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DCIE S P E C I A L DA S E M A NA | Sexta-feira a segunda-feira, 6 a 9 de abril de 2012B10

OBrasil está condenadoa dar certo. Para dar errado vai terde seesforçar”, afirma,com con-vicção, o economistae consultorRicardo Amorim, 41,que, depoisde duas décadastrabalhando noexterior diretamente com as eco-nomias emergentes, decidiu vol-tarpara casa.“O mundomudoumais do que percebemos, e anosso favor. O Brasil está dandocerto, apesar do Brasil”, acres-centa, em entrevista ao DCI.Na sua avaliação, a Índia será aChina de amanhã e, na sequên-cia, a economia brasileira será ocarro-chefe do processo de evo-lução dos emergentes, pois vaidurar mais cerca de dez anos aconjunção de fatores externosfavoráveis ao País, entre as quais ademanda por commodities. “Oque a gente vendeficou mais ca-ro e o que a gente compra ficoumais barato”, comenta.O que preocupa Amorim é comoo País vai alcançar esse novo pa-tamar — já é a sexta economiamundial — sem fazer a lição decasa, pois a pressão política pararesolver os diversos gargalosexistentes é muito pequena. Masele não acredita em desindus-trialização no País, embora reco-nheça que este seja o setor comos maiores desafios.Como faz em sua consultoria— a Ricam Consultoria Em-presarial —, nesta entrevistaAmorim antecipa movimen-tos macroeconômicosglobaise nacionais.

DCI: O Brasil está se fortalecen-dode fatonocenário mundialoué apenas uma fase passageira?

RicardoAmorim: Paramim,éclara a ascensão brasileira.Mas não é só por mérito doBrasil.OPaís nãopassouadarcertoporquede umahorapa-ra outra começou a fazer tudocerto. Costumo brincar que oBrasil estádando certo,apesardo Brasil. O sistema de saúdeainda é precário, assim comoeducação, infraestrutura, car-ga tributária, saneamento,burocracia. Não resolvemosnossos problemas. Mas, nosúltimos oito anos, a média decrescimento do Produto In-terno Bruto [PIB] foi o dobroda média dos últimos 25 anos.Se a gente não mudou, mas oresultado ficou duas vezesmelhor, alguma coisa aconte-ceu. Os dez anos que passeitrabalhando lá fora direta-mente com os mercadosemergentes me deu uma vi-são clara do que é o Brasil.Tendemos a achar que o queacontece aqui é resultado dasações feitas aqui. Via de regra,no longo prazo, o desenvolvi-mento de um país dependedas medidas que ele toma.Mas nocurto prazo, oque pe-sa é a conjuntura externa.

DCI: Como asituação externa in-fluencia esse processo?

Amorim: Quatro mudançasestruturais no mundo jogama nosso favor e contra os ricos.A mais óbvia é a forte alta dospreços de matérias-primas, esomos exportadores. Os doispaíses que mais crescem sãoos mais populosos e pobres:China e Índia. Com renda me-lhor,comem melhor,saemdocampo e vão para as cidades.Hoje,a Chinaestá, emtermosde urbanização, onde estáva-mos em 1950.Com seis déca-das de atraso. E a Índia estáainda mais atrasada. Mas a Ín-dia,em dezanos,éa Chinadeamanhã. Apesar das mesmascaracterísticas, a Índia nãotem tamanho suficiente paracausar o mesmo impacto daChina. Esses ciclos de altas dascommodities ainda sobrevi-verão a algumas décadas. E éum dos motivos pelos quaiseu voltei para cá. O Brasil estácondenado a dar certo. Paradar errado, vai ter de se esfor-çar. Os demais emergentestambém. Oque vendemosfi-cou maiscaro, oque compra-mos, mais barato. Isso geradesafios setoriais, mas para o

País éuma vantagem.O Brasilé importador de produtos in-dustrializados, principal-mente eletroeletrônicos, e es-tá havendo commoditizaçãode tecnologia, tudo é igual.

DCI: Os preços desses produtosficam mais baixos?

Amorim:Sim, poisdocontrá-rio a tecnologia não se disse-mina. Por que a Ap p l e vale oque vale? Porque conseguiudescommoditizar um produ-to de informática. E a produ-ção é levada para onde tem

mais oferta e menor custo demão deobra, comoChina, Ín-dia.Opreço deproduçãodes-penca e o de venda também.Um aparelho deTV, hoje, cus-ta 20vezes menos doque cus-tava há 10 anos. Barril de pe-tróleo do mesmo período fi-cou 15 vezes mais caro. Com300 vezes menos quantidadede petróleo vocêcompra a te-levisão, com200 vezesmenosminériode ferrovocêcompracomputador, com 120 vezesmenos café você compra ce-lular. Resultado: a gente ficoumais rico, e eles, mais pobres.Outra questão: dinheiro nomundo ficoumais barato.Es-seprocessode quedadospre-çosde produtosindustrializa-dos, que eu chamo de acelera-ção da globalização, fez a in-flação ao redor do mundodespencar. Em cima dissoveio a crise para dar o golpe demisericórdia na inflação e nataxa de juros mundial. Parapaíses que importam capitalfinanceiro,como oBrasil,parafinanciar consumo e investi-mento, a gente sai ganhando.

DCI: Como nos beneficiamosdisso?

Amorim: Compramos di-nheiro barato. Ospaíses ricosestão vendendodinheiro ba-rato. Por conta dessas mu-danças, cresceram as opor-tunidades para o Brasil e de-mais emergentes, que antesperdiam talento. Agora a si-tuação se inverteu. Nos últi-mos quatro anos, 400 milexecutivos brasileiros volta-ram dos EUA, da Europa e doJapão. Aqui tem emprego.Até estrangeiros estão vindo.

Uma pesquisa com estudan-tes de MBA de Harvard per-guntou aos estudantes ondegostariam de trabalhar de-pois de formados. Por or-dem, as escolhas foram Ín-dia,China eBrasil.Consegui-mosdar essesaltovendendomatéria-prima mais cara,importando mais barato, tra-zendo dinheiro barato e re-cuperando talentos. Tam-bém contribuiu a entrada daChina na Organização Mun-dial do Comércio em 2001.Explodiram a demanda pormatéria-prima e a oferta demão de obra barata. Outroponto é a densidade demo-gráfica. O Brasil e demaisemergentes, exceto a Rússia,vivem um boom demográfi -co: têm mais população nafaixa de 15 anos a 65 anos, etrabalhando, do que o con-junto dos que precisam sersustentados. Nesse período,o crescimento acelera. Nosricos, esse ciclojá passou, es-tão em situação contrária —com mais aposentados emenos gente trabalhando.

DCI: Até quando vai esse ciclo?Amorim:Pelo menos10anos.A política de filho único daChina causará envelhecimen-to acelerado.E daquia 10anosa Índiatomará olugar daChi-na. Teremos mais 30 anos deurbanização e industrializa-ção nesses países, eisso vai nosajudar. A pedra no caminho éque, de tempos em tempos,teremos crises estourando nomundo rico, como em 2008,2009. Mas o resumo é: a mu-dança do centroda gravidade,saindo dos países ricos e indopara os emergentes, particu-larmentepuxado pelaÁsia,vaidurar mais algumas décadas.

DCI: Nãopreocupa adesacelera-ção da China?

Amorim: Isso é temporário, aChinaestá desacelerandofor-temente agora, poralguns as-pectos. Um deles é global. So-fre o fato de que os maioresmercados deles, Europa eEUA, estão desacelerando,e aChina terá de focar mais omercado doméstico, reforçaro consumo interno. Europa,EUA e Japão vão crescer pou-co, as exportações para lá vãocair. O modelo de crescimen-to chinês, que era focado eminvestimento público e ex-portação,cada vezmais vaiterque se voltar para o consumodoméstico. O que preocupa écomo a gente vai dar relativa-mente certo sem fazer a liçãode casa. Apressão política pa-ra resolver nossos gargalos émuito pequena. Tivemosuma geração perdida, com obaixo crescimento econômi-co. Temosagora umageraçãocom sorte. Infraestrutura eeducação até podem melho-rar, só que se não avançarmosna estrutura de negócios, bu-rocracia, carga tributária, re-sultaráoutra geraçãoperdida.Meus filhos deram sorte,meus netos eu não garanto.

DCI: E qual é a sua avaliação so-bre a indústria brasileira nessecenário?

Amorim: Todos os países que

ENTREVISTA Para Ricardo Amorim, o mundo mudou mais do que percebemos, e a nosso favor

Divu

lgaç

ão

O que a gente vende fi-

cou mais caro e o que im-

portamos ficou mais ba-

rato. Isso é uma vantagem

para o Brasil.

Estudantes de MBA de

Harvard querem traba-

lhar na Índia, na China e

no Brasil,de acordocom

uma pesquisa recente.

chegaram ao nível de rendado Brasil hoje tiveram quedada participação da indústriano PIB. A demanda por servi-ços explode. Isso é um ponto.Outroé: oBrasil estápassandopor um processo de desin-dustrialização?Não, sobqual-quer número. A participaçãoda indústria no PIB nos últi-mos 10 anos aumentou, bemcomo a participação da in-dústria brasileira na mundial.Éramos a 10ª, em 2000, e anopassadofomos aquinta. Oin-vestimento na indústria vembatendo recorde todo ano. Eninguém investe sem acredi-tarem crescimentono setor,oque acontece também comcontratação de mão de obrana indústria. A indústria é osetor, disparado, com osmaiores desafios no Brasil, eistotema vercomaascensãochinesa. Nosso varejo está sebeneficiando do efeito Chinae do efeito câmbio, que é outroproblema estrutural — por -que a base monetária em dó-lar é quatro vezes a de quatroanos atrás. Qualquer produtocuja quantidade é quatro ve-zes maior no mercado valemenos. O governo pode fazero que quiser, não vai impedirisso. E não há concorrênciaentre os serviços. O preço daenergia em Xangai,se for me-nor doque aqui,não farádife-rença.Só queo Brasilimportamáquinas, e essas estão maisbaratas hoje. O setor de agro-negócio inteiro está ganhan-do mais dinheiro. A indústriavai continuar a sero setor quetem mais dificuldade paracrescer no Brasil.

DCI: Existe risco de o Brasil setornar uma economia agrícola?

Amorim: Não.O Chile éo paísque mais deu certo na AméricaLatina, eseu desenvolvimentocomeçoucom umaeconomiaagrícola. Hoje exporta vinho,não uva.Nossa vantagemestávoltada paramatérias-primas,mas,se aolongo desseproces-so investirmos em pesquisa edesenvolvimento, e melhorade ambiente de negócios, tal-vez possamos ser competiti-vos em coisas que dependemde inovação. Hoje, tirando al-gunsfocos específicos,nãoso-mos. A Embraer é a terceiramaior do mercado de produ-ção de avião. Tecnologia pura.Somos competitivos nissoporque antes de existir essaempresaexistia oITA[InstitutoTecnológico da Aeronáutica],

referência mundial nesse tipode tecnologia. Se não formoscapazes de construir centenasdeITAs, nãoteremoscentenasde Embraer. Os líderes globaishoje não são mais aqueles... Amaior produtora de cerveja domundoéa Ambev,enãopassana cabeça dos estrangeirosque é uma empresa de capitalbrasileiro. O mundo mudoumais doque agente percebeu.E a nosso favor.

DCI:O quevocêindica parafazerdinheiro render?

Amorim: É preciso conside-rar o prazo para investimen-to. Mais longo, recomendosair da aplicação financeiraem renda fixa. A tendênciaderendafixa ébaixaporcau-sa da queda estrutural dosjuros — baixos para padrõesbrasileiros e altos para pa-drões internacionais. A taxade juros será menor daquicinco anos, daqui a 10 anosserá menor ainda. Por causade queda da taxa de câmbio,que barateia as importaçõese ajuda a reduzir a inflação

no Brasil. Temos uma forçaestrutural para segurar a in-flação,que éodólar, quesaiude R$ 4 e foi para R$ 1,50. Ogoverno diz que vai ficar emR$ 1,80, eu duvido. Como te-remos mais crises, as multi-nacionais terão de repatriarcapital para ondehouver ga-nhos, basicamente nosemergentes. Para isso, teráde comprar dólar ou euro.No meio da crise, o dólar e oeuro sobem, como em 2008 e2009 e no ano passado. Ti-rando isso, os movimentosdo governo duram uma se-mana. Se o governo real-mente quisesse fazer algu-ma coisa,mudaria suamen-talidade. A gente não acredi-ta que o Brasil mudou. Porque os estrangeiros inves-tem mais? Porque olham pa-ra o Brasile se dão contade játerem visto esse filme na Chi-na, Cingapura,Coreia, Chile.Brasileiro olha, desconfiado.Nossa legislação também évoltada para um país que dáerrado. Por exemplo, todoexportador brasileiro é for-çado a trazer dólar na horaque exporta para o Brasil,não pode manter o dólar láfora; ele tem que vender odólar parao banco, ecom is-so aumenta a oferta de dólar.Fundo de pensão brasileiro,na prática não pode investirno exterior porque perde umbenefício tributário em todacarteira dele. Se nossos fun-dos pudessem investir seusrecursos no exterior, era dó-lar saindo. No Brasil que davaerrado faltava dólar. Igual àlegislação trabalhista: o pro-blema hoje não é falta degente, e simde pessoal quali-ficado. A legislação atual eraadequada para quando fal-tava emprego. Teve mudan-ça estrutural, mas não dem e n t a l i d a d e.

DCI: Quais setores da economiabrasileira têm maior potencial?

Amorim: Olhando para umadécada, tudo em que China édemanda e não competição,como commodities e agrone-gócios. E no consumo, ondehavia demanda reprimida,onde o crédito permitirá ex-pansão do consumo e ondehouve aumento de renda.Construção civil, educação esaúde.Tudo oque forvoltadoao consumidor de baixa e mé-diarenda. Maisde 35milhõesde brasileiros vão entrar nomercado de consumo nos

próximos cinco anos. Tudoque está mais voltado para ointerior também tem muitopotencial, bem como para re-giões mais pobres.

DCI: O câmbio não ajudará a in-dústria?

Amorim: O empresário quetomar uma decisão baseadana expectativa de que o câm-bio vai sermais favorável que-brará a cara. A apreciação doreal é umaquestão estrutural.Pode reduziro ritmo,mas nãohaverá reversão. Ele tem devoltar mais sua venda para omercado doméstico, o con-sumo aqui vai aumentar. Nasexportações, terá de mudarde mercado, deixando devender para EUA, Europa ouJapão. Se vender na AméricaLatina, o real não se apreciaem relação a esses países. Te-mos de pensar no Brasil comocentro deconsumo, nãomaiscomo centro de produção. Aprodução brasileira ficoumais cara.

roberto müller filho

liliana lavoratti

O Brasil estácondenadoa dar certo

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Ricardo Amorim: “Temos que pensar o Brasil como centro de consumo, não mais só como centro de produção”

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