questions. Les langues tout d’abord sont-elles des entités identifiables et comptables ? Le site ethnologue par exemple, auquel l’on se réfère généralement, fluctue souvent dans ses classifications, considérant l’arabe comme une langue ou prenant en compte les différents arabes. Nous sommes conscients de ces difficultés, mais elles ne doivent pas nous empêcher de réfléchir à la question de l’importance relative des langues, sur les rapports qu’elles entretiennent, sur l’intérêt qu’elles peuvent représenter. Il existe d’ailleurs une norme ISO des langues, une norme alpha-3 (toutes les langues sont représentées par trois lettres), la norme ISO 639-5 (2008), et toutes les langues prises ici en compte figurent dans cette norme ISO.

Lorsque l’on s’interroge aujourd’hui sur ce problème de l’importance relative des langues, on pense en général à un critère unique, celui du nombre de leurs locuteurs : combien de gens parlent telle ou telle langue ? Soulignons tout de suite que le calcul du nombre de locuteurs d’une langue n’est pas une science exacte, que les évaluations varient considérablement.

Mais, même si nous avions les moyens de savoir en temps réel le nombre exact de locuteurs des différentes langues du monde, nous n’aurions là qu’un facteur d’évaluation de leur im-portance. Le chinois mandarin par exemple est certes la langue la plus parlée, mais elle n’est parlée que dans quelques pays, elle n’est langue officielle que de rares pays, etc…

D’où l’idée de réfléchir sur le « poids » des langues. Nous nous proposons en fait de tenter une mesure et une comparai-son de l’importance des langues, c’est-à-dire une classification, à partir du plus grand nombre de facteurs discriminants possible, dont il faudra chaque fois tester la pertinence. Ces facteurs nous

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permettront d’effectuer une classification que nous analyserons ensuite plus finement à l’aide de méthodes statistiques.

Voici la liste des dix facteurs que nous avons utilisés pour la version 2010 de notre baromètre:

-Nombre de locuteurs-Nombre de pays dans lesquels la langue a un statut officiel-Nombre d’articles dans Wikipedia-Nombre de prix Nobel de littérature-Entropie-Taux de fécondité-Indice de développement humain (IDH)-Taux de pénétration d’internet-Nombre de traductions, langue cible-Nombre de traductions, langue source

et les sources des données utilisées :

-Nombre de locuteurs et statut officiel :http://www.ethnologue.com/web.asp-Wikipedia :http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Multilingual_sta-

tistics-Prix Nobel : http://nobelprize.org/-Entropie : calculée à partir des données de population-Taux de fécondité : http://www.prb.org/FrenchContent.

aspx-IDH : http://www.undp.org/french/-Taux de pénétration d’internet :http://www.internetworldstats.com/stats.htm-Index translationum :http://databases.unesco.org/xtrans/stat/xTransStat.html

La grande la majorité de ces facteurs n’appelle ni commen-taires ni explications. Certains en revanche peuvent faire problème ou demandent des précisions.

Il en va ainsi de l’entropie. L’entropie est une fonction qui permet de quantifier le ‘‘désordre’’. Elle a été utilisée à l’origine en thermodynamique, puis a trouvé des applications en théorie de

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l’information et plus récemment ern linguistique. Son expression mathématique est la suivante : Entropie = -Σ(pi*Log(pi)), dans laquelle pi est la probabilité pour un système de se trouver dans un état donné et Log(pi) le logarithme naturel de cette probabilité. La valeur minimale de cette fonction est zéro et il n’existe pas de valeur maximale définie. Nous l’utilisons ici pour différencier une langue parlée dans un seul pays d’une langue parlée dans plusieurs pays, pi sera donc pour nous la proportion des locuteurs d’une langue donnée vivant dans un pays donné et tous les pays du monde dans lesquels cette langue est parlée seront pris en compte.

Considérons une langue parlée très majoritairement (98%) dans un pays un dont quelques locuteurs vivent dans un second, l’entropie sera :

-(0.98*Log0.98 +0.02*Log0.02) = 0.098

Une langue parlée dans trois pays de démographie compa-rable aura une entropie de

-(0.33*Log0.33 + 0.33*Log0.33 + 0.34*Log0.34) = 1.099

Voyons à présent quelques exemples réels, ceux du marathi, de l’amharique, de l’espagnol et de l’arabe :

Marathi : 0.003 Amharique:0.019Espagnol : 2.509Arabe : 2.279

L’entropie n’a donc rien à voir avec le nombre global de locuteurs d’une langue ni avec sa véhicularité mais bien avec la façon dont ces locuteurs sont répartis dans l’aire ou les aires dans lesquelles cette langue est parlée.

Ces différents facteurs ne nous donnent pas le même type de classement, et nous mèneraient à une classification des langues en deux groupes : des valeurs catégorielles d’une part (oui/non) des valeurs continues d’autre part (une hiérarchie de 1 à 7000, s’il y a 7000 langues dans le monde). Pour résoudre ce problème, nous procédons à une transformation linéaire en ramenant, pour chaque facteur, la valeur maximale à 1 et la valeur minimale à 0, la valeur des langues intermédiaires étant produite par une simple règle de 3, ce qui permet d’affecter une importance « égale » à chacun des facteurs.

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Pour illustrer le fait que l’analyse des rapports entre les langues uniquement en termes de nombre de locuteurs est insuf-fisante, considérons ces classements des premières langues selon quelques-uns des facteurs retenus.

Nombre de locuteurs

1. Mandarin2. Espagnol3. Anglais4. Arabe5. Hindi6. Bengali7. Portugais8. Russe9. Japonais10. Allemand

11. Javanais12. Wu13. Télougou14. Vietnamien15. Français16. Marathi17. Tamoul18. Coréen19. Pendjabi20. Italien

Nombre de pays dans lesquels les langues sont officielles :1. Anglais (63)2. Francais (36)3. Arabe (21)3. Espagnol (21)5. Portugais (8)6. Allemand (7)7. Néerlandais (4)8. Russe (4)8. NéerlandaisEtc.

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Nombre d’articles dans Wikipédia1. Anglais2. Allemand3. Français4. Polonais5. Japonais6. Italien 7. Néerlandais8. Portugais9. Espagnol10. RusseEtc.

Prix Nobel de littérature, mais ce facteur nous pose pro-blème. Il peut s’agir en effet qu’un regard occidental sur la littéra-ture mondiale, comme le montre la portion congrue réservée aux langues arabe ou chinoise. Mais en même temps il témoigne d’une réalité : les littératures arabe ou chinoise ne sont pour l’instant pas très accessibles aux lecteurs occidentaux (le facteur « traduction langue source » en témoigne également) et nous avons donc là un indice à suivre car il pourra dans l’avenir refléter des évolutions. C’est pourquoi, dans la version 2012 ce facteur sera remplacé par un facteur composite prenant en compte un grand nombre de prix internationaux de littérature.

1. Anglais (27)2. Français (13)3. Allemand (12)4. Espagnol (10)5. Suédois (7)6. Italien (6)7. Russe (5)8. Polonais (4)9. Danois (3)etc..

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Traductions langue source

1. Anglais2. Francais3. Allemand4. Russe5. Italien6. Espagnol7. Suédois8. Danois9. Néerlandais10. Japonais

11. Tchèque12. Polonais13. Hongrois14. Arabe15. Portugais16. Hébreu17. Mandarin18. Finnois19. Catalan20. Roumain

Il ne s’agit là que de quelques exemples, et nous n’insisterons pas plus sur les difficultés de recueil de ces différentes données : elles posent des problèmes techniques et financiers mais peu de problèmes scientifiques.

Ces analyses et ces classements ont une valeur heuristique, elles posent des questions et appellent des commentaires. Et elles nous permettent d’établir un classement des langues du monde, par exemple, pour les vingt premières (entre parenthèses, la somme des valeurs normées, telle que nous avons défini cette notion plus haut, valeur comprise en 0 et 10):

1. Anglais (7.238)2. Français (4.587)3. Espagnol (4.465)4. Allemand (4.156)5. Néerlandais (2.997)6. Japonais (2.776)7. Suédois (2.772)8. Arabe (2.660)9. Italien (2.634)10. Danois (2.495)

11. Finnois (2.459)12. Russe (2.318)13. Mandarin (2.303)14. Hébreu (2.303)15. Polonais (2.279)16. Portugais (2.223)17. Hongrois (2.140)18. Allemand suisse (2.133)19. Grec (2.095)20. Catalan (2.031)

En considérant ces données, nous remarquons:- Le statut nettement séparé de l’anglais (7.238), dont la

première place n’est nullement en danger.- Le fait que français ( 4.587) et espagnol (4.465) sont très

proches, et que leurs places pourraient s’inverser.

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- Le fait que d’autres langues sont très proches les unes des autres et que leurs places pourraient également s’inver-ser : japonais et suédois par exemple.

L’intérêt premier de ce classement est d’observer le compor-tement des langues face à un certain nombre de facteurs et ainsi de réfléchir sur leur devenir. Mais ce baromètre peut en outre constituer une aide non négligeable à la décision en matière de politiques linguistiques. Par exemple pour un pays qui s’interroge-rait sur les langues à enseigner dans le secondaire ou le supérieur, ou encore pour un groupe de locuteurs qui s’interrogerait sur le statut de sa langue et pourrait aller voir pourquoi d’autres sont mieux classées, et ce qu’il convient de faire pour faire « monter » la sienne.

Après cette rapide présentation du baromètre, je voudrais en venir à ce qui nous retiens ici, une analyse prospective qui, en partant de la situation actuelle tenterait d’imaginer ce qu’elle pourrait être par exemple en 2025. Nous partons bien sûr de la situation présentée ci-dessus des vingt premières langues.

Pour avoir une idée de l’évolution possible de cette situation, la méthode la plus simple serait de partir des données concernant les années précédentes et de prolonger les courbes par la méthode de « régression linéaire », pour chacun des facteurs. Voici à titre d’exemple ce que cela donnerait pour le facteur « langue cible» pour le français

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et pour le facteur « langue source »et pour le facteur langue source

En utilisant la méthode de régression linéaire pour chacun des dix facteurs retenus nous pouvons élaborer différents scena-rii. Voici par exemple ce que serait la situation en 2025. Selon une hypothèse « moyenne », le score (et le rang) des quatre premières langues ne changerait pas. Il faut cependant noter la montée de l’arabe et la baisse du japonais et du russe, ainsi que la montée remarquable du bahasa.

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2007AnglaisFrancaisEspagnolAllemandJaponaisNéerlandaisArabeItalienRussePortugaisMandarinHindiBengali

2025AnglaisFrancaisEspagnolAllemandArabeJaponaisItalienPortugaisMandarinRusseBahasa/MalaisHindiBengali

Si nous nous limitons maintenant au français, à titre d’exemple (le même travail est bien entendu possible pour les autres langues), nous pouvons imaginer un scénario favorable « extrême », dans lequel le français serait toujours dans l’hypo-thèse haute et les autres langues dans l’hypothèse basse, qui ne changerait rien aux quatre premières langues mais serait défa-vorable à l’arabe.

Scénario MoyenAnglais 6.9231Francais 4.8881Espagnol 4.5345Allemand 3.6598Arabe 3.3605Japonais 2.8594Italien 2.7587Portugais 2.6006Mandarin 2.4703Russe 2.3227Bahasa 2.0600Hindi 1.7812Bengali 1.5687

Scénario favorableAnglais 6.4390Francais 5.2127Espagnol 3.7278Allemand 3.3582Arabe 2.7508Japonais 2.7305Italien 2.4366Mandarin 2.1377Portugais 2.0702Russe 1.9179Bahasa 1.4910Hindi 1.1446Bengali 0.9793

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A l’inverse, un scénario défavorable « extrême », dans lequel le français serait toujours dans l’hypothèse basse et les autres lan-gues dans l’hypothèse haut, renverrait le français après l’espagnol et ferait passer l’arabe devant l’allemand.

Scénario MoyenAnglais 6.9231Francais 4.8881Espagnol 4.5345Allemand 3.6598Arabe 3.3605Japonais 2.8594Italien 2.7587Portugais 2.6006Mandarin 2.4703Russe 2.3227Bahasa 2.0600Hindi 1.7812Bengali 1.5687

Scénario défavorableAnglais 7.2814Espagnol 5.0708Français 4.4254Arabe 4.3409Allemand 4.0007Portugais 3.3776Italien 3.3667Mandarin 3.336Japonais 3.1044Russe 2.9784Bahasa 2.9191Hindi 2.7851Bengali 2.7121

Cette méthode est simple mais insuffisante car pour une partie des facteurs retenus se présentent différentes possibilités d’évolution. Surtout elle s’apparente à une météo qui se conten-terait d’annoncer chaque soir que le temps de demain sera à peu près le même qu’aujourd’hui. On aurait ainsi de bonnes chances de ne pas se tromper mais on ne comprendrait rien aux phéno-mènes atmosphériques, à la mécanique des fluides appliquée aux mouvements de l’air, etc.

Or ce qui est intéressant, c’est précisément ces phénomènes atmosphériques, ces mouvements de l’air, c’est-à-dire, pour ce qui concerne les langues, les mouvements sous-jacents à leurs rapports, que la simple prolongation des courbes, même en jouant sur les hypothèses hautes ou basses, ne permettent pas de perce-voir. Ce qui nous mène à ce que nous appellerons des « facteurs de rupture », des facteurs pertinents sur lesquels il serait pos-sible d’intervenir de façon positive ou négative, qui constituent des moteurs de changement et, parfois, pour ce qui concerne le français qui est notre exemple, des menaces potentielles. Nous en avons répertoriés quatre : langues sources de traduction, statut international (UE, OTAN, ONU, OSCE, OCDE, OMC, BM, FMI, et diverses ONG), langues officielles, diffusion internationale radio et télévision), et je vais ci-dessous en commenter que deux.

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Commençons par les flux de traduction, que nous pouvons analyser à partir de la base de données de l’UNESCO (index translationum) ou des chiffres du syndicat national des éditeurs, et qui sont un indicateur fondamental pour analyser la place de la France et du français sur le marché mondial de la traduction, étant entendu que la situation actuelle est en partie le sous-pro-duit d’une politique (aide à la traduction, mais aussi tournées de conférences d’auteurs, financement de colloques à l’étranger, lycées français, alliance française etc.).

Le graphique ci-dessus nous montre que les pays de langues romanes sont les premiers acheteurs de titres français (partie haute du tableau) : espagnol, italien, portugais… La partie basse du tableau (extraduction) concerne les aides à la traduction et nous montre que la France subventionne d’abord les traductions vers l’anglais, l’italien et l’espagnol et, subsidiairement, vers l’arabe et l’allemand. Le graphique suivant concerne les pays et non plus les langues. Nous y voyons que, concernant l’anglais, l’aide va surtout vers les Etats-Unis, la Grande-Bretagne finançant elle-même les traductions à partir du français .

Extraductions / Langue. % du total

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Un ouvrage récent (sous la direction de Gisèle Sapiro, Trans-latio, le marché mondial de la traduction en France à l’heure de la mon-dialisation, CNRS éditions, Paris 2008) souligne que « la politique d’aide à l’extraduction à permis de conserver ou de reconquérir la position du français comme deuxième ou troisième langue centrale dans nombre de pays ». Ici l’aide à la traduction dispen-sée par le CNL est donc déterminant pour l’avenir du français. Si cette aide diminuait, la diffusion de la production littéraire et intellectuelle française en pâtirait bien évidemment.

Pour ce qui concerne les langues comme vecteurs d’infor-mation sur les radios internationales, nous avons identifié 115 radios nationales émettant vers l’étranger en différentes langues et interrogé leurs sites pour déterminer en quelles langues elles émettaient. Le tableau suivant nous montre par combien de radios différentes les langues sont utilisées, et nous voyons qu’ici encore l’anglais occupe la deuxième place, devant le français, le russe, l’arabe, l’espagnol, l’allemand, le chinois et le portugais. Mais là aussi, les choses peuvent bien sûr changer.

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Nouvelles perspectives sur les politiques linguistiques:

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Plus de 50 fois

21 à 29 FOIS

11 à 20 fois

7 à 10 fois

5 et 6 fois

Anglais (52) Français (37)Russe (29)Arabe (26)Espagnol (25)Allemand (22)Chinois (22)

Portugais(19)Farsi (15)Indonésien (15)Albanais (14)Hindi (12)Ourdou (11)Roumain (11)Serbe (11)Swahili (11)Vietnamien (11)

BengaliJaponais (10)Pashtoun (10)Turc (10)Hausa (9)Thai (9)Dari (8)Grec (8)Italien (8)Birman (7)Bosniaque (7)CroateGeorgien (7)Khmer (7)

Azéri (6)Hongrois (6)Ukrainien (6)Bulgare (5)Coréen (5)Lao (5)Macédonien (5)Népali (5)Polonais (5)Tamoul (5)

Pour nous résumer, la langue française est présente en tête du classement pour un certain nombre de facteurs : nombre de pays dans lesquels elle est officielle (deuxième place), utilisation par les radios internationales (deuxième place), prix Nobel de lit-térature (deuxième place), langue source de traduction (deuxième place) et nombre d’articles sur Wikipédia (troisième place). Elle est moins bien placée sur Internet et mal placée pour ce qui concerne le nombre de locuteurs. Elle est potentiellement en danger comme langue internationale (secrétariat général de l’ONU, problème des langues de l’UE) et comme langue étrangère dans les systèmes scolaires. Nous avons ainsi des atouts, des faiblesses, des ouver-tures possibles et des menaces, et l’analyse que nous appelerons « AFOM » nous montre ce qu’il serait possible de faire (« ouver-tures ») et ce qu’il faut surveiller de près (« menaces »). Pour les « atouts » et les « faiblesses » le chiffre entre parenthèse indique le classement actuel du français.

Atouts Faiblesses

Langue officielle (2)Radios internationales (2)Traductions langue source (2)Nobel de littératuree (2)Wikipédia

Equipement informatique (11)Démographie (19)Fécondité (52)

Action culturelle vers l’étrangerPlan informatiqueTraductions vers l’anglais

ONU, UEBaisse des budgets culturels vers l’étrangersEnseignement du FLE

Ouvertures Menaces

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Gragoatá Louis-Jean Calvet

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J’ai indiqué plus haut que notre approche en termes de poids des langues pouvait constituer, entre autres choses, une aide à la décision en matière de politique linguistique. Ce tableau montre, pour ce qui concerne le français, les points forts qu’il conviendrait de développer, certains points faibles qu’il faudrait renforcer et les menaces face auxquelles il faudrait être vigilant. Mais, encore une fois, cette analyse est praticable pour toutes les langues et le lecteur pourra la réaliser en utilisant notre baromètre et en observant la situation d’une langue donnée face à nos différents paramètres. L’exemple du français que nous venons de dévelop-per n’avait en effet pour fonction que d’illustrer un certain type d’approche statistique, à partir du « baromètre Calvet des langues du monde », permettant de réfléchir sur le devenir des rapports entre les langues.

Revenons donc pour finir à un point de vue théorique plus général. Les politiques linguistiques sont traditionnellement consi-dérées comme des interventions volontaires, le plus souvent me-nées par un état ou par une organisation internationale (l’OIF pour le français, la CPLP pour le portugais, l ‘OEI pour l’espagnol…), sur le corpus (la forme) et sur le statut (les fonctions) des langues. Ces politiques peuvent promouvoir une langue, lui donner une fonction nouvelle, ou au contraire en limiter les usages et les fonc-tions. Elles peuvent créer des langues, par exemple en les divisant et en les renommant (roumain/moldave, hindi/ourdou), ou en faire revivre (hébreu). Mais ces différentes approches se limitent le plus souvent aux frontières d’un état. Or la mondialisation a rebattu les cartes, et le modèle gravitationnel comme le « baro-mètre Calvet des langues du monde » nous montrent que toutes les langues sont d’une certaine façon solidaires, liées entre elles comme dans d’immenses vases communicants. Agir sur l’une, c’est aussi agir sur les autres. Toute modification du comportement d’une langue par rapport à un facteur peut modifier la place d’une autre langue ou de plusieurs autres langues dans le classement, et comme ce type de modification peut relever de l’action humaine sur la langue, c’est-à-dire d’une politique linguistique, s’ouvrent ainsi de nouvelles perspectives pour la politique linguistique. Une politique linguistique qui n’aurait pas pour seul horizon les frontières d’un état mais les relations entre toutes les langues du monde : une politique linguistique de la diversité.

AbstractA language policy needs a precise description of reality. The « baromètre Calvet des langues du monde», which in its 2010 version takes into account the statistical analysis of ten discrimi-nating factors, provides us with a panorama of

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Nouvelles perspectives sur les politiques linguistiques:

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the « weight » of languages. As such, it is a most helpful decision tool for in vitro interventions on linguistic situations. Besides, a prospective reflexion about these situations shows us that, in the context of globalisation, a language policy cannot limit itself to the mere frontiers of a state, but that it should also take into account the world language situation. Then only can a language policy for linguistic diversity be devised.

Keywords: Weight of languages; language policy; sociolinguistics; globalisation; linguistic diversity.

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Um olhar crítico sobre a sociometria da língua portuguesa

Cláudia Roncarati (UFF/CNPq)Diego Barbosa da Silva (UFF/CAPES/Arquivo Nacional)

Letícia Cao Ponso (UFF/CAPES)

ResumoA sociometria, isto é, os estudos que visam ela-borar rankings e hierarquias entre as línguas, é abordada de maneira crítica neste artigo, a partir de dois problemas envolvendo a língua portu-guesa. O primeiro refere-se à defesa da lusofonia frente às demais línguas e fonias, numa tentativa de manter uma unidade linguística entre os países de língua oficial portuguesa. O segundo alude-se à assimetria existente, mas por vezes intencional-mente ignorada entre as variedades do português. Como tema polêmico, as pesquisas sociométricas apresentam grande divergência tanto quanto de critérios de medição quanto de intenções dos autores que motivam e direcionam esses estudos. Desse modo, elas alimentam uma competição que não encontra fundamentos linguísticos, mas que atende muito bem aos interesses políticos, sociais, ideológicos e econômicos dos Estados ao mesmo tempo em que apaga a afirmação da diversidade e da heterogeneidade. É neste contexto em que se insere a ainda frágil ideia de lusofonia.

Palavras-chave: língua portuguesa; variedade linguística; lusofonia; sociometria.

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IntroduçãoA avaliação e a ponderação da importância relativa das

línguas - sejam consideradas base da identidade nacional ou mercadoria em tempos de globalização - têm feito parte da agenda dos linguistas, que por vezes usam métodos estatísticos, matemáticos e demográficos para tal medição. Desse modo, é habitual encontrarmos pesquisas de cunho comparatista (elabo-ração de rankings) de toda a natureza. Trata-se de diagnósticos que se baseiam em critérios muitas vezes flutuáveis e variáveis, os quais podem recortar ou falsear os dados, já que muitas vezes propendem a mostrar aspectos da língua favoráveis a alimentar o ufanismo e o nacionalismo do autor. Tais estudos pressupõem uma homogeneidade no tratamento das línguas que muito mais idealiza uma comunidade de fala transnacional do que reflete uma realidade de práticas linguísticas, necessariamente heterogênea, tanto pelos fatores sócio-econômicos, históricos e simbólicos que cercam as línguas quanto pelas suas estruturas.

Quem mede hoje o peso de uma língua? E com que finali-dade? Como garantir a clareza de critérios e o rigor de tais méto-dos de ponderação? Sem dúvida, não se trata de uma tarefa fácil, muito menos precisa, já que, por envolver questões de identidade, prestígio e poder econômico, é impossível deixar de lado o caráter subjetivo dos critérios escolhidos. Além disso, segundo Calvet (2006, p. 43) e Hamel (2008a, p. 68), o peso das línguas é relacional, ou seja, não se pode avaliar a situação de uma língua em si mesma, apenas em relação às outras línguas. Esses autores apresentam modelos segundo os quais “as línguas do mundo se integram em um esquema hierárquico, no qual as línguas de um nível inferior se veem atraídas pelas línguas dos níveis superiores (efeitos de gravitação1) e circulam em sua galáxia” (HAMEL, 2008a, p. 68).

O presente artigo discute dois problemas relacionados à so-ciometria dos estatutos da língua portuguesa em suas dimensões geopolíticas, econômico-culturais e interétnicas. O primeiro deles diz respeito ao comprometimento da sociometria do português com fatores de defesa da lusitanidade: a lusofonia bem como as outras fonias (francofonia, hispanofonia, anglofonia) sustentam um discurso de manutenção da unidade política nacional através da supremacia da língua majoritária e fundamentam-se no poder advindo do colonialismo (MARGARIDO, 2000; FARACO, 2009; FIORIN, 2009; NASCIMENTO, 2009). Tal defesa da língua abarca ao mesmo tempo uma concorrência entre as principais línguas su-percentrais, bem como uma resposta à ameaça da supremacia do inglês como língua hipercentral (CALVET, 2007; HAMEL, 2008b).

O segundo problema, associado ao anterior, diz respeito à assimetria entre as variedades nacionais da língua portuguesa no cenário geopolítico internacional. Num âmbito geral, o crescente interesse dispensado ao nosso idioma se restringe ao cotejo entre

1 O modelo gravitacio-nal proposto por Calvet (2006, p. 60) sugere que em torno de uma língua hipercentral, o inglês, gravitam uma dezena de línguas supercentrais, como o francês, o chinês, o espanhol, o árabe, o português. Em torno dessas línguas super-centrais gravitam de cem a duzentas línguas centrais, que são o cen-tro de cinco a seis mil línguas periféricas.

Um olhar crítico sobre a sociometria da língua portuguesas

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o português europeu e o português brasileiro e exclui as outras variedades nacionais da língua portuguesa em seus espaços sim-bólicos de identidades e diversidades africanas e asiáticas. Tais variedades não nativas do português2 representam um patrimônio linguístico e cultural que ainda não foi suficientemente mapeado pela pesquisa linguística do português (ZOPPI-FONTANA, 2009; RONCARATI, 2011) nem serve de base para políticas de coopera-ção cultural que façam sentido para a vida cotidiana dos cidadãos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), por exemplo (NASCIMENTO, 2009). O que se apresenta hoje nada mais é do que o continuísmo dessa assimetria, que sequer é discu-tida pelos países nela envolvidos (FARACO, 2009; NAMBURETE, 2009; NASCIMENTO, 2009). Não obstante, no espaço político da enunciação linguística, os discursos oficiais dos governos perpetuam ideias de cooperação com base em uma idealização de língua comum sem que, no entanto elas produzam efeito na implementação de uma política linguística concreta e eficaz.

O artigo move-se no âmbito teórico das pesquisas sociomé-tricas das línguas do mundo como uma área de estudos polêmica e atual. Entendemos aqui como estudos sociométricos tanto os de enfoque mais quantitativo, que contabilizam o número de falantes, estabelecendo rankings para as línguas segundo critérios variados (CRYSTAL, 1997; CALVET, 2006 e 2007; HAMEL, 2008a e 2008b), quanto os que categorizam as línguas estabelecendo entre elas uma hierarquia de status e funções (modelo gravitacional de CALVET, 1999; esquema de círculos concêntricos de KACHRU, 1986). Também dialogamos com análises recentes na literatura brasileira sobre a difusão transnacional da língua portuguesa (ZOPPI-FONTANA, 2009 e RONCARATI, 2009 e 2011).

1. A controversa mensuração da importância relativa das línguas: o lugar do português

No ambiente caracterizado por Louis-Jean Calvet (2007) como “a guerra das línguas”, é comum aos nacionalistas convic-tos, de maneira geral, utilizar variáveis ou dados de pesquisa que aparentemente favoreçam sua língua frente às demais. Um chinês dirá que sua língua é a mais falada no mundo em número absoluto de falantes em vez de dizer que só existe um único prêmio Nobel de Literatura em língua chinesa; um francês preferirá dizer que sua língua é falada em 27 países em vez de dizer que é apenas a décima sexta mais falada em número absoluto de indivíduos; um alemão preferirá dizer que existem 114 ganhadores de língua alemã do prêmio Nobel, sendo treze de literatura, em vez de dizer de dizer que sua língua é falada apenas na Europa (LEWIS, 2009; PRÊMIO NOBEL, 2011; DEUTSCHLAND, 2010). Logo, tentar elevar a condição de seu idioma não é uma característica restrita apenas ao enunciador de políticas linguísticas do português.2 Ou VNN, segundo

Perpétua Gonçalves (2010).

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O caráter relativista e a flutuação de critérios das pesquisas sociométricas sobre as línguas supercentrais serão mostrados a seguir por meio de cinco critérios comumente usados para me-dir a importância de uma língua (cada um com suas restrições). São eles: a) número de falantes como língua materna, b) número de países e continentes em que é língua oficial, c) línguas mais utilizadas na internet, d) peso econômico dos países nos quais essas línguas são oficiais, e) quantidade de pr3êmios Nobel de Literatura por língua.

1.1. Número de falantesO número de falantes de uma determinada língua usada

como língua materna (L1) é sem dúvida o critério mais utilizado na medição do peso das línguas. Cinco fontes de rankings que usam esse critério foram selecionadas para compor o quadro abaixo:

Quadro 1: As línguas mais faladas do mundo (em milhões)

Ethnologue (1995)

Observatório da Língua Portuguesa (1995-2010)

Wikipedia em português (2011) Unesco (2000)

World´s Observatory

(2007)

1 Chinês Chinês (Mandarim) 845 Chinês 1300 Manda-

rim 874 Chinês 1081

2 Espanhol 329 Espanhol 329 Hindi 422 Hindi 366 Inglês 3553 Inglês 328 Inglês 328 Espanhol 406 Espanhol 358 Espanhol 2984 Árabe 221 Português 240 Inglês 375 Inglês 341 Hindi 2885 Hindi 182 Hindi 182 Árabe 280 Bengali 289 Português 2366 Bengali 181 Bengali 181 Português 249 Português 176 Bengali 1997 Português 178 Russo 144 Bengali 171 Russo 167 Malaio 1988 Russo 144 Japonês 122 Russo 170 Japonês 100 Russo 1649 Japonês 122 Alemão 90 Japonês 125 Wu 77 Japonês 12710 Alemão 90,3 Javanês 85 Francês 110 Francês 10811 Javanês 84,6 Alemão 110 Alemão 10812 Lahnda 78,3 Persa 98

Fontes: Ethnologue, 20093; Observatório da Língua Portuguesa, 20114; Wikipedia em português, 20115; Unesco, 20096; World s Observatory, 20077.

Evidentemente, a coleta desses dados não é uma tarefa simples, devido ao volume de trabalho e de recursos, embora ela possa ser obtida a partir de um censo, isto é, de uma mera contagem. Entretanto, geralmente os censos populacionais não incluem informações linguísticas em suas entrevistas.

Além disso, esses rankings de línguas apoiam-se em pes-quisas com metodologias variadas, quando não utilizam refe-rências de anos diferentes, como o Ethnologue (2009), que, para contabilizar os falantes de língua portuguesa, por exemplo, utiliza dados de 1993 para Angola, de 1999 para São Tomé e Príncipe, de 2004 para Cabo Verde, de 2005 para Guiné-Bissau e de 2006 para Moçambique. O mesmo ocorre com as línguas autóctones de cada país: para Angola, por exemplo, os dados sobre o chocue são de

3 D i s p o n í v e l e m : <http://www.ethnolo-gue.com/>. Acesso em 25 de julho de 2011.4 D i s p o n í v e l e m : <http://observatorio-lp.sapo.pt/pt>. Acesso em 25 de julho de 2011.5 D i s p o n í v e l e m : <http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_l%C3%ADng uas_por_total_de_falantes>. Acesso em 25 de julho de 2011. Ainda que a wikipedia não seja uma fonte confiável, devi-do a sua manipulação por qualquer usuário da internet, seus dados podem ser considerados , não pelos números em si, mas como mais uma marca desse ufanismo, tanto que os dados da wikipedia em língua portuguesa são dife-rentes da wikipedia em língua inglesa.6 D i s p o n í v e l e m : <http://www.abec.ch/Portugues/subsidios--educadores/artigos/categorias/artigos-fa-milia/Portugues_e_a_sexta_lingua_materna_mais_falada_no_mun-do.pdf>. Acesso em 25 de julho de 2011.7 Disponível em: <http://frankherles.wordpress.com/2008/10/29/os-100--idiomas-mais-falados--do-mundo/>. Acesso em 25 de julho de 2011.

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1991, os de umbundo são de 1995, os de quimbundo de 1999, os de ndonga são de 2000, os de quicongo são de 2007, e assim por diante, com as 41 línguas do país. Isso se aplica para as estatísticas de todos os países multilíngues no Ethnologue, o que compromete a comparabilidade dos dados.

Como se observa no quadro 1, tem-se em mãos uma série de fontes com dados divergentes. Pode-se imaginar que tal divergên-cia se deva à dificuldade de se encontrarem dados demográficos do mesmo ano para todas as fontes. Mas ainda que houvesse censos linguísticos do mesmo ano, o que em princípio aumentaria o rigor na comparação, não necessariamente os números coincidiriam, pois a discrepância também se deve aos diferentes critérios de medição seguidos por parte das agências, os quais não são expli-citados nos sites que publicam os dados.

Por exemplo, comparando-se as fontes 1 e 2, o Ethnologue e o Observatório da Língua Portuguesa (órgão oficial apoiado pelo governo português), nota-se que o número de falantes de todas as outras línguas é exatamente igual nas duas fontes; exceção feita para o português, que, conforme a primeira fonte, ocupa a sétima posição, com 178 milhões de falantes, mas de acordo com a segunda fonte é alçado à quarta posição, com 240 milhões de falantes. Como todas as pesquisas abrangem um período de cerca de quinze anos, a alteração demográfica não deveria ser tão significativa (aumento de 75 milhões de falantes de português em dez anos); além disso, o aumento demográfico deveria ocorrer também para falantes das outras línguas.

Assim, percebe-se que, dependendo da metodologia da pes-quisa ou do censo, ou mesmo de interesses específicos, no quadro acima a língua portuguesa varia da quarta à sétima posição, a inglesa da segunda à quarta e a espanhola da segunda à terceira.

Para a escolha dos outros critérios, utilizamos a pesquisa de Calvet (2007), um dos pioneiros nos estudos da sociometria e também o criador do Barômetro Calvet, uma tentativa de calcular o peso das línguas levando em consideração diversos critérios8. Vejamos quatro deles a seguir.

1.2 Número de países e continentes em que é língua oficialObservando-se o quadro a seguir, pode-se notar que o inglês

é língua oficial de 55 países, enquanto o francês ocupa o segundo lugar com 27 países e o árabe, o terceiro com 24 países. O espanhol vem em quarto com 20 países, e o português, em quinto com 9 países. O chinês, língua mais falada do mundo como materna, é língua oficial de apenas 3 países. Se levarmos em consideração os continentes, veremos que o inglês é a única língua oficial em países de todos os continentes. O francês e o português viriam em segundo, presentes em quatro continentes (exceto na Ásia, no caso do francês e na Oceania, no caso do português).

8 Entre eles estão: o nú-mero de falantes como segunda língua; número de falantes como língua estrangeira; número de países nos quais a lín-gua é oficial ou cooficial; número de países nos quais é possível estudar essas línguas no ensino médio e no ensino su-perior; tradução a partir das línguas (línguas--fontes); tradução para as línguas (línguas-alvo); presença das línguas na Internet; possibilidade de consulta nas línguas no Google ou no Yahoo; possibilidade de con-sultar Wikipedia nas línguas; existência de corretores ortográficos nas línguas; índice de desenvolvimento hu-mano dos países nos quais essas línguas são faladas; crescimento de-mográfico dos países nos quais essas línguas são faladas; peso econômico dos países nos quais es-sas línguas são faladas; produção/exportação de livros escritos nas diversas línguas; Prê-mios Nobel de Literatu-ra obtidos por autores que escreveram em uma determinada língua; flu-xo de turistas; línguas de relações econômicas (OMC); entropia e etc.

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Quadro 2: Número de países e continentes em que é língua oficial

LínguaNúmero

de países em que é oficial

Número de continentes em

que é oficial

Número em milhões de falantes maternos (Ethnologue, 1995)

Inglês 55 5 328Francês 27 4 67,8

Árabe 24 2 221

Espanhol 20 3 329

Português 9 4 178Alemão 5 1 90,3

Suaíle 4 1 0,5

Italiano 3 1 61,7

Bengali 2 1 181Russo 2 2 144Hindi 1 1 182Japonês 1 1 122

Fonte: Elaborado por Barbosa da Silva (2011) com dados do The New York Times Almanac 2009 e do Ethnologue 2009.

Vale ressaltar aqui que esse critério está diretamente rela-cionado à formação dos antigos impérios coloniais. As línguas no topo dessa lista - inglês, francês, espanhol, português - são justamente as línguas utilizadas na colonização linguística, que permaneceram oficiais mesmo após a descolonização. Por trás desses números, muitas vezes esconde-se uma tendência etno-cêntrica e hegemônica, herdada da ideologia colonial, que insiste em se perpetuar sob novas roupagens: as diversas fonias (lusofonia, anglofonia, francofonia, hispanofonia) assentam-se em um terreno que ainda não apagou nem fez uma revisão crítica sobre a história recente, que subjugou, a ferro e a fogo, as línguas autóctones dos países colonizados, especialmente os de África.

A ideologia de “uma língua, uma nação” (EXTRA; YAĞMUR, 2004), surgida com o nacionalismo no séc. XIX (HOBSBAWM, 1990; ANDERSON, 2008), pressupõe que a unidade nacional é um requisito para a ascensão e o sucesso da nação como um todo. Obviamente, tal ambição não encontra respaldo nas práticas lin-

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guísticas heterogêneas da população da maioria dos países, nem procura responder às demandas gerais ou aos sentimentos identi-tários dos falantes. Assim, de certa forma, o multiculturalismo, os regionalismos, o tribalismo, as minorias étnicas e linguísticas são vistos pelo Estado-nação como uma ameaça, por representarem um obstáculo à sua unidade política. Como exemplos, temos as políticas anti-imigração e a xenofobia de alguns estados europeus, as políticas educacionais monolíngues em países cuja maioria da população é bilíngue.

O mais importante a destacar nesse quadro 2 é que nem sempre o caráter de oficialidade significa que a língua é usada pela maioria dos falantes. No caso do português dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), o universo cultural da esmagadora maioria dos falantes é veiculado nas línguas ver-náculas, as línguas bantu (FIRMINO, 2002; GONÇALVES, 2010; PONSO, 2011a).

Retornando ao quadro 2, podemos ver algumas das línguas mais faladas no mundo como materna versus o número de países e continentes em que é língua oficial. A língua portuguesa ocupa a sétima posição em número de falantes, mas se for considerada sua presença como oficial em continentes, ela salta para a segunda posição, perdendo apenas para o inglês e ocupando o mesmo lugar do francês. O importante disso tudo é que nessa competição entre línguas existem muitas variáveis possíveis para compará-las, mas o autor ufanista tende a utilizar aquelas que apresentam maiores vantagens, aparentemente, para a língua portuguesa. Ele tende a selecionar pontos de vista em que o português pareça superior às demais línguas do mundo, a fim de alterar o estatuto político da língua.

1.3 Línguas utilizadas na internetO gráfico 1 apresenta o número de usuários da internet de

acordo com a língua que utilizam. O inglês aparece na primeira posição com 536, 6 milhões de usuários, seguido pelo chinês com 444,9 milhões, pelo espanhol com 153,3 milhões, pelo japonês com 99,1 milhões e pelo português, em quinto lugar, com 82,5 milhões. Neste critério, o alemão, o francês, o russo e o coreano também apareceriam entre as dez línguas mais utilizadas.

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Gráfico 1: Línguas utilizadas na internet

Fonte: Observatório da Língua Portuguesa, 20119.Esse critério é interessante, por duas razões. A primeira,

porque representa a globalização, por meio de um espaço atual e de crescimento acelerado, que é a internet. Trata-se de um espaço em que diversas línguas podem circular e dividir uma mesma página.

A segunda razão seria justamente a influência direta que esse critério sofre do poder aquisitivo dos usuários da internet. Ele assim favoreceria os usuários de línguas japonesa, francesa, alemã e coreana, que ganhariam algumas posições por apresenta-rem maior poder aquisitivo que os falantes de língua portuguesa, árabe ou russa.

1.4 Peso econômico dos países nos quais as línguas são oficiais

O quarto critério a ser observado é o peso econômico dos países nos quais essas línguas são oficiais. Para isso utilizamos dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Central Intel-ligence Agency of the United States (CIA), que, apesar de alguma variação, não alteraram a posição dos conjuntos de países agru-pados pela língua oficial. Isolados em primeiro lugar, estão os países de língua oficial inglesa, com um PIB de mais de vinte bilhões de dólares. Em segundo lugar vêm os países de língua chinesa com PIB de aproximadamente 6,5 bilhões. Em terceiro viria o único país de língua oficial japonesa, o Japão, com o PIB de aproximadamente 5,5 bilhões de dólares, seguido de perto pelo grupo de língua francesa, e depois pelos grupos de língua alemã, língua espanhola e língua italiana. Os nove países de língua ofi-cial portuguesa teriam um PIB somado de aproximadamente 2,4

9 D i s p o n í v e l e m : <ht tp://www.obser-vatorio-lp.sapo.pt/pt> Acesso em 28 jul. 2011.

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bilhões de dólares, que os deixaria na oitava posição, atrás dos quatro países de língua italiana e seguido bem de perto pelos países de língua árabe.

Quadro 3: Peso econômico dos países nos quais as línguas são oficiais

PIB (bilhões) FMI

PIB (bilhões) CIA

Países de língua oficial inglesa 23,138 22,944

Países de língua oficial chinesa 6,755 6,420

País de língua oficial japonesa 5,458 5,391

Países de língua oficial francesa 5,318 5,288

Países de língua oficial alemã 4,214 4,199

Países de língua oficial espanhola 4,101 4,064

Países de língua oficial italiana 2,578 2,561

Países de língua oficial portuguesa 2,432 2,347

Países de língua oficial árabe 2,295 2,162

Países de língua oficial russa 1,664 1,664

Países de língua oficial bengali 1,641 1,535

Países de língua oficial híndi 1,537 1,430

Países de língua oficial neerlandesa 1,248 1,237

Países de língua oficial coreana 1,007 1,014

Fontes: Fundo Monetário Internacional, 200910; Central Intelligence Agency of the United States, 201011.

Quanto à relação entre língua e dinheiro, Bethania Mariani (2011, p. 4) aponta que não é algo recente: “Filósofos como Locke, Leibniz e Hume e economistas como Adam Smith, Marx e Weber escreveram sobre a analogia, enfatizando ora a função que a lín-gua e o dinheiro têm na sociedade, ora o valor que ambos têm como poder de barganha”. Por outro lado, Zoppi-Fontana (2009) aponta para o surgimento recente de um mercado linguístico no mundo globalizado, num processo de capitalização linguística.

O processo de capitalização linguística se caracteriza por investir uma língua de valor de troca, tornando-a ao mesmo tempo em bem de consumo atual (mercadoria) e um investimento em mercado de futuros, isto é, cotando seu valor simbólico em termos econômicos. Desta maneira, as línguas, que sempre foram arma de dominação política nos processos de colonização, se tornam na contemporaneidade novo mecanismo de especulação financeira e, consequentemente, de dominação econômica para

10 D i s p o n í v e l e m : <http://www.imf.org/external/index.htm> Acesso em: 28 jul. 2011.11 Disponível: <https://www.cia.gov/> Acesso em: 28 jul. 2011.

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um mundo em que as línguas se tornaram mercadorias, o mais novo e rentável bem de capital cuja posse seria necessária para que o indivíduo contemporâneo possa se inscrever enquanto sujeito de Mercado no mundo globalizado. Em outras palavras, observamos um forte processo de mercantilização das línguas (ZOPPI-FONTANA, 2009, p. 37).

Como exemplos disso temos o acordo ortográfico, que entre suas justificativas está a unificação dos mercados editoriais, ou o crescimento do mercado de ensino de Português como Língua Estrangeira (PLE), comprovado nos trabalhos de Zoppi-Fontana (2009) e Diniz (2010).

O crescimento do mercado de PLE pode também ser obser-vado a partir da adoção de leis que garantam a oferta de PLE no ensino público de diversos países vizinhos daqueles de língua oficial portuguesa nesses últimos anos, como o Uruguai (2008), a Argentina (2009), a Venezuela (2009), a Espanha/Extrema-dura (2009), a Zâmbia (2009) e o Congo (2010) (ÁFRICA 21, 2009; RATTNER, 2010).

Tal crescimento do espaço da língua portuguesa, observado, sobretudo nesta última década, deve ser analisado a partir dos esforços do Brasil de se projetar internacionalmente como futura potência mundial. Assim, à medida que o Brasil se projeta poli-ticamente, eleva-se o estatuto do português brasileiro como lín-gua transnacional substituindo a primazia que até então tinha o português europeu. Por sua vez, um maior estatuto do português brasileiro favoreceria ainda mais a projeção do país.

Entre os acontecimentos que favoreceram a projeção do por-tuguês brasileiro, pode-se citar o grande crescimento econômico de todos os países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e mais recente a África do Sul) nesta última década e principalmente após a crise financeira do capitalismo em 2008; a mobilização do Brasil no G-4, ao lado da Alemanha, Índia e Japão para reforma do Conselho de Segurança da ONU; a criação do Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul (IBAS) em 2003; a criação da União das Nações Sul-americanas (Unasul) em 2008; a atuação do Brasil da Conferência sobre o Clima; a reforma no FMI com a ampliação da participação brasileira em 2010; o Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014; o Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016, além da criação de cinquenta novas embaixadas brasileira no exterior durante o governo Lula e na diversificação dos parceiros comerciais do Brasil (BARBOSA DA SILVA, 2011, p. 191).

1.5 Prêmios Nobel de LiteraturaQuanto ao último critério observado, os prêmios Nobel de

Literatura, podemos notar uma supremacia da língua inglesa, com 26 laureados, seguidos pela língua francesa e pela língua alemã, ambas com 13 ganhadores. O espanhol aparece na quarta posição com 11 laureados. Já o português divide com línguas de

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menor expressão, como o islandês e o provençal, a décima terceira posição, com apenas um ganhador: José Saramago.

Quadro 4: Países Ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura

Língua dos ganhadores Prêmios Língua dos

ganhadores Prêmios

1. Inglês 26 13. Bengali 1

2. Francês 13 13. Chinês 1

2. Alemão 13 13. Tcheco 1

4. Espanhol 11 13. Finlandês 1

5. Italiano 6 13. Hebraico 1

5. Sueco 7 13. Húngaro 1

7. Russo 5 13. Islandês 1

8. Polonês 4 13. Provençal 1

9. Norueguês 3 13. Português 1

9. Dinamarquês 3 13. Servo-croata 1

11. Grego 2 13. Iídiche 1

11. Japonês 2 13. Turco 1

13. Árabe 1

Fonte: Prêmio Nobel, 201112.

Assim como alguns critérios acima, esse sofre influência da economia, mas também da ideologia da superioridade ocidental. Basta observar que as línguas no topo da lista são justamente aquelas mais valorizadas durante o século XX, principal período de entrega dos prêmios, como línguas de literatura e de “prestígio cultural” ou científico. Como se não bastasse, as línguas ociden-tais representam países mais ricos, com maior poder editorial e com população mais alfabetizada, o que fomenta o consumo e a difusão de obras literárias. Cabe aqui perguntar que chances têm as línguas orientais, africanas, ameríndias, etc. de conquistar prêmios literários desse porte, se o mercado editorial é dominado pelas línguas europeias.

Após a apresentação desses dados, com diferentes critérios, confirma-se que (1) diversas são as possibilidades de comparar duas ou mais línguas a fim de tentar demonstrar a importância de uma(s) sobre a(s) outra(s)13 e (2) em muitos casos os dados não são precisos e as pesquisas não seguem metodologias com critérios explícitos. Por isso, há de se ter um olhar cuidadoso e crítico acerca de tais resultados, que não devem ser tomados como absolutos ou imparciais.

12 D i s p o n í v e l e m : <ht t p://nob elpr i z e.org/nobel_prizes/lite-rature/shortfacts.html> Acesso em: 08 ago. 2011.13 Calvet (2007), por exemplo, apresenta 37 dessas possibilidades.

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2 A CPLP e a lusofonia: o peso das variedades nacionais do português

A polêmica da mensuração do peso das línguas não se res-tringe à competição entre as línguas supercentrais, mas estende-se às diferentes variedades nacionais de uma mesma língua. Devido a sua dimensão transcontinental e à heterogeneidade na consti-tuição de diferentes identidades linguísticas nos países em que é falada, cada variedade nacional do português é única e apresenta características muito particulares.

A configuração do contato entre a língua da metrópole e as línguas autóctones das colônias – bem como as diferentes discur-sividades produzidas em torno delas - tornaram diferenciados os processos de colonização e descolonização em cada um dos países de língua oficial portuguesa. No caso dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), a política assimiladora do regime colonial impôs medidas oficiais contra as línguas indíge-nas desde os primeiros anos de colonização. A violência simbólica da coibição e a falta de reconhecimento da alteridade pressupunha que os angolanos, moçambicanos e guineenses não tinham direito à língua14. Tratava-se de estados multiétnicos e multilíngues que o governo colonial pretendia unificar, pela força e pela coerção, em torno de uma única língua.

Portanto, a colonização linguística portuguesa na África gerou, de um lado, o encontro do português com outras línguas, e, de outro, um paulatino “desencontro” do português com ele mesmo; ou seja, “a partir dos novos sentidos construídos nas situações enunciativas oriundas dos contatos linguísticos é que surgirão uma língua e um sujeito nacionais” (MARIANI, 2004, p. 28). Isso significa, em última análise, que o português brasileiro, o português moçambicano, o português angolano, etc. são sin-gularizados de acordo com as contingências históricas de cada colonização linguística e com as línguas de substrato e adstrato que lhes dão características de especificidade. A esse respeito, Perpétua Gonçalves declara, sobre a variedade do português de Moçambique:

O aspecto que mais sobressai na história da pesquisa sobre as “variedades não nativas” (VNN) das línguas coloniais é que, durante muito tempo, estas constituíram uma espécie de parentes pobres da grande família das línguas naturais. [...] No que respeita ao contexto político-social, destaca-se o facto de, por emergirem em sociedades coloniais fortemente marcadas por preconceitos socioculturais e também raciais, as VNN terem sido vistas, du-rante muito tempo, como subproduto das línguas coloniais – os modelos “puros” e superiores criados pelos colonizadores – i.e.,

14 ... enquanto no Brasil algumas línguas indí-genas, como o Tupinam-bá, foram estudadas e gramaticalizadas pelos missionários jesuítas. Sobre as diferenças da colonização linguística portuguesa no Brasil e na África (Moçambi-que), conferir Mariani, 2011.

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como línguas imperfeitas, geradas pelas populações colonizadas, que pareciam incapazes de aprender o padrão europeu na sua plenitude. (GONÇALVES, 2010, p. 13)

Essa situação não diz respeito apenas ao português, mas também às outras línguas coloniais, que são consideradas línguas pluricêntricas, termo primeiramente empregado por Kloss (1978, apud Clyne, 2004) para referir-se a línguas com diversos centros de interação, geograficamente contíguos ou não, cada qual esti-pulando uma variedade nacional com norma própria. Em geral, o status de diferentes variedades nacionais de uma língua pluri-cêntrica é assimétrico.

No caso da língua portuguesa, Portugal é a pátria-mãe desse idioma, enquanto que o Brasil tem um território e uma popula-ção muito maiores e, atualmente, maior poder econômico. Essas características podem levar a uma relação simétrica das varie-dades nacionais do português brasileiro e do português europeu em termos de status, apesar de suas diferenças. Não obstante, tal simetria não se aplica a países como Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Timor-Leste, nos quais o processo de colonização envolveu a imposição violenta da língua europeia. Em tais lugares, permanece ainda nos dias de hoje um imaginário de deficiência e subserviência produzido no período colonial. Os efeitos de controle, exclusão e violência simbólica a que foram submetidos os povos africanos deixaram consequências que se vêem ainda hoje no período pós-colonial, herdeiro da ideia de que as línguas não européias são dificultosas, defeituosas, sem racionalidade (MARIANI, 2004, 2005 e 2011).

Em relação a isso, as variedades nacionais que têm mais visibilidade e representatividade – como o português europeu e o brasileiro - apresentam características como a noção de que elas é que são o standard, enquanto as outras são não-standard, exóticas ou arcaicas; além disso, sustenta-se a crença de que têm normas mais rígidas, maior uniformidade na escrita, melhores recursos para exportar sua variedade em programas de ensino de língua, bem como para publicar gramáticas, dicionários e livros didáticos (CLYNE, 2004).

Analisando mais detalhadamente os dados estatísticos sobre a língua portuguesa na atualidade, notamos a concentração de falantes em um único país. Os brasileiros falantes de língua por-tuguesa como materna respondem por 82,4% de todos os falantes de português no mundo todo (LEWIS, 2009; BANCO MUNDIAL, 2009)15. O gráfico 2 foi desenhado a partir de estimativas popula-cionais de falantes de português tanto como LM quanto L2 nos países lusófonos e no exterior.

15 Esse número total de falantes da língua portuguesa leva em consideração além da população dos países lusófonos, os imigrantes lusófonos fora dos paí-ses de língua portugue-sa e os estrangeiros que falam português como língua estrangeira (LE).

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Gráfico 2: Distribuição dos falantes de português entre países lusófonos e língua materna/segunda língua

Fonte: Barbosa da Silva, 2011, com base nos dados do IBGE, The New Times Alma-nac, LEWIS. Ethnologue, 2009 e institutos estatísticos de países de língua oficial portuguesa.

Como se vê no gráfico, somando os falantes de português como língua materna (LM) e segunda língua (L2) de cada país, o Brasil responde por 83,4% dos falantes no mundo, enquanto Portugal apenas 4,5%. Percebe-se também neste gráfico que a quantidade de falantes de português nos Países Africanos de Lín-gua Oficial Portuguesa e no Timor ainda é pequena, pois apesar de responderem por 18% da população da CPLP, eles contribuem com apenas 7,3% dos falantes de português em todo o mundo, levando em consideração o somatório dos falantes, nesses países, de português como LM e L2 (LEWIS, 2009). Isso significa que a maioria da população nos países africanos de língua portuguesa e no Timor-Leste não fala português.

Não obstante, em todas as diferenças socioeconômicas e culturais entre os países de língua oficial portuguesa existem um interesse e um investimento por parte dos Estados em promover a valorização e a inserção da língua portuguesa no cenário interna-cional, em alianças diplomáticas estratégicas para uma cooperação com base na língua comum. Em 1989, por exemplo, ocorreu a pri-meira reunião desses países, com a consequente criação em 1996 da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), órgão que “se assume como um novo projeto político, cujo fundamento é a língua portuguesa”16. Com a CPLP, é criado também o Instituto Internacional da Língua Portuguesa - ideia lançada pelo então presidente brasileiro José Sarney -, cuja sede situa-se na capital de Cabo Verde, a cidade de Praia. Segundo Faraco (2009), “apesar dos esforços dos seus dirigentes, (o instituto) estava já em 2004 em estado de falência técnica. Mesmo equilibradas suas finanças, sua 16 Conferir o site: www.

cplp.org

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ação tem sido pífia”. Durante os anos do governo Lula (2003-2010), as relações Sul-Sul - entre Brasil, os PALOP e o Timor-Leste – foram uma preocupação constante da agenda da política externa brasi-leira (ZOPPI-FONTANA, 2009, p. 14; FARACO, 2009; AYLLÓN e LEITE, 2010; BARBOSA DA SILVA, 2012).

No entanto, se por um lado os discursos defendem a unidade política, por outro lado revelam o desnível entre a força política dos membros da CPLP, como percebemos na declaração do diplomata Leonardo Lott (2009), chefe da Divisão de Promoção da Língua Portuguesa do Departamento Cultural do MRE: “Brasil e Portugal devem harmonizar seus interesses, pois os demais países lusó-fonos irão atrás” e Portugal já percebeu que “se o Brasil garantir uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, é o português brasileiro que estará lá”.

Nota-se, nesses discursos oficiais, nas entrelinhas de uma pretensão de simetrização entre os países da CPLP, um tom de superioridade por parte de Brasil e Portugal, e também certa competição entre as variedades nacionais dos dois países. Fiorin, sobre tal questão, defende

Para que a lusofonia seja um espaço simbólico significativo para seus habitantes, é preciso que seja um espaço em que todas as variantes linguísticas sejam, respeitosamente, tratadas em pé de igualdade. É necessário que não haja autoridade paterna dos padrões lusitanos. (...) A lusofonia não será pátria, porque não será um espaço de poder ou de autoridade. Será mátria e será frátria, porque deve ser o espaço dos iguais, dos que têm a mesma ori-gem. Se assim não for, ela não terá nenhum significado simbólico real, será um espaço do discurso vazio de um jargão político sem sentido (FIORIN, 2006,p. 46).

Ora, o âmbito do que hoje se chama lusofonia comporta tanto países em que o português é adotado com língua materna da esmagadora maioria da população, como Brasil e Portugal, quanto países que têm o português como língua oficial, porém não majoritária, como os PALOP e Timor-Leste, e ainda aquelas comunidades em que o português é a língua de uso e comunica-ção para apenas uma pequena parte da população, como Goa, na Índia, e Macau, na China (BRITO, 2003; PONSO, 2011b).

Tal desigualdade é percebida de maneiras diferentes por linguistas portugueses, brasileiros e africanos, que encaram a luso-fonia desde pontos de vista nem sempre concordantes; enquanto aqueles parecem buscar uma certa redenção ou reparação da época colonial e imperialista e “a continuidade da dominação com outra roupagem” (FARACO, 2009, p.11), esses apoiam-se no discurso da lusofonia “como parte de uma estratégia de projeção geopolítica do país” (ibid. 10), e estes últimos – na maior parte das vezes - não se sentem representados pela “fonia lusa”.

O sonho lusófono dos portugueses, anunciado por Eduardo Lourenço “como um espaço de refúgio imaginário, o espaço de

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uma nostalgia imperial, que os ajude hoje a sentirem-se menos sós e mais visíveis nas sete partidas do mundo” (LOURENÇO, apud MARTINS, 2006) está impregnado de uma idealização romântica, de uma monumentalização da língua (ZOPPI-FONTANA, 2009), que prega a irmandade, a solidariedade, a cooperação, a tolerância:

Como espaço de cultura, a lusofonia não pode deixar de nos remeter para aquilo que podemos chamar o indicador fun-damental da realidade antropológica, ou seja, para o indicador de humanização, que é o território imaginário de arquétipos culturais, um inconsciente coletivo lusófono, um fundo mítico de que se alimentam sonhos. (MARTINS, 2006, p. 30)

Tal discurso apaga, ou no mínimo abranda em muito, os conflitos e ressentimentos resultantes da violenta colonização portuguesa na África:

Nesse discurso de exaltação e celebração, não há, evidentemen-te, espaço para uma leitura crítica da exploração colonial. Ou do papel central que os luso-brasileiros exerceram no tráfico internacional de escravos africanos durante 300 anos; não há espaço para discutir o estado de imensa miséria social, econômica e cultural em que foram deixados, no momento da independência, os territórios africanos e asiáticos que es-tiveram sob o domínio português; não há espaço para deixar visíveis a ideologia e as práticas racistas do colonialismo por-tuguês na África; não há também espaço para compreender a heterogeneidade dos diferentes países, salvo se ela puder ser reduzida ao exótico e devidamente folclorizada (a culinária, por exemplo)17 e, mais ainda, não há espaço para se reconhecer e discutir o fato de que a língua portuguesa funciona social-mente também como forte fator de discriminação e exclusão nas sociedades em que é falada (FARACO, 2009).

Segundo Eduardo Namburete (2006, p. 63), professor do curso de Comunicação Social da Universidade Eduardo Mondlane de Moçambique, o termo lusofonia “ainda constitui um pólo de divergência, pois o seu entendimento ainda não é compartilhado por todos aqueles que deveriam nela se sentir representados”. O autor questiona a identidade linguística de tantos falantes que vivem em países ditos lusófonos, mas que “não falam, não leem e muito menos escrevem na língua de Camões” e afirma que tal tema é inevitavelmente enfrentado do lado africano com ceticismo e nem sempre de forma pacífica.

Pretendemos ainda consubstanciar a nossa recusa à congrega-ção dos países africanos de expressão oficial portuguesa sob o manto da lusofonia usando para tal o argumento de que em português todos nós nos entendemos. Recusamo-nos a per-petuar a falsa verdade de que os países africanos colonizados por Portugal se comunicam usando os fones lusos. Moçambique estaria mais bem categorizado no grupo dos países bantúfonos (op. cit. p. 70).

17 Sobre essa questão da heterogeneidade, diz Mia Couto (no evento mencionado na nota 2): “Os lusófonos são pensa-dos e falados do seguinte modo: Portugal, Brasil e os PALOP [Países Afri-canos de Língua Oficial Portuguesa]. Surgimos como um triângulo com vértices um no Brasil, um em Portugal e um terceiro em África. Ora, os países africanos não são um bloco homogé-neo que se possa tratar de modo tão redutor e simplificado. Não se pode conceber como uma única entidade os 5 países africanos que mantêm, entre si, dife-renças culturais sensí-veis. As nações lusófo-nas não são um triângu-lo, mas uma constelação em que cada um tem a sua própria individua-lidade”.

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Essa asserção é confirmada em recente artigo de Nataniel Ngomane, professor da mesma Universidade:

Não sou, necessariamente, um indivíduo de expressão por-tuguesa. Não sou lusófono, mesmo porque minha matriz fundamental é bantu. E não nasci apenas eu: mas irmão. “Ex-pressão” refere-se ao ato de exprimir. Representação escrita, palavra, frase, não se restringindo, como pode parecer – à fala (ou à escrita), à expressão verbal. [...] Esses aspectos têm mais a ver com questões socioculturais, cuja amplitude ultrapassa confinamentos linguísticos. [...] Aplicar essa expressão (lusó-fono, lusofonia) a indivíduos, povos, países e outras entidades não-portuguesas, equivale a atribuir – e de forma matreira! – qualidades ou características portuguesas a entidades que, não sendo portuguesas, acabam por ter-e-ver apagadas e esvaziadas suas próprias características. (NGOMANE, 2012)

Percebe-se, nas citações acima, a diferença de sentidos que o termo lusofonia assume quando é visto do ponto de vista de linguistas portugueses, brasileiros ou africanos e também o diferente estatuto de que goza a língua portuguesa no contexto social de cada país onde é falada. Para Nascimento (2010, p. 6), a CPLP ancora-se na língua, que ilusoriamente pode representar um espaço de continuidade, suprindo as descontinuidades geo-gráficas, sócio-históricas e culturais dos seus países membros. Na verdade, nada mais heterogêneo do que as formas de expressão – verbais e não verbais – de angolanos, brasileiros, goenses, timo-renses, moçambicanos.

Portanto, se no futuro a lusofonia se pretende um espaço de intersecções e imbricações culturais, deve desde já questionar o estatuto de universalidade e de hegemonia do português e contemplar as línguas que coabitam esse espaço com ele. A CPLP, embora tenha traços de uma herança linguística cultural comum, tem uma conformação plural e diversa, que deve ser reconhecida e compartilhada pelos seus membros a fim de que a cooperação para o fortalecimento do idioma seja mais efetiva do que retórica.

ConclusãoA sociometria das línguas, como demonstramos na primeira

parte deste trabalho, apresenta grande divergência tanto quanto aos critérios de medição do peso relativo das línguas, como quanto às intenções que motivam e direcionam as pesquisas, o que exige um olhar sempre crítico sobre os seus resultados. Ao mesmo tem-po em que a demografia linguística pode comprometer-se com demandas políticas, ideológicas, sociais, econômicas relacionadas à defesa dos Estados-nação, paralelamente também pode erigir e manter um estatuto para as línguas.

No que se refere à lusofonia, que abordamos na segunda parte, uma relação assimétrica entre o estatuto das diferentes variedades nacionais da língua portuguesa pode comprometer o seu estatuto como idioma transnacional. De fato, o surgimento

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de um mercado linguístico global e o processo de capitalização linguística, impulsionados pelo crescimento econômico acelerado do Brasil nos últimos anos, produzem uma expansão cada vez maior do idioma. Todavia, órgãos como a CPLP produzem um discurso de unidade que, apesar de afirmar ter como “funda-mento a língua”, fundamentam-se em relações de supremacia político-econômica, que por vezes revelam uma competição entre as variedades nacionais do português, especialmente o europeu e o brasileiro.

Independentemente de sua relação ou não com a colonização linguística ou com a hiperidentidade portuguesa, os discursos em torno da lusofonia apostam na unidade em torno da língua. Tal tentativa tem como consequências a desvalorização das variedades não nativas do português, a assimetria dos estatutos dessas variedades nacionais, o desconhecimento dos ambientes multilíngues de muitos dos Estados que a compõem, e, sobretudo, da heterogênea realidade linguística desses países.

O efeito de negar as assimetrias dos estatutos das variedades nacionais para forjar uma unidade linguística, bem como o pro-cesso de capitalização linguística tão útil para os governos, mos-tram quão frágil pode ser essa lusofonia se não for respaldada por políticas culturais transnacionais baseadas na diversidade. Todo esse panorama envolve consequências tanto para as políticas de expansão e inserção do português no espaço político internacio-nal, quanto para as análises sociométricas do estatuto do idioma.

AbstractSociometry, the study of rankings and hierarchies between languages, is discussed critically in this paper from two problems involving the Portu-guese language. The first refers to the defense of lusophony in face of other languages, in an attempt to maintain a linguistic unity among Portuguese-speaking countries. The second refers to the existing asymmetry of the the Portuguese language variations, which are sometimes in-tentionally ignored. Since it is a polemic issue, the sociometric surveys show wide divergence as well as criteria for measuring how much the authors’ intentions that motivate and direct these studies. Thus, they feed a competition that has no linguistic basis; however, it suits the political, social, ideological and economic States - while erasing the affirmation of diversity and hetero-geneity. The fragile idea of lusophony appears in this troubled context.

Keywords: Portuguese language; variety of language; lusophony; sociometry.

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REFERÊNCIAS

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Políticas linguísticas e historicização do Brasil: a escrita na construção

vernacularAnderson Salvaterra Magalhães (UFSM/FAPERGS)

ResumoTradicionalmente a história do Brasil se conta do ponto de vista europeu colonizador, mais especificamente, da perspectiva do português, e a questão linguística desempenha importante fun-ção no modo como a brasilidade pôde e pode ser significada. Neste artigo, o objetivo é demonstrar como a escrita instaura uma arena de sentidos determinante para os discursos constitutivos do senso de vernáculo no e do Brasil. Para isso, foram selecionados dois documentos flagrantes da tensão estabelecida pela política linguística da Coroa Portuguesa: a) a Carta Régia declarando guerra contra os índios chamados botocudos e b) um texto editorial publicado no Correio Braziliense sobre tal Carta. A análise desses documentos destaca dois pontos fundamentais para a possibilidade de construção vernacular: 1) a política linguística portuguesa impôs uma ordem letrada e o saber por ela e nela referendado em detrimento da ordem regida pela oralidade e o saber por ela e nela valo-rado; 2) a escrita corroborava simultaneamente o valor e a reacentuação do valor da língua portu-guesa no funcionamento cultural que se instituía, sendo instrumento de afirmação e questionamento de ideologias linguísticas. Assim, a escrita no Brasil mobilizou campos discursivos reguladores da relação entre língua e sociedade decisiva para a historicização do país.

Palavras-chave: políticas linguísticas; língua portuguesa; vernáculo; escrita.

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IntroduçãoA história do Brasil é tradicionalmente contada do ponto

de vista do português. A chegada dos lusitanos em 1500 tem sido referida como “descobrimento do Brasil”, ou, “achamento do Brasil”, como já registrara Pero Vaz de Caminha em sua Carta ao Rei, uma das primeiras narrativas a significar este espaço da perspectiva a ser consolidada nos discursos da história do Brasil. A designação descobrimento do Brasil guarda um tom inaugural, como se tudo começasse ali, e ratifica o ponto de vista do qual se conta essa história. Daí, duas questões podem ser levantadas: 1) como é possível falar em descobrimento ou achamento de um território habitado, com sociedades organizadas, ainda que organizadas de um modo diferente daquele dos supostos descobridores? 2) o que significa nomear “descobrimento do Brasil” ou “achamento do Brasil” a chegada dos portugueses num território que não se identificava ou se definia como Brasil? Por um lado, a ideia de descobrimento evidencia que o que se passou nesse lugar antes do projeto comercial e colonizador português não é alcançado pelo foco lançado desse ponto de vista e, por isso, não integra a dinâ-mica dessa história. Por vezes, o que antecede à presença lusitana no Brasil aparece como cenário, mas nunca como força dramática, por assim dizer. Por outro lado, a designação Brasil não condiz com o nome dado às terras conhecidas pelos portugueses por ocasião do “achamento”, mas recolhe em uma palavra um conjunto de designações que remontam às nuanças da organização política deste espaço a partir da colonização: Terra de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz, Brasil (Colônia), Império do Brasil, Estados Unidos do Brasil, República Federativa do Brasil. Mais do que escolha lexical, falar em “descobrimento do Brasil” implica falar dos sentidos que atravessam fatos históricos determinantes do que o Brasil é hoje; sentidos mobilizados de um lugar social que permite significar tais fatos de uma maneira, e não de outra, e a língua portuguesa tem uma função preponderante nesse processo de historicização.

A chegada dos portugueses ao que hoje se chama Brasil dá início a um processo de transformação da ordem social local. Instaura-se um embate entre o paradigma organizacional eu-ropeu e aquele praticado pelos povos indígenas que aqui habi-tavam. Gradativamente os valores sociopolíticos indígenas vão perdendo relevância simbólica para o funcionamento europeu, que se impunha como padrão. Organização política, língua de comunicação, religião, relações familiares etc.; muitos eram os pontos de conflito de valores. A Carta de Pero Vaz de Caminha documenta, em língua portuguesa, os primeiros contatos entre lusitanos e indígenas e fundamenta um modo de fazer sentido do Brasil no qual o índio não é população autóctone, mas o outro, o exótico, de conhecimento lacunar. Falta roupa, falta vergonha, falta temor à religião cristã e, portanto, do ponto de vista europeu, falta

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conhecimento de Deus, falta rei, falta escrita, entre tantas outras ausências. A Carta de Pero Vaz registra um ponto de vista que passa a regular as relações de identidade/alteridade aqui entrete-cidas e que encaminha possibilidades vernaculares. Aquilo que é definido como próprio desta terra é mediado por esse olhar, e o fato de uma carta funcionar como registro válido de memória dessa historicização evidencia o sucesso do empreendimento português. Nesse processo de documentação, a escrita suplanta a oralidade, e a língua portuguesa, as diversas línguas indígenas.

A consolidação da língua lusitana no Brasil, porém, não foi garantido pela Carta, nem pelas primeiras ações de Portugal sobre este espaço. Até o século XVIII, competiam com o português, que se difundia sobretudo na costa brasileira, duas línguas francas – a língua geral paulista e a amazônica (NOLL, 2010) – difundidas principalmente no interior a partir do contato entre indígenas e bandeirantes. As línguas gerais também compunham o projeto jesuítico de catequese, que advogava a necessidade de significar a “religião do Rei” na língua local (MARIANI, 2004). Sendo assim, a coletividade brasileira que se costurava no período colonial definia-se em meio ao contato de diversas línguas indígenas, duas versões de língua geral – a paulista e a amazônica – e o português, que chegava ao Brasil na boca de lusitanos das mais variadas regiões de Portugal e de diferentes posições sociais (NARO; SCHERRE, 2007; DEL PRIORE; VENANCIO, 2010; NOLL, 2010). No decorrer do processo de colonização, por conta do de-sajuste entre o empreendimento da Igreja Católica e o da Coroa Portuguesa, D. José I, rei de Portugal, edita em 1757, por meio do seu ministro, o Marquês de Pombal, o Diretório dos Índios que, entre outras providências, instituía a língua portuguesa como único idioma válido na então Colônia. É a partir daí que a língua portuguesa começa a ocupar função preponderante não apenas na comunicação no Brasil, mas também no processo de significá-lo aqui (MARIANI, 2004).

Nesse cenário que se recupera entre os séculos XVI e XIX, im-portante instrumento para o fortalecimento da língua portuguesa na historicização do Brasil são a escrita e os campos discursivos por meio dela mobilizados. No período focado, dois desses cam-pos merecem destaque: o da jurisprudência e o do jornalismo. O primeiro promove a redefinição das relações sociais culturalmente validadas, uma vez que o funcionamento sociopolítico europeu, regido pela legislação escrita, se impõe à cultura oral indígena. O segundo configura uma arena de sentidos também mediada pela escrita, um lugar de embate entre discursos, um lugar de afirmação e questionamento de valores.

Com o objetivo de demonstrar como esses dois campos ins-tauram tensão de sentidos determinante para o senso de vernáculo no e do Brasil, são analisados, neste artigo, dois documentos em língua portuguesa: uma Carta Régia de 13 de maio de 1808 que

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manda fazer guerra aos índios Botocudos (BRASIL, 1808) e um texto jornalístico, de caráter editorial, sobre tal carta publicado na edição de outubro de 1808 do Correio Braziliense (BRAZIL, 1808). A carta constitui flagrante da imposição da ordem letrada europeia na Colônia, e o texto editorial, simultaneamente subscreve essa imposição e, simultaneamente, resiste a ela. Ambos, discurso e contradiscurso, consolidam uma política a favor da língua portu-guesa na Colônia, mas orientam de maneira diferente a construção vernacular no Brasil.

Para alcançar esse objetivo, a presente discussão desen-volve-se em três principais eixos. No primeiro, reflete-se acerca da relação entre política linguística e historicização, pontuando como a questão da língua, especialmente por meio da escrita, deflagrou um modo de significar a organização social, política e cultural do que viria a ser o Brasil. No segundo, destacam-se aspectos extrínsecos e intrínsecos à língua portuguesa determi-nantes para sua consolidação como possibilidade vernacular, bem como a função da escrita como poderoso equipamento para ordem social que se impunha. No terceiro eixo, analisam-se os documentos para demonstrar como a escrita e os valores com ela mobilizados funcionaram na consolidação de uma política reguladora de possibilidade vernacular no Brasil.

Política linguística e historicização: a questão da escritaA situação linguística do Brasil Colônia se definia pela mul-

tiplicidade de línguas em contato. Na chamada era pré-cabralina, as diversas tribos que habitavam estas terras já vivenciavam variadas fronteiras linguísticas ao longo do território que viria a constituir o Brasil, e a chegada dos europeus, em particular, a dos portugueses torna o quadro ainda mais complexo. Para compreender o redimensionamento da situação linguística e seus desdobramentos políticos, é preciso entender o conflito de valores deflagrado a partir do choque entre o funcionamento cultural europeu e o dos indígenas.

Chamie (2002) identifica o enfrentamento da cultura oral indígena com a letrada europeia como o principal embate estabe-lecido aqui em 1500. De acordo com o autor, o texto da Carta de Pero Vaz de Caminha deixa evidências de um estranhamento que pode ser metonimicamente recuperado pela tensão entre uma tradição oral e uma cultura escrita. Entender a metonímia, porém, demanda o reconhecimento de funcionamentos culturais que se projetam simbolicamente na escrita e em sua ausência.

Desde a Grécia Antiga, berço da cultura ocidental, há refe-renciais que integram os diferentes modos como a ordem social tem sido significada. Integram, não determinam. Isso porque a cultura não constitui entidade estanque, mas processo dinâmi-co, negociado e renegociado pelas relações sociais que costuram coletividades, e o funcionamento cultural está fundamentado

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em valores que servem como parâmetro para essas relações. Os valores também são dinâmicos e negociados, de maneira que a estabilização cultural não se traduz pela fixidez, e sim pela prepon-derância de determinado valor como regulador da ordem social.

Segundo Amorim (2007), na história da cultura ocidental há três grandes eixos de valor, cada um dos quais marcado pelo predomínio de um modo de relação entre o saber e o discurso estruturado partir de um determinado princípio que regula o referencial axiológico. Desses eixos, destacam-se dois pertinentes à questão da política linguística empreendida pela colonização portuguesa.

No eixo que a autora denomina Mythos, o princípio da “verdade como memória” regula o funcionamento da cultura. Esta seria a base das sociedades tradicionais, por vezes, ágrafas. Em oposição ao esquecimento, a verdade é validada pelo mito, por aquilo que se transmite por gerações, pelas profecias ou por oráculos. A verdade não se vincula à novidade, mas ao repetido, mantido e estabilizado por meio do saber mítico, organizado na forma narrativa. Nesse universo de sentido, a forma de saber orde-na-se na esfera da expressão e tem a memória como seu critério de validação. Não esquecer é condição para ser. Rituais, cerimônias, instituições que se estruturam a partir daí sustentam-se como manifestações entre sujeitos, e o objetivo das relações é o estabe-lecimento do laço social.

O funcionamento Mythos não necessariamente dispensa a escrita, mas convoca a oralidade para manutenção dessas relações intersubjetivas que simultaneamente atualizam e são atualizadas pela memória. O ritual do escrever e/ou o do ler são determinantes do sentido do escrito, porque mobilizam a memória dos sujeitos para validar o documento. O texto sagrado numa cerimônia religiosa, por exemplo, medeia a interação entre sujeitos, que se afirmam como tais pelo ato religioso. O escrito é referendado pela leitura que atualiza o mito moderador da ordem social.

No eixo denominado Logos, a verdade também funciona como princípio regulador das relações, porém, não como memória. Nesse universo simbólico, o saber não se vincula ao sagrado, trazendo ao senso de verdade a noção do processual, do inédito, da transformação, da instabilidade. A ruptura entre religião, mito e discurso abre diferentes possibilidades de relações sociais, tais como o desenvolvimento da noção de um Estado laico, a diferenciação entre o real e o discursivo, já que a palavra deixa de constituir um dogma, entre outros aspectos. A esfera, nesse paradigma, não é a da expressão, mas a da objetivação, construída com base na distinção entre verdadeiro/falso. O foco recai sobre o objeto. Não há a desconstrução do sujeito, porém há realinha-mento do alvo das relações, que não miram o laço social, e sim o rigor conceitual. Grosso modo, em Logos, é a relação com o objeto que agrega a coletividade.

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A escrita tem aí a importante função de tornar objetiva a memória. O registro escrito captura-a fora do sujeito, rearranjando as relações sociais, que podem se dar entre sujeitos e documentos, ainda que tais documentos atualizem vozes subjetivas. O escrito se institucionaliza e passa a integrar as relações culturais e não apenas a mediá-las.

A ordem social europeia que os portugueses impunham instaurava uma transformação radical, porque esbarrava nas fronteiras de Logos e Mythos. O que Chamie (2002) apresenta como conflito entre cultura letrada vs. cultura de tradição oral pode também ser descrito como redimensionamento das interações válidas. O que de fato poderia integrar o plano não apenas co-municacional, mas principalmente histórico-ideológico, ou seja, o plano de ação e transformação social? Amorim (2009), ao discutir o problema das principais tecnologias da memória – a escrita e a informática – e seus impactos na cultura e na construção dos sujeitos, destaca contrapontos entre a tecnologia da memória na tradição oral e na escrita que permitem analisar a mudança socio-política experimentada com o processo de colonização português. A autora pondera:

Nas sociedades de tradição oral, os saberes coletivos se atuali-zavam no corpo do sujeito singular, fosse pela escrita no corpo, como no caso das pinturas indígenas, fosse pela fala e pelo relato. Os saberes passavam pelo corpo singular, não de modo individual e isolado, mas tornando esse sujeito responsável e participante ativo do manter viva a memória do grupo pela sua incessante transmissão. Do mesmo modo, o destinatário dessa transmissão a acolhia e lhe respondia de corpo inteiro. Estávamos aí em uma situação enunciativa de co-presença. Com a invenção e a democratização da escrita, esta se constitui em uma técnica que traz uma novidade radical: a memória se externaliza e como que sai do corpo do sujeito, da pele ou da voz, para se instalar em algo de fixo e material separado dele – a página escrita e o livro. A técnica mnemônica da escrita transforma o lugar do sujeito no grupo quanto a sua responsa-bilidade de portador – aquele que recebe, conduz e transmite os saberes coletivos (AMORIM, 2009, p. 15).

Considerando a reconfiguração das relações entre sujeitos a partir da invenção da escrita tal como articulada pela autora, é possível compreender a dimensão metonímica do choque cultural discutido por Chamie (2002). Dois funcionamentos culturais dis-põem-se num embate no qual a escrita tem valor institucional em um e não em outro, e a ordem que se impõe valora relações para as quais a escrita opera como poderoso instrumento ideológico.

Nesse cenário, o que se faz com a língua portuguesa no Brasil tem influência em duas dimensões: a das ações sociopolíticas sobre a colônia e a da política inerente ao funcionamento do português na colônia. A partir daí, as possibilidades de construção do senso

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de algo próprio do Brasil é mediado pela língua portuguesa, de maneira que, no processo de construção da brasilidade, não é pertinente cindir política linguística e historicização.

Política de língua e política da língua: a língua portuguesa e seus equipamentos na construção

do vernáculo no/do BrasilNeste trabalho, a questão da política linguística esbarra

em duas dimensões interdependentes. Uma que concerne à ação política na colônia, que inevitavelmente se dá por meio linguístico – aqui referida como política de língua – e outra que diz respeito à natureza necessariamente política do funcionamento de qualquer língua – aqui referida como política da língua. As duas dimensões não se confundem, porém estão necessariamente integradas no processo de historicização e construção vernacular no Brasil.

De acordo com o sociolinguista Louis-Jean Calvet, política linguística se define pela “determinação das grandes decisões referentes às relações entre as línguas e a sociedade” (CALVET, 2007, p. 11) e se distingue do planejamento linguístico, que consiste da implementação de uma política. Dessa perspectiva, política e planejamento linguísticos dizem respeito às ações de quem tem poder e autoridade para alterar a condição das relações culturais estruturadas pela(s) língua(s). Ainda conforme discute o pesqui-sador, tais ações sobre a língua podem abordá-la como corpus, ou seja, como forma, ou como status, isto é, como elemento de prestígio social. Considerando o lugar histórico-político assumido pelos portugueses desde o empreendimento da colonização no Brasil, o estudo dessa dimensão envolve rastrear como as decisões e ações dos portugueses orientaram a implementação de sua língua aqui com relevância sociocultural a ponto de alçá-la ao status de língua vernácula. Dito de outra maneira, essa noção de política linguística joga o foco nas ações sobre a colônia, que tornaram a língua portuguesa no Brasil condição culturalmente validada de significar o que é próprio – língua, arte, costume etc. – do Brasil e, assim, constituir um vernáculo. A noção de política de língua localiza a reflexão no plano de ações sobre a língua, seja como política ou planejamento, seja pelo tratamento do corpus ou do status. A política de língua aqui estudada diz respeito ao caráter social imbricado, porém, extrínseco ao funcionamento do português no Brasil no século XVIII.

Todavia, há outra dimensão que também integra a histori-cização e a construção vernacular, a dimensão política inerente a qualquer língua em uso. No caso, interessa a política da língua portuguesa no Brasil no processo de organização, seja empírica, seja imaginariamente, do português do Brasil. Para acessar essa dimensão política intrínseca, é importante voltar a uma questão primária: o que é língua?

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Voloshinov (1988) advoga que a linguagem desde sua ori-gem, antes mesmo de ser articulada em língua, esteve implicada e imbricada no funcionamento cultural. De acordo com o linguista russo, os primeiros sons a se estabilizarem no processo intera-cional entre os humanos vinculavam-se às práticas de magia, encantamentos e rituais religiosos. Portanto, não resultaram de expressão individual, mas de atividades que mobilizavam a co-letividade. Já desde o primeiro momento, ações culturais e sons fomentaram as condições de produção da linguagem. Aos poucos, esses primeiros sons atrelados às práticas religiosas estabilizam-se a ponto de poderem ser retomados em outras atividades culturais, fazendo ressignificar aquele fragmento de som, por assim dizer. Desse ponto de vista, nunca houve, nem na origem da linguagem, material verbal que prescindisse de acabamento extraverbal. O autor define:

(...) a língua não é nem uma dádiva de Deus nem da natureza. É o produto da atividade coletiva do homem [sic] e em todos os elementos reflete e refrata a organização tanto econômica quanto sociopolítica da sociedade que a levantou (VOLOSHINOV, 1988, p. 101 – grifos do autor; tradução nossa).

Aí está o caráter inerentemente político da língua. Não há forma verbal articulada que se sustente fora das relações ideolo-gicamente alinhavadas. A política da língua diz respeito a essa interdependência da forma linguística e das condições culturais de significação. No caso do Brasil Colônia, a língua europeia em contexto plurilíngue e bicultural (para situar as tensões ideológicas num embate mais abrangente) não era indiferente à historicização que se atualizava. A política da língua como produto da atividade coletiva aqui desenvolvida não poderia simplesmente reproduzir aquela que se empreendia na metrópole. Pela mesma razão, não poderia o português aqui refletir e refratar a mesma organização econômica e sociopolítica que o português na Europa. A despeito de as duas variedades figurarem uma mesma língua do ponto de vista das especificidades sistêmicas abstratas, era flagrante a diferença entre os pontos de vista que tornavam possível fazer sentido, por meio do português, da organização cultural que se instituía. Assim, a política da língua portuguesa no Brasil Colônia constituiu condição para a elaboração discursiva do português do Brasil.

No encontro dessas duas dimensões da política linguística está localizada a questão do vernáculo. Entendendo que o verná-culo diz respeito à possibilidade de os sujeitos significarem o universo cultural que os reúne como coletividade, a política de língua desenvolvida pela Coroa Portuguesa e a política da língua portuguesa tal como se atualizou nesse cenário figuraram como diretrizes que, por um lado, permitiram a língua assimilar, reacen-tuar e reorganizar a história e, por outro, permitiram a mesma

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língua ser assimilada, reacentuada e reorganizada no universo cultural que se construía. No Brasil Colônia, havia múltiplas co-letividades em contato. Entretanto, o entrelaçamento da política de língua da Coroa e a política da língua portuguesa costurava esses múltiplos agrupamentos em um conjunto que constituiria o Brasil como Império, República, Nação.

Com o avanço do empreendimento português, constituiu-se uma lacuna quanto à mediação da escrita nas relações sociais na Colônia. Quanto mais o funcionamento cultural lusitano se consolidava, maior era a demanda pela documentação escrita. A vinda da família real portuguesa e a transferência da sede da Monarquia para o Brasil em 1808 foram determinantes para o estabelecimento da Impressão Régia, que editaria os documentos oficiais além de um periódico áulico (MARTINS, 2008; MOREL, 2008). Paralelamente, em Londres, nesse mesmo ano, Hipólito da Costa editou um periódico independente, o Correio Braziliense e, assim, a escrita foi penetrando a realidade brasileira.

Aí estão as condições para que a escrita suplante simbolica-mente a oralidade no funcionamento cultural e constitua impor-tante equipamento (CALVET, 2007) para política de língua. Como, nesse caso, a língua portuguesa não tinha concorrente com igual recurso – já que o sistema gráfico rascunhado pelos próprios por-tugueses para as línguas indígenas era incipiente diante daquele do idioma lusitano – o valor cultural da língua da metrópole é gradativamente referendado na Colônia. Para agir nessa nova ordem social era preciso operar esse poderoso equipamento.

Paulatinamente, vão se instalando interações mediadas e/ou reguladas pela escrita. Afinal, os editos, leis, decretos reais não configuravam registros para serem meramente lidos; antes, altera-vam a condição dos sujeitos implicados na Colônia. Diante disso, a política da língua portuguesa no Brasil não poderia deixar de refletir e refratar o valor desse equipamento que atualizava a nova ordem social. Neste ponto, vale citar novamente o linguista russo:

No domínio dos signos, isto é, na esfera ideológica, existem diferenças profundas, pois este domínio é, ao mesmo tempo, o da representação, do símbolo religioso, da fórmula científica e da forma jurídica etc. Cada campo de criatividade ideológica tem seu próprio modo de orientação para a realidade e refrata a realidade à sua própria maneira. Cada campo dispõe de sua própria função no conjunto da vida social (BAKHTIN/ VOLOCHINOV, 1999, p. 33).

O campo de criatividade ideológica liga-se àquelas atividades coletivas que geram a língua, cujos elementos neces-sariamente refletem e refratam a organização social, política e econômica da coletividade (VOLOSHINOV, 1988, p. 101), mas não coincide com tais atividades. As atividades estão articuladas às relações sociais propriamente ditas, à organização da sociedade e às ações nela autorizadas. O campo diz respeito aos enquadres

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sociais que dão diretrizes para a atualização semiótica. No caso estudado, a atividade de legislar é revestida de sentido pela esta-bilização do campo da jurisprudência no funcionamento cultural da Colônia. Entretanto, a ordem social – europeia/ocidental – na qual essa legislação efetivamente funcionava ainda se construía no Brasil. Então, como a atualização do campo jurídico influenciou a língua portuguesa e vice-versa?

Semelhantemente, o exercício jornalístico faz sentido a partir do momento em que se reconhece e valida um espaço no qual a forma de saber e de discurso autorizados no jornalismo são re-ferendados pelo funcionamento cultural da Colônia. Magalhães (2011) demonstra como a tensão entre o projeto editorial indepen-dente, Correio Braziliense, e o projeto áulico, Gazeta do Rio de Janeiro, lança os fundamentos éticos necessários para a instauração do campo discursivo jornalístico no Brasil. Neste artigo, tomando o campo como premissa, questiona-se: como uma editoria inde-pendente pode alterar as políticas linguísticas no Brasil Colônia? Eis as questões a responder.

A lei, o jornal e os discursos que vão tecendo, em português, o vernáculo brasileiro

Se a língua e as condições sociais, políticas e econômicas são necessariamente integradas, isto é, se a língua não subsiste sem o acabamento ideológico que agrupa sujeitos culturalmente, o por-tuguês no Brasil terá necessariamente especificidades do Brasil. O campo da jurisprudência e o do jornalismo no contexto do século XIX, marcas do sucesso colonial português, sinalizam a interpe-netração língua/sociedade, de maneira que os documentos que ali circulam atualizam as nuanças linguístico-ideológicas em jogo na Colônia. Nas relações tal como deflagradas por esses campos, a escrita assume condição de equipamento linguístico poderoso, culturalmente relevante para ação e transformação social.

Sendo assim, nesta seção, a análise dos documentos segue o seguinte percurso: 1) descrição do posicionamento dos sujeitos implicados na Carta Régia e no texto editorial a partir das de-signações daqueles envolvidos na tensão entre povo autóctone e colonizador; 2) avaliação das qualificações atribuídas a esses mesmos sujeitos; 3) demonstração de como os discursos mediados pela língua portuguesa no Brasil e que tornam possível a signifi-cação dos fatos históricos representados nos documentos habitam a memória linguístico-cultural do português do Brasil.

A Carta Régia (doravante, CR), assinada pelo Príncipe Re-gente, D. João VI, e endereçada ao Governador e Capitão General da Capitania de Minas Gerais, Pedro Maria Xavier de Ataide e Mello, dá providências sobre a guerra contra povos autóctones do Brasil que não aceitavam as coerções sociopolíticas, econômicas e culturais de Portugal. Ao todo, são seis ordenanças referentes

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à organização militar e administrativa dos representantes da metrópole com vistas à “redução”, “pacificação”, “civilização” dos índios (BRASIL, 1808). Do ponto de vista empírico, a trama dialo-gal do documento tem o Príncipe Regente como aquele que fala, o Governador como destinatário, e, como assunto, as dificuldades para o desenvolvimento do projeto colonizador impostas, em parte, pela resistência de algumas tribos indígenas e, em parte, pelos gastos com pessoal na estrutura militar e burocrática orga-nizada pela própria Coroa. Discursivamente, há um diálogo entre sujeitos comprometidos com o funcionamento cultural lusitano. A população autóctone e os representantes do empreendimento português no Brasil aparecem como objeto do diálogo. No seguin-te quadro, agrupam-se as designações referentes, de um lado, ao colonizador e, de outro, ao povo autóctone:

Quadro 1: Designações e suas reformulações de colonizador e de povo autóctone

Colonizador autóCtone

• Governador e Capitão General da Capitania de Minas Gerais

• Indios Botocudos,

• Proprietários [de fazendas], • Indios Botecudos,

• Portuguezes • Indios atropophagos,

• Soldados Infantes • Vassalos uteis,

• Officiaes affectivos • Variedades de Indios,

• Comandantes [de terrenos, de Pri-meira, de Segunda etc. Divisão

• Indios domesticos,

• Soldados • Raça antropophaga,

• Coronel do Regimento de linha • Prisioneiro de guerra

• Coronel Inspector dos destacamen-tos da Capitania

• Indios bravos

• Tenente Coronel • Outras raças de Indios

• Major • Indios

• Ouvidor de Comarca na qualidade de Auditor do Regimento• Escrivão Deputado da Junta da Fazenda• Alferes

• Capitão Mór Regente da Campanha

• Thesoureiro da Intendencia de Villa Rica • Fieis de Registro

• 7 nomes próprios (incluindo o do destinatário)

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Nas referências aos representantes do projeto colonizador, predominam as designações de postos militares ou da administra-ção pública, seguido de nomes próprios. Aí há total consonância entre o nome e a língua que atualiza a designação. O mesmo já não ocorre com as referências aos autóctones. Nota-se, por exem-plo, que a designação vassalos uteis não significa, senão na ordem social europeia. Assim, fica evidente que há um olhar sobre o referido, um juízo, um valor que estrutura o documento. Dizer que a CR redigida por um monarca é escrita do ponto de vista do colonizador seria, no mínimo, tautológico. Entretanto, não é óbvio dizer que a perspectiva marcada na língua acrescenta a essa mesma língua valores que traduzem a ordem social, política e econômica da Colônia. Como isso se dá?

Dentre diferentes possibilidades de acesso à orientação ideológica estruturante da CR, destaca-se o então neologismo cunhado para designar os índios que resistem à aculturação portuguesa: botocudos, com a variante botecudos. Morfologica-mente, não há nenhuma novidade. Do substantivo botoque ou batoque – vocábulo de origem incerta, possivelmente do gascão bartoc, designa um orifício largo na parte superior de pipas, tonéis, barris etc., por onde se introduz líquido; designa também rolha ou pedaço de madeira com que se veda tal orifício (CUNHA, 2010) – forma-se, por derivação própria, a partir do acréscimo do sufixo -udo – do latim, ūtu, que exprime qualidade em abundância (COUTINHO, 2005, p. 171) – o nome botocudo. Semanticamente, identifica-se uma apreciação valorativa na formação do vocábu-lo. A noção de abundância convocada pelo sufixo geralmente é traduzida pela ideia de exagero na palavra derivada, como se vê em barrigudo, carrancudo, bigodudo etc. Não é diferente neste caso: botocudo encerra uma orientação negativa, marcando no item lexi-cal o estranhamento daquilo que é nomeado. Discursivamente, a designação se dá pela metonímia, ratificando uma abordagem estereotipada e tendenciosa. O adereço, o enfeite é tomado pelo todo de um povo, em sua dimensão étnica, política, simbólica, e o ato de designá-lo assim impinge ao léxico da língua portuguesa não apenas um item, mas um índice da memória desse valor. Componentes das designações dos autóctones, as qualificações bravos, antropophagos em direta oposição a mansos, domésticos re-forçam a postura de repulsão àqueles que não se acomodavam à ordem imposta pela Coroa. Botocudo, na condição de designação de um povo, simultaneamente reflete as condições sociais de um momento do Brasil Colônia e refrata o que é fato histórico, localizado no mundo biossocial, como valor pejorativamente si-gnificado na língua, significante na cultura. Aí está um flagrante vernacular no e do Brasil.

Em outro campo discursivo, a circulação do vocábulo corro-bora a formação própria do Brasil, mas modifica-a com a instalação do embate de ideias. O texto editorial do Correio Braziliense, jornal

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independente (portanto não compelido a reproduzir os valores da Coroa) editado em Londres por Hipólito da Costa, encontra-se numa seção de natureza editorial (não noticiosa) intitulada Mis-cellanea. Como o próprio termo sugere, trata-se de uma editoria que reúne diferentes assuntos. Na edição de outubro de 1808, quinta edição do jornal, um desses textos editoriais intitulado Brazil constitui espaço de crítica à Coroa Portuguesa.

Na abertura do texto, há atestação de recebimento de docu-mentos que tratam dos assuntos ali discutidos, o que é fundamen-tal para o campo jornalístico. Uma vez assegurada a pertinência e a relevância da palavra editorial para o campo da criatividade ideológica em que se inscreve, segue uma severa crítica a valores do projeto colonizador. Eis o fragmento:

Entre os Documentos recebidos, se acha uma Declaração de Guerra da Corte do Brazil contra os índios Botecudos. Ha muitos tempos que naõ leio um papel taõ celebre; e o publica-rei quando receber a resposta que S. Excellencia o Secretario de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra da NaçaÕ dos Botecudos, dér a esta grande peça de Diplomacia; porque he natural que este longo papel que contem 8 paginas, seja dirigido aquella Naçaõ: he verdade que ella inda nao sabe lêr, mas aprenderá, julgo eu, para responder a isto.

Há inúmeras marcas da dissonância entre este texto e a CR. Mas, para seguir o paralelismo analítico, observem-se apenas as designações.

Quadro 2: Designações em outro campo

Colonizador autóCtone

•Corte do Brazil • Indios Botecudos;• S. Excellencia o Secretario de Estado dos Negócios Estrangei-ros e da Guerra da Naçaõ dos Botecudos (grifo nosso);• Nação

Fonte: BRAZIL, 1808, p. 421.

Como este é apenas um fragmento do texto, não é possível proceder à comparação quantitativa de termos designativos. Do ponto de vista qualitativo, porém, há importantes aspectos a se-rem destacados. A referência à Coroa não traz nenhuma refração relevante, exceto pela explicitação do caráter tanto toponímico quanto genitivo: Corte do Brazil. De qualquer modo, preservam-se os parâmetros linguístico-culturais europeus para fazer sentido da figura do colonizador aqui.

A designação dos autóctones, no entanto, não segue o mesmo referencial. Tomada de um texto de outro campo, botecudo [variante de botocudo] guarda os estratos morfossemânticos do neologismo

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(reflexão das condições de produção do vocábulo), porém refrata outros valores. A despeito da manutenção morfológica, o vocábulo no âmbito da palavra editorial não significa os autóctones com estranhamento. Diferentemente, a mobilização de um conceito próprio da ordem social que se consolidava na Europa – nação – para compor a designação do povo autóctone articula de outra maneira o estranhamento.

A ideia de nação não era antiga. Remontava ao século an-terior e tinha a Europa como nascedouro (THIESSE, 1999). Se o vocábulo e o ideal são familiares, respectivamente, à língua por-tuguesa e a seu ambiente de origem, a designação do autóctone por ele não o é. Na palavra editorial encontram-se dois juízos: 1) aquele que adere à ordem europeia e convoca seu universo de sentido e 2) aquele que o altera, fazendo o sentido próprio do uni-verso simbólico do Brasil Colônia. Não só pelo código linguístico escolhido para significar esses dois juízos – a língua portuguesa –, mas também pelos discursos e ideais convocados, somente o lu-sitano poderia acessar os efeitos de sentido provocados pelo texto jornalístico. Quem toma a palavra no texto editorial posiciona-se política e discursivamente contrário à Coroa, mas com ela parece alinhar-se culturalmente. A ironia estabelecida pela menção a um cargo fictício – S. Excellencia o Secretario de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra da Naçaõ dos Botecudos – só se sustenta de um ponto de vista que articule os dois juízos. Assim, flagra-se um índice vernacular brasileiro que encerra a contradição como condição de produção.

Ambos os textos – a CR e o editorial – apresentam pontos e contrapontos. Por um lado, os dois referendam o escrito como instituição, de maneira que, nesse plano cultural, é possível afir-mar que a “CR diz X” ou o “jornal critica Y”. Os dois operam a partir do referencial Logos e mobilizam campos discursivos que consolidam valores europeus em detrimento de uma ordem social outra, na qual não se prevê a escrita como equipamento linguístico, como instrumento ideológico. Nesse ponto, tanto um quanto outro corroboram a política de língua a favor de um Brasil lusofônico. Afinal, o processo de significação em jogo entre esses documentos mostra como a manutenção da hegemonia e a resistência a ela são, em última instância, legitimadoras da ação a favor da língua europeia no Brasil. Por outro lado, o acabamento vernacular preserva também contrapontos.

Se a CR configurou uma interação restrita entre Príncipe Regente e Governador e Capitão General da Capitania de Minas Gerais, os desdobramentos culturais do documento vão além daquilo recuperado na trama dialogal. A palavra escrita com força de lei imprime na língua um tom valorativo que passa a habitar o léxico. Com o neologismo, a língua portuguesa no Brasil registra em sua memória a apreciação do colonizador acerca dos

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autóctones resistentes ao empreendimento europeu. Em contra-partida, a palavra escrita jornalística mobiliza também o reverso. A repulsa não se orienta para o autóctone exótico, mas para o projeto colonizador e a assimetria sociocultural que promove. Assim, a política da língua se constrói pela tensão de olhares, de perspectivas, de modos de significar, tecendo nuanças próprias do português do Brasil.

A fim de demonstrar o alcance dessa tensão na construção vernacular brasileira, apresenta-se, no quadro abaixo, o verbete botocudo em três dicionários contemporâneos da língua portu-guesa em sua versão digital. Dois brasileiros e um português. A justaposição dos olhares evidencia fronteiras vernaculares entre uma e outra variante da língua.

Quadro 3: Uma língua; dois vernáculosAulete HouAiss Porto

(bo.to.cu.do) sm.1. Etnol. Indígena de qualquer tribo que tivesse por tradição o uso de botoque no lábio inferior [Designação dada pelos portugueses.]2. Gloss. Família linguística de línguas indígenas, do tronco macro-jê3. Pej. Pessoa de hábitos e comportamento rudes, toscos4. Pej. Habitante da roça; CAIPIRA5. Do ou ref. ao botocudo (1, 2)6. Incivilizado, inculto7. Caipira[F.: botoque + -udo.]

Datação c1764 cf. CSHisAcepções■ substantivo masculino 1 Rubrica: etnologia. denominação dada pelos portugueses a indígena pertencente a grupos de diversas filiações lingüísticas e regiões geográficas por usarem botoques labiais e auriculares; eram assim chamados os caingangues e os xoclengues de Santa Catarina, os bacuéns, os cracmuns, [...]Obs.: etnm.br.: Botocudo2 Rubrica: lingüística. família lingüística do tronco macro-jê■ adjetivo 3 relativo a botocudo (acp. 1 e 2) ou aos botocudos (‘grupos indígenas’)■ adjetivo e substantivo masculino Uso: pejorativo. 4 que ou quem é inimigo das boas maneiras; rude, incivil5 que ou quem mora na roça; caipiraEtimologiabotoque + -udo, com valor desde sempre pejorativo, por ‘bárbaro, rude, selvagem’Sinônimoscomo adj.s.m.: ver sinonímia de caipiraAntônimoscomo adj.s.m.: ver antonímia de caipira

Ø

A análise das variações dos verbetes (ou da ausência dele) extrapolaria os objetivos deste artigo. As entradas são apresen-tadas apenas como flagrantes da memória discursivo-cultural da palavra que sinaliza fronteiras na língua e atualiza marcas vernaculares na contemporaneidade.

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Considerações finaisNeste artigo, propôs-se discutir a questão vernacular bra-

sileira, notadamente marcada pela colonização lusitana, porém não limitada ao ponto de vista europeu. Significar a história do Brasil demanda o rastreamento dos sentidos produzidos pelas e para as ações políticas e as respostas por elas convocadas desde o projeto que empreendeu neste espaço a unidade de uma colônia. A partir daí, dar sentido ao que é próprio da cultura construída aqui fica marcado pela tensão entre a estabilidade da identidade cole-tiva que agrupa uma multiplicidade étnica, linguística, religiosa etc. e a instabilidade da alteridade de significar essa coletividade pela língua portuguesa. Assim, tratar do vernáculo do Brasil implica lidar com diferentes apreciações valorativas, atualizadas pela política de e da língua.

Para tanto, buscou-se resgatar a memória que vivifica a lín-gua, voltando o olhar para o nascedouro não apenas de formas e estruturas, mas principalmente para o sentido e o valor que inevitavelmente revestem essas formas e estruturas nos diferentes contextos. Dessa maneira, este estudo traz contribuições em duas instâncias.

A primeira diz respeito ao desafio metodológico de tra-tar da dimensão política tanto extrínseca quanto intrínseca do vernáculo e estabelecer relações pertinentes entre dois textos de campos diferentes sem, todavia, limitar-se às retomadas de um pelo outro. Espera-se ter demonstrado que a tarefa de significar o Brasil se dá na interseção do olhar europeu e o do não europeu e que a língua portuguesa não está imune a isso.

A segunda refere-se ao tratamento da escrita como fenôme-no histórico e cultural do Ocidente atualizado nas condições em que se torna equipamento linguístico de poderoso calibre ideológico na historicização do Brasil. Mais do que seu caráter documental, recupera-se sua função como instrumento de trans-formação cultural que definiu possibilidades vernaculares. Uma vez revestida de valor simbólico na ordem social que se instituía, a escrita passa a regular modos de agir na sociedade. Diante disso, é pertinente afirmar que o vernáculo do Brasil se escreve no encontro dos pontos e contrapontos de perspectivas, e é assim que a língua portuguesa no Brasil traceja as nuanças do Brasil.

AbstractTraditionally the history of Brazil is told from the European point of view, more specifically, from the Portuguese perspective, and the linguistic issue plays an important role in the way ‘Brazi-lity’ could and can be signified. The aim in this article is to demonstrate how writing establishes an arena of meanings determinant to discourses

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constitutive of the sense of vernacular in and of Brazil. To achieve this objective, two docu-ments flagrant of the tension established by the linguistic policy of the Portuguese Crown were selected: a) a Royal Letter declaring war against the so called Botocudo Indians, and b) an editorial text published in Correio Braziliense about that Letter. The analysis of these documents outlines two fundamental points to the possibility of construction of the vernacular: 1) the Portuguese linguistic policy imposed a literate order and the knowledge authenticated by and through that order in detriment of an oral-driven order and the knowledge it valued; 2) writing corroborated at one time the value and the reaccentuation of the value of the Portuguese language in the cultural functioning which was instituted, constituting instrument of confirmation and questioning of linguistic ideologies. Therefore, writing in Brazil mobilised discursive fields regulator of the relation between language and society decisive for the historicisation of the country.

Keywords: language policies; Portuguese lan-guage; vernacular; writing.

REFERÊNCIAS

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Gragoatá Anderson Salvaterra Magalhães

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Fabrica-se um “novo português”? Uma análise discursiva de documentos da CPLP

Diego Barbosa da Silva (UFF/CAPES/Arquivo Nacional)Vera Lucia de Albuquerque Sant´Anna (UERJ)

ResumoEste trabalho expõe uma análise discursiva de declarações e resoluções emitidas pela Comuni-dade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), com o propósito de identificar traços das políticas linguísticas para a promoção e difusão do portu-guês, difundidas nesta última década. Partimos da ideia de etos e polêmica (MAINGUENEAU, [1984] 2007) para identificar perfis de enuncia-dores, quais sejam: ufanista, defensor, apreensivo e idealista-apaziguador. Nos enunciados analisa-dos, constatamos que essas diferentes imagens de si constroem uma aparente ideia de homogenei-dade linguística, que tem como objetivo superar a heterogeneidade fundante da própria CPLP. Desse modo, polêmicas são silenciadas e podemos notar que está em construção um novo sentido de língua portuguesa, com força homogeneizante em contraposição a outro já em curso, que tem como base o processo social e histórico de gramatiza-ção e heterogeneização das línguas portuguesas nacionais.

Palavras-chave: política linguística; CPLP; promoção da língua portuguesa; etos; polêmica.

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IntroduçãoNesta última década, percebemos a intensificação de polí-

ticas a favor da promoção da língua portuguesa1 como parte do movimento de internacionalização de línguas, originariamente europeias, tratadas como bens de consumo. Esse tratamento aquece os mercados culturais, garantindo divisas a alguns dos países que têm essas línguas como nacionais ou oficiais, tal como vem ocorrendo faz tempo com o inglês, o francês e, mais recente-mente, o espanhol. Além disso, esse mercado vem representando significativas parcelas de divisas que ingressam nos países, por meio da venda de filmes, músicas, espetáculos, livros, materiais didáticos para o ensino da língua, cursos de idiomas, traduções, exames de proficiência, enfim, um conjunto de serviços que não estiveram no topo dos mais “vendáveis” no século passado. A imposição de pontos de vista majoritários sobre o que seja língua, seu ensino e sua difusão está centrada em modelo que garante a certas políticas linguísticas o papel de validadas, isto é, aquelas que possam dar contornos de atendimento ao mercado, no campo da difusão da língua. Portanto, políticas linguísticas compõem uma rede de interesses que envolvem não só o ambiente multilíngue global, como também complexas relações entre línguas e poder.

No caso do português, é preciso revisitar questões históricas que guardam memórias de ideias linguísticas sobre a língua do colonizador e os processos de contato com as do colonizado. Essa história pressupõe relações de dominação e uma proposição civi-lizatória que desconsidera, em princípio, que as pessoas se afetam mutuamente, em muitos aspectos, incluindo necessariamente o linguístico. A memória histórica do colonizador não costuma levar em conta que sua noção de colonização não faz dialogar

os diferentes sentidos produzidos na tensão resultante dos povos em contato, nem admite que a resistência das terras, dos povos e suas línguas possa criar raízes no seu próprio discurso de colonizador, levando-o a ressignificar seu imaginário de forma a manter uma hegemonia (MARIANI, 2004, p. 23).

Esse esforço pela hegemonia contamina de tal modo a noção de língua nacional que seu resultado passa a definir rumos de políticas linguísticas a serem levadas adiante pelos Estados, nos quais a língua seja oficial. Neste artigo, nosso foco direciona-se para a compreensão de movimentos contemporâneos de reforço ou de enfraquecimento dessa tradição que compreende língua como sinônimo de hegemonia, de poder de uma determinada nação sobre outras, que assumem “a mesma língua” como nacional e/ou oficial. A configuração desses movimentos de acolhimento e afastamento no campo das ideias nos leva a tratá-los como uma polêmica, que tem como cerne da questão a construção de espaços enunciativos de poder que garantam a possibilidade de que se difunda a língua portuguesa como uma manifestação homogênea

1 Entre essas políticas, ressaltam-se: a criação, pelo Ministério da Edu-cação do Brasil (MEC), da Comissão da Língua Portuguesa (COLIP) (2004-2007); a petição para que o português se torne língua oficial das Nações Unidas (2005); a inauguração do Museu da Língua Portuguesa (2006); a fundação, pelo Brasil, da Universidade Federal da Integração Luso-Afro-Brasileira (Unilab) em Redenção, no Ceará (2010); a inau-guração, pelo governo brasileiro, da TV Brasil Internacional (2010); o lançamento do Plano de Ação de Brasília para a expansão da língua (2010); intenção frus-trada do MEC em criar, em 2005, o Instituto Ma-chado de Assis (IMA), semelhante ao Instituto Camões de Portugal.

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Fabrica-se um “novo português”? Uma análise discursiva de documentos da CPLP

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de povos muito distintos. Essa busca de homogeneidade, neste artigo, será observada em documentos emitidos pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), órgão que se propõe unir todos os países de tradição de uso da língua portuguesa como língua oficial. A CPLP define ações entre os membros do grupo e entre estes e as demais nações, entre essas ações encontram-se as direcionadas a políticas linguísticas. Por esse motivo, a CPLP constitui um espaço enunciativo de encontros e confrontos sobre a língua portuguesa. Entre os documentos produzidos pela CPLP, trabalhamos com os que discutem e formalizam decisões rela-cionadas à língua portuguesa. São resoluções e declarações que adquirem força jurídica e submetem todos os países signatários a essas decisões. Considerando que os textos do campo político-jurí-dico-normativo têm entre suas características as de se esforçarem por superar polêmicas e controvérsias, construir sentido unívoco, sem espaço para interpretações e equívocos, nesta pesquisa nos propusemos observar formas de construção dessa busca do homo-gêneo em Resoluções e Declarações da CPLP, a partir da análise da imagem de enunciador e de sua instituição discursiva, no que concerne a sentidos de língua portuguesa: que “novo português” é esse que a CPLP propõe em suas políticas, capaz de ser igual para todos os diferentes falantes que o utilizam como língua oficial?

Para desenvolver este trabalho, tomamos por base em particular a noção de etos e o princípio da interincompreensão constitutiva, tal como proposto por Maingueneau (2007 [1984]). Le-vamos em conta, ainda, que ter a discursividade como foco obriga a compreender a língua como instituída como interdiscurso, isto quer dizer que, ao observar a materialidade linguística, buscamos compreender sentidos que atravessam os enunciados a partir de marcas da enunciação que (re)definem o(s) modo(s) de dizer. O analista do discurso detém-se, então, naquilo que observa para perceber de que lugar fala aquele discurso, que posições discursi-vas se percebem como origem dos valores em circulação: os traços de “falar diferentemente falando a mesma língua” (FOUCAULT, 1986 [1969]) que situam os enunciadores em posições discursivas de embate ou de aliança, e os matizes que esses campos podem adquirir. Desse modo, é possível buscar processos discursivos que participam da construção de univocidade, capaz de superar a polêmica nos documentos de políticas linguísticas voltadas para a expansão do português. O caminho escolhido para este artigo é, portanto, o de identificar modos de construção de perfil(is) de enunciador que se apresentam em nome dessa univocidade e os sentidos que surgem da circulação desses perfis.

1. A CPLP e o enunciador que diz “o novo português”Entre os vários possíveis acordos específicos entre países,

encontram-se as declarações, que criam princípios jurídicos ou

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afirmam uma atitude política comum, e as resoluções, decisões de organizações internacionais, com caráter de norma obrigatória para os Estados-membros, independente de ratificação (MELLO, 2004). Desse modo, declarações e resoluções da CPLP que tratam da língua portuguesa podem ter observadas essas características a partir de traços linguísticos predominantes, tais como: redação em forma impessoal, com forte predomínio do uso do discurso indireto; preâmbulo que anuncia participantes, local e data do encontro, justificativas (incluídas por meio da forma verbal em gerúndio) e dispositivo a ser seguido/implementado; data e as-sinatura da maior autoridade de cada país presente à reunião, o que não implica relação de autoria, mas de responsabilidade legal e legítima. Entretanto, ao observar o modo de constituição do enunciador, algumas diferenças entre os documentos mere-cem registro: a resolução entendida como “recomendação ou ato jurídico unilateral e autônomo de um organismo internacional” (DINIZ, 2005) impõe ao Estado a obrigatoriedade da decisão ali registrada. Portanto, a discursividade impositiva será um traço a ser observado nesses documentos. As declarações, por sua vez, são usadas para consagrar ou afirmar posição comum de alguns Estados acerca de fatos determinados. Uma declaração, mesmo que não tenha a carga coercitiva de uma resolução, ganha impor-tância semelhante, pois traça um norte e enumera princípios. A sua força impositiva, portanto, se constrói com alguma diferença da resolução, o que não as afasta do campo dos discursos jurí-dicos e do caráter legal que adquirem. Essas características são o apoio utilizado para a identificação de traços enunciativos que permitem uma aproximação aos elementos caracterizadores da(s) imagem(ns) de enunciador construída(s) nesses documentos, que vão dar pistas do entendimento de um “novo português” posto em circulação pela CPLP nesses textos.

Foram definidas como marcantes as imagens de enunciador ufanista, defensor, apreensivo e idealista-apaziguador, porque apontam posições de um enunciador que se apresenta como super. Isto é, um superenunciador2 das declarações e resoluções da CPLP, acima das forças instituídas por cada Estado, no que diz respeito à língua portuguesa: não precisa de um fiador que crie relações com a empiria - aquela corporificação legitimadora, capaz de ga-rantir uma fala/ação - (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008), o coenunciador dessas regras vai aderir a esse superenunciador porque se reconhece na sua super competência-(inter)discursiva. Os Estados-membros signatários estão, pois, recuperados nesse superenunciador que define o “novo português” para todos os membros da Comunidade. Cada um dos perfis ressalta traços que, ao final, voltam a se reunir: as múltiplas posições discursivas lhe permitem uma superinformação sobre o assunto em discussão e sobre modos de dizer esse assunto. E como uma imagem de si não exclui a outra, pois constituem, na verdade, posições de um

2 Esse conceito foi cons-truído na dissertação de mestrado em linguística de Diego Barbosa da Silva (2011) sob orienta-ção de Vera Sant Anna. Optamos por propor um enunciador de políticas da CPLP como super por passar uma imagem de super-memória e de super-competência (in-ter)discursiva, pautadas em marcas linguísticas, tais como: ausência de intertextualidade, uso de discurso indireto, enu nc iado n ão em -breado e desligado do preâmbulo, verbos no presente não dêitico, ausência de referências ao próprio texto. Essas marcas produzem um efeito de enunciador privilegiado, como se tivesse o domínio sobre a verdade, que assume caráter universal, am-pliando assim o poder imperativo da norma.

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mesmo enunciador, as análises se centram na identificação dos traços que configuram instâncias enunciativas que são facetas de uma mesma entidade.

Foram selecionados para este artigo enunciados que permi-tem comentários analíticos sobre as imagens de si que o supere-nunciador constrói em seu discurso, organizados nos quadros 1 a 4. Os enunciados encontram-se nos seguintes documentos: (A) Resolução sobre a Promoção e Difusão da Língua Portuguesa - 5ª Conferência (2004) / IX Reunião Ordinária do Conselho de Ministros (2004); (B) Declaração sobre a Língua Portuguesa - 7ª Conferência (2008) / XIII Reunião Ordinária do Conselho de Mi-nistros (2008); (C) Declaração da Praia sobre a Projeção da Língua Portuguesa no Mundo - XIV Reunião Ordinária do Conselho de Ministros (2009); (D) Resolução sobre o Plano de Ação de Brasília para a Promoção, Difusão e Projeção da Língua Portuguesa - 8ª Conferência (2010) / VI Reunião Extraordinária do Conselho de Ministros (2010).

2.1 O Enunciador ufanistaO enunciador ufanista é aquele que afirma o poder da lín-

gua portuguesa, de forma, muitas vezes, exagerada, mas também apaixonada. Para isso, ele retoma uma história gloriosa da língua portuguesa e traz algumas memórias do passado das conquistas portuguesas.

Quadro 1: Enunciador ufanista

Enunciados associados ao enunciador ufanista Documento referente

1Considerando a dimensão e a vocação internacional da Língua Portuguesa face aos desafios crescentes colocados pela globalização.

B

2 Reconhecendo a importância das culturas que se expressam em Língua Portuguesa, cujos valores fomentam a aproximação dos povos; B

3Considerando a crescente afirmação da Língua Portuguesa no diálogo internacional, ditada pela sua pertença a múltiplas matrizes geopolíticas;

B

4

O seu compromisso na concertação de programas que promovam, na cena internacional, o valor cultural e econômico do Português, designadamente através de projectos comuns suportados pelas tecnologias de informação e comunicação;

B

5

Reafirmaram que a Língua é um meio fundamental de difusão da criação cultural entre os povos que falam português e de projecção internacional dos seus valores comuns, numa perspectiva aberta e universalista.

C

6

A CPLP é uma Comunidade de mais duzentos milhões de pessoas que tem na língua comum uma marca da sua individualidade. A diversidade linguística e cultural é necessária para enriquecer a Humanidade e evitar fenômenos de massificação propícios à constituição de centros de poder político de participação muito reduzida.

C

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Gragoatá Diego Barbosa da Silva, Vera Lucia de Albuquerque Sant’Anna

O ufanismo se caracteriza por certos temas e o tratamento dado a eles, como por exemplo, seus modos de adjetivar, a utiliza-ção de hipérboles e certos elementos lexicais. Esses traços linguís-ticos são utilizados pela propaganda ufanista na busca de adesão e, consequentemente, resulta no apagamento das polêmicas. O enunciador vangloria-se, atribui a si mesmo grandes méritos, sempre num sentido que extrapola, cria uma desmedida, podendo causar, inclusive, efeito de arrogância e vaidade.

Nesses enunciados, a língua portuguesa é apresentada como língua internacional, graças à dimensão e à vocação da própria língua. A dimensão internacional da língua portuguesa refere-se, do ponto de vista da empiria, ao pertencimento a diferentes e múltiplas matrizes geopolíticas, isto é, a língua portuguesa per-tence a diversas regiões do globo e é falada, atualmente em quatro continentes – Europa, América, África e Ásia. Do ponto de vista da discursividade, observa-se que “a vocação internacional da própria língua” remonta a memórias que a colocam num pata-mar no qual não há discussão, logo não pode haver polêmica: ter vocação não é escolha, é destino, destino de ser língua de muitas ex-colônias, de muitos povos, do mundo.

Vocação, portanto, pode referir-se a uma disposição natural e espontânea, propensão, tendência. Uma língua caracterizada como tendo uma disposição natural ou propensão a ser inter-nacional é considerar intrínseca à língua uma disposição para representar diversas identidades e conectar distantes culturas. Isso apaga, em certa medida, a marca de identidade nacional, a relação direta com um Estado e com uma comunidade que compartilha elementos de identidade e de cultura.

A afirmação de uma vocação internacional da língua portu-guesa traz memórias que remetem à ideia de língua colonizadora, afinal como mostra a própria Declaração Constitutiva da Comuni-dade dos Países de Língua Portuguesa (1996) “a língua portuguesa constitui, entre os respectivos povos, um vínculo histórico e um patrimônio comum resultantes de uma convivência multisse-cular”. Colonização linguística apagada em prol da convivência multissecular, para que seja possível colonização remeter a in-terdiscursos positivos sobre os motivos e a missão colonizadora portuguesa. Portanto, quando o enunciador ufanista enuncia “vocação” retoma um valor positivo de língua portuguesa, que aciona memórias discursivas que permitem recuperar nesse processo um discurso glorioso, potencializá-lo, e projetá-lo para o futuro como um discurso atualizado. Discurso e história criam, então, enlaces inseparáveis:

A relação com a história é dupla: o discurso é histórico porque se produz em condições determinadas e projeta-se no “futuro”, mas também é histórico porque cria tradição, passado, e influen-cia novos acontecimentos. Atua sobre a linguagem e opera no

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plano da ideologia, que não é assim mera percepção do mundo ou representação do real (ORLANDI, 2008 [1990], p. 42).

Ufanar-se da vocação, resultado da história lida como desti-no, só pode ser permitido a um quase deus, um superenunciador, porque os destinos são desígnios divinos. Essa língua portuguesa e seu destino de ser grandiosa, porque desde sempre “o português nunca dorme”3, instaura um diálogo com outros discursos sobre outras línguas que pretendem ser internacionais e mundiais. O inglês, o francês e o espanhol se atribuem serem falados nos cinco continentes, o que provoca afirmativas semelhantes, como por exemplo, a de que “no Império Britânico o sol nunca se punha”4. Nessa competição entre línguas, existem muitas variáveis pos-síveis para compará-las, mas o enunciador ufanista tende a utilizar aquelas que apresentam maiores vantagens, aparentemente, para a língua portuguesa.

No ambiente caracterizado como guerra das línguas (CAL-VET, 2007), é comum os nacionalistas convictos utilizarem va-riáveis ou dados que aparentemente favoreçam sua língua frente às demais. Logo, essa não é uma característica restrita apenas ao enunciador ufanista de políticas linguísticas do português. En-quanto o enunciador que defende o francês preferirá dizer que sua língua é falada em 27 países, ao invés de dizer que é apenas a décima sexta mais falada em número absoluto de indivíduos; o enunciador defensor do alemão preferirá dizer que existem 114 ganhadores de língua alemã do prêmio Nobel, sendo 12 de literatura, ao invés de dizer que sua língua é falada apenas na Europa (LEWIS, 2009; PRÊMIO NOBEL, 2010).

O resultado desse modo de enunciar língua portuguesa tem como efeito uma homogeneidade de concepção: a língua falada nos nove países de língua oficial portuguesa constrói-se como se fosse a mesma. Mais do que a convergência entre os países, ressalta-se o apagamento das diferenças, da heterogeneidade, ao mesmo tempo em que se valoriza a homogeneidade no interior da comunidade e, como resultado, constrói-se a razão de ser da própria da CPLP. O enunciador ufanista justifica a existência da Comunidade e ignora os processos de descolonização linguística na formação de uma língua nacional, traço inerente à heterogenei-dade fundante da CPLP, devido à diversidade de povos e culturas que têm o português como língua nacional ou oficial.

2.2 O Enunciador defensorDefinimos o enunciador defensor como aquele que defende

a língua portuguesa de algo/alguém, que por sua vez constitui uma ameaça a suas aspirações.

3 Essa frase foi profe-rida pelo Embaixador António Aguiar Pa-triota, atual Ministro das Relações Exteriores do Brasil no Governo Dilma (2011) durante a Conferência Interna-cional sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial, rea-lizada em Brasília entre os dias 25 e 30 de março de 2010, quando ainda era Secretário-Geral do MRE.4 Essa mesma afirmação também foi usada em referência ao império de Carlos V (1500-1558), rei da Espanha e Impe-rador do Sacro Império Romano, e ao de Felipe II (1527-1598), rei da Es-panha de 1556 a 1598 e rei de Portugal de 1580 a 1598, sobre o Império Espanhol “El Imperio donde nunca se ponía el sol”. Fonte: História de España (HISTÓRIA SIGLO 20).

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Quadro 2: Enunciador defensor

Enunciados associados ao enunciador defensor Documento referente

7

A CPLP é uma Comunidade de mais duzentos milhões de pessoas que tem na língua comum uma marca da sua individualidade. A diversidade linguística e cultural é necessária para enriquecer a Humanidade e evitar fenômenos de massificação propícios à constituição de centros de poder político de participação muito reduzida.

C

8

Defender a língua comum é uma forma de democratização do sistema internacional. É igualmente um meio de aumentar a influência conjunta da Comunidade, num momento de recomposição da distribuição do poder à escala global.

C

Nos enunciados incluídos no quadro 2, percebe-se a tentativa de construção de uma defesa da identidade comum a todos os que falam o português, buscando coesão entre os luso-falantes. Tal iniciativa está centrada no campo da defesa e do ataque, que pode ser percebido porque o enunciador defensor tenta articular alianças contra uma oposição que “ataca” a língua portuguesa. A partir daí, o enunciador busca justificar os motivos para a sua defesa em difundir a língua portuguesa. Para isso, o enunciador lança mão de um tema que é imposto ao seu campo discursivo: o multiculturalismo/multilinguismo. De acordo com o cientista político Andrew Heywood (2010, p. 95), o termo multiculturalis-mo surgiu pela primeira vez no Canadá em 1965 “para descrever uma forma específica de se lidar com a questão da diversidade cultural”. Todavia, percebemos que o paradigma do multicultu-ralismo ganhou grande destaque no cenário político mundial nos anos 1990, relacionado à marginalização dos grupos e culturas minoritárias e à imigração, sobretudo na União Europeia. O autor nos alerta que o multiculturalismo deve ser compreendido como uma arena de debates, o que reforça seu potencial ideológico e polêmico, permitindo que venha a se constituir em uma fórmula (KRIEG-PLANQUE, 2010), entendida como “formulações (discur-sivas) que, pelo fato de serem empregadas em um momento e num espaço público dados, cristalizam questões políticas e sociais que essas expressões contribuem, ao mesmo tempo, para construir” (idem, p. 9).

Desse modo, entendemos multiculturalismo/multilinguis-mo como uma formulação cristalizada, cujos sentidos, na maioria das vezes, apresentam uma carga positiva e é, justamente, esse efeito positivo que o enunciador defensor valida ao utilizar a fór-mula. No entanto, a cristalização de uma expressão ou vocábulo não elimina ou engessa a sua polêmica, pelo contrário a amplia, já que como fórmula passa a se inserir em diversas formações discursivas, como reforço ou negação e, ainda, ser tema central de muitos debates sobre o(s) seu(s) sentido(s), origens e efeitos. Isso nos faz observar que o multiculturalismo integra-se à posição de

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enunciador defensor não como argumento para proteger as lín-guas minoritárias dos países luso-falantes, perante o domínio da língua portuguesa, mas para justificar as políticas de expansão do português num mundo cada vez mais tratado como homogêneo (enunciado 8).

A questão do multiculturalismo/multilinguismo é atual-mente um tema tão imposto ao campo discursivo das ciências da linguagem e consequentemente da política linguística que na 8ª Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP em 22 de julho de 2010 em Luanda foi feita a Declaração sobre a Solidarie-dade na Diversidade no Espaço da CPLP5. A declaração reconhece a diversidade cultural e o multilinguismo interno dos países de língua oficial portuguesa “como fatores de enriquecimento a se-rem protegidos e valorizados”. Essa declaração traz como traço a possibilidade da heterogeneidade, porém ela é circunscrita na homogeneidade da CPLP, isto é, no fato de que todos os países da Comunidade têm a língua portuguesa como oficial.

Observando-se os enunciados 8 e 9, podemos avançar na discussão sobre “os centros de poder político de participação muito reduzida”. O enunciador também descreve um sistema internacional de pouca participação e com um poder central. De acordo com Morgenthau (2003 [1948]), um dos principais teóricos de Relações Internacionais, o sistema internacional é um conjunto de Estados, que se define a partir do interesse nacional, que é a sobrevivência do Estado, garantido pela conquista de poder. Como atualmente vivemos num sistema unipolar, centrado em uma única superpotência, essa ordem mundial centralizada a que o enunciador defensor se refere é a liderada pelos Estados Unidos. Logo, há também aqui uma referência à língua do centro de po-der, no caso, a inglesa. Tal posição é ratificada pelas palavras de Arlete Mingas (2009, p.6), então diretora do Instinto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), órgão da CPLP, responsável pelas políticas para o português:

Todos os Estados Membros deveriam partilhar esta respon-sabilidade de criação de condições para que os trabalhos nessas instâncias (ONU e OI s) tenham a língua portuguesa como indispensável, particularmente neste momento em que se constata uma forte e opressiva tendência glotofágica da língua inglesa no mundo (grifo nosso).

A crise econômica de 2008 e a ascensão de novas potências como China, Brasil e Índia mostram que há possibilidade de uma nova reconfiguração dessa ordem, pela multipolaridade. Dessa forma, a difusão da língua portuguesa poderia ser uma forma tanto de defender a diversidade do mundo quanto de garantir um espaço aos países lusófonos nesse momento crucial. E é essa posi-ção que o enunciador defensor assume para justificar a inserção da língua portuguesa no mundo e uma possível redistribuição

5 No dia 9 de dezembro de 2010, o presidente Lula editou o decreto n° 7.387 instituindo o Inventário Nacional da Diversidade Linguís-tica. Tal inventário é de responsabilidade do Ministério da Cultura e visa a “identificação, do-cumentação, reconheci-mento e valorização das línguas portadoras de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos for-madores da sociedade brasileira”. Essa medida é resultado da mobi-lização da sociedade civil brasileira, desde o início da década de 2000, pelo menos, e é a primeira medida em prol do multilinguismo a nível nacional no Bra-sil, sem estar relaciona-do ao ensino ou restrito às línguas indígenas. Vale ressaltar que no mesmo ano, o IBGE não cedeu às pressões da sociedade civil para ela-borar o primeiro censo linguístico do Brasil, no Censo de 2010, alegando alto custo.

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do poder global. Como afirmou o atual primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, na I Reunião Extraordinária de Ministros de Educação e Cultura da CPLP no dia 14 de novembro de 2008:

Uma nova geopolítica está em andamento, em que haverá uma divisão maior de poder no mundo. Nossos países têm de estar preparados para ocupar esse novo espaço. Aquilo que temos de mais comum, a língua, tem de ser um ativo para nosso desenvolvimento (...). Na globalização, há uma guerra sem quartel pela hegemonia das línguas. Temos que lutar pelo nosso espaço (BRASIL. MINISTÉRIO DA CULTURA, 2008).

Novamente, como no enunciador ufanista, há a tentativa de produzir um efeito de homogeneidade. Contudo, esse efeito, dessa vez, não se refere a questões intra-comunitárias a fim de unir os países de língua oficial portuguesa, mas sim constrói uma homogeneidade em relação ao exterior, o que vai caracterizar uma identidade em relação ao outro que se encontra fora da CPLP. Podemos perceber, desse modo, que o multiculturalismo/multi-linguismo é trazido para reforçar a construção da homogeneidade dentro da CPLP, desvalorizando a diferença inerente aos povos. Isso ocorre porque o multilinguismo, aqui, é levado em conside-ração apenas nas relações externas da comunidade. Por fim, o enunciador defensor, na busca de construir uma homogeneidade lusófona, articula um inimigo externo, relacionado à concentra-ção de poder e à língua inglesa, de quem deve se defender. Ao retomar mitos de defesa contra inimigos, a memória construída sobre uma língua portuguesa homogênea se aproxima de uma formação discursiva colonial.

2.3 O Enunciador apreensivoDefinimos o enunciador apreensivo como aquele que

constrói sentidos de que há algo a recear referente à política lin-guística almejada.

Quadro 3: Enunciador apreensivo

Enunciados associados ao enunciador apreensivo

Documento referente

Apreensão do enunciador

9 Tendo em conta o carácter funda-mental das actividades de promo-ção e difusão da Língua Portuguesa para o fortalecimento da CPLP no plano internacional e para o apro-fundamento da amizade mútua, da concertação política e da cooperação entre os seus Estados membros;

A Atuação conjunta e cooperação dos países lusófonos na difusão da língua portuguesa.Disputas internas.

10 Considerando a dimensão e a vo-cação internacional da Língua Por-tuguesa face aos desafios crescentes colocados pela globalização;

B Desafios crescentes colocados pela glo-balização.

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11 O seu regozijo pela futura entrada em vigor do Acordo Ortográfico, reiterando o compromisso de todos os Estados membros no estabeleci-mento de mecanismos de coopera-ção, com vista a partilhar metodolo-gias para a sua aplicação prática.

B Atuação conjunta e cooperação dos países lusófonos na difusão da língua portuguesa.Disputas internas.

12 Da concertação de programas co-muns para o Ensino do Português como Língua Estrangeira, com a criação de uma rede de professores certificados dos Estados-Membros da CPLP e a difusão dos sistemas de certificação do Português como Lín-gua Estrangeira;

B Atuação conjunta e cooperação dos países lusófonos na difusão da língua portuguesa.Disputas internas.

13 Este relatório abordará também o estado de desenvolvimento do Acordo Ortográfico, particularmen-te no que respeita aos constrangi-mentos relativos à elaboração do vocabulário ortográfico comum, enquanto pressuposto da sua apli-cação.

C Elaboração do voca-bulário ortográfico comum.

Nesses enunciados, podemos notar o uso extensivo de for-mas de nomear e qualificar que afirmam ou referem-se à união dos países da comunidade e ao intercâmbio de ações, com base em expressões como políticas partilhadas, integração, inclusão (enunciado 15), ação e atuação conjunta (enunciado 16), programas comuns (enunciado 12), mecanismo de cooperação (enunciados 9 e 11), influência conjunta (enunciado 8). O enunciador, ao afirmar isso de maneira tão incisiva, parece apreensivo, inquieto com as ações da CPLP, que só se concretizariam a partir de uma união dos países da Comunidade. De certo, a união de países é fundamental para a constituição de uma comunidade de países, se é óbvio, por que o enunciador reitera que os países devem se unir ou agir de forma unida? Se observarmos o processo histórico de formação desses países, podemos avançar nesses questionamentos.

A CPLP reúne países relacionados diretamente com a questão colonial, mas de maneiras distintas. De um lado, Portugal, ex-metrópole, que reivindica uma espécie de liderança legítima da comunidade, de outro, o Brasil, maior país da organização e prin-cipal ator de língua oficial portuguesa no sistema internacional e de outro, ainda, os africanos e Timor-Leste, de passado colonial recente, ainda vivo na memória da maioria de seus cidadãos. Essa distinção, por si só, já seria motivo para impedir e dificultar a integração dos membros, que apesar da mesma língua oficial, têm culturas bastante diversas.

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Como se não bastassem as distinções e oposições do passa-do, a construção da Comunidade baseia-se em aspectos coloniais, como aquele denominado luso-tropicalismo por Gilberto Freyre (1940; 1961), isto é, na ideia de que a colonização portuguesa, dife-rente das demais, criou um “modo português de estar no mundo” que reuniria atualmente todos os povos de língua portuguesa. A ideia da lusofonia6, portanto, por mais que se negue, retoma um passado, um processo identitário comum construído a partir da colonização portuguesa, que deu singularidade e unidade aos povos luso-falantes. A construção da lusofonia, que tem como base a CPLP, tal como de qualquer outro processo identitário não se dá facilmente. É necessário um elemento de união em oposição ao outro, além de desvendar e extirpar ou superar o diferente, dar novo sentido ao passado e reconstruir a memória. Todas essas ações pressupõem conflitos.

Dessa forma, portanto, o enunciador apreensivo reconhe-ce que há discordâncias (enunciado 12) e constrangimentos (enunciado 13) entre os países da CPLP. Dentre as discordâncias no interior da comunidade está aquela marcada no enunciado 12. Ao citar no plural, a “difusão dos sistemas de certificação do português como língua estrangeira” (PLE), reconhece-se a exis-tência de dois sistemas de avaliação e certificação de português. De fato, atualmente, a língua portuguesa tem dois sistemas de certificação de PLE, o Celpe-Bras de português brasileiro, criado em 1994 e implantado em 1998 pelo Ministério da Educação do Brasil e o CAPLE, de português europeu criado pela Universidade de Lisboa e pelo Instituto Camões em 1999. O plural, portanto, representa uma polêmica, uma cisão: duas políticas; duas línguas concorrentes, o português europeu e o português brasileiro; dois Estados soberanos, que detêm o poder de atestar a qualquer in-divíduo estrangeiro a proficiência nas suas língua nacionais. Esse traço, contudo, não impede que, o enunciador apreensivo seja marcado pela busca do consenso e da convivência harmônica. O uso do plural pressupõe o reconhecimento e a aceitação de que ambas as formas são consideradas, o que pode funcionar como apaziguamento em prol do propósito maior, que é promover a língua portuguesa.

Quanto aos constrangimentos (enunciado 13) referentes à entrada em vigor do último acordo ortográfico em 2009, esses constituem, também, uma polêmica e uma prova recente de que embates a respeito da colonização ainda estão em voga hoje. Como podemos observar nas bases do acordo de 1990 (BRASIL, Decreto 6583 de 29 de setembro de 2008), pela primeira vez se pri-vilegiou a ortografia brasileira, estabelecendo maiores alterações na ortografia europeia. Tal mudança provocou em Portugal uma reação dura contra o acordo ortográfico que gerou, inclusive, um manifesto com 113 mil assinaturas solicitando que o parlamento não ratificasse o protocolo modificativo desse acordo. Assim, não

6 Para entender melhor os conflitos e os sentidos que a lusofonia movi-menta ver os trabalhos de Orlandi (2008; 2009) na área de História das Ideias Linguísticas e de Freixo (2009) na de História das Relações Internacionais.

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há como negar a polêmica em torno ao acordo e o enunciador não a nega, mas minimiza-a e busca superá-la.

Esses dois casos específicos – os exames de proficiência e o acordo ortográfico – ainda que não forneçam a totalidade da dimensão da complexa rede de interações entre os países de lín-gua portuguesa ao redor do passado colonial e da presença dessa polêmica nos enunciados da CPLP, comprovam a existência dessas divergências e dão uma ideia da posição de alguns deles sobre a construção da CPLP e da lusofonia. Nesse embate de sentidos para compor a lusofonia, o enunciador apreensivo tentará superar as divergências entre os membros da CPLP, ressaltando a cooperação entre eles (enunciado 9), na busca pelo consenso.

Portanto, o enunciador apreensivo é aquele que se constitui como ciente de todos esses problemas e vê como única forma de superação a integração e a atuação conjunta dos países da CPLP. Também ressalta o efeito de homogeneidade, só que sua evidência transparece na luta de forma mais clara, a partir da ameaça ao efeito de homogeneidade construído nos enunciados anteriormente apresentados.

2.4 O Enunciador idealista-apaziguadorDefinimos o enunciador idealista-apaziguador como aquele

que busca, imagina, sonha, que deseja um mundo em que a língua portuguesa tenha um papel de destaque.

Quadro 4: Enunciador idealista-apaziguador

Enunciados associados ao enunciador idealista-apaziguador

Documento referente

Desejos do enunciador

14 A elaboração e execução de projectos, sempre que possível, em parceria com ins-tituições interessadas na promoção e difu-são da Língua Portuguesa;

A Participação da sociedade civil nas políticas.

15 A assunção de políticas partilhadas, mar-cadas pela integração, inclusão e estru-turação, com o objectivo da projecção da Língua Portuguesa como Língua Global;

B Projeção da Língua Por-tuguesa como Língua Global.

16 A sua actuação conjunta no processo de efectiva mundialização da Língua Portu-guesa, nomeadamente, através:

B Efetiva mun-dialização da Língua Portu-guesa.

17 Do apoio à introdução da Língua Portu-guesa em Organizações internacionais, regionais ou agências especializadas, bem como à sua utilização efectiva em todas aquelas Organizações onde o Português já constitui língua oficial ou de trabalho;

B Introdução do português em organizações internacionais.

18 Da concertação de programas comuns para o Ensino do Português como Língua Estrangeira, com a criação de uma rede de professores certificados dos Estados--Membros da CPLP e a difusão dos sis-temas de certificação do Português como Língua Estrangeira;

B Ampliação do ensino de PLE e dos sistemas de certificação de PLE.

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O enunciador idealista-apaziguador reúne traços dos enun-ciadores ufanista, defensor e apreensivo, em especial quando trata da projeção da língua portuguesa. O enunciador idealista-apazi-guador, assim, enumera pontos importantes de atuação política para que a língua portuguesa se torne uma língua global. De acordo com o presidente da República Portuguesa, Cavaco Silva na abertura do Colóquio “Português, Língua Global” em 25 de março de 2008:

O conceito de “língua global” significa que um determinado idioma ocupa uma posição privilegiada num grande número de países e que essa posição pode determinar que muitos outros lhe atribuam um lugar de relevo, fomentando o seu ensino como língua estrangeira. Quanto melhor cultivarmos o uso da nossa língua mais respeitados seremos no mundo e maior será o reconhecimento do valor universal da lusofonia (...) No mundo globalizado dos nossos dias, a língua deve ser valorizada como uma vantagem competitiva” (PORTUGAL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2008).

Se o enunciador ufanista e o defensor buscam construir um efeito de homogeneidade intra e extracomunitário respec-tivamente, articulando aliados (a língua portuguesa comum, a sociedade civil) e opositores (diversidade cultural dos países, a língua inglesa, os Estados Unidos) e se o enunciador apreensivo descreve uma ameaça a esse efeito (divergências e disputas internas, passado colonial ainda não superado), o enunciador idealista-apaziguador busca silenciar a polêmica, o embate de vozes para solidificar a homogeneidade, ao redor de uma única voz, uma monofonia, um projeto único para a difusão da língua portuguesa, como um plano de metas.

Sob o ponto de vista neorrealista das Relações Internacio-nais (WALTZ, 2002), cada país de língua portuguesa, com sua soberania, identidade e interesse nacionais viu na CPLP muitas possibilidades para o seu fortalecimento. Contudo, à medida que a concretização das políticas para a promoção da língua portu-guesa só é possível através da Comunidade (da homogeneidade, da integração), toda a articulação ao redor da elaboração de uma pauta única de objetivos para esse propósito também age no apagamento, na superação de oposições históricas entre os países - heterogeneidade, disputas, passado colonial. O efeito dessa enun-ciação gera sentidos de maior integração, que atua na forja de uma identidade supranacional, a lusofonia, que trará mais vantagens, sobretudo econômicas e geoestratégicas para todos os membros da CPLP. É dessa forma que o enunciador idealista-apaziguador busca superar a heterogeneidade.

Como já apontamos, a constituição de uma comunidade de países em torno de um passado colonial comum gera polêmica e estimula debates, sobretudo, se tal comunidade é um ato com tra-ços de neocolonialismo. Ainda que a memória colonial portuguesa

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circule no imaginário social português e em muitos discursos sobre a língua portuguesa, inclusive nos da CPLP, o que se observa é a predominância de um efeito de homogeneidade. Esse efeito se manifesta tanto no enunciado, no modo de enunciar, na abor-dagem temática do multiculturalismo, como na própria condição de existência da CPLP, passando pela crença de que juntos esses países terão maior força no cenário internacional. Como defende a angolana Amélia Arlete Mingas (2009, p. 4):

Não avançar no sentido da normalização institucional, das ins-tâncias comprometidas com a língua portuguesa, é deixar ao livre arbítrio dos específicos interesses nacionais, não apenas o ritmo como o alcance das políticas, com as consequências nefastas que daí podem resultar (...). A soberania da língua deve ser partilhada e, a valorização das instâncias de coorde-nação, como o IILP, pode ser decisiva para a não nacionalização dos processos de desenvolvimento da língua (grifo nosso).

Todavia, nessa tentativa de língua global homogeneizante, em relação às nações de língua oficial portuguesa, o português brasileiro ganha espaço, enquanto o europeu o perde, como vimos no acordo ortográfico e como nos mostra Zoppi Fontana com sua concepção de língua transnacional. Uma língua transnacional é definida

a partir de sua projeção imaginária sobre outras com as quais se encontra em relação de disputa pela dominação histórica de um espaço de enunciação transnacional, representando-se como cobertura simbólica e imaginária das relações estabe-lecidas entre os falantes das diversas línguas que integram esse espaço. Trata-se de uma língua nacional que transborda as fronteiras do Estado-Nação no qual foi historicamente constituída e como o qual mantém fortes laços metonímicos (ZOPPI-FONTANA, 2009, p. 21-22).

Zoppi-Fontana (2009) descreve um novo período do processo de gramatização do português brasileiro envolvendo a língua transnacional, que se inicia a partir dos anos 1990 com a globaliza-ção, a formação de blocos regionais, a ascensão do neoliberalismo e a expansão da internet. Esse processo é “marcado por uma série de acontecimentos linguísticos7 que sinalizam uma nova dimensão da língua brasileira, que passa a ser significada a partir de uma dupla determinação discursiva como língua nacional e como língua transnacional” (ZOPPI-FONTANA, 2009, p. 17). Soma-se a esse processo de transnacionalização da língua brasileira outro processo, discursivo e político que identificamos no discurso da CPLP, de homogeneização da língua portuguesa em todo o mun-do. Sendo que tais processos não são necessariamente excludentes, pois há a negociação, a incorporação, a aceitação do Brasil como seu líder natural e como uma espécie de nova base da língua8. Esse processo de transnacionalização do português brasileiro ganha ainda mais força na década de 2000 com o grande crescimento

7 A partir de Orlandi (2008 [1990]) e Guima-rães (2005), podemos descrever o aconteci-mento linguístico como um acontecimento que muda a relação política e histórica da língua com seus sujeitos e outras línguas, e consequen-temente a produção e circulação de conheci-mento sobre essa língua.8 O então ministro da cultura de Portugal Pin-to Ribeiro afirmou em reunião com o ministro da Cultura do Brasil que: “Neste momento, nós percebemos não só que o Brasil é muito maior, mais importante, mais rico e mais poderoso do que nós, mas que, independen-temente das dimensões e dos tamanhos, somos, todos os países da Co-munidade dos Países de Língua Portugue-sa, iguais”, disse (grifo nosso) (BRASIL, MINC, 2008).

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econômico dos BRIC, com a crise financeira dos países centrais do capitalismo em 2008 e com o Brasil ampliando seu status no cenário internacional9.

Desse modo, para sobreviver no ambiente linguístico globa-lizado e competir no mercado linguístico, o português deve jogar as regras do jogo, ou seja, as do mercado. Essa língua homogenei-zante é uma língua que sofre um processo de capitalização lin-guística. De acordo com Zoppi-Fontana (2009, p. 37): “o processo de capitalização linguística se caracteriza por investir uma língua de valor de troca, tornando-a ao mesmo tempo em bem de consumo atual (mercadoria) e um investimento em mercado de futuros, isto é, cotando seu valor simbólico em termos econômicos”.

Isso pode ser comprovado pelo acordo ortográfico que tem como principal justificativa a unificação dos mercados comerciais ou pela pesquisa para descobrir qual o valor da língua portuguesa sobre o PIB de Portugal10 ou ainda o verdadeiro mercado de en-sino de PLE que vem se instalando, comprovados nos trabalhos de Zoppi-Fontana (2009) e Diniz (2010).

Podemos concluir, portanto, que o enunciador busca um efeito de homogeneidade ao mesmo tempo que silencia a polêmica instaurada na CPLP. Por consequência, temos um processo de homogeneização da língua portuguesa, uma língua voltada para o mercado num contexto global, em que o português brasileiro ganha espaço como base dessa língua, enquanto o português europeu o perde. Tal processo não significa que as heterogenei-dades linguísticas de cada país estão sendo ou serão apagadas. Dificilmente isso ocorreria, porque uma série de fatores históricos atua a favor dessa heterogeneidade. Mas a identificação desse fenômeno, em pleno curso, nos faz pensar que um novo portu-guês pode surgir, fruto desse conflito, desses dois processos em embate, de homogeneidade e heterogeneidade, de gramatização de um português internacional e de gramatização dos portugueses nacionais.

3. Fabrica-se um “novo português”?A partir do estudo de textos produzidos pela CPLP, foi pos-

sível observar que um (super)enunciador se institui a partir de várias facetas que criam e reforçam sentidos de homogeneidade linguística e política, silenciando ou minimizando heterogenei-dades na constituição desse conjunto de países. É justamente em torno desse efeito homogeneizante que o enunciador constrói a univocidade do seu discurso político-normativo e tenta superar a polêmica em torno dos países e dos sentidos de língua portu-guesa. Por consequência, observamos, assim, um processo de homogeneização da língua portuguesa, capaz de justificar a sua possibilidade de atender o mercado global. Mas, como apontamos, essa é uma construção político-linguístico-discursiva que não necessariamente irá se concretizar, já que a gramatização nacional

9 Uma série de outros acontec imentos, em parte consequências desse momento ajudam a compor esse cenário: mobilização do Brasil no G-4, ao lado da Alema-nha, Índia e Japão para reforma do Conselho de Segurança da ONU; criação do Fórum de Diálogo Índia-Brasil--África do Sul (IBAS) em 2003; criação da União das Nações Sul-ameri-canas (Unasul) em 2008; a reforma no FMI com a ampliação da participa-ção brasileira em 2010; a escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpí-adas de 2016, além da ampliação de posto di-plomáticos no exterior e a da diversificação de parceiros comerciais durante o governo Lula (2003-2010).10 Pesquisa intitulada O Valor Econômico da Língua foi encomendada pelo Instituto Camões em setembro de 2007 e desenvolvida pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) em 2008, com o intuito de descobrir qual o valor da língua portuguesa sobre o PIB de Portugal. Após levar em conside-ração, a participação da língua em setores como “agricultura, eletricida-de; indústria; constru-ção; serviços de merca-do e outros” chegou-se a marca de 17,010% do PIB (ESPERANÇA & ISCTE, 2008;). Tal iniciativa foi apoiada pela Declara-ção Final da Reunião Extraordinária de Mi-nistros da Educação e da Cultura da CPLP em 14 e 15 de novembro de 2008, que registrou o propósito de todos os países da CPLP fazerem pesquisas referentes ao valor econômico da língua portuguesa.

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das diferentes línguas portuguesas está em pleno curso e a hete-rogeneidade linguística se manifesta em qualquer ato ou aconteci-mento discursivo da língua portuguesa. Por mais que se tente, as vozes permanecem, ainda que nem sempre possam ser ouvidas, esse “novo português” que identificamos é fruto dos conflitos e negociações entre esses movimentos: o de homogeneização - para se fortalecer no mercado global -, e o de heterogeneização das lín-guas portuguesas nacionais, com seus processos de gramatização em ambientes linguísticos amplamente heterogêneos, de língua autóctones e alóctones, minoritárias e nacionais.

AbstractThis paper presents a discourse analysis of decla-rations and resolutions issued by the Community of Portuguese Language Countries (CPLP), in order to identify features of language policies for the promotion and dissemination of Portuguese, widespread in the last decade. We start with the idea of ethos and polemic (MAINGUENE-AU, [1984] 2007) to identify four positions/enunciators, which are: the patriotic-boastful, the defender, the apprehensive and the idealistic--reliever. In statements analyzed, we found that these different images of themselves construct an apparent idea of linguistic homogeneity, which aims to overcome the heterogeneity of the CPLP. Thus, polemics are silenced and we note that is under construction a new sense of the Portuguese language, with homogenizing force in opposition to one already in progress, which is based on the social and historical process of grammatisation and heterogenization of the national Portugueses languages.

Keywords: language policy; CPLP; promote the Portuguese language; ethos; polemic.

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Ensino via Pesquisa: a universidade para a diversidade latino-americana

Ivani Ferreira de Faria (UFAM)Karina Mendes Thomaz (UFSC)

ResumoPara se repensar a universidade frente à diversida-de cultural e linguística presente nos países latino--americanos, é preciso considerar, não apenas os casos intra-nacionais, mas também a diversidade entre os próprios países. Esse imperativo surge a partir do estabelecimento de políticas mercosulis-tas de integração voltadas para a área educacional, que abrangem tanto a Educação Básica quanto a Educação Superior. Assim, o Projeto Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira do MER-COSUL (PEIBF) e os blocos temáticos do Setor Educacional do MERCOSUL para a Educação Superior, a saber, Reconhecimento, Mobilidade e Cooperação Inter-institucional, apresentam-se como instigadores de reflexões sobre como abarcar nas salas de aula a diversidade latino-americana nas instituições educacionais dos países membros. Se o imperativo da reflexão está posto, a forma pela qual a Educação poderá trabalhar com e pela di-versidade cultural e linguística latino-americana, tanto nos casos intra quanto inter-nacionais, ainda está sendo definida. Uma dessas formas é o Ensino via Pesquisa. Mas por que o Ensino via Pesquisa pode ser considerado um dos instrumen-tos para a resignificação da universidade e das es-colas do século XXI inserindo-as em um marco de valorização da diversidade cultural e linguística? Objetivando responder a tal questão, o trabalho foi organizado de forma a apresentar o método “Ensino via Pesquisa” para, depois, apresentar dois contextos nos quais ele é adotado. Um desses contextos utiliza o Ensino via Pesquisa para a diversidade latino-americana intra-nacional, a dos povos originários. O outro contexto abrange a diversidade latino-americana inter-nacional, aquela existente entre os países do bloco.

Palavras-chave: Ensino via Pesquisa; Projeto Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira do MERCOSUL; Licenciatura Indígena; Diversida-de Cultural e Linguística; Política Linguística.

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Gragoatá Anderson Salvaterra Magalhães

1. O Ensino via Pesquisa“Toda pessoa tem direito à instrução”, ou seja, a Declaração

Universal dos Direitos Humanos define e defende a Educação enquanto direito. A Educação é sempre um direito? O acesso à Educação homogeneizadora dos grupos dominantes é um direito? Um direito que tolhe o também direito à diversidade cultural e linguística ainda pode ser considerado direito? Qual a fronteira entre o direito e o dever no que diz respeito ao acesso à Educação? Boaventura Santos (2007, p. 44) alerta de que “Tenemos el derecho de ser iguales cuando la diferencia nos inferioriza, tenemos el derecho de ser diferentes cuando la igualdade nos descaracteri-za.” Quando é importante ser diferente para manter o acesso à Educação enquanto um direito e não um dever?

Para que o acesso à Educação seja, de fato, um direito hu-mano que não descaracterize nem inferiorize, é necessário, como pré-requisito a ele, a consciência do direito à diversidade cultural e linguística. A Interculturalidade, entendida como diálogo ho-rizontal entre culturas e como alternativa ao monólogo vertical imposto pelos grupos dominantes, surge, assim, como solução para a ambiguidade conceitual presente no entendimento sobre o acesso à Educação (“direito ou dever?”). Mas como aplicar a Inter-culturalidade nas salas de aula dos diversos níveis educacionais?

O Ensino via Pesquisa (EvP), por partir da participação dos alunos na elaboração do plano de trabalho pela proposição por eles de problemáticas a serem investigadas, estimulando o diálogo horizontal entre professor e alunos, configura-se como um método de ensino no qual o princípio da Interculturalidade é exercido como praxe educacional.

A base do trabalho educacional no EvP é o desenvolvimento de pesquisas propostas pelos alunos em forma de problemáticas, o que permite a construção de um currículo que atenda às neces-sidades e especificidades culturais e linguísticas de cada grupo, não se atendo a fórmulas conteudísticas pré-definidas e, portan-to, homogeneizadoras. O desenvolvimento de tais pesquisas é guiado pelo projeto de aprendizagem, elaborado após a formulação da problemática em forma de mapas conceituais, nos quais outras perguntas necessárias à resolução da problemática central são apresentadas pelos alunos. Como postula Gilvan Müller de Olivei-ra na primeira das Doze Questões Estruturantes para o Trabalho Pedagógico via Pesquisa, explicitadas no livro Interesse, Pesquisa e Ensino: uma equação para a Educação Escolar no Brasil,

A pesquisa se inicia, portanto, através da determinação – de forma dialógica – do quê os alunos gostariam de saber, de es-tudar, que problemáticas gostariam de atacar, que mistérios

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gostariam de desvendar. Começamos, portanto, recortando as problemáticas que vão conduzir os trabalhos por um determi-nado período de tempo, criando, nas discussões em pequenos grupos e em grande grupo, o objeto da pesquisa (OLIVEIRA, 2004, p.48).

A Interculturalidade é, portanto, no EvP, viabilizada pela descentralização do poder em sala de aula. Assim, se o professor não é mais o único detentor das verdades (conteúdos) a serem ensinadas, possibilita-se a audição de outras vozes no processo educacional. Segundo Gilvan Müller,

(...) a participação continuada nos processos de pesquisa alteram muito profundamente as relações entre professores e alunos. Em primeiro lugar, tira a absoluta centralidade da figura do professor, ou melhor: aquele tipo de centralidade que ele tem na escola disciplinar e conteudista. O processo é descentralizado: não é o professor (o único) que transmite conhecimento, mas a responsabilidade pela produção do co-nhecimento é de todos” (OLIVEIRA, 2004, p.55).

Quanto à ambiguidade do acesso à Educação, compreen-dido como direito humano ou como dever descaracterizador e inferiorizante, o Ensino via Pesquisa, ao tratar dos interesses dos grupos envolvidos, não ditando nem mesmo métodos de ensino a priori, atribui ao ensino a característica de direito humano; por um lado, por não impor a homogeneização cultural e linguística; por outro, por aceitar e legitimar a diversidade.

Na experiência da pesquisa, partimos do princípio de que cada um pode – e deve – expressar quais são seus interesses, e esses interesses não serão desprezados: não julgamos, assim, que alguns conhecimentos são ‘da escola’ e outros não são, que alguns são tratáveis e outros não são. A rígida definição do que é conhecimento escolar e do que não é, feita tradicional-mente pelo sistema escolar, tem amplas consequências sobre as problemáticas – e portanto os interesses – que excluímos da escola. Excluir da escola interesses significa excluir as próprias pessoas de quem esses interesses são expressão (OLIVEIRA, 2004, p.48).

Repensar a universidade e a Educação na(s) diversidade(s) latino-americana(s) requer, portanto, inseri-las em um marco de valorização da diversidade cultural e linguística do diversos grupos, oferecendo-lhes acesso a uma Educação que represente um direito humano e não um dever, o que é possibilitado pelo Ensino via Pesquisa.

A seguir, apresentar-se-á essa inserção, que vem ocorrendo na Licenciatura Indígena da Universidade Federal do Amazonas, em São Gabriel da Cachoeira.

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2. Estudo de Caso: o Ensino via Pesquisa para a Diversidade Latino-Americana Intra-Nacional na Licenciatura Indígena

da UFAM em São Gabriel da CachoeiraExemplo de respeito à diversidade latino-americana in-

tra-nacional, aquela existente dentro dos limites geopolíticos de cada país, o curso de Licenciatura Indígena em Políticas Educacio-nais e Desenvolvimento Sustentável, que a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) oferece no município de São Gabriel da Cachoeira (Figura 1), alia o Ensino via Pesquisa a uma política linguística de valorização da diversidade existente entre os povos amazônicos.Figura 1: Localização do município de São Gabriel da Cachoeira/AM

Fonte: http://gina.abc.org.br/publicacoes/ba/NABCUU16/index.html

O município brasileiro de São Gabriel da Cachoeira, locali-zado no noroeste do estado do Amazonas e sede da Licenciatura da UFAM, é altamente pluriétnico e multilíngue, característica que motivou a co-oficialização, ao lado da língua portuguesa, de três línguas indígenas, o Tukano, o Nheengatu e o Baniwa, no ano de 2002, pela lei municipal n°145/20021, regulamentada pela Lei Mu-nicipal nº. 210/2006. Essa política de co-oficialização e a diversidade linguística existente para além das línguas abarcadas por essa lei levaram à coordenação da Licenciatura da UFAM a organizar o curso em três pólos distintos, cada um correspondente a uma das três línguas co-oficializadas no município. Nesses pólos, a política linguística definida pela coordenação do curso em conjunto com as comunidades instituiu que as línguas de instrução são as línguas co-oficiais do município, auxiliadas pela língua portuguesa. As demais línguas indígenas presentes na região ocupam o status de línguas de trabalho durante o curso.

Essa política linguística estabelecida pelo curso, além de atender à legislação municipal sobre as línguas co-oficiais, garante também o uso efetivo da língua materna indígena em processos de aprendizagem, direito constitucional no Brasil segundo o artigo 210, parágrafo segundo.

1 O texto da lei pode ser obtido em: http://www.ipol.org.br/imprimir.php?cod=83

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§ 2º - O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem (BRASIL, 1988.)

A garantia ao uso da língua materna pela população indíge-na é posta em prática, na Licenciatura da UFAM, nas aulas minis-tradas pelo método do Ensino via Pesquisa, “baseado muito mais no aprendizado do aluno do que no ensino do professor”, como afirma o Professor Gilvan Müller na proposta da Licenciatura da UFAM. Assim, ao centrar no aprendizado do aluno ao invés de no ensino do professor, o EvP permite que toda a discussão seja feita pelos alunos em língua indígena.

Além da valorização da diversidade linguística possibilitada pela política linguística do curso e pelo Ensino via Pesquisa, o método aplicado pela Licenciatura da UFAM também corresponde a um significativo instrumento para a valorização da diversidade cultural dos diversos grupos de alunos, devido à proposição por eles próprios das pesquisas que serão desenvolvidas e que, por isso, atendem ao interesse específico de cada grupo, trazendo para a sala de aula características culturais diversas.

Por exemplo, no mês de fevereiro de 20112, o então diretor executivo do IILP – Instituto Internacional da Língua Portuguesa e coordenador do IPOL – Instituto de Investigação e Desenvolvi-mento em Política Linguística, Prof. Gilvan Müller de Oliveira, esteve nos distritos de Cucuí (onde funciona o Pólo Nheengatu) e de Taracuá (sede do Pólo Tukano), no município de São Gabriel da Cachoeira, a convite da UFAM, para trabalhar com os alunos, em sua maioria professores em escolas indígenas, problemáticas relacionadas ao uso da língua Nheengatu nas escolas indígenas nas diferentes comunidades e à definição da ortografia das línguas Tukano, Desano, Kotiria, Kubeo e Tuyuka.

Utilizando-se do EvP, o professor Gilvan finalizou cada uma das semanas de trabalhos em cada um dos pólos da Licenciatura com produtos concretos voltados para a comunidade.

No Pólo Nheengatu, em Cucuí, depois de uma semana de sistematização dos trabalhos de investigação realizados previa-mente pelos alunos/professores nas comunidades divididas em cinco regiões (São Gabriel da Cachoeira, Baixo Rio Negro, Médio e Alto Rio Negro, Baixo Içana e Alto Xié), na qual foram discuti-das, de acordo com as necessidades apresentadas pelos alunos, questões como a definição do conceito de pesquisa, universo e amostragem da pesquisa, partes essenciais de um relatório de pesquisa, os alunos/professores apresentaram os resultados no I Seminário de Pesquisas em Nheengatu da UFAM (I Mukamesá Muraki Sikaisá Yẽga Yẽ gatu Rupí) no Clube Social de Cucuí, que contou também com um Mural Literário em Nheengatu.

2 Essa experiência foi presenciada por mim, orientanda do professor Gilvan Müller de Olivei-ra, enquanto convidada da coordenadora Ivani Farias da Licenciatura da UFAM em São Ga-briel da Cachoeira.

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O Seminário, que entregou certificados de participação em nheengatu, representou a legitimidade da língua nheengatu como língua de instrução no município de São Gabriel da Cachoeira, despertando nos presentes discursos emocionados, como o do diretor da escola local, Carlos Sávio, e o da professora Maria Lúcia que, parabenizando as apresentações feitas, reivindicou: “A gente precisa valorizar mais a nossa língua”. A presença da língua indígena na totalidade do evento, inclusive no discurso de abertura realizado pelo diretor executivo do IILP, Prof. Gilvan Müller, suscitou nas autoridades locais o desejo, expresso em compromisso, de aprendê-la. O subtenente Toledo, do 4° Pelotão Especial de Fronteira, em português, desculpou-se por só saber duas palavras em nheengatu, Poranga pituna (Boa noite), e com-prometeu- se a falar em nheengatu se no próximo ano houvesse outro evento daquele porte. O subtenente comentou ainda da “experiência maravilhosa” que está sendo para ele, oriundo do litoral do Nordeste brasileiro, ter contato com línguas novas, que ele não sabia que existia ainda no Brasil. O sub-prefeito do dis-trito de Cucuí iniciou a fala lamentando o fato de não saber falar em nheengatu, o que, segundo ele, era culpa dos pais que não o ensinaram. Citando o subtenente, o sub-prefeito afirmou que a partir dali começaria a estudar o nheengatu.

No distrito de Taracuá, onde funciona o Pólo Tukano da Licenciatura da UFAM, os trabalhos da semana culminaram em uma declaração sobre a unificação do alfabeto e diacríticos usados pela Língua Tukano. Esta declaração, redigida em Tukano e em português, em breve, estará disponível no site do curso e balizará toda a publicação feita em língua Tukano pelos alunos do Pólo, sendo, a partir de então, utilizada também nas escolas onde os alunos/professores atuam.

Ex-aluno do internato salesiano de Taracuá, prédio onde, hoje, são oferecidas as etapas intensivas da Licenciatura em Políti-cas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável da UFAM para o Pólo Tukano, Max, como, amistosamente, é chamado Maximiliano Menezes, o representante da turma Tukano e atual vice-presidente da FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Ne-gro, expressou o valor histórico da retomada da valorização da diversidade linguística na região: “A história de a gente estar tra-balhando na ortografia da língua Tukano, dos Desano, de outros povos que estão aqui nessa Licenciatura, me alegra muito isso, de ver novamente, aqui, nesse prédio salesiano que tanto obrigou a gente a deixar a nossa língua.”

O destaque para o fato de a Licenciatura da UFAM ser ofer-tada no mesmo prédio onde funcionava a antiga escola salesiana, ressalta a diferença de objetivos entre os dois ensinos: um voltado para o respeito e promoção da diversidade linguística e cultural, outro para a homogeneização das culturas e das línguas. Max

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segue o depoimento refletindo sobre as consequências de um ensino vertical e homogeneizador.

Então, quando comecei a estudar aqui em Taracuá, aqui neste colégio, praticamente eu entrei entendendo algumas pala-vrinhas em português. Talvez nem dois por cento do que se falava eu entendia, custou para mim aprender, aliás, entender o português, não falar tão bem. Mas, assim, o ensino, tudo, era em português, e a gente não falava nem uma palavra em Tukano na sala de aula. Praticamente, talvez isso nos prejudi-cou para a vida adulta, porque a gente sempre sentou na sala de aula com medo de perguntar e errar o português na frente de outros colegas, embora que todos os colegas não sabiam também falar o português, mas era obrigado você falar o por-tuguês com o professor. Passei praticamente desde o primeiro ano até a oitava série aqui, neste sistema de ensino, que você tem que falar em português na sala de aula, e por isso, muitas vezes, a gente perdia a oportunidade de também contribuir com os colegas, de também levantar e falar. A gente nunca teve a oportunidade de falar, de se levantar e falar... Acredito que qualquer um da minha época, quando saiu daqui, saiu com toda aquela timidez de levantar e falar na frente dos colegas, porque você tinha na sua mente que você teria algo errado de falar o português. (...) Ninguém nunca disse que nós podería-mos escrever na nossa língua. Ninguém nunca falou que nós poderíamos falar nas nossas línguas para a gente interagir em determinado tempo. Ninguém nunca nos disse “Não, vocês podem discutir da forma como vocês pensam para a gente ir direcionando para o objetivo, para o futuro do povo indígena do Rio Negro”. Ninguém nunca falou isso!3.

Analisando as diferenças entre os dois ensinos ministrados no mesmo prédio, Max salienta a importância do Ensino via Pes-quisa para a consciência da diversidade cultural e linguística da própria turma, que reflete a realidade da região.

Eu acho que assim: essa caminhada me traz aqui, nessa Li-cenciatura em Políticas Educacionais, uma nova realidade para mais um passo a mais, para a gente estar discutindo entre várias etnias que se encontram aqui uma troca de ex-periências, de conhecimento. Aqui, eu acho que, aqui, a gente começa a entender que somos realmente povos diferentes, que temos nossos mitos, nossas histórias, porque, até então, estava assim adormecida. Eu sempre falo essa palavra “adormeci-da”, porque a gente não se manifestava nas nossas tradições culturais, a gente tinha no coração, porém, não era uma coisa manifestada, a língua, as nossas músicas, as nossas danças, embora sabendo, mantendo isso na consciência, a gente não conseguia manifestar isso. A Licenciatura trouxe resposta a isso. (...) Essa para mim proporciona de a gente engrandecer, para que nós possamos realmente trabalhar voltado para a nossa realidade com as nossas crianças que são o futuro, o amanhã. Acredito que todos os professores que estão aqui, como alunos hoje na Licenciatura, eles têm o mesmo objetivo.

3 O depoimento com-pleto pode ser lido na reportagem “A Língua Portuguesa por r ios já dantes navegados: promoção, difusão e projeção de todos”, dis-ponível em www.ipol.org.br

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Claro, alguns estão com dificuldade, mas são quatro anos de faculdade, com certeza no final dos quatro anos, nós vamos ter uma visão mais clara, e, com certeza, a educação que nós queremos vai melhorar muito a vida no Rio Negro. Eu tenho toda certeza disso... eu estou torcendo para que dê certo.”

Concluindo, a experiência da Licenciatura da UFAM em São Gabriel da Cachoeira mostra que o Ensino via Pesquisa é o método utilizado no Ensino Superior como uma das estratégias que possibilitam a valorização da diversidade cultural e linguística intra-nacional, no âmbito dos povos originários. Mas a utilidade de tal metodologia não se restringe ao Ensino Superior, tampouco à diversidade intra-nacional, nem aos grupos indígenas. A diversi-dade inter-nações também é reconhecida e valorizada pelo Ensino via Pesquisa na Educação Básica no contexto fronteiriço pelo Pro-jeto Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira do MERCOSUL.

3. Estudo de Caso: o Ensino via Pesquisa para a Diversidade Latino-Americana Inter-Nacional

no Projeto Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira do MERCOSUL

O Projeto Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira inicia suas atividades pedagógicas em 2005 instituído por um Acordo Bilateral, assinado em 2004, entre os ministérios da educação de Brasil e Argentina. Em junho de 2006, o PEIBF entra para a pauta do Setor Educacional do MERCOSUL, passando, então, a consti-tuir-se como um projeto multilateral. Em 2009, outros países do bloco (Uruguai, Paraguai e Venezuela) iniciam as atividades do projeto em escolas de fronteira.

Quanto ao funcionamento, o projeto trabalha a partir do intercâmbio docente, ou seja, duas vezes por semana as profes-soras brasileiras trocam de lugar com as professoras das escolas do outro lado da fronteira e ministram suas aulas em português8 para as crianças argentinas, por exemplo. Concomitante com a ida da professora brasileira, ocorre a vinda das professoras dos outros países que ministram suas aulas em espanhol para os alunos bra-sileiros. Sobre essa forma de funcionamento, o Documento-Base do PEIBF demonstra a utilidade da mesma na vivência da inter-culturalidade e do bilinguismo por parte dos docentes do projeto.

A unidade básica de trabalho, portanto, é o par de ‘esco-las-espelho’, que atuam juntas formando uma unidade operacional e somando seus esforços na construção da educação bilíngue e intercultural. Esta forma permite aos docentes dos países en-volvidos vivenciarem eles mesmos, na sua atuação e nas suas rotinas semanais, práticas de bilinguismo e de interculturalidade semelhantes às que querem construir com os alunos, na medida

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em que se expõem à vivência com seus colegas do outro país e com as crianças das várias séries com as quais atuam (MECyT & MEC, 2008, p. 22).

O Projeto Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira (PEIBF) prevê, ainda, o desenvolvimento de um modelo comum de educação bilíngue e intercultural para a área de fronteira do MERCOSUL, conforme explicita o subtítulo do Documento-Base do Projeto escrito em 2006 e atualizado em 2008: Programa Escolas Bilíngues de Fronteira – Modelo de ensino comum em escolas de zona de fronteira, a partir do desenvolvimento de um programa para a educação intercultural, com ênfase no ensino do português e do espanhol. Para se alcançar essa meta, durante a Primeira Reunião Técnica Bilateral, que ocorreu em Buenos Aires em dezembro de 2004, a metodolo-gia de Ensino via Projetos de Aprendizagem4 é citada como

(...) uma solução para a necessidade de conteúdos compartilha-dos. Nesta visão educacional, o professor parte do interesse dos alunos, que constroem e executam projetos de pesquisa. Como os projetos são variados, a base curricular comum se refere muito mais aos processos de intelectualização dos alunos e ao modo como tratam dos objetos de conhecimento (OLIVEI-RA, 2004 apud THOMAZ, 2010. p.19).

Durante a Segunda Reunião Técnica Bilateral, em Brasília em junho de 2005, chega-se a um acordo sobre o método a ser adotado no Projeto Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira do MERCOSUL. Por se tratar de um método não usual em contex-tos escolares, a reflexão sobre como instrumentalizar professores que atuam nas escolas do PEIBF e que nunca haviam trabalhado com o Ensino via Pesquisa leva a questão para os cursos univer-sitários de formação docente, gerando o questionamento sobre se a utilização do Ensino via Pesquisa no processo de formação dos futuros professores que atuarão com essa metodologia traz benefícios. A universidade precisa ser repensada para a formação de professores gabaritados a atuar nas escolas do PEIBF?

Se há um projeto em vigor que prevê a construção de um modelo de ensino comum para a zona fronteiriça entre os países do MERCOSUL e se há indicativos do Setor Educacional do MERCOSUL para o reconhecimento, mobilidade e cooperação inter-institucional entre as universidade do bloco, seguindo os passos iniciais do Processo de Bolonha que prepara as universi-dades europeias para a integração e internacionalização de suas instituições de ensino superior, faria sentido repensar o papel das universidades para a formação de professores gabaritados a atuar com a diversidade cultural e linguística latino-americana?

Para responder a essas questões é preciso considerar, então, a inserção do PEIBF, projeto multinacional, no plano de integração dos sistemas de ensino no bloco mercosulista e latino-americano.

4 Essa metodologia corresponde ao “En-sino via Pesquisa” ou “Aprendizado por pro-blemas”.

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4. Repensando a universidadeO Projeto Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira

insere-se, portanto, em uma série de políticas mercosulistas voltadas para a integração educacional. Essas políticas, como não poderia deixar de ser, abrangem também a integração dos sistemas de Ensino Superior e relacionam-se com a reestruturação geopolítica mundial em blocos regionais. Assim, a reflexão sobre a necessidade de se repensar a universidade frente à diversidade latino-americana se faz imperativa.

Em Por uma outra Globalização, Milton Santos (2000, p.24) afirma que “o desenvolvimento da história vai a par com o desenvolvimento das técnicas”. E mais a frente, explicita que, nos tempos atuais, o que é representativo do sistema de técnicas é a chegada das técnicas da informação, através da internet, ciberné-tica e eletrônica. Segundo o autor, pela primeira vez na história da humanidade, um conjunto de técnicas “envolve o planeta como um todo”. São os tempos da Globalização.

Em consonância com a afirmação de Milton Santos e ana-lisando a posição da educação superior no contexto histórico da Globalização, Dias Sobrinho (2005, p.48) parte da revolução tecnológica iniciada na década de 1970 na Califórnia para esclare-cer por que “a educação superior tem centralidade no capitalismo reestruturado da era global.” Para o autor, a causa geradora desta centralidade é o fato de o principal fator impulsor da reestrutu-ração do capitalismo global ser a revolução das tecnologias da informação ocasionando “a passagem do valor econômico do material para o imaterial. O objeto físico perde valor ante o capital intelectual, dada a capacidade de este produzir riquezas”. É o ca-pital intelectual, agora, o maior gerador de riquezas, e não mais a indústria. E a instituição responsável pelo desenvolvimento deste tão valorizado capital é a universidade.

Esse novo valor agregado à Educação Superior, o valor eco-nômico, além de atribuir a esse nível de educação uma posição central no mundo global, também impõe a universidade um dualismo funcional e conceitual.

É francamente diferente tratar a produção, a aquisição e a aplicação de conhecimento como um bem público e inegociável ou, por outro lado, como uma mercadoria. As diferenças de uma e outra concepção interferem efetivamente na produção, na distribuição, na aprendizagem, nos usos e nas finalidades dos conhecimentos (DIAS SOBRINHO, 2005, p.84).

De um lado, tem-se a Educação Superior concebida como bem público; do outro, como mercadoria. Como bem público, a educação superior deve difundir os conhecimentos em prol do desenvolvimento social. Como mercadoria, a educação superior deve ser adquirida por indivíduos interessados no desenvolvi-mento da competitividade pessoal. Nessa dualidade, ou nessa

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encruzilhada imposta à educação, em especial à Educação Su-perior, pelo capitalismo global, a educação “ou contribui para a reprodução do capital e sua barbárie ou para a construção de uma nova e superior forma de sociabilidade” (TONET, 2004, p.1).

Entendida como mercadoria no mundo capitalista devido ao valor econômico a ela atribuído, a demanda pela Educação Superior aumenta. Tanto mais aumenta essa demanda quanto mais se aumenta o valor agregado à Educação Superior. A impos-sibilidade de atendimento dessa demanda por parte do poder público favorece o aparecimento de novos tipos de provedores, como as universidades coorporativas, e de modalidades novas de instituições, a exemplo das virtuais. Assim, cresce a demanda pela Educação Superior, e cresce também a oferta da mesma. O ensino superior se adapta às novas exigências, e a competitividade entre instituições passa a ser fato. Essa competitividade baseia-se em uma só questão: ser a instituição que mais “vende” educação superior, ganhando, assim, a luta da concorrência.

Contudo, a competitividade não atinge somente o plano interinstitucional. Essa se faz sentir também em um plano su-pra-institucional e, mais, supranacional. Surge, então, em 1999, a Declaração de Bolonha com “o objetivo de elevar a competitividade internacional do sistema europeu do Ensino Superior”. Trata-se, agora, da competitividade entre países ou grupo de países.

A Declaração de Bolonha ratifica o compromisso da Decla-ração de Sorbonne/1998 para a “criação de um espaço europeu do ensino superior”. A partir dessas e de posteriores declarações firmadas5 surge um movimento que se convencionou chamar de Processo de Bolonha.

O Processo de Bolonha, nome do movimento de reforma e integração da educação superior na Europa, é o conjunto dos eventos relativos às medidas de implementação dos princípios da reunião havida em Bolonha em 1999 com a finalidade de construir um espaço europeu de educação superior até o ano 2010, cujos objetivos fundamentais encetam, principalmente, para a competitividade do Sistema Europeu de Ensino Supe-rior frente a outras regiões e para a mobilidade e o emprego no Espaço Europeu, com vistas a harmonizar os sistemas universitários europeus, de modo a equiparar os graus, di-plomas, títulos universitários, currículos acadêmicos, e adotar programas de formação contínua reconhecíveis por todos os Estados membros da União Europeia (AZEVEDO, 2006, p.1).

Se a consolidação da União Européia foi essencial para a iniciação do processo visando à internacionalização e integração do sistema de Educação Superior da Europa, a falta de um bloco regional coeso na América Latina caracteriza-se como um entrave para uma maior cooperação regional. “NAFTA, MERCOSUL, ALCA constituem tentativas de integração comercial que ainda não se consolidaram”. (DIAS SOBRINHO, 2005, p. 211) Contudo,

5 P r ag a/20 01, B e r -lim/2003, Bergen/2005.

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essas tentativas, se ainda não consolidadas, projetam, devido aos acordos já firmados relativos à Educação Superior, um caminho já iniciado em outras regiões do globo: o da internacionalização e integração dos sistemas de educação superior.

Dinamizadores de reformas visando à internacionalização e integração dos sistemas de educação superior em seus respectivos blocos regionais, o Processo de Bolonha na Europa e a Comissão Regional Coordenadora de Educação Superior do MERCOSUL têm trilhado caminhos parecidos. Embora, atrasado no plano temporal se comparado à União Europeia, o MERCOSUL já iniciou seu processo de internacionalização e integração dos sistemas de educação superior dos países membros.

Primeiramente, o MERCOSUL, pelo Setor Educacional, reconhece a importância da criação de um espaço acadêmico regional para o processo de integração:

En el ámbito de la educación superior, la conformación de un espacio académico regional, el mejoramiento de su calidad y la formación de recursos humanos constituyen el elementos sustanciales para estimular el proceso de integración (SEM, La Educación Superior en el Sector Educativo del Mercosur).

Mais tarde, na XXXI Reunião dos Ministros da Educação dos Países do MERCOSUL, realizada em novembro de 2006, oito ministros de Estados Membros ou Estados Associados do MER-COSUL “aprovaram a criação de um grupo de alto nível com o objetivo de elaborar o projeto de um espaço regional de educação superior do MERCOSUL”. Sarti (2008, p. 7) retrata a esperança e a frustração deste projeto:

Até há pouco tempo, circulava no meio acadêmico a notícia da possível criação de uma Universidade do Mercosul. Contudo, a despeito de muitas tratativas, os governos dos países membros não chegaram a encontrar a fórmula operacional que, a curto prazo, concretizasse a idéia de uma instituição supra-nacional.

A criação da Universidade do MERCOSUL ainda não se concretizou, porém os indicativos para a integração dos sistemas de Educação Superior e da educação em zona fronteiriça são expressivos. Para dar conta da diversidade cultural e linguística latino-americana, as universidades teriam de se reposicionar de modo a oferecer a educação superior como bem público, e não como mercadoria, e como direito humano, e não como dever descaracterizador e inferiorizante.

Por objetivar a valorização da diversidade, possibilitada pelo trabalho educativo com foco nos interesses dos diversos grupos de alunos, o Ensino via Pesquisa exerce função essencial no repo-sicionamento das universidades latino-americanas frente à diver-sidade do bloco. Quando estudantes de nacionalidades distintas puderem estudar indistintamente em qualquer universidade da América Latina, quem determinará o que e como eles deverão

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aprender? Se a integração dos sistemas de Educação Superior na América Latina tiver como visão a valorização da diversidade regional e não a mercantilização do ensino, nenhum propositor de métodos e conteúdos para os cursos universitários será tão adequado quanto os próprios diversos alunos.

E por ser o método de ensino adotado pelo Projeto Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira do MERCOSUL, embrião de um modelo comum de ensino para a zona fronteiriça, a função do Ensino via Pesquisa como método de ensino para a formação dos professores na América Latina também se faz relevante. Se os professores do PEIBF são formadores para a diversidade cultural e linguística, como se formarão esses formadores? Como atestar a necessidade da valorização da diversidade cultural e linguística a não ser atestando-a na prática? Paulo Freire parecia já prever esses questionamentos atuais quando discorria sobre a coerência da prática docente, sobre a indissociabilidade entre pesquisa e ensino e sobre o saber de “experiência feito” dos alunos.

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo, educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo. (...) Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação eco-nômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza da minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser o testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste. Boniteza que dela se esvai de minha prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos, não canso de me admirar. Assim como não posso ser professor sem me achar capacitado para ensinar certo e bem os conte-údos de minha disciplina não posso, por outro lado, reduzir minha prática docente ao puro ensino daqueles conteúdos. Esse é um momento apenas de minha atividade pedagógica. Tão importante quanto ele, o ensino dos conteúdos, é o meu testemunho ético ao ensiná-lo. É a decência com que o faço. É a preparação científica revelada sem arrogância, pelo contrário, com humildade. É o respeito jamais negado ao educando, a seu saber de “experiência feito” que busco superar com ele. Tão importante quanto o ensino dos conteúdos é a minha coerência

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Gragoatá Anderson Salvaterra Magalhães

-national cases, but also the diversity between the countries themselves. That need arises from the establishment, by MERCOSUL, of some integration politics facing the education sector, covering both the Basic Education and Higher Education. Thus, the MERCOSUR Frontier Intercultural Bilingual Schools Project (PEIBF) and the thematic blocks of the Education Sector of MERCOSUR for Higher Education, namely, recognition, mobility and Inter-institutional cooperation, present themselves as instigators of reflections on how to cover classroom diversity in Latin American educational institutions of mem-ber countries. If the requirement of consideration is put, the way Education can work with and for the cultural and linguistic diversity, both in the intra and the inter-national cases, is still being defined. One of those ways is Teaching through Research. But why the Teaching through Rese-arch can be considered one of the instruments for the redefinition of the university and schools of the twenty-first century inserting them in a framework of valuing cultural and linguistic diversity? Aiming to answer this question, the work was organized to present the method “Teaching through Research” to then present two contexts in which it is adopted. One of these contexts uses the Teaching through Research for intra-national Latin American diversity, that of the native peoples. The other context encompasses the inter-national Latin American diversity, that between the MERCOSUR countries.

Keywords: Teaching through Research; MER-COSUR Frontier Intercultural Bilingual Schools Project; Indigenous Graduation; Cultural and Linguistic Diversity; Linguistic Politics.

REFERÊNCIAS

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em classe. A coerência entre o que digo, o que escrevo e o que faço.” (FREIRE, 1996, p. 115).

AbstractTo rethink the university facing to the cultural and linguistic diversity present in Latin American countries, we must consider not only intra-

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integração acadêmica. In: 29ª Reunião Anual da ANPEd, 2006, Caxambu (MG). Educação, Cultura e Conhecimento na Contempo-raneidade: desafios e compromissos. Rio de Janeiro : ANPEd, 2006.Declaração de Bolonha. Disponível em:http://www.aauab.pt/bolonha/declaracaobolonha.pdfDIAS SOBRINHO, J. Dilemas da Educação Superior no Mundo Glo-balizado. Sociedade do conhecimento ou economia do conhecimento? São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.MECyT & MEC. Programa Escolas Bilíngues de Fronteira. Buenos Aires e Brasília: 2008.OLIVEIRA, G.M. (org.) Interesse, pesquisa e ensino: uma equação para a Educação Escolar no Brasil. Florianópolis: IPOL e SME, 2004.SANTOS, B. de S. La reinvención del Estado y el Estado plurinacional. In: Revista OSAL – Observatório Social da América Latina. Ano VIII, n°22. Buenos Aires: CLACSO, 2007. Disponível em:http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal22/D22SousaSantos.pdfSANTOS, M. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2000.SARTI, I. UNILA: a ousadia de um sonho. Jornal da Ciência, Rio de Janeiro, 02 mai. 2008, p. 7.SEM. Setor Educacional do Mercosul. ATA XXXI Reunião dos Mi-nistros da Educação dos Países do Mercosul. Disponível em:http://www.sic.inep.gov.br/index.php?option=com_docman&-task=cat_view&gid=48&Itemid=32SEM. Setor Educacional do Mercosul. La Educación Superior en el Sector Educativo del Mercosur. Disponível em:http://www.sic.inep.gov.br/index.php?option=com_content&-task=blogcategory&id=19&Itemid=37THOMAZ, K.M. Política Linguística para a Integração: a experiência das Escolas Interculturais Blíngues de Fronteira do MERCOSUL. Cascavel: UNIOESTE, 2010.TONET, I. A educação numa encruzilhada. MENEZES, Ana Maria D.; FIGUEIREDO, Fábio F. (org.). In: Trabalho, sociabilidade e educação. Fortaleza: Editora UFC, 2004, v. 14, pp. 201-219.

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Política linguística para as línguas oficiais em Timor-Leste: o português

e o Tétum-PraçaDavi Borges de Albuquerque (UnB)

Kerry Taylor-Leech (Leitora em Linguística Aplicada - Griffith University)(UFS)

ResumoO presente artigo tem como objetivo analisar a política e o planejamento linguísticos para o português e o Tétum-Praça em Timor-Leste, já que ambas as línguas são asseguradas pela cons-tituição do país, que data de 2002, como línguas oficiais. Desta forma, em (2), serão discutidos o alçamento do status e do corpus do Tétum-Praça; em (3), será examinada principalmente a questão do status da língua portuguesa em território leste--timorense; e, em (4), serão elaboradas grades de análise para avaliar a eficácia do planejamento linguístico leste-timorense em diferentes momen-tos de sua história.

Palavras-chave: política linguística; planeja-mento linguístico; línguas oficiais; Timor-Leste; língua portuguesa.

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1. IntroduçãoA República Democrática de Timor-Leste é um território de

uma pequena ilha localizada no extremo sudeste asiático e próxi-mo ao norte da Austrália. Ainda, a parte oeste da ilha pertence à Indonésia, assim é o único país que Timor-Leste faz fronteira física. O país conquistou sua independência recentemente no ano de 2002, após uma dominação indonésia, marcada por extrema opressão e violência, que se iniciou em 1975 e terminou em 1999. Durante o período de 1999 até 2002, o país esteve na adminis-tração provisória da ONU (Organizações das Nações Unidas) com a missão intitulada de UNTAET (United Nations Transitional Administration in East Timor).

A constituição do ano de 2002 elegeu a língua portuguesa e a língua Tétum (na variedade chamada de Tétum-Praça1) como línguas oficiais de Timor Leste, ainda são aceitas a língua inglesa e o indonésio como línguas de trabalho. Seguem os artigos da Constituição da República Democrática de Timor-Leste:

Artigo 13.º (Línguas oficiais e línguas nacionais) 1. O tétum e o português são as línguas oficiais da

República Democrática de Timor-Leste. 2. O tétum e as outras línguas nacionais são valorizadas

e desenvolvidas pelo Estado. (...)

Artigo 159.º (Línguas de trabalho) A língua indonésia e a inglesa são línguas de trabalho

em uso na administração pública a par das línguas ofi-ciais, enquanto tal se mostrar necessário (REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE, 2002, p. 11-12/45).

Sobre as demais línguas nativas leste-timorenses, além do Artigo 13º da constituição, que decreta que “as línguas nacionais são valorizadas e desenvolvidas pelo Estado”, há informações somente no Decreto do Governo n º. 1.2004 de 14 de abril, intitulado O padrão ortográfico da língua Tétum, que regula o Tétum-Oficial e o papel do INL (Instituto Nacional de Linguística). Neste decreto, há somente duas alíneas no Artigo 4 º que dizem o seguinte:

1. O INL deve desenvolver as actividades científicas ne-cessárias à preservação e protecção das restantes línguas nacionais, trabalhando nomeadamente os respectivos padrões ortográficos.

1 Na bibliografia lin-guística, há diferentes grafias para o nome Tétum. O presente au-tor emprega com maior frequência o termo Te-tun Prasa, já que este segue a ortografia oficial da língua. No entan-to é possível encontrar também Tetum Praça e Teto Praça. Neste arti-go, optei por empregar o termo Tétum-Praça pelo fato de ser o termo usado na constituição.

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2. O trabalho de pesquisa e desenvolvimento do Tétum e restantes línguas nacionais da República Democrática de Timor-Leste deve ser conduzido em estreita coope-ração com o INL (REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE, 2004, p. 2).

Desta maneira, no presente artigo serão analisados a polí-tica e o planejamento linguísticos de Timor-Leste a respeito das línguas oficiais do país, a saber: o português e o Tétum, que além de ser língua oficial é considerada língua nacional, conforme foi apresentado acima. Serão verificados também aspectos das políticas linguísticas anteriores, e como se encontra o estado atual do planejamento linguístico leste-timorense, observando-se características de como foi alterada a ecologia das línguas em Timor-Leste. Para tanto, em (2), serão discutidos o alçamento do status e do corpus do Tétum-Praça; em (3), será avaliada princi-palmente a questão do status da língua portuguesa em território leste-timorense; e, em (4), será elaborada uma proposta tipológica para a política linguística leste-timorense.

Vale lembrar que a língua inglesa e o indonésio também possuem um papel importante na ecologia linguística atual em Timor-Leste, conforme será apenas mencionado na seção (4). Porém, uma análise específica da política e planejamentos lin-guísticos envolvendo essas línguas em território leste-timorense, assim como o impacto delas na ecologia nativa, foge do escopo deste artigo, focado nas línguas oficiais, e será reservada para um trabalho futuro.

Mapa 1: Timor Leste e suas fronteiras

(Fonte: http://www.lib.utexas.edu/maps/middle_east_and_asia/east_ti-mor_pol_03.pdf)

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2. A modificação do status e do corpus para o Tétum-PraçaNesta seção serão analisados os contextos sócio históricos

em que a língua Tétum ascendeu seu status de maneira in vivo, seguidos pelas modificações de status in vitro. Em seguida, serão apresentadas como foram feitas as alterações do corpus da língua Tétum, que foram elaboradas por planejamentos linguísticos específicos, ou seja, em situação in vitro. O status da língua por-tuguesa em Timor-Leste será discutido na seção seguinte.

Digno de nota é que a distinção de planejamento de status e planejamento de corpus, proposta elaborada por Kloss (1969) e desenvolvida por Calvet (1996), que defini status como a posição e funções de uma língua dentro de sua comunidade e corpus como o sistema linguístico, assim ‘planejamento de status’ são ações sobre a função da língua e as relações desta com as demais línguas e ‘planejamento de corpus’ são as ações sobre a forma da língua.

Antes de ser iniciada a análise desta seção, serão apontados alguns pressupostos teóricos adotados pelo presente autor. Neste trabalho, entende-se ‘política linguística’ como um conjunto das decisões em relação à língua diante da sociedade, e o ‘planeja-mento linguístico’ (fr. planification linguistique) é a aplicação das decisões da política linguística (CALVET, 1996). Esta distinção entre o conjunto de decisões políticas e a implantação delas, proposta por Calvet, também foi compartilhada por Boyer (1996) que inseriu outro conceito importante para o estudo das relações entre língua, política e sociedade ao considerar que algumas ações sociais são capazes de interferir no planejamento linguístico ou em outros campos de atuação da linguística a nível social, sendo de certa forma ‘políticas não linguísticas’. Posteriormente, Blanchet (2000) desenvolveu este conceito para sua teoria de ‘linguística de campo’ (fr. linguistique du terrain), que grosso modo equivale a distinção do in vivo, práticas sociais naturais em relação à lín-gua e seu desenvolvimento dentro de uma sociedade, e in vitro, construções políticas e artificiais para planejar a língua, proposta inicialmente por Calvet (1993) e aperfeiçoada pelo mesmo autor em Calvet (1996, 1997).

A língua Tétum formou-se por volta do século XIII a par-tir de um ancestral de origem austronésia, chamado de Proto Timórico (HULL, 2001). Os primeiros contatos com o colonizador europeu aconteceram no início do século XVI, que já encontra-ram um número alto de línguas nativas na parte leste da ilha de Timor, na época colônia portuguesa. Desta maneira, os diferentes grupos etnolinguísticos já utilizavam uma língua franca para se comunicar entre eles, que era a língua Tétum. Fox (2000) consi-dera as origens da língua Tétum como língua franca, ou língua veicular, um tanto obscuras, porém Thomaz (2002), ao realizar estudos históricos e linguísticos, considera que a língua Tétum

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vem sendo usada como língua franca em Timor-Leste desde um período anterior ao século XVII, e Albuquerque (2009), ao analisar o histórico do contato de línguas em Timor, afirma que a data provável seja o século XV.

Ainda, a língua Tétum possui duas variedades principais, conhecidas como Tétum-Praça, usada como língua franca e L1 dos habitantes da capital (distrito de Dili), e Tétum-Térik, variedade rural que conservou certas estruturas arcaizantes e é L1 de dife-rentes comunidades mais isoladas, principalmente nos distritos de Viqueque, a leste, e Suai e Bobonaro, a oeste, próximo à fronteira com a Indonésia. Assim, além de ser usada em grande maioria do país como língua franca, de acordo com diferentes censos sua taxa de veicularidade está entre 80% e 90% da população, o Tétum é L1 de diferentes comunidades, alcançando cerca de 24-30% de falantes L1 somadas as duas variedades, sendo também falada em território indonésio, próximo à fronteira leste-timorense, principalmente em Atambua2.

De acordo com o que foi apresentado anteriormente, pode-se afirmar que o Tétum alcançou o status de língua veicular (língua franca), língua de grupo e língua nacional de maneira in vivo através de processos sociais e históricos, que envolveram migrações de populações, rotas comerciais pelo sudeste asiático, e guerras e dominações entre grupos etnolinguísticos nativos3, entre os acontecimentos históricos que se destacaram foi à expansão de um reino falante de Tétum, o reino de Wehale, que dominou grande parte do território leste-timorense, chamada de ‘província dos Belos’, e impôs sua língua aos dominados (THOMAZ, 2002).

De maneira diferente, a língua Tétum foi alçada ao status de língua de religião por um processo in vivo recente: a domina-ção indonésia. Indonésia invadiu Timor Português, nome como era chamado antigamente, em 1975 e dominou o país até 1999. A política de dominação indonésia, segundo testemunhos dos próprios padres leste-timorenses em Costa (2002/2003), a igreja católica, que é a religião predominante, e seus externatos, que eram as únicas instituições de ensino ao lado de escolas militares, foram desde o início da invasão indonésia vigiada pelos militares. Posteriormente, houve um telegrama oficial da Indonésia que decretava a eliminação de tudo que tivesse berbau portugis ‘sabor português’, principalmente na educação e cultura dos cidadãos leste-timorenses (COSTA, 2002/2003). Assim, os párocos iniciaram traduções dos textos litúrgicos de português para Tétum como única alternativa para continuarem o culto católico, tornando a língua Tétum como língua de religião até a atualidade.

Em 1999, o país livrou-se da dominação indonésia e foi governado até o ano de 2002, quando finalmente tornou-se inde-pendente, por uma junta chamada de UNTAET (United Nations Transitional Administration in East Timor). Durante o período de 1999-2002, o CNRT (Conselho Nacional da Resistência Timorense)

2 Dados extraídos de National Board of Sta-tistics (2006) e Progra-ma das Nações Unidas para o Desenvolvimen-to (2002). Taylor-Leech (2009, p.14) apresenta números semelhantes, apenas com l igeiras modificações, mas que também possuem vali-dade, já que os recensea-mentos em Timor-Leste apresentam certas dis-crepâncias uns com os outros em relação a al-guns números.3 Pa ra i n for mações maiores a respeito das relações entre socieda-de, história e línguas em Timor-Leste, ver Fox (2000), Hull (2001), Tho-maz (2002) e Albuquer-que (2009).

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se reuniu e procurou discutir as diretrizes que o novo país se-guiria. Em relação à política linguística decidiu considerar todas as línguas nativas como ‘línguas nacionais’, incluindo entre elas o Tétum, conforme foi citado no início deste artigo, porém não as enumerou no documento governamental, permanecendo até a atualidade problemas a respeito do reconhecimento e diferen-ciação entre línguas e variedades. O planejamento linguístico que teve maior impacto sobre o Tétum foi o de alçá-lo ao status de língua oficial, utilizando argumentos como: a veicularidade, a maior parte da população fala o Tétum e o emprega na comu-nicação; o símbolo de resistência à Indonésia; o passado glorioso de sobrevivência ao regime português e heróis míticos ligados a esta sobrevivência; a identidade nacional, pois a língua Tétum acaba por diferenciar o povo leste-timorense dos países vizinhos.

Esse planejamento linguístico acabou por, além de alterar o status do Tétum, fazer modificações no corpus. Ainda, todas as mudanças foram elaboradas artificialmente, sendo consideradas in vitro. O órgão responsável para regular a alteração no corpus do Tétum foi o INL (Instituto Nacional de Linguística) cuja primeira tarefa foi escolher uma variedade e padronizar a ortografia. A variedade selecionada foi o Tétum-Praça falada em Dili, capital de Timor-Leste, e a ortografia foi padronizada após uma análise histórica das diferentes propostas ortográficas existentes para a língua e publicada pela instituição em INL (2002). A modificação seguinte foi efetuada no léxico da língua, já que todo o vocabulário moderno (informática, jurídico-administrativo, político, científico, tecnológico etc.) e a terminologia científica estavam ausentes. A solução encontrada foi recorrer aos empréstimos, em sua maioria de origem portuguesa, conforme o Matadalan Ortográfiku ba Te-tun-Prasa (INL, 2003) que enumerou cerca de 30.000 lexemas dos campos semânticos mais variados.

3. O status da língua portuguesaConforme foi apontado anteriormente, o colonizador portu-

guês chegou à ilha de Timor no início do século XVI, porém esta não despertou muito interesse até meados do século XVIII, quando comparadas às ilhas vizinhas, como Solor e Flores (FIGUEIREDO, 2004, p. 113). A educação, durante esse período, ficou a cargo dos frades dominicanos, que possuíam o objetivo de catequizar, além do ensino formal, e também acabavam por selecionar a maioria dos alunos a ser ensinados, sendo esta seleção preocupada em admitir nas escolas dominicanas somente os cidadãos nativos mais influentes, como: nobres e suas respectivas famílias, chefes de vilarejo, entre outros (HAJEK, 2000).

Toda a documentação, ou outras fontes, era de responsabi-lidade de funcionários da coroa portuguesa que se reportavam ao Estado da Índia, superintendência que gerenciava a capitania de Solor-Timor (FIGUEIREDO, 2004) e, consequentemente, eram

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redigidas exclusivamente em língua portuguesa. Vale lembrar que os alunos das escolas dominicanas em Timor Português, e que exerceriam futuros cargos administrativos na ilha a favor da coroa portuguesa, eram encorajados a continuar seus estudos avançados em Macau ou Goa, principalmente em relação à língua portuguesa.

Assim, o número de portugueses em Timor sempre foi baixo, ficando em torno de cem até meados do século XIX, segundo pode ser constatado em documentações existentes em Sá (1961) e Boxer (1947). Este fato é importante, pois acaba por explicar o motivo do número de leste-timorenses falantes de língua portuguesa ter se mantido baixo até a década de 1970.

Somente com modificações que ocorreram nos séculos XVIII e XIX, o sistema de educação formal foi alterado em Timor, princi-palmente com as reformas pombalinas, que marcaram a transição do absolutismo para o liberalismo, e as instituições eclesiásticas deveriam primeiramente reportar-se ao Estado. Assim, foi altera-da toda a estrutura do ensino formal, em 1879, com os seguintes documentos, que foram publicados no ano seguinte: Primeiro Relatório Apresentado à Comissão de Missões do Ultramar e Segundo Relatório Apresentado à Comissão de Missões do Ultramar. O primeiro tornava as atividades da igreja no Ultramar como subserviente ao Estado, enquanto o segundo regulava as atividades do Colégio das Missões Ultramarinas, assim como procurava resolver certos problemas, como: o número reduzido de alunos (cerca de 50) e de missionários formados anualmente (entre 6 e 7), e o ensino e estudo das línguas da região (FIGUEIREDO, 2004, p. 391).

Ainda, o Segundo Relatório Apresentado à Comissão de Missões do Ultramar afirmou que o ensino e o estudo científico das línguas nativas podem proporcionar uma aproximação maior com o povo, assim como facilitar a difusão escolar, porém o Estado deveria promover em larga escala apenas o ensino da língua portuguesa como ferramenta de assimilação social e política (CORDEIRO, s.d., p. 137).

O segundo marco para a escolarização e a retomada do en-sino de língua portuguesa foi em Timor Português a fundação do Colégio de Soibada, em 1898 (THOMAZ, 2002). Ainda, segundo Thomaz (2002), o autor informa que nos anos anteriores à invasão indonésia ocorreu aumento significativo na população falante e alfabetizada em língua portuguesa: em 1970-1971 o número de crianças em idade escolar frequentando as escolas era de 28%; já em 1972-1973 esse número subiu para 51%; e em 1973-1974, anos anteriores à invasão, o número aumentou para 77%. Em Thomaz (1994), há uma análise das estatísticas oficiais portuguesa da época que, segundo cálculos elaborados pelo autor, a parcela da população que falava a língua portuguesa no período anterior à invasão indonésia, no início da década de 1970, era em torno de 15% da população. Os números apresentados anteriormente, assim

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como os cálculos feitos pelo autor foram elaborados com base em documentos e relatórios da administração portuguesa da época.

Assim, conforme os dados históricos apresentados acima, o status da língua portuguesa manteve-se alto durante todo o período e com seu corpus diminuindo ligeiramente e mantendo-se baixo. Esse domínio do status da língua portuguesa, como a língua do colonizador, foi somente alterado devido à dominação indoné-sia, que se iniciou em 1975 e se estendeu até 1999. Neste período, Timor Timur, como passou a ser chamada pelos indonésios a parte leste da ilha de Timor, sofreu uma reviravolta no planejamento linguístico, ficando submetido, como país dominado, às decisões da Indonésia.

A Indonésia anexou Timor como sua 27ª província e impôs a língua indonésia a toda a população leste-timorense, utilizando-se das seguintes estratégias: completa reforma no ensino, eliminan-do a língua portuguesa e diminuindo o valor e importância do Tétum-Praça; havia fluxo constante de materiais didáticos em indonésio; professores e demais profissionais capacitados também foram enviados a Timor; a língua usada na administração, na escola, no comércio e meios de comunicação passou a ser o indo-nésio. Essas estratégias acabaram por formar toda uma geração de cidadãos leste-timorense sob a cultura indonésia, o que torna o processo de escolarização e inserção no mercado de trabalho atual um tanto problemático.

A língua portuguesa voltou a retomar seu status somente em tempos recentes, em 2002, com sua garantia de língua oficial na constituição. Contudo vários problemas persistem até os dias de hoje, sendo os principais: o corpus do português, ou seja, o conjunto de suas práticas linguísticas retirei a ‘,’ permanece extremamente reduzido; o status foi retomado parcialmente, já que retirei ‘a’ o Tétum-Praça também funciona como língua oficial e passa a assumir várias funções; e, ao aceitar o inglês e o indonésio como línguas de trabalho, a língua portuguesa passa a ter competição em alguns setores da sociedade e em seus respectivos usos.

4. Aplicação de uma tipologia da política linguística em Timor-Leste

Calvet (1993) afirma que somente uma definição sociolin-guística da língua é apropriada para os estudos de política linguís-tica. Desta forma, a dicotomia de status e corpus não é suficiente para descrever a realidade da língua dentro de uma sociedade. Por isso, certos conceitos desenvolvidos para a sociolinguística serviram como instrumentos de análise para a política linguística. Foi para superar tal condição que Chaudenson (1991) elaborou sua ‘grade de análise’ (fr. grille d’analyse), levando em conta diversas situações sociais e multilíngues que podem afetar a análise, assim como reformulou a dicotomia status e corpus (eixos centrais em sua grade de análise) com o corpus referindo-se a todo o conjunto

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de práticas linguísticas e o status sendo de grande importância, já que passa a ser as representações da língua dentro da sociedade.

Inicialmente, essa análise desenvolvida por Chaudenson (1991) foi aplicada para descrever as funções e os usos da língua francesa nas situações multilíngues dos países francófonos. Daí, a classificação de Calvet (1996) para esse modelo de análise de Chaudenson como ‘tipologia de situações plurilíngues’ (fr. typo-logies de situations plurilingues).

A grade de análise de Chaudenson também pode ser uti-lizada de maneira inversa, ou seja, ao invés de relacionar uma língua com vários países (o francês e os países francófonos), ela pode ser usada para relacionar as várias línguas com o país onde estas são faladas. Este é o procedimento de análise que será rea-lizado nesta seção, serão elaboradas diferentes grades de análise, contrastando o português e o Tétum-Praça, com os objetivos de: relacionar a diferença entre status e corpus de ambas as línguas; servir como uma ferramenta expositiva que visa resumir as in-formações a respeito do planejamento linguístico apresentadas nas seções anteriores, em (2) e (3); ser uma base para a avaliação do funcionamento do planejamento linguístico em Timor-Leste, verificando se este está realmente coerente com a realidade dos falantes; acompanhar as mudanças diacrônicas do português e do Tétum-Praça no decorrer dos processos sócio-históricos que marcaram o país, como a invasão indonésia (1975-1999) e a recente independência (2002).

As grades de análise, segundo Chaudenson (1991), são orga-nizadas no plano cartesiano nos eixos das abscissas (x) e coordena-das (y), enumerados de 0 a 100. O eixo x (vertical) corresponde ao status e o eixo y (horizontal) ao corpus. A numeração aplicada (de 0 a 100) recebe algumas críticas por ser um tanto arbitrária, porém há uma série de fatores que serve como base para a atribuição dos valores numéricos, são eles: oficialidade, usos institucionais, usos na educação, utilização nos meios de comunicação e o emprego nos setores secundário e terciário, para o status; apropriação lin-guística, veicularidade e vernacularidade, tipos de competência e a produção linguística, para o corpus.

Ainda, Calvet (1996) acaba por somar outras situações que podem ajudar a atribuir valores de maneira mais sistemática, são elas: considerar fatores conflituais entre as línguas, o número de falantes, dados diacrônicos em geral e a funcionalidade da língua fora do país. Outra característica também utilizada aqui para se atribuir valores foram os atributos de Fasold (1984), que analisa se a língua é: oficial, nacional, grupal, veicular, internacional, escolar e religiosa4.

Dessa forma, foram atribuídos os valores numéricos ao status e corpus do português e do Tétum-Praça, seguindo apenas o preenchimento ou não (sistema binário) de todos os atributos mencionados acima5, conforme o exemplo: língua portuguesa

4 Os valores numéricos para o status e o cor-pus foram atribuídos de acordo com a proposta de Chaudenson (2004), que procurou diminuir a arbitrariedade desses valores, apresentando critérios mais detalha-dos para a numeração.5 A i n d a , s e g u i n do os atributos de Fasold (1984), há alguns casos em que a análise não ocorre de maneira bi-nária, (+) ou (-), mas de forma ternária (+), (-) e (+ / -), de acordo com a necessidade de se apro-ximar da descrição da realidade. Como exem-plo a língua portuguesa, em relação a certos atri-butos há a seguinte enu-meração: relacionada a um passado glorioso (+ / -), considerada pelos falantes como instru-mento de unificação e diferenciação (+ / -). Estes atributos foram considerados como (+ / -) pelo fato de não ser amplamente aceito pela população, exis-tindo certa controvérsia a respeito, ou seja, não poderia ser marcado (+) nem (-), pois se estaria desconsiderando seg-mentos da população e, assim, distanciando a análise da realidade do país.

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> oficial (+), usada na educação (+), língua veicular (-), língua vernácula (-)6.

Para se verificar como evoluiu os efeitos do planejamento linguístico para as línguas português e Tétum, foi decidido reali-zar a grade de análise para três períodos distintos: Timor Português (até 1974), nome dado à colônia portuguesa; dominação indonésia, período que se estendeu de 1975, quando indonésia invadiu Timor Português, até 1999; Timor-Leste, que corresponde ao nome da nação (República Democrática de Timor-Leste) que obteve sua independência no ano de 2002.

4.1 O período do Timor PortuguêsOs portugueses chegaram a Timor no início do século XVI

e em meados deste mesmo século estabeleceram o ensino formal através de seminários dirigidos pelos padres dominicanos. Os padres objetivavam ensinar a gramática das línguas portuguesa e latina, e para a catequização dos cidadãos leste-timorenses utili-zaram também a língua Tétum, já constatada desde os primeiros documentos coloniais como língua falada por grande parte da população nativa, como exemplo Sá (1961) e Castro (1996 [1943]) listam documentos, juntamente com o nome de uma série de nomes de diferentes povos/línguas, apontando a predominância do Tétum.

O ensino foi responsabilidade dos dominicanos até início do século XVIII, quando houve a reforma pombalina, que colocou os frades sob a égide do Estado, alterando comportamento, objetivo e conteúdos a ser ensinados. Houve também uma redução no número de escolas, que aumentaram somente no final do século seguinte, com as escolas oficias que se concentraram principal-mente na capital, Dili (FIGUEIREDO, 2004).

Dessa maneira, o português em período anterior à invasão indonésia, era a língua da administração oficial, da instrução, do comércio e da religião, era também a língua usada para a comuni-cação com estrangeiros vindos de outras possessões portuguesas, principalmente Goa e Macau, e empregada nas comunicações, que eram basicamente relatórios e cartas. Assim, conclui-se que o português possuía um status alto (80) e em contrapartida um corpus baixo (20), já que era falado somente por uma pequena par-cela da população, não era língua vernácula de nenhum cidadão timorense, não era utilizada nas comunicações informais e não possuía nenhum tipo de veicularidade.

De maneira diferente, o Tétum era falado por aproxima-damente 90.000 pessoas como língua materna (MARCOS, 1995), cerca de 15% da população na década de 1970, além de funcionar como língua veicular por todo o território, conforme foi exposto anteriormente, e ser usada na fronteira com a indonésia. Ainda, o Tétum está vinculado a um passado glorioso e é um elemento da identidade timorense. Assim, seu corpus era alto (75) em relação ao seu status que era baixo (14), que basicamente era usado em alguns

6 Segundo Calvet (1996) e Fasold (1984), língua veicular pode ser defi-nida como a usada para comunicação interétni-ca, e língua vernácula é uma língua de comuni-dades específicas e que não estão representadas nas políticas oficiais.

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momentos no colégio, possuindo também alguns documentos escritos a fim de catequização.

A fig.1 abaixo explicita a relação entre o português e o Té-tum-Praça, com o português apresentando um status alto e corpus baixo, e o Tétum um corpus alto e um status baixo, características típicas de contextos coloniais ou pós-coloniais, onde a língua do colonizador é valorizada, mas pouco falada, enquanto as línguas nativas são faladas por maior parte da população, porém não são valorizadas:

Figura1: Grade do português e Tétum em Timor Português

4.2 O período indonésioO período indonésio iniciou-se em 1975 quando a indo-

nésia invadiu Timor e o anexou como 27ª província. Durante este período, a Indonésia procurou estabelecer uma dominação efetiva, para tanto optou por implantar seu sistema educacional, retirando de maneira violenta todas as influências portuguesas (a língua, o ensino, a religião católica e outros aspectos culturais) e, paulatinamente, retirou também a língua Tétum do sistema educacional, já que a língua representava um símbolo de identi-dade histórica, nacional e grupal, podendo ser usada como uma ferramenta de resistência.

A língua usada na nova administração, no ensino e em todas outras esferas sociais passou a ser o indonésio. Segundo dados de Arenas (1998), a Indonésia construiu cerca de 1000 escolas, aumentou a taxa de escolarização para 75% e possuía 200.000 alunos timorenses matriculados, além disso, havia um fluxo constante de professores indonésios capacitados, chegando a ser mais da metade dos mais de 10.000 professores em exercício em Timor. De acordo com os dados apresentados, percebe-se que a Indonésia acabou por realizar um processo eficaz de introdução do indonésio, o que prejudicou tanto o status quanto o corpus do português e do Tétum-Praça, já que ambos não possuíam espaço no planejamento linguístico da Indonésia.

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Assim, o corpus do Tétum reduziu ligeiramente, 68 (fig. 2) em comparação com os 75 anteriores (fig. 1), por deixar de ser falado por uma parcela da população, porém de maneira contraditória o status do Tétum subiu um pouco, de 14 para 20, pois apesar de perder certos atributos do status, como o ensino, a língua gan-hou importância nos movimentos nacionalistas de resistência (língua grupal, de identidade e de resistência), sendo usada pela igreja católica (língua de religião) e foi uma língua estudada em universidades indonésias por ser falada também em território indonésio, no lado oeste da ilha. Essas modificações se encontram abaixo na fig.2:Figura 2: Grade do português e Tétum-Praça no período indonésio

4.3 O período atualEm 2002, Timor tornou-se independente, sob o nome

de República Democrática de Timor-Leste, e sua constituição considera o português e o Tétum-Praça línguas oficiais. Assim, o desequilíbrio de status e corpus, causado por ações específicas durante o período indonésio, tentou ser reestabelecido pela política linguística explícita na constituição, assim como com novas ações no plano do planejamento linguístico.

Ainda, neste período, o meio ambiente linguístico leste-ti-morense sofreu a inserção de mais outro fator de peso, a língua inglesa, que foi inserida durante os anos de administração pro-visória (1999-2002), principalmente via funcionários da ONU, e que se mantém até os dias atuais. Além disso, como já foi apresentado, houve a inserção do português e do indonésio, dois elementos que causaram desequilíbrio, deixando marcas na ecologia linguística de Timor-Leste.

As modificações principais em relação ao Tétum-Praça, conforme foi analisado em (2), foram duas: um planejamento lin-guístico in vitro para aumentar o status da língua e o aumento do corpus, que ocorreu in vivo. O planejamento para aumentar a im-

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portância do status do Tétum-Praça foi o conjunto de medidas que tornaram a língua oficial, nacional, de ensino, da administração, com ortografia oficial, usada nos setores secundários e terciários, assim como em meios de comunicação em massa, principalmente rádio e TV. Em relação ao corpus, o Tétum-Praça retomou sua im-portância cultural e nacional, continuando a ser empregada como língua veicular entre os diversos grupos etnolinguísticos do país.

A língua portuguesa também retomou seu status, ao ser considerada língua oficial, de ensino, da administração, entre outros. Porém, o português perdeu certos atributos para o Tétum, como a língua de religião, além de não ser mais a única língua utilizada nos diferentes espaços sociais, já que atualmente o por-tuguês está competindo com o inglês e o indonésio em alguns órgãos governamentais, nos meios de comunicação em massa (principalmente internet, jornais impressos e livros), e nas escolas e universidade. Ainda, no âmbito oficial o português está compe-tindo constantemente com o Tétum-Praça.

A fig.3 resume as informações apresentadas acima. O status do português (72) acaba por se aproximar do Tétum (65), o que é um sinal de um bom planejamento linguístico, que valoriza a língua nativa, dispondo de um status mais equilibrado com seu corpus, no caso do Tétum, o corpus continua sendo elevado (90). Já o corpus do português, mesmo seguindo censos recentes, continua sendo reduzido (15), por ser falado por uma pequena parcela da população, não ser língua materna de nenhum leste-timorense e não possuir nenhuma função veicular.

Figura 3: Grade do português e Tétum-Praça em Timor-Leste

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5. Considerações finaisO presente trabalho analisou política e planejamento lin-

guísticos em Timor Leste, enfatizando as línguas oficiais, a saber: o português e o Tétum-Praça. Descreveu-se a situação atual de cada língua oficial no país. Na seção (2), foram analisados o corpus e o status da língua Tétum, assim como situações in vivo e in vitro que os modificaram de alguma forma. Na seção (3), uma análise semelhante foi feita para a língua portuguesa, excetuando, porém, que o status do português, como a língua do colonizador, manteve-se alto e o planejamento linguístico objetivou principalmente aumentar o corpus.

Neste artigo, elaboraram-se também grades de análise, em (4), comparando o status e o corpus do português e do Tétum-Praça em diferentes momentos da história do país, que apresentaram diferentes políticas e planejamentos linguísticos. Essas grades visam resumir todas as informações apresentadas no decorrer do artigo, assim como atribuir valores numéricos, seguindo a pro-posta de Chaudenson (2004), para ser medida a situação de cada língua no âmbito do planejamento linguístico aplicado no país.

No período de Timor Português (até 1974), o país apresentou um planejamento típico de situação colonial da língua portuguesa (língua do colonizador) com status alto e corpus baixo, enquanto o Tétum-Praça e as demais línguas nativas possuíam um status menor e um corpus maior. Tal situação foi modificada durante a dominação indonésia (1975-1999), que desestabilizou a ecologia linguística do país, tanto para o português quanto o Tétum-Praça sendo desconsiderados no planejamento linguístico. Finalmente, a partir de 2002 até os dias atuais, o planejamento linguístico vem se destacando pela tentativa de equilibrar o valor do status entre português e Tétum-Praça, procurando valorizar e manter a língua Tétum em diversas situações sociais. Porém, o que aconteceu na realidade é que a língua portuguesa acabou por perder status e corpus. Todavia, não foi a língua Tétum que preencheu o hiato deixado pelo português, mas as línguas de trabalho, o inglês e o indonésio.

Logo, é possível afirmar que a vantagem do planejamento linguístico atual foi valorizar o status do Tétum-Praça, assim como manter a importância do corpus. Porém, as desvantagens foram várias, entre elas: a língua portuguesa perdeu grande parte de seu status durante a dominação indonésia e recuperou somente uma pequena parte deste, da mesma maneira seu corpus continua a ser reduzido; outras línguas estrangeiras acabam por adquirir importância, como o inglês e o indonésio, e retirar espaços sociais da língua portuguesa, do Tétum-Praça e das demais línguas nati-vas; apesar de os documentos oficiais versarem sobre a proteção e manutenção das línguas nativas, nada é feito no nível do plane-jamento linguístico18.

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Assim, em tempos próximos esses problemas têm que ser discutidos e avaliados, pois, caso o meio ambiente linguístico de Timor-Leste permaneça dessa maneira, poderá ameaçar a so-brevivência e a manutenção da língua portuguesa e das muitas línguas nativas do país.

AbstractThis paper intends to analyze language policy and language planning for Portuguese and Tétum--Praça in Timor-Leste in view of the fact that both languages are guaranteed as official languages in the 2002 National Constitution. Hence, in (2), corpus and status planning for Tétum-Praça will be discussed, followed by the examination of the higher status that Portuguese language presents in the country, in (3). Finally, in (4), analytical grids will be elaborated to evaluate the effects of language planning in various periods in East Timorese history.

Keywords: language policy; language plan-ning; official languages; East Timor; Portuguese language.

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Representação linguística: perspectivas práticas e teóricas

Telma Pereira (UFF)Débora Costa (UFF/CAPES)

ResumoQuando indagado sobre as razões para se estudar as representações sociais, Moscovici (2010) res-pondeu que era para explorar o lado subjetivo dos fatos da realidade objetiva. Neste artigo, propo-mos uma revisão bibliográfica acerca do conceito de representações linguísticas sob a perspectiva da sociolinguística, desde sua constituição, no âmbito da psicologia social, até sua aplicação aos estudos da linguagem. Ressaltamos aqui a noção de representação linguística como um conceito coletivamente construído acerca de uma língua, marcado tanto pela prática e pela memória discur-siva de seus falantes quantopela ideologia na qual estão inseridos, ressaltando ainda sua importância para a análise das dinâmicas linguísticas.

Palavras-chave: Representação social; represen-tação linguística; atitude linguística.

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IntroduçãoO estudo das representações linguísticas nos permite com-

preender a relação que os falantes estabelecem tanto com a própria língua quanto com outras línguas. A análise das representações linguísticas se apresenta, assim, como uma forte aliada para a compreensão de questões linguísticas envolvendo a regressão/ desaparecimento de uma língua, as políticas para revitalização de línguas, segurança/insegurança linguística, bem como as abor-dagens para o ensino de línguas. É importante salientar que uma representação favorável a respeito de uma determinada língua pode, por exemplo, fazer com que, em situações de contato lin-guístico, predomine o uso desta em detrimento de outra qualquer, ou que o seu ensino-aprendizado seja mais eficaz, podendo até mesmo interferir em uma dada política linguística.

Por definição, as representações linguísticas não correspon-dem necessariamente a uma realidade objetiva, mas elas apontam na direção das práticas linguísticas, constituindo objetos discur-sivos, impregnados pelas condições nas quais foram produzidos. No âmbito dos estudos linguísticos, elas constituem um binômio interativo com as práticas linguísticas.

Para tanto, é preciso investigar como as representações se constituem? Como se transformam em senso comum? Como analisar as suas formações? Uma significação não é fixa, mas reconstrói-se através das interações humanas e pelos veículos de comunicação social.

Revisitamos neste trabalho o conceito de representação linguística e sua aplicação no campo dos estudos da linguagem no Brasil.

Representação social e representação linguísticaA sociologia possui uma questão essencial que é entender

como um grupo de indivíduos pode formar uma sociedade. Para analisar essa construção coletiva de significados, a psicologia social utilizou a noção de “representação social”, que pode assu-mir várias formas, como o estereótipo, por exemplo. Uma visão estereotipada surge de uma formulação pré-construída, estocada na memória de uma comunidade.

A partir da psicologia social o conceito de representação social ganha uma teorização a partir dos trabalhos de Serge Moscovici, e aprofundada por Denise Jodelet (2001). Em sua obra La Psychanalyse, sonimage, sonpublic, publicada em 1961, Moscovici reformula o conceito de “representação coletiva”, proposto por Durkheim (1973), e apresenta a formação das representações como um processo fruto das interações socioculturais.

Moscovici (2010, p. 29) estabelece três grandes planos na gênese das representações sociais: o plano individual, o plano interindividual e o plano social. Assim, segundo Moscovici (1961), as representações sociais possuem três dimensões : um nível de informação que o indivíduo possui no interior de seu(s) grupo(s) à respeito de um dado objeto,uma dimensão estrutural que são as

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formas pelas quais as representações são organizadas e uma di-mensão atitudinal, que é uma forma avaliativa em relação ao objeto da representação. Para esse autor, as representações são passarelas entre o mundo individual e o mundo social.

Quando confrontado com o real, o sujeito o reconstrói, re-modela mentalmente esse objeto, categorizando suas informações, dando à realidade uma significação concreta. Essa transmissão se dá em um grupamento social, sendo essencial à comunicação entre os membros do grupo assegurando uma conivência inicial, que não precisa ser reconstruída a todo momento (CAVALLI; COLETTA, 2003, p. 17).

Os estudos que levam em conta indivíduos, línguas e seu uso tiveram início nos anos de 1960, sob a ótica da atitude lin-guística. Esta é definida como uma disposição a reagir de ma-neira favorável ou não a um dado objeto, no caso, a uma língua. Especialistas em aprendizagem têm a representação como um conceito fundamental e, por isso, aprofundam esta noção para uma perspectiva didática.

O fato é que a noção de representação está cada vez mais ligada aos estudos linguísticos, tratando da representação que os locutores fazem acerca das línguas, de suas normas, de suas carac-terísticas, ou de seus status face às outras línguas, influenciando as estratégias que envolvem o uso e o aprendizado. (CASTELLOTTI; MOORE, 2002, p. 9).

A adoção do conceito de representação pelo viés da linguís-tica ocorreu, principalmente, a partir dos trabalhos de Wallace Lambert e de seu grupo de colaboradores, em 1960. O estudo desenvolvido no âmbito da psicologia. O trabalho desenvolvido por esse grupo tinha como objetivo medir o status das línguas inglesa e francesa, em Montreal, no Canadá. Para esse trabalho, eles desenvolveram uma técnica largamente utilizada e adaptada até hoje nos estudos envolvendo atitude e representação linguís-tica: a técnica do matched-guise.

A técnica do matched-guise consistia em pedir que os sujei-tos escutassem uma gravação com falantes dessas línguas. Em seguida, perguntava-se a esses sujeitos o que eles achavam das pessoas que tinham escutado na gravação e solicitava-se que os sujeitos avaliassem essas pessoas através do uso de adjetivos como “educado”, “ambicioso” “gentil” ou “solidário”. Os resultados des-sa pesquisa mostraram que tanto os falantes de inglês como de francês não tinha uma imagem positiva dos francófonos.

Ao comentar essa técnica, Fasold (1984, p. 158) destaca as seguintes contribuições dos estudos sobre atitudes linguísticas: a importância social da linguagem; contribui para a definição de uma comunidade de fala e para a explicação da mudança e manutenção linguística; atua nas questões aplicadas ao campo da comunicação intergrupo, planejamento linguístico e educação.

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Posteriormente, utilizando a mesma técnica, Anisfeld e Lambert (1964) realizaram uma pesquisa sobre a atitude linguís-tica das crianças em Montreal. A conclusão foi que as crianças bilíngues possuíam menos estereótipos que as crianças monolín-gues em relação aos falantes do inglês e do francês. Além disso, em relação ao grupo linguístico ao qual pertenciam, as crianças demonstraram possuir uma avaliação mais positiva que aquela expressa pelos adultos.

A construção das representações linguísticas ocorre geral-mente em uma matriz ideológica cujo modelo pode determinar, por exemplo, uma variante linguística como legítima, ou privile-giar um dialeto dotando a variante regional de um status superior aos das demais variantes, ou ainda basear-se na ideologia do monolinguismo, calcado na fórmula uma língua/uma nação, que caracterizou políticas linguísticas de vários países, inclusive o Brasil, em sua relação com as línguas indígenas e as línguas dos imigrantes que aqui se estabeleceram como nos mostram os trabalhos de Mariani (2004), Oliveira (2003), entre outros.

Atitudes ou representaçãoMuitos autores, como Dominique Lafontaine (1997), Céci-

leCanut (1998) e Marie-Louise Moreau (1997), procuram distin-guir os conceitos de atitude, de imaginário e de representação linguística. É consenso entre os linguistas a definição de atitude linguística como a manifestação de preferências e convenções sociais acerca do status e prestígio de seus usuários. Geralmente, os grupos sociais de maior prestígio social norteiam as atitudes linguísticas das comunidades de fala. Segundo Moreno Fernández (1998, p. 179), a atitude linguística é a manifestação da atitude social dos indivíduos, identificada por centrar-se e referir-se tanto à língua como ao uso que dela se faz em sociedade.

Em seu estudo sobre manutenção e mudança linguísticas Fishman (1995) aponta três categorias básicas de atitudes linguís-ticas: condutas de atitude afetiva (lealdade, antipatia...), atuação condutiva explícita (controle e regularização do uso de hábitos linguísticos mediante o reforço, a planificação, a proibição...) e as condutas cognitivas (consciência linguística, conhecimento lin-guístico, percepções grupais relacionadas com a língua...). Essas categorias servem para definir a atitude dos sujeitos diante das línguas.

Houdebine-Gravaud (2008) ao tratar do conceito de ima-ginários linguísticos discute a ideia de sentimentos linguísticos sobre as línguas, sobre a valorização e a desvalorização das formas linguísticas, sem negligenciar a relação das representações com as práticas linguísticas.

Calvet (2000, p. 158) propõe diferentes categorias para tra-tar da representação: práticas e representações, em que as práticas representam o que os locutores produzem, enquanto as represen-

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tações dizem respeito ao modo com que os falantes pensam as suas práticas, como eles se situam em relação aos demais. Para o autor, as representações estariam mais ligadas às funções de-sempenhadas pelas línguas. No entanto, o autor não estabelece uma diferença marcante entre os conceitos de representação e de atitude linguística.

Brunetiere e Guellouz (2008, p. 7-9) afirmam que o modelo do imaginário linguístico permite a classificação e a hierarqui-zação dos discursos a respeito da língua, através de diferentes categorias, denominadas normas. As normas subjetivas são, de fato, o local onde se encontra o imaginário linguístico. Entre ficção e prescrição, os sujeitos revelam, por meio da linguagem, suas relações com a língua e o mundo. Ainda de acordo com os autores, as mudanças discursivas, operadas pelas mudanças so-ciopolíticas, determinam as visões que temos do mundo. Nesse sentido, uma representação social típica apontada por Bagno (1999) é que há uma língua portuguesa autêntica, pura, e que no Brasil só se fala essa língua. O domínio ou não da norma culta aparece diretamente relacionado ao prestígio ou ao desprestígio linguístico. A ideia em questão está fortemente enraizada nos sistemas educacionais e no senso comum dos brasileiros, mas é ideologicamente construída. Essas asserções são profundamente apoiadas em representações linguísticas.

Houdebine-Gravaud (2008, p. 17-19) salienta que todo o reen-contro de um falante com a sua própria fala, com a sua língua, é difícil, inseguro e de culpa. Para a linguista, esse fato aponta para diversas questões de investigação: os fenômenos são de que ordem? Atitude, representação, sentimento, afeto... Que incidência eles podem ter sobre a fala do sujeito? Eles afetam globalmente o seu discurso, agindo na sua e nas outras línguas, ou apenas em certos níveis, como pronúncia, vocabulário? Que influências po-dem ter sobre a dinâmica linguística ou sobre idiomas diversos?

Na relação entre representação e prática, não sabemos quem influencia mais a outra, mas sabemos que estão em constante interação. Petitjean (2009, p. 60) define a representação linguís-tica como uma representação social da língua relacionada a um conjunto de conhecimentos não científicos, socialmente elaborados e compartilhados. A autora observa dois níveis de representação linguística: um exterior à língua (a representação do falante em relação à uma outra língua), e outro interno (a representação do falante em relação à sua própria língua).

O trabalho da linguista CécilePetitjean (2009) é atualmente um dos mais completos no que concerne à definição do conceito de representação linguística. A autora faz um extenso trabalho acerca dos temas congêneres à representação para, em seguida, abordar uma situação de plurilinguismo em duas comunidades francófonas na periferia das cidades de Marseille, na França, e de Lausane, na Suíça.

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No Brasil, ao realizarmos uma busca virtual nos bancos de teses e dissertações, observamos que o termo atitude recobre mais os estudos que tratam da representação linguística no sentido dado pela psicologia social e pela sociolinguística europeia.

No próximo tópico, selecionamos alguns trabalhos na área de contato linguístico, ensino de línguas e de política linguística para ilustrar a importância e aplicabilidade do conceito de repre-sentação linguística. Veremos que muitos desses autores também estipulam uma separação rígida entre atitude e representação.

Observando a realidade objetivaQuando indagado sobre as razões para se estudar as re-

presentações sociais, Moscovici respondeu que era para explorar o lado subjetivo dos fatos da realidade objetiva. Atualmente, re-presentação linguística e atitude linguística são palavras-chave recorrentes em inúmeros trabalhos na área da sociolinguística no Brasil, sobretudo a partir do século XXI.

Observamos que, ao analisar as representações, esses tra-balhos apontaram a necessidade em aprofundar questões tais como: políticas linguísticas, preconceito linguístico, identidade linguística, revitalização linguística, entre outros. Observamos que o interesse por tais questões derivaram, frequentemente, dos trabalhos de campo realizados para coleta de dados.

Nesses trabalhos, como fundamentação teórica em comum, ressaltamos os nomes dos seguintes autores: Serge Moscovici, Joshua Fishman, Wallace Lambert, WilliamLabov, Pierre Bour-dieu, Louis-Jean Calvet. Quanto à metodologia adotada por essas pesquisas, a grande maioria é predominantemente qualitativa de cunho etnográfico, e utiliza como instrumentos de pesquisas na coleta de dados a técnica do matched-guise, desenvolvida por Lambert (1966), além da aplicação de questionário e de entrevistas.

Figueiredo (2003) lança mão da técnica do matched-guise, desenvolvida por Lambert em pesquisas sobre atitudes linguísti-cas no Canadá, e a utiliza para analisar as atitudes de um grupo de estudantes brasileiros de ensino médio com relação a falantes de alemão, inglês, espanhol, francês e português. Os resultados dessa pesquisa sugerem que todas as línguas estrangeiras pes-quisadas neste estudo tiveram uma avaliação mais alta em termos de status e solidariedade em comparação ao idioma português.

Partindo do pressuposto que, além da variedade linguística, diferenças culturais justificam as maneiras de socialização dos grupos que investigou, Barbosa (2004) investigou as atitudes lin-guísticas de brasileiros e colombianos bilíngues em português e em espanhol, habitantes da região urbana de Tabatinga, no lado brasileiro, e de Letícia, no lado colombiano. Segundo a autora, as atitudes estudadas referem-se basicamente ao sentido de estética de cada idioma; à importância que possuem essas línguas para

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os sujeitos de cada nacionalidade; à preferência que cada grupo nacional expressa sobre o português e o espanhol e à consciência sobre quem fala melhor.

Bergamaschi (2006) investigou as atitudes linguísticas dos falantes em relação às variedades linguísticas utilizadas na Re-gião Administrativa de Galópolis, pertencente ao Município de Caxias do Sul e situada na Região de Colonização Italiana do Rio Grande do Sul – RCI. As duas comunidades escolhidas para a realização da pesquisa foram a Sede de Galópolis (zona urbana) e a Comunidade de Santo Antão na Terceira Légua (zona rural). Ao observar que na fala dos moradores das duas comunidades havia ocorrências de três variedades linguísticas: português padrão, dialeto italiano e português com interferências do dialeto italiano, a pesquisadora analisou as atitudes linguísticas de prestígio ou desprestígio – preconceito ou estigma – dos falantes em relação às variedades linguísticas existentes nas localidades. O questionário utilizado pela pesquisadora encontra-se em anexo.

Roncarati (2008) aborda a definição de prestígio e de sua contraparte, o preconceito linguístico, baseada na visão laboviana e nos dados da tese de doutorado de Lucia Furtado de Mendonça Cyranka que ela orientou, em 2007: Atitudes lingüísticas de alunos de escolas públicas de Juiz de Fora - MG.

Roncarati (2008, p. 48) salienta que, no âmbito dos estudos sobre mudança linguística, não é possível discutir preconceito e prestígio linguísticos e temas a eles afetos (atitudes, crenças, imaginários linguísticos), sem se levar em conta um dos pilares sustentadores da inquirição sociolinguística sobre a variação e a mudança linguística: o problema da avaliação linguística.

Por seu turno, Cyranka e Roncarati (2009) ressaltam que os professores de língua materna ainda têm dificuldade em in-corporar os avanços dos estudos linguísticos as suas práticas de trabalho em sala de aula. E as autoras acrescentam:

Nesse sentido, compreender as atitudes linguísticas, isto é, investigar como os usuários avaliam a variedade utilizada por eles próprios, por seus interlocutores e pela escola, tendo em vista os traços correlacionados com sua posição social, ou ainda com as práticas de oralidade e letramento, pode abrir caminho para, entre outros, possibilitar a otimização da aprendizagem escolar e motivar o desenvolvimento de competências linguísticas, dentro de uma visão mais ecológica no ensino de língua (CYANKA, RONCARATI, 2009: p.20).

Garcia (2009) discute o papel das atitudes linguísticas na manutenção ou não da primeira língua e/ou do bilinguismo em comunidades indígenas bilíngues. A autora analisa algumas das atitudes linguísticas da comunidade Terena de Ipegue, localizada no município de Aquidauana (MS), com a língua de contato (o português). Garcia (2009, p.115) observa que

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os julgamentos negativos da comunidade majoritária para com a língua Terena são interiorizados pela maioria da população de Ipegue. Conforme as entrevistas nos trabalhos de campo, a comunidade Ipegue é vista como mais “civilizada” do que as demais comunidades da mesma reserva, em razão do uso da língua Portuguesa (GARCIA, 2009, p. 115).

Na região de fronteira norte do Brasil, Calvet (2009) e Pereira (2009) analisaram as representações linguísticas da população na fronteira Oiapoque-Saint George, na Guiana Francesa. Os autores já haviam realizado uma pesquisa piloto sobre represen-tação das línguas estrangeiras junto a um público de diferentes universidades no Rio de Janeiro. Calvet (2009) analisa a relação entre margem e periferia a partir da dinâmica linguística naquela região de fronteira, de suas práticas e atitudes linguísticas. Pereira (2009) destaca a inversão do valor das representações em relação às línguas, considerando as diferenças dos contextos investiga-dos, tanto do ponto de vista sociocultural quanto econômico. O questionário utilizado nas pesquisas foi adaptado posteriormente por Espírito Santo (2009) e Costa (2011), em anexo.

Considerando que os critérios que levam o governo a le-gislar sobre o ensino de algumas línguas estrangeiras e os que levam as instituições privadas a oferecer outras línguas podem ter alguma relação com as motivações dos estudantes ao optarem por aprender esses idiomas, contudo, essa relação não é obriga-toriamente direta, unilateral ou verdadeira, Costa (2011) realizou uma pesquisa sobre representação linguística sobre as línguas estrangeiras ensinadas em dois colégios de aplicação no Rio de Janeiro (CAp-UERJ e CAp-UFRJ). A autora investigou as seguintes questões: a) Quais são as representações linguísticas dos alunos em relação às línguas estrangeiras? b) Quais são as motivações dos alunos ao escolherem determinada(s) língua(s) estrangeira(s) em sua escola? e c) Qual o peso das políticas linguísticas vigentes nesse processo de escolha?

Silva Junior (2011) investigou o contato linguístico entre a língua portuguesa e a língua tikuna entrecruzando os conceitos de identidade, representações linguísticas e política linguística. Um dos aportes desse trabalho é fornecer subsídios que tornem mais eficazes as práticas pedagógicas para o ensino da língua materna e do português como L2.

Não é o nosso propósito aqui estabelecer uma lista exaustiva sobre os trabalhos que tratam do tema atitude e representação linguística no Brasil. Selecionamos apenas algumas das inúmeras pesquisas com o objetivo de ilustrar a importância do tema para a sociolinguística no país. O Projeto crenças e atitudes linguísticas: um estudo da relação do português com línguas de contato, coordenado pela Prof.ª Aparecida FeolaSella e desenvolvida pela ProfªVanderci de Andrade Aguilera em conjunto com docentes da UNIOESTE,

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UEL, UEPG e UEM, é um bom exemplo para por em evidência a aplicação desse conceito nos estudos linguísticos.

Dentre os objetivos previstos por esse projeto interinstitucio-nal, destacamos: compor um banco de dados orais, compartilhado, relativos à consciência, crença e atitudes linguísticas; descrever a crença e as atitudes linguísticas de falantes; brasileiros naturais de comunidades fronteiriças e de imigração em relação à língua materna, à segunda língua e/ou à língua de contato; analisar dados sobre manifestações linguísticas indicativas da cultura da região de fronteira e de contato; identificar fatores decorrentes da crença linguística que conduzem à atitudes negativas em relação à língua e ao grupo do outro.

Apresentamos, em anexo, alguns dos questionários utili-zados nas pesquisas supracitadas para que sirvam de inspiração na definição dos instrumentos de pesquisas de futuros trabalhos envolvendo o tema representação/atitude linguística.

Considerações FinaisA divulgação de pesquisas relacionadas ao tema atitude ou

representação linguística nos permite avançar na compreensão das situações de contato linguístico, de mudanças de código ou alternância de línguas e nos sentimentos de segurança ou inse-gurança linguística dos falantes. É importante lembrar que no caso das políticas linguísticas voltadas para a manutenção das línguas o seu sucesso depende, entre outros fatores, do prestígio social da língua e de seu grupo de falantes, e que o desapareci-mento de uma língua pode estar menos associado à dominação de uma língua que às escolhas feitas pelos falantes em termos de que línguas vão transmitir aos filhos.

Essas pesquisas permitem ainda que os direitos linguísticos dos falantes tenham mais visibilidade e que o Estado cumpra o seu dever ao propor políticas educacionais que promovam o respeito à diversidade linguística.

Como pudemos observar os trabalhos aqui apresentados, dentre tantos outros possivelmente em desenvolvimento, abor -dam questões pertinentes à linguística tendo como um dos prin-cipais fatores de análise as atitudes/representações linguísticas. Em outras palavras, o tema atitude linguística foi relacionado às línguas em contato nas regiões de fronteiras, às línguas de comu-nidades de imigrantes, às línguas indígenas, ao ensino de língua materna e de línguas estrangeiras.

Essas pesquisas têm ainda o mérito de fazer investigações e coleta de dados a partir de trabalhos de campo. Ora, sabemos que esse tipo de trabalho é fundamental para a formação dos linguistas. Ele permite que conheçamos na prática aquilo que embasa nossas teorias, que tenhamos um contato direto com as comunidades linguísticas pesquisadas, e que tenhamos uma visão

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crítica das situações linguísticas. Além disso, esse tipo de trabalho abre novas perspectivas para outras abordagens que não estavam necessariamente delineadas no início da pesquisa.

Finalmente, tratando-se de um tema imbuído de subjetivi-dade, não basta elencar as representações acerca das línguas em uma dada comunidade; a análise dos dados requer uma visão holística dos fatos, daí a natureza transdisciplinar dos estudos sobre atitudes linguísticas.

AbstractWhen asked about the reasons for studying so-cial representation, Moscovici (2010) answered that it was in order to explore the subjective side of facts of objective reality. In this paper, we propose a literature review concerning the concept of linguistic representations, in the soci-olinguistics perspective, since its creation, in the social psychology, to its application to studies of language. We emphasize the notion of linguistic representation as a concept collectively built around a language, characterized by the practice and the discursive memory of its speakers, as well as the ideology in which they belong, emphasiz-ing its importance for the analysis of linguistics dynamics.

Keywords:Social representation; linguisticre-presentation; linguisticattitudes

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guês-tikuna. Dissertação de mestrado apresentada ao programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, UFF, 2011.

ANEXOS

1. Questionário utilizado por M. C. Z BERGAMASCHI (2006)

Atitudes linguísticasConcordo plenamente –concordo -nem concordo nem dis-cordo- discordo - discordo totalmente1. Esta pessoa que você ouviu é inteligente2. Esta pessoa que você ouviu é feia.3. Esta pessoa que você ouviu sente vergonha de falar as-sim.4. Esta pessoa que você ouviu é estudada.5. Esta pessoa que você ouviu sofre preconceito social.6. Esta pessoa que você ouviu sente orgulho de falar assim.7. Esta pessoa que você ouviu é atrasada.8. Esta pessoa que você ouviu é grossa.9. Esta pessoa que você ouviu é trabalhadora.10. Esta pessoa que você ouviu é um típico morador da co-lônia.11. Esta pessoa que você ouviu vive na cidade.12. Esta pessoa que você ouviu segue a igreja católica, é praticante e temente a Deus.13. Esta pessoa que você ouviu tem respeito à família, aos pais e irmãos mais velhos.14. Esta pessoa que você ouviu foi orientada a trabalhar.15. Esta pessoa que você ouviu dá importância ao trabalho como forma de vencer na vida.16. Esta pessoa que você ouviu ajuda os outros quando precisam.17. Esta pessoa que você ouviu engana os outros.18. Esta pessoa que você ouviu dá valor aos ensinamentos dos pais.19. Esta pessoa que você ouviu é de confiança.20. Esta pessoa que você ouviu exerce a profissão de

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2. Questionário proposto por: V. A. AGUILERA (2007)

PROJETO CRENÇAS E ATITUDES LINGÜÍSTICAS: UM ESTUDO DA RELAÇÃO DO PORTUGUÊS

COM LÍNGUAS DE CONTATOEntrevistadora: _______________________Data: __________Informante:___________________ nº ____ Idade: _____anosEscolaridade: _______________________________________Natural de _________________________________________. Veio para M. C. Rondon com ____ anos.Naturalidade dos pais: _______________________________1. - Que língua você fala?2. - Quando você era criança, em que língua seus pais

falavam com você?3. - Quando você era criança, em que língua seus avós

falavam com você?4. - Quando você era criança, em que língua você falava

com seus pais e avós?5. - Aqui em Marechal Rondon existem pessoas que falam

diferente de você?6. - Que língua(s) fala(m) os que falam diferente aqui?

(espanhol argentino, espanhol paraguaio, italiano, alemão).

7. Poderia dar um exemplo do espanhol argentino?8. - Poderia dar um exemplo do espanhol paraguaio?9. - Poderia dar um exemplo do alemão?10. - Poderia dar um exemplo do italiano?11. - Comparando essas línguas: argentino, paraguaio,

italiano e alemão, quem fala melhor? Por quê?12. - E quem fala pior? Por quê?13. - Em que lugares você ouve esta(s) língua(s) ou

modo(s) de falar diferente(s)?14. Quando você se aproxima dos paraguaios, eles

costumam parar de conversar entre eles, ou continuam?

15. E os argentinos, costumam parar de conversar entre eles, ou continuam?

16. E os alemães, costumam parar de conversar entre eles, ou continuam?

17. E os italianos, costumam parar de conversar entre eles, ou continuam?

18. Falam melhor os que falam o português ou os que falam essas línguas estrangeiras de que falamos?

19. Essas línguas são feias ou bonitas?

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20. Qual é a mais bonita?21. E a mais feia?22. Você acha que deveria ser proibido o uso dessas

línguas em lugares públicosaqui em Marechal Rondon?23. Na igreja ou no templo, o sacerdote, pastor ou

palestrante deveria falar tambémnessa(s) língua(s)? Em qual /quais delas? Por quê?24. A escola deveria ensinar essas línguas que você ouve

aqui? Qual delas? Porquê?25. Você gostaria de aprender a falar alguma dessas

línguas estrangeiras faladasaqui? Qual delas? Por quê?26. Você estudou ou fala alguma dessas línguas? Qual?

Onde aprendeu?27. Se você fosse comprar uma casa num bairro onde só

morassem argentinos, vocêcompraria?28. E se lá só morassem paraguaios, você compraria?29. E se lá só morassem alemães, você compraria assim

mesmo?30. E se lá morassem apenas italianos, você compraria

assim mesmo?31. Você tem amigos argentinos? Como começou esta

amizade?32. Você tem amigos paraguaios? Como começou esta

amizade?33. E amigos alemães? Como começou esta amizade?34. E amigos italianos? Como começou esta amizade?35. Com qual deles você sente que a amizade é mais

sincera? Por quê?36. Com qual deles você sente que a amizade é falsa ou

interesseira? Por quê?37. Você já teve algum desentendimento ou briga com

algum deles? Por quemotivo?38. Você namoraria ou se casaria com um(a) argentino (a)?

Por quê?39. E com um(a) paraguaio (a)? Por quê?40. E com um(a) alemão (ã) Por quê?41. E com um(a) italiano (a)? Por quê?42. Se precisasse de um médico ou dentista procuraria um

argentino? Por quê?

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Gragoatá Telma Pereira, Débora Costa

43. E um médico ou dentista paraguaio? Por quê?44. E um médico ou dentista alemão? Por quê?45. E um médico ou dentista italiano? Por quê?46. Sobre essa multiplicidade de línguas que você ouve

aqui em Marechal Rondon,gostaria de falar mais alguma coisa que eu não tenha

perguntado?47. Você permite que eu use em meu trabalho o que

falamos aqui?

3. Questionário utilizado por: T.PEREIRA (2009) Questionário sociolinguístico

Escola __________________________________Série _________ Data _________________________________________________Sexo: ( ) feminino ( ) masculinoLugar de nascimento:Do alunoDo paiDa mãeOutro responsável

Qual a língua materna :Do alunoDo paiDa mãeOutro responsável

4. Em que língua ( s ) você(s) fala(am):Em casaCom amigosNo comércio

Se você fala mais de uma língua , em que circunstância você aprendeu a outra língua?Em casa, você tem acesso a jornais, revistas e a programa de TV e rádio em que línguas ?( ) Francês ( ) Português ( ) Inglês ( ) Crioulo ( ) Patuá ( ) Espanhol

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Representação linguística: perspectivas práticas e teóricas

Niterói, n. 32, p. 171-188, 1. sem. 2012 187

Quais línguas você estuda na escola?Quais línguas você gostaria de aprender? Por quê ?Quais língua(s) você acha mais bonita?Quais língua(s) você acha mais útil?Quais língua(s) você acha mais fácil?Quais línguas você considera mais difícil?Além do português, quais língua(s) são faladas no Brasil?Há regiões no Brasil em que se fale mais de uma língua? Quais regiões?.Que línguas são faladas na América do Sul?

4. Questionário utilizado por D. COSTA (2011)

Enquete sociolinguísticaAlunos do 1º Ano do Ensino Médio dos CAp

Escola: ____________________________________________

Sexo: M( ) F ( )Idade: NacionalidadeDo aluno Do pai do alunoDa mãe do aluno

Naturalidade Do aluno Do pai do aluno:Da mãe do aluno:Bairro onde mora:__________________________________

1. Quais línguas estrangeiras você estudou na escola?( ) alemão ( ) espanhol ( ) francês ( ) inglês ( ) italiano ( ) outras:

2. Quais línguas estrangeiras você estuda atualmente na escola?( ) alemão ( ) espanhol ( ) francês ( ) inglês ( ) italiano ( ) outras:

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Gragoatá Telma Pereira, Débora Costa

3. Por que você optou por essa língua estrangeira no Ensino Médio?

4. Você estuda alguma língua estrangeira fora da escola? Qual?

5. Você gostaria de aprender outras línguas estrangeiras? quais?

6. Qual língua você acha mais bonita?

7. Qual língua você acha mais útil?

8. Qual língua você acha mais fácil?

9. Qual língua você acha mais difícil?

10. Além do português, quais línguas são faladas no Brasil?

11. Que línguas são faladas na América do Sul?

12. Que idiomas você costuma utilizar nas seguintes situa-ções:- redes sociais: - pesquisas escolares:- programas de TV: - ouvir música:- viagens:- entre familiares e amigos:

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Um lugar de representação pela língua: o programa

de leitorado do Ministério das Relações Exteriores brasileiro1

Leandro Rodrigues Alves Diniz (UNILA / UNICAMP)

ResumoA partir do quadro teórico-metodológico da His-tória das Ideias Linguísticas, na sua relação com a Análise do Discurso materialista, analisamos alguns aspectos relativos à política linguística exterior brasileira, especificamente, o imaginário que significa o leitor do Ministério das Relações Exteriores, oficialmente definido como “o profes-sor universitário, de nacionalidade brasileira, que se dedica ao ensino da língua portuguesa falada no Brasil, e da cultura e da literatura nacionais em instituições universitárias estrangeiras” (BRASIL, 2006). É possível observar uma hete-rogeneidade em seu campo de atuação, indicativa do fato de que os leitorados estão subordinados antes às instituições estrangeiras do que ao Es-tado brasileiro. Além disso, os leitores tendem a ser significados como representantes do Brasil, a despeito de uma polêmica sobre o que / quem devem representar. Constrói-se, assim, através da língua nacional, enquanto signo da cultura brasileira, um lugar de representação cultural e/ou diplomática do Brasil.

Palavras-chave: português como língua es-trangeira; política linguística exterior brasileira; leitorado

1 Este artigo retoma algumas das discussões feitas em minha pesquisa de doutorado (DINIZ, no prelo), desenvolvida na Uni-versidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob orientação da Profa. Dra. Mónica G. Zoppi--Fontana e co-orientação da Profa. Dra. Matilde V. R. Scara-mucci. Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela bolsa concedida entre setembro de 2008 e agosto de 2010 (pro-cesso no. 07/59045-2). Agrade-ço, ainda, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que me possibilitou realizar um estágio de doutorado na Université Sorbonne Nouvelle – Paris III, entre setembro de 2010 e março de 2011 (processo no. 2026-10-4).

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Gragoatá Leandro Rodrigues Alves Diniz

IntroduçãoA política linguística exterior do Estado brasileiro tem sido

levada a cabo, essencialmente, pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE). Dentre as ações do primeiro, destaca-se a criação do Certificado de Proficiência e Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras), aplicado, em 2011, em cerca de 20 centros no Brasil e 45 no exterior, espalhados por mais de 25 países (BRASIL, 2011). O MRE, por sua vez, atua na promoção do português através da Rede Brasileira de Ensino no Exterior (RBEx), composta por Centros Culturais Brasileiros, Institutos Culturais Bilaterais e leitorados brasileiros. A RBEx é, atualmente, subordinada à Divisão de Promoção da Língua Portuguesa (DPLP), que, por sua vez, pertence ao Departamento Cultural do Itamaraty.

No presente artigo, objetivamos analisar, especificamente, a rede de leitorado, que, conforme apresentação disponível no site do MRE2, “reúne professores especialistas em língua portugue-sa, literatura e cultura brasileiras, que atuam em conceituadas universidades estrangeiras”3. Os primeiros leitorados brasileiros, segundo Silva e Gunnewiek (1992), foram criados na França e Inglaterra, na década de 1960. Essa modalidade de difusão do português tem crescido significativamente nos últimos anos: em 2004, a RBEx contava com 32 leitores; em 2011, com 68. Ainda conforme dados disponíveis no site do Itamaraty, 64 instituições estrangeiras, presentes em 41 países, contavam, em dezembro de 2011, com pelo menos um leitor do MRE, atendendo a mais de 3600 alunos.

O exercício da atividade de leitorado, de acordo com a por-taria que atualmente regulamenta o programa (BRASIL, 2006), é de dois anos, podendo ser prorrogado uma única vez, por igual período. A seleção dos leitores, feita por meio da análise dos cur-rículos dos candidatos, é de responsabilidade de três entidades, a saber: o MRE, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/MEC) e a instituição estrangeira. Ao longo deste artigo, analisaremos, especificamente, os discursos que, historicamente, significam a figura do leitor, a fim de melhor compreender o funcionamento dessa vertente da política linguís-tica exterior do Estado brasileiro.

Inicialmente, apresentaremos brevemente nosso quadro teórico-metodológico de referência: o da História das Ideias Lin-guísticas, na sua relação com a Análise do Discurso materialista. Passaremos, então, à discussão do imaginário sobre o leitor, atentando, inicialmente, para um pré-requisito indispensável para assumir tal função – a nacionalidade brasileira –, indicativo de que o leitor é significado como um representante (diplomá-tico) do Brasil. Uma vez mostrada a diversidade de atividades desenvolvidas pelo leitor – que podem estar muito além daquelas

2 C f. <ht t p://w w w.dc.mre.gov.br/lingua--e-literatura>. Acesso em 21 nov. 2011.3 Cf.: <ht tp://www.dc.mre.gov.br/outras--noticias/conheca-o-de-partamento-cultural>, especificamente, o link “leitorados” da seção “língua e literatura”. Acesso em: 01 dez. 2011.

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previstas na portaria de 2006 –, chamaremos a atenção para uma polêmica em torno do que / de quem o leitor deve representar. Argumentaremos, porém, que, a despeito dessa polêmica, o leitor é, invariavelmente, significado como um representante cultural do Brasil. Por fim, apresentaremos, em nossas considerações finais, as principais conclusões que nosso percurso permite sustentar, sublinhando a relação indissociável entre o imaginário sobre o leitor e a história da construção da língua nacional brasileira.

1. Considerações teórico-metodológicasNosso estudo tem como referencial teórico-metodológico

um novo campo de conhecimento, fundado na França na década de 80 – a História das Ciências da Linguagem –, que se consolidou no Brasil sob o nome de História das Ideias Linguísticas (HIL). Tal domínio se interessa pelas diferentes formas de constituição do saber metalinguístico ao longo da história, não se restringindo, portanto, àqueles desenvolvidos na chamada Linguística mo-derna. Nas palavras de Auroux (1992, p. 13), “Seja a linguagem humana, tal como ela se realizou na diversidade das línguas; saberes se constituíram a seu respeito; este é nosso objeto”. Um conceito fundamental nesse campo é o de gramatização, definido como “o processo que conduz a descrever e a instrumentar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda hoje os pilares de nosso saber metalingüístico: a gramática e o dicionário” (ibi-dem, p. 65). Nessa perspectiva, a gramática e o dicionário, longe de serem uma mera descrição ou representação das línguas, são instrumentos linguísticos, que mudam os espaços-tempos “Assim como as estradas, os canais, as estradas-de-ferro e os meios de transporte, a gramatização modificou profundamente a ecologia da comunicação e o estudo do patrimônio lingüístico da huma-nidade”, afirma Auroux (ibidem, p. 70), que lembra, por exemplo, que as línguas pouco ou menos instrumentalizadas foram mais expostas ao “linguicídio”, voluntário ou não.

Ainda que assuma esse princípio de trabalho proposto por Auroux, bem como o conceito de gramatização, a HIL no Brasil guarda suas especificidades em relação à maneira como a área se desenvolveu na França, como podemos observar a partir da seguinte formulação de Guimarães e Orlandi (1996, p. 14):

Além da produção de um conhecimento específico ne-cessário ao domínio lingüístico, importa conhecer o modo de formulação da língua nacional e o de constituição de um saber metalinguístico para melhor compreender a variada natureza dos objetos simbólicos que estão envolvidos na formação de um país como o Brasil. É da produção desses objetos e da relação estabelecida pelos sujeitos com essa produção que resultam os sentidos atribuídos ao país, assim como aqueles que dão sentidos a esses sujeitos enquanto eles se definem em relação ao seu país,

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Gragoatá Leandro Rodrigues Alves Diniz

nas formas que a política das relações sociais significar nessa sua história, seja como súditos, seja como escravos, seja como cidadãos.

Assim, os estudos brasileiros no campo da HIL, que estabe-lecem uma forte relação com a Análise do Discurso materialista, concebem a história da produção e circulação de um saber me-talinguístico como indissociável da história da construção da língua nacional brasileira. A fim de investigar a maneira como o processo de instrumentalização do português participa da constituição dos Estados e identidades nacionais, estudam-se não apenas gramáticas e dicionários, mas também currículos, programas de ensino, vocabulários, acordos ortográficos, dentre outros instrumentos (cf. ORLANDI, 2001). Observa-se, portanto, uma ampliação do conceito de gramatização, que passa a se referir às diversas instâncias de instrumentalização de uma língua, para além da gramática e do dicionário. Além disso, a HIL no Brasil procura pensar a relação desse processo de gramatização com as instituições responsáveis pela sua produção e/ou circulação: academias, centros de pesquisa, colégios, associações científicas, imprensa, dentre outras. No presente artigo, concentramo-nos na aparelhagem institucional que participa da gramatização do portu-guês como língua estrangeira, através da análise dos leitorados, que desempenham um papel importante na produção e circula-ção, fora do Brasil, de saberes sobre “a língua portuguesa, a cultura e a literatura nacionais”, para recuperar as palavras utilizadas no site do Itamaraty, anteriormente citadas.

Para o desenvolvimento de nosso estudo, tivemos, como corpus de pesquisa, os seguintes materiais, dentre outros: (i) por-tarias, editais e outros textos jurídicos referentes ao programa de leitorado; (ii) textos escritos por ex-leitores; (iii) e-mails relativos aos leitorados disponíveis no Intradocs, um sistema que armazena mensagens eletrônicas do Itamaraty enviadas após 1995, ao qual tivemos acesso em pesquisa de campo realizada na Coordenação de Documentação Diplomática (CDO) do MRE, em Brasília. Além disso, fazem parte de nosso corpus materiais de natureza experimental, a saber, entrevistas feitas com ex-leitores e com diplomatas do Itamaraty.

2. Um pré-requisito necessário: a nacionalidade brasileiraA Portaria nº. 1 de 20 de março de 2006 (BRASIL, 2006), que

rege atualmente o programa de leitorado, define, em seu artigo primeiro, “o leitor brasileiro como o professor universitário, de nacionalidade brasileira, que se dedica ao ensino da língua por-tuguesa falada no Brasil, e da cultura e da literatura nacionais em instituições universitárias estrangeiras”. O fato de que esse artigo procure definir a categoria de “leitor brasileiro” indica, possivelmente, que, embora os primeiros leitorados tenham sido criados na década de 1960, ainda havia, em 2006, uma necessidade institucional de normatizar essa função, contendo, de alguma

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forma, a deriva dos sentidos que a significam. Com efeito, nossas análises mostram que a figura do leitor é construída por diferentes sentidos, que estabelecem, inclusive, relações de polêmica entre si.

Observemos, inicialmente, que a expressão “o leitor brasilei-ro” é determinada pelo sintagma “de nacionalidade brasileira”, o que pode produzir um efeito tautológico. Afinal, um leitor brasilei-ro não teria, logicamente, nacionalidade brasileira? Se colocarmos em relação o artigo 1º da portaria de 2006 com o correspondente na portaria que, até esse ano, regulamentava o programa de leitorado (BRASIL, 1999)4, podemos perceber um movimento no sentido de caracterizar o leitor do Itamaraty pela nacionalidade brasileira:

O MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIO-RES, no uso de suas atribuições, RESOLVE:

Art. 1º Leitor5 é o professor universitário que se dedica ao ensino do idioma português falado no Brasil, da cultura e da literatura brasileiras e como tal reconhecido por instituições universitárias estrangeiras e pelo Departa-mento Cultural do Ministério das Relações Exteriores (BRASIL, 1999).

Está em jogo, portanto, uma nova determinação que, a partir da portaria de 2006, passa a caracterizar, juridicamente, o leitor: esse deve ser de nacionalidade brasileira. Embora não tenhamos conhecimento de estrangeiros que, antes da portaria de 2006, tenham sido leitores do Itamaraty, essa modificação explicita uma característica que figura entre os poucos pré-requisitos estabe-lecidos pela portaria para o preenchimento do cargo de leitor: a nacionalidade brasileira. Elimina-se, assim, uma possibilidade de interpretação aberta pelo artigo 1º da portaria de 1999: a de que não-brasileiros possam ser leitores do MRE.

O texto da portaria de 2006 permite, ainda, inferir dois outros pré-requisitos. O primeiro deles é o de que o leitor tenha formação universitária, já que ele leciona em universidades; o segundo, de que ele conheça “a língua portuguesa falada no Bra-sil”, bem como “a literatura e cultura nacionais”. Cabe destacar, entretanto, que o primeiro desses pré-requisitos não foi, ao longo da história dos leitorados, indispensável para o preenchimento do cargo, já que, conforme informações dadas por (ex-) leitores, houve, antes da portaria de 1999, casos de leitores que não tinham formação universitária, mas que assumiam seus postos devido a indicações políticas. O segundo pré-requisito, por sua vez, parece, em certa medida, derivado daquela que representa a condição inexorável do leitor do Itamaraty: a nacionalidade brasileira. De-vido ao próprio funcionamento do Estado Nacional – para cuja articulação simbólica a língua nacional desempenha um papel central –, define-se o leitor não por qualquer língua praticada no Brasil, mas sim pela “língua portuguesa falada no Brasil”. Em outras palavras, é inconcebível um leitor do MRE que se dedique

4 Portaria n.º 2, de 29 de março de 1999, pu-blicada pela Divisão de Programas de Divulga-ção Cultural do MRE e revogada pela portaria de 2006.5 A mudança na desig-nação “leitor”, no artigo 1º da portaria de 1999, para “leitor brasileiro”, empregada na portaria de 2006, faz um ajuste técnico no texto, na me-dida em que há leitores de outros países, como os “Lektoren” do Ins-tituto Goëthe, que, por intermédio do DAAD (Deutscher Akademis-cher Austauschdienst – Serviço Alemão de In-tercâmbio Acadêmico), atuam em universida-des do Brasil e de outros países.

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ao ensino de outras línguas que não essa. Dessa forma, o principal pré-requisito necessário para assumir o cargo de leitor é a naciona-lidade brasileira – e o conhecimento da “língua portuguesa falada no Brasil, e da cultura e literatura nacionais”, que, historicamente, aparece vinculado à constituição da nacionalidade. As demais características do leitor explicitadas na definição – ser professor universitário e dedicar-se às atividades de docência mencionadas no artigo 1º – incidem apenas sobre o trabalho desenvolvido, e não sobre outros pré-requisitos (por exemplo, de ordem acadêmica ou profissional) necessários para ocupar a função.

Colocamo-nos, então, a seguinte questão: que elementos da memória discursiva sustentam a exigência de que o leitor seja brasileiro? Para respondermos a essa pergunta, destaquemos, em primeiro lugar, que, embora a atividade do estrangeiro no Brasil sofra algumas restrições, conforme o artigo 106 do Estatuto do Estrangeiro (BRASIL, 1981), o artigo 207, parágrafo 1º, da Consti-tuição Federal de 1988, incluído pela Emenda Constitucional nº. 11 (idem, 1996), estabelece que “é facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei”. O leitor não é, portanto, significado da mesma forma que outros cargos de docência universitária. Se assim fosse, estrangeiros com formação em língua portuguesa, literatura e cultura brasileiras – que, por vezes, ministram disciplinas nessas áreas, em cursos de graduação e pós-graduação no Brasil – poderiam assumir a função de leitor.

É preciso lembrar, ainda, que, conforme o parágrafo 3º do artigo 12º da Constituição Federal de 1988 (idem, 1988), alguns cargos são privativos de brasileiro nato; dentre eles, os da carreira diplomática. Tal fato nos parece particularmente importante para compreender as razões pelas quais o leitor deve ter nacionalidade brasileira. Enquanto função estabelecida no seio do Itamaraty, o leitor é caracterizado como um representante do Brasil, que, portanto, deve, necessariamente, ser brasileiro, assim como os membros da carreira diplomática. No entanto, à diferença destes, o leitor pode ser naturalizado, o que não invalida nossa hipótese de que ele seja significado, quanto à sua função, como um repre-sentante diplomático, já que, conforme o artigo 12, § 2º da Consti-tuição de 1988, são vedadas distinções entre brasileiros natos e naturalizados, exceto para os cargos previstos nessa legislação.

No recorte abaixo, referente a uma entrevista que fizemos com a Profa. Dra. Ester Mirian Scarpa, leitora no King’s College (Londres) entre setembro de 2003 e agosto de 20096, o leitor tam-bém é caracterizado como um representante diplomático:

eu acho que de fato os leitores têm que... não pode ser um cargo vitalício... não pode ser... [...] você manda daqui... a pessoa é mandada daqui pra uma missão... diplomática...

6 Entrevista realizada em Campinas, em 03 de maio de 2010. Agra-decemos à professora pela gentileza com que nos concedeu esta en-trevista e autorizou sua publicação.

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Um lugar de representação pela língua: o programa de eleitorado do Ministério das Relações Exteriores brasileiro

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Além da designação “missão diplomática”, destacamos o uso da voz passiva (“a pessoa é mandada daqui...”), que reformula uma oração na voz ativa (“você manda daqui”). Não se trata, portanto, simplesmente, de uma iniciativa individual, mas de uma “missão” determinada por um agente que, embora não apareça explicitado no recorte acima, podemos inferir: o Itamaraty, enquanto célula do Estado brasileiro.

3. Um cargo heterogêneoA portaria Interministerial de 20 de março de 2006 estabe-

lece, em seu primeiro artigo, anteriormente transcrito, que o leitor “se dedica ao ensino da língua portuguesa falada no Brasil, e da cultura e da literatura nacionais em instituições universitárias estrangeiras” (BRASIL, 2006). Na prática, porém, sua atuação pode abranger diversas outras atividades (didáticas ou não) além das mencionadas na portaria, como indicam os perfis dos leitores especificados por cada universidade nos anexos dos editais de leitorado da CAPES. É possível perceber uma grande heteroge-neidade nas atividades desenvolvidas pelos leitores, que podem compreender não apenas aulas de língua portuguesa, literatura e cultura brasileiras, como prevê a portaria, mas também de história, linguística, tradução, teoria literária e literatura de países africanos de língua portuguesa. Em alguns casos, o leitor ministra cursos de formação continuada de professores, elabora materiais didáti-cos para atividades presenciais ou a distância, orienta trabalhos acadêmicos e/ou aplica o exame de proficiência Celpe-Bras.

Além disso, o próprio espaço de atuação desse profissional não se restringe àquele previsto na portaria, uma vez que alguns leitores atuam em Embaixadas ou Centros Culturais Brasileiros, ao mesmo tempo em que desenvolvem suas atividades nas uni-versidades. Há, ainda, casos de leitores que não trabalham em instituições de ensino superior. No primeiro semestre de 2008, por exemplo, foi aberta uma vaga para um leitor que trabalharia não em uma universidade da África do Sul, mas no atual Centro Cultural Brasil-África do Sul, enquanto, no segundo semestre de 2010, selecionaram-se leitores para atuar na Universidade de Cabo Verde e no Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), subordinado à Comunidade dos Países de Língua Portu-guesa (CPLP). Frequentemente, os leitores tornam-se diretores ou coordenadores desses centros, assumindo, portanto, atividades que estão muito além da docência propriamente dita, como dire-ção, coordenação ou mesmo administração e gestão.

Essa grande heterogeneidade parece evidenciar que o lei-torado está subordinado antes à instituição estrangeira do que ao Itamaraty, que interfere pouco ou nada na determinação dos perfis dos leitores que preencherão as diferentes vagas. A diver-sidade das atividades desenvolvidas pelos leitores é, todavia, ainda maior do que uma análise dos perfis disponibilizados nos

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editais da CAPES nos leva a perceber. Os leitores chegam, em alguns casos, a ser concebidos como adidos culturais, conforme argumentaremos a seguir.

4. Um representante culturalDiscutimos, na seção anterior, que um pré-requisito funda-

mental para o exercício do leitorado é a nacionalidade brasileira, defendendo a hipótese de que essa exigência sinaliza uma filiação a sentidos que constroem para o leitor o lugar de um representante (diplomático) do Brasil. Na presente seção, gostaríamos de destacar que, em alguns casos, a identificação do leitor como um represen-tante do Brasil é tão forte que ele chega a se caracterizar ou ser caracterizado como um membro da Embaixada – especificamente, como um adido ou attaché cultural. Vejamos, nesse sentido, como o leitor aparece significado na mensagem abaixo, enviada em 09 de fevereiro de 2004 pelo então Embaixador brasileiro em Acra (Gana)7, Paulo Americo V. Wolowski, e destinada à DPLP, Divisão da África I (DAF I) e Divisão de Temas Educacionais (DCE).

Como ficara acertado durante a visita do Professor Marco Aurélio Schaumloeffel à Brasil House em novembro de 2003, iniciaram-se, com sucesso, na 4a feira, dia 4, os chamados En-contros Culturais, que acontecerão quinzenalmente, entre o representante da Embaixada, isto é, o Leitor brasileiro junto ao Instituto Ganense de Línguas da Universidade de Gana/Legon e o povo brasileiro-ganense dos Tabom.

[…] Pessoalmente, creio que com os mencionados encontros solidifica-se o que sempre pretendi com relação à família brasileiro-ganense, isto é, institucionalizar os desejados e necessários vínculos entre a Embaixada e o clã, como por exemplo quando compareci à coroação do presente Mantse Nii Azumah Nelson, distanciando a relação bilateral de aspectos de ordem pessoal ou paternalista. [...]

Por outro lado, folgo ao ver quão necessária era a presença de um Leitor nesta Embaixada. Além das aulas regulares de por-tuguês e civilização brasileira no IGL, o Professor Schaumloe-ffel, como já informei, mantém curso compacto de introdução ao idioma português para os estudantes ganenses seleciona-dos ao PEC-G/2004, através do qual é possível a Embaixada rever sua seleção inicial, além do que comparece a eventos de ordem cultural, representante da Embaixada, aos quais tendo em conta seja a diminuta lotação desta Missão (só um diplomata), seja o excesso de atividades de ordem diversa (política, social, comercial, etc) fora da Embaixada que devo, primordialmente, comparecer, esta Missão diplomática não se faria presente [grifos nossos].

Os encontros culturais organizados por Schaumloeffel, en-tão leitor em Acra (Gana), permitem, conforme o recorte acima, “institucionalizar os desejados e necessários vínculos entre a Embaixada e o clã”. Além disso, os benefícios que as atividades do

7Despacho telegráfico n.º 00094, a que tivemos acesso através do In-tradocs, anteriormente mencionado.

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leitor podem trazer, em termos de relação bilateral, chegam a ser equiparados aos de atividades do Embaixador, como a presença deste último na cerimônia de coroação do chefe (Mantse) da co-munidade dos Tabom8, Nii Azumah V. A imagem que se constitui, então, para o leitor é a de um membro da Missão Diplomática, que, enquanto tal, pode, inclusive, representá-la em eventos culturais em que o Embaixador esteja ausente.

Todavia, é importante observar, tendo em vista o jogo de projeções imaginárias que, segundo Pêcheux (1997), preside a troca de palavras, que a denotação da expressão nominal “o re-presentante da Embaixada” não é evidente, segundo a imagem que, por antecipação, o sujeito-locutor faz da imagem do referente para o sujeito-interlocutor. O sentido desse sintagma é “ajustado” através do uso do operador “ou seja”, que introduz uma nova de-signação: “Leitor brasileiro junto ao Instituto Ganense de Línguas da Universidade de Gana/Legon”. Tal fato é indicativo de que a função de leitor não está diretamente associada à de representante da Embaixada, nem mesmo para os membros da DPLP, DAF I e DCE, destinatários do telegrama. Independentemente disso, interessa-nos destacar que a imagem que se constrói em relação ao leitor é a daquele que pode inclusive representar a Embaixada. Semelhantemente, Gohn (2006), ex-leitor na Índia, caracteriza os leitores como profissionais que podem fazer as vezes de um adido cultural, em benefício da diplomacia cultural brasileira:

[Somos] o único país latino-americano a ter leitorado na Ín-dia, em Delhi e em Goa. Esse fato [...] dá algumas vantagens estratégicas para iniciativas de diplomacia cultural, uma vez que a Embaixada pode contar com o leitor para atividades que seriam normalmente próprias de um adido cultural [grifo nosso].

Entretanto, alguns, como Serravalle de Sá, leitor na Univer-sidade de Manchester (Inglaterra) entre 2007 e 2010, discordam de semelhante visão, afirmando que as atividades do leitor devem se restringir ao âmbito acadêmico.

Acredita-se que o trabalho do Leitor consiste em, obviamente, disseminar a língua portuguesa na variante brasileira. Além disso, caberia ao Leitor organizar simpósios, eventos culturais e literários, promover mostras de cinema nacional, divulgar o exame CELPE-Bras (exame de proficiência do português brasileiro) e trabalhar para a consolidação do Leitorado bra-sileiro dentro da sua instituição e no mundo. Não se nega que o cargo de Leitor é um instrumento de política cultural, mas se crê que cabe apenas à Embaixada ser o representante oficial para informações e assessoria sobre o Brasil, junto à mídia ou Foreign Office. O Leitor não deveria querer ser adido cultural, pois seu âmbito de atuação é o acadêmico (SERRAVALLE DE SÁ, 2009, p. 36) [grifo nosso].

8Segundo informações do próprio ex-leitor em Gana, Schaumloeffel (2005), os Tabom são uma comunidade de descendentes de es-cravos que voltaram do Brasil, chegando a Acra no ano de 1836. A designação “o povo brasileiro-ganense”, em-pregada no telegrama, faz referência ao modo como, conforme o autor (ibidem), os Tabom se auto-denominam ao se apresentarem.

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O recorte acima dá indícios de uma polêmica, na medida em que nega o discurso do outro. A fim de ilustrar esse funcio-namento, contrapomos, no quadro abaixo, alguns enunciados:

Posição Discursiva 1 Posição Discursiva 2

“A Embaixada pode contar com o leitor para atividades que se-riam normalmente próprias de um adido cultural” (GOHN, 2006)

“[...] o Leitor não deveria querer ser um adido cultural, pois seu âmbito de atuação é o acadê-mico.” (SERRAVALLE DE SÁ, 2009, p. 36)

“[O leitor] comparece a eventos de ordem cultural, representan-te [representando] a Embaixa-da” (telegrama do Embaixador Wolowski, anteriormente apre-sentado)

“Cabe apenas à Embaixada ser o representante oficial para in-formações e assessoria sobre o Brasil, junto à mídia ou Foreign Office” (SERRAVALLE DE SÁ, loc. cit.)

Tendo em vista a análise do funcionamento discursivo da negação proposta por Indursky (1997), poderíamos afirmar que o enunciado “O leitor não deveria querer ser um adido cultural” é “dividido”, para usar o termo de Courtine (1982, p. 254-262), uma vez que, sob sua aparente unidade, veicula diferentes posições-su-jeito. Na primeira delas, concebe-se o leitor como um representante da Embaixada brasileira, que pode assumir atividades típicas de um adido cultural. Na segunda posição, por outro lado, recusa-se semelhante perspectiva, restringindo o trabalho do leitor à esfera acadêmica.

O emprego do operador argumentativo “apenas” no enun-ciado “Cabe apenas à Embaixada ser o representante oficial para informações e assessoria sobre o Brasil, junto à mídia ou Foreign Office” também dá indícios dessa polêmica, uma vez que nega uma formulação de outra posição discursiva: “Os leitores também podem ser representantes oficiais para informações e assessoria sobre o Brasil, junto à mídia ou Foreign Office”. Com efeito, no enunciado retirado do telegrama do Embaixador Wolowski, anteriormente reproduzido, está posta a possibilidade de o leitor representar a Embaixada em eventos culturais. Semelhantemente, no recorte a seguir, referente à entrevista com Scarpa, ex-leitora em Londres, o leitor é caracterizado como “porta-voz” do Brasil junto à mídia, em um evento como o Ano do Brasil na Inglaterra, em 2004:

houve o Ano do Brasil na Inglaterra... no ano seguinte foi na França... BBC vai procurar quem? vai entrevistar... vai ser o porta-voz... o leitor de onde? do leitorado em Londres que mais... que tem o contato mais... mais íntimo... com a Embai-

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xada... que é o King’s College... tô lá eu sendo entrevistada...

Está em questão, portanto, o espaço de atuação dos leitores. Para a posição a partir da qual enuncia Serravalle de Sá, esse es-paço se restringe ao âmbito acadêmico. Segundo outra posição, entretanto, há outros espaços de atuação do leitor, conforme o seguinte recorte da entrevista com Scarpa:

Entrevistador: e... você acha que as atividades... as atividades do leitor deveriam estar restritas ao âmbito universitário... à docência?

Entrevistada: não necessariamente... não... fica mais fácil né? essa divulgação... normalmente são espaços mais óbvios... mas não necessariamente... eu acho que os CEBs [Centros de Estudos Brasileiros] fazem... um papel excelente... em Londres tinha dois... um deles era o... BCA... Brazilian Contemporary Art... que era uma espécie de CEB... local... [...] lá por exemplo seria um espaço que poderia ter leitor... só que o leitorado é algo normalmente caro... então eles mandam o leitor pra onde tem uma certa visibilidade... e o leitor tem também... veja... além de dar aula... tem esse papel de ser um representante sim cultural do seu país lá... eu falei... nós somos procurados pra várias coisas... uma vez procuraram pra... pra... pra correção... foi pra... acho que foi pra correção...não foi elaboração... mas poderia ser elaboração... das provas de português dos diploma-tas britânicos que queriam vir servir o Brasil... enfim... a coisa mais óbvia é... bom ensino de português brasileiro onde tem? tem tem muito brasileiro dando aula de português... muito muito curso... espontâneo... informal... muitos professores... muitos eh muitas pessoas que dão aula de português brasilei-ro... muitas pessoas... digamos físicas dando aula de português brasileiro... professores particulares etc... as escolas agora... têm algumas têm assessoria... tem essas firmazinhas de assessoria de língua... que oferecem então... o professor brasileiro vai na casa de alguém... e nós sempre somos procurados... conhece alguém que... tem que fazer um... uma tradução... não sei o quê... quer dizer... hoje em dia há outros espaços né? sociais... mercadológicos... ou públicos enfim... desse trabalho... que o Brasil é muito mais visível... muito mais visível... muito mais gente quer aprender português brasileiro... mas o o... a ligação mais óbvia é a do leitor... é a do leitor... é o representante do país lá...

Na perspectiva de Scarpa, os leitores poderiam desenvolver suas atividades em Centros de Estudos Brasileiros9 em vez de universidades. Este ponto nos parece, entretanto, de menor im-portância na análise da polêmica em questão, na medida em que esses centros também desenvolvem algumas atividades de caráter mais acadêmico. Afirmaríamos, inclusive, que, possivelmente, esse ponto de vista também seria expresso pela posição-sujeito aqui exemplificada pelos enunciados de Serravalle de Sá. O que nos parece particularmente interessante é a imagem do leitor enquanto um representante cultural do Brasil no exterior, construída na fala

9 Os CEBs de que fala Scarpa, neste momento da entrevista, não são os Centros de Estudos Brasileiros (atualmente Centros Culturais Bra-sileiros) ligados ao Ita-maraty, mas sim insti-tuições estrangeiras que se dedicam a pesquisas e eventos relacionados à cultura brasileira.

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de Scarpa. A esse respeito, cabe observar que, no enunciado “além de dar aula... tem esse papel de ser um representante sim cultural do seu país lá...”, o emprego do operador argumentativo “além de” articula dois elementos de uma mesma escala argumentativa (cf. GUIMARÃES, 1987), de forma que as atividades de docência e de representação cultural são significadas como tendo o mesmo valor. É devido a essa imagem que, segundo Scarpa, se procuram os leitores – e não outras pessoas (físicas ou jurídicas) que, cada vez mais, se ocupam de atividades relacionadas ao ensino de português – para a realização de determinados trabalhos, como a correção de provas de português feitas por diplomatas britânicos.

Dessa forma, segundo a posição da última entrevistada, o espaço de atuação do leitor não é apenas aquele de natureza acadêmica, como as universidades e os CEBs, mas se estende, no limite, ao próprio país em que o leitor se encontra. Nesse sentido, podemos atentar para o uso do advérbio “lá” em “tem esse papel de ser um representante sim cultural do seu país lá...” e “é o represen-tante do país lá...”, que amplia sobremaneira o espaço de atuação do leitor, tornando-o, em certa medida, difuso. Não deixa de ser interessante o deslize entre o uso do artigo indefinido e definido nesses enunciados, o que, no fim do recorte, reforça a imagem do leitor enquanto representante cultural do Brasil: não se trata de um dentre outros representantes, mas do representante, considerado a “ligação mais óbvia” entre o Brasil e, no caso, a Grã-Bretanha.

Embora possamos, portanto, identificar duas posições dis-cursivas relativas à maneira como a figura do leitor é significada, ambas caracterizam o cargo do leitor como relacionado à política cultural, conforme podemos observar através dos seguintes re-cortes:

Narra-se aqui um relato da experiência do autor como um agente de diplomacia cultural (GOHN, 2006) [grifo nosso].

Este artigo faz considerações sobre a política linguística do governo brasileiro à luz do programa de Leitorado em Manchester (Inglaterra). O que se oferece é um depoimento da experiência do autor enquanto um agente dessa política cultural. Reflete-se aqui sobre questões em torno da política linguística cultural brasileira e do ensino de português como língua estrangeira. (SERRAVALLE DE SÁ, 2009, p. 31) [grifo nosso].

No texto de Serravalle de Sá (ibidem), encontramos, inclusive, uma negação que parece refutar um simulacro que poderia ser construído pelo discurso do outro: o de que se opor à atuação do leitor enquanto adido cultural implique negar que ele seja um instrumento da política cultural brasileira.

Não se nega que o cargo de Leitor é um instrumento de po-lítica cultural, mas se crê que cabe apenas à Embaixada ser o representante oficial para informações e assessoria sobre o Bra-

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sil, junto à mídia ou Foreign Office (ibidem, p. 36) [grifo nosso].

Cabe atentar para o fato de que, no recorte anterior, se recusa ao leitor o papel de representante oficial do Brasil – mas não o de representante do Brasil. Com efeito, ao argumentar que as condições oferecidas para os leitores são inferiores a outras bolsas subsidia-das por agências de fomento, Serravalle de Sá chega a afirmar inclusive que o leitor brasileiro é um cargo de representação – e, nesse sentido, não faz número com um bolsista de doutorado pleno no exterior da CAPES:

Tal falta de “isonomia” é difícil de compreender, pois o Leitor brasileiro é um cargo representativo, responsável por minis-trar aulas e pela divulgação da cultura brasileira no exterior coisa que o bolsista CAPES não tem a obrigação de fazer (ibi-dem, p. 33) [grifo nosso].

A polêmica incide, portanto, não sobre o fato de o leitor ser ou não um cargo de representação cultural – há um consenso entre as diferentes posições discursivas a esse respeito –, mas sobre o que / quem o leitor deve representar. Especificamente, existe uma polê-mica sobre a imagem do leitor enquanto representante do Estado brasileiro – razão pela qual se recusa, na posição de Serravalle de Sá, a ideia de que esse profissional seja um adido cultural –, mas não sobre sua imagem de representante da cultura brasileira. O recorte abaixo, feito em uma entrevista que realizamos com um diplomata do Itamaraty10, é particularmente elucidativo a esse respeito.

eu acho que idealmente ele [o leitor] deveria ser uma espécie de... eh de adido cultural... [segmento ininteligível] ou algo parecido com isso... no sentido de... é que adido cultural pode passar a impressão de que é um representante do Estado né? a gente manda sempre os diplomatas... mas tem também o adido militar... que é das Forças Armadas... o adido policial... que é policial... o adido... por aí vai... e ele... ele tá lá represen-tando o Governo... ele é pago pelo governo... o leitor também tá representando o Governo mas digo...

De maneira semelhante ao que observamos na análise da mensagem do ex-Embaixador em Gana, Wolowski, a designação “adido cultural” é representada como “imperfeita” para qualifi-car a atividade do leitor, como sinalizam algumas expressões de modalização autonímica (AUTHIER-REVUZ, 1998): “eu acho que idealmente ele deveria ser uma espécie de... eh de adido cultural... [segmento ininteligível] ou algo parecido com isso”. Na sequência desse enunciado, o dizer continua voltando-se para si próprio (cf. “no sentido de...”), sinalizando uma falha entre a palavra e a coisa (cf. “é que adido cultural pode passar a impressão de que é um representante do Estado né?”). Elimina-se, assim, um sentido inoportuno que poderia ser favorecido pelo emprego da expressão “adido cultural” como forma de qualificar o leitor. O

10 Entrevista realizada em Brasília, em 24 de março de 2010, com um diplomata brasileiro que preferiu não ser identifi-cado.

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fato de que essa designação seja, sistematicamente, caracterizada como “imperfeita” na entrevista com o diplomata é compreensível se tivermos em vista que, a partir da posição ele enuncia, não é possível defender a legitimidade de representação do Estado bra-sileiro por uma pessoa não instituída formalmente como tal pelo Instituto Rio Branco. Esse sentido insiste, entretanto, em retornar no fio do discurso (cf. “o leitor também tá representando o Gover-no”), mas se observa, logo em seguida, uma inversão na direção argumentativa, através do operador “mas”, e uma nova operação de fixação semântica, sinalizada por “digo”. Significa-se, então, o leitor como “um representante da... da sociedade brasileira... do povo brasileiro... portanto da cultura... da civilização...”, conforme podemos observar na continuação da entrevista:

acho que a ideia principal é que ele seja um... um representante da... da sociedade brasileira... do povo brasileiro... portanto da cultura... da civilização... e acho que isso tem que fazer sim... entendeu?... varia... alguns acham isso menos ou mais impor-tante mas... mas acho que o leitor não deveria ser APENAS um professor de... de língua... ou que seja... de língua e civilização...

Estabelece-se, no recorte anterior, uma escala de valores, em que a atuação do leitor enquanto um professor de língua ocupa um lugar de menor importância quando comparado ao trabalho enquanto docente de língua e civilização, conforme sinaliza o ope-rador argumentativo “que seja”. O valor máximo do trabalho do leitor seria atingido nos casos em que sua atuação se aproxima da de um adido cultural, como indica o início da resposta do entrevistado, anteriormente transcrito: “eu acho que idealmente ele deveria ser uma espécie de... eh de adido cultural...”.

Na continuação da entrevista, o emprego do verbo “saber” dá indícios de um pré-construído que, justamente, está em fun-cionamento nos diferentes discursos sobre o papel do leitor: o de que esse representa o Brasil e o seu povo, sendo-lhes um “avatar”, sobretudo em países onde há poucos brasileiros.

acho que ele tinha que saber que ele tá lá representando... o Brasil como um todo... que as pessoas vão ver nele um... uma pequena imagem... um avatar do que é o Brasil... do povo... as pessoas não vão olhar pra ele e olhar o governo... [segmento ininteligível]... ... as pessoas vão ver nele e imaginar o povo por trás dele... ainda mais... em lugares onde há poucos bra-sileiros... como o Vietnã... talvez a França isso não seja tão forte... mas em países onde há poucos brasileiros... acho que esse papel de... adido entre aspas... da sociedade pelo menos... se torna mais importante... acho que isso deveria ser feito sim...

Ao ser comparado a um avatar, o leitor é significado meto-nimicamente, já que seu trabalho garantiria a presença do Brasil em outro Estado Nacional. Ratifica-se, então, que o leitor é uma “pequena imagem” do povo brasileiro, razão pela qual se afirma que ele tem o papel de um adido cultural. Cabe observar, porém,

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que, através da oralização de um sinal tipicamente gráfico – as aspas –, a designação “adido cultural” é, novamente, significada, de certa forma, como imprópria, na medida em que o leitor re-presentaria, nessa perspectiva, não o Estado, mas a sociedade.

Considerações finaisEm um momento inicial deste artigo, mostramos que as por-

tarias de 1999 e 2006 restringem a atuação do leitor ao ensino das chamadas língua, cultura e literatura nacionais em universidades estrangeiras. Entretanto, vimos que as atividades desenvolvidas no âmbito desse programa podem compreender muitas outras. Considerando essa diversidade, Scarpa, na entrevista que nos concedeu, afirma que o leitor “tem que mimetizar”, “tem que se adaptar ao local onde está... ao departamento onde está...”, sendo esse um “cargo camaleão”, “ambíguo” e “multifacetado”.

Tal heterogeneidade indica que os leitorados estão subor-dinados antes às universidades estrangeiras do que ao Estado brasileiro, o que acaba por conferir um menor grau de coesão à chamada rede de leitorado. Nesse sentido, não há uma maior centralização por parte do Estado brasileiro no que diz respeito à política exterior levada a cabo por meio dos leitorados. Isso tam-bém fica claro se tivermos em vista que é a instituição estrangeira que estabelece o perfil do candidato a ser pré-selecionado pela CAPES, competindo-lhe, ainda, a decisão final quanto à escolha do leitor. É possível, inclusive, que a instituição estrangeira rejeite os candidatos pré-selecionados à vaga – caso em que o auxílio financeiro oferecido pelo Itamaraty é cancelado até nova seleção.

Além disso, defendemos a hipótese de que, enquanto cidadão brasileiro, o leitor do MRE é significado como um representante do Estado ou da cultura brasileira. Um indício de tal imagem reside, como argumentamos, em um pré-requisito indispensável para se assumir tal função: a nacionalidade brasileira. Estabelece-se, portanto, uma restrição a estrangeiros, evidenciando que não está em jogo, simplesmente, o “ensino da língua portuguesa falada no Brasil, e da cultura e da literatura nacionais” – para recuperar as palavras constantes na portaria de 2006 –, mas essa docência en-quanto lugar de representação do Brasil no exterior. Assim como um diplomata do Itamaraty, um leitor não pode ser estrangeiro.

Cabe lembrar, entretanto, que, se por um lado, o leitor do MRE deve ter nacionalidade brasileira – o que implica que ele pode ser nato ou naturalizado –, por outro, um diplomata deve, necessariamente, ser nato. Assim, em que pesem os pontos de aproximação entre os dois cargos – que, conforme argumenta-mos, acabam por significar, em certa medida, o leitorado como um espaço de representação diplomática –, há uma diferença importante entre ambos. Tal tensão parece ir ao encontro daquela anteriormente observada: embora haja um consenso em relação à ideia de que o leitor seja um representante cultural, há uma

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polêmica concernente a de quem/ do que o leitor é representante. Para uma posição discursiva, o leitor pode participar de eventos diplomáticos, a exemplo da organização de eventos de recepção ao presidente do Brasil, bem como dar informações junto à mídia ou ao Ministério das Relações Exteriores, mesmo que essas ativi-dades não digam respeito ao leitorado propriamente dito. O leitor aparece, assim, concebido como um representante da Embaixada ou como um adido cultural, que pode atuar como porta-voz do Estado brasileiro no exterior, enquanto intermediário entre o último e o Estado em que desenvolve suas atividades. Para outra posição discursiva, não cabe ao leitor o papel de representante do Estado brasileiro, ainda que lhe caiba o de representante do povo brasileiro e de sua cultura.

Dessa forma, constrói-se, através da língua – enquanto signo da cultura brasileira –, um lugar de representação do Brasil. A língua que permite essa representação, cabe sublinhar, não é qualquer língua falada no país, mas aquela que, historicamente, participou da construção do ideal de unidade do Estado Nacional brasileiro: o português.

AbstractBased on the History of Linguistic Ideas, in its relation to the Discourse Analysis from a ma-terialistic perspective, we analyze some aspects concerning the Brazilian language-spread policy, specifically, the imagery which signifies the lec-turer of the Ministry of Foreign Affairs, officially defined as “the university teacher, of Brazilian nationality, who is dedicated to the teaching of the Portuguese language spoken in Brazil, and of the national culture and literature in foreign university institutions (BRASIL, 2006). It is possible to notice some heterogeneity in their work field, indicative of the fact that the lectureships are subordinated to the foreign institutions rather than to the Brazilian State. In addition, lecturers tend to be signified as representatives of Brazil, despite the polemics over what / whom they should represent. Therefore, through the national lan-guage, as a sign of the Brazilian culture, a place of cultural and/or diplomatic representation of Brazil is constructed.

Keywords: Portuguese as a foreign language; Brazilian language-spread policy; lectureship

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Gragoatá Leandro Rodrigues Alves Diniz

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1ª PROVA - Káthia - 21/1/2013 - 7:07

Gragoatá Niterói, n. 32, p. 207-226, 1. sem. 2012

A Norma-Padrão Europeia e a Mudança Linguística na Escola Moçambicana

Alexandre António Timbane (UNESP-Araraquara)

Rosane de Andrade Berlinck (UNESP-Araraquara)

ResumoEm Moçambique, a língua portuguesa é con-siderada língua oficial, língua segunda, língua nacional e concorre com mais de vinte línguas bantu faladas pela maioria da população. A norma-padrão perde espaço dando lugar ao português moçambicano que tem caraterísticas próprias do contexto sociolinguístico do país. A escola se esforça, mas não consegue ensinar essa norma européia devido ao multilinguismo e o contato do português com as línguas africanas, fato que se reflete nos mídias e na literatura oral e escrita. Esta dificuldade resulta em altos índices de reprovações causados pela dificuldade do uso do padrão-europeu por parte de professores e dos escritores que elaboram os livros escolares. Nesta pesquisa sugere-se a padronização da variante moçambicana, bem como a elaboração de dicio-nários e de gramáticas que ilustrem a realidade sociolinguística de Moçambique para a melhoria da qualidade de ensino e também para a autoesti-ma dos moçambicanos em geral, eliminado assim o preconceito de que os moçambicanos não sabem falar português.

Palavras-chave: norma-padrão; mudança; por-tuguês moçambicano.

1ª PROVA - Káthia - 27/2/2013 - 5:00

Niterói, n. 32, p. 207-226, 1. sem. 2012208

Gragoatá Alexandre António Timbane, Rosane de Andrade Berlinck

Considerações iniciaisA Língua Portuguesa (LP) é oficial1 em dez países e em

cada país, é possível observarmos contextos sociolinguísticos bem diferentes. Falando especificamente de Moçambique, a questão “norma-padrão” tem criado problemas na escola moçambicana desde os primeiros anos pós-independência (1975), porque para além de ser oficial, é língua segunda, é língua materna e é língua nacional. Cada uma destas qualidades exige especificidades quan-do se trata de processo de ensino-aprendizagem. Outro aspecto é a presença expressiva de Línguas Bantu (LB)2 que provocam o fenômeno de contato linguístico entre elas e também com a LP.

Neste trabalho debatemos os conceitos de norma-padrão e norma-culta, bem como a apresentação de dados que mostram a situação da LP em Moçambique. Incidimos na relação entre a norma e o ensino da LP, utilizando como corpus sete livros do ensino primário em uso em todo país. A análise desses manuais permitiu-nos observar as controvérsias existentes entre a norma europeia e a norma moçambicana, politicamente não reconhecida. Para exemplificar, apresentamos exemplos de unidades lexicais e sintáticas que mostram a existência do Português de Moçambique ou Português Moçambicano (PM). Discutimos como o professor pode trabalhar a noção de variação em sala de aula baseando-se na literatura moçambicana que está repleta de estrangeirismos, empréstimos e neologismos linguísticos. Passemos, então à situa-ção da LP em Moçambique.

1. A Língua Portuguesa em Moçambique: norma europeia ou norma moçambicana

A LP é a língua oficial, entretanto não é língua materna da maioria da população. Moçambique possui 38,7% (Censo reali-zado em 2007) da população escolarizada. A maioria da popu-lação (71,4%) vive nas zonas rurais e utiliza as mais de vinte LB na comunicação cotidiana. O português é falado especialmente por pessoas escolarizadas ou por aquelas que vivem nas cidades. Cumpre dizer que a LP goza de estatuto político privilegiado quando equiparada com as LB, pois de acordo com o parágra-fo n.º 1, do artigo 5º, da Constituição da República de Moçambique (2004) “Na República de Moçambique, a Língua Portuguesa é a língua oficial”. E no parágrafo n.º 2, do mesmo artigo, acrescen-ta-se: “O Estado valoriza as línguas nacionais e promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como línguas veiculares e na educação dos cidadãos” numa referência às numerosas LB faladas em Moçambique.

A Constituição da República legitima o uso da LP (norma europeia) pelo fato de ser língua oficial e língua de prestígio político e economicamente. Os dicionários e as gramáticas usados em Moçambique foram concebidos, escritos e publicados em

1 É a língua utilizada no quadro das diversas actividades oficiais: le-gislativas, executivas e judiciais de um estado soberano ou território. Neste caso a LP é oficial e, Angola, no Brasil, em Moçambique, no Timor-Leste, em Cabo Verde, na Guiné-Bissau, na Guiné Equatorial, em Portugal, em São Tomé e Príncipe e na China (Região Administrativa de Macau).2 Termo introduzido por Bleek (1827-1875) para designar um grupo de mais de 600 línguas espalhadas desde África Central até Austral cujas caraterísticas linguis-ticas são semelhantes. Usando o método com-parativo identificou 16 zonas que pertencem a grande famíl ia de línguas que se chama Congo-Kordofaniana e Moçambique é abrangi-do por quatro zonas: G, P, N, S. (NGUNGA, 2004, p. 20-28).

1ª PROVA - Káthia - 27/2/2013 - 5:00

A Norma-Padrão europeia e a mudança linguística na escola moçambicana

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Portugal desde período colonial, os quais foram importados para as ex-colónias africanas, contrariamente ao Brasil, já que vem declarando a independência linguística com afirmação clara da identidade da sua variante: o Português Brasileiro (PB).

As gramáticas normativas pecam pelo fato de considerar que estudo da gramática é o único instrumento que leva o aluno a saber falar, ler e escrever melhor; a metodologia é inadequada porque aprende-se uma única forma gramatical e não se aceita a variação; a própria matéria carece de organização lógica, porque a língua é como é, deve ser ensinada assim e não da forma como deveria ser. (cf. PERINI, 2003, p.49-56). Infelizmente, Moçambique ainda não tem seu próprio dicionário nem gramática que mostra as especificidades do Português falado/escrito pelos moçambica-nos. A partir dos anos 80 surgem alguns sinais (algumas vozes) que mostram as diferenças entre Português Europeu (PE) e o Português Moçambicano (PM) e o mais visível é o léxico. Em seguida, aparecem novos sinais a nível sintático-morfológicos o que levou a publicação de vários estudos tais como: Gonçalves (1989, 1996a, 1996b, 1998), Dias (1991, 1993, 2009a, 2009b), Silva (1991), Stroud e Gonçalves (1998), Chimbutane (1998), entre muitos outros “corajosos”, no bom sentido da palavra.

Estes estudos tentam mostrar que o rumo da LP em Mo-çambique é bem diferente do determinado pelo sistema colonial, consequentemente pela norma-europeia. Defender que existe norma-europeia e outra moçambicana é ao mesmo tempo aceitar que “as línguas mudam com o passar do tempo” e os contextos sociolinguísticos podem provocar variação e mudança. Faraco (2005, p. 34-43) e Faria (2003, p. 33-37) mostram que as mudanças de uma língua podem afetar os seguintes sistemas: fonético-fo-nológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático, só que o mais desmascarado é o léxico.

Sendo assim, levantamos algumas questões: A escola mo-çambicana, sendo a guardiã da norma-padrão cumpre com seu papel? Tem conseguido sucessos nessa “luta”? Será que um licen-ciado (graduado) numa universidade moçambicana tem compe-tências comunicativas de norma-padrão ou norma-culta? Será que as crianças que têm o português como língua materna aprendem norma-padrão europeia na escola? Estas e muitas outras perguntas nos inspiraram a discutir este assunto de norma-culta no contexto moçambicano. À primeira vista, ficamos com prazer de dizer que não há norma-europeia, mas sim uma norma-moçambicana que precisa de ser padronizada, de possuir legitimidade plena com a elaboração de instrumentos tais como dicionários e gramáticas do PM culto falado/escrito. Muitos falantes de português na lu-sofonia quando conversam com moçambicanos percebem logo as diferenças existentes mesmo tendo o nível superior completo ou não. A formação dos professores moçambicanos em termos linguísticos segue o ritmo moçambicano e não pode responder

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as exigências da norma-padrão europeia exigida pela elite e aos desavisados. Na prática do processo de ensino-aprendizagem, o aluno recebe aulas do professor e nunca chega a ser melhor que seu professor, quer dizer, se o mestre fala o PM como o aluno terá padrão-europeu? Antes de mais, percebamos os contextos sociolinguísticos que Moçambique apresenta.

2. Os Contextos SociolinguísticosA LP é a única língua oficial em Moçambique3. Moçam-

bique faz fronteira com países anglófonos, o que de certa forma tem trazido algum léxico anglófono, principalmente na fala dos imigrantes, trabalhadores moçambicanos na diáspora e residentes das zonas fronteiriças. Analisando profundamente a LP em Mo-çambique pode-se dizer que

é de fora porque é de origem europeia mas também é uma língua de dentro porque é usada como língua materna e língua segunda por parte da população. Por outro lado, esta língua é odiada porque é considerada língua do opressor e do colo-nialista, por outro lado, é admirada porque, por ser língua de comunicação alargada e por não haver em relação a ela uma identificação étnica forte e grande fidelidade linguística, per-mite a união entre moçambicanos. Ela é vista como o modelo de perfeição linguística que é através dela que se pode discutir a maior parte dos assuntos políticos, científicos, técnicos, etc. (DIAS, 2002, p.101).

Para além da fraca taxa de alfabetização, a maioria da po-pulação mora na zona rural e não é falante nativa da LP, pois esta é a segunda ou terceira língua para os moçambicanos. Não se pode negligenciar o crescente número de falantes de português como língua materna nas cidades, resultantes da mudança de parte da população do campo para cidade. Nas cidades, muitos pais ensinam aos seus filhos e estes por sua vez passam a usá-la como língua primeira. Mas os pais não são falantes nativos na sua maioria e muitas vezes não têm uma escolaridade que lhes permite usar “norma culta”. Há na fala desses pais uma mistura de línguas, o uso de empréstimos e estrangeirismos resultantes do contato que têm com as LB. É este “português” que chega às crianças e que é a língua primeira de muitas crianças nas grandes cidades. Em alguns casos há transposição de construções grama-ticais da LB para LP, o que provoca uma variação em relação ao PE esperado e exigido pelas autoridades políticas.

Sabe-se que não existe uma única forma de falar português, tal como os gramáticos tradicionalistas diziam/dizem. Defende-mos que a norma-padrão europeia não pode servir como uma forma de exclusão social, mesmo sabendo que com este se alcança um estatuto social elevado (FIRMINO, 2001, p. 133). Sobre este assunto que consideramos profundo e central, Bagno (2010, p.29) sublinha o seguinte:

3 O fato de a LP ser a única língua oficial é resultado da política linguistica adotada pelo governo e não pela in-capacidade linguistica. Não existe uma língua incompleta gramatical-mente. Quando muito pode precisar do “novo” léxico pra designar no-vas situações/fatos, fato que pode se completar com estrangeirismos e empréstimos linguis-t icos. Mas todas as línguas moçambicanas podiam ter este estatuto se houvesse essa vontade política. A República da África do Sul (bem ao lado de Moçambique) foi colônia inglesa e tem onze línguas oficiais de origem africana. Quan-do se escolheu não tinha dicionário, nem gramá-ticas escritas, mas pela necessidade de uso, os sul-africanos se sentiram “pressionados” e logo pesquisaram, investiram nas suas línguas locais e hoje não tem os proble-mas que Moçambique tem a nível linguistico. Os problemas de que nos referimos são da inferioridade das LB sua diminuição e exclusão dos que não conhecem o português. Quantas pessoas perdem empre-go, só porque não co-nhecem o tal fantasma chamado “português-- cu lto” ou “nor ma- europeia”?

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Dizer em voz alta que as formas normatizadas também estão corretas é impedir que o conhecimento da norma tradicional seja usado como instrumento de perseguição, de discrimina-ção, de humilhação do outro, nem como uma espécie de saber esotérico, reservado para alguns iluminados de inteligência superior.

É importante sublinhar que o português encontra-se numa situação de contato com as LB e com o inglês. Dependendo do interesse ou do ponto de vista, a LP é língua oficial, é língua na-cional, é língua materna, é língua segunda, é língua estrangeira dentro do mesmo espaço que é Moçambique. A porta de entrada de tendências de mudança provém do fraco conhecimento do português por parte dos moçambicanos, bem como das inter-ferências linguísticas vindas de várias línguas, quer dizer, “a interação do português com outras línguas distintas concorre, fortemente, para a variação gramatical e, em alguns casos, para a mudança linguística.”(MENESES, 2010). Esse processo linguístico Gonçalves (2005, p.7) designa por “nativização do português” ou ainda “moçambicanização do português”. É uma espécie de afirmação e à identidade do português falado em Moçambique, porque apresenta caraterísticas bem diferentes do PE, tal como veremos mais a diante (subseção 4.2).

Dependendo do lugar geográfico, do nível social, da escola-ridade, de idade, do sexo, da formação profissional, cada um tem a sua forma de falar o português. Acreditamos na existência de uma só LP, e que esta é falada de forma diferente dependendo das variáveis sociais que acabamos de apresentar. Muitas vezes a norma-padrão é colocada à prova devido à sua caraterística prescritiva, tradicionalista. Mas o que seria então, a norma?

3. Debate Sobre Aspectos Teóricos

3.1. Entendimento sobre o conceito de “norma”No século XX, a estandardização da língua esteve intima-

mente ligada à explosão dos meios de comunicação de massa (o rádio, a televisão, o jornal, o outdoor e a internet), e a algumas grandes tendências da educação, como a generalização do ensino primário, que gerou um mercado dos livros didáticos de grandes proporções e levou à criação de uma rica literatura infantil.(ILARI; BASSO, 2009, p. 199). Começou a haver necessidade de se criar uma norma que regularia esses meios de comunicação social. As noções que, posteriormente foram elaboradas no âmbito da sociolinguís-tica não eram tidas em conta, caso contrário teriam percebido que mesmo dentro do mesmo país há uma variação linguística bem notável. Alcançar a perfeição à norma é, na verdade algo extraor-dinário, isto porque a norma-padrão não faz parte do cotidiano. Norma é o uso regrado, como a modalidade sabida por alguns, mas não por outros. Esses últimos correspondem à maioria e são

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pessoas sem nível superior de escolaridade, e com status social e econômico baixo e localizados sócio-econômicamente. Segundo Neves (2009, p.43) há duas concepções de norma na sociedade: “Na primeira, o que está em questão é o uso, e, então, a relação com a sociedade aponta para a aglutinação social. Na segunda, trata-se de bom uso, e a relação com a sociedade aponta para a descriminação, criando-se, por aí, estigmas e exclusões.”

A norma de que estamos falando nos parece algo “divino” na realidade sociolinguístico dos países africanos, em particular de Moçambique. Para atingir essa “performance” seriam necessários muitos requisitos, incluindo juntar Portugal e Moçambique geo-graficamente, o que realmente será impossível. Lucchesi (2004, p.75-89)4 já faz um debate direto, bem claro e profundo sobre a diferença dos dois sentidos de norma. A norma é fruto de imposi-ção5, de uma língua artificial (criada por uma minoria) para uma maioria que não reflete a realidade do dia a dia da população. Muitos dos exemplos dados nessas gramáticas são de “grandes obras literárias”6 da época (séculos XV em diante) e que estas não espelham o português falado. É importante relembrar que a lín-gua “é dinâmica e variável, é um sistema adaptável, sempre em acomodação, de tal modo que só na face sociocultural se poderá admitir a existência de moldes e modelos.” (cf. NEVES, 2009, p.85).

Segundo Aléong (2001, p.153), a norma explícita “com-preende esse conjunto de formas linguísticas que são objeto de uma tradição de elaboração, de codificação e de prescrição.” Se-gundo o autor supracitado, as normas implícitas são

formas que, por serem raramente objeto de uma reflexão cons-ciente ou de um esforço de codificação, nem por isso deixam de representar os usos concretos pelos quais o indivíduo se apresenta em sua sociedade imediata. Obviamente, trata-se sobretudo da língua falada e, por isso, este tipo de norma não tem a rigidez de um código escrito.

Em outras palavras, o que Aléong chama de norma explícita é a norma culta (para LUCCHESI, 2004) e a norma implícita é a norma popular (para LUCCHESI, 2004). Na verdade, tanto Aléong como Lucchesi estão falando do mesmo fenômeno linguístico e é interessante destacar que tudo começa com a oralidade. Por isso que a “escrita representa a linguagem oral. A linguagem oral, por sua vez, representa o mundo.”(cf. CAGLIARI, 2009, p.123). É importante remarcar que tanto a escrita como a fala tem regras específicas. O potencial meio de comunicação é a fala. Mesmo a gramática e o dicionário são registros de arquivo, para consulta, para confirmação. Sabe-se que estas regras existem na mente dos falantes.

Bagno (2001, p.11) designa de norma-padrão o “conjunto de prescrições tradicionais veiculadas pelas gramáticas normativas, pela prática pedagógica conservadora e pelos empreendimentos puristas da mídia”. A mídia moçambicana e a literatura moçam-

4 “A NORMA CULTA seria, então, constituída pelos padrões de com-portamento linguistico dos cidadãos brasilei-ros que têm formação escolar, atendimento médico-hospita lar e acesso a todos os es-paços da cidadania, e é tributária, enquanto norma linguistica, dos modelos transmitidos ao longo dos séculos nos meios da elite colonial e do império e inspirados na língua da Metrópole portuguesa. NORMA POPULAR, por sua vez, se define pelos padrões de c omp o r t a m e nt o linguistico da grande maioria da população alijada de seus direitos elementares e mantida na exclusão e na bastar-dia social.”5 A gramática de uma l íngua não pode ser oferecida como uma camisa-de-força, pri-meiramente mapeada para depois de ser re-cheada de exemplos, aqueles que venham a calhar para a doutrina assentada. (cf. NEVES, p.85).6 João Barros, Pero de Magalhães de Gandavo, Duarte Nunes, Álvaro Ferreira de Vera, Gar-cia Rezende, Henrique Mota, Gil Vicente e o ponto mais alto é de Luís de Camões com a obra “Os lusíadas” publicada em 1572. (MARTINS, 2007, p. 48-49).

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bicana não conseguem se adaptar a esta “famosa” norma pois, as realidades sociolinguísticas não o permitem. Timbane (2011b)7 demostrou a criatividade linguística a nível lexical no jornal “Notícias”(em cartas de opinião) e em obra de Mia Couto (Terra Sonâmbula). No artigo apresenta palavras tais como: descabelar, conflitar, descamisados, bifes, maziones, timbilas, biznés, maningue, lo-go-logo, muito-muito e muitas outras unidades lexicais que “fogem” ao léxico dicionarizado no PE. Aceitar um neologismo (através da dicionarização) é “abrir mão” à norma, porque essa palavra não existia na língua, não era aceita, era considerada errada. Lembremos que a noção de norma remete-nos à noção do certo e do errado.

Para Lucchesi (2004, p.63-66) norma-padrão são “formas contidas e prescritas pelas gramáticas normativas” e norma culta “conteria as formas efetivamente depreendidas da fala dos seg-mentos plenamente escolarizados, ou seja, dos falantes com curso superior completo.” Para Lucchesi, os dois conceitos são sinônimos, fato que é contrariado por Bagno (2007, p.103-107) que insiste em designar por variedades prestigiadas e variedades estigmatiza-das. Mas tanto norma-padrão como norma culta não refletem a comunicação do resto da população que é a maioria, quer dizer, são entidades do estruturalismo e não da sociolinguística. Para Bagno (2007) a norma culta é determinada pelas Academias de cada país. Como Moçambique não tem essas instituições ficou dependente da norma do ex-colonizador, de Portugal. Muitas vezes as obras de “Camões” e outros clássicos são vistas como o exemplo mais certo do uso da língua. É por isso que os exemplos das gramáticas são extraídos dos textos de época, fato com que não concordamos. Bagno (2007, p.117) nos relembra que

não se pode confundir a norma-padrão com a norma culta: são duas entidades sociolinguísticas muito diferentes. A norma culta é o conjunto de variedades linguísticas efetivamente empregadas pelos falantes urbanos, mais escolarizados e de maior renda econômica, e nelas aparecem muitos usos não previstos na norma-padrão, mas que já caracterizam o verda-deiro português brasileiro prestigiado.

Acreditamos que essa descrição da situação brasileira também pode ser aplicada à realidade moçambicana. Tanto a norma-padrão como a norma culta europeia não são assimilados pelos moçambicanos uma vez que os contextos sócio-culturais são diferentes de Portugal.

7 Artigo apresentado em comunicação no Con-gresso Internacional da Neologia - CINEO, na USP (6 de dezembro 2011).

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4. O ensino da LP em MoçambiqueA educação formal em Moçambique é feita exclusivamente

em LP. As crianças chegam na escola com pelo menos uma LB principalmente nas zonas suburbanas e rurais, razão pela qual Ngunga (2007) e Lopes (1997, 2004) defendem a educação bilíngue como estratégia frente às reprovações “em massa” que se verifi-cam nas escolas moçambicanas. A LP é básica e o aluno que não alcança 50% de aproveitamento pode repetir o ano. Mas, o ensi-no primário em Moçambique tem enfrentado sérios problemas: primeiro, o tipo de ensino (alunos com LP como língua materna usam o mesmo livro que aqueles que têm a LP como língua se-gunda); segundo, os conteúdos (seguem a norma europeia e não toleram nenhuma variação).

Os conteúdos dos livros8 tentam convencer ao aluno que a norma-padrão é a mais correta e que a gramática seria o “único remédio mágico” para “saber falar” português. Ao analisarmos os livros de 1ª a 7ª classes constatamos que há estrangeirismos e empréstimos vindos das LB bem como da língua inglesa. Os textos são adaptados para que estes se adaptem ao PE o que é, ao nosso ver, uma tentativa de “apagar” a realidade sociolinguística moçambicana. Há uma tentativa da parte dos autores de apagar estrangeirismos e empréstimos linguísticos presentes nos textos dos escritores moçambicanos. Por vezes essas tentativas são fra-cassadas. Vejamos alguns exemplos extraídos de manuais (livros de alunos) em uso:

a) “Para festa eu levei o frango à zambeziana, mucapata e mu-cuane.” (4ª classe, p.51)

b) “Algumas dessas madeiras são muito valiosas, como a chanfuta, o pau-preto, a umbila e o jambirre.” (4ª classe, p.52)

c) “A vovó explicou-me que se chamam timbilas.” (5ª classe, p.42).

d) “A preparação de theka inicia a festa.” (5ª classe, p.52).e) “Veículo é o carro, o machimbombo, o camião, a motorizada,

a bicicleta e tchova.” (5ª classe, p.110).f) “Madala continuou imóvel: machamba é como o mar.” (5ª

classe, p.140).g) “Pois foi stora, adoeceu mesmo.” (6ª classe, p.30).h) “Pr’a semana prometo talvez nos vejamos, quem sabe?”

(6ª classe, p.20).i) “Nhamussoro foi chamado e com o seu soco enorme conten-

do bugigangas diversas chegou.” (6ª classe, p.90).

8 O livro da 4ª classe, por exemplo tem os subtí-tulos “falar e escrever bem” onde se dedica ao ensino da gramá-t ica normativa. Tem 33 itens gramaticais. O da 5ª classe tem 38 itens gramaticais onde a sequência é: “texto, interpretação do texto, gramática” e finalmente o da 6ª classe tem o títu-lo “funcionamento da língua” onde aprofunda a gramática de forma sistemática.

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j) “E para ele somos todos misters e misses - Acrescentou Toshiro.” (6ª classe, p.128).

k) “Em que período do dia matabichas, almoças e jantas?” (1ª classe, p.29).

A nível lexical a situação é mais visível, mas a nível sintático aparece um “pouco camuflado” para quem não tem domínio da norma-padrão. Segundo Stroud e Gonçalves (1998, p.13) um teste recente sobre aceitabilidade e correção de frases entre falantes letrados de Português, conduzido pelo do Instituto Nacional do Desenvolvimento da Educação (INDE), revelou que partes de frases que de facto estavam corretas, segundo a norma-padrão europeia eram consideradas inaceitáveis e corrigidas pelos sujeitos testados. Esse teste é mais uma prova de que o padrão-europeu está pouco presente na fala dos moçambicanos apesar da insis-tência dos professores em sala de aula. Se o professor não domina a norma-padrão como vai corrigir as redações dos seus alunos? Em Moçambique parece uma “guerra sem inimigo” na qual os professores enfrentam os mesmos problemas que os alunos. Se alguém nos perguntasse, por que os professores enfrentam pro-blemas de gramática? A resposta é clara: é porque os professores nasceram, cresceram e aprenderam neste contexto sociolinguístico por isso as “anormalidades” em relação à norma europeia parecem “normais”. E mais, os professores do ensino primário não têm ensino superior, se seguíssemos o conceito de “norma-culta”, não estariam aptos a falar nem a ensinar a norma-europeia.

Contrariamente ao que acontece com os manuais do ensino primário, no ensino secundário os textos são menos “censurados” e recomenda-se a leitura de várias obras literárias. Aí, entende-se a essência do PM. Orientações do Ministério da Educação quanto ao ensino da LP determinam que

o ensino da literatura será feito de forma sistemática, a partir do tratamento de diferentes tipologias textuais inerentes aos três modos literários: narrativo, lírico e dramático. Neste âmbito, pequenos textos ou extractos de textos servirão de pretexto para o estudo, quer dos aspectos formais e linguísticos que lhes são específicos, quer dos elementos culturais e ideológicos por eles veiculados (MEC/PROGRAMA DA 8ª CLASSE, 2010, p.9).

Estas orientações abrem espaço para que o professor e os alu-nos usufruam da literatura moçambicana bem como da variação e mudança linguística por meio de estrangeirismos, empréstimos e neologismos que são muito frequentes na literatura moçambica-na. É aqui onde se aproveitaria mostrar a diversidade linguística entre a literatura brasileira, portuguesa, guineense, angolana, são tomense e por aí em diante. É frequente que o professor escolha o texto específico só para explorá-lo gramaticalmente. A gramática prescritiva faz com que os alunos concluam que o “português

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é difícil”. Mas não é nada disso. O problema é a norma-padrão europeia que é distante da realidade moçambicana e tudo parece novo no aluno, embora ele possa ter a LP como língua materna. Os escritores moçambicanos, tais como Mia Couto “brincam”9 com as palavras em seus textos com muita frequência. Situações de criatividade lexical são frequentes e podem, de certa forma, passar a ser usadas pelos alunos.

4.1. O professor diante da variaçãoNa seção 4, tentamos demonstrar quais os problemas que

o professor moçambicano enfrenta diante dos seus alunos no ensino da LP. As frases apresentadas ali mostram a diferença em relação à norma europeia. Ainda há preconceito linguístico em Moçambique no que diz respeito à variação/mudança. Muitos professores ainda reprimem qualquer tipo de variação. Com a punição pelo erro, “os professores pensam que estão a resolver os problemas de aprendizagem dos seus alunos. Se os erros dos alunos são frequentes ao longo do ano, ele é considerado aluno reprovado e passa assim para o grupo dos fracassados.” (Dias, 2002, p.74).

Acredita-se que a norma europeia é a “mais certa” e essa que é exigida aos alunos. Sobre o ensino da variação, Bagno (2009, p.157-158) defende que

Devemos apresentar aos nossos alunos todas as opções que a língua oferece, explicar o funcionamento dessas regras, os processos gramaticais que ocorrem em cada uma e os produtos que deles resultam. Devemos também ter a honestidade de explicar o valor social atribuído pelos falantes cultos a cada uma dessas estratégias [...] o ensino dessas formas padroni-zadas conservadoras não pode vir acompanhado da atitude tradicional da escola de negar todo e qualquer valor às regras não-padrão, de despejar uma enorme carga de preconceito contra as opções sintáticas mais antigas ou mais inovadoras da língua, acusando elas de serem feias, erradas, estropiadas, etc.

Falta um pouco de “honestidade” por parte dos professores de português nas escolas moçambicanas, porque fingem dizendo que a norma mais correta é a portuguesa, como se falassem tal como os europeus. Resultado dessa atitude são as reprovações “em massa” dos alunos na disciplina de português. Concordamos com Cagliari (2009, p.24) quando afirma que o

professor de língua portuguesa deve ensinar aos alunos o que é uma língua, quais as propriedades e usos que ela realmente tem, qual é o comportamento da sociedade e dos indivíduos com relação aos usos linguísticos, nas mais variadas situações de sua vida.

Realmente falta este espírito, pois na maioria dos casos, se perde muito tempo com gramática normativa ao invés de tentar perceber como o “nosso português” funciona no contexto mo-

9 Na obra “Terra Sonâm-bula” tem os seguintes neologismos: arco-iris-cando, camarada-chefe, brincriações, sonha-bulante, exatamesmo, induvidável, desfolha, castanhamente, praia-va, luzinhou, mulatar, nenecar, machambar, farinhinha, raivando, historiava, irmanito, despernado, emcha-meação, matabichar, surdimudo, maistra-vez, ninguéns, rarefei-ta, doidoendo, descair, infanciando.(Timbane, 2011b).

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çambicano. Sendo assim, “é preciso que se estabeleça um efetivo diálogo com professor por meio da pesquisa, que o enriqueça e torne apto a promover uma auto-reflexão e uma análise crítica das suas ações” (cf. BORTONI-RICARDO, 2006,p.133). Para não parecer que só ficamos comentando sem mostrar a prática, veja-mos os exemplos do jornal “Notícias”, o maior jornal público de Moçambique:

a) “ ...de futebol, os Mambas, Mart Noiij desmentiu publica-mente...” (15/06/2011)

b)“...Valoriza-o. Até conheço maziones que te admiram...” (16/07/2011)

Os exemplos que acabamos de apresentar, demostram a inserção dos empréstimos nas mídias moçambicanas. As palavras destacadas (em itálico) provêm de estrangeirismos de origem xi-changana. Na primeira palavra (mambas), ocorreu a transformação das palavras mamba10 (plural deveria ser timamba11) e muzione12 (plural mazione). Para adaptação à LP acrescentou-se à forma singular mamba à desinência –s, elemento morfológico que na LP tem a função de marcar o plural dando origem a forma mambas no lugar de timamba, como é na língua xichangana.

A segunda palavra maziones deriva de mazione que já é forma plural de muzione em xichangana. O uso dessa unidade lexical no português revela que o ponto de partida não foi acrescentar a desinência –s à forma no singular. Curiosamente tornou-se a forma plural mazione e a ela acrescentou-se marca do plural prototípica dos substantivos em português (-s), dando origem a forma maziones. É frequente vermos nos meios de comunicação as transformações: timbila/timbilas (xilofone/xilofones), pala-pala/pala-palas (chifre/chifres de antílope), capulana/capulanas (tecido de algodão que as mulheres usam como adorno amarrado à volta da cintura), tchova/tchovas (carrinho/carrinhos de mão), madala/madalas (idoso/idosos), mamana/mamanas (mãe/mães), molwene/molwenes (marginal/marginais), mufana/mufanas (rapaz/rapazes). (Dias, 2002).

Este é o léxico do português moçambicano que precisa ser explicado aos alunos. De forma alguma devemos considerar estas construções como incorretas, pois elas são bem conhecidas pelos alunos, são ouvidas todos dias, aparecem nos meios de comuni-cação e fazem parte do português falado e escrito. O que se dá em Moçambique, acreditamos que também ocorra em Angola, na Guiné Bissau, em Cabo Verde e no Brasil, países que têm suas caraterísticas linguísticas específicas, que caracterizam o seu povo. Como nos lembra Mattos e Silva (2004, p.73),

Para aqueles que esperam que os indivíduos saiam da escola dominando um padrão linguístico que eles chamam de cor-

10 Cobra muito veneno-sa que ocorre em África e que tem a capacidade de imitar sons de outros animais.11 O xichangana é a 2º língua mais falada de Moçambique e tal como muitas outras LB está organizada em classes nominais para marca-ção de concordância. Nesta língua há cinco prefixos que marcam o plural nos substan-tivos: va, mi, ma, svi e ti ou tin. Por exemplo, munhu/vanhu (pessoa/pessoas), muntì/mintì (casa/casas), rìbzè/ma-rìbzè (pedra/pedras), xìpflàlò/svipfàlò (por-ta/portas), r ìmitsù/timitsù (raíz/raíses) e rìsokòti/tinsokòti (for-miga/formigas). (SITOE, 1996).12 Indivíduo que pro-fessa a religião zione. Zione é a 3ª religião mais professada em Moçam-bique, depois da católica e muçulmana. (INE, 2009).

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reto, isto é, de acordo com uma norma linguística idealizada, imposta e, em parte, configurada nos manuais tradicionais de ensino, o ensino do português está em crise, faliu, porque, a não ser alguns poucos - por já trazerem do berço na sua fala o essencial desse padrão - dos milhões de escolarizados não sairão da escola, tal como hoje ela é, dominando esse padrão idealizado e considerado o correto.

Mattos e Silva (op.cit) desencoraja aos que penalizam alunos em nome da norma padrão que é pouco conhecida em Moçam-bique. Pode-se trabalhar questões de variação nas aulas de portu-guês. O maior problema está com os alunos das grandes cidades. Referimo-nos às crianças que têm o português como língua ma-terna, cujo número vem crescendo de forma acelerada ao longo destes últimos dez anos. Da pesquisa que se fez em crianças das escolas da Cidade de Maputo, por exemplo, concluiu-se que elas entram na escola com conhecimento da LP. (cf. TIMBANE, 2009).

4.2. Conflitos e evidências entre norma-padrão europeia e a variante moçambicana

Como vimos destacando até aqui, a norma-padrão europeia é considerada a forma mais correta, pura, usada em programas de mídias; é a língua utilizada na administração, no governo e na escola como veículo da educação. É a língua considerada legítima, legitimada pelo poder (GARCEZ; ZILLES, 2001).

É importante reforçar que o padrão-europeu em Moçam-bique foi resultado da planificação política através da Constituição da República, no período pós-independência. Parecia que tudo iria “correr às mil maravilhas”. Lembra-se que no período colonial era obrigatório estudar a história, geografia, cultura portuguesa13. Os manuais eram feitos em Portugal e refletiam uma realidade bem distante do aluno moçambicano.

O traço mais marcante do “português africano”, segundo Vilela (1995, p.53-60) é a simplificação. Vilela mostra que esta simplificação “foge” à norma-padrão europeia. Tanto em Angola como em Moçambique. Por exemplo: há omissão da frequência dos artigos e das preposições; há omissão de um dos elementos da negativa nas construções em que a norma europeia prevê dois elementos; há omissão do verbo “ser” quando em situação de construção chamada “de realce” ou o do verbo “haver”. Omite-se o pronome relativo “que”; há eliminação do conetor “e”; em caso de flexão a opção ou é feita pela terceira pessoa do singular ou pelas terceiras pessoas de cada tempo; verifica-se o fenômeno de “lheização” do pronome pessoal complemento direto “o”; há generalização de certos fenómenos como a extensão da diátese passiva a verbos que não a admitem regularmente.

Para Dias (2009, p.405-406), por exemplo, no PM há troca entre as consoantes vibrantes simples e múltiplas; há tendência

13 O Estado Português e, depois da indepen-dência, o Estado Bra-sileiro tiveram por po-l ít ica, durante quase toda a história, impor o português como a única língua legítima, consi-derando–a companheira do império [...] A política linguistica do Estado sempre foi a de reduzir o número de línguas, num processo de glotocídio (assassinato de línguas), através de deslocamento linguistico, isto é, de sua substituição pela língua portuguesa (MOURA, 2002, p.84).

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para abrir as pretônicas [a,e,o]; há tendência para a monotongação; há uso de pronomes plenos com verbos impessoais que deveriam usar pronomes expletivos; há tendência para omitir os artigos ; há diferenças quanto à concordância nominal e verbal; há diferenças quanto a regências verbais, etc.

Há muitas outras pesquisas que demonstram as diferenças entre a norma-europeia com a “norma-moçambicana”. A nível lexical a presença do léxico tipicamente moçambicano é mais visível e evidente, pois segundo Vilela (1995), o vocabulário acu-sa o passado histórico do país. Vejamos exemplos do português moçambicano: chapa (transporte semi-coletivo de passageiros), boatar (divulgar notícias falsas), bichar (organizar-se em fila), ba-rulhar (fazer barulho), desprograma (programa não concretizado), anelamento ou lobolo (casamento tradicional), desquieto (alguém que não é quieto), matabichar (tomar café da manhã). A esses se somam palavras vindas das LB: cacana (planta medicinal rasteira, de sabor amargo usada para alimentação e tratamento de várias doenças), matapa (folhas de mandioqueira ou prato feito a base de folhas de mandioqueira), capulana (tecido que as mulheres cobrem o corpo), matorritorri (doce feito de coco e açúcar com forma retangular).

Sobre este mesmo assunto, Carvalho (1991, p.20) mostrou que o uso da LP em Moçambique apresenta peculiaridades devido à “existência de novos referentes e a criatividade de toda língua natural; contato com as LB e a respetiva interferência; empréstimos e nova derivação e composição e realidade de cerca de 50% da população escolarizada ter apenas nível primário”. Para ilustrar alguns exemplos, Carvalho apresenta situações de atribuição de novos significados. Exemplo: Chegaram as “estruturas”. Aqui nesta frase “estruturas” refere-se a responsáveis de um determinado bairro ou região. Há outros fenômenos que Carvalho (1991, p.21-23)14 apresenta:

a) Pronominação-seleção:b) concordância nominal e verbal “-Maxaquene dispensou a ele.” “-...os meus primo...” “-Eu disse a ele.” “-...eu foi....”

c) Regência verbal (caso de preposição zero)“- ...os músculos começam doer...”“- ....já estavam apodrecer...”

14 São fenómenos lin-guisticos pontualmente detectados, exclusiva-mente ao nível frásico, em estudos parcelares do Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação, dos corpora de português falado.

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Estes exemplos reforçam os argumentos de que o português de Moçambique é bem diferente do português europeu. Estas manifestações linguísticas ocorrem a nível oral e escrito. Dias (2009a, p.389) desenvolve um artigo intitulado “A norma-padrão e as mudanças linguísticas na LB nos meios de comunicação de massa em Moçambique”. Nesse artigo, apresenta provas, mais do que suficientes, para sustentar que a norma europeia se distancia da norma moçambicana cada vez mais.

5. Falta de instrumentos que legitimam o padrão falado em Moçambique

Como já relatamos na seção anterior, várias pesquisas mos-traram claramente a existência de variações no português falado/escrito em Moçambique entre elas as pesquisas de Dias (2002, 2009a, 2009b). A independência política foi alcançada em 1975, mas a independência linguística ainda não foi proclamada. Em 2002, a linguista Hildizina Dias, publicou o “Minidicionário da Moçam-bicanismos”, que vem comprovar mais uma vez a mudança lexical do português falado em Moçambique. Esta obra contém 1540 verbetes ricos em estrangeirismos, neologismos e empréstimos caraterísticos dos contextos sociolinguísticos de Moçambique. A elaboração do dicionário, segundo Dias (2002, p.12), foi motivada pelo fato de “a LP em Moçambique ter vindo a sofrer uma série de mudanças em todos níveis, por influência de vários fatores, destacando-se o contato com as LB e os fatores socioeconômicos e políticos inerentes à atual conjuntura moçambicana.”

Este dicionário apresenta na sua macroestrutura nomes que designam animais, plantas, rituais, ações, sabores, trajes, instru-mentos e acontecimentos. A obra compila moçambicanismos, dando continuidade, ao trabalho realizado anteriormente por outros estudiosos. Trata-se de moçambicanismos do registro oral da língua, recolhidos em contextos de comunicação familiar ou popular, em três cidades do país: Maputo, Quelimane e Pemba. Ainda segundo Dias (2002, p.18), o seu principal objetivo é “mos-trar algumas palavras e significados novos usualmente utilizados por alguns moçambicanos e que não aparecem nos dicionários portugueses”. No entanto, conforme a autora realça, não é sua intenção “impor uma norma linguística nem sequer padronizar a LP falada/escrita em Moçambique”.

Cidadãos movidos pelo espírito de identidade, de afirmação e defesa do bem comum, que é a língua, têm recusado a existência de moçambicanismos. Várias críticas relacionadas aos estrangei-rismos têm aparecido por todo lugar, principalmente nos meios de comunicação social. Há que se realçar a importância do dicionário eletrônico de moçambicanismos que nos ajuda a compreender melhor essa questão. Trata-se de um dicionário em construção e que consideramos um passo importante na construção do PM. Timbane (2009, p.26-36) dedica várias páginas do trabalho expli-

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cando e dando exemplos dos moçambicanismos mais frequentes no português oral de Maputo demonstrando que “palavras tais como afinar (apertar pessoas no machimbombo ou autocarro), guevar (fazer comprar para revender), bala-bala (andar sem parar), minhar (segregar), txovar (empurrar), são exemplos típicos do nosso português”. Segundo Lindegaard (2009), os moçambicanismos são

palavras usadas pelos moçambicanos ou por pessoas que vivem em Moçambique quando falam português entre elas e que não são usadas por outros falantes do português noutros lugares – às vezes são empréstimos a línguas estrangeiras (sobretudo a línguas bantas, como matope), às vezes são criações moçambicanas a partir de palavras portuguesas (como campainhar), às vezes são acepções especificamente moçambicanas de palavras usadas noutras variantes do por-tuguês (como refresco no sentido de “refrigerante”); e palavras portuguesas que, por muito que se usem fora de Moçambique, são de origem moçambicana.

Este instrumento deve ser mais enriquecido com contribui-ções para que resulte em um livro impresso e que as entidades governamentais reconheçam a existência do português moçam-bicano. Cabe ainda aos linguistas moçambicanos trabalharem na criação de gramáticas do português falado (tal como o Brasil faz), porque as diferenças com a norma europeia não se limitam ao nível lexical, mas também se manifestam aos níveis semântico, sintático e pragmático.

6. Considerações finaisRespondendo às perguntas iniciais, concluímos que a es-

cola moçambicana não consegue ser guardiã da norma-padrão europeia devido aos contextos sociolinguísticos do país. Sendo assim, há necessidade de legitimar o Português Moçambicano uma vez que as suas caraterísticas se distanciam do europeu a nível lexical, semântico, sintático e pragmático. Se os professores primários só possuem nível básico e médio, estão longe de do-minar e ensinar o PE. Enquanto houver preconceito com relação à variante moçambicana e a insistência no ensino de gramáticas normativas tudo continuará tal como está: fraco aproveitamen-to, dificuldade de comunicar na LP. As dificuldades do uso da norma-padrão crescem à medida que o aluno aumenta o grau de escolaridade, chegando até a universidade, tal como mostra o estudo realizado por Gonçalves (1998) com alunos da Universidade Eduardo Mondlane em Maputo/Moçambique.

As crianças da cidade falam o PM, português esse que é caraterístico no contexto moçambicano. Os manuais consultados nesta pesquisa mostraram que nada têm de “norma europeia”. Apesar dos textos terem sido adaptados, os rastos do PM ainda estão presentes. A literatura moçambicana usada com mais fre-

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quência no ensino secundário, nada tem de europeia. Lembremos que na “gramática prescritiva” os exemplos são buscados nos grandes clássicos da língua. Cabe agora aos professores trabalhar textos moçambicanos juntos com os aspectos sociolinguísticos que sempre representam uma ficção/real da norma moçambicana. Os professores deviam aproveitar a rica literatura moçambicana para discutir na aula sobre as variações linguísticas existentes entre PM, PB, PE, entre outras variantes.

Cabe aos linguistas moçambicanos e não só, “pôr a mão na massa” criando dicionários do português culto e popular de Moçambique, bem como as gramáticas que discutam com clareza a realidade sociolinguística de Moçambique. Os temas sobre a variação devem ser discutidos em sala de aula, para se mostrar ao aluno as possibilidades que a língua oferece num espaço geográfico, num grupo social, num determinado tempo. Não seria justo submetermos os alunos a uma “tortura” que se chama “norma-europeia” baseada em gramáticas prescritivas que até são pouco conhecidas pelos professores. Se essa atitude continuar aumentará o número de reprovações lutando por uma performance que está longe do alcance dos alunos. O que advoga-mos é continuarmos a estudar a variante moçambicana nas suas vertentes, publicando trabalhos e mostrar que não existe uma única forma de falar português. A ideia de que o padrão mais correto é o de Lisboa é uma falsa presunção. O nosso aluno deve aprender a ciência na sua variante, elevando assim a autoestima, a capacidade de expressão e a redução das reprovações. Os lin-guistas precisam trabalhar para reduzir o preconceito sobre as variações e mudanças linguísticas porque este é um fenômeno natural das línguas. É importante relembrar que a escola deixou há muito tempo de ser “pura” linguisticamente e ela deve ser o espaço de debate, lugar de todas as modalidades de uso porque a língua é dinâmica, variável no tempo e no espaço.

AbstractIn Mozambique, the portuguese language is con-sidered the official language, second language, national language and competes with more than twenty Bantu languages spoken by the majority of population. The standard norm lose away their floor to the Mozambican Portuguese which carries own characteristics pertaining to the sociolinguis-tic context of the country. Schools attempt their best, but they cannot teach the European standard due the multilingual and Portuguese contact with African languages, a fact that is reflected in the media and in the literature through their oral and written forms. These difficulties result in high

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rates of failures due to problems encountered in using the European standard by teachers and wri-ters who prepare the school books. This research suggests the standardization of the Mozambican variant as well as the preparation of dictionaries and grammars illustrating the sociolinguistic reality of Mozambique in order to improve the quality of education. It also emphasizes the need for a self-esteem spirit on Mozambicans in general as a conduit to eliminate the soaring bias that Mozambicans can not speak portuguese language.

Keywords: standard-norm; change; Mozambi-can Portuguese.

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Combatir y conservar: posiciones y saberes sobre el lenguaje popular

en los Boletines de la Academia Argentina de Letras (1933-1943)

Mara Glozman

ResumenEste artículo presenta un análisis de las posiciones y los saberes acerca del lenguaje popular formu-lados en los Boletines de la Academia Argentina de Letras (BAAL) durante los primeros diez años de la publicación (1933-1943). Se trata de una problemática recurrente en los BAAL, cuya relevancia histórica se profundizó a partir de las transformaciones socio-económicas, políticas y culturales que tuvieron lugar desde comienzos de la década de 1930. En términos teóricos, el trabajo se filia en los estudios de Glotopolítica tal como se desarrollan actualmente en la Argentina, considerando a su vez aportes de diversos enfoques disciplinares. Metodológicamente, el trabajo pone en serie formulaciones sobre la Argentina, el len-guaje y los géneros asociados a la cultura popular, formulaciones que –en su dispersión– responden a un mismo posicionamiento político-institucional. Por su importancia discursiva, el análisis se detie-ne especialmente en el funcionamiento de la dico-tomía campo-ciudad, privilegiando dos ejes: a) la relación entre las definiciones políticas generales que se formulan en los BAAL y los posicionamien-tos sobre la cultura y el lenguaje popular y b) los saberes especializados que construyen al lunfardo, al folklore y a la poesía considerada popular como objetos de descripción y prescripción. El trabajo se propone, así, dar cuenta de los modos en los cuales la Academia contribuyó a institucionalizar un imaginario de lenguaje popular vinculado, por un lado, a una determinada definición de la tradición y, por el otro, a las políticas de exclusión de las prácticas asociadas al espacio popular urbano.

Palabras clave:Glotopolítica, Academia Ar-gentina de Letras, lenguaje popular, tradición, lunfardo, folklore.

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Gragoatá Mara Glozmani

IntroducciónLa Academia Argentina de Letras (AAL) fue creada en 1931

por un decreto-ley del primer presidente de facto de la historia Argentina, José F. Uriburu. Según especificaba el texto legal que la instituyó, la AAL tenía entre sus objetivos “velar por la corrección y pureza del idioma”, estudiar las “particularidades” lingüísticas de la Argentina, asesorar a las reparticiones y organismos del Estado nacional en materia lingüística, así como regular el campo cultural a través –por ejemplo– de la asignación de premios lite-rarios y del control sobre la producción teatral nacional (“Decreto de creación”, en Academia Argentina de Letras, 2001, p. 8). La Corporación, por lo tanto, tenía asignadas funciones diversas, que respondían a su compleja articulación político-institucional.

Por un lado, la AAL asumía funciones propias de las aca-demias de la lengua, en particular –siguiendo las definiciones de Barrios (2010)– la promoción de una política basada en el purismo idiomático y el afán de instituir criterios de corrección que proyec-taran un determinado imaginario de unidad lingüística. No obs-tante, como han señalado Blanco (1994 y 1995) y Taboada (1999), comprender el alcance de la AAL en lo atinente a las tareas de fijación normativa y de codificación lingüística implica considerar el papel subalterno que las academias americanas cumplieron históricamente en relación con la Real Academia Española (RAE). En efecto, si bien no se creó como una institución correspondiente de la RAE, los fines que la AAL tenía asignados la inscribían en el conjunto de las academias normativas hispanoamericanas, la gran mayoría de ellas formalmente dependientes de la RAE.

Por otro lado, la Academia debía funcionar en gran medida como un organismo político-cultural, interviniendo en cuestiones que en principio podrían ser consideradas ajenas a la regulación lingüística, tales como el teatro, la producción y difusión literaria, y las concepciones generales en torno de la cultura nacional. En este sentido, aun cuando la Corporación contara hasta 1949 con una relativa autonomía respecto de las políticas gubernamen-tales (GLOZMAN, 2009), la AAL formaba parte del conjunto de instituciones oficiales que sustentaban las políticas culturales del Estado nacional.

Este trabajo presenta un análisis de los posicionamientos que orientaron la labor de la AAL en sus inicios, atendiendo específicamente a una de las problemáticas que emergieron con mayor recurrencia en los Boletines de la Academia Argentina de Letras (BAAL) durante los primeros diez años de la publicación (1933-1943): la cuestión del lenguaje popular. Analizar los modos en que se configuraron los posicionamientos y saberes en torno de lo popular permite comprender uno de los puntos de articu-lación entre las posiciones puristas y prescriptivas en materia lingüística y las concepciones político-culturales más generales

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que sustentaron la intervención normativa de la Corporación. Con ello, el trabajo se propone contribuir a estudiar aspectos –poco considerados hasta el momento– del papel institucional, político-lingüístico y cultural de la AAL durante sus primeras décadas de funcionamiento.

El trabajo se inscribe en el campo de la Glotopolítica (AR-NOUX, 2008; ARNOUX & BEIN, 2010; ARNOUX & DEL VALLE, 2010), que se propone estudiar las relaciones entre las posiciones en torno de la lengua y del lenguaje, por un lado, y los procesos polí-ticos, sociales y culturales más amplios en los que tales posiciones se inscriben. La Glotopolítica opera con materiales de archivo de diversa naturaleza genérica –normas jurídicas, manuales y pro-gramas de estudio, materiales pedagógicos, diccionarios, gramá-ticas, entre otros (ARNOUX & LUIS, 2003)–, considerando en las series textuales que constituye para el análisis tanto su dimensión histórica como su dimensión discursiva. El enfoque glotopolí-tico, en este sentido, confluye con los estudios de historia de las ideas lingüísticas (AUROUX, 1989 y 2008), puesto que se detiene mayormente en aquellos textos que configuran lo lingüístico no solo como objeto de valoración y de prescripción sino también en tanto objeto de saber, atendiendo específicamente a los lugares institucionales en los cuales los saberes se formulan y circulan (ORLANDI, 2002; MARIANI & GOMES DE MEDEIROS, 2007).

Por otra parte, dada la especificidad de la institución y de los materiales que el análisis aborda, el trabajo también considera los aportes provenientes de otros campos disciplinares, como investigaciones sobre historia intelectual en la Argentina y los estudios culturales (WILLIAMS, 2000 y 2001), que proporcionan herramientas productivas para comprender algunas cuestiones político-institucionales o político-culturales que tienen efectos de sentido en las posiciones en torno del lenguaje formuladas en los BAAL.

Los Boletines de la Academia Argentina de Letras y la cuestión de lo popular

Si bien la creación de la AAL fue una medida oficial de quien asumió la Presidencia de la Nación luego de encabezar el golpe de Estado que derrocó en 1930 a Hipólito Yrigoyen, la composición de la Academia durante sus primeras décadas no fue homogénea. La Institución incorporó, ciertamente, a figuras que habían parti-cipado del golpe de Estado y adherido al programa corporativista de Uriburu, entre ellas Carlos Ibarguren, identificado en términos generales con aquella línea político-cultural que Buchrucker (1999) denomina nacionalismo restaurador. La AAL designó como miem-bros, asimismo, a personalidades del campo literario y pedagógico de filiación hispanista, como Calixto Oyuela –primer presidente de la AAL– y a intelectuales vinculados con las instituciones y publicaciones católicas –tal era el caso de monseñor Gustavo

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Franceschi y de Juan Alfonso Carrizo. Pero también incluyó a figuras representativas de corrientes del saber que respondían a concepciones sociales y epistemológicas diferentes –por ejemplo Rodolfo Senet, pedagogo positivista con una extensa trayectoria en la Psicología experimental.

Los BAAL comenzaron a publicarse en 1933, dos años después de la creación de la Corporación. Se trató, desde sus ini-cios, de una publicación periódica que incorporaba una diversidad de textos, heterogéneos tanto en sus temáticas como en su dimen-sión genérica, puesto que incluía, entre otros, notas biográficas, artículos de autor e informes oficiales. Los BAAL constituyeron en gran medida una expresión y a la vez una instancia de formula-ción y puesta en circulación de los posicionamientos políticos más generales, de los enfoques de estudio que primaban en la AAL y de los campos del saber en los cuales se legitimaba la intervención normativa de la Corporación.

El primer ciclo de publicación de los BAAL (1933-1943) coinci-dió con una etapa en la cual comenzaban a operarse –tanto a nivel nacional como regional– transformaciones económicas, sociales y productivas de envergadura. Principalmente, tales transfor-maciones estuvieron vinculadas con el proceso de desarrollo industrial –paulatino a comienzos de la década y sostenido desde mediados del decenio de 1930– surgido de la tendencia creciente a la sustitución de importaciones como mecanismo de salvaguarda de los intereses de los sectores dominantes frente a las políticas proteccionistas de los países centrales (DEL CAMPO, 2005). El acelerado crecimiento de las manufacturas locales tuvo fuertes efectos sociales y demográficos, vinculados con la migración de una importante cantidad de trabajadores rurales y de habitantes de las provincias del Norte de la Argentina hacia las zonas urba-nas en proceso de desarrollo industrial.

Estos cambios tuvieron efectos, asimismo, en otras dimen-siones sociales, atinentes a las prácticas y políticas culturales, así como a aspectos relacionados con las posiciones en torno del lenguaje. En aquella coyuntura, la configuración oficial de las tradiciones nacionales basada en el imaginario lingüístico-cultural asociado a la pampa húmeda –que había sustentado el modelo agroexportador desde fines del siglo xix y la política de asimilación de los inmigrantes extranjeros (PRIETO, 2006; RUBIONE, 2006)– comenzaba paulatinamente a articularse con la inclusión de los llamados cancioneros populares y de la cultura considerada representativa de las provincias del Norte. Se podría plantear, pues, que se trató de un proceso de reformulación de las políticas estatales de construcción de la tradición, entendida no en términos esenciales sino –en palabras de Williams (2000)– como tradición selectiva.

Por otra parte, la emergencia y el posterior proceso de institucionalización de los estudios sobre el lenguaje folklórico

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norteño –que tendría como efecto la creación, en 1943, del Insti-tuto Nacional de la Tradición, a cargo de Juan Alfonso Carrizo– acompañaron en gran medida los discursos que tomaban como objeto de censura las nuevas formas de cultura popular urbana surgidas durante las primeras décadas del siglo xx. En particular, las prácticas culturales sobre las cuales recayeron mayormente las posiciones de censura fueron el teatro popular, en el que se incorporaban las variedades lingüísticas de los colectivos inmi-grantes (PELLETIERI, 2008), y el tango, que mostraba la creciente incorporación del lunfardo –aquella variedad definida desde fines del siglo xix como “idioma del delito”– en la cultura popular de Buenos Aires (FRAGA, 2006).

Desde mediados de la década de 1930, el progresivo desar-rollo de la radiodifusión profundizó las preocupaciones de los sectores dirigentes en torno de la cultura y del lenguaje popu-lares (MATALLANA, 2006). Desde entonces, devino uno de los principales problemas glotopolíticos tanto para los sucesivos gobiernos nacionales (ARNOUX, VÁZQUEZ VILLANUEVA & VITALE, 2003; VITALE, 2010) como para aquellos intelectuales del nacionalismo católico que – según explica Zanatta (2005) – veían en el nuevo medio de comunicación de masas una herramienta para el adoctrinamiento moral de la población, pero también un instrumento peligroso que debía ser controlado.

La AAL no fue ajena a tales procesos. Por el contrario, los BAAL dieron lugar a numerosos artículos, discursos de recepción y notas que contribuían a configurar imaginarios en torno del lenguaje rural, del folklore, del lunfardo y de los géneros consti-tuidos a través de aquellas variedades lingüísticas. En particular, los textos firmados por Ibarguren, por un lado, y los artículos que tomaban el folklore norteño, el lenguaje definido como rural y el lunfardo como objetos de saber mostraron el interés de la Cor-poración por institucionalizar la distinción entre aquello consi-derado parte de las tradiciones populares y las manifestaciones lingüístico-culturales asociadas a los sectores populares urbanos. Definiciones de país y formulaciones sobre el lenguaje: la

palabra de Ibarguren Las diversas intervenciones textuales de Ibarguren en los

BAAL constituyen una zona del archivo privilegiada para analizar las posiciones que surgieron en el seno de la AAL durante sus primeras décadas de funcionamiento. Ibarguren fue, en efecto, una figura central en la Academia, por un lado por su papel ins-titucional formal –además de haber sido uno de sus principales impulsores, representó oficialmente a la Corporación entre 1935 y 1955. Por el otro, las posiciones condensadas en sus textos expre-san y a su vez configuran las problemáticas a las cuales buscaron dar respuesta los diversos análisis en torno del lenguaje popular enunciados en los BAAL durante el período 1933-1943.

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En los textos firmados por Ibarguren aparecen –a diferencia de la gran mayoría de los artículos de los Boletines– planteos polí-ticos que incluyen definiciones de país y caracterizaciones acerca de la nación, que delimitan a su vez aquello que puede y debe ser dicho sobre la cultura y el lenguaje. De esta manera, la palabra de Ibarguren proporcionaba a la AAL y a sus actividades un sustento político general, que debía orientar las posiciones normativas de la Corporación.

La primera intervención pública de Ibarguren en el seno de la AAL fue en el marco del acto de recepción de Ángel Gallardo como miembro de la Corporación. En aquel contexto, Ibarguren destinó una parte de su discurso –publicado en el primer BAAL– a caracterizar las tareas que debía asumir la Academia, vinculando los objetivos de la intervención político-lingüística de la AAL con la cuestión de la nación:

(1) La función primordial de una Academia de Letras es per-feccionar el lenguaje que mana del pueblo y es afinado por el ingenio de los escritores. En naciones de inmigración como la nuestra, tal tarea tiene una importancia mayor que en países tradicionales de población homogénea (IBARGUREN, 1933, p. 98).

La formulación transcripta en (1) contiene trazos de aquella representación de la nación que había operado como mecanismo legitimador de las políticas de castellanización de los inmigrantes extranjeros a principios del siglo xx (DI TULLIO, 2003; ENNIS, 2008). Ahora bien, en el fragmento citado la idea de que la Argen-tina constituía una nación de inmigración aparece mediante un efecto de evidencia que la naturaliza. La formulación actualiza, de esta manera, aquellas dicotomías entre inmigración y tradiciones, heterogeneidad y homogeneidad que constituyeron los sentidos dominantes de la discursividad estatal del período 1880-1910.

Este modo de definir la nación argentina y de delimitar, en relación con ello, las orientaciones de la AAL se mantuvo constante en los diversos discursos de recepción y textos de Ibarguren, en los cuales reaparecía con fuerza aquella imagen de la Argentina agroexportadora de la década de 1910. Una de las formulaciones que condensa con mayor precisión este imaginario de país formó parte de un texto, publicado en los BAAL en 1939, en el cual se transcribía un discurso oral de Ibarguren:

(2) La Argentina más genuina y característica está en las campañas, en las provincias. Las urbes populosas no tienen por lo general acentuado tipo nacional, excepto aquellas que representan y conservan una tradición histórica peculiar. La fisonomía propia y la vida esencial de un país, sobre todo cuando es agrícola y pastoril, está en los campos (IBARGU-REN, 1939, p. 563).

(3)

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El vocabulario que el texto despliega configura un entra-mado de sentidos en el cual “campañas”, “provincias” y “campos” aparecen en términos generales como elementos discursivamente equivalentes. Esta equivalencia produce un efecto de homogenei-dad que borra las distinciones entre provincias y zonas del país, construyendo una imagen idealizada de aquello que denomina “campos” o “campañas”. El funcionamiento de tal vocabulario muestra la productividad que este imaginario seguía teniendo como mecanismo de contraste frente a las grandes ciudades, aquellos espacios percibidos como zonas donde se producían las mayores transformaciones sociales, culturales y económicas.

Esta fue la representación dominante, y constante, en las formulaciones mediante las cuales Ibarguren definía la Argen-tina y proyectaba la concepción de nación que debía orientar las actividades académicas. En efecto, en otro discurso de recepción, pronunciado ya en 1943, el entonces presidente de la Corporación reiteraba los mismos tópicos que habían sustentado aquella pri-mera intervención de 1933:

(4) Nuestro país mantiene aun su fisonomía propia en las provincias del interior, a diferencia de las ciudades mercan-tiles del litoral y de sus puertos que recibieron una fluencia foránea que amenaza alterar nuestros rasgos originales. (…) Este fenómeno conspira contra nuestra integridad espiritual y puede modificar paulatinamente los caracteres de nuestra alma genuina (…). Es menester velar, en primer término, para que se conserven puras nuestras tradiciones (IBARGUREN, 1943, p. 54).

La última parte de la formulación citada en (3) permite observar el papel central que tenían a comienzos de la década de 1940 la persistencia del imaginario de amenaza asociado a la inmigración y la construcción de una determinada concepción de las tradiciones que operara como mecanismo de inclusión-exclusión de lo popular.

Este proceso discursivo de idealización de los espacios definidos como “el campo” y “la ciudad” tuvo efectos de sentido en las formulaciones sobre el lenguaje. En los primeros textos publicados en los BAAL, Ibarguren proyectaba aquella oposición a los elementos lingüísticos asociados típicamente, por un lado, a las expresiones del “gaucho” de la pampa húmeda y, por el otro, a determinadas prácticas lingüísticas propias de Buenos Aires:

(5) En la pampa, para no citar sino un ejemplo, el gaucho, como expresión la más ponderativa, dice delicadamente de mi flor, y – como observa Tiscornia – llama a una mujer hermosa “la flor del pago”. Comparemos esas poéticas canciones y ese léxico con la jerga de suburbio de los tangos y la de algunos diarios porteños, que manchan con su grosera vulgaridad el habla y envenenan el alma de Buenos Aires (IBARGUREN, 1933, p. 99).

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En (4), la dinámica contrastiva se traslada a los modos de denominación metalingüística. Así, se configura la oposición entre “léxico” y “jerga”, distinción que opera también en las concepciones en torno de los géneros discursivos: los tangos, asociados al lunfardo porteño, aparecen excluidos del sentido de “poéticas canciones”. Asimismo, la exaltación de la naturaleza rural como elemento representativo de las tradiciones argentinas se proyecta a las formulaciones que predican acerca del lenguaje y de las palabras:

(6) En los campos los vocablos brotan lozanos, asoleados y jugosos cual frutas bien sazonadas; parece que el terruño les comunicara esa emanación misteriosa que da patria a las co-sas y a los hombres; en la salubre atmósfera de las campañas, aquellos se modulan con tonos peculiares, vibran expresivos como el canto de las aves bajo los árboles o entre las mieses; allí se conservan puros a través de las generaciones (IBARGU-REN, 1933, p. 98-99).

La cita transcripta en (5) pone de manifiesto que no solo el espacio de “el campo” era construido mediante un proceso de idealización; también las palabras eran concebidas como “frutos espontáneos” de la naturaleza, de manera tal que aparecían silenciados los sujetos y las relaciones sociales constitutivas de los procesos lingüísticos. Esta concepción ancla en gran medida en un imaginario que –siguiendo el análisis de Williams (2001)– podría asociarse con aquella caracterización de las églogas virgilianas de una edad de oro, en la cual la tierra producía sus frutos sin necesidad del trabajo humano y el tiempo se desarrollaba en una permanente continuidad. Este modo de representar los elementos lingüísticos asociados con “el campo” construía, por consiguiente, la idea de que aquellas palabras permanecían inmutables a lo largo del tiempo. Tal construcción de la temporalidad ahistórica y de la idea de pureza asociada al imaginario rural presentaba una brecha significativa respecto de los modos de representación del lenguaje urbano:

(7) El aluvión cosmopolita salpica la lengua de voces extrañas que ensucian y afean el habla, lo que es menester combatir con ahínco para conservar acendrado el riquísimo patrimo-nio idiomático que nos dio España. En las ciudades es donde pululan y se propagan con más intensidad los barbarismos (IBARGUREN, 1933, p. 98).

La ciudad era percibida, entonces, como el espacio en el cual se producían y se ponían en circulación los neologismos y los llamados barbarismos. Buenos Aires constituía, por este motivo, la zona lingüística sobre la cual debía recaer el mayor control y la más constante vigilancia, puesto que la misma dinámica de la ciudad hacía del lenguaje una instancia en permanente transfor-mación. Se entramaban, así pues, en el texto de 1933, la exaltación de las expresiones asociadas típicamente al imaginario rural

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pampeano y la persistencia de aquellas posiciones de rechazo a las lenguas de inmigración que habían circulado desde fines del siglo xix.

Al igual que en las definiciones generales en torno de la Argentina, en las formulaciones acerca del lenguaje que se inscri-ben en los textos de Ibarguren publicados luego de 1933 se puede identificar un grado importante de estabilidad. Hay, no obstante, una diferencia: en lo que atañe a las formulaciones sobre la tra-dición en el lenguaje aparecen determinadas transformaciones discursivas, que dan cuenta del proceso de institucionalización del folklore y de construcción de los cancioneros considerados populares como objeto de valoración. Se trata, específicamente, no de sustituciones sino de agregados, que se incorporan a las formulaciones que retoman –incluso literalmente– los textos precedentes:

(8) En la pampa y en las montañas, entre los gauchos, los arrie-ros y los campesinos criollos es donde se halla con más fuerza el alma de España. Esa alma late no sólo en viejos vocablos y rancios modismos sino también en las formas expresivas de la sensibilidad y de la psicología popular. El folk-lore argentino, en una considerable porción de sus manifestaciones, es fruto y flor de semilla genuinamente española. Basta para probarlo echar una rápida ojeada a nuestros cancioneros y refraneros publicados por estudios enjundiosos como la notable obra de Juan Alfonso Carrizo (IBARGUREN, 1939, p. 564-565).

El fragmento citado da cuenta, en efecto, de la incorpora-ción, en el seno de la AAL, de la cuestión del folklore norteño en los planteos acerca de la tradición, incorporación que se expresa textualmente mediante la yuxtaposición de nuevos elementos –asociados con el paisaje del Norte de la Argentina– agregados a aquellos que ya aparecían en 1933.

Por otra parte, la concepción de la tradición en términos de cultura folklórica del Norte resultaba más confluyente con el modo en que el nacionalismo católico definía las tradiciones nacionales, esto es, como herencia de la España católica (ZANATTA, 2005). Las manifestaciones calificadas como “expresiones folklóricas”, por consiguiente, eran concebidas –tal como se verá con mayor precisión en el apartado siguiente– como una continuidad de la tradición hispánica en la Argentina y también por ello eran caracterizadas discursivamente como un reservorio de la espi-ritualidad católica que particularmente las provincias del Norte del país habrían preservado.

No obstante, los textos de Ibarguren no realizaban distinción alguna entre las coplas recopiladas en los cancioneros de Carrizo y la poesía rural asociada a la pampa. Por el contrario, en sus for-mulaciones acerca del lenguaje popular y de las tradiciones consi-deradas “genuinas”, Ibarguren construía un conjunto homogéneo con todos aquellos elementos lingüísticos que adquirieran el valor

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de lo tradicional. La inclusión de alusiones al folklore norteño no conllevaba, pues, desplazamientos de sentido significativos; es por ello que los últimos textos de Ibarguren publicados en los BAAL durante el período 1933-1943 retomaban, aunque con una mayor generalidad, los mismos lineamientos político-lingüísticos que había enunciado en 1933 y en 1939:

(9) En naciones de inmigración como la nuestra la tarea de velar por la pureza del lenguaje tiene una importancia mayor que en países de población homogénea y de larga historia. La corriente cosmopolita altera la lengua con voces extrañas que ensucian y afean el habla, lo que es necesario combatir con ahínco para conservar acendrado el riquísimo patrimonio idiomático que nos legó España. La gran labor de cultura literaria nacionalista de recoger del manantial popular la voz adecuada y bella y depurar el lenguaje en procura del giro preciso es la que primordialmente deben realizar nuestros escritores para hacer una literatura de carácter argentino y contener la ola exótica y arrabalera que en la metrópoli y en nuestras populosas ciudades, repletas de forasteros, pugna por volcar su fango verbal (IBARGUREN, 1943, p. 56).

Los textos de Ibarguren señalaron, así, dos de los principales objetivos que orientaron diversos aspectos de la labor de la AAL durante sus primeras décadas de funcionamiento: la preservación del lenguaje considerado “genuinamente popular” y el control sobre “el lenguaje porteño”, asociado –a través del funcionamiento de la expresión “arrabalera”– al lunfardo y al tango. De esta manera, Ibarguren no sólo enunciaba el proyecto político-cultural al que debían responder los lineamientos académicos; también delimitaba cuáles eran los objetos sobre los cuales debían recaer los análisis descriptivo-prescriptivos de quienes representaban, en el seno de la AAL, los saberes especializados en torno de la poesía considerada popular, del folklore y del lunfardo. Tradición y peligrosidad: lo popular como objeto de saber

Las dos figuras con cuya mención Ibarguren daba sustento a sus posiciones, Juan Alfonso Carrizo y Eleuterio Tiscornia, eran referentes del desarrollo de dos campos del saber: el de los estudios sobre el folklore norteño y el de los estudios sobre poesía gauchesca. Estos enfoques tenían una importancia considerable en los BAAL, especialmente los estudios vinculados al folklore del Norte, por su funcionamiento en tanto modo de configuración de la tradición popular como objeto de valoración.

Ahora bien, Carrizo no solo representaba el saber especiali-zado en torno de las tradiciones norteñas consideradas “genuinas” sino también la voz de aquel que había efectivamente observado los elementos lingüístico-culturales asociados a tales tradiciones. Su mención generaba, así, un doble efecto de sustentación: en el saber del folklorista y en el saber experimental del viajero-observa-dor. El propio Carrizo, en sus relatos y descripciones, asimilaba su

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punto de vista y su experiencia como investigador y recopilador de cantares con aquella mirada del viajero, esto es, de quien observa prácticas discursivas y culturales ajenas a su propia cosmovisión.

Era esta construcción la que se ponía de manifiesto en uno de los principales artículos de los BAAL en los cuales Carrizo condensó su caracterización de la cultural lingüística popular del Norte argentino, texto publicado en 1936 bajo el título“La blasfemia y los cantares populares. Por qué no existe la blasfemia en nuestros criollos y por qué no hay procacidad en los cantares”:

(10) El viajero que haya tenido la oportunidad de visitar el norte del país, y haya podido tratar con los paisanos nativos de las provincias que constituían el Tucumán colonial, habrá podido observar que de los labios de esa gente no sale nunca una blasfemia (…). Yo que he tenido la suerte de vivir con ellos mucho tiempo, buscando los cantares populares, he constatado que el criollo norteño y seguramente también el de las otras regiones del país no es maldiciente, no abre su boca para pro-fanar el santo nombre de Dios (CARRIZO, 1936, p. 56).

Al igual que Ibarguren, Carrizo partía del supuesto de que había una continuidad entre las prácticas y tradiciones españolas, y aquellas de los “paisanos argentinos”. La tesis de Carrizo consis-tía en afirmar que habían sido los mecanismos e instrumentos concretos de disciplinamiento de las instituciones eclesiásticas coloniales los que habían modificado las prácticas impías que traían los habitantes del norte de la Argentina:

(11) Frente al hecho, en cierto modo desconcertante, de nuestro paisano que habiendo heredado todo al español, no le haya aprendido también a blasfemar, he tratado de buscar la causa y creo haberla encontrado en la actitud decidida de los obis-pos y sacerdotes de los siglos de la conquista y colonización (CARRIZO, 1936, p. 56-57).

Siguiendo lo enunciado en el texto de Carrizo, la tradición más “pura” de la cultura popular nacional se encontraba, por consiguiente, en aquellas zonas donde había habido una mayor intervención disciplinante de las instituciones coloniales. Esta interpretación explicaba en gran medida los criterios de selección que habían conducido a Carrizo a privilegiar las provincias nor-teñas para la recopilación de las “coplas populares”. Así pues, el texto de Carrizo configuraba una imagen piadosa de las prácti-cas discursivas de los “paisanos argentinos”, asociada a la moral católica:

(12) En cuanto a los cantares (…) en las 14.000 piezas recogidas por mí, de boca del pueblo, no hay una blasfemia y no hay tampoco la procacidad de la copla española; hay sí, picardía, doble sentido, que puede hacer sonrojar a una niña pero no la copla grosera e impúdica (CARRIZO, 1936, p. 57).

Era, por consiguiente, aquella inocencia –manifestada en el lenguaje– la que se expresaba en las coplas y cantares populares, y

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la que se debía preservar a través, principalmente, de las prácticas de intervención de la AAL.

El interés por delimitar lo popular también se expresaba en los estudios sobre la llamada “poesía nacional”. En este sentido, las definiciones y caracterizaciones que exponía Tiscornia en torno de aquellos géneros poéticos asociados a lo popular y/o a lo tradicional resultaban marcadamente coincidentes con los lineamientos generales de los artículos que versaban sobre cues-tiones de folklore. Si bien fueron varias las notas publicados por Tiscornia en los BAAL, el texto más completo sobre poesía consi-derada popular apareció en el tomo extraordinario de 1943, con el título “Orígenes de la poesía gauchesca”. El objeto principal de aquel texto era, pues, definir, demarcar y delimitar las diferencias entre dos formas de la poesía definida como popular:

(13) El estudio de nuestra poesía popular ofrece dos mani-festaciones sustancialmente diferentes: la tradicional y la gauchesca. La tendencia vulgar tira a confundirlas en un solo cuerpo, pero la crítica debe evitar esa confusión. La edad, el caudal temático, la zona geográfica de dispersión, el carácter popular son distintos en las dos (TISCORNIA, 1943, p. 347).

No obstante la necesidad de distinguirlas, ambas formas eran concebidas y definidas por Tiscornia como expresiones de la literatura popular. La primera, la poesía tradicional, era compar-tida por todos los países hispanoamericanos; se trataba de aquella poesía que Carrizo recogía en sus cancioneros:

(14) La poesía tradicional, en nuestro país, en toda América, remonta a los días de la conquista y colonización; es lo español de los romances viejos y las antiguas canciones de los siglos xvi y xvii, con los arrastres del siglo xv; transmite la sustancia lírica de los villancicos y las coplas, y la épica de los cantares heroicos y caballerescos; se conserva en las provincias andinas y norteñas, derramada en sus valles y montañas (TISCORNIA, 1943, p. 347).

La definición de Tiscornia sobre la poesía caracterizada como tradicional no sólo explicaba aquellos supuestos que regían los estudios del folklore. También proporcionaba elementos para comprender los motivos que habían llevado a Carrizo a confec-cionar cancioneros por provincia: en cada región, provincia o zona aquella poesía tradicional adquiría rasgos locales peculiares y propios.

La poesía gauchesca, por su parte, era el objeto primordial de estudio de Tiscornia. Tal como aparecía definida en el texto de este autor, la gauchesca tenía las condiciones para representar –más que la poesía tradicional– aquel imaginario de cultura ganadera y, en gran medida, la pampa húmeda como zona de referencia y alma mater de la nacionalidad. En efecto, el texto de Tiscornia configuraba una estrecha relación entre esta forma de la poesía y la cultura propia del “campo abierto”:

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(15) La poesía gauchesca es posterior en casi tres siglos; recibe de la tradicional, en la herencia de la lengua, una porción con-siderable de las ideas y los sentimientos, pero tiene originali-dad propia, fuertemente acentuada; se apodera de un nuevo escenario, que es el campo abierto, y de un tipo nuevo, que es el gaucho, y funda en ambas fuentes la razón de su existen-cia; se desarrolla en la llanura inmensa, a uno y otro lado del Plata, y alcanza en la inspiración de poetas individuales una expresión popular que puja por extenderse a todas partes como expresión nacional (TISCORNIA, 1943, p. 347-348).

De esta manera, Tiscornia se ocupaba de aclarar y distinguir aquello que en los textos de Ibarguren aparecía yuxtapuesto y entrelazado. Aun así, las dos formas definidas por Tiscornia como de poesía popular compartían una serie de elementos comunes, principalmente el remitir a un ámbito caracterizado mayormente por su lejanía y distancia socio-cultural respecto de las grandes ciudades. En un caso, se trataba de los “paisanos del Norte”; en el otro, de los “gauchos de la pampa”; en ambos casos la relación con la naturaleza aparecía como elemento constitutivo de la creación popular, fuera esta considerada anónima y colectiva, o autorial e individual.

Las intervenciones de Carrizo y de Tiscornia en los BAAL proporcionaban en gran medida un sustento epistémico al ima-ginario que valoraba lo popular en tanto parte constitutiva de las tradiciones, esto es, como rémora de un pasado previo al proceso de inmigración, en primer término, y de desarrollo urbano, en segundo término. Mostraban, pues, aquello a preservar, contri-buyendo a institucionalizar el contrapunto entre la valoración de lo tradicional y las expresiones populares urbanas, excluidas de las definiciones en torno de lo popular. No obstante, los saberes que Tiscornia y Carrizo representaban no permitían legitimar la construcción del lunfardo en términos de amenaza a la nacio-nalidad, a la moralidad y a la lengua. Es por ello que resulta comprensible la publicación en los BAAL de varios artículos que abordaban específicamente el lunfardo como objeto de descripción y explicación.

Los principales textos acerca del lunfardo publicados en los BAAL fueron firmados por Rodolfo Senet, una de las figuras de la Escuela Positivista que adquirió notoriedad durante los primeros años del siglo xx (TALAK ET AL., 2005). Los supuestos episte-mológicos que enmarcaban las explicaciones de Senet en torno del lenguaje urbano se filiaban en los estudios criminológicos enca-rados por el positivismo desde fines del siglo xix (SALVATORE, 2004). Tal perspectiva centraba sus análisis y clasificaciones en el concepto de “peligrosidad”, que era comprendida como “el estado potencial del impulso antisocial de cada individuo” (CAIMARI, 2004, p. 88) y que podría ser medida a través de un diagnóstico que atendía a un conjunto de variables. Según expone Caimari

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(2004), una de las variables que la Criminología positivista –en base a los trabajos del italiano Lombroso– consideró para la deter-minación de la “peligrosidad” de los individuos fue, justamente, el lenguaje. En particular, en la Argentina esta perspectiva de análisis del “lenguaje criminal” se volcó, ya desde fines del siglo xix, a la descripción y caracterización del lunfardo, variedad que los primeros especialistas definían como “lengua del delito” o “argot criminal” (CAIMARI, 2004; ENNIS, 2008).

Senet expuso en los BAAL su teoría acerca del lunfardo especialmente en un artículo publicado bajo el título de “El fal-seamiento del castellano en la Argentina y lo que significan en realidad las palabras del lunfardo” (1938). En aquel texto, Senet –actualizando los lineamientos conceptuales y metodológicos de la Criminología– buscaba demostrar que la creación de palabras “lunfardas” constituía la manifestación de una desviación res-pecto de la norma social.

Los planteos de Senet acerca del lunfardo mostraban el grado de confluencia que el positivismo y el nacionalismo tra-dicionalista –perspectivas confrontadas en los inicios del siglo xx (TERÁN, 2004)– presentaban para la década de 1930, espe-cialmente en torno de la regulación normativa de las prácticas lingüísticas populares. En efecto, el artículo “El falseamiento del castellano en la Argentina y lo que significan en realidad las palabras del lunfardo”, además de filiarse en la perspectiva criminológica positivista, actualizaba aquellos tópicos y lugares comunes acerca del lenguaje urbano que aparecían en los textos de Ibarguren:

(16) En todo el territorio del país, nuestro castellano deja mucho que desear; pero donde se le habla peor es, sin duda, en la ciudad de Buenos Aires. (…) Desde allí se infiltra, en el país, no poco a poco, sino en forma harto veloz, la corrupción del idioma que trajeran de la madre patria los conquistadores y colonizadores de otros tiempos (SENET, 1938, p. 121-122).

Por otro lado, los análisis de Senet también confluían con otras caracterizaciones en torno del lunfardo formuladas en los BAAL y que ponían de manifiesto una de las preocupaciones cen-trales de la Academia: el problema de la creación léxica popular y de la circulación de neologismos que tenían origen en los sectores populares urbanos.

Las definiciones sobre esta variedad lingüística que apa-recían en artículos previamente publicados en los BAAL retoma-ban, pues, las caracterizaciones del lunfardo como “lengua del delito”, tal como aparecía en el artículo de Portnoy “Notas sobre la evolución del castellano en la Argentina” (1937). Este artículo se proponía mostrar que el lunfardo tenía una “gran capacidad migratoria”, lo que motivaba en gran medida que constituyera el objeto al que se debía volcar especialmente el control y la vigilancia

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académica. Esta era, principalmente, la tesis de Portnoy en torno de la expansión del lunfardo fuera de los límites “del delito”:

(17) Lo que importa señalar en lo referente al lunfardo es, por decirlo así, su extraordinario poder migratorio. Apenas existe voz de esa jerga que no haya cruzado el Plata para difundirse en el Uruguay y en el Brasil (especialmente en la provincia de Río Grande). Jacques Raimundo, profesor brasileño, ha obser-vado que el argot del delincuente porteño, la jerigonza del turf y el vesre arrabalero están ampliamente representados en el vocabulario del vulgo de su patria. Y cita cientos de vocablos de origen bonaerense, todos muy expresivos (PORTNOY, 1937, p. 262).

La expresividad que se le asignaba al lunfardo constituía, justamente, el motivo por el cual esta variedad lingüística tenía alcance en diferentes clases, sectores sociales y zonas geográficas. El problema en torno del lunfardo ya no era, entonces, aquel de fines de siglo xix, cuando el conocimiento de esta variedad estaba asociado directamente al estudio del comportamiento y de las patologías de los “delincuentes”. La principal preocupación de la Academia, condensada en el artículo citado de Portnoy y en los análisis de Senet, era la circulación de las voces identificadas como “lunfardas” fuera de su ámbito primigenio. A ello apuntaba el artí-culo de Senet, que establecía una distinción moral entre quienes utilizaban estas palabras y quienes las rechazaban. Así, Senet buscaba dar fundamento epistémico a un objetivo eminentemente normativo: evitar que los sectores medios y sobre todo los traba-jadores incorporaran palabras caracterizadas como “lunfardas”.

Con tal fin, Senet –a diferencia de Ibarguren– no apelaba a la pureza que presentaría ni el “lenguaje rural” ni el “lenguaje nor-teño”. En cambio, proponía como eje de diferenciación la relación de los sujetos urbanos con el trabajo y el comportamiento social, retomando clasificaciones propias del discurso criminológico positivista:

(18) Aparte de la necesidad de la gente de bajo fondo y de mal vivir de disponer de un idioma incomprensible para la gente honrada, su mismo género de vida, anormal con respecto al de la generalidad, les obliga a neologizar (SENET, 1938, p. 128).

De esta manera, los estudios de Senet otorgaban un sustento legitimado en el saber científico a aquella idea de que el lunfardo constituía una “fuente de corrupción”, estableciendo una línea de continuidad –y de causalidad– entre la “corrupción moral” de los hablantes y la producción de neologismos populares, que eran vistos, justamente, como mecanismos desviantes de la lengua. Así pues, la perspectiva positivista permitía instituir un criterio –con valor de cientificidad– para fundamentar intervenciones normativas en torno del lunfardo y de los géneros asociados a este.

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ConclusionesEl desarrollo del análisis presentado muestra la relevancia

que adquirió en los BAAL publicados durante el período 1933-1943 la cuestión del lenguaje popular, problemática que apareció como inquietud tanto en aquellos textos que presentaban definiciones de carácter político-cultural general como en aquellos otros que se proponían abordarla desde los saberes legitimados en el seno de la Corporación.

Conjuntamente, y puestos en serie, los textos analizados par-ticiparon de la configuración de una discursividad que generaba un “efecto de bucolización”, que conllevaba un doble movimiento: la delimitación de lo popular como un elemento “natural” de aquellas zonas distantes de los grandes centros urbanos que se habían constituido o se estaban constituyendo como espacio de referencia para la definición estatal de la tradición nacional, y la construcción de lo popular urbano como una amenaza social, lingüística y moral.

Ahora bien, dentro de esta discursividad común, se podría plantear que entre unos y otros hubo un funcionamiento com-plementario, articulado. Por un lado, los textos de mayor alcance político señalaron en gran medida los objetivos de la Corporación: “combatir” y “conservar” fueron las expresiones con las cuales Ibarguren condensó los lineamientos político-lingüísticos que debían guiar, en este aspecto, el trabajo de la AAL. Por el otro, las descripciones y explicaciones desplegadas en los artículos que apelaban a la legitimidad de un saber especializado daban sustento a los posicionamientos normativos y a los objetivos que la Corporación se planteaba en materia de regulación política-lingüística: los estudios sobre las coplas norteñas y sobre poesía gauchesca señalaban los elementos a “conservar”; la explicación criminológica proporcionaba una batería de argumentos para “combatir” el uso de neologismos populares asociados al lunfardo. En este sentido, el análisis da cuenta de la productividad política y disciplinaria de la serie de artículos analizados, que contribuyeron a institucionalizar una visión tradicionalista sobre la cultura y sobre lo popular en el lenguaje.

ResumoO artigo propõe-se analisar as posições e os saberes sobre a linguagem popular formulados nos Boletins da Academia Argentina de Letras (BAAL) durante os primeiros dez anos da publi-cação (1933-1943). Trata-se de uma problemática recorrente nos BAAL, e de forte relevância histó-rica a partir das transformações socioeconômicas, políticas e culturais que tiveram lugar desde os

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inícios da década de 1930. Em termos teóricos, o trabalho filia-se nos estudos de Glotopolítica tal como se desenvolvem atualmente na Argentina, considerando na sua vez aportes de diferentes perspectivas disciplinares. Metodologicamente, o trabalho coloca em serie formulações sobre a Ar-gentina, sobre a linguagem e os gêneros associados ao popular que –na sua dispersão– respondem ao mesmo posicionamento político-institucional. Por sua importância discursiva, a análise se detém especialmente sobre o funcionamento da dicoto-mia campo-cidade, privilegiando dois eixos: a) a relação entre as definições políticas gerais que se formulam nos BAAL e os posicionamentos sobre a cultura e a linguagem popular e b) os saberes especializados que constroem o lunfardo, o folclore e a poesia considerada popular como objetos de descrição e prescrição. O trabalho propõe-se, as-sim, dar conta dos modos nos quais a Academia contribuiu a institucionalizar um imaginário de linguagem popular vinculado, de um lado, a uma determinada definição da tradição e, de outro, às políticas de exclusão das práticas associadas ao espaço popular urbano.

Palavras-chave:Glotopolítica, Academia Ar-gentina de Letras, linguagem popular, lunfardo, folclore, tradição.

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Organizadores deste número

MÔNICA MARIA GUIMARÃES SAVEDRADoutora em Lingüística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-doutorado na área de política e planificação linguistica na Uni-versidade de Duisburg-Essen. Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense, desenvolve pesquisas e orienta na área de so-ciolinguística, línguas e culturas em contato, com especial atenção para línguas de imigrantes no Brasil, no âmbito da temática de bi-lingüismo/bilingualidade, pluricentrismo, plurilingusmo e estudos interculturais. Também atua no ensino de DaF (Alemão como língua estrangeira), bem como na formação de professores de línguas. Or-ganizou o livro Sociolinguistica no Brasil: uma contribuição dos estudos sobre línguas em/de contato (2009). Publicou O desenvolvimento da lín-gua alemã âmbito de sua Sprachpolitik e de sua Sprachenpolitik atual (2011); Estudos e pesquisas em sociolinguistica no contexto plurilín-gue do Brasil (2010); O português no Mercosul (2009). E, em colabo-ração, Língua, Cultura e construção da identidade teuto-brasileira/brasileira-alemã nosul do Brasil (2012); Das Pommerische in Espírito Santo: Ergebnisse una Perspektiven einer soziolinguistichen Studie (2011); Ostereier são ovinhos de Páscoa? Questões de interculturali-dade no ensino da língua alemã como DaZ (2010) .

XOÁN CARLOS LAGARESDoutor em Letras pela Universidade da Coruña. Professor adjunto do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense, atua na graduação em Letras Português/Espanhol e no Programa de Pós--Graduação em Estudos da Linguagem, do qual é vice-coordenador. A sua pesquisa desenvolve-se no âmbito da linguística histórica, da história social das línguas ibéricas e das políticas linguísticas. Publi-cou E por esto fez este cantar (2000) e O xénero gramatical en galego (2006) e co-organizou as coletânea Políticas da norma e conflitos linguísticos (2011) e Galego e Português Brasileiro: história, variação e mudança (2012).

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ALEXANDRE ANTÓNIO TIMBANEBacharel e Licenciado em ensino de francês pela Universidade Pedagógica de Maputo (UP), Mestre em Linguística pela Universi-dade Eduardo Mondlane (UEM), professor Titular na Academia de CiênciasPoliciais (ACIPOL), onde atua na graduação em Ciências Policiais, Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Linguísti-ca e Língua Portuguesa da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”(UNESP) e bolsista do CNPq. Trabalha com questões de variação e mudança linguística com particular atenção às línguas faladas em Moçambique. E-mail: alextimbana@gmail.com.

ANDERSON SALVATERRA MAGALHÃES Doutor em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pon-tifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Letras e do Departamento de Letras Vernáculas, Universidade Federal de Santa Maria, RS. Coordenador do projeto de pesquisa “A recepção da teoria dialógica no Brasil: su-jeitos, linguagens e culturas na construção de conhecimento”, apoia-do pela FAPERGS. Membro/pesquisador do GP/CNPq/PUC-SP “Linguagem, identidade e memória” e do GP/CNPq/UFSM “Lite-ratura, linguagem, memória”.

CLÁUDIA RONCARATI (in memorian)Doutora em Linguística e Filologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-Doutorado pela University of California, Santa Bar-bara (1994-1995). Pós-Doutorado, sob a supervisão de Ataliba Teixei-ra de Castilho (IEL-UNICAMP, 2009-2010). Professor Associado III da Universidade Federal Fluminense e pesquisadora junto ao PEUL (Programa de Estudos sobre os Usos da Língua, UFRJ/ UFF/UnB). Pesquisadora I do CNPq. Presidente da Associação Internacional de Linguística do Português (AILP), gestão 2007-2010. DAVI BORGES DE ALBUQUERQUE Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL) da Universidade de Brasília (UnB). Foi professor cooperante na Uni-versidade Nacional Timor-Lorosa’e (UNTL), em 2008-2009, e vem desenvolvendo sua tese, assim como diversos estudos sobre a língua portuguesa em Timor-Leste, juntamente com temas de contato de lín-guas, ecolinguística e política linguística no mesmo país. Atualmente, é professor substituto da Universidade Federal de Sergipe (UFS). E--mail: albuquerque00@hotmail.com

Colaboradores deste número

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DÉBORA COSTA Mestre pelo Programa de Pós-Graduação do Instituto de Letras da UFF, em Estudos Aplicados de Linguagem. Tem como áreas de inte-resse Línguas em Contato, Representação Linguística e Políticas Lin-guísticas. Atualmente, é professora de Língua Estrangeira na prefei-tura do Rio de Janeiro. E-mail: deboramaralcosta@hotmail.com DIEGO BARBOSA DA SILVAGraduado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com especialização em Relações Internacionais Con-temporâneas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Mestre em Letras/Linguística (UERJ) e Doutorando em Estudos de Linguagem na Universidade Federal Fluminense (UFF). Trabalha no Arquivo Nacional, onde é um dos responsáveis pela su-pervisão da indexação do acervo documental. Seu último trabalho publicado foi Política Lingüística en África: del pasado colonial al futuro global (2011) na Revista Estudios de Ásia y África (México). Desenvolve pesquisas transdisciplinares envolvendo análise do discurso, política linguística e relações internacionais. E-mail: vsjd@uol.com.br. HENRIQUE MONTEAGUDOProfessor titular de Filologias Galega e Portuguesa da Universida-de de Santiago de Compostela (Galiza), também é investigador do Instituto da Língua Galega da mesma Universidade. Foi professor convidado na Universidade de Califórnia-Santa Barbara, no Gradu-ate Center-City University of New York e nas Universidades de São Paulo e Buenos Aires. A sua pesquisa está centrada na história da língua, na sociolinguística e na glotopolítica. Publicou, entre outras monografias, uma História Social da Língua Galega, e é coeditor e coautor do volume Galego e Português Brasileiro: história, variação, mudança. IVANI FERREIRA DE FARIAPossui graduação em Licenciatura e Bacharelado em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo (1987), mestrado em Geo-grafia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (1997), doutorado em Geografia (Geografia Fisica) pela Universidade de São Paulo (2007) e pós doutorado pela Universidade Nacional do Mé-xico/UNAM e Universidade Pedagógica Nacional do México/UPN (2012). Atualmente é professora adjunta III da Universidade Federal do Amazonas. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Gestão Territorial em áreas protegidas, atuando principalmente nos seguintes temas: diagnóstico socioambiental em Unidades de Con-servação; planejamento e mapeamento participativo em áreas pro-tegidas (UC e TI); identidade, cultura e turismo; ecoturismo de base comunitária; Gestão do território em terras indígenas; educação es-colar indígena e etnodesenvolvimento; e geopolítica ambiental. Faz parte dos Programas de Pós-graduação em Geografia (PPGEOG) e Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia (PPGCASA).

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KARINA MENDES THOMAZ Doutoranda em Linguística na linha de pesquisa Política Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Letras - Es-tudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2005), especialista em História da Educação Brasileira pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2010), bacharel e licen-ciada em Letras (Português e Inglês) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2002). Professora da Licenciatura Indígena em Polí-ticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal do Amazonas.

KERRY TAYLOR-LEECH Doutora em Linguística pela Griffith University, Brisbane, Austrá-lia, com uma tese sobre a ecologia do planejamento linguístico em Timor-Leste, e professora leitora, em Linguística Aplicada (Applied Linnguistics) e TESOL (Teachers of English to Speakers of Other Lan-guages), na School of Education and Professional Studies localizada na mesma universidade, onde também orienta alunos de mestrado e doutorado. Possui experiência como professora em educação secun-dária, educação de adultos migrantes e educação superior no Reino Unido, Europa, África, Ásia e Austrália. Tem vários artigos e capítu-los de livros publicados sobre seus temas de interesse, como: aqui-sição de língua e de letramento, política e planejamento linguístico, educação bi/multilíngue e identidade linguística.

LEANDRO RODRIGUES ALVES DINIZBacharel, mestre e doutor em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor visitante na Universidade Fe-deral da Integração Latino-Americana (UNILA). Membro titular da Comissão Técnico-Científica do Certificado de Proficiência em Lín-gua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras) e autor de materiais didáticos para o ensino de português como língua materna e como língua adicional. Principais áreas de atuação: Português como Lín-gua Adicional, Políticas Linguísticas, Análise do Discurso, História das Ideias Linguísticas. E-mail: leandroradiniz@yahoo.com.br

LETÍCIA CAO PONSOMestre em Estudos de Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Es-tudos de Linguagem no Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense, com bolsa CAPES. Seus centros de interesse estão dire-cionados para a área de Sociolinguística e Dialetologia, abrangendo bilinguismo e contato linguístico, multilinguismo, políticas linguís-ticas e identidade. Seu atual projeto de pesquisa examina represen-tações sociais sobre a língua portuguesa em contato com as línguas autóctones moçambicanas. E-mail: lecapon@gmail.com.

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LOUIS-JEAN CALVET Doutor em letras e ciências humanas pela Universidade de Paris V (Paris Sorbonne). Foi professor da Sorbonne (Université René Des-cartes), onde ensinou sociolinguística até 1999. Atualmente é profes-sor emérito da Universidade de Provence (Aix-Marseille). Especialis-ta em sociolinguística publicou mais de quarenta livros sobre o tema, alguns dos quais traduzidos para o português. Em 2012 recebeu o prêmio Sociolinguist World Wide Award.

MARA GLOZMANDoutora em Letras (com orientação em Lingüística) e Mestre em Analise do Discurso pela Universidade de Buenos Aires. Chefe de Trabalhos Práticos de Lingüística Geral. Pesquisadora do Instituto de Lingüística (UBA) com bolsa CONICET. Sua pesquisa, filiada nas áreas de Glotopolítica, Historia das Idéias Lingüísticas e Análise do Discurso, examina os discursos em torno da língua nacional e da lin-guagem popular produzidos nas instituições argentinas entre 1930 e 1955, com especial atenção ao período peronista. É coautora de Voces y ecos. Una antología de los debates sobre la lengua nacional (Buenos Aires: Cabiria/Biblioteca nacional, 2012).

ROSÂNGELA MORELLODoutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (2001), com estágio em Doutorado Sanduíche na Université Paris VII (1997-1998). Cursou Mestrado em Linguística na Universidade Estadual de Campinas (1995), e Graduação em Licenciatura Plena em Letras: Língua e Literatura Portuguesa pela Faculdade de Filo-sofia Ciências e Letras de Colatina (1985). Atualmente é Coordena-dora Geral do IPOL - Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística. É professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem (UNIR) e do Programa de Pós-Graduação em Linguística (UFSC). Coordena o Projeto de Pes-quisa Observatório da Educação na Fronteira (OBEDF), com apoio da CAPES (Edital 038/2010) e desenvolvido em parceria com pesqui-sadores e professores de universidades públicas federais, escolas de ensino fundamental na fronteira e alunos de graduação e pós-gradu-ação. Responsável pelo Projeto Piloto Inventário da Língua Guarani Mbyá (IPHAN/MinC/CFDD/MJ) para formulação do Inventário Nacional da Diversidade Linguística.

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ROSANE DE ANDRADE BERLINCK Licenciada em Letras Português-Inglês pela Universidade Federal do Paraná, Mestre em Linguística pela Universidade Estadual de Cam-pinas e Doutora em Linguística pela Katholieke Universiteit Leuven (Bélgica). Atualmente exerce o cargo de Professor Assistente-Doutor do Departamento de Linguística da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, campus de Araraquara. Seus interesses de pesquisa se situam nas áreas da Sociolinguística e da Linguística Histórica, foca-lizando o passado, o presente e o devir da língua portuguesa, parti-cularmente em seus aspectos morfológicos e sintáticos. E-mail: ber-linck@fclar.unesp.br TELMA PEREIRA Professora adjunta do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense, onde atua na graduação em Letras Português/Francês e no Programa de Pós-Graduação em Letras, na área de Estudos de Linguagem. Graduada em Letras pela UFRJ, Mestrado em letras pela UERJ, é Doutora em Letras pela PUC-Rio, com estágio CAPES/PDEE na Université de Provence. Atua, principalmente, nos seguintes te-mas: sociolinguística, educação bilíngue, política linguística e língua francesa, sendo membro do GT de Sociolinguística da ANPOLL, do Grupo Interinstitucional de Estudos Linguísticos (GIEL). Orienta e desenvolve pesquisas nas áreas de representação linguística, política linguística e de ensino de FLE . E-mail: tcaspereira@uol.com.br

VERA LÚCIA DE ALBUQUERQUE SANT´ANNA Professora adjunta do Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde atua na graduação em Letras Português/Es-panhol e na área de Linguística do Programa de Pós-Graduação em Letras. Doutora em Linguística Aplicada pela PUC-SP e Pós-doutora pela Université de Paris VII e também pala PUC-SP. Membro do GT Linguagem, Enunciação e Trabalho (ANPOLL) e também dos gru-pos de pesquisa Atelier; Práticas de linguagem, trabalho e formação docente e PraLinS (CNPq), sendo líder do último. E-mail: verasantan-na@terra.com.br.

Gragoatá Niterói, n. 32, p. 255-258, 1. sem. 2012

Normas de apresentação de trabalhos1 A Revista Gragoatá, dos Programas de Pós-Graduação em Letras

da UFF, aceita originais sob forma de artigos inéditos e resenhas de interesse para estudos de língua e literatura, em língua portu-guesa, inglêsa, francesa e espanhola.

2 Os textos serão submetidos a parecer da Comissão Editorial, que poderá sugerir ao autor modificações de estrutura ou conteúdo.

3 Os textos não deverão exceder 25 páginas, no caso dos artigos, e 8 páginas, no caso de resenhas. Devem ser apresentados em duas cópias impressas sem identificação do autor, bem como em CD, com título do artigo em português e em inglês, indicação do autor, sua filiação acadêmica completa e endereço eletrônico no programa Word for Windows 7.0, em fonte Times New Roman (corpo 12, es-paço duplo), sem qualquer tipo de formatação, a não ser:

3.1 Indicação de caracteres (negrito e itálico).3.2 Margens de 3 cm.3.3 Recuo de 1 cm no início do parágrafo.3.4 Recuo de 2 cm nas citações.3.5 Uso de sublinhas ou aspas duplas (não usar CAIXA ALTA).3.6 Uso de itálicos para termos estrangeiros e títulos de livros e

períodicos.

4 As citações bibliográficas serão indicadas no corpo do texto, entre parênteses, com as seguintes informações: sobrenome do autor em caixa alta; vírgula; data da publicação; abreviatura de página (p.) e o número desta. (Ex.: SILVA, 1992, p. 3-23).

5 As notas explicativas, restritas ao mínimo indispensável, deverão ser apresentadas no final do texto.

6 As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, obedecendo às normas a seguir:

Livro: sobrenome do autor, maiúscula inicial do(s) prenome(s), título do livro (itálico), local de publicação, editora,data.Ex.: SHAFF, Adan. História e verdade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

Artigo: sobrenome do autor, maiúscula inicial do(s) prenome(s), título do artigo, nome do periódico (itálico), volume e nº do periódico, data.Ex.: COSTA, A.F.C. da. Estrutura da produção editorial dos periódicos biomédicos brasileiros. Trans-in-formação, Campinas, v. 1, n.1, p. 81-104, jan./abr. 1989.

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Instituto de Letras

Revista GragoatáRua Professor

Marcos Waldemar de Freitas Reis, s/nº

Campus do Gragoatá - Bloco C - Sala 518

24210-201 - Niterói - RJe-mail: pgletras@vm.uff.br

Telefone: 21-2629-2608

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Gragoatá Normas

7 As ilustrações deverão ter a qualidade necessária para uma boa reprodução gráfica. Deverão ser identificadas, com título ou legen-da, e designadas, no texto, de forma abreviada, como figura (Fig. 1, Fig. 2 etc).

8 Os originais serão avaliados a partir dos seguintes quesitos: 8.1 adequação ao tema; 8.2 originalidade da reflexão;8.3 relevância para a área de estudo; 8.4 atualização bibliográfica;8.5 objetividade e clareza; 8.6 linguagem técnico-científica.

9 A responsabilidade pelo conteúdo dos artigos publicados pela Re-vista Gragoatá caberá, exclusivamente, aos seus respectivos autores.

10 Os colaboradores terão direito a dois exemplares da revista. Os originais não aprovados não serão devolvidos.

Próximos números

Número 33Tema: Percursos do ContemporâneoOrganizadores: Ida Maria Alves e Maria Elizabeth Chaves de MelloPrazo para entrega dos originais: 15 de julho de 2012 Ementa: Cultura entre fronteiras e o olhar estrangeiro: diáspora, migrações e identidades

em deslocamento. Subjetividade e alteridade no texto literário: trânsitos textuais – história e ficção, prosa e poesia. Figurações e desfigurações do espaço: paisagem, memória e cartografias urbanas; releituras do passadoi no presente. Topologias eletrônicas e literatura. A escrita da cidade, velocidade e experiências do excesso. Leituras inderdisciplinares do literário.

Número 34Tema: Cruzamentos interculturaisOrganizadores: Paula Glenadel e Angela DiasPrazo para entrega dos originais: 15 de julho de 2011 Ementa: Tradução, mercado global e literaturas nacionais. A tarefa do tradutor. Tradu-

zibilidade das formas contemporâneas de arte; mistura e reescritura de gêneros narrativos; diálogos e interrelações de códigos diversos. Interseções entre o pú-blico e o privado; política e produção de subjetividades nas artes e na literatura comtemporânea.

Normas

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General Instructions for Submission of Papers

1. The Editorial Board will consider both articles and reviews in the areas of language and literature studies, in Portuguese, English, French and Spanish.

2. In considering the submitted papers, the Editorial Board may suggest changes in their structure or content. Papers should be submitted in CD, with the title both in Portuguese and English, author’s identification, academic affiliation and electronic address, together with two printed copies, without author’s identification, typed in Word for Windows 7.0, double-spaced, Times New Roman font 12, without any other formatting except for:

2.1 bold and italics indication;2.1 3cm margins;2.3 1cm indentation for paragraph beginning;2.4 2cm indentation for long quotations;2.5 underlining or double inverted commas (NEVER UPPERCASE) for emphasis;2.6 italics for foreign words and book or journal titles.

3. Papers should be no more than 25 pages in length and reviews no more than 8 pages.

4. Authors are required to resort to as few footnotes as possible, which are to be placed at the end of the text. As for references in the body of the article, they should contain the author’s surname in uppercase as well as date of publication and page number in parentheses (eg.: JOHNSON, 1998, p. 45-47).

5. Bibliographical references should be placed at the end of the text according to the following general format:Book: initial’s author’s pre name(s) in uppercase, author’s surname, title of book (italics), place of publication, publisher and date.(eg.: ELLIS, Rod. Understanding second language acquisition. Oxford: Oxford University Press, 1994).

Article: author’s surname, initial’s author’s pre name(s) in uppercase, title of article, name of journal (italics), volume, number and date.

(eg.: HINKEL, Eli. Native and nonnative speakers’ pragmatic interpretations of English texts. TESOL Quarterly, v. 28, n° 2, p. 353-376, 1994).

6. Tables, graphs and figures should be identified, with a title or legend, and referred to in the body of the work as figure, in abbreviated form (eg.: Fig. 1, Fig. 2 etc.)

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Gragoatá Normas

7. Papers should contain two abstracts (a Portuguese and an English version), no more than 5 lines in length. In addition, between 3 to 5 keywords, also in Portuguese and in English, are required.

8. Originals will be evaluated from the following items:8.1 appropriateness to the theme;8.2 originality of thought;8.3 relevance for the study area;8.4 bibliographic update;8.5 objectivity and clarity;8.6 technical-scientific language

9. The responsibility for the content of articles published in the journal Gragoatá sole discretion of their respective authors.

10. Authors, whose articles are accepted for publication, will be entitled to receive 2 copies of the journal. Originals will not be returned.

Esta revista foi composta na fonte Book antiqua.12Impresso na Globalprint Editora e Gráfica,

em papel Pólen Soft 80g (miolo) e Cartão Supremo 250g (capa) produzido em harmonia com o meio ambiente.

Esta edição foi impressa em janeiro de 2013.

PRIMEIRA EDITORA NEUTRA EM CARBONO DO BRASIL

Título conferido pela OSCIP PRIMA (www.prima.org.br) após a implementação de um Programa Socioambiental

com vistas à ecoeficiência e ao plantio de árvores referentes à neutralização das emissões dos GEE´s – Gases do Efeito Estufa.

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