povos indÍgenas e antropologia: novos paradigmas …
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA NOVOS PARADIGMAS E DEMANDAS POLIacuteTICAS
ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES1
UFPA
Para iniacutecio de conversa
Na minha trajetoacuteria de vida pessoal profissional acadecircmica e
poliacutetica por diversas vezes me deparei com atitudes e posturas
etnocecircntricas preconceituosas e racistas com relaccedilatildeo agraves diferenccedilas
sejam eacutetnicas culturais linguiacutesticas de gecircnero religiosas entre outras
Durante mais de duas deacutecadas trabalhei com educadores natildeo indiacutegenas
nas aldeias onde morei em regiotildees diferentes do Brasil na Terra
Indiacutegena Xapecoacute no hoje municiacutepio de Ipuaccedilu Estado de Santa Catarina
e na Aldeia Kyikatecircjecirc na Terra Indiacutegena Matildee Maria no hoje municiacutepio de
Bom Jesus do Tocantins Estado do Paraacute Nas duas comunidades apesar
de se tratar de povos diferentes Kaingang e Gaviatildeo Kyikatecircjecirc e de
estarem localizadas em regiotildees extremas do Brasil Sul e Norte
constatei e vivenciei praticamente as mesmas dificuldades2
Como indiacutegena educadora tive a possibilidade de participar de
diversas reuniotildees cursos de formaccedilatildeo de professores indiacutegenas e natildeo
indiacutegenas com profissionais de diversas aacutereas do conhecimento De
minha convivecircncia pessoal e profissional nas duas comunidades optei
1 Kaingang pedagoga doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em
Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe
Beltratildeo Bolsista Capes E-mail rosanifernandes2hotmailcom 2 A razatildeo dos ldquoextremosrdquo eacute devido ao meu casamento com um indiacutegena da etnia Xerente cuja famiacutelia se
relaciona haacute mais de trinta anos com os Gaviatildeo da Terra Indiacutegena Maria onde morei por quase uma
deacutecada trabalhando como assessora pedagoacutegica na escola Tatakti Kyikatecircjecirc de 2004 a 2012
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por trazer agrave baila nesta reflexatildeo duas constataccedilotildees que foram e
continuam sendo importantes para a definiccedilatildeo de parte de minhas
escolhas profissionais aleacutem de serem cruciais para minha tomada de
posiccedilatildeo poliacutetica enquanto indiacutegena educadora pois satildeo situaccedilotildees que
ainda me causam de alguma maneira perplexidade e revolta a
primeira diz respeito agraves barreiras burocraacuteticas e institucionais que
sempre nos satildeo colocadas quando requeremos direitos relacionados agrave
educaccedilatildeo escolar indiacutegena porque com raras exceccedilotildees quase sempre
temos como resposta as negativas das secretarias de educaccedilatildeo tanto
municipais quanto estaduais a segunda eacute a constataccedilatildeo da falta de
habilidade tanto dos educadores que atuam nas comunidades indiacutegenas
quanto dos teacutecnicos das secretarias de educaccedilatildeo para lidar com a
diversidade cujas consequecircncias satildeo no miacutenimo desastrosas
Como pedagoga preocupada com a qualidade dos trabalhos nas
escolas em que trabalhei desenvolvi algumas atividades com o objetivo
de tentar minimizar os impactos negativos das posturas etnocecircntricas
de educadores que cotidianamente reproduzem relaccedilotildees de preconceito
e discriminaccedilatildeo tanto na escola quanto nas comunidades ora
reforccedilando o ideal romacircntico do ldquobom selvagemrdquo da ldquopurezardquo que deve
ser intocada e preservada ora expressando o preconceito que associa
os povos indiacutegenas agrave ideia de selvageria bestialidade
Dentre as atividades que realizei estatildeo as oficinas sobre direitos
indiacutegenas com os educadores natildeo indiacutegenas com o objetivo de
desenvolver as diversas sensibilidades necessaacuterias para o trabalho
educacional dentre as quais a juriacutedica (GEERTZ 1997) que eacute
importante mecanismo para a realizaccedilatildeo de trabalhos educacionais
comprometidos com a valorizaccedilatildeo das culturas indiacutegenas Foi nesse
periacuteodo que mesmo realizando leituras buscando sempre estar
atualizada e conectada com as discussotildees sobre direitos indiacutegenas
senti que precisava qualificar os debates
Foi quando motivada pela necessidade de ampliar as
possibilidades de discussatildeo a partir da experiecircncia que vivenciaacutevamos
na comunidade decidi pelo ingresso na poacutes-graduaccedilatildeo Apoiada pelas
lideranccedilas da comunidade ingressei em 2007 no Mestrado em Direito
do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Universidade
Federal do Paraacute (UFPA) onde fui selecionada para uma das duas vagas
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reservadas para povos indiacutegenas que ateacute entatildeo natildeo haviam sido
ocupadas Passei pelo periacuteodo de nivelamento que era parte da poliacutetica
do programa para a permanecircncia de mestrandos indiacutegenas Em 2008
devidamente matriculada concorri agrave Bolsa Ford e fui selecionada o que
me possibilitou condiccedilotildees adequadas para permanecircncia no curso
Na minha dissertaccedilatildeo3 construiacuteda em permanente diaacutelogo com as
lideranccedilas da comunidade discuti as dificuldades de efetivar educaccedilatildeo
escolar especiacutefica e diferenciada pelas inuacutemeras negativas institucionais
e principalmente pela falta de conhecimento de causa da maioria dos
teacutecnicos das secretarias de educaccedilatildeo Tambeacutem problematizei as
possibilidades de trabalho escolar a partir das iniciativas da proacutepria
comunidade mostrando como construiacutemos na Aldeia Kyikatecircjecirc uma
proposta de educaccedilatildeo a partir dos projetos eacutetnicos e poliacuteticos que
tinham na escola a possibilidade de formaccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas
preparadas para responder aos novos desafios impostos pelas relaccedilotildees
com o Estado brasileiro e a sociedade natildeo indiacutegena o que requer
princiacutepios e metodologias diferenciadas de ensino e aprendizagem
O mote central da discussatildeo foi a metodologia empregada na
elaboraccedilatildeo de materiais didaacuteticos via oficinas pedagoacutegicas realizadas
com professores e alunos da comunidade kyikatecircjecirc no periacuteodo de 2004
a 2007 onde os mesmos sistematizavam as vivecircncias culturais no
espaccedilo escolar
Desta feita o mestrado em Direito me possibilitou o tracircnsito
interdisciplinar necessaacuterio para atuar de forma qualificada nos trabalhos
que jaacute vinha realizando em educaccedilatildeo escolar indiacutegena mas faltava na
minha formaccedilatildeo os referenciais antropoloacutegicos para que as atividades
de formaccedilatildeo de professores que realizo desde 1994 pudessem contar
com os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos da Antropologia
Em 2011 depois de quase dois anos de conclusatildeo do mestrado
por motivaccedilatildeo pessoal mas sobretudo pelo compromisso poliacutetico com
a melhoria da qualidade da educaccedilatildeo escolar e pela necessidade de
estabelecer diaacutelogos a partir dos referenciais da Antropologia com os
diversos profissionais que adentravam nossa comunidade indigenistas
meacutedicos educadores antropoacutelogos entre outros me inscrevi para a
3 Ver Fernandes (2010)
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seleccedilatildeo de doutorado no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia
(PPGA) da UFPA sendo aprovada
Minha relaccedilatildeo com os antropoacutelogos eacute anterior ao meu contato
com a Antropologia fui orientada no mestrado pela antropoacuteloga Jane
Felipe Beltratildeo que foi a pessoa que me convidou a prestar seleccedilatildeo do
PPGD∕UFPA A conheci na Aldeia Kyikatecircjecirc no ano de 2004 na ocasiatildeo
em que a mesma atendia ao convite das lideranccedilas para assessorar a
comunidade Naquele primeiro encontro conversamos sobre o trabalho
que estava em andamento na escola da aldeia sob minha coordenaccedilatildeo e
do meu desejo de cursar o mestrado e seguir nos estudos A relaccedilatildeo de
confianccedila foi estabelecida e o projeto de mestrado foi construiacutedo com
orientaccedilotildees via e-mail e telefone pela distacircncia da aldeia da capital do
estado e pela impossibilidade de constantes deslocamentos Minha
aprovaccedilatildeo no mestrado foi o primeiro passo para o iniacutecio de novas
formas de relaccedilatildeo pessoal e profissional com a Antropologia A
convivecircncia com a professora Jane era inspiradora as atitudes
politicamente comprometidas e eticamente responsaacuteveis que presenciei
cotidianamente por parte da mesma a amizade que construiacutemos e as
parcerias na realizaccedilatildeo dos trabalhos foi decisiva para que eu
ingressasse no doutorado em Antropologia o que me colocou numa
outra posiccedilatildeo diferente da que eu estava acostumada a vivenciar com
antropoacutelogos
Ateacute entatildeo na condiccedilatildeo de ldquonativardquo fui ldquoentrevistadardquo por
antropoacutelogos outras vezes participei de longas conversas e discussotildees
sobre assuntos considerados estrateacutegicos junto agraves lideranccedilas das
comunidades onde morei Desse meu lugar de pertenccedila via sempre os
antropoacutelogos como pessoas e profissionais diferentes principalmente
com relaccedilatildeo agrave postura diante das pessoas e dos acontecimentos quase
sempre mais atenciosos e cuidadosos nas intervenccedilotildees cautelosos nas
formas de interagir com as lideranccedilas comportamentos consideradas
incomuns agraves demais pessoas que costumam frequentar nossas
comunidades
Os antropoacutelogos em geral me pareciam sempre mais preocupados
em apreender conosco com ouvidos e olhos sempre atentos aos
detalhes procurando interagir aprender e participar das nossas
atividades mesmo quando a resposta era apenas um sorriso por natildeo
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entender a brincadeira ou o silecircncio por natildeo compreender a conversa na
liacutengua materna Observado nos miacutenimos detalhes que eram depois
comentados em algumas rodas de conversa o antropoacutelogo na sua
tarefa de observar e estudar o outro eacute tambeacutem ldquoetnografadordquo nas suas
minuacutecias na forma de falar de vestir de andar de sentar de comer no
fato de aceitar ou natildeo os alimentos oferecidos de participar ou natildeo das
atividades para as quais eacute convidado situaccedilotildees que vatildeo determinar o
estabelecimento ou natildeo de relaccedilotildees de confianccedila com as pessoas da
comunidade
Atualmente como antropoacuteloga em formaccedilatildeo e a partir dos
referenciais da Pedagogia e do Direito tenho a possibilidade de
estabelecer diaacutelogos interdisciplinares e empreender esforccedilos no
sentido de atuar de maneira criacutetica e politicamente situada tanto nas
leituras e elaboraccedilotildees que realizo quanto nas intervenccedilotildees propositivas
na formaccedilatildeo de professores indiacutegenas e natildeo indiacutegenas e junto ao
movimento indiacutegena
Eacute certo que cotidianamente me deparo com novos desafios e eacute
possiacutevel que tenha mais perguntas do que repostas para as questotildees
que me satildeo colocadas tanto nas reflexotildees teoacutericas a partir da leitura
dos claacutessicos da disciplina quanto nas produccedilotildees que realizo no sentido
de analisar nossa relaccedilatildeo com a Antropologia o que faccedilo sempre
baseada nas vivecircncias individuais e coletivas ainda que ateacute pouco
tempo posicionada do outro lado do espelho
Nessa direccedilatildeo Luciano indicou algumas possibilidades
[q]ue a disciplina ceda lugar a indisciplina metodoloacutegica para dar lugar agrave diversidade ao
inesperado ao sonho humano ao possiacutevel e sobretudo agrave busca pelo desconhecido e pela liberdade de pensar
de fazer e de viver e estimular e valorizar o espontacircneo o que natildeo eacute conduzido pelos dogmas criados e impostos para que o homem recupere sua
capacidade de pensar inventar criar acertar e errar enfim ser humano e natildeo maacutequina ou peccedila de uma
maacutequina preacute-moldada ou seja humano como humano ou o iacutendio como iacutendio (LUCIANO 2008 p 10)
O recorte eacute do texto que Luciano da etnia Baniwa elaborou no
esforccedilo de estabelecer diaacutelogos em sendo indiacutegena e antropoacutelogo
sobre a percepccedilatildeo e relaccedilatildeo que os povos indiacutegenas vecircm construindo
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com a Antropologia Luciano propotildee entre outras possibilidades a
Antropologia Indiacutegena como caminho para a descolonizaccedilatildeo do
conhecimento acadecircmico de base eurocecircntrica O texto na iacutentegra foi
apresentado na plenaacuteria da 26ordf Reuniatildeo Brasileira de Antropologia
(RBA) realizada pela Associaccedilatildeo Brasileira de Antropologia (ABA) em
Porto Seguro na Bahia no ano de 2008
Agrave eacutepoca cursando o doutorado Luciano reflete as importantes
contribuiccedilotildees da Antropologia tanto na construccedilatildeo de instrumentos
analiacuteticos sobre a presenccedila indiacutegena no Brasil quanto como suporte para
o Indigenismo brasileiro especialmente nas relaccedilotildees de mediaccedilatildeo e
traduccedilatildeo estabelecidas entre os povos indiacutegenas e o Estado Sobre as
contribuiccedilotildees da disciplina para sua vida pessoal Luciano destaca que
ldquo me permitiu conhecer um pouco do que os brancos pensam sobre os
iacutendios e como os iacutendios se relacionam com esse modo de pensar dos
brancos sobre elesrdquo (2008 p 03)
Hoje professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
Luciano eacute referecircncia nas elaboraccedilotildees sobre educaccedilatildeo escolar indiacutegena
no Brasil tendo atuado no Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) por longo
periacuteodo onde protagonizou a implantaccedilatildeo dos Territoacuterios
Etnoeducacionais O destaque natildeo se deve somente pelo fato de Luciano
realizar discussotildees sobre a relaccedilatildeo da Antropologia com povos
indiacutegenas mas por ser um dos poucos indiacutegenas a assumir uma cadeira
como docente numa universidade federal brasileira e da mesma forma
ocupar posiccedilatildeo relevante no planejamento de poliacuteticas puacuteblicas em
educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas junto ao MEC
Como indiacutegena antropoacutelogo e lideranccedila no movimento indiacutegena
nacional Luciano dimensiona a importacircncia da presenccedila indiacutegena nas
universidades tanto na inserccedilatildeo nos cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-
graduaccedilatildeo quanto na docecircncia no ensino superior caminho ainda a ser
percorrido e conquistado pois o espaccedilo acadecircmico assim como a
maioria das instituiccedilotildees puacuteblicas brasileiras ainda se apresenta hostil agraves
diferenccedilas
Nesse sentido em resposta agraves minhas proacuteprias inquietaccedilotildees
concordando com Luciano e considerando a necessidade de ampliaccedilatildeo
das discussotildees acerca da relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com a
Antropologia no Brasil bem como levando em consideraccedilatildeo os poucos
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trabalhos elaborados por indiacutegenas na aacuterea em tela especialmente
sobre o recorte da temaacutetica proposta tenho como objetivo neste
ensaio contribuir para os debates acerca das possibilidades de
apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos da disciplina pelos povos
indiacutegenas para estabelecer diaacutelogos menos assimeacutetricos com o
chamado ldquomundo dos brancosrdquo
Portanto a tarefa eacute parte dos esforccedilos individuais e coletivos no
sentido de protagonizar novas elaboraccedilotildees acadecircmicas a partir das
percepccedilotildees e diaacutelogos daqueles que por longo periacuteodo da histoacuteria da
Antropologia foram tomados como ldquoobjetos de estudordquo ou ainda
como ldquoinformantesrdquo na elaboraccedilatildeo de trabalhos
Inclusatildeo e protagonismo indiacutegena o caminho da descolonizaccedilatildeo
O protagonismo nas elaboraccedilotildees acadecircmicas assim como no
estabelecimento de diaacutelogos menos assimeacutetricos com Estado brasileiro
vem cada vez mais sendo demandado pelas coletividades indiacutegenas e
constitui parte da agenda de luta para construccedilatildeo da autonomia e da
autodeterminaccedilatildeo reivindicada pelas lideranccedilas comunidades e
organizaccedilotildees indiacutegenas que compotildeem o movimento indiacutegena nacional
No contexto das lutas e enfrentamentos histoacutericos e cotidianos a
inserccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas indiacutegenas no chamado ldquomundo dos
brancosrdquo eacute uma das possibilidades para a formaccedilatildeo de mediadores que
possam atuar no registro e elaboraccedilatildeo das histoacuterias indiacutegenas ao
mesmo tempo em que estejam aptos a fazer a ldquoa ponterdquo como
tradutores do mundo natildeo indiacutegena a partir da apropriaccedilatildeo de novos
conhecimentos
A crescente demanda pela inserccedilatildeo indiacutegena nas mais diversas
aacutereas do conhecimento com atenccedilatildeo especial agravequelas consideradas
prioritaacuterias como sauacutede educaccedilatildeo direito entre outras tambeacutem eacute
parte das estrateacutegias elaboradas pelos povos indiacutegenas para o exerciacutecio
do protagonismo nas relaccedilotildees com o Estado brasileiro que devem ser
pautadas em novos paradigmas onde os indiacutegenas enquanto sujeitos
plenos de direito e conhecimento sejam tambeacutem sujeitos na elaboraccedilatildeo
de suas proacuteprias histoacuterias situando desta feita ldquoos brancosrdquo e suas
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instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo
indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas
com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo
(CARNEIRO DA CUNHA 2002)
A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente
constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas
demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio
coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de
70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees
para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma
de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda
hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar
de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo
indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no
Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e
inferioridade (SPIVAK 2010)
Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades
indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de
exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e
exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo
A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas
novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros
conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos
universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam
que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino
superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo
Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando
significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via
conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de
Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam
promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo
O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das
comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas
poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos
coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e
4 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrcotasperguntas-frequenteshtml Acesso em 27 de nov de 2013
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transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um
dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na
atualidade
A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem
sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que
concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais
como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos
conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e
reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere
agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por
empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo
Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias
linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam
negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e
colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas
geraccedilotildees
No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o
Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque
tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas
quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e
defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou
mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos
emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas
comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela
possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena
Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se
apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas
do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de
releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a
erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes
pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia
em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo
dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees
antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores
aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de
pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto
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A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas
A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio
da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos
pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina
Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no
cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram
marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o
ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental
eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento
Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento
que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos
poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais
foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas
o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de
novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de
produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)
A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive
por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho
de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de
antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e
condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas
reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo
Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees
colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo
considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez
estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser
requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem
sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo
podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e
mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o
encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e
5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e
2013) e Salzano (2009)
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instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de
relaccedilatildeo
Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo
sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves
aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem
gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o
ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas
No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta
representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees
melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem
por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse
sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias
os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente
negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As
pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o
antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas
vinculadas aos interesses do Estado
Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves
universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a
possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas
pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo
no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios
Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a
permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a
realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em
alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem
a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que
pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades
ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto
aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente
no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal
como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos
[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que
podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar
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nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na
identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica
cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)
Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre
comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que
necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas
agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de
confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados
de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo
resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido
e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa
da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE
OLIVEIRA 2004)
De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a
sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se
apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos
histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e
reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees
proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente
europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6
Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se
refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e
poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das
instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas
nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os
indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e
desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de
produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo
6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa
eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a
anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no
Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que
satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de
evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial
servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
universitaacuterio
Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos
cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam
a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas
eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo
que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe
ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e
o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo
valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo
de menor status a estas consideradas menores inferiores Para
Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das
produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas
pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No
entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e
divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA
e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)
Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia
o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no
eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de
conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e
saber Para Quijano
[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo
de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno
capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)
Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas
para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo
com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da
implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de
indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute
poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas
indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos
indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que
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representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que
torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo
do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas
no Brasil
Quijano define eurocentrismo como sendo
hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de
conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais
preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)
A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por
Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos
movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando
afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de
implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto
na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das
diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno
categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as
relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo
binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio
do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo
(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo
a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas
das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e
exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo
mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta
perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da
disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)
7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo
indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um
crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de
2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente
triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro
fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades
indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-
tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013
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Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou
ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e
defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo
poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica
Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o
antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo
cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE
OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua
especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do
indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil
o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente
a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na
perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da
Antropologia no Brasil
A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa
direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias
produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas
como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982
e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira
(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de
direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo
indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado
brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar
violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas
Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos
indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas
[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil
porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas
inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das
ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)
Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas
contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou
natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
por trazer agrave baila nesta reflexatildeo duas constataccedilotildees que foram e
continuam sendo importantes para a definiccedilatildeo de parte de minhas
escolhas profissionais aleacutem de serem cruciais para minha tomada de
posiccedilatildeo poliacutetica enquanto indiacutegena educadora pois satildeo situaccedilotildees que
ainda me causam de alguma maneira perplexidade e revolta a
primeira diz respeito agraves barreiras burocraacuteticas e institucionais que
sempre nos satildeo colocadas quando requeremos direitos relacionados agrave
educaccedilatildeo escolar indiacutegena porque com raras exceccedilotildees quase sempre
temos como resposta as negativas das secretarias de educaccedilatildeo tanto
municipais quanto estaduais a segunda eacute a constataccedilatildeo da falta de
habilidade tanto dos educadores que atuam nas comunidades indiacutegenas
quanto dos teacutecnicos das secretarias de educaccedilatildeo para lidar com a
diversidade cujas consequecircncias satildeo no miacutenimo desastrosas
Como pedagoga preocupada com a qualidade dos trabalhos nas
escolas em que trabalhei desenvolvi algumas atividades com o objetivo
de tentar minimizar os impactos negativos das posturas etnocecircntricas
de educadores que cotidianamente reproduzem relaccedilotildees de preconceito
e discriminaccedilatildeo tanto na escola quanto nas comunidades ora
reforccedilando o ideal romacircntico do ldquobom selvagemrdquo da ldquopurezardquo que deve
ser intocada e preservada ora expressando o preconceito que associa
os povos indiacutegenas agrave ideia de selvageria bestialidade
Dentre as atividades que realizei estatildeo as oficinas sobre direitos
indiacutegenas com os educadores natildeo indiacutegenas com o objetivo de
desenvolver as diversas sensibilidades necessaacuterias para o trabalho
educacional dentre as quais a juriacutedica (GEERTZ 1997) que eacute
importante mecanismo para a realizaccedilatildeo de trabalhos educacionais
comprometidos com a valorizaccedilatildeo das culturas indiacutegenas Foi nesse
periacuteodo que mesmo realizando leituras buscando sempre estar
atualizada e conectada com as discussotildees sobre direitos indiacutegenas
senti que precisava qualificar os debates
Foi quando motivada pela necessidade de ampliar as
possibilidades de discussatildeo a partir da experiecircncia que vivenciaacutevamos
na comunidade decidi pelo ingresso na poacutes-graduaccedilatildeo Apoiada pelas
lideranccedilas da comunidade ingressei em 2007 no Mestrado em Direito
do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Universidade
Federal do Paraacute (UFPA) onde fui selecionada para uma das duas vagas
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reservadas para povos indiacutegenas que ateacute entatildeo natildeo haviam sido
ocupadas Passei pelo periacuteodo de nivelamento que era parte da poliacutetica
do programa para a permanecircncia de mestrandos indiacutegenas Em 2008
devidamente matriculada concorri agrave Bolsa Ford e fui selecionada o que
me possibilitou condiccedilotildees adequadas para permanecircncia no curso
Na minha dissertaccedilatildeo3 construiacuteda em permanente diaacutelogo com as
lideranccedilas da comunidade discuti as dificuldades de efetivar educaccedilatildeo
escolar especiacutefica e diferenciada pelas inuacutemeras negativas institucionais
e principalmente pela falta de conhecimento de causa da maioria dos
teacutecnicos das secretarias de educaccedilatildeo Tambeacutem problematizei as
possibilidades de trabalho escolar a partir das iniciativas da proacutepria
comunidade mostrando como construiacutemos na Aldeia Kyikatecircjecirc uma
proposta de educaccedilatildeo a partir dos projetos eacutetnicos e poliacuteticos que
tinham na escola a possibilidade de formaccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas
preparadas para responder aos novos desafios impostos pelas relaccedilotildees
com o Estado brasileiro e a sociedade natildeo indiacutegena o que requer
princiacutepios e metodologias diferenciadas de ensino e aprendizagem
O mote central da discussatildeo foi a metodologia empregada na
elaboraccedilatildeo de materiais didaacuteticos via oficinas pedagoacutegicas realizadas
com professores e alunos da comunidade kyikatecircjecirc no periacuteodo de 2004
a 2007 onde os mesmos sistematizavam as vivecircncias culturais no
espaccedilo escolar
Desta feita o mestrado em Direito me possibilitou o tracircnsito
interdisciplinar necessaacuterio para atuar de forma qualificada nos trabalhos
que jaacute vinha realizando em educaccedilatildeo escolar indiacutegena mas faltava na
minha formaccedilatildeo os referenciais antropoloacutegicos para que as atividades
de formaccedilatildeo de professores que realizo desde 1994 pudessem contar
com os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos da Antropologia
Em 2011 depois de quase dois anos de conclusatildeo do mestrado
por motivaccedilatildeo pessoal mas sobretudo pelo compromisso poliacutetico com
a melhoria da qualidade da educaccedilatildeo escolar e pela necessidade de
estabelecer diaacutelogos a partir dos referenciais da Antropologia com os
diversos profissionais que adentravam nossa comunidade indigenistas
meacutedicos educadores antropoacutelogos entre outros me inscrevi para a
3 Ver Fernandes (2010)
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seleccedilatildeo de doutorado no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia
(PPGA) da UFPA sendo aprovada
Minha relaccedilatildeo com os antropoacutelogos eacute anterior ao meu contato
com a Antropologia fui orientada no mestrado pela antropoacuteloga Jane
Felipe Beltratildeo que foi a pessoa que me convidou a prestar seleccedilatildeo do
PPGD∕UFPA A conheci na Aldeia Kyikatecircjecirc no ano de 2004 na ocasiatildeo
em que a mesma atendia ao convite das lideranccedilas para assessorar a
comunidade Naquele primeiro encontro conversamos sobre o trabalho
que estava em andamento na escola da aldeia sob minha coordenaccedilatildeo e
do meu desejo de cursar o mestrado e seguir nos estudos A relaccedilatildeo de
confianccedila foi estabelecida e o projeto de mestrado foi construiacutedo com
orientaccedilotildees via e-mail e telefone pela distacircncia da aldeia da capital do
estado e pela impossibilidade de constantes deslocamentos Minha
aprovaccedilatildeo no mestrado foi o primeiro passo para o iniacutecio de novas
formas de relaccedilatildeo pessoal e profissional com a Antropologia A
convivecircncia com a professora Jane era inspiradora as atitudes
politicamente comprometidas e eticamente responsaacuteveis que presenciei
cotidianamente por parte da mesma a amizade que construiacutemos e as
parcerias na realizaccedilatildeo dos trabalhos foi decisiva para que eu
ingressasse no doutorado em Antropologia o que me colocou numa
outra posiccedilatildeo diferente da que eu estava acostumada a vivenciar com
antropoacutelogos
Ateacute entatildeo na condiccedilatildeo de ldquonativardquo fui ldquoentrevistadardquo por
antropoacutelogos outras vezes participei de longas conversas e discussotildees
sobre assuntos considerados estrateacutegicos junto agraves lideranccedilas das
comunidades onde morei Desse meu lugar de pertenccedila via sempre os
antropoacutelogos como pessoas e profissionais diferentes principalmente
com relaccedilatildeo agrave postura diante das pessoas e dos acontecimentos quase
sempre mais atenciosos e cuidadosos nas intervenccedilotildees cautelosos nas
formas de interagir com as lideranccedilas comportamentos consideradas
incomuns agraves demais pessoas que costumam frequentar nossas
comunidades
Os antropoacutelogos em geral me pareciam sempre mais preocupados
em apreender conosco com ouvidos e olhos sempre atentos aos
detalhes procurando interagir aprender e participar das nossas
atividades mesmo quando a resposta era apenas um sorriso por natildeo
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entender a brincadeira ou o silecircncio por natildeo compreender a conversa na
liacutengua materna Observado nos miacutenimos detalhes que eram depois
comentados em algumas rodas de conversa o antropoacutelogo na sua
tarefa de observar e estudar o outro eacute tambeacutem ldquoetnografadordquo nas suas
minuacutecias na forma de falar de vestir de andar de sentar de comer no
fato de aceitar ou natildeo os alimentos oferecidos de participar ou natildeo das
atividades para as quais eacute convidado situaccedilotildees que vatildeo determinar o
estabelecimento ou natildeo de relaccedilotildees de confianccedila com as pessoas da
comunidade
Atualmente como antropoacuteloga em formaccedilatildeo e a partir dos
referenciais da Pedagogia e do Direito tenho a possibilidade de
estabelecer diaacutelogos interdisciplinares e empreender esforccedilos no
sentido de atuar de maneira criacutetica e politicamente situada tanto nas
leituras e elaboraccedilotildees que realizo quanto nas intervenccedilotildees propositivas
na formaccedilatildeo de professores indiacutegenas e natildeo indiacutegenas e junto ao
movimento indiacutegena
Eacute certo que cotidianamente me deparo com novos desafios e eacute
possiacutevel que tenha mais perguntas do que repostas para as questotildees
que me satildeo colocadas tanto nas reflexotildees teoacutericas a partir da leitura
dos claacutessicos da disciplina quanto nas produccedilotildees que realizo no sentido
de analisar nossa relaccedilatildeo com a Antropologia o que faccedilo sempre
baseada nas vivecircncias individuais e coletivas ainda que ateacute pouco
tempo posicionada do outro lado do espelho
Nessa direccedilatildeo Luciano indicou algumas possibilidades
[q]ue a disciplina ceda lugar a indisciplina metodoloacutegica para dar lugar agrave diversidade ao
inesperado ao sonho humano ao possiacutevel e sobretudo agrave busca pelo desconhecido e pela liberdade de pensar
de fazer e de viver e estimular e valorizar o espontacircneo o que natildeo eacute conduzido pelos dogmas criados e impostos para que o homem recupere sua
capacidade de pensar inventar criar acertar e errar enfim ser humano e natildeo maacutequina ou peccedila de uma
maacutequina preacute-moldada ou seja humano como humano ou o iacutendio como iacutendio (LUCIANO 2008 p 10)
O recorte eacute do texto que Luciano da etnia Baniwa elaborou no
esforccedilo de estabelecer diaacutelogos em sendo indiacutegena e antropoacutelogo
sobre a percepccedilatildeo e relaccedilatildeo que os povos indiacutegenas vecircm construindo
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com a Antropologia Luciano propotildee entre outras possibilidades a
Antropologia Indiacutegena como caminho para a descolonizaccedilatildeo do
conhecimento acadecircmico de base eurocecircntrica O texto na iacutentegra foi
apresentado na plenaacuteria da 26ordf Reuniatildeo Brasileira de Antropologia
(RBA) realizada pela Associaccedilatildeo Brasileira de Antropologia (ABA) em
Porto Seguro na Bahia no ano de 2008
Agrave eacutepoca cursando o doutorado Luciano reflete as importantes
contribuiccedilotildees da Antropologia tanto na construccedilatildeo de instrumentos
analiacuteticos sobre a presenccedila indiacutegena no Brasil quanto como suporte para
o Indigenismo brasileiro especialmente nas relaccedilotildees de mediaccedilatildeo e
traduccedilatildeo estabelecidas entre os povos indiacutegenas e o Estado Sobre as
contribuiccedilotildees da disciplina para sua vida pessoal Luciano destaca que
ldquo me permitiu conhecer um pouco do que os brancos pensam sobre os
iacutendios e como os iacutendios se relacionam com esse modo de pensar dos
brancos sobre elesrdquo (2008 p 03)
Hoje professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
Luciano eacute referecircncia nas elaboraccedilotildees sobre educaccedilatildeo escolar indiacutegena
no Brasil tendo atuado no Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) por longo
periacuteodo onde protagonizou a implantaccedilatildeo dos Territoacuterios
Etnoeducacionais O destaque natildeo se deve somente pelo fato de Luciano
realizar discussotildees sobre a relaccedilatildeo da Antropologia com povos
indiacutegenas mas por ser um dos poucos indiacutegenas a assumir uma cadeira
como docente numa universidade federal brasileira e da mesma forma
ocupar posiccedilatildeo relevante no planejamento de poliacuteticas puacuteblicas em
educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas junto ao MEC
Como indiacutegena antropoacutelogo e lideranccedila no movimento indiacutegena
nacional Luciano dimensiona a importacircncia da presenccedila indiacutegena nas
universidades tanto na inserccedilatildeo nos cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-
graduaccedilatildeo quanto na docecircncia no ensino superior caminho ainda a ser
percorrido e conquistado pois o espaccedilo acadecircmico assim como a
maioria das instituiccedilotildees puacuteblicas brasileiras ainda se apresenta hostil agraves
diferenccedilas
Nesse sentido em resposta agraves minhas proacuteprias inquietaccedilotildees
concordando com Luciano e considerando a necessidade de ampliaccedilatildeo
das discussotildees acerca da relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com a
Antropologia no Brasil bem como levando em consideraccedilatildeo os poucos
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
trabalhos elaborados por indiacutegenas na aacuterea em tela especialmente
sobre o recorte da temaacutetica proposta tenho como objetivo neste
ensaio contribuir para os debates acerca das possibilidades de
apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos da disciplina pelos povos
indiacutegenas para estabelecer diaacutelogos menos assimeacutetricos com o
chamado ldquomundo dos brancosrdquo
Portanto a tarefa eacute parte dos esforccedilos individuais e coletivos no
sentido de protagonizar novas elaboraccedilotildees acadecircmicas a partir das
percepccedilotildees e diaacutelogos daqueles que por longo periacuteodo da histoacuteria da
Antropologia foram tomados como ldquoobjetos de estudordquo ou ainda
como ldquoinformantesrdquo na elaboraccedilatildeo de trabalhos
Inclusatildeo e protagonismo indiacutegena o caminho da descolonizaccedilatildeo
O protagonismo nas elaboraccedilotildees acadecircmicas assim como no
estabelecimento de diaacutelogos menos assimeacutetricos com Estado brasileiro
vem cada vez mais sendo demandado pelas coletividades indiacutegenas e
constitui parte da agenda de luta para construccedilatildeo da autonomia e da
autodeterminaccedilatildeo reivindicada pelas lideranccedilas comunidades e
organizaccedilotildees indiacutegenas que compotildeem o movimento indiacutegena nacional
No contexto das lutas e enfrentamentos histoacutericos e cotidianos a
inserccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas indiacutegenas no chamado ldquomundo dos
brancosrdquo eacute uma das possibilidades para a formaccedilatildeo de mediadores que
possam atuar no registro e elaboraccedilatildeo das histoacuterias indiacutegenas ao
mesmo tempo em que estejam aptos a fazer a ldquoa ponterdquo como
tradutores do mundo natildeo indiacutegena a partir da apropriaccedilatildeo de novos
conhecimentos
A crescente demanda pela inserccedilatildeo indiacutegena nas mais diversas
aacutereas do conhecimento com atenccedilatildeo especial agravequelas consideradas
prioritaacuterias como sauacutede educaccedilatildeo direito entre outras tambeacutem eacute
parte das estrateacutegias elaboradas pelos povos indiacutegenas para o exerciacutecio
do protagonismo nas relaccedilotildees com o Estado brasileiro que devem ser
pautadas em novos paradigmas onde os indiacutegenas enquanto sujeitos
plenos de direito e conhecimento sejam tambeacutem sujeitos na elaboraccedilatildeo
de suas proacuteprias histoacuterias situando desta feita ldquoos brancosrdquo e suas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo
indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas
com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo
(CARNEIRO DA CUNHA 2002)
A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente
constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas
demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio
coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de
70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees
para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma
de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda
hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar
de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo
indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no
Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e
inferioridade (SPIVAK 2010)
Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades
indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de
exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e
exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo
A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas
novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros
conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos
universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam
que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino
superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo
Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando
significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via
conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de
Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam
promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo
O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das
comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas
poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos
coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e
4 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrcotasperguntas-frequenteshtml Acesso em 27 de nov de 2013
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transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um
dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na
atualidade
A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem
sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que
concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais
como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos
conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e
reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere
agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por
empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo
Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias
linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam
negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e
colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas
geraccedilotildees
No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o
Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque
tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas
quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e
defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou
mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos
emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas
comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela
possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena
Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se
apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas
do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de
releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a
erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes
pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia
em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo
dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees
antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores
aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de
pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto
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A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas
A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio
da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos
pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina
Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no
cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram
marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o
ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental
eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento
Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento
que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos
poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais
foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas
o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de
novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de
produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)
A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive
por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho
de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de
antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e
condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas
reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo
Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees
colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo
considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez
estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser
requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem
sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo
podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e
mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o
encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e
5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e
2013) e Salzano (2009)
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instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de
relaccedilatildeo
Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo
sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves
aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem
gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o
ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas
No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta
representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees
melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem
por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse
sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias
os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente
negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As
pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o
antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas
vinculadas aos interesses do Estado
Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves
universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a
possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas
pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo
no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios
Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a
permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a
realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em
alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem
a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que
pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades
ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto
aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente
no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal
como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos
[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que
podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na
identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica
cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)
Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre
comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que
necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas
agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de
confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados
de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo
resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido
e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa
da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE
OLIVEIRA 2004)
De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a
sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se
apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos
histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e
reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees
proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente
europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6
Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se
refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e
poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das
instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas
nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os
indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e
desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de
produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo
6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa
eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a
anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no
Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que
satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de
evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial
servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
universitaacuterio
Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos
cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam
a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas
eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo
que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe
ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e
o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo
valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo
de menor status a estas consideradas menores inferiores Para
Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das
produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas
pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No
entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e
divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA
e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)
Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia
o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no
eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de
conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e
saber Para Quijano
[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo
de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno
capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)
Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas
para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo
com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da
implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de
indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute
poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas
indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos
indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que
torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo
do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas
no Brasil
Quijano define eurocentrismo como sendo
hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de
conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais
preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)
A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por
Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos
movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando
afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de
implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto
na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das
diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno
categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as
relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo
binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio
do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo
(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo
a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas
das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e
exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo
mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta
perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da
disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)
7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo
indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um
crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de
2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente
triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro
fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades
indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-
tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013
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Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou
ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e
defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo
poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica
Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o
antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo
cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE
OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua
especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do
indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil
o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente
a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na
perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da
Antropologia no Brasil
A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa
direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias
produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas
como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982
e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira
(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de
direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo
indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado
brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar
violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas
Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos
indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas
[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil
porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas
inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das
ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)
Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas
contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou
natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas
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inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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reservadas para povos indiacutegenas que ateacute entatildeo natildeo haviam sido
ocupadas Passei pelo periacuteodo de nivelamento que era parte da poliacutetica
do programa para a permanecircncia de mestrandos indiacutegenas Em 2008
devidamente matriculada concorri agrave Bolsa Ford e fui selecionada o que
me possibilitou condiccedilotildees adequadas para permanecircncia no curso
Na minha dissertaccedilatildeo3 construiacuteda em permanente diaacutelogo com as
lideranccedilas da comunidade discuti as dificuldades de efetivar educaccedilatildeo
escolar especiacutefica e diferenciada pelas inuacutemeras negativas institucionais
e principalmente pela falta de conhecimento de causa da maioria dos
teacutecnicos das secretarias de educaccedilatildeo Tambeacutem problematizei as
possibilidades de trabalho escolar a partir das iniciativas da proacutepria
comunidade mostrando como construiacutemos na Aldeia Kyikatecircjecirc uma
proposta de educaccedilatildeo a partir dos projetos eacutetnicos e poliacuteticos que
tinham na escola a possibilidade de formaccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas
preparadas para responder aos novos desafios impostos pelas relaccedilotildees
com o Estado brasileiro e a sociedade natildeo indiacutegena o que requer
princiacutepios e metodologias diferenciadas de ensino e aprendizagem
O mote central da discussatildeo foi a metodologia empregada na
elaboraccedilatildeo de materiais didaacuteticos via oficinas pedagoacutegicas realizadas
com professores e alunos da comunidade kyikatecircjecirc no periacuteodo de 2004
a 2007 onde os mesmos sistematizavam as vivecircncias culturais no
espaccedilo escolar
Desta feita o mestrado em Direito me possibilitou o tracircnsito
interdisciplinar necessaacuterio para atuar de forma qualificada nos trabalhos
que jaacute vinha realizando em educaccedilatildeo escolar indiacutegena mas faltava na
minha formaccedilatildeo os referenciais antropoloacutegicos para que as atividades
de formaccedilatildeo de professores que realizo desde 1994 pudessem contar
com os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos da Antropologia
Em 2011 depois de quase dois anos de conclusatildeo do mestrado
por motivaccedilatildeo pessoal mas sobretudo pelo compromisso poliacutetico com
a melhoria da qualidade da educaccedilatildeo escolar e pela necessidade de
estabelecer diaacutelogos a partir dos referenciais da Antropologia com os
diversos profissionais que adentravam nossa comunidade indigenistas
meacutedicos educadores antropoacutelogos entre outros me inscrevi para a
3 Ver Fernandes (2010)
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seleccedilatildeo de doutorado no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia
(PPGA) da UFPA sendo aprovada
Minha relaccedilatildeo com os antropoacutelogos eacute anterior ao meu contato
com a Antropologia fui orientada no mestrado pela antropoacuteloga Jane
Felipe Beltratildeo que foi a pessoa que me convidou a prestar seleccedilatildeo do
PPGD∕UFPA A conheci na Aldeia Kyikatecircjecirc no ano de 2004 na ocasiatildeo
em que a mesma atendia ao convite das lideranccedilas para assessorar a
comunidade Naquele primeiro encontro conversamos sobre o trabalho
que estava em andamento na escola da aldeia sob minha coordenaccedilatildeo e
do meu desejo de cursar o mestrado e seguir nos estudos A relaccedilatildeo de
confianccedila foi estabelecida e o projeto de mestrado foi construiacutedo com
orientaccedilotildees via e-mail e telefone pela distacircncia da aldeia da capital do
estado e pela impossibilidade de constantes deslocamentos Minha
aprovaccedilatildeo no mestrado foi o primeiro passo para o iniacutecio de novas
formas de relaccedilatildeo pessoal e profissional com a Antropologia A
convivecircncia com a professora Jane era inspiradora as atitudes
politicamente comprometidas e eticamente responsaacuteveis que presenciei
cotidianamente por parte da mesma a amizade que construiacutemos e as
parcerias na realizaccedilatildeo dos trabalhos foi decisiva para que eu
ingressasse no doutorado em Antropologia o que me colocou numa
outra posiccedilatildeo diferente da que eu estava acostumada a vivenciar com
antropoacutelogos
Ateacute entatildeo na condiccedilatildeo de ldquonativardquo fui ldquoentrevistadardquo por
antropoacutelogos outras vezes participei de longas conversas e discussotildees
sobre assuntos considerados estrateacutegicos junto agraves lideranccedilas das
comunidades onde morei Desse meu lugar de pertenccedila via sempre os
antropoacutelogos como pessoas e profissionais diferentes principalmente
com relaccedilatildeo agrave postura diante das pessoas e dos acontecimentos quase
sempre mais atenciosos e cuidadosos nas intervenccedilotildees cautelosos nas
formas de interagir com as lideranccedilas comportamentos consideradas
incomuns agraves demais pessoas que costumam frequentar nossas
comunidades
Os antropoacutelogos em geral me pareciam sempre mais preocupados
em apreender conosco com ouvidos e olhos sempre atentos aos
detalhes procurando interagir aprender e participar das nossas
atividades mesmo quando a resposta era apenas um sorriso por natildeo
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entender a brincadeira ou o silecircncio por natildeo compreender a conversa na
liacutengua materna Observado nos miacutenimos detalhes que eram depois
comentados em algumas rodas de conversa o antropoacutelogo na sua
tarefa de observar e estudar o outro eacute tambeacutem ldquoetnografadordquo nas suas
minuacutecias na forma de falar de vestir de andar de sentar de comer no
fato de aceitar ou natildeo os alimentos oferecidos de participar ou natildeo das
atividades para as quais eacute convidado situaccedilotildees que vatildeo determinar o
estabelecimento ou natildeo de relaccedilotildees de confianccedila com as pessoas da
comunidade
Atualmente como antropoacuteloga em formaccedilatildeo e a partir dos
referenciais da Pedagogia e do Direito tenho a possibilidade de
estabelecer diaacutelogos interdisciplinares e empreender esforccedilos no
sentido de atuar de maneira criacutetica e politicamente situada tanto nas
leituras e elaboraccedilotildees que realizo quanto nas intervenccedilotildees propositivas
na formaccedilatildeo de professores indiacutegenas e natildeo indiacutegenas e junto ao
movimento indiacutegena
Eacute certo que cotidianamente me deparo com novos desafios e eacute
possiacutevel que tenha mais perguntas do que repostas para as questotildees
que me satildeo colocadas tanto nas reflexotildees teoacutericas a partir da leitura
dos claacutessicos da disciplina quanto nas produccedilotildees que realizo no sentido
de analisar nossa relaccedilatildeo com a Antropologia o que faccedilo sempre
baseada nas vivecircncias individuais e coletivas ainda que ateacute pouco
tempo posicionada do outro lado do espelho
Nessa direccedilatildeo Luciano indicou algumas possibilidades
[q]ue a disciplina ceda lugar a indisciplina metodoloacutegica para dar lugar agrave diversidade ao
inesperado ao sonho humano ao possiacutevel e sobretudo agrave busca pelo desconhecido e pela liberdade de pensar
de fazer e de viver e estimular e valorizar o espontacircneo o que natildeo eacute conduzido pelos dogmas criados e impostos para que o homem recupere sua
capacidade de pensar inventar criar acertar e errar enfim ser humano e natildeo maacutequina ou peccedila de uma
maacutequina preacute-moldada ou seja humano como humano ou o iacutendio como iacutendio (LUCIANO 2008 p 10)
O recorte eacute do texto que Luciano da etnia Baniwa elaborou no
esforccedilo de estabelecer diaacutelogos em sendo indiacutegena e antropoacutelogo
sobre a percepccedilatildeo e relaccedilatildeo que os povos indiacutegenas vecircm construindo
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com a Antropologia Luciano propotildee entre outras possibilidades a
Antropologia Indiacutegena como caminho para a descolonizaccedilatildeo do
conhecimento acadecircmico de base eurocecircntrica O texto na iacutentegra foi
apresentado na plenaacuteria da 26ordf Reuniatildeo Brasileira de Antropologia
(RBA) realizada pela Associaccedilatildeo Brasileira de Antropologia (ABA) em
Porto Seguro na Bahia no ano de 2008
Agrave eacutepoca cursando o doutorado Luciano reflete as importantes
contribuiccedilotildees da Antropologia tanto na construccedilatildeo de instrumentos
analiacuteticos sobre a presenccedila indiacutegena no Brasil quanto como suporte para
o Indigenismo brasileiro especialmente nas relaccedilotildees de mediaccedilatildeo e
traduccedilatildeo estabelecidas entre os povos indiacutegenas e o Estado Sobre as
contribuiccedilotildees da disciplina para sua vida pessoal Luciano destaca que
ldquo me permitiu conhecer um pouco do que os brancos pensam sobre os
iacutendios e como os iacutendios se relacionam com esse modo de pensar dos
brancos sobre elesrdquo (2008 p 03)
Hoje professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
Luciano eacute referecircncia nas elaboraccedilotildees sobre educaccedilatildeo escolar indiacutegena
no Brasil tendo atuado no Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) por longo
periacuteodo onde protagonizou a implantaccedilatildeo dos Territoacuterios
Etnoeducacionais O destaque natildeo se deve somente pelo fato de Luciano
realizar discussotildees sobre a relaccedilatildeo da Antropologia com povos
indiacutegenas mas por ser um dos poucos indiacutegenas a assumir uma cadeira
como docente numa universidade federal brasileira e da mesma forma
ocupar posiccedilatildeo relevante no planejamento de poliacuteticas puacuteblicas em
educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas junto ao MEC
Como indiacutegena antropoacutelogo e lideranccedila no movimento indiacutegena
nacional Luciano dimensiona a importacircncia da presenccedila indiacutegena nas
universidades tanto na inserccedilatildeo nos cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-
graduaccedilatildeo quanto na docecircncia no ensino superior caminho ainda a ser
percorrido e conquistado pois o espaccedilo acadecircmico assim como a
maioria das instituiccedilotildees puacuteblicas brasileiras ainda se apresenta hostil agraves
diferenccedilas
Nesse sentido em resposta agraves minhas proacuteprias inquietaccedilotildees
concordando com Luciano e considerando a necessidade de ampliaccedilatildeo
das discussotildees acerca da relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com a
Antropologia no Brasil bem como levando em consideraccedilatildeo os poucos
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trabalhos elaborados por indiacutegenas na aacuterea em tela especialmente
sobre o recorte da temaacutetica proposta tenho como objetivo neste
ensaio contribuir para os debates acerca das possibilidades de
apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos da disciplina pelos povos
indiacutegenas para estabelecer diaacutelogos menos assimeacutetricos com o
chamado ldquomundo dos brancosrdquo
Portanto a tarefa eacute parte dos esforccedilos individuais e coletivos no
sentido de protagonizar novas elaboraccedilotildees acadecircmicas a partir das
percepccedilotildees e diaacutelogos daqueles que por longo periacuteodo da histoacuteria da
Antropologia foram tomados como ldquoobjetos de estudordquo ou ainda
como ldquoinformantesrdquo na elaboraccedilatildeo de trabalhos
Inclusatildeo e protagonismo indiacutegena o caminho da descolonizaccedilatildeo
O protagonismo nas elaboraccedilotildees acadecircmicas assim como no
estabelecimento de diaacutelogos menos assimeacutetricos com Estado brasileiro
vem cada vez mais sendo demandado pelas coletividades indiacutegenas e
constitui parte da agenda de luta para construccedilatildeo da autonomia e da
autodeterminaccedilatildeo reivindicada pelas lideranccedilas comunidades e
organizaccedilotildees indiacutegenas que compotildeem o movimento indiacutegena nacional
No contexto das lutas e enfrentamentos histoacutericos e cotidianos a
inserccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas indiacutegenas no chamado ldquomundo dos
brancosrdquo eacute uma das possibilidades para a formaccedilatildeo de mediadores que
possam atuar no registro e elaboraccedilatildeo das histoacuterias indiacutegenas ao
mesmo tempo em que estejam aptos a fazer a ldquoa ponterdquo como
tradutores do mundo natildeo indiacutegena a partir da apropriaccedilatildeo de novos
conhecimentos
A crescente demanda pela inserccedilatildeo indiacutegena nas mais diversas
aacutereas do conhecimento com atenccedilatildeo especial agravequelas consideradas
prioritaacuterias como sauacutede educaccedilatildeo direito entre outras tambeacutem eacute
parte das estrateacutegias elaboradas pelos povos indiacutegenas para o exerciacutecio
do protagonismo nas relaccedilotildees com o Estado brasileiro que devem ser
pautadas em novos paradigmas onde os indiacutegenas enquanto sujeitos
plenos de direito e conhecimento sejam tambeacutem sujeitos na elaboraccedilatildeo
de suas proacuteprias histoacuterias situando desta feita ldquoos brancosrdquo e suas
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instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo
indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas
com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo
(CARNEIRO DA CUNHA 2002)
A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente
constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas
demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio
coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de
70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees
para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma
de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda
hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar
de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo
indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no
Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e
inferioridade (SPIVAK 2010)
Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades
indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de
exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e
exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo
A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas
novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros
conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos
universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam
que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino
superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo
Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando
significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via
conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de
Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam
promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo
O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das
comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas
poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos
coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e
4 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrcotasperguntas-frequenteshtml Acesso em 27 de nov de 2013
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transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um
dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na
atualidade
A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem
sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que
concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais
como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos
conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e
reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere
agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por
empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo
Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias
linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam
negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e
colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas
geraccedilotildees
No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o
Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque
tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas
quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e
defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou
mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos
emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas
comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela
possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena
Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se
apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas
do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de
releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a
erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes
pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia
em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo
dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees
antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores
aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de
pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto
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A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas
A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio
da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos
pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina
Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no
cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram
marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o
ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental
eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento
Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento
que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos
poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais
foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas
o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de
novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de
produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)
A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive
por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho
de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de
antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e
condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas
reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo
Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees
colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo
considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez
estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser
requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem
sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo
podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e
mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o
encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e
5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e
2013) e Salzano (2009)
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instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de
relaccedilatildeo
Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo
sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves
aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem
gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o
ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas
No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta
representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees
melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem
por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse
sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias
os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente
negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As
pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o
antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas
vinculadas aos interesses do Estado
Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves
universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a
possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas
pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo
no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios
Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a
permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a
realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em
alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem
a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que
pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades
ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto
aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente
no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal
como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos
[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que
podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar
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nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na
identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica
cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)
Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre
comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que
necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas
agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de
confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados
de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo
resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido
e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa
da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE
OLIVEIRA 2004)
De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a
sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se
apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos
histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e
reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees
proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente
europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6
Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se
refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e
poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das
instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas
nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os
indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e
desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de
produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo
6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa
eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a
anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no
Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que
satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de
evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial
servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
universitaacuterio
Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos
cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam
a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas
eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo
que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe
ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e
o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo
valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo
de menor status a estas consideradas menores inferiores Para
Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das
produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas
pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No
entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e
divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA
e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)
Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia
o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no
eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de
conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e
saber Para Quijano
[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo
de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno
capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)
Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas
para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo
com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da
implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de
indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute
poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas
indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos
indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que
torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo
do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas
no Brasil
Quijano define eurocentrismo como sendo
hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de
conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais
preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)
A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por
Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos
movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando
afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de
implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto
na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das
diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno
categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as
relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo
binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio
do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo
(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo
a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas
das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e
exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo
mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta
perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da
disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)
7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo
indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um
crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de
2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente
triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro
fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades
indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-
tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013
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Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou
ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e
defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo
poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica
Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o
antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo
cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE
OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua
especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do
indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil
o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente
a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na
perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da
Antropologia no Brasil
A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa
direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias
produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas
como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982
e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira
(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de
direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo
indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado
brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar
violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas
Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos
indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas
[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil
porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas
inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das
ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)
Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas
contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou
natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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325 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
seleccedilatildeo de doutorado no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia
(PPGA) da UFPA sendo aprovada
Minha relaccedilatildeo com os antropoacutelogos eacute anterior ao meu contato
com a Antropologia fui orientada no mestrado pela antropoacuteloga Jane
Felipe Beltratildeo que foi a pessoa que me convidou a prestar seleccedilatildeo do
PPGD∕UFPA A conheci na Aldeia Kyikatecircjecirc no ano de 2004 na ocasiatildeo
em que a mesma atendia ao convite das lideranccedilas para assessorar a
comunidade Naquele primeiro encontro conversamos sobre o trabalho
que estava em andamento na escola da aldeia sob minha coordenaccedilatildeo e
do meu desejo de cursar o mestrado e seguir nos estudos A relaccedilatildeo de
confianccedila foi estabelecida e o projeto de mestrado foi construiacutedo com
orientaccedilotildees via e-mail e telefone pela distacircncia da aldeia da capital do
estado e pela impossibilidade de constantes deslocamentos Minha
aprovaccedilatildeo no mestrado foi o primeiro passo para o iniacutecio de novas
formas de relaccedilatildeo pessoal e profissional com a Antropologia A
convivecircncia com a professora Jane era inspiradora as atitudes
politicamente comprometidas e eticamente responsaacuteveis que presenciei
cotidianamente por parte da mesma a amizade que construiacutemos e as
parcerias na realizaccedilatildeo dos trabalhos foi decisiva para que eu
ingressasse no doutorado em Antropologia o que me colocou numa
outra posiccedilatildeo diferente da que eu estava acostumada a vivenciar com
antropoacutelogos
Ateacute entatildeo na condiccedilatildeo de ldquonativardquo fui ldquoentrevistadardquo por
antropoacutelogos outras vezes participei de longas conversas e discussotildees
sobre assuntos considerados estrateacutegicos junto agraves lideranccedilas das
comunidades onde morei Desse meu lugar de pertenccedila via sempre os
antropoacutelogos como pessoas e profissionais diferentes principalmente
com relaccedilatildeo agrave postura diante das pessoas e dos acontecimentos quase
sempre mais atenciosos e cuidadosos nas intervenccedilotildees cautelosos nas
formas de interagir com as lideranccedilas comportamentos consideradas
incomuns agraves demais pessoas que costumam frequentar nossas
comunidades
Os antropoacutelogos em geral me pareciam sempre mais preocupados
em apreender conosco com ouvidos e olhos sempre atentos aos
detalhes procurando interagir aprender e participar das nossas
atividades mesmo quando a resposta era apenas um sorriso por natildeo
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entender a brincadeira ou o silecircncio por natildeo compreender a conversa na
liacutengua materna Observado nos miacutenimos detalhes que eram depois
comentados em algumas rodas de conversa o antropoacutelogo na sua
tarefa de observar e estudar o outro eacute tambeacutem ldquoetnografadordquo nas suas
minuacutecias na forma de falar de vestir de andar de sentar de comer no
fato de aceitar ou natildeo os alimentos oferecidos de participar ou natildeo das
atividades para as quais eacute convidado situaccedilotildees que vatildeo determinar o
estabelecimento ou natildeo de relaccedilotildees de confianccedila com as pessoas da
comunidade
Atualmente como antropoacuteloga em formaccedilatildeo e a partir dos
referenciais da Pedagogia e do Direito tenho a possibilidade de
estabelecer diaacutelogos interdisciplinares e empreender esforccedilos no
sentido de atuar de maneira criacutetica e politicamente situada tanto nas
leituras e elaboraccedilotildees que realizo quanto nas intervenccedilotildees propositivas
na formaccedilatildeo de professores indiacutegenas e natildeo indiacutegenas e junto ao
movimento indiacutegena
Eacute certo que cotidianamente me deparo com novos desafios e eacute
possiacutevel que tenha mais perguntas do que repostas para as questotildees
que me satildeo colocadas tanto nas reflexotildees teoacutericas a partir da leitura
dos claacutessicos da disciplina quanto nas produccedilotildees que realizo no sentido
de analisar nossa relaccedilatildeo com a Antropologia o que faccedilo sempre
baseada nas vivecircncias individuais e coletivas ainda que ateacute pouco
tempo posicionada do outro lado do espelho
Nessa direccedilatildeo Luciano indicou algumas possibilidades
[q]ue a disciplina ceda lugar a indisciplina metodoloacutegica para dar lugar agrave diversidade ao
inesperado ao sonho humano ao possiacutevel e sobretudo agrave busca pelo desconhecido e pela liberdade de pensar
de fazer e de viver e estimular e valorizar o espontacircneo o que natildeo eacute conduzido pelos dogmas criados e impostos para que o homem recupere sua
capacidade de pensar inventar criar acertar e errar enfim ser humano e natildeo maacutequina ou peccedila de uma
maacutequina preacute-moldada ou seja humano como humano ou o iacutendio como iacutendio (LUCIANO 2008 p 10)
O recorte eacute do texto que Luciano da etnia Baniwa elaborou no
esforccedilo de estabelecer diaacutelogos em sendo indiacutegena e antropoacutelogo
sobre a percepccedilatildeo e relaccedilatildeo que os povos indiacutegenas vecircm construindo
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com a Antropologia Luciano propotildee entre outras possibilidades a
Antropologia Indiacutegena como caminho para a descolonizaccedilatildeo do
conhecimento acadecircmico de base eurocecircntrica O texto na iacutentegra foi
apresentado na plenaacuteria da 26ordf Reuniatildeo Brasileira de Antropologia
(RBA) realizada pela Associaccedilatildeo Brasileira de Antropologia (ABA) em
Porto Seguro na Bahia no ano de 2008
Agrave eacutepoca cursando o doutorado Luciano reflete as importantes
contribuiccedilotildees da Antropologia tanto na construccedilatildeo de instrumentos
analiacuteticos sobre a presenccedila indiacutegena no Brasil quanto como suporte para
o Indigenismo brasileiro especialmente nas relaccedilotildees de mediaccedilatildeo e
traduccedilatildeo estabelecidas entre os povos indiacutegenas e o Estado Sobre as
contribuiccedilotildees da disciplina para sua vida pessoal Luciano destaca que
ldquo me permitiu conhecer um pouco do que os brancos pensam sobre os
iacutendios e como os iacutendios se relacionam com esse modo de pensar dos
brancos sobre elesrdquo (2008 p 03)
Hoje professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
Luciano eacute referecircncia nas elaboraccedilotildees sobre educaccedilatildeo escolar indiacutegena
no Brasil tendo atuado no Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) por longo
periacuteodo onde protagonizou a implantaccedilatildeo dos Territoacuterios
Etnoeducacionais O destaque natildeo se deve somente pelo fato de Luciano
realizar discussotildees sobre a relaccedilatildeo da Antropologia com povos
indiacutegenas mas por ser um dos poucos indiacutegenas a assumir uma cadeira
como docente numa universidade federal brasileira e da mesma forma
ocupar posiccedilatildeo relevante no planejamento de poliacuteticas puacuteblicas em
educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas junto ao MEC
Como indiacutegena antropoacutelogo e lideranccedila no movimento indiacutegena
nacional Luciano dimensiona a importacircncia da presenccedila indiacutegena nas
universidades tanto na inserccedilatildeo nos cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-
graduaccedilatildeo quanto na docecircncia no ensino superior caminho ainda a ser
percorrido e conquistado pois o espaccedilo acadecircmico assim como a
maioria das instituiccedilotildees puacuteblicas brasileiras ainda se apresenta hostil agraves
diferenccedilas
Nesse sentido em resposta agraves minhas proacuteprias inquietaccedilotildees
concordando com Luciano e considerando a necessidade de ampliaccedilatildeo
das discussotildees acerca da relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com a
Antropologia no Brasil bem como levando em consideraccedilatildeo os poucos
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trabalhos elaborados por indiacutegenas na aacuterea em tela especialmente
sobre o recorte da temaacutetica proposta tenho como objetivo neste
ensaio contribuir para os debates acerca das possibilidades de
apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos da disciplina pelos povos
indiacutegenas para estabelecer diaacutelogos menos assimeacutetricos com o
chamado ldquomundo dos brancosrdquo
Portanto a tarefa eacute parte dos esforccedilos individuais e coletivos no
sentido de protagonizar novas elaboraccedilotildees acadecircmicas a partir das
percepccedilotildees e diaacutelogos daqueles que por longo periacuteodo da histoacuteria da
Antropologia foram tomados como ldquoobjetos de estudordquo ou ainda
como ldquoinformantesrdquo na elaboraccedilatildeo de trabalhos
Inclusatildeo e protagonismo indiacutegena o caminho da descolonizaccedilatildeo
O protagonismo nas elaboraccedilotildees acadecircmicas assim como no
estabelecimento de diaacutelogos menos assimeacutetricos com Estado brasileiro
vem cada vez mais sendo demandado pelas coletividades indiacutegenas e
constitui parte da agenda de luta para construccedilatildeo da autonomia e da
autodeterminaccedilatildeo reivindicada pelas lideranccedilas comunidades e
organizaccedilotildees indiacutegenas que compotildeem o movimento indiacutegena nacional
No contexto das lutas e enfrentamentos histoacutericos e cotidianos a
inserccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas indiacutegenas no chamado ldquomundo dos
brancosrdquo eacute uma das possibilidades para a formaccedilatildeo de mediadores que
possam atuar no registro e elaboraccedilatildeo das histoacuterias indiacutegenas ao
mesmo tempo em que estejam aptos a fazer a ldquoa ponterdquo como
tradutores do mundo natildeo indiacutegena a partir da apropriaccedilatildeo de novos
conhecimentos
A crescente demanda pela inserccedilatildeo indiacutegena nas mais diversas
aacutereas do conhecimento com atenccedilatildeo especial agravequelas consideradas
prioritaacuterias como sauacutede educaccedilatildeo direito entre outras tambeacutem eacute
parte das estrateacutegias elaboradas pelos povos indiacutegenas para o exerciacutecio
do protagonismo nas relaccedilotildees com o Estado brasileiro que devem ser
pautadas em novos paradigmas onde os indiacutegenas enquanto sujeitos
plenos de direito e conhecimento sejam tambeacutem sujeitos na elaboraccedilatildeo
de suas proacuteprias histoacuterias situando desta feita ldquoos brancosrdquo e suas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo
indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas
com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo
(CARNEIRO DA CUNHA 2002)
A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente
constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas
demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio
coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de
70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees
para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma
de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda
hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar
de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo
indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no
Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e
inferioridade (SPIVAK 2010)
Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades
indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de
exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e
exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo
A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas
novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros
conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos
universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam
que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino
superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo
Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando
significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via
conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de
Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam
promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo
O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das
comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas
poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos
coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e
4 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrcotasperguntas-frequenteshtml Acesso em 27 de nov de 2013
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um
dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na
atualidade
A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem
sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que
concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais
como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos
conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e
reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere
agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por
empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo
Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias
linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam
negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e
colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas
geraccedilotildees
No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o
Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque
tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas
quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e
defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou
mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos
emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas
comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela
possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena
Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se
apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas
do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de
releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a
erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes
pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia
em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo
dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees
antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores
aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de
pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas
A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio
da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos
pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina
Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no
cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram
marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o
ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental
eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento
Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento
que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos
poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais
foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas
o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de
novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de
produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)
A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive
por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho
de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de
antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e
condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas
reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo
Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees
colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo
considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez
estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser
requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem
sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo
podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e
mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o
encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e
5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e
2013) e Salzano (2009)
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instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de
relaccedilatildeo
Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo
sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves
aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem
gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o
ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas
No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta
representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees
melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem
por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse
sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias
os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente
negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As
pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o
antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas
vinculadas aos interesses do Estado
Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves
universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a
possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas
pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo
no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios
Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a
permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a
realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em
alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem
a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que
pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades
ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto
aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente
no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal
como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos
[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que
podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar
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nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na
identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica
cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)
Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre
comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que
necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas
agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de
confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados
de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo
resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido
e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa
da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE
OLIVEIRA 2004)
De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a
sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se
apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos
histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e
reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees
proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente
europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6
Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se
refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e
poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das
instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas
nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os
indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e
desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de
produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo
6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa
eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a
anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no
Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que
satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de
evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial
servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)
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universitaacuterio
Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos
cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam
a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas
eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo
que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe
ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e
o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo
valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo
de menor status a estas consideradas menores inferiores Para
Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das
produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas
pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No
entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e
divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA
e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)
Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia
o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no
eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de
conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e
saber Para Quijano
[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo
de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno
capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)
Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas
para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo
com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da
implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de
indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute
poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas
indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos
indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que
torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo
do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas
no Brasil
Quijano define eurocentrismo como sendo
hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de
conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais
preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)
A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por
Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos
movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando
afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de
implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto
na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das
diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno
categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as
relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo
binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio
do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo
(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo
a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas
das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e
exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo
mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta
perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da
disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)
7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo
indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um
crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de
2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente
triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro
fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades
indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-
tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou
ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e
defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo
poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica
Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o
antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo
cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE
OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua
especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do
indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil
o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente
a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na
perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da
Antropologia no Brasil
A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa
direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias
produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas
como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982
e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira
(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de
direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo
indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado
brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar
violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas
Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos
indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas
[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil
porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas
inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das
ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)
Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas
contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou
natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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Contra CapaLACED 2002 p83-95
SPIVAK Gayatri Chakravorty Pode o subalterno falar Belo Horizonte Editora da
UFMG 2010 Disponiacutevel em httpdxdoiorg101590S1518-70122014000100002
Acesso em 30 jun 2015
TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos Santa
Maria do Paraacute 2011 (Ineacutedito)
TRAJANO FILHO Wilson RIBEIRO Gustavo Lins (Org) O campo da
Antropologia no Brasil Rio de Janeiro Contra CapaABA 2004
WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em
transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961
Recebido em 06022015 Aprovado em 18052015 Publicado em 30062015
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entender a brincadeira ou o silecircncio por natildeo compreender a conversa na
liacutengua materna Observado nos miacutenimos detalhes que eram depois
comentados em algumas rodas de conversa o antropoacutelogo na sua
tarefa de observar e estudar o outro eacute tambeacutem ldquoetnografadordquo nas suas
minuacutecias na forma de falar de vestir de andar de sentar de comer no
fato de aceitar ou natildeo os alimentos oferecidos de participar ou natildeo das
atividades para as quais eacute convidado situaccedilotildees que vatildeo determinar o
estabelecimento ou natildeo de relaccedilotildees de confianccedila com as pessoas da
comunidade
Atualmente como antropoacuteloga em formaccedilatildeo e a partir dos
referenciais da Pedagogia e do Direito tenho a possibilidade de
estabelecer diaacutelogos interdisciplinares e empreender esforccedilos no
sentido de atuar de maneira criacutetica e politicamente situada tanto nas
leituras e elaboraccedilotildees que realizo quanto nas intervenccedilotildees propositivas
na formaccedilatildeo de professores indiacutegenas e natildeo indiacutegenas e junto ao
movimento indiacutegena
Eacute certo que cotidianamente me deparo com novos desafios e eacute
possiacutevel que tenha mais perguntas do que repostas para as questotildees
que me satildeo colocadas tanto nas reflexotildees teoacutericas a partir da leitura
dos claacutessicos da disciplina quanto nas produccedilotildees que realizo no sentido
de analisar nossa relaccedilatildeo com a Antropologia o que faccedilo sempre
baseada nas vivecircncias individuais e coletivas ainda que ateacute pouco
tempo posicionada do outro lado do espelho
Nessa direccedilatildeo Luciano indicou algumas possibilidades
[q]ue a disciplina ceda lugar a indisciplina metodoloacutegica para dar lugar agrave diversidade ao
inesperado ao sonho humano ao possiacutevel e sobretudo agrave busca pelo desconhecido e pela liberdade de pensar
de fazer e de viver e estimular e valorizar o espontacircneo o que natildeo eacute conduzido pelos dogmas criados e impostos para que o homem recupere sua
capacidade de pensar inventar criar acertar e errar enfim ser humano e natildeo maacutequina ou peccedila de uma
maacutequina preacute-moldada ou seja humano como humano ou o iacutendio como iacutendio (LUCIANO 2008 p 10)
O recorte eacute do texto que Luciano da etnia Baniwa elaborou no
esforccedilo de estabelecer diaacutelogos em sendo indiacutegena e antropoacutelogo
sobre a percepccedilatildeo e relaccedilatildeo que os povos indiacutegenas vecircm construindo
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com a Antropologia Luciano propotildee entre outras possibilidades a
Antropologia Indiacutegena como caminho para a descolonizaccedilatildeo do
conhecimento acadecircmico de base eurocecircntrica O texto na iacutentegra foi
apresentado na plenaacuteria da 26ordf Reuniatildeo Brasileira de Antropologia
(RBA) realizada pela Associaccedilatildeo Brasileira de Antropologia (ABA) em
Porto Seguro na Bahia no ano de 2008
Agrave eacutepoca cursando o doutorado Luciano reflete as importantes
contribuiccedilotildees da Antropologia tanto na construccedilatildeo de instrumentos
analiacuteticos sobre a presenccedila indiacutegena no Brasil quanto como suporte para
o Indigenismo brasileiro especialmente nas relaccedilotildees de mediaccedilatildeo e
traduccedilatildeo estabelecidas entre os povos indiacutegenas e o Estado Sobre as
contribuiccedilotildees da disciplina para sua vida pessoal Luciano destaca que
ldquo me permitiu conhecer um pouco do que os brancos pensam sobre os
iacutendios e como os iacutendios se relacionam com esse modo de pensar dos
brancos sobre elesrdquo (2008 p 03)
Hoje professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
Luciano eacute referecircncia nas elaboraccedilotildees sobre educaccedilatildeo escolar indiacutegena
no Brasil tendo atuado no Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) por longo
periacuteodo onde protagonizou a implantaccedilatildeo dos Territoacuterios
Etnoeducacionais O destaque natildeo se deve somente pelo fato de Luciano
realizar discussotildees sobre a relaccedilatildeo da Antropologia com povos
indiacutegenas mas por ser um dos poucos indiacutegenas a assumir uma cadeira
como docente numa universidade federal brasileira e da mesma forma
ocupar posiccedilatildeo relevante no planejamento de poliacuteticas puacuteblicas em
educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas junto ao MEC
Como indiacutegena antropoacutelogo e lideranccedila no movimento indiacutegena
nacional Luciano dimensiona a importacircncia da presenccedila indiacutegena nas
universidades tanto na inserccedilatildeo nos cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-
graduaccedilatildeo quanto na docecircncia no ensino superior caminho ainda a ser
percorrido e conquistado pois o espaccedilo acadecircmico assim como a
maioria das instituiccedilotildees puacuteblicas brasileiras ainda se apresenta hostil agraves
diferenccedilas
Nesse sentido em resposta agraves minhas proacuteprias inquietaccedilotildees
concordando com Luciano e considerando a necessidade de ampliaccedilatildeo
das discussotildees acerca da relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com a
Antropologia no Brasil bem como levando em consideraccedilatildeo os poucos
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trabalhos elaborados por indiacutegenas na aacuterea em tela especialmente
sobre o recorte da temaacutetica proposta tenho como objetivo neste
ensaio contribuir para os debates acerca das possibilidades de
apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos da disciplina pelos povos
indiacutegenas para estabelecer diaacutelogos menos assimeacutetricos com o
chamado ldquomundo dos brancosrdquo
Portanto a tarefa eacute parte dos esforccedilos individuais e coletivos no
sentido de protagonizar novas elaboraccedilotildees acadecircmicas a partir das
percepccedilotildees e diaacutelogos daqueles que por longo periacuteodo da histoacuteria da
Antropologia foram tomados como ldquoobjetos de estudordquo ou ainda
como ldquoinformantesrdquo na elaboraccedilatildeo de trabalhos
Inclusatildeo e protagonismo indiacutegena o caminho da descolonizaccedilatildeo
O protagonismo nas elaboraccedilotildees acadecircmicas assim como no
estabelecimento de diaacutelogos menos assimeacutetricos com Estado brasileiro
vem cada vez mais sendo demandado pelas coletividades indiacutegenas e
constitui parte da agenda de luta para construccedilatildeo da autonomia e da
autodeterminaccedilatildeo reivindicada pelas lideranccedilas comunidades e
organizaccedilotildees indiacutegenas que compotildeem o movimento indiacutegena nacional
No contexto das lutas e enfrentamentos histoacutericos e cotidianos a
inserccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas indiacutegenas no chamado ldquomundo dos
brancosrdquo eacute uma das possibilidades para a formaccedilatildeo de mediadores que
possam atuar no registro e elaboraccedilatildeo das histoacuterias indiacutegenas ao
mesmo tempo em que estejam aptos a fazer a ldquoa ponterdquo como
tradutores do mundo natildeo indiacutegena a partir da apropriaccedilatildeo de novos
conhecimentos
A crescente demanda pela inserccedilatildeo indiacutegena nas mais diversas
aacutereas do conhecimento com atenccedilatildeo especial agravequelas consideradas
prioritaacuterias como sauacutede educaccedilatildeo direito entre outras tambeacutem eacute
parte das estrateacutegias elaboradas pelos povos indiacutegenas para o exerciacutecio
do protagonismo nas relaccedilotildees com o Estado brasileiro que devem ser
pautadas em novos paradigmas onde os indiacutegenas enquanto sujeitos
plenos de direito e conhecimento sejam tambeacutem sujeitos na elaboraccedilatildeo
de suas proacuteprias histoacuterias situando desta feita ldquoos brancosrdquo e suas
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instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo
indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas
com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo
(CARNEIRO DA CUNHA 2002)
A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente
constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas
demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio
coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de
70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees
para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma
de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda
hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar
de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo
indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no
Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e
inferioridade (SPIVAK 2010)
Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades
indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de
exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e
exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo
A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas
novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros
conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos
universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam
que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino
superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo
Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando
significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via
conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de
Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam
promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo
O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das
comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas
poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos
coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e
4 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrcotasperguntas-frequenteshtml Acesso em 27 de nov de 2013
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transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um
dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na
atualidade
A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem
sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que
concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais
como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos
conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e
reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere
agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por
empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo
Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias
linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam
negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e
colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas
geraccedilotildees
No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o
Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque
tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas
quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e
defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou
mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos
emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas
comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela
possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena
Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se
apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas
do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de
releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a
erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes
pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia
em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo
dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees
antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores
aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de
pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto
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A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas
A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio
da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos
pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina
Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no
cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram
marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o
ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental
eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento
Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento
que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos
poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais
foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas
o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de
novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de
produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)
A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive
por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho
de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de
antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e
condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas
reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo
Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees
colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo
considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez
estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser
requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem
sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo
podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e
mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o
encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e
5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e
2013) e Salzano (2009)
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instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de
relaccedilatildeo
Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo
sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves
aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem
gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o
ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas
No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta
representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees
melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem
por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse
sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias
os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente
negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As
pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o
antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas
vinculadas aos interesses do Estado
Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves
universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a
possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas
pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo
no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios
Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a
permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a
realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em
alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem
a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que
pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades
ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto
aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente
no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal
como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos
[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que
podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar
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nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na
identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica
cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)
Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre
comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que
necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas
agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de
confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados
de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo
resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido
e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa
da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE
OLIVEIRA 2004)
De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a
sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se
apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos
histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e
reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees
proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente
europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6
Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se
refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e
poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das
instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas
nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os
indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e
desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de
produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo
6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa
eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a
anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no
Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que
satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de
evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial
servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)
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universitaacuterio
Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos
cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam
a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas
eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo
que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe
ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e
o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo
valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo
de menor status a estas consideradas menores inferiores Para
Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das
produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas
pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No
entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e
divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA
e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)
Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia
o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no
eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de
conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e
saber Para Quijano
[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo
de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno
capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)
Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas
para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo
com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da
implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de
indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute
poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas
indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos
indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que
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representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que
torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo
do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas
no Brasil
Quijano define eurocentrismo como sendo
hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de
conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais
preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)
A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por
Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos
movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando
afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de
implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto
na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das
diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno
categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as
relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo
binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio
do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo
(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo
a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas
das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e
exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo
mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta
perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da
disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)
7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo
indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um
crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de
2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente
triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro
fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades
indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-
tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013
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Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou
ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e
defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo
poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica
Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o
antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo
cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE
OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua
especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do
indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil
o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente
a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na
perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da
Antropologia no Brasil
A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa
direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias
produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas
como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982
e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira
(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de
direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo
indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado
brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar
violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas
Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos
indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas
[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil
porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas
inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das
ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)
Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas
contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou
natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas
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inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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com a Antropologia Luciano propotildee entre outras possibilidades a
Antropologia Indiacutegena como caminho para a descolonizaccedilatildeo do
conhecimento acadecircmico de base eurocecircntrica O texto na iacutentegra foi
apresentado na plenaacuteria da 26ordf Reuniatildeo Brasileira de Antropologia
(RBA) realizada pela Associaccedilatildeo Brasileira de Antropologia (ABA) em
Porto Seguro na Bahia no ano de 2008
Agrave eacutepoca cursando o doutorado Luciano reflete as importantes
contribuiccedilotildees da Antropologia tanto na construccedilatildeo de instrumentos
analiacuteticos sobre a presenccedila indiacutegena no Brasil quanto como suporte para
o Indigenismo brasileiro especialmente nas relaccedilotildees de mediaccedilatildeo e
traduccedilatildeo estabelecidas entre os povos indiacutegenas e o Estado Sobre as
contribuiccedilotildees da disciplina para sua vida pessoal Luciano destaca que
ldquo me permitiu conhecer um pouco do que os brancos pensam sobre os
iacutendios e como os iacutendios se relacionam com esse modo de pensar dos
brancos sobre elesrdquo (2008 p 03)
Hoje professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
Luciano eacute referecircncia nas elaboraccedilotildees sobre educaccedilatildeo escolar indiacutegena
no Brasil tendo atuado no Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) por longo
periacuteodo onde protagonizou a implantaccedilatildeo dos Territoacuterios
Etnoeducacionais O destaque natildeo se deve somente pelo fato de Luciano
realizar discussotildees sobre a relaccedilatildeo da Antropologia com povos
indiacutegenas mas por ser um dos poucos indiacutegenas a assumir uma cadeira
como docente numa universidade federal brasileira e da mesma forma
ocupar posiccedilatildeo relevante no planejamento de poliacuteticas puacuteblicas em
educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas junto ao MEC
Como indiacutegena antropoacutelogo e lideranccedila no movimento indiacutegena
nacional Luciano dimensiona a importacircncia da presenccedila indiacutegena nas
universidades tanto na inserccedilatildeo nos cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-
graduaccedilatildeo quanto na docecircncia no ensino superior caminho ainda a ser
percorrido e conquistado pois o espaccedilo acadecircmico assim como a
maioria das instituiccedilotildees puacuteblicas brasileiras ainda se apresenta hostil agraves
diferenccedilas
Nesse sentido em resposta agraves minhas proacuteprias inquietaccedilotildees
concordando com Luciano e considerando a necessidade de ampliaccedilatildeo
das discussotildees acerca da relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com a
Antropologia no Brasil bem como levando em consideraccedilatildeo os poucos
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
trabalhos elaborados por indiacutegenas na aacuterea em tela especialmente
sobre o recorte da temaacutetica proposta tenho como objetivo neste
ensaio contribuir para os debates acerca das possibilidades de
apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos da disciplina pelos povos
indiacutegenas para estabelecer diaacutelogos menos assimeacutetricos com o
chamado ldquomundo dos brancosrdquo
Portanto a tarefa eacute parte dos esforccedilos individuais e coletivos no
sentido de protagonizar novas elaboraccedilotildees acadecircmicas a partir das
percepccedilotildees e diaacutelogos daqueles que por longo periacuteodo da histoacuteria da
Antropologia foram tomados como ldquoobjetos de estudordquo ou ainda
como ldquoinformantesrdquo na elaboraccedilatildeo de trabalhos
Inclusatildeo e protagonismo indiacutegena o caminho da descolonizaccedilatildeo
O protagonismo nas elaboraccedilotildees acadecircmicas assim como no
estabelecimento de diaacutelogos menos assimeacutetricos com Estado brasileiro
vem cada vez mais sendo demandado pelas coletividades indiacutegenas e
constitui parte da agenda de luta para construccedilatildeo da autonomia e da
autodeterminaccedilatildeo reivindicada pelas lideranccedilas comunidades e
organizaccedilotildees indiacutegenas que compotildeem o movimento indiacutegena nacional
No contexto das lutas e enfrentamentos histoacutericos e cotidianos a
inserccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas indiacutegenas no chamado ldquomundo dos
brancosrdquo eacute uma das possibilidades para a formaccedilatildeo de mediadores que
possam atuar no registro e elaboraccedilatildeo das histoacuterias indiacutegenas ao
mesmo tempo em que estejam aptos a fazer a ldquoa ponterdquo como
tradutores do mundo natildeo indiacutegena a partir da apropriaccedilatildeo de novos
conhecimentos
A crescente demanda pela inserccedilatildeo indiacutegena nas mais diversas
aacutereas do conhecimento com atenccedilatildeo especial agravequelas consideradas
prioritaacuterias como sauacutede educaccedilatildeo direito entre outras tambeacutem eacute
parte das estrateacutegias elaboradas pelos povos indiacutegenas para o exerciacutecio
do protagonismo nas relaccedilotildees com o Estado brasileiro que devem ser
pautadas em novos paradigmas onde os indiacutegenas enquanto sujeitos
plenos de direito e conhecimento sejam tambeacutem sujeitos na elaboraccedilatildeo
de suas proacuteprias histoacuterias situando desta feita ldquoos brancosrdquo e suas
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instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo
indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas
com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo
(CARNEIRO DA CUNHA 2002)
A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente
constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas
demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio
coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de
70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees
para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma
de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda
hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar
de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo
indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no
Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e
inferioridade (SPIVAK 2010)
Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades
indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de
exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e
exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo
A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas
novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros
conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos
universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam
que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino
superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo
Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando
significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via
conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de
Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam
promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo
O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das
comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas
poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos
coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e
4 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrcotasperguntas-frequenteshtml Acesso em 27 de nov de 2013
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transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um
dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na
atualidade
A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem
sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que
concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais
como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos
conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e
reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere
agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por
empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo
Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias
linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam
negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e
colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas
geraccedilotildees
No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o
Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque
tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas
quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e
defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou
mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos
emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas
comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela
possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena
Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se
apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas
do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de
releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a
erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes
pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia
em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo
dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees
antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores
aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de
pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto
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A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas
A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio
da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos
pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina
Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no
cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram
marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o
ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental
eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento
Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento
que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos
poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais
foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas
o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de
novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de
produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)
A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive
por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho
de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de
antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e
condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas
reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo
Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees
colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo
considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez
estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser
requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem
sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo
podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e
mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o
encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e
5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e
2013) e Salzano (2009)
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instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de
relaccedilatildeo
Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo
sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves
aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem
gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o
ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas
No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta
representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees
melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem
por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse
sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias
os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente
negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As
pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o
antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas
vinculadas aos interesses do Estado
Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves
universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a
possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas
pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo
no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios
Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a
permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a
realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em
alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem
a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que
pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades
ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto
aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente
no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal
como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos
[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que
podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar
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nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na
identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica
cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)
Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre
comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que
necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas
agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de
confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados
de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo
resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido
e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa
da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE
OLIVEIRA 2004)
De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a
sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se
apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos
histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e
reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees
proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente
europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6
Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se
refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e
poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das
instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas
nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os
indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e
desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de
produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo
6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa
eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a
anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no
Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que
satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de
evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial
servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)
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universitaacuterio
Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos
cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam
a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas
eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo
que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe
ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e
o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo
valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo
de menor status a estas consideradas menores inferiores Para
Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das
produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas
pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No
entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e
divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA
e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)
Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia
o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no
eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de
conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e
saber Para Quijano
[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo
de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno
capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)
Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas
para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo
com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da
implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de
indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute
poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas
indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos
indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que
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representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que
torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo
do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas
no Brasil
Quijano define eurocentrismo como sendo
hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de
conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais
preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)
A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por
Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos
movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando
afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de
implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto
na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das
diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno
categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as
relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo
binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio
do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo
(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo
a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas
das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e
exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo
mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta
perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da
disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)
7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo
indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um
crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de
2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente
triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro
fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades
indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-
tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013
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Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou
ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e
defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo
poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica
Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o
antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo
cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE
OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua
especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do
indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil
o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente
a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na
perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da
Antropologia no Brasil
A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa
direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias
produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas
como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982
e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira
(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de
direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo
indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado
brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar
violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas
Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos
indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas
[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil
porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas
inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das
ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)
Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas
contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou
natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas
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inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
349 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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trabalhos elaborados por indiacutegenas na aacuterea em tela especialmente
sobre o recorte da temaacutetica proposta tenho como objetivo neste
ensaio contribuir para os debates acerca das possibilidades de
apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos da disciplina pelos povos
indiacutegenas para estabelecer diaacutelogos menos assimeacutetricos com o
chamado ldquomundo dos brancosrdquo
Portanto a tarefa eacute parte dos esforccedilos individuais e coletivos no
sentido de protagonizar novas elaboraccedilotildees acadecircmicas a partir das
percepccedilotildees e diaacutelogos daqueles que por longo periacuteodo da histoacuteria da
Antropologia foram tomados como ldquoobjetos de estudordquo ou ainda
como ldquoinformantesrdquo na elaboraccedilatildeo de trabalhos
Inclusatildeo e protagonismo indiacutegena o caminho da descolonizaccedilatildeo
O protagonismo nas elaboraccedilotildees acadecircmicas assim como no
estabelecimento de diaacutelogos menos assimeacutetricos com Estado brasileiro
vem cada vez mais sendo demandado pelas coletividades indiacutegenas e
constitui parte da agenda de luta para construccedilatildeo da autonomia e da
autodeterminaccedilatildeo reivindicada pelas lideranccedilas comunidades e
organizaccedilotildees indiacutegenas que compotildeem o movimento indiacutegena nacional
No contexto das lutas e enfrentamentos histoacutericos e cotidianos a
inserccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas indiacutegenas no chamado ldquomundo dos
brancosrdquo eacute uma das possibilidades para a formaccedilatildeo de mediadores que
possam atuar no registro e elaboraccedilatildeo das histoacuterias indiacutegenas ao
mesmo tempo em que estejam aptos a fazer a ldquoa ponterdquo como
tradutores do mundo natildeo indiacutegena a partir da apropriaccedilatildeo de novos
conhecimentos
A crescente demanda pela inserccedilatildeo indiacutegena nas mais diversas
aacutereas do conhecimento com atenccedilatildeo especial agravequelas consideradas
prioritaacuterias como sauacutede educaccedilatildeo direito entre outras tambeacutem eacute
parte das estrateacutegias elaboradas pelos povos indiacutegenas para o exerciacutecio
do protagonismo nas relaccedilotildees com o Estado brasileiro que devem ser
pautadas em novos paradigmas onde os indiacutegenas enquanto sujeitos
plenos de direito e conhecimento sejam tambeacutem sujeitos na elaboraccedilatildeo
de suas proacuteprias histoacuterias situando desta feita ldquoos brancosrdquo e suas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo
indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas
com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo
(CARNEIRO DA CUNHA 2002)
A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente
constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas
demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio
coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de
70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees
para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma
de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda
hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar
de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo
indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no
Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e
inferioridade (SPIVAK 2010)
Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades
indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de
exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e
exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo
A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas
novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros
conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos
universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam
que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino
superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo
Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando
significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via
conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de
Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam
promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo
O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das
comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas
poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos
coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e
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330 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um
dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na
atualidade
A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem
sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que
concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais
como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos
conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e
reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere
agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por
empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo
Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias
linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam
negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e
colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas
geraccedilotildees
No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o
Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque
tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas
quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e
defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou
mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos
emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas
comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela
possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena
Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se
apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas
do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de
releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a
erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes
pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia
em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo
dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees
antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores
aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de
pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto
331 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas
A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio
da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos
pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina
Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no
cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram
marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o
ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental
eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento
Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento
que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos
poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais
foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas
o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de
novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de
produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)
A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive
por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho
de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de
antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e
condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas
reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo
Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees
colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo
considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez
estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser
requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem
sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo
podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e
mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o
encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e
5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e
2013) e Salzano (2009)
332 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
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instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de
relaccedilatildeo
Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo
sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves
aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem
gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o
ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas
No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta
representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees
melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem
por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse
sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias
os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente
negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As
pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o
antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas
vinculadas aos interesses do Estado
Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves
universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a
possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas
pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo
no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios
Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a
permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a
realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em
alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem
a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que
pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades
ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto
aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente
no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal
como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos
[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que
podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar
333 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na
identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica
cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)
Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre
comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que
necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas
agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de
confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados
de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo
resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido
e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa
da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE
OLIVEIRA 2004)
De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a
sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se
apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos
histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e
reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees
proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente
europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6
Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se
refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e
poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das
instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas
nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os
indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e
desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de
produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo
6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa
eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a
anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no
Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que
satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de
evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial
servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
universitaacuterio
Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos
cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam
a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas
eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo
que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe
ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e
o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo
valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo
de menor status a estas consideradas menores inferiores Para
Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das
produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas
pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No
entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e
divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA
e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)
Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia
o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no
eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de
conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e
saber Para Quijano
[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo
de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno
capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)
Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas
para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo
com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da
implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de
indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute
poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas
indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos
indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que
torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo
do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas
no Brasil
Quijano define eurocentrismo como sendo
hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de
conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais
preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)
A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por
Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos
movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando
afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de
implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto
na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das
diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno
categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as
relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo
binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio
do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo
(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo
a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas
das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e
exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo
mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta
perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da
disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)
7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo
indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um
crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de
2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente
triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro
fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades
indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-
tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013
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Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou
ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e
defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo
poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica
Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o
antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo
cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE
OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua
especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do
indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil
o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente
a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na
perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da
Antropologia no Brasil
A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa
direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias
produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas
como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982
e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira
(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de
direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo
indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado
brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar
violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas
Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos
indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas
[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil
porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas
inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das
ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)
Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas
contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou
natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
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343 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo
indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas
com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo
(CARNEIRO DA CUNHA 2002)
A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente
constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas
demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio
coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de
70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees
para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma
de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda
hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar
de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo
indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no
Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e
inferioridade (SPIVAK 2010)
Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades
indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de
exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e
exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo
A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas
novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros
conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos
universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam
que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino
superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo
Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando
significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via
conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de
Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam
promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo
O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das
comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas
poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos
coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e
4 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrcotasperguntas-frequenteshtml Acesso em 27 de nov de 2013
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um
dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na
atualidade
A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem
sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que
concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais
como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos
conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e
reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere
agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por
empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo
Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias
linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam
negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e
colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas
geraccedilotildees
No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o
Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque
tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas
quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e
defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou
mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos
emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas
comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela
possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena
Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se
apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas
do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de
releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a
erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes
pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia
em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo
dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees
antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores
aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de
pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas
A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio
da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos
pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina
Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no
cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram
marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o
ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental
eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento
Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento
que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos
poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais
foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas
o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de
novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de
produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)
A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive
por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho
de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de
antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e
condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas
reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo
Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees
colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo
considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez
estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser
requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem
sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo
podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e
mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o
encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e
5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e
2013) e Salzano (2009)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de
relaccedilatildeo
Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo
sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves
aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem
gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o
ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas
No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta
representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees
melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem
por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse
sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias
os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente
negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As
pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o
antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas
vinculadas aos interesses do Estado
Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves
universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a
possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas
pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo
no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios
Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a
permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a
realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em
alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem
a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que
pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades
ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto
aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente
no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal
como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos
[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que
podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na
identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica
cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)
Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre
comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que
necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas
agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de
confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados
de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo
resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido
e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa
da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE
OLIVEIRA 2004)
De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a
sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se
apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos
histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e
reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees
proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente
europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6
Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se
refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e
poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das
instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas
nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os
indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e
desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de
produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo
6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa
eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a
anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no
Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que
satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de
evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial
servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)
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universitaacuterio
Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos
cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam
a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas
eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo
que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe
ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e
o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo
valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo
de menor status a estas consideradas menores inferiores Para
Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das
produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas
pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No
entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e
divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA
e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)
Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia
o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no
eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de
conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e
saber Para Quijano
[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo
de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno
capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)
Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas
para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo
com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da
implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de
indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute
poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas
indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos
indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que
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representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que
torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo
do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas
no Brasil
Quijano define eurocentrismo como sendo
hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de
conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais
preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)
A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por
Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos
movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando
afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de
implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto
na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das
diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno
categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as
relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo
binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio
do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo
(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo
a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas
das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e
exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo
mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta
perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da
disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)
7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo
indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um
crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de
2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente
triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro
fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades
indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-
tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013
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Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou
ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e
defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo
poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica
Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o
antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo
cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE
OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua
especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do
indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil
o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente
a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na
perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da
Antropologia no Brasil
A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa
direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias
produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas
como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982
e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira
(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de
direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo
indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado
brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar
violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas
Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos
indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas
[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil
porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas
inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das
ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)
Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas
contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou
natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas
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inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
339 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
346 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um
dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na
atualidade
A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem
sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que
concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais
como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos
conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e
reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere
agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por
empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo
Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias
linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam
negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e
colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas
geraccedilotildees
No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o
Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque
tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas
quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e
defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou
mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos
emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas
comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela
possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena
Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se
apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas
do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de
releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a
erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes
pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia
em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo
dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees
antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores
aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de
pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto
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A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas
A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio
da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos
pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina
Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no
cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram
marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o
ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental
eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento
Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento
que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos
poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais
foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas
o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de
novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de
produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)
A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive
por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho
de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de
antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e
condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas
reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo
Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees
colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo
considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez
estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser
requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem
sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo
podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e
mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o
encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e
5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e
2013) e Salzano (2009)
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instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de
relaccedilatildeo
Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo
sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves
aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem
gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o
ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas
No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta
representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees
melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem
por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse
sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias
os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente
negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As
pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o
antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas
vinculadas aos interesses do Estado
Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves
universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a
possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas
pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo
no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios
Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a
permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a
realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em
alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem
a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que
pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades
ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto
aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente
no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal
como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos
[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que
podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar
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nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na
identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica
cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)
Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre
comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que
necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas
agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de
confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados
de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo
resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido
e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa
da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE
OLIVEIRA 2004)
De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a
sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se
apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos
histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e
reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees
proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente
europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6
Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se
refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e
poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das
instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas
nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os
indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e
desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de
produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo
6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa
eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a
anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no
Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que
satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de
evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial
servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
universitaacuterio
Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos
cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam
a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas
eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo
que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe
ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e
o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo
valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo
de menor status a estas consideradas menores inferiores Para
Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das
produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas
pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No
entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e
divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA
e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)
Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia
o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no
eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de
conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e
saber Para Quijano
[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo
de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno
capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)
Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas
para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo
com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da
implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de
indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute
poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas
indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos
indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que
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representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que
torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo
do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas
no Brasil
Quijano define eurocentrismo como sendo
hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de
conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais
preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)
A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por
Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos
movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando
afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de
implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto
na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das
diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno
categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as
relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo
binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio
do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo
(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo
a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas
das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e
exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo
mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta
perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da
disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)
7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo
indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um
crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de
2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente
triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro
fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades
indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-
tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013
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Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou
ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e
defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo
poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica
Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o
antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo
cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE
OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua
especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do
indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil
o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente
a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na
perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da
Antropologia no Brasil
A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa
direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias
produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas
como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982
e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira
(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de
direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo
indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado
brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar
violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas
Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos
indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas
[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil
porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas
inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das
ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)
Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas
contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou
natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas
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inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas
A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio
da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos
pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina
Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no
cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram
marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o
ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental
eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento
Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento
que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos
poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais
foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas
o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de
novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de
produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)
A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive
por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho
de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de
antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e
condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas
reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo
Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees
colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo
considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez
estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser
requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem
sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo
podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e
mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o
encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e
5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e
2013) e Salzano (2009)
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instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de
relaccedilatildeo
Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo
sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves
aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem
gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o
ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas
No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta
representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees
melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem
por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse
sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias
os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente
negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As
pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o
antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas
vinculadas aos interesses do Estado
Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves
universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a
possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas
pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo
no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios
Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a
permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a
realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em
alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem
a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que
pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades
ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto
aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente
no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal
como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos
[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que
podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar
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nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na
identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica
cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)
Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre
comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que
necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas
agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de
confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados
de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo
resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido
e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa
da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE
OLIVEIRA 2004)
De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a
sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se
apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos
histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e
reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees
proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente
europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6
Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se
refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e
poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das
instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas
nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os
indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e
desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de
produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo
6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa
eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a
anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no
Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que
satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de
evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial
servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)
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universitaacuterio
Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos
cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam
a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas
eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo
que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe
ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e
o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo
valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo
de menor status a estas consideradas menores inferiores Para
Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das
produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas
pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No
entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e
divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA
e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)
Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia
o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no
eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de
conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e
saber Para Quijano
[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo
de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno
capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)
Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas
para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo
com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da
implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de
indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute
poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas
indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos
indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que
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representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que
torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo
do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas
no Brasil
Quijano define eurocentrismo como sendo
hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de
conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais
preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)
A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por
Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos
movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando
afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de
implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto
na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das
diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno
categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as
relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo
binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio
do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo
(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo
a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas
das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e
exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo
mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta
perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da
disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)
7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo
indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um
crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de
2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente
triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro
fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades
indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-
tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013
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Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou
ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e
defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo
poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica
Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o
antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo
cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE
OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua
especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do
indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil
o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente
a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na
perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da
Antropologia no Brasil
A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa
direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias
produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas
como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982
e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira
(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de
direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo
indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado
brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar
violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas
Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos
indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas
[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil
porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas
inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das
ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)
Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas
contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou
natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas
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inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de
relaccedilatildeo
Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo
sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves
aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem
gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o
ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas
No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta
representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees
melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem
por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse
sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias
os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente
negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As
pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o
antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas
vinculadas aos interesses do Estado
Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves
universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a
possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas
pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo
no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios
Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a
permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a
realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em
alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem
a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que
pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades
ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto
aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente
no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal
como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos
[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que
podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar
333 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na
identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica
cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)
Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre
comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que
necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas
agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de
confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados
de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo
resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido
e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa
da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE
OLIVEIRA 2004)
De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a
sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se
apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos
histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e
reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees
proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente
europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6
Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se
refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e
poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das
instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas
nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os
indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e
desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de
produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo
6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa
eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a
anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no
Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que
satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de
evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial
servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
universitaacuterio
Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos
cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam
a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas
eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo
que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe
ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e
o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo
valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo
de menor status a estas consideradas menores inferiores Para
Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das
produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas
pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No
entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e
divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA
e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)
Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia
o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no
eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de
conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e
saber Para Quijano
[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo
de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno
capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)
Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas
para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo
com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da
implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de
indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute
poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas
indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos
indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que
335 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que
torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo
do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas
no Brasil
Quijano define eurocentrismo como sendo
hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de
conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais
preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)
A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por
Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos
movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando
afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de
implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto
na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das
diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno
categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as
relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo
binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio
do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo
(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo
a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas
das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e
exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo
mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta
perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da
disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)
7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo
indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um
crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de
2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente
triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro
fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades
indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-
tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013
336 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou
ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e
defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo
poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica
Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o
antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo
cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE
OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua
especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do
indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil
o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente
a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na
perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da
Antropologia no Brasil
A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa
direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias
produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas
como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982
e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira
(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de
direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo
indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado
brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar
violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas
Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos
indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas
[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil
porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas
inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das
ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)
Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas
contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou
natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na
identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica
cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)
Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre
comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que
necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas
agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de
confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados
de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo
resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido
e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa
da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE
OLIVEIRA 2004)
De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a
sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se
apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos
histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e
reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees
proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente
europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6
Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se
refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e
poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das
instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas
nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os
indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e
desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de
produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo
6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa
eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a
anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no
Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que
satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de
evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial
servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
universitaacuterio
Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos
cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam
a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas
eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo
que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe
ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e
o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo
valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo
de menor status a estas consideradas menores inferiores Para
Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das
produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas
pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No
entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e
divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA
e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)
Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia
o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no
eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de
conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e
saber Para Quijano
[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo
de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno
capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)
Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas
para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo
com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da
implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de
indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute
poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas
indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos
indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que
torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo
do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas
no Brasil
Quijano define eurocentrismo como sendo
hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de
conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais
preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)
A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por
Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos
movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando
afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de
implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto
na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das
diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno
categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as
relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo
binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio
do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo
(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo
a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas
das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e
exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo
mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta
perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da
disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)
7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo
indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um
crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de
2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente
triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro
fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades
indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-
tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou
ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e
defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo
poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica
Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o
antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo
cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE
OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua
especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do
indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil
o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente
a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na
perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da
Antropologia no Brasil
A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa
direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias
produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas
como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982
e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira
(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de
direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo
indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado
brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar
violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas
Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos
indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas
[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil
porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas
inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das
ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)
Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas
contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou
natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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universitaacuterio
Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos
cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam
a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas
eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo
que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe
ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e
o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo
valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo
de menor status a estas consideradas menores inferiores Para
Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das
produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas
pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No
entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e
divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA
e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)
Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia
o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no
eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de
conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e
saber Para Quijano
[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo
de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno
capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)
Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas
para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo
com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da
implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de
indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute
poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas
indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos
indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que
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representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que
torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo
do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas
no Brasil
Quijano define eurocentrismo como sendo
hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de
conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais
preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)
A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por
Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos
movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando
afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de
implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto
na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das
diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno
categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as
relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo
binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio
do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo
(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo
a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas
das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e
exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo
mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta
perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da
disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)
7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo
indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um
crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de
2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente
triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro
fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades
indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-
tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou
ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e
defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo
poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica
Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o
antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo
cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE
OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua
especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do
indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil
o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente
a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na
perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da
Antropologia no Brasil
A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa
direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias
produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas
como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982
e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira
(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de
direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo
indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado
brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar
violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas
Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos
indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas
[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil
porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas
inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das
ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)
Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas
contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou
natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
344 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que
torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo
do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas
no Brasil
Quijano define eurocentrismo como sendo
hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de
conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais
preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)
A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por
Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos
movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando
afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de
implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto
na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das
diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno
categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as
relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo
binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio
do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo
(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo
a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas
das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e
exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo
mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta
perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da
disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)
7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo
indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um
crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de
2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente
triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro
fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades
indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-
tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou
ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e
defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo
poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica
Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o
antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo
cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE
OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua
especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do
indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil
o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente
a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na
perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da
Antropologia no Brasil
A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa
direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias
produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas
como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982
e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira
(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de
direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo
indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado
brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar
violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas
Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos
indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas
[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil
porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas
inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das
ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)
Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas
contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou
natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou
ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e
defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo
poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica
Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o
antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo
cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE
OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua
especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do
indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil
o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente
a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na
perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da
Antropologia no Brasil
A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa
direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias
produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas
como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982
e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira
(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de
direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo
indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado
brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar
violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas
Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos
indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas
[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil
porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas
inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das
ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)
Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas
contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou
natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas
novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico
dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas
plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas
formas de produccedilatildeo etnograacutefica
Por uma etnografia polifocircnica
Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia
baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo
ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido
urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas
cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais
adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de
conhecimento
o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o
outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas
interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998
p 19)
Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar
imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as
interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a
partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada
por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica
portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima
declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e
textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute
atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de
relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute
nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos
(CLIFFORD 1998 p 45)
A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os
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interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de
realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do
ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre
ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque
ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de
representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD
1998 p 48)
A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de
alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam
pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta
agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos
de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo
importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)
Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode
ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais
geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade
[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros
assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de
tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem
isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)
Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e
produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos
povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que
reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz
respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das
conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo
Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)
requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes
digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria
Antropologia
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Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
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28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades
indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender
as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a
partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas
reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo
natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto
a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e
conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e
ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)
durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas
foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma
poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo
(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
Ao que acrescenta
[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha
outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia
da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo
como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)
A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os
povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial
eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e
natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma
consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o
contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias
indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer
histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)
Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes
modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de
significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada
historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute
possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na
diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende
que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo
Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute
um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os
aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura
reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse
sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas
satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias
espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de
maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo
fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)
Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial
inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica
proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto
porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual
relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu
estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave
produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes
falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo
pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas
deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho
polifocircnico
Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute
Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado
formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os
desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo
indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias
e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me
conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela
minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje
cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de
um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma
deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional
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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-
para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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______ Histoacuterias em suspenso os Tembeacute de Santa Maria estrateacutegias de enfrentamento
de etnociacutedio cordial Histoacuteria Hoje Beleacutem v1 p 195-212 2012b
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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo
cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas
do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8
Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-
Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo
Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute
sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa
ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os
Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam
de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os
rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por
volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas
Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo
principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo
advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do
contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que
percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias
conforme assinala Ricardo
8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no
seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os
males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas
domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no
Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos
sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam
associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-
ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo
nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em
httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara
Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em
28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial
quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de
ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar
na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os
aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem
disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O
trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava
pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas
(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de
aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como
enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais
342 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
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343 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
344 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
345 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os
Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa
ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em
consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a
retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os
Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute
enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo
localizados no Estado do Maranhatildeo
Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento
demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de
estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara
encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior
populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute
atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara
Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados
hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de
Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o
municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional
expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100
11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma
populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que
possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena
Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu
a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente
ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de
59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como
ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no
municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como
ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-
indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de
23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961
tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim
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343 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do
Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316
que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a
populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade
avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre
os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje
em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e
remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas
aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a
tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o
sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser
importunados
Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo
vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu
a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do
cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro
desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta
e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX
enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do
13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular
Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico
fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda
assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de
conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos
para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular
numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro
central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio
para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente
com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e
protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas
ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a
histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano
de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em
resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do
CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado
estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e
Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na
graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias
Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata
(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas
Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)
Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos
Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo
Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento
delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do
seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e
assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo
dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees
religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de
colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para
indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO
DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)
Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como
pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito
promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a
conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse
contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham
de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal
as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava
dando certo
A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de
mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre
indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram
enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e
civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus
baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao
progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem
para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo
europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo
do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria
os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram
considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
(CARNEIRO DA CUNHA 1992)
O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era
estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas
contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e
corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica
nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o
trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da
historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio
a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural
e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica
pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram
seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e
ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi
projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque
eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial
ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como
colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e
controle (FOUCAULT 2009)
No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento
e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute
eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por
excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas
geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico tembeacute tenetehara
Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica
os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar
parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro
de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados
a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento
em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que
vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e
Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave
Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que
foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos
Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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346 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das
comunidades Jeju e Areal
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos
limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute
elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento
eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela
AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias
coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo
Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de
mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e
que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem
importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em
torno de objetivos comuns e os representa externamente
Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo
retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem
possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria
que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo
da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham
demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias
que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19
A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e
Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois
anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como
interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo
17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de
reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um
povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais
Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As
organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs
deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam
principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves
poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as
associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e
promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo
mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria
buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao
ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano
Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os
parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de
apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na
condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena
acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares
permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou
seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e
tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade
quanto fora dela
Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e
multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as
contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas
20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas
como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo
parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas
com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em
comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos
(LUCIANO 2006)
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma
os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via
parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo
reconhecimento identitaacuterio
Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013
quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva
que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar
Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no
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condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem
tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente
kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e
experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me
possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e
apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas
questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela
habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido
pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da
comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da
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acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam
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sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
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O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas
349 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
Referecircncias bibliograacuteficas
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contato no Norte-Amazocircnico Satildeo Paulo UNESP 2002
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ocultas e ldquoetnogecircnesesrdquo identitaacuterias como faces de etnociacutedio ldquocordialrdquo no rio Guamaacute
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4723032013-9 2013 (Ineacutedito)
______ Pertenccedilas ocultas e ldquoetnogecircnesesrdquo identitaacuterias como faces de etnociacutedio
ldquocordialrdquo Antropologias amp Histoacuterias ldquoem suspensordquo entre os TembeacuteTenetehara no
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Recebido em 06022015 Aprovado em 18052015 Publicado em 30062015
348 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo
fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-
graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e
tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam
muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de
contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam
sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada
e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores
O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute
poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e
procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute
para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso
poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo
antropoacuteloga
Para finalizar sem encerrar
No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a
Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas
lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei
mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as
elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos
vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas
Concluo constatando da mesma forma como introduzi a
discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas
pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam
a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem
encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos
menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A
inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo
teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos
Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute
Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e
potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda
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349 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
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349 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA
Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015
acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de
um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na
universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de
lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o
desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para
a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir
coletivamente
Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo
me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os
Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas
reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares
Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas
discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas
que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e
militante
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