o que é ser jornalista e ser professor

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Transies, transposies e tenses na atuao

docente: O que ser jornalista

e ser professor de jornalismo 2.0?

Ana Elisa Ribeiro1 (CEFET-MG) Carlos Henrique Castro2 (UNA)

Resumo:

Este trabalho tem o objetivo de discutir algumas concepes do professor-

jornalista sobre ensino/aprendizagem e competncias do profissional que

ele forma no sculo XXI. Apresenta-se um estudo de caso de curso em

ambiente virtual de aprendizagem frequentado, ao longo de quatro

semanas, por 48 professores. Destes, 37 cederam registros de interaes,

que foram aqui analisados. O estudo deste caso permite concluir que as

concepes do professor de jornalismo digital sobre uma matriz idealizada

de habilidades de letramento digital e seu posicionamento como docente

ainda esto em conflito com sua prtica.

Palavras-chave: formao de professores, webjornalismo, formao de

jornalistas.

Abstract:

This paper aims to discuss some teacher-journalists conceptions about

teaching and learning in the XXI century. It presents a case study course in

a virtual learning environment attended over four weeks, for 48 teachers.

Of these, 37 yielded records of interactions, which were analyzed here.

The case study shows that the concepts of digital journalism professor on

an idealized array of digital literacy skills and their position as teachers are

still in conflict with their practice.

Keywords: Teachers education, webjournalism, journalists education.

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Logando

Este trabalho tem o objetivo de discutir aspectos das concepes do professor-

jornalista na relao com seus alunos, com sua atuao em salas de aula de instituies

brasileiras, tanto pblicas, quanto privadas, e com a transio pela qual passa o cenrio do

jornalismo, do que decorre certa angstia quanto formao de novos jornalistas e

atuao desse professor.

Nosso objeto de anlise foram as interaes entre sujeitos de uma comunidade de

aprendizagem situacional (CASTRO, 2010) de professores-jornalistas (ou jornalistas-

professores) interessados (e engajados) em sua prpria formao continuada. Todos eles

frequentavam um curso de Jornalismo 2.0 para professores1, oferecido por instituio

estrangeira (com filial no Brasil) voltada formao de jornalistas. O curso, de 60h,

ocorria no ambiente virtual de aprendizagem (AVA) Moodle e foi ministrado em abril de

2010. Cinquenta professores foram aceitos, aps seleo por meio de proposta e currculo.

De fato, interagiram no curso 46 professores, alm de duas tutoras e um formador.

Ao longo das interaes, os professores-jornalistas mostraram-se engajados em

discusses como a formao atual do jornalista, ferramentas digitais aplicveis ou

necessrias ao jornalismo digital, usos dessas tecnologias em sala de aula, infraestrutura

dos cursos nos quais ministravam suas aulas, entre outros temas.

Neste trabalho, gostaramos de iluminar as concepes que esses professores tm

de seus alunos e de sua prpria atuao. Quem o jornalista que esses professores buscam

formar? Quem so os professores que se julgam capazes de oferecer formao aos

jornalistas do futuro prximo? Que papel eles pensam ter em suas salas de aula (e

laboratrios)? Que matriz de letramento digital (ou mesmo de letramento) subjaz s suas

discusses?

Essas questes norteiam nosso trabalho e nos guiam na abordagem de uma

comunidade formada em um AVA, em circunstncia especfica, para a formao de

profissionais especializados. Muito embora haja um campo de estudos sobre a formao do 1 A autoria da expresso web 2.0 atribuda a Tim OReilly, presidente e diretor executivo da empresa de comunicao OReilly Media, em evento de 2003 (PANISSI, 2007, on-line). O vocbulo designa a segunda gerao da web, na qual o usurio torna-se tambm agente, as interfaces tornam-se mais intuitivas e novos projetos e processos editoriais so criados, agregando tecnologias e linguagens que surgem a partir de pressupostos colaborativos. Estamos nos apropriando dessa expresso aqui e estendendo-a ao jornalismo e ao professor formador de jornalistas que atua nesse contexto.

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jornalista, dada a brevidade deste trabalho, no adentraremos essa seara, focalizando o

que se pode depreender dos discursos dos cursistas aqui analisados.

Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) e Comunidades Virtuais

de Aprendizagem (CVA)

Tecnicamente, Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) so softwares

destinados a apoiar as atividades de Ensino a Distncia. Tais softwares renem ferramentas

para interao entre usurios, armazenamento e compartilhamento de textos e

informaes e gesto de avaliaes. Nos AVA mais conhecidos, possvel trabalhar com e-

mails, chats, fruns, portflios, com sistema de comentrios e wikis, bem como fazer

exerccios tradicionais, do tipo V ou F ou enumerao de colunas. Esses sistemas devem

suportar a interao entre aprendizes e formadores, estimulando a formao de uma

comunidade de aprendizagem.

A constituio de comunidades , para ns, de grande relevncia no processo de

aprendizagem. A organizao de pessoas em prol de interesses comuns, inicialmente,

sinaliza para a formao de uma comunidade. O termo tem sido utilizado amplamente, s

vezes com pouco critrio, mas nota-se sempre que o elemento social, em alguma medida,

apontado como integrador desses grupos. A interao outro elemento que possibilitar

a ampliao de laos entre os indivduos, estimulando o dilogo e a produo colaborativa.

Pode-se afirmar que sem interao, face a face ou mediada, a formao de comunidades

no ocorreria (AXT, 2006).

Na literatura atual sobre o tema, diversos posicionamentos podem ser encontrados

quanto a isso. Para Silvio (2000, p. 249), por exemplo, comunidades so tipos de grupos

sociais que perseguem uma finalidade comum. Para isso, estabelecem e sustentam

contato, alm de terem normas e valores comuns.

Outro elemento que vem sendo discutido em relao formao de comunidades

a noo de espao ou localidade, que deixa de ser um critrio central. O local passa a

ser entendido como o espao das relaes sociais, que, na web, pode no levar mais em

conta questes geogrficas. Neirotti e Poggi (2005, p. 40) destacam outros elementos

relevantes para a emergncia de comunidades, como a proximidade por interesses

comuns, o aspecto efetivo e o sentido de pertencimento. Barbosa complementa

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afirmando que comunidade no algo esttico, pronto, acabado, mas dinmico, est

sempre em movimento (BARBOSA, 2006, p. 40).

Segundo Recuero (2006), um dos primeiros autores a empregar a expresso

comunidade virtual teria sido Rheingold, que as define da seguinte forma:

As comunidades virtuais so agregados sociais que surgem da Rede [Internet], quando uma quantidade suficiente de gente leva adiante essas discusses pblicas durante um tempo suficiente, com suficientes sentimentos humanos, para formar redes de relaes pessoais no ciberespao (RHEINGOLD, 1995, p. 20, apud RECUERO, 2006, p. 122).

A questo temporal, a quantidade de pessoas e os sentimentos humanos

envolvidos para a formao de uma CV so, a, tratados de maneira vaga e imprecisa. Por

ora, o que parece ser definidor do conceito de comunidade : agrupamento de pessoas que

se unem em prol de objetivo(s) comum(ns) e, para tanto, mantm uma relao dialgica.

Recuero (2006) volta a tratar do tema, assumindo um posicionamento que ressignifica as

comunidades, admitindo sua emergncia, mesmo de maneira efmera, enquanto, na

contramo, Corra (2005) afirma que a permanncia temporal, para que os integrantes se

sintam realmente parte de um agrupamento de tipo comunitrio (CORRA, 2005, p. 4)

elemento essencial. Na direo de Recuero, Sartori (2003) aponta que (...) o senso de

pertencimento possvel em virtude de uma territorialidade simblica, manifestada nas

aes executadas a distncia. Na mesma linha, Peruzzo, com base em Palcios, afirma

que o sentimento de pertencimento, elemento fundamental para a definio de uma

Comunidade, desencaixa-se da localizao: possvel pertencer a distncia (PALCIOS

citado por PERUZZO, 2002, p. 11).

A ampliao notada dos espaos locais fsicos para espaos que extrapolam a ideia

de local tem proporcionado a uma gama cada vez maior de sujeitos a possibilidade de

construo de uma rede de significados e sentidos, especficos desses novos ambientes, por

meio de processos iguais aos de sempre: dilogo a partir de interesses comuns, que faz

com que surjam novos significados e sentidos, redesenhando e reconstruindo signos,

evidenciando sempre tais prticas por meio da linguagem.

Rodrguez Illera (2007) traz ainda uma terceira concepo, a de comunidade de

aprendizagem, que, independentemente de ocorrer presencial ou virtualmente, tem como

objetivo a aprendizagem fundamentalmente ocorrida no interior de uma instituio

educativa que o assegura e o tutela (RODRGUEZ ILLERA, 2007, p. 121). Assim, esse

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espao comunitrio se diferenciaria de outros por ter como objetivo especfico a educao

e o amparo de instituio formal.

Ainda com outro desdobramento, comunidades de aprendizagem e comunidades

virtuais unidas geram as comunidades virtuais de aprendizagem (CVA), foco de um debate

incipiente. Lidamos, aqui, ento, com uma concepo de comunidade desencaixada dos

espaos geogrficos (embora eles sejam importantes para as identidades), com a

possibilidade de ser mediada por computador, de ter finalidades especficas e mesmo de

ter pouca durao temporal.

Uma CVA e um AVA

Neste trabalho, analisamos uma comunidade virtual de aprendizagem constituda

com o objetivo claro e institucionalizado de formar professores de jornalismo que atuam

em disciplinas ligadas formao de jornalistas que atuaro em plataformas digitais.

A instituio ofertante do curso Jornalismo 2.0 para professores um centro de

extenso ligado a uma universidade norte-americana. Seu foco o treinamento profissional

de jornalistas na Amrica Latina e no Caribe. O centro tem como misso aumentar os

nveis tico e profissional do jornalismo, contribuindo assim para o aprimoramento da

liberdade de imprensa e da democracia no hemisfrio (KNIGHT CENTER, 2010, on-line).

Para alcanar tal objetivo, as atividades so feitas em parceria com organizaes de vrios

pases.

O curso em foco foi lanado publicamente e os professores interessados podiam se

inscrever por meio de um formulrio on-line, no qual se registravam informaes sobre a

atuao profissional e docente do candidato. O AVA utilizado foi o Moodle, ao qual os

professores aprovados (contactados por e-mail) tinham acesso por meio de login e senha

fornecidos pela instituio.

De 5 de abril a 2 de maio de 2010, o curso via Moodle aconteceu, empregando

vrias ferramentas disponveis no sistema e registrando interaes entre cerca de 50

participantes: professor, tutores e alunos. Foram 60h de curso, distribudas em quatro

semanas, com tarefas escritas e debates virtuais sncronos e assncronos.

Os objetivos declarados do curso eram, conforme consta em sua documentao:

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* Oferecer aos professores e instrutores de jornalismo um espao de discusso e desenvolvimento de novas ideias sobre o ensino do jornalismo on-line. * Compreender as novas realidades e processos informativos gerados pela web com nfase no ensino sobre a prtica jornalstica. * Abordar temas como desafios do jornalismo on-line, tcnicas de ensino do jornalismo on-line, ferramentas do jornalismo on-line e as grandes polmicas sobre o assunto. * Desenvolver atividades interativas atravs do curso e planejar futuras aulas sobre jornalismo on-line com os conceitos abordados. (KNIGHT CENTER, 2010, on-line).

Para se candidatar a uma vaga no curso, eram requisitos importantes que o aluno

trabalhasse efetivamente como professor de jornalismo h pelo menos 2 anos; tivesse

conhecimento bsico sobre buscas na web e sobre programas como Powerpoint,

Irfanview, Audacity, MovieMaker e DreamWeaver; dispusesse de entre 10 e 15 horas por

semana para o curso; e demonstrasse interesse em aplicar os conhecimentos obtidos

sobre o ensino do jornalismo on-line em aulas atuais ou em um futuro prximo. Esses

requisitos significam, para ns, que era demandado desse candidato um nvel de

letramento digital (COSCARELLI; RIBEIRO, 2005) considerado relevante para as operaes

na plataforma virtual (Moodle), para o cumprimento de tarefas e mesmo para uma insero

interessante no debate que se proporia ao longo do curso.

O curso era descrito como um espao para discusso, experimentao e

desenvolvimento de novas ideias sobre o ensino do jornalismo on-line, isto , em tese,

declarava-se ali uma postura horizontal nas relaes entre alunos e formadores, e certa

liberdade de criao. A perspectiva multi e transdisciplinar era anunciada, embora no

fosse explicitada conceitualmente. A motivao do curso tinha estreita relao com as

novas realidades e processos informativos gerados pela web, com nfase especial nas

transformaes ocorridas na prtica jornalstica graas ao protagonismo crescente do

pblico nos processos de produo de notcias (KNIGHT CENTER, 2010, on-line).

Para cumprir as demandas do curso, era necessrio acessar os mdulos (quatro,

sendo um por semana) via Moodle e fazer um trabalho final. Os temas dos mdulos foram

assim divididos: 1) os grandes desafios gerados pela internet na prtica do jornalismo e,

consequentemente, do ensino do jornalismo; 2) estudo e experimentao das principais

tcnicas de ensino por meio da internet; 3) uso das principais ferramentas do jornalismo

on-line, a partir de uma perspectiva pedaggica, tais como Twitter, YouTube, Podcast, RSS

entre outros; e 4) discusso sobre temas mais polmicos na transio do jornalismo

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convencional para o jornalismo praticado na web, como credibilidade, direitos autorais,

futuro da imprensa e outros. H explcita preocupao em formar professores mais

alinhados com as discusses e as prticas atuais relacionadas s tecnologias digitais.

Quanto s ferramentas empregadas no curso, foram anunciadas aulas em vdeo,

udio, PowerPoint, texto, documentos e outros recursos on-line teis, alm de chats,

com discusses ao vivo, e fruns, com discusses assincrnicas, sobre os temas abordados

pelo curso e atividades e exerccios semanais. A vantagem de cada aluno poder

estudar em seu prprio passo e de acordo com seus prprios horrios no dispensava

exigncias quanto ao cumprimento de prazos rgidos e mesmo a uma diferenciao da

certificao, que discriminaria alunos excelentes de alunos que apenas cumpriram

obrigaes.

Houve atividades individuais e coletivas. Entre as primeiras podem ser citados o

preenchimento de dados de perfil (pequena biografia do aluno), leituras sucintas

disponibilizados pelo professor em PowerPoint e arquivos de udio. A maior parte das

atividades foi coletiva, como discusses via chat e frum ou produo de textos em

ambientes wiki.

Sujeitos, tipo de pesquisa e construo dos dados

O corpus aqui analisado constitudo de parte dos enunciados produzidos por 39

pessoas que autorizaram nossa entrada no ambiente Moodle, aps o final do curso. As 50

vagas oferecidas foram preenchidas, sendo que houve duas desistncias. A autorizao

para recolhimento dos registros das interaes foi solicitada por e-mail a todos os membros

da comunidade, incluindo professores, tutores e o diretor da instituio. Obtivemos

autorizao de 37 dos matriculados, alm do professor e de uma assistente. Estes dois

ltimos orientaram e mediaram as discusses ocorridas em ambiente virtual. Os nomes

reais dos sujeitos foram preservados, razo pela qual trabalharemos aqui com nomes

fictcios.

A equipe de formadores era composta por um professor brasileiro (Reinaldo,

jornalista experiente, mestrando na UFSC) e uma assistente (Angelina, brasileira residente

nos EUA, doutora em Jornalismo). Os alunos do curso so todos brasileiros, residentes em

16 estados e diversas cidades, entre capitais e interior, a maioria com formao em

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Jornalismo, atuando em instituies de ensino superior. Grande parte deles tem formao

em nvel de ps-graduao. Grande parte se assume como professor, outra parte ainda se

identifica com a profisso de jornalista. Com mais exatido, 22 afirmam ter cursado ou

estar cursando ps-graduao stricto sensu, sendo que quatro no exterior (doutorado); 29

afirmam ser professores, sendo 28 no ensino superior.

Faremos aqui uma anlise dos ditos (e no-ditos) nas interaes entre esses

atores, no cenrio do AVA Moodle em que se desenvolveu o curso Jornalismo 2.0 para

professores, especialmente em relao s concepes de letramento digital e de atuao

em sala de aula (em tempos de web 2.0) que emergem do dilogo entre todos. Essa

abordagem visa compreenso do que ocorre nesse tipo de formao de professores, no

tendo como objetivo a generalizao dos achados a qualquer outro universo de pesquisa.

Conforme Bogdan e Biklen (1994, p. 47-50), as abordagens qualitativas de pesquisa

possuem cinco caractersticas principais: a fonte direta de dados o ambiente natural; a

pesquisa descritiva; os investigadores interessam-se mais pelo processo do que pelos

produtos; tendem a analisar os dados em consonncia com o contexto; e a subjetividade

importante nesse processo de investigao.

Dentro desse paradigma esto os estudos de caso, que acreditamos ser nossa

escolha nesta investigao. Tal mtodo adequado aos estudos de fenmenos sociais

complexos, contemporneos, nos quais haja a necessidade de se preservar as

caractersticas holsticas e significativas dos acontecimentos da vida real, a fim de

encontrar respostas a questes do tipo como e por qu (YIN, 2005, p. 20). Segundo

aponta Yin (2005), um dos elementos que define o estudo de caso a no-alterao ou

no-manipulao do contexto dos acontecimentos.

No relato que ora apresentamos, tem-se uma questo do tipo como, na qual se

busca entender um fenmeno contemporneo (emergncia de representaes do

letramento digital e da relao professor-alunos em uma rea especfica, a formao em

jornalismo), abordado de modo a no se alterar o contexto ou o comportamento dos

pesquisados. No presente trabalho, a coleta do registro das interaes deu-se aps a

finalizao do curso, no havendo qualquer interferncia dos pesquisadores na conduo

das tarefas, nem mesmo como observadores. O curso completo tornou-se objeto de

interesse posteriormente, quando soubemos de sua concluso e das grandes chances de

obtermos importante e autntica fonte de dados sobre formao de professores e

letramento digital. O conjunto das interaes de 37 alunos, um professor e uma assistente

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de um curso on-line que conjugava, entre seus temas, o jornalismo em plataformas digitais

e a educao continuada de docentes universitrios, nos parecia um manancial de

possibilidades de anlise.

De posse de login e senha, coletamos o registro de interaes mais contnuas,

como foi o caso dos fruns, que eram acessados ao longo das semanas, e dos chats, que

ocorriam uma vez por semana, em data pr-marcada. Atividades wiki foram descartadas

em razo de no termos acesso a todas as negociaes implicadas ali. Materiais

disponibilizados (PPTs, arquivos de udio e outros) tambm no foram alvo de nossas

anlises.

O curso era composto por atividades obrigatrias e opcionais. Estas ltimas

ficavam disposio dos estudantes, mas no valiam nota. Eram os fruns para conversas

informais, o frum destinado a suporte tcnico e o chat para conversas tambm informais.

O primeiro frum foi bastante utilizado pelos alunos, que abriram, espontaneamente,

quinze tpicos, que geraram 187 comentrios. O suporte tcnico quase no foi utilizado

(abriu-se apenas um tpico, com trs comentrios), o que sugere certo domnio dos

professores em relao ao uso do Moodle ou, talvez, o saneamento de problemas e dvidas

por outros meios, inclusive valendo-se de estarem em uma comunidade virtual

horizontalizada, na qual todos podem perguntar e responder. O chat informal teve apenas

uma sesso aberta, com a participao de dois cursistas, numa troca breve, com apenas 28

turnos de fala.

Cada mdulo do curso contava com atividades obrigatrias, sendo os fruns

propostos pelo professor uma delas. O primeiro frum proposto abordava Desafios do

ensino do jornalismo on-line e contou com diversos tpicos abertos pelo professor e pelos

alunos. O frum Dvidas e debates gerais sobre o Mdulo 1 gerou 11 tpicos dos cursistas

e 113 comentrios; Frum Especfico Mdulo 1 - Como as faculdades de jornalismo no

Brasil esto se adaptando ao ensino do jornalismo na Web? (tema sugerido pelo professor,

do qual derivaram 11 tpicos e 158 comentrios); chat (sesso nica, com a presena dos

dois formadores e 22 cursistas, que produziram 630 enunciados).

As atividades do Mdulo 2 tratavam de tcnicas de ensino. Os fruns da

decorrentes foram: Dvidas e debates gerais sobre o Mdulo 2 (13 tpicos pelos cursistas

e 125 comentrios); Quais as principais vantagens e desvantagens no uso da Wikipdia em

aulas de jornalismo on-line? (tpico do professor mais 7 dos alunos, com 98 comentrios).

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E o chat, cuja sesso contou com a presena dos dois formadores e de 16 cursistas, que

produziram 318 enunciados.

O Mdulo 3 tratou de ferramentas do Jornalismo On-Line e abordou o uso de

Twitter, YouTube, Podcast, RSS, entre outras, de uma perspectiva pedaggica. O frum de

Dvidas e debates gerais foi lanado e gerou 13 tpicos dos alunos e 84 comentrios; O

professor sugeriu ainda a discusso sobre se O Twitter pode ser uma ferramenta de ensino

nas disciplinas de jornalismo on-line?, o que gerou 9 tpicos e 97 comentrios; e o chat,

com uma sesso que contou com a presena dos dois formadores e 12 cursistas, que

produziram 374 enunciados.

O quarto mdulo foi dedicado ao debate de temas considerados polmicos na

transio do jornalismo convencional para o jornalismo praticado na web, tais como

credibilidade, direitos autorais, futuro da imprensa e outros. Os fruns eram: um

especfico para compartilhamento de tarefas (2 tpicos dos cursistas e 8 comentrios);

Dvidas e debates gerais sobre o Mdulo 4 (7 tpicos e 79 comentrios); O jornalismo

cidado deve ser estimulado ou no no ensino do jornalismo on-line? (sugerido pelo

professor, com 14 tpicos de estudantes e 100 comentrios); chat em uma sesso, que

contou com a presena dos dois formadores e 13 cursistas, que produziram 451 enunciados.

Em nenhum momento traremos aqui a produo dialgica completa das sesses de

chats ou fruns abertos. Tratar os dados dessa forma seria invivel por dois motivos: o

espao de que dispomos e a repetio dos fenmenos observados, que podem ser ilustrados

por trechos escolhidos. As partes dos enunciados aqui reproduzidas foram copiadas e

coladas tal qual foram digitadas pelos estudantes. importante salientar, tambm, que a

quantidade de comentrios ou tpicos abertos em um frum no tem necessariamente

relao direta com a informatividade ou a qualidade da troca de ideias que ali tem lugar.

Algumas representaes de letramentos do jornalista 2.0

Os dilogos desenvolvidos pelos cursistas do Jornalismo 2.0 para professores

permitem compor um quadro dos elementos que esses docentes creem ser necessrios, ou

ao menos importantes, para a atuao do jornalista hoje, diante da possibilidade de

produzir em e para plataformas digitais, em redaes integradas ou apenas digitais.

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Um conflito conhecido em vrias reas desponta na declarao da professora

Thas, no frum Algumas dvidas. Segundo ela, h uma grande diferena de qualidade na

interao com os colegas deste curso e dos de um outro, que ela faz concomitantemente.

Thas gosta do dilogo mais intenso no curso que ora analisamos e atribui a dificuldade de

dilogo no outro curso heterogeneidade da turma: muitos jornalistas de mercado que

arrepiam s de ouvir a palavra reflexo. Enfim, se ajuda, este o depoimento de quem

est enlouquecendo literalmente no tarefismo. Aqui meu refgio ... onde tenho tempo

pra ler, conversar trocar ideias. E quantas ideias legais. Ao que parece, a reflexo e as

habilidades ligadas prtica deveriam encontrar um equilbrio (que, reconhece Thas, no

fcil).

A preocupao com essa questo origina um frum dedicado ao assunto. O ttulo

dado ao espao de debate Teoria X tcnica X tecnicismo. Ao longo da troca de ideias,

possvel observar a emergncia de elementos que comporiam uma matriz de habilidades

do jornalista 2.0 e mesmo dos professores que formaro esses jornalistas.

Alessandro, por exemplo, questiona:

(...) ser que essa discusso teoria x tcnica x tecnicismo no potencializada pelo fato de boa parte dos professores de JOL no dominarem a tcnica e ficarem com aquele discurso de no sou peo, sou arquiteto? (...) Ser que, alm de dar subsdios aos alunos para que reflitam sobre contedos e maneiras de se contar histrias, tambm no temos que atender s expectativas deles na produo de contedo multimdia por exemplo, ensinando-os a editar udios e vdeos, a montar sites, a fazer infografias animadas ou no, etc?

Para o professor, conhecer ferramentas e teorias so aes que no se

contrapem, embora o discurso de tericos versus prticos lhe parea uma desculpa de

quem no sabe pr a mo na massa. Alessandro admite que os prprios professores de

Jornalismo On-Line (JOL) no conhecem as ferramentas passveis de serem utilizadas no

novo jornalismo e reivindica treinamentos para os professores universitrios, que as

ensinaro aos alunos. O conflito que se estabelece tem origens remotas na histria sobre

teoria e tcnica e no se esgotar aqui. Noutro sentido, importante salientar que as

ferramentas se desatualizam cada vez mais rapidamente, o que poderia ampliar as

angstias desses professores, um tanto j refns de certos softwares. O jornalismo

propriamente dito deixa de ser o centro da discusso e parece ceder lugar a uma

preocupao maior com os modos de usar as ferramentas.

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Algumas pistas foram dadas nesse incio de conversa: conhecer softwares que

auxiliam na produo jornalstica. So mencionados a edio de udio, vdeo, a

composio de sites (que traz inmeras implicaes, inclusive a aprendizagem de

linguagens de programao), a produo de infogrficos (animados tambm), entre outros.

Grande parte dos cursistas concorda com essas necessidades e aborda o problema do

mesmo ngulo, propondo a atualizao constante ou a reciclagem dos professores que

lidam com JOL. O pano de fundo aqui , de certo modo, uma representao do professor

de jornalismo como algum que tem a obrigao de levar esses conhecimentos para a sala

de aula. necessrio, para esses docentes, que o aluno saiba a teoria do jornalismo (ou

seus elementos de base), seja crtico e domine ferramentas de edio. Para isso, os

professores relatam o que propem em suas salas de aula, de norte a sul do Brasil. Apesar

das desigualdades econmicas e infraestruturais apontadas nos depoimentos, possvel

vislumbrar um grande esforo dos docentes em relao ao letramento digital especializado

dos futuros jornalistas.

As dificuldades do professor para a formao de novos jornalistas no esto

relacionadas apenas a questes polticas e infraestruturais (expostas por eles em

diferentes regies do pas, em explcita desigualdade de acesso e apropriao). H ainda as

dificuldades que eles mesmos tm em relao a softwares e atualizao frentica de

ferramentas, alm de resistncias relacionais quanto a trabalhar colaborativamente ou

cumprir tarefas coletivas, algo que valorizam como habilidade de profissionais atualizados

(e que nem sempre eles mesmos exibem).

No frum Internet em sala de aula ajuda ou atrapalha, surgem mais menes a

habilidades a desenvolver em jornalistas em formao: reconhecer bons e maus exemplos

de produes jornalsticas, aprender a navegar e a pesquisar na web. Os fruns Wikipdia

no fonte e Wikipdia como ponto de partida trazem uma extensa discusso sobre

credibilidade, seleo de informaes e checagem, elementos tidos como fundamentais no

jornalismo de qualidade. Oscar afirma: Probo meus alunos de usar Wikipdia como fonte.

Ela deve ser visitada como qualquer outro site, mas se usar informaes dali, faa algumas

contraprovas!, denunciando a necessidade de estimular o senso crtico e a apurao.

Tambm para Jos a habilidade de conferir informaes (checar) fundamental e se

aprende tambm em sala de aula. Para ele, se todos os alunos tivessem seus nets ou

smartphones em sala, as aulas seriam mais dinmicas e interessantes.

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A despeito de saberem, embora difusamente, a matriz de letramento digital

necessria aos usos jornalsticos profissionais, esses professores tambm tm suas

necessidades, embora tenham certa dificuldade de admiti-las. A obrigao de dominarem

teoria, tcnica e tecnologias os faz se sentirem frgeis em relao a seus alunos. Durante

um chat, vrios docentes relatam suas dificuldades com diversas ferramentas que, embora

lhes sejam conhecidas, no foram efetivamente usadas. Sebastio no sabe usar o sistema

wiki do Moodle e pergunta ao formador Reinaldo o que a ferramenta. Mel se declara

atrapalhada com o Google Docs, que emprega para cumprir uma tarefa fora do AVA.

Alm das dificuldades tcnicas, h ainda as interpessoais ou relacionais,

explicitadas nos dilogos pela demanda por uma liderana ou um coordenador de tarefas.

O formador explica e estimula a escrita colaborativa, ao que Heloisa acusa: Parece que

estamos tendo dificuldades com escrita colaborativa. Acho isso bem curioso,

especialmente neste curso.

As surpresas com a interao nos chats do curso tambm so evidentes. Magda

exclama: isso aqui rpido, hein! brainstorm elevado ensima potncia vezes a raiz

quadrada; Adolfo avalia: Uma primeira observao nessa experincia que um chat com

tantas pessoas e tantas conversas pode ficar confuso, bem confuso; O professor Reinaldo

pede a pacincia dos alunos. Jos diz: estou tentando acompanhar feito cego em

tiroteio, e respondido por Adolfo: Bitt... cuidado com as balas perdidas; Magda

avalia: t adorando isso aqui, gente! e Adolfo explica: Sim... pode ser um caos

comunicativo... tantas mensagens cruzadas!

Alguns cursistas passam a sugerir alternativas ao chat, considerado confuso:

Clarice menciona o Skype e o e-mail. Oferecem uma sugesto ao formador do curso: lanar

pautas fixas para as interaes sncronas. Mariana sugere a figura de um animador do

chat, no sentido de indicar a ordem dos temas/tpicos.

Dificuldades com a tarefa feita em ambiente wiki tambm foram relatadas pelos

cursistas. Resumidamente, referem-se a dificuldades de dar incio edio textual,

descrena em relao ao produto final e desigualdade na participao de colegas. Essas

questes compem um quadro segundo o qual os professores formadores de jornalistas 2.0

tm uma noo dos elementos desse novo jornalismo, mas no conseguem se esquivar das

dificuldades operacionais com ferramentas e com as relaes colaborativas. Passaremos a

analisar agora o que pudemos depreender dos registros das interaes em relao s

representaes do professor sobre sua atuao nas salas de aula do sculo XXI.

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Representaes do professor na sala de aula 2.0

Se as matrizes de habilidades consideradas importantes para os alunos (futuros

jornalistas) esto elencadas, embora de forma ainda vaga, a postura do professor tambm

no escapa s tenses e aos conflitos de uma mudana conjuntural de posturas de uns e

outros. No registro das interaes do curso Jornalismo 2.0 para professores, pode-se

arrolar trechos que mostram um conflito de posturas e mesmo de discursos sobre o novo

professor.

Nos chats, tambm h resqucios de um discurso que polariza alunos e professores,

sendo estes os que dominam tcnicas e teorias e aqueles, os que devem absorver ou

assimilar contedos ou, mais atualmente, a operao com ferramentas, tpico central em

muitas discusses.

Mariana, por exemplo, ao avaliar a maneira como os estudantes de jornalismo

lidam com crticas, desfere: Os alunos (...) tm uma viso equivocada do leitor. pensam

que eles so apenas confirmadores do que est escrito. Ricardo responde sobre os alunos

da colega: a viso de seus alunos a do jornalista do sculo XX, de algum que dono da

verdade e imune a crticas. Continua, assim como Mariana, na defesa do leitor: mas

leitor do sculo XXI (felizmente) j no quer ficar de boca fechada. Se o leitor

considerado, aqui, participante e ativo no processo jornalstico (como se antes nunca o

tivesse sido), o aluno, diferentemente do professor, tido como desatualizado e

conservador.

As crticas ao alunado (estudantes de jornalismo que cursam disciplinas sobre

jornalismo web) no so poucas. E os discursos dos professores sobre si mesmos (e sua

atuao) so diversos, controversos e contraditrios. No frum Internet na sala de aula

ajuda ou atrapalha, proposto pelos professores, possvel verificar premissas importantes

para esta discusso j no ttulo. Ajuda em qu? Atrapalha em qu? Atrapalha quem? A

questo colocada, obviamente, do ponto de vista do professor. O debate transcorre com

depoimentos e avaliaes relevantes.

Assis, por exemplo, relata que suas aulas contam sempre com internet ligada o

tempo todo. No entanto, o docente explica a utilizao de um software (TRS) por meio do

qual ele controla e monitora as telas dos computadores de seus alunos. Na verdade, o

programa permite a apresentao da tela do professor para todos os computadores da

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rede da sala e o bloqueio e desbloqueio do acesso. Com o TRS o professor pode

acompanhar o que cada um est fazendo. Essa considerada uma vantagem e outros

docentes se interessam pelo software, como o caso de Tadeu. Este cursista aciona Assis,

mostra o link onde encontrou o programa, pergunta sobre que verso o colega utiliza e o

interpela: Para o trabalho em grupo, qual a reao dos alunos ao bloqueio?. Assis

responde explicitando certo jogo de cintura na relao com os estudantes de jornalismo:

eu utilizo esse momento como descontrao. Dou um aviso de que vou bloquear as

mquinas e comeo uma contagem regressiva: 10, 9, 8... fica aquela correria pera

professor, deixa eu terminar um negcio aqui!. quando eu exero todo o meu poder. Ou

seja, sem estresse2. A descrio do software empregado na sala de aula em nada difere

de outros modos de controle da sala de aula, exceto pela facilitao de tarefas antes

executadas manualmente ou mais lentamente pelo docente.

Ricardo d seu depoimento sobre a web ligada em sala de aula. Para ele, a

experincia depende muito da faixa etria dos grupos. Para os mais jovens, ter instant

messaging ali mo uma tentao. Para os mais adultos o interesse muito diferente.

O docente acredita numa espcie de amadurecimento dos estudantes em sala, no uso

cotidiano da web. interessante frisar a ideia, subjacente a essas preocupaes, de que a

internet um universo concorrente aberto na sala de aula. Tambm curioso pensar que

h, subliminar a essa noo, uma outra, segundo a qual a sala de aula modelar, para a

maioria desses mestres, ainda isolada do restante do mundo, fechada em si mesma, onde

o professor exerce seu poder. Ricardo compara: eles se acostumam e, mesmo para os

mais distrados, em poucos dias, deixa de ser foco de ateno e passa a ser to importante

como os velhos papel e caneta. Ressalve-se a diferena entre a web e esses instrumentos.

Ainda assim, Ricardo otimista: funciona muito bem deixar os alunos investigar, procurar

e depois discutir. Mais do que dar eu as concluses, so eles que as descobrem e o

resultado tem sido muito bom. O discurso de que o professor mediador, facilitador,

condutor permeia esses enunciados trocados entre dois profissionais que parecem ter

posturas diferentes.

Sonia corrobora o que dito por Ricardo. Segundo ela, deixar o aluno investigar e

trazer suas prprias concluses (...) uma forma de no ficarmos disputando espao com

a Internet. As aspas na palavra disputando ajudam a construir um sentido importante

2 Destaques sempre nossos.

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para os discursos de que se trata aqui. Para a professora, esse no um termo adequado

situao. Talvez uma aula mais participativa, como voc prope, e menos expositiva,

como estamos acostumados, seja a melhor maneira de integrarmos o computador em

nossas aulas, continua ela, assumindo um costume que parece no se ajustar mais s

possibilidades da sala de aula.

Na interao, Ricardo concorda com a colega e explicita: Vejo-me mais como um

orientador de desenvolvimento do que como algum que transmite algumas verdades,

at porque isso levanta novas questes: ser que os alunos hoje acreditam que algum de

ns detentor de algum tipo de verdade, quando h tantos milhes de opinies e

conhecimentos distncia de um clique?. A questo interessantssima e traz tona

discursos e concepes dos professores. Se os alunos desses docentes no esperam

verdades, h que investigar se os prprios docentes as esperam de si mesmos.

Nina tambm recorre a um modelo convencional de aula: Mesmo que alguns

alunos se dispersem, o que normal em qualquer aula sem computador, as vantagens

quanto ao estmulo pesquisa, incluso digital, ganho nas habilidades de navegao ainda

so mais positivas que negativas. Fabiana anuncia estar tendo uma experincia

interessante com a Internet. Relata a professora que seus alunos so livres para levarem

notebooks, netbooks, Smathphones e outros apetrechos. Interessante notar que essa

uma liberdade dada a eles, moda das antigas concesses para levar calculadoras ou

outros apetrechos. Segundo ela, os jovens buscam informaes que possam

complementar a aula. Principalmente, quando estamos fazendo produo de pauta. O ruim

quanto eles ficam vendo vdeos e chamando a ateno dos outros alunos e dispersam.

Nada que um bom dilogo para o retorno das atividades da aula.

Oscar tambm emprega a comparao entre velhos e novos modelos de aula:

talvez em outros tempos se discutia se os livros atrapalhavam ou ajudavam nas salas de

aula. A tecnologia acessrio, o que importa a forma como encara o aluno. Se houver

tarefa e acompanhamento a internet e os computadores sempre sero benficos em um

processo de autntica aprendizagem.

Em outro frum, o ttulo uma declarao: Trabalho dos colegas inspirao. A

proposta conversar sobre experincias dos cursistas que animam ou estimulam outros a

utilizarem tecnologias digitais ou determinadas dinmicas em sala de aula. Darcy tem uma

viso que considera romntica da docncia: no tarefa fcil, mas profisso de f

(...), e a tarefa para a qual nos dispomos, a despeito de todas as outras lutas paralelas

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de carga horria, salrio, infraestrutura e quetais. Ricardo confessa estar inspirado no

trabalho dos colegas e deixa escapar a velha viso polarizada: A maior [inspirao] foi ver

que h tanta vontade de aprender mesmo por parte de quem tem misso de ensinar.

E se nossos alunos nos vissem? um tpico do frum tambm proposto pelos

cursistas. O debate que ali emerge trata da relao professor/alunos, numa espcie de

troca de lugares, papis e olhares. Se os alunos desses professores os vissem ali, no papel

de alunos, o que diriam? Como avaliariam o desempenho de seus mestres? A proposta de

discusso gerou muitos comentrios.

A professora Thas a primeira a provocar os colegas: E se nossos alunos nos

vissem trabalhando em equipe e colaborativamente? Sairamos bem na fita?, ao que Nina

responde: acho que no! E diriam: aluno sempre aluno! Cada macaco no seu galho...

rs, externando uma representao polarizada de alunos e professores. Rita oferece um

depoimento aos colegas: Certa vez eu participava de um chat e um aluno chegou por

perto. Ficou perplexo como o meu grupo de professores teclava as palavras completas.

No assim que se escreve, professora, disse ele. Sai pra l, brinquei, isso aqui para

gente alfabetizada!. Dessa narrativa muito se infere sobre a relao entre os saberes do

professor e do aluno (acusado de analfabeto). Se a resposta da docente ao jovem

estudante pode ser vista como uma demonstrao de representao hierrquica e

detentora do saber, tambm pode ser vista como uma cena de dilogo e colaborao. A

proximidade do aluno, a brincadeira possvel e a horizontalidade dos ensinamentos

demonstram a existncia de um espao em que o jovem conhecedor de chats pode ensinar

ao professor o modo mais adequado de interagir nesse ambiente. O jovem estudante, de

fato, sente-se autorizado a avaliar o desempenho digital do professor e a propor-lhe

ensinamentos. De alguma forma, a despeito da brincadeira, o professor parece ter

aprendido algo.

Jurandir relata que, Vez por outra, vejo alunos caoando de professores que

sequer tm e-mail. Quando falamos a lngua deles e agimos colaborativamente, inclusive

com o que aprendemos com eles, para eles e por eles, temos a evoluir e ganhar. Note-se

a, mais uma vez, um discurso horizontalizador sobre a relao professor/aluno, com o

eventual esforo de falar a lngua deles, expresso que acusa uma percepo do

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estudante como outro. Os plos, ainda aqui, esto em posies opostas. Ao professor

cabem certas tarefas que se distinguem das do aluno. Uns ensinam e outros aprendem3.

No caso da formao de jornalistas que atuaro empregando tecnologias muito

recentes, o conflito emerge da obrigao que o professor se d de dominar softwares e

processos que teria de ensinar aos jovens. O fato do professor no dominar as tecnologias

empobrece a aula em vrios sentidos, diz Nina, que explica: ele deixar certas

discusses enfraquecidas por desconhecer os potenciais tecnolgicos de determinada

ferramenta. Segundo ela, o docente precisa acompanhar a evoluo do pensamento da

poca em que vive e isso, hoje, passa pelo conhecimento das tecnologias. O colega Darcy

complementa: imprescindvel conhecermos as tecnologias e fazer uso delas - ainda que,

claro, seja muito difcil conhecer todas. Eu mesmo no conheo. A despeito de concordar

com Nina, Darcy desvia a questo para outro ngulo: mais do que s ensinar a tcnica, me

parece que o papel do professor instigar as perguntas e no somente dar respostas.

(...) Provocar o esprito crtico.

Ricardo traa uma trajetria da relao docente/discente: sem querer entrar em

extremismos, o papel do professor sempre foi saber mais do que o aluno para ter algo a

transmitir. No apenas polarizada, mas a viso que demonstra a de uma lgica

trasmissionista em relao aprendizagem. A obrigao de saber mais do que os alunos

algo que no se dispensa nesse discurso. Alm disso, h o risco de que o professor perca o

respeito do aluno, que assim vai passar ignorando tudo o resto, mesmo que seja

fundamental. Mais uma vez, a prtica, o domnio de ferramentas e o conhecimento de

plataformas para a ao parecem relevantes para a sobrevivncia como docente formador

de jornalistas.

Henrique descreve o que entende pela profisso de professor. Para ele,

Evidentemente, inconcebvel pensar em ser professor sem estudar, se atualizar,

constantemente. Essa necessidade de educao continuada, no entanto, no o tornaria

refm de tecnologias e manuais de uso.

No entendo que o professor tem que saber sempre mais que o aluno. Esta ideia remete a um modelo de ensino que j no condiz com a realidade atual. (...) O desafio do professor hoje explorar e administrar as

3 As expresses nativos digitais ou imigrantes digitais tm sido empregadas para discutir essas relaes. H ainda proposies que empacotam sujeitos e tecnologias em geraes, s quais se do apelidos j conhecidos. Evitaremos essas abordagens por no entendermos as apropriaes e os usos da tecnologia digital como uma questo de gerao, de gentica ou de data de nascimento.

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competncias e habilidades dos alunos, muitas vezes aprendendo com eles. Isso pode acontecer muito bem em relao ao uso das novas tecnologias. Em uma sociedade que estabelece relaes cada vez mais interativas, o ensino precisa tambm se adaptar.

Desse discurso absolutamente polifnico emergem outros, quais sejam, o da

compreenso da aprendizagem pela construo de competncias e habilidades, muitas

vezes discretas, segundo o que pensam esses docentes. A horizontalidade das relaes

vista como uma necessidade atualssima, que relega ao passado uma relao

professor/aluno assimtrica. O fato de alunos saberem mais do que professores,

especialmente no tocante a alguns letramentos, no precisa ser visto como problema, e

pode, sim, ser entendido como oportunidade de interao e aprendizagem mtua. O

exemplo de Rita, mencionado anteriormente, poderia muito bem voltar tona, mostrando

uma cena possvel de troca de letramentos entre pessoas em suas prticas sociais e

comunicacionais.

Thas relata uma aula complicada por ela ministrada, em que tcnica e teoria

foram necessrias, e aponta as dificuldades dos alunos: desnvel de domnio das

ferramentas entre eles e o desgaste de tentar atender 25 jovens individualmente. E Thas

pergunta aos colegas: Vocs trabalham com monitor?. O professor, alm de no ser mais

o polo mais poderoso da relao em sala de aula, ainda explicita sua demanda por

assistentes que possam ajud-lo a desempenhar seu papel. Alessandro responde colega

dizendo que no trabalha com monitores, mas que adota a estratgia de eleger um ou

outro raro aluno como uma espcie de multiplicador, por perceber nele ou nela mais

conhecimentos e interesse que os demais. O professor declara: No enfrentei, at hoje,

situao em que um aluno me ensinasse algo... infelizmente, considerando seus alunos

completamente nefitos em informtica e internet. relevante o fato de Alessandro

considerar nunca ter aprendido nada com seus estudantes. Certamente que se trata mais

de um comentrio fundado em uma concepo limitada de aprendizagem e de seus objetos

do que de uma verdade.

Nina tambm no dispe de monitores, mas elege uns raros iluminados para me

ajudarem. Ela aponta que gosta do trabalho em duplas e costuma diagnosticar nveis de

domnio das ferramentas antes de dividir grupos para as tarefas que prope a seus alunos.

Nina opera em sala com uma mistura entre alunos com nveis de habilidade diferentes,

para haver uma troca maior do que as velhas panelas de amizade, e ressalta que reprova

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aqueles que no atingem um mnimo que eu, claro, estabeleo (sou bem exigente) para

que possam no outro semestre se dedicar mais. A despeito de trabalhar com grupos e

dentro de uma perspectiva que lembra a noo de zona de desenvolvimento proximal

(ZDP) de Vygostski, a professora sustenta seu poder nas relaes com alunos sobre a nota,

a aprovao e os critrios que ela determina, claro.

Thas entabula um dilogo com a colega e relata que tambm reprova em suas

disciplinas. O carter mercantilista das instituies pagas emerge como um dilema para

professores que desejam ensinar tcnicas e teorias a alunos nem sempre interessados de

fato em se formar. De outro lado, o poder de reprovao do professor frgil e est

condicionado aos mandos e desmandos das escolas. No fundo, quem tem poder o aluno

pagante.

Thas desabafa: Ai colega... nem me fale da angstia em olhar aquele bando de

jornalistas na colao de grau, sabendo que a grande maioria nunca passar perto da

profisso escolhida. Quanto aos critrios de avaliao, confessa ser mais rigorosa frente

ao desinteresse do que pelo desconhecimento tcnico, e exemplifica: Muitas vezes o

aluno no leva mesmo jeito para o online, mas corre atrs, est sempre presente, d o

melhor de si. Tem coisa melhor que aluno interessado? (...) Mas no tenho muita pacincia

com quem no quer nada com a dureza. Nina concorda: Eu tambm tenho agonia de

aluno preguioso e desinteressado. , no fim das contas, acho que acabamos dando mais

pontos pelo esforo do que para as habilidades em si (quando no so inexistentes,

obviamente).... O dilogo entre as duas professoras pe em questo os critrios

avaliativos empregados, os jogos de poder na sala de aula, alm das questes de

interesse/desinteresse. O que , afinal, um bom aluno ou um aluno interessado? Ao que

parece, aquele que atende o professor, demonstra interesse pelas questes e pelas

tarefas que ele prope, sem grandes desvios. Desinteressados so punidos, mesmo que s

vezes tenham conhecimento tcnico.

Heloisa atravessa a discusso sobre teoria e tcnica, tentando evitar o

determinismo tecnolgico na formao dos jornalistas: Se computador melhorasse texto,

estaramos feitos em instituies privilegiadas, que contam com laboratrios robustos. No

o caso. H algo mais na formao das pessoas que, inclusive, pode independer de

equipamento!. E explicita sua preocupao com a questo, tratando de abordar o papel

do professor (e mesmo do jornalista em atuao): O que vejo, s vezes, em disciplinas de

JOL que alguns professores as transformam em oficinas de fazeo de notcias com o

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emprego desta ou daquela ferramenta (que estar obsoleta amanh ou depois). O

jornalista bem-formado est acima disso a. A mesma professora troca em midos o que

considera importante na relao teoria/prtica: O negcio achar um equilbrio entre

saber-fazer e saber-o-que-est-fazendo. O papel do professor que ela chama de

oficineiro, importante para determinadas finalidades, considerado aqum do que

efetivamente deveria ser a formao de um jornalista para o sculo XXI. Cobram aulas de

informtica bsica s vezes. No acho que esse seja nosso papel.

Heloisa discorda do colega que dizia no ter aprendido nada com seus alunos.

Afirma que A palavra transmitir j saiu do glossrio da educao. (Ou deveria ter sado).

No vejo mal algum em aprender muitas coisas com os alunos. E relata: Aprendo

muuuuuuito com minhas turmas. Eles me arranjam cada coisa mais legal para fazer. (...) A

maneira como voc entra em sala define muito se os alunos so seus adversrios ou seus

colaboradores. E todo mundo percebe isso rapidinho.

Consideraes finais

Questes de infraestrutura e de condies de trabalho misturam-se a concepes

de ensino/aprendizagem que ainda so conflituosas para a maioria dos docentes cursistas

em foco neste trabalho. No , de fato, fcil operar com os conceitos aprendidos nas

interaes acadmicas ou na polifonia discursiva que nos envolve a todos. Parece consenso

que certos paradigmas mudaram, tanto na escola quanto na sociedade. Sabe-se que as

relaes entre professores e alunos se alteraram, na direo de certa simetria. No entanto,

mesmo o professor mais alerta para tecnologias digitais e seus usos mostra-se, mesmo que

inconscientemente, ainda dono de uma postura que polariza a interao na sala de aula

em um formato segundo o qual ele ensina o que os estudantes no sabem (e que devem

aprender, com ateno, disciplina e sob ameaa e controle, s vezes). O discurso segundo

o qual as relaes so mais simtricas e as tecnologias terminaram por igualar estudantes e

professores, que ora dominam menos ou mais certas ferramentas, parece ainda distante de

ser fato.

Os professores participantes do curso Jornalismo 2.0 para professores mostraram-

se dispostos a discutir suas questes comuns, ao longo de quatro semanas, e parecem ter

se constitudo uma comunidade virtual de aprendizagem bastante intensa, em que foram

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expostos confitos, tenses e concepes que configuram certa crise (e oportunidade) na

atuao do professor contemporneo.

Neste trabalho, apresentamos uma anlise no exaustiva dos discursos emersos da

interao entre professores de jornalismo on-line que se encontraram em uma comunidade

virtual de aprendizagem situacional (CASTRO, 2010). Desses discursos, pode-se depreender

concepes de interao em sala de aula, formao de jornalistas e ensino/aprendizagem

que pem em questo o que se diz e o que se faz nas salas de aula dos cursos de

jornalismo do incio do sculo XXI.

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