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Fronteira e ocupação do espaço 1

FRONTEIRA E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO

a questão de Palmas com a Argentina e a

colonização do vale do rio do Peixe-SC

2 Adelar Heinsfeld

Fronteira e ocupação do espaço 3

FRONTEIRA E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO

a questão de Palmas com a Argentina e a

colonização do vale do rio do Peixe-SC

São Paulo

2014

Adelar Heinsfeld

4 Adelar Heinsfeld

Capa: Mapa da região de Palmas, que faz parte da defesa brasilei-ra elaborada por Rio Branco, com fotografia sobreposta da cons-trução da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

________________________________________________________________________ H471f Heinsfeld, Adelar

Fronteira e ocupação do espaço : a questão de Pal- mas com a Argentina e a colonização do vale do rio do Peixe-SC / Adelar Heinsfeld. – São Paulo : Perse, 2014. 259 p. ; 21 cm.

Inclui bibliografia ISBN: 978-85-8196-644-1

1. Diplomacia. 2. Política externa. 3. Fronteiras. 4. Colonização. I. Título. CDU 981.079 ________________________________________________________________________

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei nº 9.610, de

19/02/1998.

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO BR 285 – Km 171 99001-970 - Passo Fundo – RS www.ppgh.upf.br

Copyright@Adelar Heinsfeld

Fronteira e ocupação do espaço 5

Aos meus pais,

Felipe e Salete,

descendentes daqueles que deixaram São Sebastião do Caí e Montenegro, no Rio Grande do Sul,

para colonizar o Vale do Rio do Peixe.

6 Adelar Heinsfeld

Fronteira e ocupação do espaço 7

SUMÁRIO

PARA COMEÇAR... ................................................................. 09 I-A GEOPOLÍTICA LUSO-HISPÂNICA PARA A I-AMÉRICA: A FORMAÇÃO DAS FRONTEIRAS I-COLONIAIS ............................................................................

13 1.1-Geopolítica e fronteiras ...................................................... 14 1.2-Tratado de Madrid: inicio da delimitação ........................ 19 1.3-Tratado de El Pardo: suspensão da delimitação ............ 47 1.4-Tratado de Santo Ildefonso: retomada da delimitação ....................................................

52

1.5-Início das desavenças ..........................................................

64

II-PALMAS OU MISIONES? DISPUTA GEOPOLÍTICA BRASILEIRO-ARGENTINA .............

71

2.1-Fronteira Brasil-Argentina ................................................ 72 2.2-A fronteira no pós-guerra do Paraguai ........................... 81 2.3-A reivindicação oficial argentina ...................................... 96 2.4-Tratado de Montevidéu de 1890: a justiça de Salomão ..........................................................

104

III-A SOLUÇÃO DA QUESTÃO ......................................... 129 3.1-Missão nos EUA: a obra de Rio Branco ...................... 130 3.2-O laudo arbitral e a repercussão na Argentina ............ 148

8 Adelar Heinsfeld

3.3-As comemorações do laudo ........................................... 154 3.3-As razões do árbitro ........................................................ 161 3.4-O pós-laudo arbitral ........................................................ 171 IV-BRASIL-ARGENTINA: A RIVALIDADE E A OCUPAÇÃO DO ESPAÇO CONTESTADO ..............

175

4.1-A disputa pela hegemonia na América do Sul .............. 176 4.2-Defesa do território: a construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande ........................

181

4.3-Uma ferrovia colonizadora .............................................. 199

4.4-A ocupação do espaço “vazio” ....................................... 208 4.5-Dividir para ocupar: a pequena propriedade Fundiária ............................................................................

224

PARA ENCERRAR... ............................................................... 229 FONTES CONSULTADAS ....................................................

233

CRÉDITO DAS IMAGENS ...................................................

257

Fronteira e ocupação do espaço 9

PARA COMEÇAR...

A área fronteiriça no Sul do Brasil sempre foi motivo de preocupação para os governantes, tanto portugueses, como brasileiros. A proximidade com os territórios ocupados pelos espanhóis e seus descendentes criava um clima de tensão per-manente na região.

Durante o período colonial, vários acordos e tratados de limites foram firmados entre Portugal e Espanha. A linha do tratado de Tordesilhas (1494) havia sido rompida, princi-palmente pelos portugueses. Para tentar estabelecer uma linha divisória entre os territórios coloniais das duas potências Ibéri-cas as negociações diplomáticas foram intensas, tensas e confli-tivas.

Após a conquista da independência, as novas nações sul-americanas vão demonstrar preocupação com os limites territoriais, que poderia causar conflitos com os vizinhos. A fronteira territorial contribuiu para que Brasil e Argentina fos-sem os dois países com mais incidentes diplomáticos na Amé-rica do Sul, onde, de acordo com os princípios da Geopolítica, cada um tentava impor ao outro um projeto de hegemonia no cone sul da América.

10 Adelar Heinsfeld

Para garantir a posse sobre os territórios situados ao longo das fronteiras, ambos os países vão implementar a colo-nização dos mesmos. Quando nos últimos decênios do século XIX surge a chamada Questão de Palmas ou das Missões, em que a Argentina reivindica um território que o Brasil consi-derava seu, o governo brasileiro vai implatar medidas para ocu-par e colonizar o território reivindicado pelos vizinhos, no oes-te de Santa Catarina e sudoeste do Paraná.

As fronteiras sempre foram um elemento importante para o conhecimento geopolítico. No caso brasileiro, já durante o período colonial, em função de projetos geopolíticos, Portu-gal e Espanha vão assinar vários tratados de limites, tendo co-mo objeto principal a parte meridional da América do Sul. As-sim, é necessário analisar as circunstâncias históricas dos trata-dos de Limites de Madrid (1750), de El Pardo (1761) e de San-to Ildefonso (1777) e como as polêmicas surgidas na demarca-ção das fronteiras estipuladas por estes tratados coloniais vão servir de suporte para as discussões pela definição das frontei-ras entre Brasil e Argentina.

Brasil e Argentina vão herdar a pendência lindeira, com os brasileiros defendendo que o limite fronteiriço entre os dois países deveria continuar a ser através dos rios Peperi-guaçu e Santo Antônio, enquanto os argentinos passarão a defender como fronteira dois rios situados mais a leste, no território brasileiro: rios Chapecó e Chopim (posteriormente substituído pelo Jangada). As discussões do pós-guerra do Paraguai terão relação direta com a reivindicação oficial argentina a partir da década de oitenta do século XIX. Com a Proclamação da Re-pública, a diplomacia brasileira tentará se pautar pelo america-nismo, o que resultará num tratado dividindo o território entre os dois países, tratado este que foi rejeitado pelo Congresso Nacional brasileiro.

A questão foi levada ao arbitramento internacional, re-sultando num laudo arbitral favorável ao Brasil. A missão brasi-leira em Washington, liderada pelo Barão do Rio Branco, reali-

Fronteira e ocupação do espaço 11

zou o trabalho de defesa dos direitos brasileiros e que levou o árbitro – presidente dos EUA – a dar ganho de causa ao Brasil.

As pretensões argentinas levaram o Brasil a construir uma estrada de ferro ligando a região em disputa com o centro do país. Mesmo tendo resolvido o problema fronteiriço, conti-nuava a rivalidade entre os dois países que buscavam a supre-macia na América do Sul. A ferrovia, conhecida como Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, de grande valor estratégico, foi construída segundo a lógica da expansão capitalista. A partir da sua construção se iniciaria um processo de ocupação territorial, através da colonização, da área pretendida pela Argentina.

Através da ação das companhias colonizadoras, o con-tingente populacional excedente nas áreas coloniais do Rio Grande do Sul foral deslocadas para o Vale do Rio do Peixe, em Santa Catarina, originando a partir das estações da estrada de ferro, vários núcleos colonizatórios.

Para a realização deste trabalho foi utilizada como fonte a documentação diplomática, principalmente aquela produzida pela comissão especial em Washington, que liderada pelo barão do Rio Branco elaborou a defesa dos direitos do Brasil. No entanto, outro tipo de fonte também foi fundamental: a im-prensa.

A imprensa deve expressar a opinião pública. Porém, Maria Helena Capelato já chamou a atenção que na grande imprensa, o murmúrio da vox populi – voz do povo – ecoa lon-gínquo enquanto ressoa forte a vox domini, ou seja, a voz dos dominantes.1 A partir da imprensa é possível fazer com que a pesquisa histórica sobre determinada temática ganhe nova rou-pagem. Pela imprensa é possível perceber não exatamente o que estava acontecendo, mas aquilo que a opinião pública pen-sava que estava acontecendo. Na imprensa a apresentação das informações não é uma mera repetição de ocorrências e regis-

1 CAPELATO, Maria Helena Rolin. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Con-

texto, 1988, p. 18.

12 Adelar Heinsfeld

tros, dadas aleatoriamente, mas ao contrário, denotam as atitu-des próprias de cada veículo de informação, uma vez que todo órgão de imprensa organiza os acontecimentos e informações segundo seu próprio “filtro”. O historiador que busca na im-prensa a interpretação do passado precisa lembrar que “na construção do fato jornalístico interferem não apenas elemen-tos subjetivos de quem o produz, mas também os interesses aos quais o jornal está vinculado.”2 Ao se pretender fazer uma análise temática é necessário considerar o significado dos dis-cursos, independentemente de sua forma lingüística. A análise se desenvolve a partir de temas de significação relativos a um determinado objeto de estudo e vistos em termos de sua pre-sença e freqüência de aparecimento nos textos perqueridos. De qualquer forma, a imprensa escrita, utilizada como documento, “é antes de mais nada o resultado de uma montagem conscien-te ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipula-do.”3

Este livro retoma questões que foram abordadas há duas décadas, num trabalho apresentado como dissertação de mestrado em História, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e que posteriormente foi publicado sob a forma de livro.4 Ao invés de uma segunda edição revista, op-tamos por fazer um novo livro, com uma estrutura diferente, contemplando aspectos que não foram abordados naquela época.

2 Idem, p. 22.

3 LE GOFF, Jacques. Memória e História. Campinas: Ed. UNICAMP, 1994, p. 547.

4 HEINSFELD, Adelar. A questão de Palmas entre Brasil e Argentina e o início da colonização alemã no Baixo Vale do Rio do Peixe-SC. Joaçaba: Ed. UNOESC, 1996.

Fronteira e ocupação do espaço 13

A GEOPOLÍTICA LUSO-

HISPÂNICA PARA A AMÉ-

RICA: A FORMAÇÃO DAS

FRONTEIRAS COLONIAIS

A expressão geopolítica, que é relativamente nova, nas últimas décadas assumiu uma posição de “modismo” e passou a ser utilizada e aceita com “naturalidade”. Durante algumas décadas, este termo esteve em “desgraça”, devido à sua vincu-lação com políticas imperialistas, expansionistas e até mesmo com conotação racista. A geopolítica é a ciência que estuda a utilização do espaço para o exercício do poder. As potências europeias ao estabelecer os limites entre suas colônias na Amé-rica estavam lançando mão de perspectivas geopolíticas.

14 Adelar Heinsfeld

1.1-Geopolítica e Fronteiras

De uma forma quase unânime, se afirma que a geopo-lítica como campo de estudo e prática política teve seu auge na Alemanha nazista. Assim, tudo o que estava relacionado à geo-política era logo identificado como prática utilizada por regi-mes totalitários.

Alguns pensadores iniciaram uma reação a esta con-cepção: o argentino Alberto E. Asseff afirma que é uma iniqui-dade ligar a geopolítica e a valorização do espaço com as ideias em voga na Alemanha dos anos trinta do século XX, além de ser historicamente falso;5 o francês Yves Lacoste, um dos mai-ores geógrafos contemporâneos, considerado o fundador da chamada geopolítica radical, ao sugerir que o termo geopolítica foi relegado a um segundo plano em virtude de sua estreita ligação com o projeto expansionista hitleriano, questiona se pelo mesmo motivo foi banida a biologia, tendo em vista que os teóricos nazistas a utilizaram para demonstrar a existência das „raças‟ superiores.6

Seguindo a mesma linha de argumentação, de uma forma sarcástica, Joseph J. Thorndike Jr, comenta a rejeição que a geopolítica tem sofrido por causa da sua utilização pela Alemanha nazista. Para ele, condenar a geopolítica por causa dos erros e exageros dos geopolíticos alemães é tão irracional quanto condenar o ato de afiar facas porque às elas têm sido usadas para apunhalar gente. Lembra também que a antropolo-gia não foi amaldiçoada por que os nazistas a empregaram para apoiar as suas odiosas ideias raciais.7

5 ASSEFF, Alberto E. Proyección continental de la Argentina: de la geohistoria a la geopolítica nacional. Buenos Aires: Pleamar, 1979, p. 19.

6 LACOSTE, Yves. A Geografia: isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. Campinas: Papirus, 1988, p. 242.

7 THORNDIKE JR, Joseph J. Geopolítica. Boletim Geográfico. Rio de Janeiro, Ano I, Nº 6, set. 1943, p. 25.

Fronteira e ocupação do espaço 15

A geopolítica serve, do ponto de vista da política ex-terna, para justificar os interesses expansionistas dos Estados. Ela compreende uma tentativa de análise científica da impor-tância dos Estados face à sua extensão, da sua população e da sua posição geográfica, integrada com ideologias que procuram estimular e provocar a realização de objetivos de expansão territorial e de dominação de Estados vizinhos, que impedem ou dificultam a realização das aspirações da classe dirigente de determinado Estado.

De acordo com o brasileiro Shiguenoli Miyamoto as fronteiras constituem um tema por excelência da geopolítica. Elas são, talvez, a temática que ao longo da história mais aten-ção têm merecido dos geopolíticos.8 Abordar o tema fronteiras significa adentrar ao campo das relações internacionais, envol-vendo a política de um Estado em relação a outros e a seguran-ça de seu próprio território. A vinculação inseparável entre Estado e território, integrados no princípio fundamental da soberania nacional, obriga o Estado a definir, no solo, no mar e no ar, os limites da sua área de poder. Surge daí a fronteira, faixa de contorno do corpo estatal. Friedrich Ratzel, pensador alemão em cuja obra se encontra as bases intelectuais da geo-política, ao iniciar a sistematização do conhecimento inerente ao poder político e suas relações com o espaço geográfico, já havia chamado a atenção de que sem fronteiras não há Estado.9

Em sua função geopolítica, a fronteira começa a ser implantada quando se faz necessário o equilíbrio entre as “for-ças vitais” de dois povos. Nenhuma nação se sente estabilizada antes de terem sido delimitadas e demarcadas as linhas frontei-riças do país.10 A fronteira passa a ser um ponto de equilíbrio

8 MIYAMOTO, Shiguenoli. Geopolitica e poder no Brasil. Campinas: Papirus, 1995, p. 169.

9 RATZEL, F. El Território, la Sociedad y el Estado. Geosur. Montevideo, Año XV, nº 161/162, Sep./Oct. 1993, p. 3.

10 BACKHEUSER, E. Rio Branco, geógrafo e geopolítico. Revista da Sociedade de Geografia, Rio de Janeiro, T. 52, 1945, p. 25.

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