contos, reminiscÊncias de bebedouro, … · 22 – rebeliÃo de canudos 251 23 – a guerra do...
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CONTOS, REMINISCÊNCIAS DE BEBEDOURO, CURIOSIDADES, LENDAS E CRENDICES, FÁBULAS, CRÔNICAS E
HOMENAGENS
In memoriam Luiz Bergantini
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TODOS DIREITOS RESERVADOS Nos termos da Lei 9.610 de 1998 e o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, parágrafo XXVII que resguarda os direitos autorais, é proibida à reprodução total ou parcial, bem como a duplicação sob qualquer forma, inclusive em apostilas, seja por meio eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Internet ou outros métodos similares. A violação sem prévia autorização do autor é crime e está estabelecido no artigo 184 do Código Penal.
Editor: Ricardo Dalla Costa
Colaboração: Juliana de Fátima Pinheiro Dalla Costa
Pedidos com o Editor: Rua Carlos Gomes, 204 – Cornélio Procópio – PR CEP:
86.300‐000
PREFÁCIO
Índice para catálogo sistemático
BERGANTINI, Luiz. Contos, Reminiscências de Bebedouro, Curiosidades, Lendas e Crendices, Fábulas, Crônicas e Homenagens. In memoriam Luiz Bergantini. Cornélio Procópio, 2006.
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Os contos, as reminiscências, as curiosidades, as lendas e crendices, as fábulas, as crônicas e as homenagens prestadas e recebidas de Luiz Bergantini mostram a grande vocação para literatura brasileira.
Sem dúvida nenhuma foi um grande escritor, e a maior prova disso são os detalhes da sua narração, interpretação, redação, a criatividade de usar as palavras certas com seus significados abrangentes, a riqueza do vocabulário e, mais do que tudo, a facilidade de levar o leitor a interagir com o texto, emocionando‐o e muitas vezes deixando‐o com vontade de fazer parte da história.
Confesso que a melhor parte do livro são os contos. Por outro lado, as molecagens transcritas nas reminiscências são muito engraçadas. Esse livro já deveria estar pronto a alguns anos, mas a idéia de juntar todos os textos só veio recentemente. Contudo, fiz a obra respeitando as passagens e interpretações, selecionei numa devida ordem as partes que compõem a obra, digitei a maior parte dos textos e deixei alguns para as bisnetas Thayse e Yasmin. Selecionei novamente e por fim conclui a digitação.
Digitação! Pois me lembro neste exato momento que datilografei os contos “O Reencontro” e “O Promotor” na máquina de escrever que ilustra este livro. Como era gostoso ouvir o som das teclas. Hoje uso o teclado do computador (silencioso) e o digitalizador de imagens (scaner) para auxiliar a transferência dos textos.
O tempo não volta, mas o homem, com a graça de Deus, inventou a escrita, a escola, a imprensa e também a máquina do tempo, esta chamada de livro. Este livro é a máquina que leva o leitor ao passado. Esta máquina retrata boa parte da história de Bebedouro (SP), a infância e o profissionalismo de Luiz Bergantini. Nas reminiscências de Bebedouro (“Travessuras e Peraltagens”, “O Carro Cantador”, “Galos e Galistas”, “Carroças e Carroceiros”, “Jogo de Bocha”, “Escolas e Mestres”, entre outros) e nas Fábulas a infância é
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enfatizada. Como profissional, as curiosidades mostram seu empenho pela ferrovia, e em rápidas passagens, como administrador rural e como pescador.
O saudosista Luiz Bergantini não agüentou guardar para si suas reminiscências, curiosidades e outros, teve que passar para o papel. Publicou nos jornais Gazeta de Bebedouro (Bebedouro‐SP), A Voz do Povo e A Cidade (Cornélio Procópio‐PR). Também colaborou e inspirou a obra “Bebedouro ontem e hoje”, de Syro Lima Costa, em 1996. Da mesma forma, eu também não agüentei guardar todos esses escritos e resolvi publicá‐los em sua memória.
Agradeço a minha mãe Zilah e a minha avó Luzia pela gentileza de ceder as fotos e autorizar a imagem do “vô” Luiz. Agradeço novamente a minha mãe Zilah, a Norma Bergantini Miguel e ao Lázaro Cláudio (Lazão) por disponibilizarem os textos para compor essa obra. Agradeço também todos aqueles que direta e indiretamente contribuíram para o sucesso desse livro.
Para “fechar” com chave de ouro, coloquei duas fotos no Anexo para matar a saudade, e para que essa máquina do tempo seja real ela proporcionará uma viagem de recordações só de ida gravada em nossa mente. Com essa intenção faço a memória de meu avô1 que está ao lado do Criador ouvindo sua obra cada vez que alguém ler suas escrituras.
De seu neto,
Ricardo Dalla Costa SUMÁRIO
PARTE 1 ‐ CONTOS 11 1 ‐ O REENCONTRO 13 2 ‐ O PROMOTOR 19 3 ‐ O DIÁLOGO 23
1 (17/07/1916 – 12/04/1999).
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4 ‐ O SUBSTITUTO 25 5 – VINGANÇA 31 6 – AS TRÊS MOEDAS 35 7 – PAPAI NOEL 39 8 – O PAPAI NOEL 45 9 – DIA DOS PAIS 49 10 – UM RETRATO DA VIDA 53 11 – O ALCOÓLATRA 57 12 ‐ DIA DAS MÃES 61 13 – CARA OU COROA 65 14 – A FORMATURA 69 15 – SÃO JOÃO 73 16 – O CONDENADO 75 17 – A PROCURA 81 18 – A PALESTRA: O HOJE E O ONTEM 85 19 – O SONHO DO CARREIRO 93 20 – O LEÃO DO CIRCO 97 21 – A ELEIÇÃO 101 22 – O VESTIDO ESTAMPADO 105 23 – A CHUVA 109 24 – O ÚLTIMO TREM 111 25 ‐ O ENCONTRO DA SAUDADE 115 26 – ERA UMA VEZ 119 27 ‐ A GEADA 121 28 – QUEM VÊ CARA, NÃO VÊ CORAÇÃO 125 PARTE 2 ‐ REMINISCÊNCIAS DE BEBEDOURO 129 1 ‐ TRAVESSURAS E PERALTAGENS 1 131 2 ‐ TRAVESSURAS E PERALTAGENS 2 135 3 – FESTA DE SÃO JOÃO 139 4 – CORRIDA DE TRENS 141 5 ‐ O PRIMEIRO AEROPLANO EM BEBEDOURO 143 6 – FÓRMULA “FORD BIGODE” 145 7 – A REZADEIRA 147 8 – A ESTÁTUA EXILADA 149 9 – O BEATO 153 10 – JOAQUIM BRANCO, O FANÁTICO PELO INTERNACIONAL 155 11 – CINEMAS E TIPOS POPULARES 157 12 ‐ TIPOS FOLCLÓRICOS DE BEBEDOURO 159
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13 ‐ TIPOS FOLCLÓRICOS QUE MARCARAM ÉPOCA 1 161 14 – TIPOS FOLCLÓRICOS QUE MARCARAM ÉPOCA 2 163 15 ‐ TIPOS POPULARES E FOLCLÓRICOS: O AVARENTO 165 16 – O CARRO CANTADOR 167 17 – O CURRAL DO “CONCELHO” 169 18 – A VEDETE 171 19 ‐ MODA ANTIGA EM BEBEDOURO 173 20 – GALOS E GALISTAS 175 21 ‐ CARROÇAS E CARROCEIROS 177 22 ‐ JOGO DE BOCHA 179 23 – A GUERRA DOS SORVETES 181 24 ‐ COCHES E COCHEIROS 183 25 ‐ SERENATAS E SERESTEIROS 185 26 – CURANDEIROS: A DESCOBERTA DA PENICILINA!!! 187 27 ‐ A SANTA DE BEBEDOURO 189 28 – ESCOLAS E MESTRES 191 29 – TOURADAS 1 193 30 – TOURADAS 2 195 31 ‐ O EQUILIBRISTA 197 32 ‐ OLARIAS, MARCENARIAS, ETC. 199 33 ‐ A PAINEIRA ASSOMBRADA 201 34 ‐ O MATA FORMIGAS 203 PARTE 3 – CURIOSIDADES 205 1 – ESTRADAS DE FERRO 1 207 2 ‐ ESTRADAS DE FERRO 2 209 3 ‐ UM DESASTRE CONTIDO POR OBRA DO ACASO 211 4 – BONDES 213 5 – INVENTORES 1 215 6 – INVENTORES 2 217 7 – INVENTORES 3 219 8 – INVENTORES 4 221 9 ‐ A LESMA 223 10 ‐ A LIÇÃO 225 11 – A COBRA MAMA? 227 12 – ONDE MATA O BOI, FICA O SANGUE 229 13 ‐ AS ENCHENTES DO RIO PARANÁ 231 14 ‐ NOMES E APELIDOS 1 233 15 ‐ NOMES E APELIDOS 2 235 16 ‐ GALILEU GALILEI 237
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17 – SHERLOCK HOLMES, O DETETIVE 239 18 – PEDRO MALASARTES 241 19 – LAMPIÃO, O REI DO CANGAÇO 243 20 – COLUNA PRESTES 247 21 – GUERRA DOS FARRAPOS 249 22 – REBELIÃO DE CANUDOS 251 23 – A GUERRA DO CONTESTADO 253 24 – ANITA GARIBALDI 255 25 – ANTÔNIO CONSELHEIRO 257 26 ‐ ALIANÇA LIBERAL 259 27 – IMPERADORES ROMANOS 261 28 – O COLISEU 265 29 – ESTARÁ CERTO O NOSSO CALENDÁRIO? 267 PARTE 4 ‐ LENDAS E CRENDICES 269 1 – O BOI AMUADO 271 2 – O CASTRADOR 273 3 – CURUPIRA 275 4 – SACI‐PERERÊ E LOBISOMEM 277 5 – O LOBISOMEM 279 6 – CAIPORA 281 7 – VAMPIRO, SEREIA CABOCLO‐D’ÁGUA E BRUXA 283 PARTE 5 – FÁBULAS 285 1 – MACACO E A ONÇA 287 2 – O QUEIJO 289 3 – O LEÃO, O GATO, O LOBO E A RAPOSA 291 4 ‐ A MORTE 293 PARTE 6 – CRÔNICA 295 1 – A MORTE 297 PARTE 7 ‐ HOMENAGENS PRESTADAS 299 1 – O CANTOR DAS MULTIDÕES 301 2 – ADEUS, CARLOS GALHARDO 303 3 – ADEUS, PRESIDENTE TANCREDO NEVES 305 4 – MAMÃE 307 5 ‐ DIA DAS MÃES 309 6 ‐ ESPAÇO DO LEITOR 311 7 – CORNÉLIO PROCÓPIO, 50 ANOS. SALVE 15 DE FEVEREIRO DE 1988 313
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PARTE 8 ‐ HOMENAGENS RECEBIDAS 315 1 – CONCURSO DE REDAÇÃO SOBRE NATAL 317 2 – ESPAÇO DO LEITOR 319 3 – LUIZ BERGANTINI E SUAS REMINISCÊNCIAS 321 ANEXO 323 FOTOS 323
PARTE 1
CONTOS
FOTO 1 – Máquina de escrever na qual Luiz Bergantini datilografava seus
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escritos
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O REENCONTRO2 2 1989.
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Já há alguns dias aquele homem freqüentava aquela boate. Aparentava uns 45 anos, cabelos grisalhos, olhar triste e nunca sorria. Assim que entrava no enorme salão, sentava‐se à mesa sozinho, num canto, pedia uma bebida e ficava observando os outros que se divertiam, dançando ou bebendo em companhia de lindas mulheres. Recusava sempre companhia. Preferia ficar só, bebericando seu whisky. Naquela noite, logo que se sentou no lugar preferido, pediu a bebida ao garçom e este ao servi‐lo perguntou‐lhe: ‐ Não quer uma garota para fazer‐lhe companhia? ‐ Não obrigado, respondeu‐lhe o homem, gosto de ficar
só. ‐ Desculpe‐me, disse o garçom, mas como sempre o vejo
tão só e aborrecido sugeri alguém para distraí‐lo e o alegrar.
‐ Há muito tempo que vivo sozinho e já me acostumei. E não seria interessante alguém tentar me alegrar ou distrair, acabaria ficando triste e melancólico como eu, portanto não convém repartir com ninguém o meu sentimento.
‐ Mais uma vez, desculpe‐me, tornou a dizer o garçom, e se retirou. Horas mais tarde, quando ele já estava no seu
terceiro ou quarto whisky, uma mulher chegou‐se perto e humildemente pediu‐lhe: ‐ Dá‐me licença de sentar à sua mesa? O garçom disse
que o senhor não queria repartir com ninguém a sua melancolia, mas acontece que comigo o senhor nada teria a repartir porque a minha melancolia talvez seja igual ou maior que a sua. O homem olhou‐a longamente. Aquela mulher de meia
idade, estragada naturalmente pela bebida e orgias do passado, deveria ter sido muito linda quando jovem, pois guardava traços de formosura passada. Notava‐se que deveria ter sofrido pelos percalços da vida. Ao contrário das outras que chegavam sorrindo e fazendo blangue, aquela chegava séria e humilde. Trajava decentemente.
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Sentido um pouco de piedade e também um pouco curioso, o homem disse‐lhe: ‐ Sente‐se. Tome um whisky comigo.
Depois de alguns minutos de silêncio, ela falou: ‐ Noto que o senhor sofre interiormente. Porque não se
desabafa comigo? Eu também sofro. Quem sabe não sofremos do mesmo mal? O homem fez um trejeito de sorriso e disse:
‐ O que sabe sobre sofrimento? Vocês, tal qual mariposas incertas que a cada dia que passa têm um novo amor. Amor que esvai logo que apareça outro na primeira bebida oferecida... A mulher olhou‐o fixamente e respondeu:
‐ Talvez não seja assim. O senhor julga todas as mulheres iguais, mas há exceções, algumas sofrem intimamente embora não o demonstrem, tal como o palhaço de circo que sorri enquanto seu coração chora. Vamos, abre‐se comigo, eu o compreenderei, vamos nos consolar mutuamente. O homem acendeu um cigarro, tomou um gole de bebida,
baixando os olhos, como se dirigisse ao copo, começou: ‐ Casei jovem ainda, mas logo notei que não havia
encontrado a companheira ideal. Devido o gênio impulsivo e violento de minha mulher não havia felicidade no meu lar. Tivemos dois filhos, mas nem estes trouxeram a paz que eu tanto desejava e tentava trazer para meu lar.
‐ Procurava por todos os meios, mas não conseguia. Um dia travei conhecimento com uma moça muito linda, educada e compreensiva. Fizemos amizade e logo passamos a nos amar. Escondi‐lhe que era casado, com receio de perdê‐la. Apaixonamo‐nos e aí fiquei conhecendo a verdadeira felicidade que até então não conhecia. Ela se tornou tudo para mim. Já não podia viver sem ela. Trabalhava como datilógrafa e morava sozinha. Eu a visitava constantemente, dizia‐me solteiro e prometia‐lhe casamento. Até que um dia, ao entrar em seu apartamento encontrei‐o vazio, apenas uma carta a mim endereçada. Com as mãos trêmulas e a respiração ofegante abri a carta e li. “Querido
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Lúcio, somente agora descobri que és casado. Não te culpo por teres escondido de mim esse fato e nem lamento, pois do contrário eu não teria o verdadeiro amor conhecido. Agora que sei toda a verdade, tenho receio que nosso amor venha a ser o causador da destruição do teu lar e eu não suportaria ver‐te sofrer. Quando leres esta, já estarei bem longe. Não me procures porque não me encontrarás. Levo‐o comigo no coração. Adeus, Ângela”. Fiquei quase louco, procurei‐a por toda parte, mas não a encontrei. Ninguém sabia do seu paradeiro. Em todas as viagens que eu fazia, procurava‐a sempre.
Nada. Parece que a terra a havia tragado. Dali a dois anos fiquei viúvo e com dois filhos
pequenos. Eu precisava de uma companheira, meus filhos precisavam de uma mãe. Ah se encontrasse Ângela, poderia casar‐me com ela. Ninguém melhor do que ela, com aquela ternura e meiguice para cobrir a lacuna que existia em meu lar, mas por mais que a procurasse nunca a encontrei.
O homem fez uma pausa, tomou outro gole, olhou de solaio para a mulher e notando que ela o ouvia atentamente, continuou; ‐ Hoje, passado 20 anos, meus filhos já casados, vivo
só, com angústia e saudade no coração, daquela que por um ano me fez o mais feliz dos homens, deixando‐me depois na mais negra solidão, tendo por companhia apenas a saudade.
‐ Nunca mais teve notícias dela? Perguntou a mulher. ‐ Nunca, respondeu o homem, talvez tenha casado ou quem
sabe, já não pertença mais a este mundo. Mas, de qualquer forma eu jamais a esquecerei. O homem enfiou a mão no bolso e depois de rebuscar na
carteira, tirou da mesma uma pequena fotografia já amarelecida pelo tempo, entregou‐a a mulher e disse: ‐ Olhe a fotografia que me deu um dia, note como era
linda. Enquanto ela olhava, era observada por ele.
‐ Sim, disse a mulher, a sua Ângela era muito bonita. ‐ Leia a dedicatória no verso, disse ele.
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A mulher, sem virar a fotografia, como se a dedicatória estivesse escrita no anverso, leu: ‐ “Querido, não que para recorda‐me precisas ver‐me, mas sim para quando recordar‐me, possas ver‐me”. O homem, entre atônico e assombrado, gritou: ‐ Mas como? Como você sabia o que estava escrito nas
costas dessa fotografia? Você leu a dedicatória sem, saber! A mulher não respondeu. Grossas lágrimas rolavam pelo
seu rosto. ‐ Ângela! Você é Ângela, disse com voz embargada o
homem. Enquanto a abraçava e beijava sofregamente, falou:
‐ Sim, respondeu ela, sou Ângela, veja no que me transformei. Queria te poupar esse desgosto Lúcio, mas não resisti e acabei me traindo. Eu te reconheci logo que entrou. Quando te deixei há 20 anos, fui bem longe esquecê‐lo, mas não consegui. Não sabia que você havia enviuvado e transformei‐me nesta mudança que não o merece mais.
‐ Ângela, querida, estou esperando‐a há tanto tempo, por favor não me deixe outra vez. Quero‐a com há 20 anos passados. Com os olhos marejados a mulher disse:
‐ Mas Lúcio, não vê minha condição? Eu sou uma mundana, mulher de sarjeta. Eu o envergonharia pelo passado.
‐ Não querida, só vejo em você a minha amada Ângela. Esqueçamos o passado. Venha, agora podemos proclamar aos quatros ventos o nosso amor. Deixando na mesa o dinheiro da bebida e uma gorjeta,
o homem todo contente e feliz disse: ‐ Vamos querida, vamos construir nosso lar, o nosso
ninho. Abraçados se dirigiram para a saída, enquanto eram
observados pelo mesmo garçom e por outras mulheres. O garçom comentou: ‐ Vejam, o que vocês com tanta formosura e juventude
não conseguiram, ela conseguiu. ‐ É assim mesmo, comentou uma das moças, ninguém
entende os homens.
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O PROMOTOR3 Quando eu voltava do meu trabalho, naquela tarde
fria e chuvosa, contrariando o meu costume, entrei no primeiro bar que encontrei, pois esperava que tomando algum gole, este me ajudasse a enfrentar aquele frio penetrante e terrível.
Enquanto aguardava a bebida, sentado à mesa, abri o jornal para uma vista d’olhos, deparando logo na primeira página, com o enorme cabeçalho da notícia do sensacional júri que se realizaria dali a alguns dias. Uma mulher riquíssima ia ser julgada, acusada de ter assassinado o esposo, e pelas provas escolhidas, tudo indicava que ela não escaparia da pena capital, apesar de ter contratado os melhores advogados de defesa do País.
‐ Oxalá ela seja absolvida, disse uma voz por cima do meu ombro.
Virando‐me rapidamente, pois aquela voz havia me assustado, deparei com um homem, ou melhor, com que restava de um homem, pois o indivíduo que eu tinha pela frente não passava de um ébrio, estragado e corroído 3 1989.
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pela bebida, roupa em farrapos, barba por fazer e o hálito peculiar dos ébrios sem cura.
Não respondi e voltei à leitura, na qual ele acompanhava. Ele tornou a interpelar‐me.
‐ O que diz o senhor? Que partido tomaria nesse júri?
Para satisfazê‐lo, resolvi responder: eu tomava o partido da lei, que sempre defende a sociedade; se a justiça prova que o réu é culpado, estou com ela, condeno.
‐ E se ela estivesse enganada? O senhor também estaria. Nesse caso não lhe pesaria a consciência por ter ajudado a condenar uma inocente?
‐ O senhor não sabe que não havendo provas concretas, a justiça pode condenar com provas circunstanciais?
Aquele ébrio, parece que falava com conhecimento de causa. Respondi‐lhe já meio irritado. Mas, afinal o que o senhor tem contra a lei? Por acaso já foi por ela condenado, sem merecer?
Ele ficou bastante triste e respondeu‐me. ‐ Não meu amigo, nunca fui acusado e nem condenado
de nada. Apesar de o merecer, mas como sempre nem os verdadeiros culpados sentam‐se na cadeira do réu, aqui estou livre e impune.
Já bastante interessado e também com alguma pena daquele indivíduo, pois ele parecia sofrer interiormente, disse‐lhe: o que aconteceu com o senhor? Conte‐me a sua história. Talvez eu o compreenda.
Ele olhou‐me melancolicamente, fez uma pausa e começou a falar:
‐ Há muitos anos atrás, houve um grande julgamento, com tão grande repercussão como esse que se realizará nos próximos dias. Ia ser julgado um operário, acusado de assassinato para roubar uma pessoa muito estimada e de grande destaque na sociedade. Aquele júri atraiu jornalistas e repórteres de todo país. O povo aguardava ansiosamente o dia do julgamento. A expectativa era enorme. Ia representar a promotoria pública, o melhor e mais arguto Promotor que a história
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já conheceu. Todos os advogados de defesa o temiam, porque dificilmente levavam a melhor quando o enfrentavam no tribunal. Já havia mandado muitos réus para a cadeira elétrica. Chegou o tão esperado dia. A sala do tribunal estava repleta. Depois de ouvir o réu, que negou o crime, falaram as testemunhas que não convenceram muito sobre o crime atribuído ao operário.
Começou a falar o promotor e com a sua bela e convincente oratória, prosseguiu por muito tempo, convencendo até as pedras que o réu era culpado e tinha que ser condenado à pena capital. Pouco ou quase nada conseguiu a defesa fazer para negar ou atenuar a culpa do operário. Houve réplica e tréplica. Era nítida a vitória do promotor. Num dos intervalos do julgamento, para lanches de seus componentes, uma senhora pobre, de meia idade, trazendo pela mão duas crianças mal trajadas, se achegou ao promotor e com lágrimas nos olhos suplicou‐lhe:
‐ Doutor, tenha compaixão de meu marido e de nós. Ele não matou ninguém, sempre foi trabalhador e honesto. Nós precisamos dele! Quem cuidará de mim e destas crianças se ele nos faltar?
‐ Minha senhora, respondeu‐lhe altivo o promotor, eu represento a lei e defendo a sociedade. O veredicto dirá se seu marido é inocente ou culpado.
Virou‐lhe as costas e saiu deixando aquela pobre mulher chorando. Aquele promotor tinha o coração fechado.
Prosseguiu a sessão e horas mais tarde, reuniram‐se os jurados em sala secreta para decidirem sobre a sorte do réu.
O silêncio era completo quando o Exmo. Presidente do Tribunal, baseado no veredicto dos jurados, deu a sentença:
‐ Culpado, Condeno a Morrer na Cadeira Elétrica. O promotor todo ufano, foi cumprimentado, ele
havia mais uma vez ganho a causa, mandando para a morte mais um réu. Estava todo feliz por ter cumprido a sua tarefa. Havia defendido a sociedade, considerava‐se quase um herói.
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O operário foi executado. O homem que me falava, fez breve pausa e quando
prosseguiu, o fez com voz embargada: ‐ Passado algum tempo, o verdadeiro culpado foi
preso e confessou o crime. A justiça havia executado um inocente.
O homem parou de falar, enquanto seus olhos choravam.
Eu o interpelei, mas, amigo, isso pode acontecer, a justiça pode errar, na verdade deve ser lamentado. Mas, afinal aquele pobre inocente que foi executado era seu parente?
‐ Não, não era meu parente, respondeu o ébrio. ‐ Mas então, disse eu, porque esse caso o deprimiu e
abateu tanto assim? ‐ Porque ... porque, respondeu o homem, que agora já
não chorava, mas tinha voz irada cheia de ódio, aquele perverso e desalmado promotor que tinha o capricho e prazer em condenar, sem se convencer da culpa do réu, aquele promotor, ERA EU.
Olhou‐me profundamente nos olhos e como eu nada respondesse, virou‐se, tomou direção da porta e saiu para noite escura e fria.
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O DIÁLOGO
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Na calada da noite, no depósito daquele terminal de estrada de ferro, duas locomotivas, paralelas uma à outra, aguardavam o amanhecer para enfrentar mais um dia de árduo trabalho.
Uma delas, elétrica, moderna e veloz, usada para tracionar trens à grande distância, impecavelmente limpa e luzidia, estava silenciosa, enquanto a outra, uma velha locomotiva a vapor, tipo "Maria Fumaça", usada para manobras, toda suja de óleo e enegrecida pela sua própria fumaça, resfolegava e chiava soltando uma fumacinha bastante ardida e incômoda, contrastava com a sua companheira de trabalho.
‐ Mas, que diabo! Você não pode dormir sem esse chiado e essa fumaça que me incomoda tanto? ‐ Amanhã, tenho o Trem Expresso para levar a Capital trazendo na volta o Rápido de Luxo, portanto, preciso descansar. Veja se fica calada ou retire‐se para longe de mim, disse a elétrica.
Muito humilde, responde a Maria Fumaça: ‐ Não tenho culpa, minha colega, encostaram‐me
aqui. ‐ Colega não, retrucou a outra. ‐ Não vê a
distância, conforto, enquanto você, barulhenta, fica andando a toa pela esplanada nada produzindo e, além disso, sujando tudo com essa fumaça negra e imunda. Eu sou moderna e rápida; você, antiga e lerda, é coisa do passado, já está superada. Você já devia estar no museu, portanto, suma daqui, pois sua presença me faz mal.
‐ Sim, responde a Maria Fumaça. ‐ Eu devia estar no museu, já aposentada mas você se esquece que eu cheguei primeiro, quando você nem embrião era ainda eu já estava trabalhando, abrindo o sertão. Graças a mim, muitos lugarejos se transformaram em importantes cidades, eu levei o progresso ao interior, preparei o leito para você, e tem mais; eu carrego a minha
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alimentação, água e lenha, em meu próprio bojo enquanto você depende desse fio, tal como cordão umbilical, que a acompanha por todo percurso. Lembra‐se do dia que faltou energia elétrica e eu precisei rebocar a você e ao seu trem da próxima estação até aqui? Lembra‐se que para termos o moderno hoje, muito lutaram os antigos. Eu represento o passado e você o presente, mas um dia você também será o passado e aí nos encontramos no museu, onde lá estarei esperando‐a.
Nesse momento, com o seu maquinista foguetista à postos, já com a fornalha incandescente, a pressão no ponto e pronta para sair; soltando um silvo estridente e um lufada de fumaça, que escureceu toda a outra, ela partiu, não sem antes arrematar:
‐ Fique aí com seu orgulho e soberania esperando que venham ligar seu cordão umbilical.
E feliz, bufando e com as rodas rangendo nos trilhos, foi cumprir mais uma jornada de trabalho.
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O SUBSTITUTO4 4 Setembro de 1985.
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Eu, pouco conhecia o interior. Criado e educado na capital, onde trabalhava, raramente viajava para outras cidades e se o fazia era sempre para rápidos negócios, voltando imediatamente, sem ter tempo de tomar conhecimento da vida interiorana.
Estava saturado daquela vida de cidade grande, onde não se tem o prazer de descortinar uma paisagem natural, pouco ou quase nada representa o luar, e o belo pôr do sol é desconhecido.
Aproveitando as férias daquele ano, aprontei as malas e parti para longe. Pretendia conhecer cidades longínquas, onde não conhecia ninguém e nem era conhecido. Queria sentir a vida simples do interior em mim.
Depois de visitar várias cidades pequenas, onde me senti bem respirando o ar puro do campo e apreciando as belas paisagens, rumei para minha última parada, pois as férias se aproximavam do fim. Escolhi para minha última visita, uma cidadezinha antiga e distante, da qual pouco se falava, tão pouca era sua importância comercial, industrial ou geográfica.
Logo que desci do trem, procurei me informar qual o melhor hotel da cidade. O meu informante, um homem de meia idade, ficou pasmado e assustado quando me encarou e foi com a voz trêmula que falou:
‐ Mas... você não é o Carlos? Não, respondi, eu me chamo Alberto, moro em São Paulo e estou em férias. Então me pareço com esse tal de Carlos?
‐ Sim, se parece muito, até na voz. A seguir, indicou‐me um hotel da cidade, que por
sinal era o único e ficava perto da estação. A caminho do hotel, parei no primeiro bar a fim de
comprar cigarros e logo que entrei, antes de fazer o pedido, o proprietário atônito, gritou:
‐ Carlos!!! Você aqui? Mas então é mentira que você...
Respondi‐lhe, não meu amigo, não sou o Carlos, chamo‐me Alberto. O senhor é a segunda pessoa que me confunde com o Carlos.
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‐ Mas você não é mesmo o Carlos? Mas, que semelhança, custa a acreditar.
O homem serviu‐me os cigarros ainda incrédulo. Paguei, recebi o troco e segui para o hotel. Lá chegando, antes que tivesse tempo de identificar‐me, o porteiro ao ver‐me ficou bastante pálido e trêmulo, quase não conseguia falar, e quando o fez, foi com os olhos arregalados:
‐ Meu Deus!!! Carlos, você voltou? Acalme‐se amigo, não sou o Carlos, chamo‐me
Alberto, eis aqui minha identidade. Pretendo um quarto. Ele, agora já mais calmo, anotou meu nome no livro
e acompanhou‐me ao quarto. Perguntei‐lhe: ‐ Quem é esse Carlos que tanto se parece comigo e todos ficam assombrados quando me vêem? Por acaso ele é algum bandido?
‐ Não o Carlos era um distinto rapaz, de boa família e muito estimado.
O senhor disse era? Por quê? Ele já morreu? ‐ Sim, aliás, não sei, faz muito tempo que ele foi
embora e nunca mais voltou. Não quis dizer mais nada e deixou‐me sozinho no
quarto. Como eu estava cansado da viagem, deitei‐me para
repousar até à tarde quando então tomaria um banho e sairia para conhecer a cidade.
Horas mais tarde, bateram à porta. Era o porteiro. Anunciava que havia duas pessoas pedindo para falar‐me e se as poderia receber em meu quarto.
Perguntei: ‐ Quem são e o que querem? Respondeu‐me o porteiro: ‐ São daqui da cidade. Trata‐se de uma senhora e
seu filho e estão ansiosos para falar com o senhor. ‐ Sim, concordei, podem subir. Corri às pressas ao
banheiro para lavar o rosto e passar um pente no cabelo. Estranhei aquilo, pois, tinha certeza de não conhecer ninguém dali.
Enquanto vestia o paletó, ouvi baterem à porta. Ao abri‐la, deparei com uma senhora já um tanto idosa e um rapaz aparentando uns 25 anos. Naquele breve intervalo,
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enquanto eu os observava, era também observado por eles e notei que causava admiração a ambos.
Olhavam‐me fixamente e boquiabertos. Convidei‐os a entrar e ofereci‐lhes cadeiras. Foi a senhora que quebrou o silêncio.
‐ Chamo‐me Júlia e este é meu filho Sérgio. Moramos nesta cidade há muitos anos e como o senhor sabe, nas pequenas cidades as notícias se espalham rapidamente. Assim que soubemos de sua chegada aqui, ficamos ansiosos por conhecê‐lo, então tomamos a liberdade de vir importuná‐lo.
‐ Absolutamente, minha senhora, respondi‐lhe, chamo‐me Alberto e moro em São Paulo. Desde que cheguei à esta cidade estão me confundindo com outra pessoa. Seria também por essa razão que me procuram?
‐ Sim, disse‐me ela. Queríamos, eu e meu filho convencer‐nos do que nos disseram, e de fato vejo que é verdade. O senhor se parece bastante com uma pessoa que nos foi muito querida, mas já não vive.
‐ Sim, ajuntou o rapaz, o senhor é o retrato vivo do primo Carlos.
‐ Bem... tornou a falar a senhora. Eu, meu filho e outros parentes, pensamos e traçamos um plano um tanto dramático e do qual o senhor seria o principal protagonista, porém tenho receio de pedir‐lhe para representar tão arrojado papel.
Eu havia logo de início simpatizado com aquela senhora e seu filho, notava que ela me pedia com o coração alguma coisa, tal a ansiedade que demonstrava.
‐ Minha senhora, disse‐lhe, sempre gostei de servir meus semelhantes. Se estiver ao meu alcance, a atenderei com prazer. Exponha o seu problema.
Ela olhou‐me profundamente e com bastante emoção na voz falou:
‐ Desde que minha irmã mais velha enviuvou, isto há muitos anos, veio morar conosco trazendo seu único filho, ainda criança que era o Carlos. Ele se fez homem e era orgulho da mãe. Ela vivia apenas para o filho. Nós também o queríamos muito, pois o rapaz era bom e distinto. Quando o Brasil, por força das circunstâncias,
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foi obrigado a participar da segunda grande guerra mundial, o Carlos foi um dos primeiros a seguir para a Europa com a força Expedicionária Brasileira. Passamos um ano apreensivos, aguardando sua volta. A mãe vivia a chorar e a rezar pelo filho distante. Adoeceu e nunca mais se levantou do leito. Quando terminou o conflito mundial, ao invés de recebermos o nosso Carlos de volta, recebemos o aviso de que ele havia morrido numa das últimas batalhas que antecederam o fim da guerra. Não tivemos coragem de participar à mãe a morte do filho, tal o estado de saúde que se encontrava e um aviso dessa natureza poderia ser fatal. Estamos escondendo o fato até hoje. Ela está muito mal, só fala no filho, esperando que ele volte a qualquer momento. Não quer morrer sem ver e abraçar seu filho pela última vez. ‐ Por isso, meu senhor, sendo tão parecido com o finado Carlos, peço‐lhe e suplico‐lhe para substituir aquele filho que nunca mais há de voltar.
Aquela narrativa me comoveu bastante. Pensei um pouco e respondi: ‐ Mas, minha senhora, não lhe parece monstruoso fazermos uma farsa dessas? Enganar uma pobre mãe que espera o filho ausente apresentando‐lhe um impostor? É uma mentira cruel, pois ela poderia me reconhecer e daí...
‐ Meu filho, permita que lhe trate assim, tornou a falar a senhora. Há mais virtude numa mentira sublime do que n’alguma verdade dura, e quanto ao caso dela o reconhecer, não tenha receio, pois sua semelhança com o Carlos é impressionante, e além disso ela também já pouco enxerga e ouve mal.
Enquanto eu pensava para responder, notava angústia nos olhos de ambos.
‐ Pois bem, disse‐lhes, estou de acordo, substituirei o Carlos. Seus rostos se iluminaram e quase em uníssono disseram: ‐ Deus lhe pagará. Vamos para nossa casa e durante o trajeto lhe daremos os detalhes, disse‐me o rapaz. Aprontei minhas malas e os segui.
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Lá chegando, fui anunciando como sendo o Carlos que havia voltado. Todos da casa, menos a mãe do Carlos, já sabiam da farsa que eu ia representar, mas como eles também participavam do drama, aprontaram grande alvoroço, tal como se de fato fosse o Carlos que havia chegado. Logo ouvi uma voz débil que do quarto me chamava:
‐ Carlos, meu filho, estou aqui. Corri para lá e deparei com uma senhora já
bastante idosa que jazia no leito. Com rápido olhar percebi que aquela pobre mulher pouco tempo teria de vida ainda.
‐ Mamãe, gritei, e corri abraçá‐la. Enlaçando‐me o pescoço com as poucas forças que lhe restavam e beijando‐me no rosto, chorando ela disse‐me filho querido, eu sabia que você voltaria.
Beijei‐a também. Ficamos abraçados por longo tempo. Quanta ternura havia naquele abraço dela. Sentia‐me como se estivesse sendo abraçado por minha verdadeira mãe. Sim, eu que não tinha tido a felicidade de sentir o carinho dela pois morrera quando eu nasci, estava agora ali sentindo o calor do amor de mãe. Eu não estava mais representando a farsa, estava vivendo o verdadeiro drama da mãe e filho que se encontram depois de longa ausência, eu estava roubando o lugar do Carlos, talvez estivesse pecando, mas a verdade é que me sentia feliz. Eu via naquela pobre mulher, a minha verdadeira mãe, e retribuía o amor de mãe com o amor de filho.
Poucos dias depois ela faleceu. Havia felicidade em seus olhos, quando me abraçou pela ultima vez. ‐ "OBRIGADO, MEU FILHO" foram suas últimas palavras.
Chorei, sim, chorei, que ingrato aquele destino que havia me dado uma segunda mãe por tão poucos dias. Eu a havia enganado, substituindo seu verdadeiro filho, mas ela, inconscientemente, também, havia substituído a minha verdadeira mãe. Então que me perdoem, sim, que me perdoem, por eu ter pretendido, por ter tido a ventura de sentir pelo menos por uns dias o mais puro e sagrado de todo os amores, o amor de mãe.
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VINGANÇA5 Há algum tempo que aquele camponês vinha
desconfiado da fidelidade de sua companheira, a Rosinha. Ultimamente, ela já não era mais a mesma. Tratava‐
o com indiferença e menosprezava seus carinhos. E ele que a amava tanto...
Certa tarde, no crepúsculo, quando voltava do trabalho, não a encontrando em casa, foi procurá‐la. Ele a viu saindo do mato que margeava o rio. Ao ser interpelada, alegou que havia ido buscar algumas varas para consertar o galinheiro, mas como não as encontrara, estava de mãos vazias. Ele fingiu acreditar, mas dali em diante, discretamente, passou a vigiá‐la e sondá‐la. Quem seria o "outro"? Juntara‐se a ela anos antes, prometendo‐lhe amor, tendo recebido a mesma promessa. Então por que teria ela mudado?
Passados algumas dias, ficou revoltado ao notar a troca de olhares amorosos entre ela e o Anacleto, seu melhor amigo. Não deu demonstração e continuou sondando. Numa tarde, no escurecer, quase os apanhou em flagrante, pois viu a Rosinha saindo do mesmo mato e do outro lado, logo após, também o Anacleto. Escondeu‐se para não ser 5 03/08/1993.
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visto. Bem cedo, no outro dia, adentrou o mato e como bom mateiro, descobriu onde eles faziam encontros de amor. Num lugar de mato fechado e bastante espesso, perto do rio, encontrou sinais onde houvera troca de amor. Não teve dúvidas que era ali mesmo o "ninho" deles.
Enraivecido e cheio de ódio, pensou na vingança. Lavaria sua honra com sangue. Mataria os dois. E
planejou a vingança. Certo dia, disse à Rosinha que lhe fizesse um lanche, pois iria caçar longe e só voltaria tarde da noite. Apanhou sua espingarda e cartuchos com chumbo grosso, próprios para caça graúda. Pegou a matula. Despediu‐se da mulher e partiu.
Quando entardecia, disfarçadamente, voltou e embrenhou‐se no mato, onde os dois se encontrariam. Sabia que os encontros eram no escurecer e de antemão, já havia achado um lugar apropriado para se esconder e na distância boa, para um tiro. Carregou a espingarda, carga dupla. Escondeu‐se muito bem e, pacientemente, esperou. Evitou até de acender seu cigarro de palha, pois a fumaça espantaria a caça. Passada quase uma hora, ele ouviu leve rumor de passos e logo mais, eis que chega, pressurosa, a Rosinha. Dali a minutos, por outro trilho, chega também o Anacleto. Mal se viram e já se atiraram uns nos braços do outro. Então era ele mesmo! Sentiu seu coração apertar‐lhe o peito e o ódio a lhe remoer as entranhas. Teve vontade de abatê‐los ali mesmo. Mas não, pois planejara diferente. Esperaria os dois se entrelaçarem e na hora do ato, com um só tiro, abateria a ambos.
Ficaria mais evidenciada a traição. Seu ódio aumentou quando viu beijos apaixonados. Será que se amavam? Pelo visto, tudo estava claro. Lembrava‐se que certa vez abatera um casal de pombos no momento que trocaram juras. Ficara com um pouco de remorso depois, mas agora o caso era outro. Sua honra estava manchada e tinha que ser lavada com sangue. Não poderiam ser perdoados.
Esperou o momento oportuno e quando isso aconteceu, levou a espingarda ao rosto e mirou e quando
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ia acionar o gatilho, ouviu ligeiro rumor acima dos dois. Levantando o olhar, viu una enorme sucuri, que parcialmente escondia entre a ramagem, prestes a dar o bote. Não teve dúvidas que aquela sucuri já estava ali, esperando pelos dois, que, cegos de amor, não a notaram e pelo tamanho dela, apanharia ambos num só bote.
Um turbilhão de pensamentos varreu‐lhe o cérebro. Por que iria ele sujar suas mãos de sangue, quando
a sucuri faria o serviço por ele? Sabia que depois dela dar o bote, enrondilha‐se na caça, matando‐a por asfixia, quebrando os ossos das vitimas.
E os dois, entrelaçados, trocando beijos, com a morte tão perto, nada percebiam. Como era forte o amor...
Nesse momento, entre o pasmo e revoltado, não se conteve. Apontou, mirou, acionou o gatilho. O troar do tiro, reboou pelo mato adentro, fazendo calar os que cantavam ainda.
Anacleto e Rosinha quase desmaiaram de susto ao ouvirem o forte estampido. Com a queda da sucuri sobre eles. Porém, morta com a cabeça esfacelada pelo certeiro tiro.
Tão assustados estavam que nem viram de onde viera o tiro salvador. O autor do disparo, aproveitando a confusão, saiu sem ser notado. Foi embora e nunca mais voltou.
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AS TRÊS MOEDAS
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Dia de finados. Aquele ancião acompanhado dos
netos perambulava pelo cemitério. Em dado momento, ao passarem de fronte a um velho túmulo, o ancião quedou‐se. Olhando a fotografia da falecida esposa no túmulo, ficou pasmo e absorto. Por mais que seus netos o chamassem, parecia não ouvir, tão alheio estava.
Ao ser tocado por um deles, ele voltou a si, porém estava com os olhos úmidos. Ao ser interrogado se estava bem, respondeu:
− Sim, meus queridos, estou bem. É que essa foto transportou‐me lembrar de um caso que me aconteceu há mais de meio século.
− Como assim vovô? Perguntou‐lhe um dos netos. De que o senhor se lembrou? Conte‐nos isso.
− Pois bem, disse o avô, quando chegarmos em casa lhes contarei a história.
Naquela tarde, após o jantar, os netos o cobraram. − Então vou contar talvez vocês duvidarão, mas
podem estar certos da verdade, pois esse caso aconteceu comigo.
− Eu era viajante vendedor. Com meu fordinho 28 adentrava o sertão onde quer que existisse uma vila ou patrimônio, pois ganhava comissão nas vendas. Certo dia, fui informado que estava se formando uma nova vila num rinchão longínquo, a qual prometia muito progresso. Logo de manhã abasteci meu fordinho e rumei para lá depois de me informar da estrada. Esta era péssima, mas com cuidado eu ia avançando, pois devia angariar novos fregueses.
Quando já estava próximo a vila, dei com uma porteira, embora tivesse um mata‐burro ao lado, mas este estava quebrado. No momento que me dispunha a descer do carro para abrir a porteira, eis que surge como por encanto uma menininha loira e sorridente de uns oito ou nove anos, muito bonitinha que prontamente me abriu a porteira. Passei, agradeci e atirei‐lhe uma moeda. Ela me retribuiu com um cândido sorriso. Dali uns dias na
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minha volta, antes que parasse o carro lá estava ela abrindo‐me a porteira e sempre sorridente. Dei‐lhe outra moeda.
Passado quase um mês voltando novamente à vila, mais uma vez ela veio me abrir a porteira.
Perguntei‐lhe: Como te chamas? E onde moras? − Marina, respondeu‐me a guria, e moro ali,
indicando‐me uma casinha não muito longe da estrada. Agradecendo, atirei‐lhe outra moeda. Ela sorriu,
como de costume. Naquela noite, no hotelzinho onde eu me hospedava,
em conversa com outro colega de profissão, comentei sobre aquela porteira, onde, por sorte sempre havia uma guria para abri‐la.
− Pois, eu sempre passo lá e nunca ninguém me abriu a porteira, respondeu‐me o colega.
− Talvez eu tenha mais sorte que você, retruquei. Dali uns dias, na minha volta, ao me aproximar do
local, não vi a menina. Aguardei uns trinta segundos e como ela não aparecesse, desci do carro, abri a porteira e passei. Ao voltar para fechá‐la, olhei em volta, e nada. Fiquei encabulado. Quem sabe, ela não estaria doente? Não sei o porquê, mas instintivamente passei a mão em cima do mourão e lá estava as três moedas. Com o pensamento martelando‐me o cérebro, encostei o carro na beira da estrada e me dirigi a pé em direção a casa, onde me disse que morava.
Lá chegando, fui recebido por um casal de meia idade, o qual, à primeira vista, notei que não eram muito alegres.
− Onde está a Marina? Perguntei. − A Marina? Respondeu‐me a mulher, onde o senhor a
conheceu? − Ora, respondi, por três vezes ela me abriu
aquela porteira, já que o mata‐burro está quebrado. − A porteira? Interveio o homem, não pode ser. Não
acredito. O senhor deve estar sonhando. A vista disso eu já meio irritado, respondi:
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− Olhem, a prova está aqui. Cada vez que ela me abriu a porteira, eu dei‐lhe uma destas moedas. E exibi as três moedas.
O casal começou a chorar e dado o meu espanto, entre soluços a mulher falou:
− A nossa filha Marina morreu faz dois anos, por isso não podemos acreditar na sua história.
Fiquei pálido e quase perdi a fala, mas ainda consegui argumentar:
‐ Mas, minha senhora, como poderia eu saber o nome de sua filha e onde sua filha morava se não tivesse conversado com ela?
Ficamos os três em silêncio, até que enfim eu perguntei:
‐ Poderia me informar onde foi sepultada sua filha?
‐ Sim, respondeu o pai. Ela está sepultada no cemitério da próxima vila, que o senhor vai encontrar na sua volta. Mandamos fazer um túmulo simples porque não somos ricos. Lá está a fotografia dela.
Deixando as três moedas em cima da mesa, despedi‐me e segui viagem, notando claramente que eles não haviam acreditado em mim.
Eu também tinha minhas dúvidas a respeito deles. Ao passar pela próxima vila, fui direto ao
cemitério, onde não foi difícil localizar o túmulo que haviam me indicado.
Com o coração angustiado olhei a fotografia exposta no frontal do túmulo, e senti meu coração disparar e as lágrimas subirem‐me aos olhos, pois lá estava ela tal como a vira na porteira, lourinha e sorridente. Lendo a inscrição, notei que seus pais não mentiram, pois ela havia falecido dois anos atrás.
Acendi uma vela e rezei uma prece para sua alma. O velho, terminando sua narrativa, timidamente
olhou para os netos esperando deles a opinião, "o veredicto".
Um deles, boquiaberto, perguntou: ‐ Nunca mais o senhor voltou àquelas paragens,
vovô?
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‐ Sim, passados dois anos voltei lá, mas não havia mais a porteira e nem o mata‐burro, e seus pais haviam se mudado para um lugar incerto, de acordo com informações que colhi.
O outro neto, perguntou: ‐ E que conclusão o senhor tirou deste caso vovô? Como vocês sabem, ninguém conhece o outro lado da
vida, talvez ela estivesse precisando de uma prece e teria usado esse estratagema, e caso afirmativo, ela conseguiu seu intento.
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PAPAI NOEL6
Era noite, véspera de Natal. As ruas estavam apinhadas de gente que se divertia ou fazia suas compras para comemorar o grande dia que se aproximava, Dia de Natal.
As lojas, bazares e empórios, com farta iluminação a cores e ostentando belas árvores de Natal, faziam boas férias. A venda era intensa.
Numa grande e abastada loja de brinquedos, havia muito movimento. Todos procuravam comprar os presentes
6 21/12/1978.
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para seus filhos, que sempre contavam com a vinda do bom velhinho, ‐ o Papai Noel.
Um homem aproximou‐se do dono da loja, usando roupas simples e baratas, porém limpas, e muito acanhado e humilde pediu para falar‐lhe em particular. O dono da loja o atendeu.
‐ Meu senhor, disse‐lhe o homem, sou operário, tenho mulher e dois filhos, pretendia comprar uns brinquedinhos para eles, porém, devido a uma enfermidade, gastei minhas economias e estou sem dinheiro. Se o senhor me atender, prometo pagar‐lhe assim que puder.
O proprietário da loja negou‐se a fiar alegando que seu estabelecimento só vendia a dinheiro. Debalde foi a imploração do operário. O dono da loja recusou e mandou que se retirasse, pois não havia tempo para perder com vagabundo.
Muito triste retirou‐se o operário, mas ao sair, pensando que não estava sendo observado, lançou mão de dois pequenos brinquedos escondendo‐os por baixo da camisa. Imediatamente um dos empregados que o observava deu o alarme e juntamente com outros o prenderam, despojando‐o dos brinquedos. O proprietário chamou um policial a quem disse: ‐ leve este ladrão para a cadeia e aplique‐lhe o corretivo que merece.
O operário, humilde e envergonhado acompanhou o policial e uma vez na delegacia, o policial expôs o caso ao delegado de polícia que ainda lá se encontrava.
Aquele delegado, havia muitos anos que exercia o cargo era bastante considerado pelas suas aptidões e atitudes enérgicas. Graças a ele, a cidade vivia ordeira e calma. Embora seu olhar fosse bastante penetrante, não havia ódio nele, mas sua voz era firme, ríspida e autoritária. Era temido pelos delinqüentes. Raramente sorria e era perito em passar sermão.
Dirigindo‐se ao operário preso, perguntou‐lhe: ‐ Por que você roubou? Não sabe que roubar é crime?
‐ Doutor..., respondeu o operário, tenho dois filhos que representa tudo para mim na vida. Esta noite, todas as crianças receberão presentes de seus pais, e eu
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também pretendia presentear meus filhos. Amanhã, todas as crianças terão seus brinquedos, enquanto que as minhas não terão. Que direi a eles amanhã quando me perguntarem por que Papai Noel não se lembrou deles? Por esse motivo, e não tendo dinheiro, tentei pela primeira vez na vida, o roubo.
Com voz vibrante que fazia estremecer as paredes, o delegado disse‐lhe: ‐ nunca há justificativa para o roubo, não o prendo por ser a primeira vez que o faz, mas se incorrer outra vez nessa falta, o castigarei sem piedade.
‐ Obrigado Doutor, respondeu‐lhe quase chorando o operário, ‐ prometo nunca mais praticar esse ato.
Ainda com voz vibrante disse o delegado: ‐ Assim espero. Preste todas as informações que meu ajudante lhe ordenar e depois vá para sua casa.
Em seguida, depois de um breve e particular diálogo com seu ajudante, que o operário não ouviu, o delegado retirou‐se.
Depois de cumpridas as formalidades ordenadas pelo delegado, o pobre operário, muito triste e cabisbaixo foi para sua casa.
Quando passava pelos bazares e lojas, sentiu outra vez as lágrimas virem‐lhe ao rosto. Que infeliz era ele, via tantos brinquedos e não podia comprar nenhum. Já havia tentado todos os meios, pediu um adiantamento aos patrões e não conseguira, os amigos e colegas também não puderam ou não quiseram atendê‐lo... Estava desolado.
Quando chegou em casa, seus filhos já dormiam, e qual não foi a sua amargura ao deparar com os sapatinhos já bastante usados, porém bem limpinhos, que eles haviam colocado ao lado da cabeceira de suas camas, para na sua santa inocência, esperarem a visita do Papai Noel. Chorando, contou tudo à esposa. Ela, como compreensiva que era, consolou‐o, dizendo que dariam uma desculpa aos filhos e eles esqueceriam. Mas ele não se conformava. O que pensaria seus filhos no dia seguinte ao verem as crianças vizinhas brincando com seus presentes, ao passo que elas não haviam ganho nada? Por que Papai Noel o havia esquecido?
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Não conseguia conciliar o sono e já passa bastante da meia‐Noite quando ouviu um carro parar próximo a sua modesta casa. Não deu maior importância, porém teve um sobressalto quando alguém bateu à sua porta.
‐ Quem é?..., perguntou. Do outro lado uma voz respondeu: ‐ Abra, é um amigo...
Abriu a porta e qual não foi o seu espanto ao deparar com a tradicional e conhecida figura do Papai Noel, na sua peculiar roupa e barrete vermelho, longas e espessa barbas brancas que lhe cobria quase todo o rosto e um sorriso nos lábios. Trazia nas mãos dois enormes embrulhos.
‐ Onde é o quarto de seus filhos?... Perguntou o visitante.
‐ Mas... mas..., gaguejou o operário, o senhor deve estar enganado, eu não comprei e nem encomendei nada. O senhor deve ter se enganado quanto ao endereço.
‐ Não, disse o visitante com voz suave e branda. Não estou enganado, é aqui mesmo. Guie‐me ao quarto de seus filhos...
Quase feito um autômato, o operário indicou‐lhe o quarto que ficava anexo ao seu, e acompanhou o Papai Noel que para lá se dirigiu... Da porta observou com êxtase o Papai Noel colocar ao lado de cada par de sapatinhos, um belo presente. Uma linda boneca para a menina e um trenzinho elétrico para o menino além de um pacote de guloseima a cada um deles. Suavemente beijou o rosto das crianças que dormiam profundamente, e com um sorriso cheio de felicidade, retirou‐se do quarto.
‐ Que lindos filhos você tem: O operário, ainda atordoado, perguntou‐lhe: ‐ Mas quem é o senhor? ‐ Sinto muito, respondeu‐lhe o visitante, mas não
posso revelar‐lhe minha identidade. ‐ Mas... Mas, tornou o operário com voz embargada. ‐ Se eu soubesse quem é o senhor, talvez pudesse
um dia retribuir‐lhe tão generoso gesto.
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‐ Não meu amigo, você já está retribuindo. Essas lágrimas de gratidão que vejo em seus olhos são para mim o melhor agradecimento, a melhor recompensa.
Apertou‐lhe a mão dizendo: ‐ Felicidades amigo, preciso ir‐me, pois tenho
outros lares pobres para visitar ainda esta noite. Ainda com aquele sorriso feliz, retirou‐se, entrou
no carro e partiu. O operário caindo de joelhos, com as mãos postas e
com os olhos voltados para cima, agradeceu a Deus. Sim, que bom e justo era Deus que punha na terra homens como aquele que saíra a pouco.
Ele, o operário, que há poucas horas antes, estivera preso como ladrão, passara vexames, havia recebido um sermão ameaçador do delegado de polícia, estava agora todo feliz, pois graças ao coração generoso daquele homem disfarçado de Papai Noel, seus filhos teriam os presentes que tanto mereciam.
Ainda com lágrimas nos olhos, porém com um sorriso nos lábios, rumou para seu quarto para descansar o restante da noite que antecedia o NATAL.
Já era alta madrugada, quando um carro dirigido pelo seu proprietário, recolheu‐se à garagem.
Do seu interior saiu o único ocupante. Trancando a porta da garagem, dirigiu‐se para a residência anexa onde morava sozinho. Estava exausto e transpirava bastante debaixo daquela roupa de Papai Noel, mas seu rosto irradiava contentamento e felicidade.
Subiu aos seus aposentos, despiu a vestimenta vermelha, tirou a grande barba branca e preparou‐se para deitar, estava cansado. Ainda bem que poderia dormir até mais tarde, pois, naquele dia, no dia de NATAL, não haveria expediente na sua repartição, onde há muitos anos, ele exercia o cargo de... DELEGADO DE POLÍCIA.
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O PAPAI NOEL7 7 24/12/1986.
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Nos últimos anos, quando se aproximava o Natal, aquela mãe, viúva, trabalhando de doméstica para uns e lavando roupa para outros aos domingos, a fim de dar um pouco mais de conforto ao seu pobre lar, ficava apreensiva e triste. Seu filho de 6 anos, na sua inocência, punha os seus sapatinhos perto da cama na noite de Natal, esperando que o Papai Noel se lembrasse dele, mas isso nunca acontecia. Por mais que ela economizasse nunca sobrava algum dinheiro para presentear o filho em nome do Papai Noel.
‐ Por quê? Perguntava ele à mãe, porque todos os seus amiguinhos ganhavam presentes do Papai Noel e ele não. Seria por que moravam nos fundos e Papai Noel não encontrava a casa?
‐ Não, meu filho, respondia‐lhe a mãe, o Papai Noel encontra todas as casas por mais escondidas que estejam. Não fique triste que um dia ele virá.
Na véspera do grande dia, trabalhando em casa de uma família abastada, ela, muito triste, despertou a curiosidade da patroa que quis saber do motivo. Ela contou a sua desdita, a sua magoa.
‐ Se você precisar de um adiantamento, posso lhe arranjar, disse‐lhe a patroa.
‐ Obrigada, mas não posso aceitar porque me faria falta para outras coisas mais importantes que preciso comprar.
Horas mais tarde, o Pedrinho, filho da patroa, que tinha ouvido parte do diálogo, um dos amiguinhos do filho da empregada, perguntou ao menino:
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‐ Esta noite o Papai Noel nos trará presentes. Você também vai por seus sapatos perto da cama para que ele deixe o seu presente?
‐ Eu, respondeu o outro, nunca fui lembrado por ele, portanto nem adianta pensar nisso.
‐ Vamos fazer uma coisa! Retrucou o menino rico. Esta noite vou ficar acordado até a chegada do Papai Noel e quando ele vier, eu pedirei a ele para que não esqueça de você, portanto ponha os seus sapatos esta noite. Combinado?
Irradiando contentamento e felicidade, o menino pobre concordou e à noite depois de limpar e engraxar seus sapatinhos, colocou‐os perto da cabeceira da cama. Feliz, adormeceu.
A mãe, voltando para casa à noite, foi ver se o filho já dormia e qual não foi sua angústia ao ver os sapatinhos na espera do Papai Noel. Chorando, colocou ao lado um pacotinho de doces, única coisa que conseguiu comprar com a sobra de seu parco salário.
Já era madrugada quando ela acordou com um leve bater em sua janela.
‐ Quem é? Perguntou. ‐ Sou eu, o Pedrinho, sussurrou a voz infantil do outro lado. Abra a porta dona Maria.
Pensando ter ocorrido algo de grave, ela correu abrir a porta dando de topo com o Pedrinho que segurando um enorme embrulho, com todo o cuidado para não acordar o amiguinho, dirigiu‐se ao seu quarto, colocando‐o ao lado dos sapatos.
‐ Mas, o que é isso? Perguntou a mãe. ‐ Foi o Papai Noel que deixou o presente dele
comigo e pediu‐me para trazê‐lo. Com lágrimas nos olhos ela compreendeu tudo.
Abraçou e beijou aquele menino que acabava de trazer a felicidade para seu filhinho em nome do Papai Noel.
Logo de manhã, os pais do Pedrinho, eufóricos para verem a alegria do filho com o presente, ao verem‐no sair do quarto de mãos vazias, o pai perguntou‐lhe:
‐ Mas, filho, o Papai Noel não te presenteou esta noite?
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‐ Sabe, papai, responde o guri, entre feliz e ressabiado. Eu fiquei com pena do filho da nossa empregada que nunca ganhou um presente, então pensei em esperar acordado a chegada do Papai Noel para pedir‐lhe que não esquecesse dele, mas dormi e quando acordei de madrugada, ele já havia passado. Como tenho muitos brinquedos, resolvi levar o meu presente a ele que nunca ganhou nenhum. Será papai, que o Papai Noel vai ficar magoado comigo e não me trará mais presentes?
‐ Não, meu filho, esta bela ação que você praticou deixará o Papai Noel muito contente e feliz, pois prova que você tem bom coração, abrindo mão de seu presente para dá‐lo a um menino pobre.
Com o pensamento voltado a Deus que lhe dera aquele filho, e disfarçando as lágrimas que teimavam em cair, com ternura abraçou‐o e beijou‐o, fazendo com que esse gesto brilhasse de felicidade os olhos do menino, seu filho, que inocentemente fizera o papel de Papai Noel.
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DIA DOS PAIS8 8 11/08/1985.
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Há 10 anos que aquele sexagenário casal passava o Dia dos Pais sozinhos, pois o único filho fora embora há uma década e nesse lapso de tempo não dera notícias. Talvez já estivesse morto ou n’alguma prisão.
O pai lamentava consigo próprio. Não teria sido ele o causador dessa prolongada ausência? Talvez sim, pois não tivesse ele dado uma tremenda bofetada no filho há 10 anos.
Aquela cena ficou‐lhe na lembrança. O filho, jovem ainda, devido as más companhias, começara a trilhar o mau caminho, deixando os estudos. Chamara sua atenção várias vezes e não fora atendido até que um dia foi informado que o filho estava preso, pois, juntamente com outros havia praticado atos infames na cidade. Ele, o pai, ficara quase louco de vergonha e de desgosto. Seu bom e honrado nome estava manchado. Dali uns dias, quando o filho foi solto, passara‐lhe um sermão, arrasador e como este tivesse lhe respondido, dera‐lhe uma violenta bofetada em pleno rosto, dizendo‐lhe: ‐ Vá embora, não convivo com marginais.
E o filho foi embora. Ao se despedir da mãe, com lágrimas nos olhos,
pediu‐lhe perdão, e ao pai, disse apenas: ‐ Vou‐me embora papai, adeus.
‐ Vá, respondeu‐lhe o pai e só voltes no dia que te transformares num verdadeiro homem.
Agora, passados 10 anos, no Dia dos Pais, lembrava‐se mais do que nunca daquele filho que desde pequeno fora todo o seu encanto. Fizera mil projetos para seu futuro. Queria vê‐lo formado e digno do seu nome. A saudade, e quem sabe, um pouco de remorso, castigava‐o implacavelmente. Lembrava‐se, que aos domingos, dia que gostava de saborear um bom copo de vinho no almoço, fazia questão que o filho provasse um pouco também.
A mãe chorava às escondidas. Nunca dissera nada ao esposo porque sabia que ele também sofria e chorava pelo filho.
Chegada à hora do almoço, quando iam assenta‐se à mesa, a campainha da porta soou. Ambos foram atender. Ao
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abrirem‐na, notaram um luxuoso carro estacionado no meio‐fio e de pé na porta, um senhor bem apessoado, de uns 30 anos, esbelto, bem vestido, anel de formatura no dedo, que sorrindo perguntou‐lhes: ‐ É aqui que moram o papai e a mamãe?
Antes que pudessem responder, já o visitante estava abraçando‐os e beijando sofregamente. ‐ Meu filho? Responderam em uníssono, com os olhos rasos d’água os pais. Graças a Deus voltaste.
‐ Sim papai, e voltei como homem, tal como me ordenaste, respondeu o filho.
‐ Ah, filho, se soubesses quanto me doeu aquela bofetada... Quanto arrependimento por tê‐la dado.
‐ Não papai, não te arrependas não. Foi Deus que armou tua mão para aquela bofetada, pois graças a ela é que hoje sou um homem digno do senhor e do nosso nome.
Trabalhei e estudei com afinco e hoje estou formado em medicina. Não dei notícias antes porque queria fazer‐lhe esta surpresa. Mas, eu, secretamente sabia notícias suas.
‐ Oh filho, como Deus é generoso dando‐me o melhor dos presentes no Dia dos Pais: você.
‐ Mas papai, diz o filho, o senhor não tem ai um vinho para comemorarmos tão importante data?
‐ Claro que sim, filho. Tenho uma garrafa de vinho guardada há 10 anos esperando por esta oportunidade.
‐ Vamos a ela então, responde sorrindo o filho. E os três, abraçados, rindo e chorando de alegria e felicidade adentraram a casa, rumo a copa onde o almoço já estava servido.
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UM RETRATO DA VIDA José sempre procurava ser pontual nas suas atribuições, por mais banais que fossem elas. Trabalhava no Departamento de Seleção de Recrutamento de Pessoal, e sua função era realizar a seleção de fichas preenchidas pelos candidatos e fazer previamente uma avaliação das qualificações profissionais. Durante a época do Plano Cruzado, a oferta e procura de empregos aumentou consideravelmente nos setores onde não se exigia grandes qualificações, como era o caso de auxiliares de escritório, datilógrafos, auxiliares de serviços gerais e secretárias. Estas últimas eram sem dúvidas as recordistas em pedido de emprego.
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Durante o mês de junho de 1986, receberam inscrições de seiscentos e oitenta e quatro candidatos para preencher as três únicas vagas que dispunham. O salário oferecido não era o maior atrativo, nem a empresa era multinacional. Mas foi o caso mais extravagante ocorrido naquela cansativa semana de junho, em que foi lida quase setecentas fichas de candidatos. A empresa ia mal, e José, funcionário há dez anos, já havia passado por outras crises e não acreditava na falência... e que seria dispensado. Estava passando por uma situação sem emprego, e com indenização parcelada; há bastante tempo, mas não conseguia nada. Andava desesperançado, quando certa vez encontrou Luís, seu amigo e contou‐lhe a fase difícil por que estava passando. Na tentativa de ajudá‐lo, Luís informou‐lhe que tinha ouvido comentários que a empresa X estava necessitando de funcionários e pagava bem. José anotou o endereço e, ainda com o último fio de esperança que lhe restava, foi ao banco e retirou o último tostão que possuía e foi para uma loja comprar um terno. Na manhã seguinte, acordou cedo, tomou um bom banho, perfumou‐se, penteou‐se melhor que de costume e vestiu o terno novo, que carinhosamente a esposa havia passado. Chovia muito, mas não ia ser este o motivo que lhe atrapalharia desta vez. Pegou dois ônibus lotado e andou vários quarteirões a pé. Finalmente encontrou o endereço que procurava. O terno já não estava tão bem passado, a roupa e os cabelos visivelmente molhados pela chuva e os sapatos, coitado pareciam uma galocha. Assim mesmo, respirou fundo, benzeu‐se, pegou o elevador e chegou ao andar correto. Enfrentou uma fila, e quando chegou sua vez, tentou concentrar‐se na entrevistadora; neste momento ela lhe falava, fazendo um gesto com a mão que lhe pareceu engraçado: idade...? ‐ Quarenta e oito anos; ‐ Está fora dos limites, tentava sorrir; vamos considerar... ‐ O senhor tem Q.I.? ‐ Claro que tenho! E acima da média!
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‐ Quem é? ‐ Quem é? Não seria. Qual é? ‐ Não, quem é? ‐ Minha filha Q.I. é uma coisa quantitativa, então seria: Qual é o seu Q.I.? Acho que você não está entendendo, Q.I. quer dizer Quociente de Inteligência aí fora; porque aqui dentro que dizer: Quem Indicou!!! Nesse momento começava a pensar: casado com Tereza, uma mulher bonita e forte que lhe dera dois filhos; Jaime com dezoito anos e Janaína com seis. Pensou na família e se deu conta de quanto a amava. Já passava quase um ano e até o momento não conseguira nada concreto. Era sempre assim, já perderia a conta das empresas que visitara, José sentiu um gosto ruim na boca, levantou‐se cabisbaixo, despediu‐se. Sabia que mais uma vez estava contra indicado devido a idade. Começava a escurecer, o calor ainda forte aumentava a sensação de cansaço. Uma opressão no peito. Não se acostumava com a idéia de ser preterido só porque seus cabelos estavam ficando grisalhos e algumas rugas insistiam em aparecer no canto de seus olhos. Chegou em casa não quis jantar, beijou a mulher. A angústia crescendo, formava um bolo na garganta; entrou no quarto e ficou olhando o vazio. O portão rangeu, precisava de óleo, a casa, seu único bem comprado com muito trabalho e precisava de reparos. Pensava. Não tinha pressão alta. Olhou as pernas grossas, musculosas. Lembrou dos livros do filho, o menino precisava estudar para a faculdade. O peito doía. Tinha que fazer a compra do mês. Por alguns instantes, ficou remoendo lembranças dos tempos idos, quando em seu lar pairava a luz do Criador, concedendo a toda sua família muita paz, saúde e tranqüilidade. Porém neste momento, tudo estava diferente; sem emprego, o pouco que restava no banco já estava findado. Tereza sua querida mulher e companheira, já iniciara em costurar para algumas fábricas, a fim de ajudar no
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sustento do lar, e na escola dos filhos. Com isso José sentia‐se verdadeiro inútil. Através de um primo, conseguiu fazer as compras mensalmente fiado; ao mesmo tempo ficou perguntando a si mesmo, como saldarei o armazém no fim do mês, se nada conseguir de emprego? Começou a sentir‐se fraco e recostou‐se no parapeito da janela, era a primeira vez que tinha um problema e não podia resolvê‐lo. Que culpa tinha de sua idade? Era competente, sabia. Não percebeu a presença do filho. Estremeceu ao ouvi‐lo, assustado na cozinha: Mãe, o velho está chorando. Não sabia porque, a expressão carinhosamente agora feria seus ouvidos e fazia explodir seu coração: Velho, velho, velho... Não, não era mais o Jaime, era uma sirene, uma ambulância. A dor no peito. Tereza foi forte, cuidou de tudo, estava pálida, mas assistiu ao enterro junto aos filhos. Voltou para casa, agora vazia do seu companheiro. O telefone tocou. Atendeu e só então se permitiu chorar: era para o José, o emprego era dele.
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O ALCOÓLATRA
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Quase todas as tardes, era comum ver aquele operário voltando para sua casa, trôpego, balbuciando palavras ininteligíveis e com forte odor de álcool. Ao chegar em casa, encontrava dificuldade para abrir o portão e subir os 3 degraus que vinham logo após. Algumas vezes, caia, rolando escada abaixo e lá vinha sua mulher e seus filhos socorrê‐lo. Os moleques da rua não o perdoavam, atirando‐lhe pedras e chamando‐o de bêbado descarado. Ele reagia correndo atrás dos moleques, o que era o prazer deles, pois, ao correr, caía e rolava pelo chão. Vingava‐se então lhes dirigindo palavrões e outros atributos próprios, os quais não deixavam de ferir suas mães. No seu pobre lar, a miséria campeava. Sua mulher lavando roupa para terceiros e seu filho de 9 anos trabalhando ao invés de estudar para dar um pouco de conforto aos menores, visto que ele gastava quase todo seu minguado salário pagando suas contas oriundas de bebidas nos bares da cidade. Seus amigos o abandonavam, os parentes se distanciavam, só sobrando os companheiros de copo. Fora preso várias vezes, recebera conselhos, mas nada adiantava. Nas horas de sobriedade, prometia a si mesmo deixar a bebida, mas quando dava por si estava bêbado outra vez. Lembrava‐se que certo dia, ao ser interpelado por sua esposa, tornara‐se violento, espancando‐a e também ao filho que viera em socorro da mãe. Por sorte não o abandonaram, mas passaram a evitá‐lo. Numa tarde, quando voltava para o lar, naquele dia bebera pouco, estava quase sóbrio, notou que seu filho, voltando também para casa, estava sendo interpelado e
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insultado por outros meninos, chamando‐o de filho de bêbado. O filho se doeu pelo pai e revidou, resultando daí violenta discussão e passando às vias de fato. Eram 3 contra um. Pensou em ir em socorro do filho, mas seria pior, pois, o que pensariam os outros? Escondido e acovardado, ficou torcendo pelo filho que embora se defendendo, apanhou bastante dos outros moleques. Chorou ao ver o filho apanhar por sua culpa. Que miserável e desprezível era ele que não podia nem ao menos defender o filho que sofria por sua causa. A briga entre os meninos foi apartada por outros e seu filho todo sujo e machucado foi embora. Lastimando sua falta de caráter e vergonha, foi para sua casa, notando que o filho ainda não havia chegado. Tomou banho e não contou nada à esposa. Mais tarde, sentiu seu coração amargurado ao ver o filho chegar todo sujo e com escoriações. Envergonhado e receando pela resposta do filho, criou coragem e perguntou‐lhe o que havia acontecido. − Eu vinha correndo, papai, escorreguei e caí, me machucando um pouco, mas isso não é nada. Com lágrimas nos olhos, abraçou o filho dizendo‐lhe: − Vai, filho querido, tomar banho que depois farei uns curativos em você, e por Deus eu juro que nunca mais você há de se machucar pelo mesmo motivo de hoje. O menino, que há muito tempo não recebia um carinho do pai, brilhou‐lhe os olhos, beijou seu rosto e todo feliz foi para o banheiro. O operário, abraçando a esposa, agradeceu a Deus por ter lhe dado aquele filho do qual recebera tão grande e sublime lição, pois agora tinha certeza que abandonaria para sempre aquele nefando vicio. Deus, na sua infinita sabedoria, lhe havia aberto os olhos por intermédio daquele menino, seu filho.
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DIA DAS MÃES
Era véspera do Dia das Mães. Naquele ambiente social e alegre conversavam algumas senhoras. Depois de dialogarem sobre diversos assuntos, este recaiu sobre o Dia das Mães, já que no dia seguinte seria comemorado o grande dia.
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‐ Amanhã é nosso dia dona JUNE, disse uma das mulheres. O que espera a senhora ganhar de seus filhos?
‐ Ora dona MARGO, não tenho a mínima idéia de que ganharei de meus filhos, mas o que quer que seja me agradará, pois vindo deles eu receberei com todo carinho, pois provarão que se lembraram da mãe.
‐ Muito bem, tornou a Senhora JUNE, disse‐o bem. E a senhora? Dona ILKA, parece que está calada, e ficou um tanto abstrata, quando abordamos este assunto, o que nos diz a senhora com referência ao dia de amanhã? A senhora naturalmente receberá lindos presentes de seus filhos.
‐ Eu, disse melancolicamente a senhora interpelada, não tendo mais filhos, o único que eu tinha morreu. Ganhei dele, há anos, no dia das mães, um lindo presente, e continuo recebendo até hoje, no Dia das Mães, o mesmo presente, a mesma lembrança.
As senhoras presentes ficaram um tanto atônicas e curiosas. Não fazia sentido a resposta daquela senhora. Ela não parecia senil e nem débil mental, portanto...
‐ Perdoe‐me dona ILKA, disse a senhora MARGO, não sabia que a senhora havia perdido o único filho, mas não compreendemos a sua resposta.
‐ Sim, continuou a senhora ILKA, vocês amanhã receberão os presentes de seus filhos, enquanto eu que não tenho, receberei o mesmo presente de meu filho que já morreu.
‐ Continuamos não entendendo D. ILKA, atalhou a Senhora JUNE.
‐ Bem, prosseguiu a senhora ILKA, noto que não me compreenderam e como vejo a curiosidade estampada em vossos rostos, contar‐lhe‐ei a minha história.
‐ Fiquei viúva ainda jovem, e a única lembrança amada que meu querido esposo deixou‐me, foi um filho. Criei‐o e eduquei‐o com todo o carinho. Quando ficou moço, a meu pedido, pois essa era também vontade do pai, ingressou na carreira militar.
Seguia com brilhantismo essa carreira, era estimada e querido por todos. Deixava‐me orgulhosa. Eu aconselhava muito e sempre dizia‐lhe que queria vê‐lo ainda um dia vestido de oficial, como me faria feliz.
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Considerava nesse dia a minha missão cumprida, a meta alcançada. Ele respondia‐me ‐ Sim mamãe, eu não a decepcionarei, a senhora ver‐me‐á ainda com as divisas de oficial.
‐ Eu rezava por aquele filho, queria‐o tanto, tanto. Esperava ansiosamente por aquele dia que havia de chegar.
Mas eis que devido a incompreensão dos homens, estourou a guerra, trazendo como suas conseqüências as preocupações e amarguras a todo os lares.
Meu filho foi dos primeiros que partiram para defender a Pátria. Eu fiquei sozinha rezando e pedindo a Deus para que olhasse por ele, para que um dia voltasse para meus braços.
A guerra continuava, parecia que não terminava nunca. Todos os meses eu recebia carta dele, dizia estar bem e que não me preocupasse com ele. Haveria de voltar para meus braços, e como oficial.
Até que chegou o dia das mães. Eu não esperava ganhar nenhum presente nesse dia, pois meu único filho, aquele que me presenteava, tão longe nos campos de batalha... Mas, me enganei. Logo de manhã, ao atender a porta, um mensageiro me entregou uma encomenda vinda de meu filho. Pressurosa corri para dentro e abri o pacote.
Oh... que surpresa! Num lindo quadro com rica moldura, estava em toda sua plenitude a fotografia de meu filho e vestido de oficial, com todas as insígnias referentes aquele posto. Junto, um cartão de meu filho com a seguinte dedicatória: Eis‐me mamãe, aqui estou junto de você. Beijo‐a, Fernando. Fiquei contente, fiquei orgulhosa de meu filho.
Agora mais do que nunca eu queria‐o de volta. Sim, meu filho, garboso e lindo como era, como ele me fazia feliz naquele dia.
Passado três dias, recebi a visita de um oficial. Vinha a mando do comandante da companhia da qual fazia parte meu filho, vinha trazer‐me uma carta do comandante e uma triste noticia. Sim, a notícia que meu filho morrera. Mas como, gritei alucinada, recebi a fotografia
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mandada por ele há três dias? Não, não pode ser, o senhor está enganado.
‐ Perdoe‐me senhora, seu filho morreu há quinze dias, vítima de uma granada, mas antes de morrer, pediu encarecidamente que somente dissemos a notícia de sua morte à senhora, depois do dia das mães, e que mandássemos a fotografia e o cartão que já estavam prontos, para a senhora, no dia das mães.
‐ Na carta do comandante havia a confirmação de tudo o que dissera o oficial. Dizia ainda que meu filho fora promovido e condecorado por ato de heroísmo e bravura. Vinha mantendo em segredo porque queria que eu recebesse a notícia somente no dia das mães, queria me deixar feliz naquele dia.
Portanto, seguindo o desejo de meu filho, que queria que eu o acreditasse vivo naquele dia das mães, eu, amanhã, repetindo a mesma sena de dez anos atrás, apanho a sua fotografia que está bem guardada, admiro‐a e beijo‐a, como se a tivesse recebida naquele momento, naquela hora. Quando olho meu filho na fotografia, parece‐me que ele sorri para mim, aprovando a minha idéia e contente por me ver feliz no Dia das Mães.
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CARA OU COROA9
Numa bela tarde, no alpendre da residência do zoologista MacCardington, palestrava este com seus dois amigos, Jack Smith, caçador de feras e Joe Spencer, chefe de expedições quando em meio a conversa, MacCardington convidou‐os a visitarem no dia seguinte o museu de raridades, onde, dizia ver muita coisa interessante e curiosa.
No outro dia os três amigos para lá se dirigiram e ali passaram a admirar tudo que existia exposto com grande interesse, pois havia objetos de diversas tribos e das mais variadas partes do mundo, desde "bumerangue" australiano ao "tacape" guarani. Lendo tudo atentamente para tomar conhecimento de suas procedências, Joe Spencer, maravilhado com tudo que via, procurava recordar aquelas armas destramente usadas por selvagens ignotos e que agora jaziam ali à curiosidade do povo quando seus olhos foram atraídos por um pequeno tambor rústico no qual um pequeno cartão dava a sua origem. Foi tomado de grande choque, caindo pesadamente ao solo, 9 Autor desconhecido. Publicado em 27/08/1988.
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desmaiado. Seus dois amigos de pronto o acudiram, levando‐o para casa onde ele chegou já restabelecido, porém completamente abatido e triste. Dada a curiosidade dos amigos, começou a contar:
‐ Há precisamente 10 anos, fui incumbido pela Companhia de Mineração para a qual eu trabalhava, para supervisionar o trabalho de extração de minérios nas minas situadas nas margens do Niger‐River, na África. ‐ Certa tarde, quando me encontrava descansando à sombra na beira desse rio, em frente a minha cabana, ouvi estridentes alaridos vindos do lado à montante e logo percebi o motivo. Numa canoa, exausta, vinha remando uma moça e em sua perseguição outra canoa com vários nativos ávidos para apanhá‐la. Pondo‐me de pé, agarrei meu rifle 44 quando um dos aborígines na proa estava prestes a despachar sua flecha. Incontinente. Mirei e dei ao gatilho, derrubando‐o. Assustados os perseguidores deram meia volta e desapareceram na curva do rio.
A moça, extenuada, após encostar sua canoa na margem, depois de um certo descanso, contou‐me fazer parte de uma catequese num aldeamento vários quilômetros rio acima e naquele dia, inadvertidamente, afastou‐se de seu propósito em demasia, quando percebeu estar sendo seguida pelos selvagens.
Como aquela criatura me inspirou logo a primeira vista uma paixão em meu coração solitário, senti ter encontrado o que me faltava.
Jane, era seu nome, porém eu mal sabia o que estava para acontecer. Horas depois, ouvimos uma gritaria infernal vinda do lado do rio e numa algazarra tremenda vieram aqueles selvagens à minha cabana onde passaram a nos ameaçar. Com um palavreado hostil, para mim desconhecido, davam a entender que queriam nos matar.
Jane, interpondo‐se, disse conhecer aquela linguagem e ia com eles se entender. Depois de muita troca de palavras, vi com satisfação a turba se afastar e tomando suas canoas, desapareceram.
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A moça, após a partida dos selvagens, ficou pensativa e como eu estivesse curioso para saber o resultado da conversão, disse‐me com ar tristonho:
‐ Como um deles fora morto, exigiam a vida de um de nós, ficando acertado que voltarão daqui a uma hora. Primeiro levarão aquele que será poupado, soltando‐o numa canoa rio abaixo e logo em seguida virão buscar o outro para ser sacrificado.
Atônito com aquela proposta dos selvagens, ia retrucar quando Jane, arrancando a medalhinha que trazia pendurado em seu pescoço, disse:
‐ A sorte entre nós está aqui. Veremos a quem caberá a liberdade entre cara e coroa. Eu escolho cara e assim dizendo antes que eu pudesse contestar, atirou a medalha sobre a mesa que depois de vários rodopios, mostrou‐se favorável a ela, devendo portanto ser eu o sacrificado. Fiz menção de apanhar meu rifle para nos defender, porém ela disse‐me que seria pior, pois aí nos matariam a ambos. Não fique triste, disse Jane farás o seguinte:
‐ Como primeiro eles vem me buscar para me soltar rio abaixo, você aproveita a oportunidade e foge. Embrenhe‐se no mato e procure algum acampamento, onde poderá se salvar.
Boquiaberto e revoltado com aquilo estava eu, quando de novo se aproxima a turba sob imensa gritaria. Jane, olhando‐me ternamente e com lágrimas nos olhos abraçou e beijou‐me, para logo em seguida acompanhar os selvagens ao rio.
Atordoado com o que ocorria e afobado para me ver livre daqueles gentios, apressei‐me em fugir dali, quando vi sobre e mesa a medalhinha que ela havia esquecido, a qual havia determinado a nossa sina. Apanhei‐a e com um simples olhar notei estarrecido haver cara nos dois lados. Maldizendo aquela que eu julgara fiel, fugi embrenhando‐me no emaranhado da mata, chegando afinal todo rasgado e ferido a um acampamento, onde me pus a salvo e mais tarde, já refeito das feridas, voltei para casa, porém cheio de ódio e rancor
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para com aquela ingrata e traidora por quem me apaixonara.
Continuando solteiro e solitário esperava um dia encontrá‐la para desabafar toda a minha ira que guardava para essa ocasião. Mas eu estava muito enganado.
Jane, para me salvar e sabendo que de qualquer forma a sorte seria uma só, de antemão fez sua escolha. Enganou‐me quando disse que primeiro vinham buscar o que seria solto na canoa. Ela se sacrificou para me salvar a vida. ‐ Aquele tambor que vi na exposição, foi feito com a pele de suas costas. Notei consternado que a cicatriz que Jane trazia nas costas estava nítida no tambor, a qual tinha a forma de uma estrela, e esse tambor procede daquela tribo do Niger‐River.
Deus me perdoe e salve sua alma para todo o sempre.
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A FORMATURA
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Aquela família pobre, composta de marido, mulher e um filho, vivia modesta, mas, honestamente. A pedido dos pais e também seguindo sua vocação, o filho estudava e por ser bom, o aplicado aluno ia bem nos estudos. Era o orgulho dos pais que pretendiam um dia vê‐lo formado em medicina. Terminados os primeiros estudos, mister se fazia necessário mudarem‐se para um centro maior onde houvesse faculdade e outros cursos superiores, pois não tinham condições de manterem‐no estudando fora de casa. Com muito sacrifício conseguiram arranjar uma casa modesta e de aluguel barato numa grande metrópole e para lá se mudaram. O pai arranjou emprego e com a ajuda da mulher iam vivendo felizes estudando o filho. Mas aí, o destino veio interferir na vida daquela família, pois, o pai, levado por más companhias enveredou no caminho da bebida tornando‐se um alcoólatra inveterado. Debalde foram os conselhos da mulher e dos amigos. Ele acabou sendo despedido do emprego e não conseguiu outro. Alegando que arranjaria emprego na cidade onde moravam antes, visto que lá ele tinha muitos amigos, para lá voltou sozinho, prometendo que todos os meses mandaria o dinheiro para manutenção do lar e dos estudos do filho. Mas nada disso aconteceu. Dada a sua condição de alcoólatra, dias depois de contratado já era despedido. E quanto aos amigos, só lhe restaram os de copo. Mãe e filho não esmoreceram. Ela trabalhando como lavadeira e faxineira e ele estudando à noite e trabalhando durante o dia, iam levando avante o plano,
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mesmo sem a ajuda do pai. Este, nas horas de sobriedade, lembrava‐se da mulher e do filho, arrependendo‐se do que fizera. Pensava em largar aquele nefando vício e voltar para a família, mas julgando que não seria acolhido, esquecia de tudo e voltava ao copo. E passaram‐se os anos. Certo dia quis o destino que alguém perdesse um convite de formatura e ele o achasse. Guardou‐o no bolso e no banco da praça onde ele costumava curtir sua bebedeira, começou a lê‐lo. Sentiu seu peito amargurado e o coração disparar quando deparou com o nome de seu filho entre os formandos. Chorou copiosamente. Sim, que ser desprezível tornara‐se ele que havia abandonado seu filho à sua sorte, e agora o filho com seus próprios méritos se formara sem a sua ajuda e apoio. Naturalmente deveria ser o odiado pela família, e com razão. Oh!, mas que ventura se ele pudesse pelo menos assistir, mesmo no anonimato, a diplomação do filho... Teve uma idéia. Assistiria a festa de formatura. Parou de beber e no dia aprazado, vestindo sua melhor roupa que por sinal não passava de andrajos, com algum dinheiro emprestado dos amigos seguiu para onde morava sua família. Naquela tarde, disfarçadamente, meio escondido dentro da igreja assistiu a missa em ação de graças mandada rezar pelos formandos e à noite seguiu para o clube onde se realizaria a festa de formatura. O porteiro não o reconheceu, barrou‐lhe a entrada alegando que ali não poderia entrar pedintes e nem alcoólatras. Ele não poderia se identificar, pois que vergonha seria para seu filho e esposa? Então apelou para o porteiro, dizendo que ficaria ali perto da porta de entrada e dado as suas lágrimas, estas amoleceram o coração do porteiro que acabou concordando com sua permanência perto dele. E começou a cerimônia. Quando anunciaram o nome de seu filho, ele
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angustiado, sentiu novamente as lágrimas. Que lindo estava ele acompanhado do padrinho. No momento em que o paraninfo, depois das palavras de praxe, ia fazer a entrega do ambicionado documento, ele não resistiu e com a voz rouca gritou: ‐ Meu filho... Ao ouvir aquela voz, o filho, que já estendia o braço para receber o diploma, quedou‐se e ante o olhar atônito e surpreso da multidão que assistia a festa, foi ao encontro do pai. Abraçando‐o e beijando trouxe‐o para perto da mesa. Dirigindo‐se aos assistentes, anunciou: ‐ A todos, apresento o meu pai a quem muito devo e graças a ele é que hoje estou recebendo este diploma, portanto eu gostaria de recebê‐lo de suas mãos. E assim foi feito. O paraninfo entregou ao pai que, com lágrimas de emoção e intimamente agradecendo a Deus que lhe dera aquela ventura, passou‐o ao filho. Terminada a cerimônia, filho, pai e mãe que também havia se juntado a eles, abraçados, felizes e chorando de alegria, se retiraram, contagiando parte da multidão, com lágrimas de felicidade.
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SÃO JOÃO10
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A costumeira festa junina na fazenda do coronel Amâncio estava animada. Por ser devoto à São João, todos os anos festejava‐o com grande festa não faltando os comes e bebes à vontade e o tradicional quentão, bebida típica da época.
Bombas e rojões espocavam a todo instante e volta e meia, um balão era solto, juntando‐se aos demais que já vagavam pelo espaço.
Havia muitos convidados, pois, o coronel fazia questão da presença de todos, quer da sua fazenda como das fazendas vizinhas. Era muito estimado, visto ter um coração de ouro.
No grande galpão da fazenda, ao toque de sanfona, violão e cavaquinho, o baile começou muito animado. O coronel, bastante alegre e expansivo atendia a todos, aproveitando para contar de suas caçadas. Era um exímio caçador.
A festa estava no auge, todos se divertiam, mas quando tudo parecia calmo e feliz, eis que o Zeca e o Bento, tradicionais inimigos devido rixas e rivalidades anteriores, se desentenderam, simplesmente pelo fato de ao mesmo tempo terem convidado a mesma dama para dançar, embora houvesse mais damas que cavalheiros.
Ela, que os conhecia bem, sabendo de seus gênios violentos, para evitar atritos, recusou a ambos.
Foi o bastante para que os dois, discutindo, se desafiassem para um duelo tipo bang‐bang, cada um alegando que tinha sido o primeiro a convidar a dama. O salão ficou deserto, todo mundo correu, pois poderia alguma bala extraviada ferir quem nada tinha com a briga.
Olhando‐se com ódio, retirados uns dez passos um do outro, estavam prestes a sacar de suas armas. Debalde eram os apelos do coronel. O tiroteio era iminente. O ódio era mais forte que a razão.
No momento que iam sacar, a Ritinha, caboclinha disposta e resolvida, pulou entre os dois contendores e falou:
− Mais ú que é isso gente? Nóis cuma farta doida di home i oceis dois querendo si matá? Óia, si oceis si
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matá, a festa num para não, mais ú diabo é qui vai fartá mais home ainda. Purque oceis num dexa pra morrê quando oceis tivé bem véio e num prestá mais? Óia quanta moça bunita qui inda num dançô pur farta di cumpanhero? A Rosinha, a Juana, a Maria, a Tuniquinba...
Olhando em volta, pois a turma já estava voltando ao salão, os contendores, vendo tantos sorrisos convidativos, seus ódios começaram a se dissipar, as tensões se acalmaram e eles disseram:
− Pareci qui a Ritinha tem razão, falou o Zeca. O que oce acha Bento?
− Mais, claro que tem razão Zeca, responde o Bento; dá cá sua mão de amigo e vamo esquecê tudo.
Enquanto ao dois se apertavam as mãos selando uma sólida amizade, a Ritinha gritou:
‐ Coroné, manda trazê dois quentão dupro qui pra esses dois pestiado num istraga mais a festa.
Uma estrondosa gargalhada soou no salão e o baile continuou até o dia raiar.
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O CONDENADO11
Aquele condenado, sempre triste e pensativo, quase não conversava com seus companheiros de cela. Era um bom e comportado preso, obediente e cumpridor dos deveres, evitando tomar parte nos motins chegando até a recusar a fuga da prisão quando surgiu a oportunidade junto a 11 11/06/1988
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outros presos. Por isso era muito considerado pelos guardas e diretor do presídio.
Fora sentenciado a cumprir 9 anos de prisão, acusado de ter assassinado a esposa. De fato, ele o fizera, mas para lavar sua honra manchada pela infidelidade dela. No julgamento, os jurados não lhe deram muito crédito, influenciados talvez pela argúcia do promotor público que conseguiu por abaixo a tese de legítima defesa da honra, argüida pelo seu advogado. Fora tão convincente o promotor, que até ele próprio havia ficado na dúvida se de fato ela havia cometido o adultério.
O caso se passara há mais de 5 anos e aquela suspeita martelava‐lhe o cérebro. Fazia um esforço tremendo para se lembrar de algum detalhe que lhe trouxesse alguma luz sobre o ocorrido, mas nada conseguia. Ficava tudo do mesmo tamanho, e a dúvida persistia.
Conhecera sua mulher numa festa e apaixonara‐se por ela à primeira vista. Dali 4 meses estavam casados. Tiveram dois filhos, a menina, que no dia fatídico tinha pouco mais de três anos e o menino com dois, inocentes portanto. Aparentemente, seu lar parecia feliz, ele muito trabalhador e ganhando bem, não deixava faltar nada em casa e adorava a esposa e os filhos.
Até que começou a receber certos telefonemas anônimos, alertando‐o que era traído pela esposa. Ele, embora desconfiado, não levou muito a sério aquelas denúncias, pois ela nunca demonstrara nada de anormal. Mas, certo dia avisaram‐no, sempre no anonimato, que sondasse a esposa que ele a apanharia em flagrante. A vista disso resolveu seguir o conselho.
Inventou uma viagem a negócios avisando a mulher que ficaria vários dias fora. Aprontou as malas e partiu, mas voltou no primeiro avião e à noite, sorrateiramente, para casa. Logo ao chegar, perto da porta, julgou ouvir sussurros vindos do seu quarto. Ao introduzir a chave na fechadura e fazê‐la girar, teve a nítida impressão que alguém saltava pela janela do quarto. Imediatamente, correu até o canto da casa para
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ver quem era, mas nada viu. Furioso, entrou em casa e foi diretamente ao quarto, notando sua esposa deitada normalmente, que parecia dormir. Ao ser interpelada por ele, inocentou‐se alegando que ali ninguém estivera.
Ao fazê‐la ver que a janela ainda se encontrava aberta e por onde teria saído o intruso, ela jurou inocência, dizendo que deixara assim devido o forte calor reinante. Ele não acreditou e roído de ciúmes e de ódio começou a aperta‐lhe o pescoço, obrigando‐a a confessar quem estivera ali, mas ela não confessava. Num ímpeto de raiva foi apertando e quando deu por si ela já não respirava, estava morta.
E agora a dúvida o atormentava, chegando até a pensar se era mesmo traído, então aqueles filhos que ele tanto adorava poderiam ser de outro pai. Ultimamente, quase não dormia, pensando naquilo.
Certo dia chegou outro condenado para ficar na mesma cela e sentenciado a cumprir longa pena. Com o passar dos meses tornaram‐se amigos. O novo preso confessou‐lhe o seu crime. Roubo e morte. Juntamente com outros, roubara um banco e na fuga trocaram tiros com a polícia indo um dos projéteis atingir um dos funcionários do banco causando‐lhe a morte. Na prova de balística, disseram que aquele projétil saíra de sua arma.
‐ Como me arrependo do que fiz, lamentava‐se ele, mas num momento de fraqueza e para não ver meus filhos passando necessidades, tornei‐me num fora da lei.
‐ Sim, respondeu o outro, foi uma pena e agora você vai passar um longo tempo aqui. Mas, e sua família?
‐ Minha família? Respondeu aquele, minha mulher me abandonou há anos e meus filhos, nem sei o rumo que tomaram. Mas, e você por que está aqui?
‐ Eu nem sei ao certo se deveria estar aqui. Não sei se mereci esta pena, ou se mereço pena maior.
‐ Mas como? Inquiriu o novo preso, então você não sabe o motivo de estar aqui? Explique‐me isso. Conte‐me a sua história.
Depois de contar‐lhe todo o caso detalhadamente, concluiu:
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‐ O que me atormenta é a dúvida, pois se ela era inocente, devo pagar pelo crime, mas a serem verdadeiras as minhas suspeitas, fico com o direito de pensar que aquelas crianças que tanto amo, poderiam nem ser meus filhos. Por esse motivo sofro bastante.
‐ Bem, meu amigo, tornou o outro, eu acho que você a matou em legítima defesa da honra, mas como daqui uns meses você será solto por ter cumprido dois terços da pena e ser um preso exemplar, nem adianta pedir revisão do processo para ir a novo júri.
‐ Mas por que você tem tanta certeza que foi em legítima defesa da honra se nem mesmo eu sei?
Primeiro ouça a história que vou te contar, argumentou o amigo.
‐ Há tempos, conheci uma moça muito bonita. Apaixonamo‐nos e marcamos casamento para breve, mas por um capricho do destino, não chegamos ao matrimônio. Devido ter prometido casamento a outra e obrigado pelo seu pai, rompi o noivado com aquela que amava para casar com a outra. Com esta nunca fui feliz dado o seu gênio violento e irascível. Nem os três filhos que tivemos conseguiram trazer a felicidade e a paz que eu tanto almejava para meu lar. Passados vários anos, um dia encontrei com aquela que tanto amei. Ao nos vermos, a paixão antiga voltou com toda intensidade, então passamos a nos encontrar secretamente. Mas minha esposa desconfiando de mim começou a infernar‐me a vida. Cheguei a propor‐lhe desquite, pois já havia combinado com a outra que se desquitaria também para nos unirmos definitivamente, mas ela não aceitou.
O novo preso, fez uma pausa e baixando os olhos, continuou:
Naquela noite quando você chegou inesperadamente em casa precisei sair pela janela. Descobri depois que a causadora dos telefonemas anônimos a você, era a minha mulher. Agora quero que acredite que aquelas crianças são seus filhos legítimos, pois a sua esposa teve somente dois homens na vida, você e eu. Se queres vingar em mim a sua desdita, pode fazê‐lo que não reagirei, mas antes peço que saibas que você a matou em legítima
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defesa da honra, também é verdade que você matou a mulher que eu mais amei na vida e era por ela amado.
Terminando sua narrativa, timidamente levantou os olhos esperando a reação do amigo, mas o que viu deixou‐o perplexo, pois o outro apenas respondeu:
‐ Eu lhe perdôo meu caro amigo. Graça a sua coragem em confessar‐me isso, deixa‐me a certeza que devo continuar amando meus filhos, sem contar ainda que agora dissipou‐se aquela dúvida que me corroia por dentro.
Em seguida, estendendo‐lhe a mão rematou: ‐ Fomos os dois, vítimas da fatalidade do destino.
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A PROCURA
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Abandonado, desiludido e amargurado pelos
percalços da vida, fui a procura de alguém que pudesse me compreender e consolar, dando‐me ânimo, pois, quem sabe, repartindo com outros a minha amargura, poderia eu voltar a viver e sonhar.
Saí então estrada afora na esperança de encontrar o que desejava.
Logo na primeira porta que bati, atendeu‐me um senhor austero e rígido. Quando lhe expus o meu problema, com a mesma rapidez que me atendeu, disse:
‐ Você bateu na porta errada. Aqui mora o Desprezo. Vá embora.
Continuei a procura e na segunda porta, fui atendido por uma senhora um tanto idosa que me pareceu sincera. Esperançoso, contei‐lhe minha história. Ela ouviu‐me em silêncio e cabisbaixa. Respondeu‐me:
‐ Sinto muito meu filho, mas não sou a pessoa indicada para atendê‐lo, pois sofro quase do mesmo mal. Sabe como me chamo? ‐ Solidão. Procure outra.
Saí outra vez procurando e pela terceira vez bati em outra porta. O morador, soltando chispas pelos olhos, rispidamente perguntou‐me:
‐ O que queres? Ao saber do pedido, fechou ainda mais o semblante
e com ira respondeu: ‐ Suma daqui. Não quero ver e nem ouvir ninguém,
pois aqui mora o Ódio. Continuei minha "via‐sacra" e já bastante cansado
bati noutra porta. Desta vez atendeu‐me uma senhora que pelos seus trajes, mais parecia uma dama de alta
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nobreza. Contei‐lhe meu drama. Ela, muito educada e compreensiva, respondeu:
‐ Sua história é comovente mas não estou a altura de ajudá‐lo, pois preciso de conselhos e não dá‐los. Vivo só e esperando que apareça meu príncipe encantado, mas já estou perdendo a Esperança que é o meu nome. Siga, talvez encontre quem o ajude.
Desanimado, arrisquei bater na quinta porta que encontrei. A senhora que me atendeu parecia sofrer interiormente, pois estava triste e melancólica. Citei‐lhe o meu caso.
‐ Não, meu rapaz, disse‐me ela. Não posso atendê‐lo porque também sofro. Já até me acostumei a viver assim. Não recebo ninguém e sou má conselheira. Deixe‐me só com minha Desilusão, que por sinal, é o meu nome.
Extenuado e aborrecido ia desistir da procura, quando notei ao lado, uma casinha branca e muito limpinha que me pareceu acolhedora.
Para lá me dirigi e angustiado, bati à porta. ‐ As suas ordens, meu filho, disse‐me a velhinha
meiga e sorridente que me atendeu. ‐ Minha senhora, disse‐lhe eu, com o coração
oprimido. Procuro alguém que possa dar‐me conforto, consolo e até conselhos, pois vivo à margem da vida, desprezado, esquecido e abandonado por todos. Queria voltar a viver e sonhar, a amar e ser amado, por isso recorro à senhora.
‐ Pois entre meu filho, disse‐me ela, com um vislumbre de felicidade nos olhos. Você veio ao lugar certo. Aqui atendo a todos que precisam de mim. Os que me tem procurado, alguns deles chegam aflitos, tristes e desesperados e quando vão embora, o fazem animados, felizes e prontos para enfrentar a vida de cabeça erguida. Sinto‐me bem cumprindo essa missão.
‐ Como a senhora se chama? Inquiri eu. Ela respondeu: ‐ Todos me chamam de dona Saudade, meu filho...
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A PALESTRA: O HOJE E O ONTEM12 12 10/06/1988.
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Há uns 8 anos, num encontro casual com algumas senhoras jovens ainda, proferi a seguinte palestra, que se originou devido ao fato delas estarem se queixando da labuta com a família e do corre‐corre dos dias atuais. Ao vê‐las se lamuriando, não me contive, “comprei a briga” e pedindo um aparte, disse‐lhes: Muito me admira vocês se queixarem dos dias de hoje, vamos fazer um confronto com o hoje e o ontem? Visto terem concordado, comecei: Esclareço que embora não tenha passado por tudo que vou relatar, acompanhei bem de perto as agruras daqueles primórdios, isto na década de 20. Tomaremos por base uma família não paupérrima e nem miserável, mas sim como as vossas. De acordo? Então vamos lá: Naquela época, somente quem morava na cidade podia freqüentar a escola primária, isto é, até o 4º ano e em muitos casos em escolas particulares, pois não havia grupo escolar do governo, e quando havia, nem sempre tinha vagas. Daí para diante, só filho de rico podia continuar estudando, visto que o ginásio era particular e muito caro. Estudo superior, só nas capitais. Mas além disso, os filhos de famílias pobres ou mesmo remediadas, tão logo tirassem o diploma do grupo, precisavam ajudar os pais, tendo em vista as famílias numerosas, proles grandes. Mas estes, ainda levavam sorte. E aqueles que moravam no meio rural, o que representava mais ou menos 50 ou 60% da população brasileira? Observem que outrora, imperava e predominava no Brasil o café, sendo este o produto de exportação que originava as nossas divisas. A indústria nacional engatinhava ainda, importávamos quase de tudo, éramos portanto um país puramente agrícola, daí a razão pela qual mais da metade da população vivia no meio rural, trabalhando bastante, passando necessidades e sem recursos. Não havia escolas rurais e mesmo que as houvesse, os filhos menores não poderiam se dar ao luxo de freqüentá‐las, pois aos 6 ou 7 anos precisavam ajudar os pais na roça, na enxada.
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Vamos agora às comparações tomando por base aquelas famílias citadas acima, começando por uma da cidade: Bem, essa família, teria uma pia na cozinha, com a respectiva torneira pronta a jorrar o precioso líquido tão necessário à vida, o fogão a gás engatilhado e pronto a nos servir, a geladeira, suprida, a despensa completa, a casa mobiliada com todo gosto e conforto, um carro na garagem com o tanque cheio, os guarda‐roupas, com boas reservas de roupas, calçados de uso comum e de passeio engraxadinhos, empregada, pajem, televisor, boas escolas, etc. Então vamos começar o dia: Desjejum da manhã: café, leite, pão, margarina ou manteiga, suco, bolacha, etc. Qual o problema? O café Pelé, Itamaraty ou Damasco está aí a disposição. O leite, o leiteiro nos entrega à porta ou o temos à vontade nas mercearias, o pão, ora o pão, o padeiro nos entrega fresquinho a hora que quisermos, frutas, manteiga, maionese, etc. A geladeira nos fornece, assim como as bebidas frescas ou geladas, (eta geladeira milagrosa). Vamos agora tratar do almoço. Mais que facilidade hein? Com o fogão a gás, o óleo que já vem em latinhas próprias, água com fartura, panela de pressão e tudo o mais que temos à mão, não há problemas. Para a sobremesa, temos frutas e doces. É só escolher. Almoçamos, então vamos arrumar a cozinha. Nada mais fácil com tanto bom‐bril, sapólio, limpol e tantos outros produtos químicos, que facilidade hein? Bem, amanhã é sábado e temos que dar uma limpada na casa. Claro, vamos sim, então se o chão é acarpetado, aspirador nele, se é encerado ou sintecado, enceradeira elétrica resolverá o caso. Sim, mas precisamos lavar um pouco de roupa hoje. E daí? A máquina de lavar que se dane, pois ela trabalha para nós e quanto para passar, o ferro elétrico automático está aí esperando. Mas, e os dois filhos que temos e estão estudando? E daí? Temos o carro escolar que os apanha e traz de volta com toda a segurança!
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Muito bem, fizemos todos os deveres domésticos e ainda nos sobrou tempo para assistir todas as novelas da televisão, bater um papo com as amigas, tirar uma soneca durante o dia, freqüentar o cabeleireiro, a manicure, o pedicure e ainda dar umas voltas à tarde de carro ou a pé. E há ainda algumas que se queixam, certo? Agora viramos o disco. Voltamos uns 55 anos passados, tomando por base uma família da roça. Horário para se levantar: 5 horas da manhã. Mas por que tão cedo? Vocês me perguntariam. Acontece que teu marido (estou falando no sentido figurado) vai para a roça muito cedo, com o escuro ainda e como aquele serviço é muito cansativo e consome muitas calorias, precisa almoçar cedo, isto é, as 8 e meia, portanto para ter a comida pronta para aquela hora é preciso começar cedo, sem contar ainda que você é que terá de levar‐lhe o almoço, pois a roça é bastante longe. Bem, mas ele precisa comer alguma coisa antes de sair. Como seria esse desjejum? Se você, ainda tem pão daquela fornada que fez outro dia, muito bem, caso contrário terá que assar na braça do fogão algum resto de polenta, resto de ontem e café, a saber daquele pó moído por você, oriundo daquela torrada feito por você, originado daquele café em coco que você socou no pilão. Feito isso ele vai para a roça e você vai começar o almoço. Mas, você providenciou a água não da torneira, mas sim do poço de 200 palmos de fundura ou da mina que às vezes distava 2 a 3 quilômetros. E lenha, tem? E óleo? Mas que óleo esse? Quis dizer banha. Deve ter ainda banha daquele porco que matamos para o gasto há uns quarenta dias né? E o fubá? Se tiver pouco, lembre‐se que precisa debulhar o milho e ir trocar por fubá no moinho, que devia de estar uns 2 quilômetros de tua casa. Note que o fubá representa 70% de nossa alimentação, então não pode faltar. Bem, tendo tudo isso, fica mais fácil preparar esse almoço. Para mistura pode fritar um pedaço de lingüiça, feito por você naturalmente, ou uns ovos. Ovos? Mas você os recolheu ontem a tarde? Tratou as galinhas e cuidou delas?
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Observe que se não tratá‐las e não cuidá‐las, já que é tua obrigação, elas não porão ovos para vocês. E o leite? Você já ordenou a vaquinha ou a cabra? Precisa cuidar dela também pois caso contrário seus filhos ficarão sem leite. Então estando tudo em ordem, vamos levar esse almoço ao marido. Ah sim, ia me esquecendo, na roça come‐se também ao meio dia, então precisa levar um almoço reforçado e naturalmente você comerá junto ao marido né? Bem, seguindo a tradição, é costume da mulher dar uma mãozinha ao marido na enxada, pois o café e o feijão estão no mato, e você não vai querer descumprir a tradição? Então aproveite, pois a tua enxada estará lá te esperando. Teu marido a levou de manhã. Quando voltar à tarde, naturalmente você voltará antes que ele, pois tem os teus filhos para cuidar, fazer a janta, tratar das galinhas, dos porcos, cuidar da horta, etc. Mas como ia dizendo, não voltes de mão abanando. Aproveite para trazer umas latas d’água ou um feixe de lenha, ou ambas as coisas. Não esqueça que – água e lenha não podem faltar. Quanto aos filhos que ficaram em casa, os grandes tomando conta dos menores, mas se caso você tiver algum de um ano, ou talvez menos, talvez seja melhor levá‐lo junto de você e nesse caso você trará menos uma lata d’água. Ah sim, precisamos fazer broa de fubá para amanhã cedo, no caso de ter acabado o pão. Nesse caso depois da janta convém você tratar disso. Terminada a janta, vamos arrumar a cozinha? Muito fácil. Se tiver ainda sabão daquele que você fez, aproveitando a barrigada e os torresmos do porco que matamos, muito bem, (sabão de cinza naturalmente) porque sapólio tem bastante aí dentro do fogão (a cinza) ou se preferir, tem areia lá fora que é muito bom para arear as panelas. Tudo feito? Vamos então lavar para dormir. É só por água dentro do bacião ou o tacho e nos lavar, quando não, podemos ir direto ao rio e nos lavamos lá mesmo. Caso você queira descansar um pouco à noite antes
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de dormir, é fácil, basta remendar roupas de serviço, pois enquanto o faz, esta descansando, sentada. Amanhã é sábado e temos roupa para levar e se der tempo precisamos dar uma lavada na casa. Nesse dia, se você tiver um filho grandinho que possa levar o almoço ao marido, tudo bem, caso contrário, peça ao compadre ou comadre ou ainda a algum vizinho que vá para aqueles lados, para o que o faça para você. Se não conseguir por nenhum desses meios, o jeito é você mesma levar e na volta parar no rio para lavar a roupa. Então faça uma trouxa ponha‐a na cabeça e vamos ao rio. Na volta, não esqueça de trazer umas latas d’água, pois a trouxa virá na cabeça, sobrando as duas mãos que podem ser ocupadas carregando as latas d’água. A cabeça, é usada mais para carregar peso do que propriamente para pensar. Bem, uma vez feito esse serviço, se der tempo vamos dar uma lavada na casa. Com umas 10 ou 12 latas d’água e bastante vontade, creio que você vencerá também essa etapa. Aí está caras amigas o reverso da medalha, o ontem, o anterior. Vocês me perguntariam: Mas muitos dos serviços aí enumerados seriam de obrigação do homem. Eu responderia: Como do homem se ele vai para a roça com o escuro e volta com o escuro? Aos sábados ele volta um pouco mais cedo para casa, mas nesse dia e no domingo, ele terá que reparar as cercas do mangueirão, da horta e do pasto da vaquinha, e ainda preparar o paiol para guardar o milho que logo será colhido. Sem contar ainda com a obrigação que tem de ir a vila buscar algum mantimento para o gasto. Naquele tempo, os mais remediados tinham um trole para virem na cidade. Quem não tinha esse meio de condução, apelava para o cavalo, e quem não possui nem este, o jeito era vir a pé mesmo. Para economizar o calçado, as moças e moços costumavam virem até a entrada da cidade descalços, onde se calçavam para entrar na cidade, repetindo a mesma operação na saída. Também, vamos convir que naquela época, calçados no pé, só depois dos 15 anos.
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Depois desse “chá de língua”, parece‐me que as donas que me ouviam deram graças por viverem nesta época, isto é, nos dias atuais.
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O SONHO DO CARREIRO13
Ainda faltavam trinta minutos para o trem chegar e aquele passageiro já o estava esperando na estação. Deu o seu bilhete para o agente da estação picotar e pacientemente começou a enrolar seu cigarro de palha.
Assim que o trem chegou, ele embarcou tomando muito cuidado com os dois sacos de mantimentos que fora comprar na cidade como o fazia a cada trinta dias. Só comprava farinha de trigo, sal, querosene, sardinha salgada e algumas coisinhas mais, pois o restante ele produzia em seu sitio.
Chegando à próxima estação já o esperava seu filho, o Juca de 13 anos, com dois cavalos arriados. Pondo os dois sacos em forma de cavaleiro na garupa do cavalo do filho, montou no outro e rumaram para casa.
‐ Papai, disse o menino, a mamãe falou para quando o sr. chegar, para olhar o monjolo que ela deixou ele socando milho para fazer canjica e também para o sr. fazer um pouco de fubá, porque o nosso está acabando.
‐ Sim, meu filho, respondeu o pai. Ele possuía um pequeno sítio, mas como a mulher e
os filhos davam conta de tocá‐lo ele aproveitava para carrear para terceiros e com isso ajudava no ganha pão para o seu lar. Somente no tempo de colheitas ele parava de carrear para ajudar naquelas.
Gostava daquele serviço e vivia feliz em companhia da família, mas volta e meia, sua mulher dizia:
13 26/07/1989.
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‐ Precisamos vender este sítio e ir embora para a cidade. Nossos filhos precisam estudar e aqui não tem condições.
De fato sua mulher tinha razão, pois não havia escolas por perto e eles já tinham 5 filhos, quase todos no ponto de escola, alguns deles já passando do ponto de começar os estudos.
‐ Sim, respondia ele, tão logo apareça um bom negócio, nós venderemos o sítio e iremos para a cidade.
Chegando em casa já à tardezinha, mandou o filho soltar os cavalos no pasto onde ele tinha os seis bois carreiros e uma vaquinha de leite.
Tomou um café ligeiro e desceu para ver o monjolo que com o seu nheê‐pan, nheê‐pan, socava o milho para a canjica e notando que a mesma já estava pronta, esperou o monjolo erguer o braço e calçou‐o com uma forquilha desviando a água para tocar o moinho de fubá, composto de duas pedra circulares superpostas e que com a entrada da água na roda fazia a de cima girar triturando o milho que entrava entre as duas, pelo atrito, saindo o fubá já pronto do outro lado.
Em seguida foi tratar sua boiada carreira. Apanhou mais de meio balaio de restolho de milho e foi para a mangueira, onde seus bois já o esperavam. Distribuiu o milho nos cochos e começou a conversar com a boiada como era seu costume:
‐ Pois é, amanhã temos duas viagens de café para puxar à estação da fazenda do Cel. Amâncio. Ainda bem que hoje vocês não trabalharam e estão descansados, né? Ao passar perto do Sereno, seu boi de guia muito reforçado e pesadão, deu‐lhe uma leve palmada na paleta acrescentando: ‐ Não é isso mesmo, Sereno? O boi já acostumado com aquilo, lambeu‐lhe a mão como lhe agradecer. Curioso, aquele boi, de uma mansidão espantosa para com ele não suportava e nem se ajeitava com ninguém mais para manejá‐lo. Lembrava‐se que certo dia que estava doente, emprestara o carro ao compadre seu, mas este não conseguiu por o Sereno no carro ficando sem fazer a viagem porque sem o boi de guia não era possível carrear.
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Deu outra palmadinha na anca do boi e saiu. Ao passar perto do moinho, vendo que já havia fubá
bastante desviou a água, parando‐o. Bem, ele também precisava descansar, porque no
outro dia teria as duas viagens de café conforme prometera ao Cel. Amâncio.
Lavou‐se, jantou e foi para a cama. Amanheceu, o sol já ia alto e ele dormia a sono
solto, quando sua mulher bastante braba, beliscando‐o e chamando dizia:
‐ Como é? Esqueceu seu compromisso? O carro está aí fora pronto e você dormindo?
Ele, ainda meio dormindo num sobressalto disse: ‐ Mais como? Quem conseguiu por o Sereno no carro? ‐ Que Sereno que nada homem, você parece que está
sonhando! Faz já quase trinta anos que vendemos o sítio com carro, Sereno e tudo o mais e você ainda sonha com o Sereno? O carro a que me refiro é a Kombi com a qual você deve levar os netos à escola.
‐ Então eu estava sonhando, né? Que pena você ter me acordado. Era um sonho muito bonito, parecia tão real e eu estava tão feliz...
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O LEÃO DO CIRCO
Precedido de bastante fama e muito alarde, chegou naquela cidade do interior um grande circo. Trazia na sua bagagem, além de bons e renomados artistas, várias
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espécies de feras e dentre estas, o famoso tigre de Bengala e o feroz leão da África. A chegada do circo, despertou grande interesse, principalmente pelo leão pois poderiam ver ao vivo o rei das selvas até aí desconhecido. A expectativa era enorme.
Morava na cidade, o Genaro, um pobre e miserável chefe de família, carregado de filhos e sem profissão definida. Fazia uns biquinhos aqui, outros ali. Sua mulher e seus filhos maiores é que davam duro para o sustento do lar.
Chegou o dia da grande estréia do circo. A cidade quase em peso compareceu, embora a entrada não fosse barata. O Genaro, coitado andava sempre "duro", não podia pagar para entrar. Ficou então por ali na porta, esperando que algum filho de Deus lhe pagasse a entrada.
Estava quase na hora de começar o espetáculo, o circo lotado e o Genaro aflito, quando dele se aproximou um senhor bem apessoado e chamando‐o em particular, perguntou‐lhe se estava, a fim de entrar. O Genaro vislumbrando nessa pergunta, o filho de Deus que lhe pagaria a entrada, animado, respondeu: ‐ Sim, mas estou sem dinheiro. – Escute, disse‐lhe o homem: ‐ Sou o gerente do circo, que tal você entrar, assistir todo o espetáculo e ainda receber 10$000? ("Déis" mil réis) ... (Naquele tempo um homem trabalhava de sol ao sol para ganhar 2$000).
‐ Mas o quê? Responde desconfiado o Genaro, (era muita banana por um tostão). – Acontece, disse‐lhe o gerente, que o nosso leão amanheceu doente e não podemos apresentá‐lo, e como ele é o principal número, convido‐o para substituí‐lo. ‐ Substituir o leão? Como? Responde o Genaro. ‐ Muito fácil, diz‐lhe o gerente; temos uma pele de leão completa, com cabeça, juba patas cauda e até garras, que lhe serviria como uma luva, pois o teu corpo é apropriado. Então você entra assiste todo espetáculo e na hora do leão, em sigilo, venho chamar e você simplesmente vai dar umas voltas dentro da Jaula vestido de leão e findo o espetáculo ganha os "déis" mil réis. ‐ Negócio fechado, responde todo feliz o Genaro, pois com aquele dinheiro compraria
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o necessário para uma semana no seu lar. O gerente o acomodou num bom lugar perto dos camarins e o espetáculo começou. Depois dos números de equilibrismo, malabarismo salto mortais, palhaçadas etc. etc., todos muito aplaudidos, chegou a vez de apresentarem as feras. Pelo alto‐falante recomendavam ao público que não se aproximassem muito da jaula, pois aquelas feras, principalmente o tigre e o leão, importados recentemente de seus países de origem, estavam indomados ainda portanto por serem "Zero Quilômetro", eram perigosos.
Anunciadas previamente, detalhando seus usos e costumes as outras feras foram sendo mostradas, causando grande admiração à platéia. – Quando anunciaram a vez do tigre, que era o penúltimo número, o gerente, disfarçadamente, veio buscar o Genaro para aprontá‐lo e instruí‐lo, tal como faria o leão verdadeiro.
O tigre foi anunciado com bastante estardalhaço: respeitável público, dizia o alto‐falante, vamos agora apresentar o sanguinário tigre de Bengala. Essa fera, muito traiçoeira, é capaz de em poucos segundos, com sua poderosa pata e seus dentes aguçados, por a nocaute e cortar a garganta de seus adversários. Seu maior inimigo é o leão, com quem está de relações cortadas, etc. etc. De fato, o tigre impunha respeito, tal o seu tamanho e sua cara de poucos amigos. Recolhido o tigre, volta o alto‐falante: E agora, distinta platéia, é chegado o momento de lhes apresentar o rei das selvas, a única fera que consegue sobrepujar o tigre, seu maior inimigo. Essa fera, reúne em si, além de sua grande força e agilidade, também astúcia, audácia, malícia e ferocidade, motivo porque é considerado o rei dos animais selvagens. Vamos então senhoras e senhores apresentar‐lhes sua majestade, o Rei Leão. Ato contínuo, abre‐se a porta da jaula e o nosso herói Genaro, vestido de leão adentra a mesma. Ficou um leão perfeito e real, até no andar, todo pomposo e armado, pois segundo lhe haviam dito no camarim, um monarca precisa ter postura até no andar. Ereto, cabeça erguida e ombros levantados, ele cumpria a risca o ensinamento. Os expectadores que se achavam perto da jaula se afastaram, com medo que o
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leão os alcançasse com suas enormes garras. Isso deixou o Genaro feliz, pois, na vida real ninguém o respeitava. Estava contente, assistira ao circo todo e dali a pouco receberia seus “deis” mil réis.
Mas, eis que o autofalante anuncia: E agora respeitável público, sabemos que o tigre e o leão se odeiam, que tal assistirmos a uma luta entre os dois? O circo inteiro em delírio, aplaudiu.
O Genaro debaixo da pele do leão, não acreditou. Não podia ser, pois isso não estava no programa. Mas antes que desse por si, a porta da jaula se abre e entra rapidamente o tigre. Entrou mostrando todos seus alvos dentes, não rindo, mas procurando briga. A gritaria da platéia era grande o que deixava o tigre mais furioso ainda. Chegaram até a querer apostar. Jogo 5 no leão disse alguém, por 3 eu pego, responde outro. (Pelo visto o leão era o favorito). O Genaro, coitado, nessa altura, encolhido num canto da jaula, lastimando sua pouca sorte, quase desmaiado, rezava.
O tigre se aproximou, já que o leão não ia nele, armou a pata e abrindo uma enorme boca que serviria quase de garagem a um fusca, preparou‐se para dar o bote. O Genaro, num último alento, sentindo já o grande dente do tigre em seu pescoço, implorou: Tenha piedade de mim sr. tigre, tenho ainda 5 filhos pequenos para criar. E o tigre pronto para cortar‐lhe a garganta, bem no seu ouvido, responde:
‐ Calma seu bobo, eu também estou ganhando "déis"...
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A ELEIÇÃO Achando‐se cansado e um pouco idoso para continuar governando o reino dos animais, sua majestade o Rei Leão, pensando em renunciar, chamou seus auxiliares diretos que eram o tigre, o lobo, a paca e o elefante, para decidirem o que fazer. O tigre opinou que ele não deveria renunciar, pois sempre fora um bom e estimado rei e muito respeitado. A mesma opinião teve o lobo. Já a paca achou que deveriam fazer um plebiscito para saber o que pensava a respeito o resto da bicharada, no que acompanhou também o elefante. Como houve empate, restava ao rei o voto de Minerva. Este, muito sabido e vivo apesar da idade, disse antes de tudo que deveriam mandar ver como ia indo a política dos homens, pois ao que tudo indicava parece que ia muito bem e caso afirmativo, poderia seguí‐la. Tendo concordado os demais, escalaram o gato, a raposa e o macaco, três dos bichos mais sagazes para saírem mundo afora a fim de colher as informações pedidas.
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Foram e só voltaram dali 40 dias e as informações que trouxeram não eram nada animadoras, pois a coisa lá fora não ia bem, estava deixando muito a desejar. Na Europa, havia sistema de parlamentarismo e reinado, mas não gostaram, pois havia lá um país cujo rei não reinava, seu cargo era decorativo e todos os assuntos eram resolvidos por um primeiro ministro. O que viram nas Américas também não os agradou, havia ainda ditaduras e o restante eram democracias, mas nenhuma delas estava convencendo. Havia lá um país onde o presidente era eleito pelo voto popular, mas os seus decretos tinham que ter o respaldo de um tal de congresso e os componentes desse congresso tinham pouca vontade de trabalhar não se reunindo o suficiente para dar o quorum às votações. Reuniam‐se sim, quando para legislarem em causa própria, como seja, para aumento de seus salários e jetons. O presidente nomeava meia dúzia de ministros para o ajudarem a governar e este por sua vez nomeavam um punhado de secretários e assessores para ajudá‐los naquela “árdua” missão. Havia mais de 500 deputados e senadores com suas mordomias e secretários sem contar os deputados das câmaras estaduais e os marajás que são aqueles que ganham uma fortuna e não fazem nada ou quase nada. Resultado: folha de pagamento astronômica e tudo pago a custa do povo. Como se tudo isso não bastasse, havia ainda os corruptos que por nada deste mundo encontravam o caminho da cadeia. Nos tempos de eleições, os mandatários para se manter no poder, nomeavam centenas de funcionários públicos, criando os famigerados trens da alegria e os empregados fantasmas. Enfim, esse sistema também não servia. A vista disso, resolveram, o rei e seus auxiliares fazer o plebiscito para saber o que a turma preferia e uma vez com a resposta, ficou estabelecido o seguinte: Seria mantido no cargo o mesmo rei, o Leão, e para auxiliá‐lo, seria eleito um representante de cada família de animais, cujo representante teria o cargo de ministro governador e ficaria no cargo até sua morte, porém aquele que não estivesse correspondendo, seria
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exonerado pelo rei que convocaria nova eleição somente para aquele exonerado. Esses ministros governadores deveriam cada qual tomar conta de uma pasta resolvendo todos dos casos, só apelando ao rei para aqueles assuntos de difícil solução. Deveriam também a cada 10 dias apresentar‐se ao rei para dar as medidas tomadas referentes às suas pastas e para despachar junto ao rei. E assim foi feito. Para os felinos concorreram o gato e a onça, ganhou o gato; para os caninos concorreram o lobo e raposa, venceu a raposa; para os roedores, ganhou o coelho; das aves canoras, venceu o canário; das aves de rapina, ganhou o falcão, dos bovídeos venceu o touro, dos sáurios saiu vencedor o lagarto, e assim por diante, todas as famílias de animais tiveram seus representantes eleitos de acordo com a vontade da maioria, e parece que deu certo, pois, até agora ninguém reclamou.
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O VESTIDO ESTAMPADO14 14 Novembro de 1983.
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Era dia de finados. Naquele dia eu me encontrava numa pequena cidade
do interior onde, por força maior, precisara ficar, pois tinha que resolver alguns negócios no dia seguinte.
Logo de manhã, nada tendo a fazer, pois o comércio não abriria suas portas naquele dia, depois do café matinal que tomei no hotel, onde estava hospedado, rumei para o cemitério, sozinho, pois não tinha naquela cidade nenhum amigo íntimo, apenas alguns ligeiros conhecidos.
O cemitério estava bastante freqüentado, quer seja por aqueles que visitavam os túmulos dos seus entes queridos ou por outros que apenas o faziam por simples curiosidade. Coroas e flores por todo o lado. Viam‐se rostos alegres e rostos tristes.
Depois de visitar quase todo o Campo Santo, parei perto da entrada principal observando os que entravam e saíam, esperava ver alguém mais conhecido.
Quando parou um táxi para descer seu passageiro, ouvi ligeiros comentários e risadinhas, alguém disse: "está chegando a velha maluca".
Maluca ou não, notei que ela estava encontrando dificuldade para descer do carro, então para lá me dirigi a fim de ajudá‐la, já que ninguém o fazia. Apoiando‐se em meu braço e com um sorriso de gratidão, pediu‐me que a acompanhasse amparando‐a no que imediatamente concordei.
Ela devia já passar dos setenta anos, mas ao invés do tradicional vestido escuro ou preto, como é comum em pessoas idosas, e principalmente num dia de finados, usava um vestido estampado vivo, próprio para mocinhas
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de quinze ou dezesseis anos. Um verdadeiro contraste. Fiquei intrigado. Observei que o tecido do mesmo, era étamine das finas, feitio antigo, mangas bailão, a saia pregueada, tal qual era o costume das jovens de outrora. Notava‐se que aquele vestido fora alargado diversas vezes. Ao passarmos pela avenida principal do cemitério ouvi comentários e risadas maldosas. Alguém disse: "vejam, hoje ela arranjou um namorado". Não liguei importância e continuei amparando a velhinha até o túmulo que ela me indicou, que por sinal era muito bonito. Preso à lápide, via‐se o retrato de um belo rapaz.
Enquanto acendia as velas, notando minha curiosidade ela continuou.
‐ Faz cinqüenta anos que faleceu, por isso que na fotografia, está jovem e bonito, ao passo que eu estou velhinha e feia.
‐ Não, minha senhora, disse eu, a senhora ainda guarda os traços da mocidade deve ter sido muito bonita.
Olhando‐me fixamente e com um sorriso triste disse:
‐ Obrigado, meu filho, você naturalmente não é desta cidade, não me conhece, porque aqui, sou considera uma velha maluca, maníaca ou coisa que o valha. Ninguém perde tempo em conversar comigo. Abrindo sua bolsa, apanhou uma fotografia e mostrou‐me dizendo:
‐ Olhe, aqui estou junto de meu marido. Era uma fotografia muito antiga, onde aparecia um lindo casal de jovens.
Mais que curioso, ela trajava na fotografia, o mesmo vestido estampado que estava usando naquele momento.
Perguntei: ‐ Desculpe minha senhora, mais esse vestido da fotografia não é o mesmo que a senhora está usando agora?
‐ Sim meu filho, é o mesmo vestido e é por causa dele que me julgam louca.
‐ Mas, tornei eu, por que ao senhora não usa outro mais apropriado para a ocasião? Ela não respondeu no momento, ajoelhou‐se, rezou uma prece e depois disse:
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‐ Eu e meu marido nos amávamos muito. Ele era bom e carinhoso, satisfazia‐me nos menores caprichos. Logo que nos casamos, mandei fazer esse vestido, e no dia em que o usei pela primeira vez e ele ficou encantado. Disse que eu ficava ainda mais bonita com ele. Abraçou‐me e beijou‐me apaixonadamente. Fez questão de tirarmos esta fotografia naquele dia. Disse‐me ainda: ó querida, se pudesse fazer com que esse vestido não se acabasse nunca... Respondi: ‐ ora, meu bem, quando esse acabar, faremos outro igual. Sim, é verdade, respondeu‐me ele, mas tenho a impressão que outro não ficaria tão bem em você como esse.
A velhinha com voz amargurada continuou: ‐ Naquele dia, à tarde, quando voltávamos de um
passeio, eu trajando ainda o mesmo vestido, o destino nos separou. Um carro em louca disparada atropelou meu amado marido. Ele ainda agonizando em meus braços, enquanto eu chorava, com um esforço supremo sorria para mim dizendo: não chores querida, você está tão linda com esse vestido, eu a amo tanto, tanto... com minhas lágrimas caindo no seu rosto ele morreu em meus braços.
‐ Guardei luto. Na primeira vez que visitei seu túmulo, usando vestido preto, tive a impressão que reprovava e condenava aquela roupa. Não me senti bem. Estava oprimida e amargurada, pareceu‐me que eu não estava satisfazendo seus desejos. Ocorreu‐me a idéia. Corri à minha casa e trajando o vestido estampado, voltei ao cemitério e embora causando a impressão a todos de estar louca, de fronte ao túmulo, juro ter ouvido aquelas palavras tão queridas: como você está linda, eu a amo tanto, tanto.
Senti‐me aliviada e conformada. Então, durante estes longos anos, continuo a usar este vestido sempre que visito seu túmulo, e assim o farei até que um dia quando morrer espero juntar‐me a ele novamente.
A velhinha terminando sua narrativa, tomou minha mão e disse com um triste sorriso:
‐ E agora meu filho quer acompanhar esta velha maluca até o carro?
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Tomando‐a pelo braço, acompanhei‐a ao táxi que a esperava. Agradecendo‐me muito, beijou‐me no rosto e com minha ajuda embarcou tomando muito cuidado para não rasgar e nem amarrotar o vestido estampado.
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A CHUVA
Os moradores daquela pequena e distante vila do interior, composta de pequenos sitiantes e chacareiros, viviam preocupados e amedrontados com a grande seca que se alastrava ameaçando acabar tudo. Quase todas as tardes saiam em romaria, rezando e molhando as cruzes na beira da estrada, pois segundo a crença, isso provocava chuva. Também, afirmavam outros, que se deixando um sapo morto de barriga para cima era muito bom para fazer chover. Então houvesse sapos para a turma
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matar e deixá‐los coma barriga virada para o céu. Mas nada disso estava adiantando. A seca era implacável e nada de chuva. Até as ervas daninhas estavam morrendo devido o sol causticante e falta d’água. Na beira da estrada, não se via mais nenhuma árvore dando sombra, estava tudo seco e estorricado. As folhas dos cafeeiros, de tão secas, ao serem tocadas pelo vento, tiniam lugubremente, tal qual coroas velhas e abandonadas nos cemitérios.
Quando apontava uma boiada, coisa rara no tempo de seca, devido o boi não ter quase o que comer, em marcha ou nas pousadas, ninguém agüentava a poeira que se levantava sob suas patas. Até o simples trotar de um animal era o bastante para levantar uma nuvem de pó.
As minas d’água e os poços estavam praticamente secos, só sobrando o ribeirão ao qual todos acorriam buscar o precioso líquido, porém ele também outrora tão caudaloso, agora agonizava, restando apenas um fio de água correndo no fundo. Se demorasse mais uns 10 dias sem chuva ele secaria totalmente.
A situação era desesperadora e a vida na vila estava completamente parada, ninguém se aventurava a nada, os moradores, desanimados. Até os casamentos já com data marcada, haviam sido adiados. Muitos admitiam que aquela situação seria um castigo dos céus, ao que outros respondiam: não é castigo não, a chuva tarda, mas não falta.
Numa certa tarde, o céu começou a escurecer e grossas nuvens negras se formaram e à noite a tão esperada chuva despencou com vontade como a dizer: desculpem minha demora, atrasei‐me um pouco mas cheguei.
‐ Eis‐me aqui.
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O ÚLTIMO TREM15
A cidade amanheceu triste e melancólica. Às 10 horas partiria o último trem, aquele
trenzinho de bitola estreita que há mais de meio século servia aquela cidade do interior. Ele trouxera o progresso. Viera quando a cidade mal engatinhava. A direção da estrada de ferro, prevendo o futuro da região, fizera sair um ramal da linha tronco que, depois de passar por algumas vilas e povoado, terminava naquele lugarejo que se transformaria mais tarde numa bela e dinâmica cidade.
Os velhos moradores lembravam‐se do dia que depois de pronta a linha e a estação, chegará o primeiro trem. Sim, esse mesmo trem de passageiros que agora nunca mais voltaria. Logo que ele apontara na curva, os rojões 15 15/02/1986.
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espocaram, a bandinha de música atacou um dobradinho da época. A locomotiva, luzindo e toda enfeitada de bandeirolas, resfolegando, encostou a composição na plataforma. Os discursos se sucederam e estava inaugurada uma nova era para os moradores da região.
Aquele trem tornara‐se como alguém de casa, fazia parte da família. Pelos seus apitos de chegada ou partida, muitos moradores acertavam as horas e os camponeses pobres que não possuíam relógios, baseavam‐se pelo horário do trem para seus afazeres domésticos. Para alguns significava a hora das refeições. Aos domingos, na plataforma da estação, no horário de chegada ou partida dele, muitos namoros haviam começado para se transformarem em matrimônio depois. Aquele trenzinho representava o passado distante. Para uns, agradáveis lembranças, para outros tristes recordações. Por ele haviam viajado os pobres e os ricos, os párias e coronéis. Ele trazia ou levava os entes queridos que moravam distante. Quantos sorrisos e lágrimas ele havia provocado... era o trem da saudade.
Agora ele partira pela última vez. No dia seguinte não mais se ouviria apitos tão alegres e familiares. Era como o filho querido que tanta alegria e esperança trouxera quando nasceu e agora partia para nunca mais voltar.
A era do progresso fizera com que isso acontecesse. As estradas, antes esburacadas e lamacentas onde só passavam carroças e carros de boi, agora estavam asfaltadas e possantes caminhões faziam o transporte mais rápido, ônibus confortáveis e velozes conduzia os passageiros, não sobrando quase nada para o trem. A vista disso, a direção da ferrovia resolveu suprimir aquele ramal alegando ser o mesmo antieconômico. Dali uns dias começaria o arrancamento dos trilhos e dormentes.
De nada valeram os "abaixo‐assinados" e os protestos da população pedindo a permanência do trem.
Depois de mais de meio século, tal como o filho querido ou o esposo que saía de manhã para labuta diária voltando à tarde para o lar também aquele trenzinho
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fazia o mesmo papel, a mesma obrigação, e à tarde, batendo o sino e rangendo os freios chegava de sua jornada. Havia cumprido sua missão.
Ainda faltavam 30 minutos para às 10 horas e já a estação estava repleta de passageiros e curiosos, fato anormal ultimamente, pois quase ninguém mais viajava pelo trem.
Poucos minutos antes da partida, os passageiros, na maioria os saudosistas, quase o lotaram. Prestariam sua última homenagem àquele trem que tanto os havia servido no passado acompanhando‐o até o término da linha. Voltariam de ônibus depois. A plataforma, com tanta gente, até parecia o dia da inauguração, somente que agora não havia foguetes e nem banda de música e os sorrisos daquela época agora eram substituídos por lágrimas.
10 horas... depois do tradicional apito, a velha locomotiva soltando a pressão nos cilindros começou a arrancar o trem que foi ganhando velocidade até sumir na primeira curva, deixando naqueles que o ficaram observando apenas as lágrimas de adeus pela partida do último trem, o trem da saudade.
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O ENCONTRO DA SAUDADE16
Transcorridos 50 anos sem notícias e sem se verem, aqueles três amiguinhos da infância marcam um encontro. Lucas, Simão e Samuel. Os dois últimos eram irmãos. Haviam passado parte da infância e uma parcela da juventude na mais pura e sólida amizade, porém sempre aprontando das suas. O Lucas, por ser o mais velho, era considerado o chefe dando as ordens e as coordenadas para as travessuras que praticavam juntos, ora nadando em lugares proibidos ou roubando frutas nos pomares alheios.
O Simão, era do tipo queimado, que por qualquer coisinha já queria partir para a briga, no que era aconselhado ou apartado pelo Lucas, a quem obedecia cegamente. O Samuel embora sendo: o mais novo do trio, era o mais ajuizado, além de ser muito educado, era servidor e respeitava o líder, Lucas.
E assim naquela amizade sincera, passaram‐se os anos, até que um dia o destino veio interferir nas suas vidas, separando‐os. Os dois irmãos foram para a capital tentar a sorte, enquanto Lucas, passado alguns anos, também se mudou para longe da terra natal.
Agora, transcorrido meio século, eis que marcam um encontro na mesma cidade e no mesmo local onde sempre se encontravam.
Para melhor evocar o passado distante, o Simão, seresteiro de outrora, inventou de fazer o encontro
16 27/04/1988.
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dentro de uma serenata, muito em voga nos tempos da mocidade.
Mas acontece que guardamos na memória e no nosso subconsciente as imagens e as fisionomias tal como as vimos, esquecendo‐nos que com o passar dos anos, envelhecemos, perdendo aqueles ares e encantos de infanto‐juvenis.
Logo aos primeiros acordes da serenata, o Lucas, acompanhado de um quarto personagem, também saudosista e conhecedor do trio, se apresenta.
‐ Mas como reconhecê‐lo? ‐ Seria aquele ancião de cabelos brancos, andar um tanto trôpego, rosto enrugado e cansado o guri lépido, inteligente e com ares de mandarim do passado? ‐ Este por sua vez, embora sem o demonstrar também teve a sua surpresa, pois esperando ver aqueles rostos juvenis cuja imagem estava tão viva e bem guardada em sua memória, o que viu? – O Simão que acompanhava a serenata com o cavaquinho, cabelos tingidos, uma grande entrada no alto da testa, prenunciando a calvície, seu rosto mostrando as rugas e embora com seu sorriso franco e aberto, não escondia que já fazia parte do rol dos velhos. Ao ser perguntado pelo irmão, de pronto o indicou.
Mas, como? Seria possível que aquele cidadão sexagenário de voz grave e sentimental fosse Samuel, o guri de 11 anos, loirinho e sempre sorridente que ele conhecera?
Sim, era ele mesmo, não havia dúvidas. A realidade estava ali e não poderia ser diferente. Não era preciso chorar, porque seus corações já o faziam.
Depois de passada a emoção e os momentos de surpresa, caíram na realidade e acordaram dentro de si que os anos passam para todos carregando consigo a infância e a juventude, deixando‐nos as marcas dos percalços da vida.
Mas, felizes daqueles que têm a ventura de se encontrarem mesmo na velhice, recordando os bons tempos saudosos da juventude que nunca mais voltarão, dos quais só podemos guardar a imorredoura... SAUDADE.
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ERA UMA VEZ17 17 Março de 1990.
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Era uma vez, assim começava a história, aquela vovozinha, rodeada pelos netos pedindo‐lhe para contar uma história.
‐ Sim, concordou ela, porém vou contar‐lhes uma história verdadeira.
‐ Isso vovó, responderam eles, conte‐nos então: E ela começou: Era uma vez, uma menina muito bonita que tinha
uma vontade louca de estudar, mas por mais que tentasse, não conseguia, pois por ser de família pobre precisava trabalhar desde pequena para ajudar no ganha pão da família. Nem o primário ela conseguiu fazer, apenas aprendeu um pouquinho, freqüentando uma escola noturna. Ficou moça e um dia apareceu‐lhe um rapaz que embora pobre, mas bastante trabalhador, pediu‐a em casamento. Ela aceitou e tendo seus pais também concordado, dali a alguns meses estava casada. E começaram a chegar os filhos. Ela, que não conseguira estudar, fazia todo o possível para que seus filhos o fizessem, mas tal como ela, também não puderam, pois os estudos eram muito caros e eles não tinham condições.
Foram crescendo e se casando. Certo dia, seu companheiro de tantos anos a deixou, partindo para o “Além”. Ficou sozinha, com a saudade por companheira.
Nesse ponto teve que interromper a narrativa porque seus netos já dormiam, com as cabeças apoiadas em seu colo. Foi pô‐los na cama. Na noite seguinte, eles a cobraram para continuar com a história. E ela continuou:
Então, tendo ficado viúva, ela foi morar com a filha casada e com dois filhos. Aí lhe ocorreu uma idéia. Já que nem ela e nem a filha conseguiram estudar, porque não fazer por onde que seus netos estudassem? Enfim eles tinham condições para fazê‐lo e seus pais queriam que se formassem, mas o diabo é que os meninos não queriam de forma alguma estudar.
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Novamente interrompeu a história, pois os netos dormiam.
Na outra noite, antes que eles a chamassem, foi ela quem os chamou para ouvirem o restante da história, ao que eles responderam:
‐ Não adianta não, vovó, a sua história nos dá muito sono.
E ela concluiu: ‐ Ah é, seus malandrinhos. É que vocês são uns
vagabundinhos que ouvindo a verdade, esta lhes dá bastante sono mesmo.
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A GEADA
Era madrugada e já havia uma fumacinha saindo da chaminé da modesta casa do Venâncio, apesar do intenso frio da noite de geada.
Enquanto sua mulher esperava a água ferver na chaleira para fazer o café, ele, com um pé em cima da
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soleira do fogão, enrolava seu cigarro de palha. Com a voz embargada, disse à esposa:
‐ É Joana, Deus se esqueceu de nós. Agora o jeito é vender essas terras, pagar as contas e começar tudo de novo.
‐ Não diga isso, Venâncio, respondeu ela, Deus nunca se esquece dos pobres.
A noite entrara com aquele frio horrível prenunciando geada forte. Ele, o Venâncio quase não dormira à noite, não pelo frio, mas pensando o que seria de sua família agora. Comprara aquele pedacinho de terra, pouco mais de 3 alqueires, com muito sacrifício, com suor do rosto, trabalhando bastante e economizando. Ficara devendo um resto que o banco financiara para ele pagar na primeira colheita de café. E agora que seu cafezinho prometia uma boa colheita para o próximo ano, vem a geada e leva tudo por água abaixo. Dera duro, derrubara o mato e plantara café com a ajuda da mulher e do filho, Pedrinho. Fizera tantos planos para o futuro! Com o produto da colheita, pagaria o banco, compraria um cavalo e um charrete para que seus filhos freqüentassem a escola, pois a mesma ficava longe. Em seus devaneios, pensava em cercar um pedacinho do sítio além do ribeirão para ter ali uma ou duas vaquinhas de leite. Não esquecia ainda que precisava aumentar sua casinha visto que ela já estava ficando pequena para sua família.
Estava triste e pensativo ainda, quando sua mulher passando‐lhe a canequinha de café, disse:
‐ Não fique triste não Venâncio, havemos de vencer. Deus jamais se esquece dos pobres. Ele nos ajudará.
‐ Mas Joana, estamos trabalhando de sol a sol já há 4 anos e até agora não conseguimos nem por o Pedrinho para estudar. O que vamos esperar mais? O melhor é vender o sítio, pagar tudo que devemos e ir embora deste lugar amaldiçoado.
‐ Não vamos vender nada não pai, retrucou o Pedrinho que havia escutado a conversa e nesse momento chegava perto do fogão. Tão revoltado estava o pai que não notara a aproximação do filho.
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‐ Olha pai, continuou o menino, nossas terras são boas. Aqui dá de tudo, feijão, arroz, milho e até verdura. Vamos plantar no meio do café até ele se reformar e o senhor verá que nós venceremos.
‐ Mas, e tua escola, filho? Respondeu o pai, você tem 11 anos e ainda não pôde freqüentar a escola, sem contar com tuas irmãs que também já estão na idade escolar?
‐ E o que tem isso pai? Sempre há tempo da gente aprender, se não dá agora, dará mais para diante. O negócio agora é tocar o sítio, e nós vamos enfrentar.
‐ E as dívidas, filho, como vamos pagar? Argumentou o pai.
‐ Ora pai, o banco espera mais uns dois anos e os vendeiros nós pagaremos com os cereais que havemos de colher. Eles compreenderão e com vontade e fé em Deus, tudo se consegue. Eu sei que o senhor pensava em comprar um cavalo e uma charrete, cercar um pedaço de pasto para ter uma vaca de leite e aumentar a casa, mas tudo isso pode esperar. Temos ainda a cabra que está dando leite, uns porquinhos engordando e na tulha tem feijão e arroz para o nosso gasto, portanto pai, estamos melhor que muitos coitados que mal tem o que comer hoje e não sabem como será o dia de amanhã.
O pai, boquiaberto, ouvia o filho. Nunca esperava ver num menino de apenas 11 anos tanta animação e tanto otimismo. Com os olhos úmidos falou à esposa:
‐ Você tem razão Joana, agora acredito que Deus não se esqueceu de nós, pois somente Ele poderia nos ter dado um filho como este. Em seguida, abraçando o filho disse:
‐ Muito bem filho, então vamos trabalhar e não venderemos o sítio. Acabo de receber uma grande lição, pois por teu intermédio, Deus se fez presente nesta casa. E erguendo os olhos marejados de lágrimas para o alto, ‐ obrigado, meu Deus.
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QUEM VÊ CARA, NÃO VÊ CORAÇÃO18
Há muitos anos eu li uma história da qual não me recordo do título e nem do nome do autor, mas por ser uma história muito interessante, passo adiante. Um viajante perdeu‐se no meio do mato e por mais que procurasse a saída não a encontrava pois havia muitas picadas e caminhos e ele não sabia qual deles tomar. Anoitecia e ele apavorado com receio de ter que passar a noite no mato, procurava algum morador para se informar mais não encontrava ninguém. E fez‐se noite. Ele, andando a esmo, viu uma casinha de taipa e pela luzinha brilhando lá dentro, calculou que devia morar alguém. Esperançoso para lá se dirigiu. Ao bater à 18 24/10/1990.
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porta, foi atendido por um caboclo mal encarado, um verdadeiro matuto, que ao saber de suas pretensões disse‐lhe que aquela hora da noite ele não encontraria a saída. Melhor seria esperar o dia amanhecer quando então ele lhe ensinaria a saída. E convidou‐o a entrar. O viajante aceitou e logo notou que aquele caboclo devia morar sozinho visto que só havia uma pequena cama de varas com colchão de palha num canto da casa de um único cômodo e no outro canto, um fogão no qual fumegava uns tições. Logo mais o caboclo trouxe‐lhe um prato com feijão e farinha que ele comeu com apetite tal a fome que estava devido as andanças naquele dia. Depois lhe ofereceu a sua cama para ele dormir e embora o visitante recusasse, tanto o caboclo insistiu dizendo que dormiria muito bem sentado no fogão, que acabou aceitando. E deitou‐se. Mas sobreveio‐lhe um mau pensamento. E se aquele caboclo esperasse ele dormir para depois assaltá‐lo? Arrependeu‐se de ter aceitado a cama, mas por via das dúvidas deitou‐se, mas manteve seu revólver na mão por baixo das cobertas. E o sono não vinha. Talvez devido a cisma dele com relação ao dono da casa. Mas passadas algumas horas ele cochilou um pouquinho mas logo foi despertado por um leve rumor do lado do fogão. Ao abrir os olhos, com pavor, ele viu o caboclo pé ante pé com uma faca na mão, dirigindo‐se para sua cama. Não tendo outra solução, ele apertou o gatilho do revólver mesmo por baixo das cobertas mas o gatilho não cedia, parecendo emperrado. E o caboclo cada vez mais perto dele. Redobrou a força do dedo no gatilho mas nada do tiro sair. Quando ele ia dar um grito de terror já com o homem encostado nele, eis que o caboclo com todo o cuidado enfiou a mão por baixo das cobertas e por uma abertura no colchão, tirou uma palha voltando para o fogão onde cortou a palha e enrolou o seu cigarro. Aí, o restante da noite o viajante dormiu tranqüilo, pois pôde perceber que aquele caboclo era gente de bem, e o cuidado que ele tivera ao se aproximar de sua cama, fora para não acordá‐lo, pois acreditava que estivesse dormindo.
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No outro dia, logo de manhã, depois de tomar uma xícara de café oferecida pelo dono da casa, o viajante antes de partir quis gratificá‐lo, mas o homem de forma alguma acertou, alegando que algum dia ele também poderia precisar de um favor. Já longe dali, o viajante, lembrando do ocorrido na véspera, pegou o revólver e depois de tirar as balas, acionou o gatilho. Este obedeceu de pronto. Então o que teria havido? Pois ele fizera tanta pressão no gatilho e este não obedecera! Sim, então só restava uma explicação. Naturalmente ele na hora do apuro pusera o dedo no lugar errado, isto é logo atrás do gatilho ou seja, na guarda do mesmo e com isso salvara a vida daquele homem que ele pensava ser um malfeitor.
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PARTE 2
REMINISCÊNCIAS DE BEBEDOURO
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TRAVESSURAS E PERALTAGENS19 1 Dentre os meus “aprontos” quando criança, achei que devíamos, eu e o mano Nestor, fazer o nosso circo e a nossa tourada, muito em voga na época. Eu tinha a idéia, a qual expunha ao mano. Ele bolava, arquitetava e dava‐me a receita para ser posta em prática. Assim sendo, montamos o nosso cirquinho no paiol velho lá de casa. A entrada custava 5 palitos de fósforos (virgens, é claro). Como a menor moeda circulante era o tostão, (sem réis), com o qual comprava‐se meia dúzia de bananas ou um pão sovado ou um sorvete, etc., a única forma de se conseguir o cêntimo ou centavo dessa moeda era apelar para os palitos. Considerando‐se, naquele tempo, a caixa de fósforo com 40 palitos custando 200 réis, teríamos: 1 palito, 5 réis, 5 palitos, 25 réis. Então de cada 8 pagantes faturávamos uma caixa de fósforos no valor de 200 réis. Relativamente a entrada era barata, mas pelo menos não faltava fósforo para a mamãe acender o fogo. O espetáculo consistia em truques e adivinhações. Tínhamos tudo combinado e decorado em códigos ou deixas. Os “artistas”, eu e o mano, depois daquela farolagem toda, que tínhamos o poder da transmissão de pensamento, um de nós ficava sentado no palco, de costas para a platéia e com os olhos vedados, enquanto o outro percorria os assistentes pedindo a um deles que lhe 19 21/11/1984.
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dissesse ao ouvido um nome próprio de homem, ou nome de fruta ou de cidade, a fim dele transmitir por pensamento ao companheiro. Depois de fingir ter‐se concentrado e com gestos de ter atirado algo ao outro lhe perguntava: ‐ É Pedro? – Não, respondia aquele. – É José? – Não, tornava a responder. – É Antônio? – Não. ‐ É Benedito? É. Em cima do pedido, pois Benedito foi o nome dado pelo espectador. Para não dar na vista, decorávamos 3 deixas de cada espécie. A pergunta que viesse logo após uma delas era a certa. Com esse e outros truquezinhos, íamos tomando os palitos da turma. Depois passamos para a tourada. O nosso circo de touros imitava bem de perto as touradas verdadeiras, pois feito em lances formando um círculo oitavo com varas de assa‐peixe, santa bárbara e outras e tendo também a “sheringa” para os “touros”, nada ficava devendo àquelas. As capas para os passes eram sacos de estopas velhos. E funcionava à noite também, graças a um lampião a querosene, daqueles usados pelos coches antigos. Os “touros” eram nosso cão, o Rin‐tin‐tin que por não ter chifres fingia que mordia, e, um bode chifrudo do senhor Luiz Piva cujo ele nos emprestava, isto no começo, depois não quis mais emprestá‐lo, mas o bode vinha assim mesmo, pois o Belo (Renato Pinto), que também era “toureiro”, ia buscá‐lo no pasto onde ele ficava e depois da função, levava o de volta. O dono do bode emprestava‐o sem saber. Por ser a atração principal, deixávamos o bode para o número de fundo. Ele ficava bastante furioso e investia para valer. Eu e o Belo, os “heróis”, passávamos apertados dentro do picadeiro para nos livrar de suas investidas. A turma que assistia ao espetáculo gostava e ria bastante e pelo que parecia torcia mais para o bode.
Certa vez, ele investiu com tanta sanha que quebrou a cerca e se mandou. Nesse dia, o Belo não precisou levá‐lo. Ele foi sozinho.
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TRAVESSURAS E PERALTAGENS20 2 20 28/11/1984.
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Reporto‐me hoje às travessuras da molecada de outrora, quando se fazia “peladas” até com bolas de meia no campo do Ama; brincava‐se de carniça, popular “uma na mula” no jardim misteriosos e as escondidas dos fiscais da prefeitura trepava nos ingazeiros para colher os ingás maduros; empinava‐se papagaios, etc., etc.
Aos domingos, ia‐se nadar no córrego da Consulta, na fazenda do saudoso sr. Ascânio de Carvalho e na volta roubava‐se frutas nas chácaras da prefeitura da cidade. Há de se notar que naquele tempo de 6 bananas ou 10 laranjas por um tostão, havia frutas em grande quantidade e com pouco comércio, portanto acreditava‐se que os proprietários dos pomares, pouco ligavam aos danos sofridos, fazendo “vista grossa” pois, as frutas eram mais dadas do que vendidas. Na época, quando alguém estava na “pior”, isto é, na penúria, era comum ouvir‐se outros dizerem: ‐ Coitado do fulano, está passando a pão e banana, ou pão e laranja. Hoje, ... Heim!
Quanto a natação no córrego da fazenda dos Carvalhos, devido ali ser o bebedouro do gago, não gostavam da presença da molecada, visto que além de estorvar o gado saciar a sede, nadavam nus, o que não deixava de ser certo atentado ao pudor, pois ali passavam moças e senhoras em demanda a sede da fazenda, então volta e meia lá vinham os campeiros e punha a molecada a correr. Lembro‐me que certa vez um deles, a cavalo, perseguiu‐nos sob ameaça de chicote até o mata‐burro que havia na estrada Bebedouro‐Botafogo. Outras vezes, sorrateiramente, escondiam a roupa do “nadante” obrigando‐o a voltar nu para casa. Nessa, quase que o Syro Lima Costa entrou um dia. O engraçado da história eram aqueles apuros que passávamos, aquela pantomina toda, fazia parte da festa, então só os moleques corajosos, os “machões” enfrentavam a “boca quente”. Os medrosos e covardes não se arriscavam.
Tempos depois, vendo que não conseguiam mesmo
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conter a molecada, franquearam a natação, desde que fosse de calção.
Colocaram então numa das árvores próximas uma tabuleta com os dizeres: PROIBIDO NADAR PELADO. Mas como ninguém tinha calção, o jeito era nadar pelado mesmo.
Aquele córrego era bastante piscoso. Pegava‐se lambaris durante o dia e mandis e bagres à noite, pois a distinta e grande família Carvalho franqueava a pesca também. Hoje recordando os amigos da infância e juventude, companheiros daquelas passagens, a título de homenagem póstuma aos que faleceram e amizade perene aos que ainda vivem, com muita saudade relembro‐os neste relato. Observem que naquele tempo alguns deles eram conhecidos mais pelos apelidos, os quais cito aqui: Antônio Calixto, popular “Jaú”, Renato Pinto, conhecido por “Belo”, seu irmão apelidado de “Gonga”, Wilson “Caveira”, Aparecido dos Santos, Sebastiãozinho, Syro e Saulo Lima Costa, Epaminondas (Nondas), Zezinho e Jairo Silveira Lima, Chico “Picumã”, Cláudio de Souza Lima, mais conhecido por “Brechó”, Augusto Betelli e outros. Quanta saudade, amigos...
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FESTA DE SÃO JOÃO
No mês de junho, até o dia 24, o povo em geral compartilhava da festa do padroeiro da cidade, São João Batista.
Na noite, ajuntava grande multidão na praça da Igreja, local da festa. A banda musical animava os festejos com seus dobrados e marchinhas da época. Fogos, espocavam a todo instante e cada 10 ou 15 minutos um balão era solto juntando‐se aos demais que já vagavam pelo espaço. Não faltavam as barracas de jogo, tiro ao alvo, quentão, doces e salgados.
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No coreto próprio, o sr. Juca Ribeiro, leiloeiro oficial e vitalício com martelo na mão direita e ostentando na outra um delicioso bolo ou suculento frango assado, apregoava: quanto me dão... Dois mil réis, dois mil réis dou‐lhe uma, dois mil réis dou‐lhe duas, dois mil réis dou‐lhe três, e Pam, a martelada. Arrematado pelo sr. Fulano de Tal.
Em certas ocasiões, até cabritos, leitoas e garrotes vivos eram leiloados em prol da Paróquia, além de cachos de banana, para gáudio da molecada.
Havia em Bebedouro, como os que há em todos os lugares, os pães‐duros, “munhecas”, dos quais é difícil tomar‐se o dinheiro. Certa noite, uns senhores da sociedade aprontaram uma boa. Pegaram ou tomaram o chapéu (muito usado na época) do sr. Saturnino Toledo, uns dos munhecas e o entregaram ao sr. Juca para ser leiloado. E começou a “guerra”. O leiloeiro, em meio às risadas e gozações, gritava: quanto me dão pelo chapéu do sr. Saturnino ‐ Dez mil réis, oferece alguém. Quinze mil, responde outro. Por vinte, o dono não o leva, retruca outro. O dono do mesmo, para não passar vexame, precisava ir cobrindo os lances que já iam alto. Resultado: acabou arrematando seu próprio chapéu por um preço altíssimo.
Dali uns dias ele voltou à festa, mas, sem chapéu, embora contrariando a moda e o costume da época.
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CORRIDA DE TRENS21
Nós, bebedourenses, tínhamos o privilégio de assistir, há mais de meio século passado, a uma corrida muito estranha. Não de automóveis, cavalos ou outra, mas sim, uma corrida de trens. Sim senhores, uma corrida de trens. Que nome daríamos a essa curiosa corrida? ‐ Trilhódromo, trenódromo ou ferródromo? Não importa, vamos lá.
As 8:20 da manhã, partia de Bebedouro o trem de passageiros da Cia. Paulista, com destino a Barretos e no mesmo horário partia também o trem da extinta Cia. Ferroviária São Paulo‐Goiás que nascia em Bebedouro, com destino à Olímpia. Como os trilhos de ambas corriam paralelos até uns 2 quilômetros, os dois trens apostavam 21 27/07/1986.
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carreira, ganhando aquele que passasse primeiro sob a ponte seca, perto do cemitério. Era aquela torcida, tanto pelos que estavam no trem como pelos outros que ficavam na plataforma da estação. Alguns ficavam em cima da ponte, d’onde a visão era mais perfeita. Engraçado que os maquinistas, (na época, machistas, pois se escrevia máquina com Ch), ficavam afoitos, com mão pronta para soltar a alavanca de pressão nos cilindros e não perder tempo para partir logo após o 2º apito do guarda‐trem.
Normalmente, a Paulista, com sua locomotiva "Maria Fumaça" mais possante e rodas gigantescas, ganhava, embora seu trem fosse mais longo e pesado, mas n’algumas vezes a Goiás saia vencedora.
Isso durou até que uma das administrações, naturalmente da Paulista, alterou o horário de sua partida, acabando assim com aquela curiosidade, engraçada. Que pena.
Hoje diríamos: Mas que barato, hein?
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O PRIMEIRO AEROPLANO EM BEBEDOURO
Lá pelos anos de 25 ou 26, propagou‐se alvissareira notícia na cidade, que aterrisaria em Bebedouro o 1º aeroplano (avião com duas asas), desde que se fizesse um campo para o pouso do mesmo. Imediatamente organizaram uma espécie de mutirão, na maioria os moços da cidade, e puseram‐se a trabalhar. Em terreno doado por um dos fazendeiros locais, se não me engano do sr. Candinho, usando picaretas, enxadas, enxadões e foices (ferramentas da época), davam duro de manhã até à tarde. As moças também colaboravam levando água, lanches e café aos trabalhadores improvisados. Imaginem quantas bolhas d’água saíram naquelas mãos, visto que a maioria deles era da alta sociedade e nunca pegou numa ferramenta. Mas, a custa de sacrifícios e muita persistência, fizeram o campo e o aeroplano desceu em meio à festa, fogos e banda de música.
Bravos jovens de outrora.
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FÓRMULA “FORD BIGODE”
Havia as famosas e muito animadas corridas de Bebedouro a Monte Azul e Bebedouro a Botafogo, que hoje poderiam ser chamadas de Fórmula Ford de Bigode.
As estradas, poeirentas e esburacadas, com curvas de até 90 graus, mais próprias para carroças, carros de boi e boiadas, não faziam frente aos fordinhos "treis‐treis", pilotados pelos ases do volante Lourenço Santim, Atílio Santim, José Zápia, Boi Preto e outros. O José Zápia, cognominado "Rei do Volante", ganhava grande parte das corridas. A torcida era enorme, havendo apostas neste ou naquele corredor.
A largada para Botafogo era onde hoje é o Recanto Asilo São Vicente de Paulo, e aqueles 9 quilômetros eram cobertos em 8 minutos, o que não deixava de ser um recorde na época.
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A REZADEIRA22
Na década de 20, numa casinha modesta e simples, perto do campo do AMA, morava com o Manézinho, marido, amigo, sei lá, a Dona Mariquinha Barranqueira. O Barranqueira era apelido e embora o mesmo pareça suspeito, dando a impressão de origem duvidosa, nada havia que desabonasse o seu passado, portanto...
Era perita rezadeira de terços, muito comum na época, motivo porque era constantemente chamada para esse fim. Para completar, era benzedeira também e das boas, pois em sua casa ia muita gente com a finalidade acima. E assim, com uma ajudazinha daqui, outra dali, ia vivendo, pois o Manézinho, pouco gostava de trabalhar. Ela usava só chinelas de dedo e ao rezar o terço, acompanhava‐o com o plac‐plac do chinelo batendo em seu calcanhar, tal como o saudoso Ciro Monteiro que acompanhava seus sambas tamborilando com os dedos numa caixa de fósforo.
Certa vez, antes de começar o terço, alguém lhe escondeu os chinelos. Pois, enquanto não devolveram, o terço não saiu.
Sem o plac‐plac do chinelo, ela não sabia rezar.
22 20/12/1986.
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A ESTÁTUA EXILADA23
Prosseguindo hoje com minha série de reminiscência relatarei a origem do cognome daquela cidade. Bebedouro “Cidade‐Coração”.
Como todos devem saber, os cognomes das cidades, tem sua origem. Assim, Maringá, Cidade‐Canção, origina‐se da canção Maringá; Apucarana, Cidade‐Alta, é devido sua grande altitude; Arapongas, Cidade dos Passarinhos, vem destes, etc., etc. Cornélio Procópio, que já foi Capital do Café, depois Capital do Asfalto, hoje é a Capital do Desenvolvimento.
Os mais antigos moradores de Bebedouro, lembram‐se da herma do Dr. Jocelyn de Godoy que na década de 20 e metade da década do 30 ornamentou a Praça Conrado Caldeira (antigo Largo São Sebastião o hoje, Praça 9 do Julho). A herma ficava no local onde está o fórum. Era um destaque urbano. O primeiro estatuário erigido em Bebedouro. Só posteriormente, ergueram outros.
A herma do Dr. Jocelyn, cumpriu naquela cidade um exílio de quase 15 anos. Pertencia a Jaboticabal, cidade vizinha.
Quem foi Jocelyn de Godoy? ‐ Professor, Advogado, Jornalista e Político.
Orador brilhante de palavra fácil e cadente oposicionista por vocação.
Nascido em Pirassununga aos 2 de Novembro de 1866, fez seus estudos em Itu, Campinas e São Paulo, Exerceu o magistério em Santa Rita do Passaquatro. Foi redator do 23 Agosto de 1986.
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semanário "O Pirassununga" jornal abolicionista e republicano. Residiu em Paris, onde freqüentou a Escola de Arquitetura e a Faculdade de Direito. No Rio do Janeiro, exerceu o magistério e militou na imprensa carioca. Nos fins do século passado, transferindo‐se para Jaboticabal, onde redigiu o "Correio do Sertão" depois "O Atalaya" que mais tarde tornou‐se "O Democrata". Combateu com veemência a administração ‘perrepista’ jaboticabalense, o que lhe valeu processos. Foi vereador nesta cidade de 1914 a 1917.
Faleceu em 22 de Julho de 1918. Contava 51 anos. Seus correligionários e admiradores tentaram em
vão conseguir‐lhe uma homenagem oficial na cidade. O situacionismo porém, agredido por ele em violentas campanhas eleitorais não admitia que lhe dessem a denominação de uma modesta rua.
‐ Dois anos depois, seus amigos mandaram esculpir em bronze o busto do grande democrata. No entanto, a Câmara de Jaboticabal, pressionada pelo executivo, negou um local para o busto em qualquer logradouro da cidade.
Foi então que Bebedouro admirador do ardoroso político, se ofereceu para abrigar a herma. E com as solenidades devidas, foi ela montada no Largo São Sebastião, com a inauguração festiva no dia 3 de Outubro de 1920. O prefeito de Bebedouro, na época Cel. Raul Furquim, mandou ajardinar a praça.
Lá ficou o imponente busto por quase 15 anos. Em 1935, com a ascensão do presidente Getúlio
Vargas e com a conseqüente queda do PRP., a política em Jaboticabal também mudou. E foi assim que em 21 de Abril de 1935 foram buscar a estátua de Jocelyn de Godoy.
Nesse dia, na solenidade da devolução da herma, depois de ter discursado o estudante de medicina, Oswaldo Poli, Jaboticabal, "Cidade das Rosas" ofereceu à Bebedouro um enorme ramo de rosas com a seguinte mensagem escrita: "RECEBE BEBEDOURO, O TÍTULO DE CIDADE CORAÇÃO, POIS O CORAÇÃO DE TUA GENTE É GRANDE E MARAVILHOSO".
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Ai está amigos, a origem do cognome "Cidade‐Coração", título esse que muito honra os bebedourenses. Devemo‐lo à essa grande cidade amiga, Jaboticabal.
Na praça Dr. Joaquim Batista dessa cidade, em seu devido pedestal, lá se encontra a herma cuja inscrição diz: "A Jocelyn de Godoy. Em Bebedouro ‐ 3/10/1920. Em Jaboticabal ‐ 21/4/1935".
Para compor memória acima, tive ajuda do saudoso e grande historiador Arnaldo Christianini e da Prefeitura de Jaboticabal que me remeteu um exemplar do Jornal "O Combate" de 18/4/1986, cujo historia o fato.
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O BEATO24 24 06/09/1986.
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Chamava‐se Gasparino. Era muito carola e
igrejeiro. Participava de todas as atividades da Igreja. O Gasparino, mulato, baixo, magro, grisalho, com barba e cavanhaque tratados era o puxador das procissões. Ia de opa, levando, compenetrado, o cirial. Às vezes, carregava andores.
Um dia, meteu‐se‐lhe na cabeça que iria ser arrebatado para o Céu. Afirmava ter tido uma revelação sobre a data em que seria transladado para o reino dos bem‐aventurados. Teria, porém, de observar um jejum de três dias.
No dia aprazado, trancou‐se no quarto e não recebia ninguém. Rezava o dia inteiro e só tomava água. Não comia. Assim passou três dias. No quarto dia, data em que seria arrebatado, saiu de camisola branca para o quintal. Levava duas palmas. Encostou uma tosca escada no tronco de enorme mangueira e a duras penas subiu por ela, tal o estado de fraqueza em que se encontrava. Lá em cima, encostou‐se num galho em forquilha e ficou aguardando o momento solene.
A mulher e suas filhas, postaram‐se debaixo da mangueira e faziam veementes apelos para que ele descesse e desistisse da idéia, mas Gasparino mostrava‐se inflexível:
‐ Não, mulher eu vou mesmo para o céu. Ninguém me segura. Adeus e felicidades. Logo mais, um anjo virá me buscar. Deus cuidará de vocês...
Vizinhos também lhe imploravam para descer, mas o homem não ouvia ninguém. Foram chamar o tabelião, sr. Mauro de Abreu Izique, pessoa influente e conselheiro de Gasparino, mas nem este ele atendeu. Sugeriu‐se que se chamasse o padre Garaud. A esta altura, a mulher que conhecia bem o marido teve uma idéia e antecipou a vitória:
‐ Daqui a pouco ele desce. Vocês vão ver. Que fez ela? ‐ Foi à cozinha e com a ajuda das
filhas trouxe um punhado de carvão e uma grelha. Os carvões foram incandescidos sob a grelha. A seguir, trouxe uns pedaços de carne mergulhados na vinha d’alho
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e os estendeu na grelha. Logo mais, o aroma irresistível do churrasco subia e roçava as narinas do Gasparino, que gritava:
‐ Não, mulher, não faça isso! É tentação, mulher! É muita tentação!
Após três dias sem comer, aquele churrasco aromático tornou‐se mesmo irresistível. Gasparino desceu, pegou a grelha pelo cabo com os churrascos mal passados, voou para dentro de casa e vorazmente os comeu com pão.
Sentindo‐se desmoralizado, ficou duas semanas sem sair de casa, nem mesmo para ir a missa.
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JOAQUIM BRANCO, O FANÁTICO PELO INTERNACIONAL
Conheci em Bebedouro dois Joaquins Branco. Um deles era pai do Argemiro, Sebastião e Jonas, 3 bons amigos. Morava na rua Carlos Gomes, hoje Vanor Junqueira Franco, no cruzamento da Marechal Deodoro e era
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trançador onde, sob a sombra de uma frondosa paineira, executava sua profissão. O outro, era torcedor fanático da A. A. Internacional e briguento pelo time e é deste que falarei neste relato.
Bom bebedourense, cinqüentão, trajava‐se até com certo apuro, com a corrente do relógio cruzando‐lhe o peito por cima do colete, gravata, chapéu, óculos, etc..., etc..., não perdia um jogo do Internacional, mas, amiúde, por pouco mais e nada, partia para a briga. Como andava sempre de guarda‐chuva, mesmo nos dias ensolarados, usava‐o para dar com ele na cabeça dos opositores. Ah, se o time sofresse um "gool" e alguém comemorasse. Lá vinha ele pronto para a encrenca.
Naquele tempo não havia profissionalismo, mas os encontros futebolísticos eram acirrados e disputadíssimos. Os atletas, embora amadores, se empenhavam a fundo e as brigas entre torcedores eram constantes.
Certa vez em que o Internacional ia receber um quadro de fora, com o qual vivia às turras e rixas, devido muitos atritos entre torcedores, resolveu proibir a entrada dos mais exaltados e o Joaquim Branco foi o primeiro a ser barrado. Nesse dia ele ficou de fora, esbravejando e ameaçando meio mundo.
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CINEMAS E TIPOS POPULARES
No tempo do Cine Teatro Rio Branco, com 300 réis, na geral, assistia‐se a bons filmes. Dramas amorosos com Rodolfo Valentino, Ramon Navarro, Richard Barthelmes, Greca Garbo e outros... Filmes de cow‐boy (hoje bang‐bang) com Tom Mix, Ken Maynard, Hot Gibson, George O'Briem, etc. Aos sábados, além do filme normal, tinha ainda o seriado. Posteriormente, com a inauguração do Cine São João, com o preço único de 600 réis, a turma passou a preferi‐lo. Como era no tempo do cinema mudo, os filmes tinham por fundo a música adequada.
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Num certo sábado, dia em que o povo lotava as duas sessões, assistimos a um filme de cow‐boy, no qual, o chefe dos bandidos era bastante feio, parecidíssimo com o Ernesto Bonito, seu verdadeiro sósia. Creio que todos notavam a semelhança, mas ninguém se manifestava. Eis que num momento em que o bandido deu uma de bravo e valente, ouve‐se a inconfundível e forte voz do Vicentão: ‐ Aí, ‘Arnesto’. O cinema em peso explodiu numa sonora gargalhada. Essa veio na hora certa.
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TIPOS FOLCLÓRICOS DE BEBEDOURO
Os irmãos Siniskauk, Antônio, José e João eram muito conhecidos em Bebedouro nas décadas de 30 e 40. De pequena estatura, solteiros, morando juntos e "queimando panelas", isto quando não filavam a comida nas casas onde prestavam algum serviço, pois, viviam de pequenos "biscates", rachando lenha, carpindo quintais, limpando vidraças e até encerando assoalhos, isto o Antônio e o José, porque o João, conhecido por João Bobo, pedia esmolas. Aliás, pedir não é bem o termo, visto que ele exigia a esmola. Sempre com um paletó bastante surrado, grande demais para ele, chegava no freguês e falava: ‐ Hei, me dá um dinheiro. E levava.
O Antônio e o José, bastante populares de deglutir suas cachaças, quando sempre pagas por terceiros,
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acabavam sendo alvo dos gozadores da época. Antônio, gabava‐se de saber de cor, de memória, todas as estações da Paulista e da S.P.R. de Colômbia até São Paulo e, de fato, embora analfabeto, sabia mesmo. O engraçado da história, é que ao ser inquirido por alguém, depois de promessa de um "mé" para dizer as estações, ele começava em Colômbia e chegando em Bebedouro, perguntava ao interlocutor: ‐ E agora, quer ir pela estreita via Jaboticabal ou pela larga via Pitangueiras? E atendia conforme o pedido. Mas para voltar de São Paulo, não sabia, pois, não conseguia inverter as estações.
Certo dia, os gozadores pegando‐o já meio "chumbado" pediram‐lhe para falar as estações e ao chegar em Bebedouro, quando ele fez a costumeira pergunta: ‐ pela estreita ou pela larga? ‐ Pela rodovia, responderam. Ele xingou meio mundo dizendo: ‐ na rodovia não tem estações seus burros. Como todos começaram a rir, ele muito irritado foi embora mas antes mandou todos para aquele lugar...
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TIPOS FOLCLÓRICOS QUE MARCARAM ÉPOCA 1
Muitos bebedourenses antigos, lembram‐se do saudoso Tancredo Tanarosi. Ele tinha uma chácara perto do campo do AMA, mas quem cuidava dela era sua mulher, dona Pina, visto que o Tancredo, depois de idoso, costumava exagerar um pouco na bebida e, por ser italiano, de preferência, vinho. Ela, dona Pina, perdoava‐o, não havia atrito em família e viviam em paz, amigos e queridos de todos.
Era comum vê‐lo sentado, sempre acompanhado de sua bengala, num dos bancos do jardim Misterioso, com o rosto bastante vermelho e os olhos mais avermelhados ainda, com e sua potente voz que se ouvia a centenas de metros, cantando ou falando sozinho. Outras vezes, com o seu vozeirão inconfundível, começava o falatório:
"Quem é bonito... não pode ser feio. E quem é feio... não pode ser bonito". Bastante lógico, não acham? Apesar de tudo era um bom homem, não ofendia
ninguém, era muito respeitado e, mesmo quando "naquele estado", todo mundo gostava dele. E com razão, pois
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alegrava o ambiente, principalmente quando cantava aquelas lindas canções italianas.
Um dia foi destacado para servir na cadeia local um soldado vindo de fora. Devido ele ter no rosto um sinal, de nascença talvez, apelidaram‐no de Pinta Roxa, e curioso é que ele tinha mesmo uma boa pinta e, por ser solteiro, era até disputado por algumas moças casadoiras da época. Certo dia, o Pinta Roxa, novato ainda na cidade, querendo, quem sabe, fazer sua mediazinha perante os seus superiores, houve por bem levar o Tancredo em cana. Mas logo apareceram dois cidadãos, desses de muito bom conceito e bem relacionados na cidade, enfim "personas gratas" e intervieram em favor do preso, fazendo ver ao representante da lei, que aquele homem era inofensivo, antigo morador de Bebedouro e muito estimado. Responsabilizar‐se‐iam por ele. Como o Pinta Roxa, fazendo "ouvidos de mercador" não os atendeu, teimando em levar o preso para a cadeia, deram‐lhe uns cascudos e libertaram o Tancredo.
Não demorou muitos dias e o Pinta Roxa foi transferido para outra cidade, o que vem provar que o sr. Tancredo era mesmo querido. Era "prata da casa".
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TIPOS FOLCLÓRICOS QUE MARCARAM ÉPOCA 2
Como toda cidade os tem, você também Bebedouro, teve os teus. (Considero‐os, prata da casa, do passado é óbvio).
Vamos falar da Benvinda. Alguns a chamavam de Benvinda louca. Era uma preta já um tanto idosa, mas bastante sacudida e atlética. De fato, de tempos em tempos ela ficava um tanto débil mental, mas fora disso, era uma mulher normal e trabalhadeira. Quando naquele estado, ela punha uma trouxa de roupas velhas na cabeça e ia dormir, passava a noite, no pasto onde papai mantinha seus animais de carroça. Dormir, não é bem o termo, porque conversava e resmungava a noite toda, espantando e assustando a tropa, principalmente o Marcante, burro de guia, líder dela e, que por excelência já era mesmo muito passarinheiro. Nesse dia era difícil lidar com os animais. Perdiam muito de sua docilidade.
Numa bela manhã, eu adentrei o pasto para buscá‐los. Não consegui, mas ouvindo um falatório de baixo de uma árvore, aproximei‐me, dando de cara com a Benvinda que, dançando e pulando como o saci (nunca o vi, mas dizem que existe e pula bem), cantava: “marimbondo sinhá. É por cima, é por baixo. É por todo lugá”.
Quando me viu, veio pro meu lado. Eu não esperei, dei no pé, todo assustado igual os animais.
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Naquele tempo, as boiadas passavam pela rua General Osório por ser a última rua da periferia da cidade. Numa dessas, a Benvinda estava no meio do quarteirão de nossa casa e, daquele jeito. Os boiadeiros que vinham na frente da boiada alertaram‐na para que se retirasse, pois havia bois bravos. Ela nem ligou e, tranqüilamente, ficou no meio da rua, vendo a boiada passar, o que obrigou a mesma a repartir‐se em duas fileiras, deixando‐a ilesa no meio. Não sei como ela não provocou um estouro, muito comum na época. Também, quando terminou, ela não era mais preta, estava vermelha igual a poeira.
Pelo visto, se ela era louca, parece que os bois estavam no juízo perfeito.
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TIPOS POPULARES E FOLCLÓRICOS: O AVARENTO
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Contarei hoje a história de um tipo engraçado e curioso, do qual os bebedourenses antigos se recordarão. Trata‐se de Joaquim de Tal, conhecido como Barba de Bode. Dizia‐se português. Morava num casebre na rua do Rosário, hoje Mal. Deodoro da Fonseca, perto da Santa Casa. Tinha esse apelido, Barba de Bode, devido a sua espessa, longa e grisalha barba. Diziam que não a cortava para não gastar. Vivia a venda de bananas e mandiocas que colhia em seus próprios terrenos dos quais consta que nunca pagou impostos e do aluguel de 2 casinhas. Possuía uma carrocinha e a égua Romeira para a venda e entrega dos produtos colhidos. Dentre os seus filhos, o mais popular era o Xaxá, engraxate no saguão do Cine Teatro Rio Branco.
As escaramuças entre o Barba de Bode e sua mulher eram constantes e sempre devido a sua sovinice, pois não punha o mantimento necessário em casa, queria passar a banana e mandioca e, nestes, ela por ser desbocada, soltava aos quatro ventos todo o palavreado obsceno e dedicado ao marido.
Para ajudar o seu ganha‐pão, ou melhor, ajudar o seu tesouro, ele executava um serviço bastante estranho. Transportava os cadáveres de indigentes da Santa Casa ao cemitério, por conta da prefeitura, ganhando nesse mister, dez tostões (um mil réis) por defunto. Fazia‐o usando um carrinho de 4 rodas empurrado por ele mesmo e, curioso que o carrinho tinha até nome. Chamava‐se Caradura. Parece que a moda voltou, apenas que os carrinhos de hoje são de três rodas e luxuosos, ao passo que o do Barba do Bode era um arranjo feito por ele mesmo.
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Por não confiar em bancos, guardava o seu dinheiro dentro de latinhas de massa de tomate que, altas horas da noite, quando todos dormiam, enterrava no quintalzão de sua casa.
Consta que certa vez ao desenterrar o dinheiro para pagar um terreno que havia adquirido, teve a triste decepção de verificar que o mesmo não tinha mais valor, não se sabendo ao certo se aquele dinheiro havia sido recolhido pela Casa da Moeda ou estava estragado e decomposto pela ação da umidade, pois estava enterrado há muitos anos.
Que bela lição, hein?
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O CARRO CANTADOR
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Falando em curiosidades, vamos recordar a cidade Coração, no começo da década de 20, quando grande parte do seu progresso provinha das extensas lavouras cafeeiras que boa e fértil terra produzia, pois onde hoje existem majestosos laranjais, havia outrora, o REI CAFÉ. Quando todo o transporte urbano, suburbano e de cidades circunvizinhas era feito por carroças, carroções e carros de boi e dentre estes, o tradicional e saudoso carro cantador, até hoje lembrado na nossa música sertaneja. Para aqueles que não o conheceram (o que é uma pena) vão aqui ligeiros esclarecimentos:
Com o atrito dos ‘coções’ nos colos dos eixos, madeira contra madeira, o carro carregado produzia aquele rangido agudo e grave, melancólico e sonolento, cujo, segundo os carreiros, animava os bois a puxavam o carro naquele ritmo, devagar, mas sempre. Às vezes costumavam viajar em grupos, daí era aquele barulhão, pois se tornava um verdadeiro coral o rangido deles. Carregavam pendurado na traseira do carro um chifre cheio de azeite para lubrificar o eixo e ‘coções’. Consta que passavam até carvão moído no eixo para cantar mais. Em marcha normal, o carro andava de 3 a 4 quilômetros por hora, que média heim?
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O CURRAL DO “CONCELHO”
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Na década de 20 e até o começo da de 30, havia na
cidade o discutido Curral do Concelho (com "c" mesmo), da Prefeitura Municipal, para onde eram levados por fiscais da prefeitura, os animais que vadiavam pelas ruas. Alguns, os melhores, quando reclamados pelos proprietários, eram lhes entregues mediante o pagamento da multa correspondente. Os mais velhos, trôpegos, quase imprestáveis não eram reclamados, eram vendidos a preço de banana (naquele tempo, a banana era muito barata) ou soltos nas estradas longe da cidade. Pois naquela época, não se comia cavalo e era nestes que a molecada se interessava. Depois de tratá‐los uns dias, melhorando‐lhes o aspecto e as forças, saíam a cavalgá‐los pela cidade, como personagens muito importantes.
Moral: ‐ Quem não tem cão, caça com gato.
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A VEDETE25
25 16/04/1988.
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No fim da década de 20 e começo de 30, existiam poucos automóveis em Bebedouro e então estes e os possuidores dos mesmos eram conhecidos por todos. A vedete, era a baratinha Ford do sr. Valentim Silva, próspero comerciante de café. Essa baratinha, que era o seu cavalo de batalha, ficou sendo o carro mais conhecido e estimado dos bebedourenses, pois fazia parte do enfeite e atração da cidade.
Segundo consta, o sr. Valentim, quando em seu escritório, para ficar mais à vontade e descansar, escarrapachava‐se todo na poltrona e punha as pernas em cima da escrivaninha e nesse "dolce far niente", atendia os fregueses e amigos, os mais íntimos, naturalmente.
Naquele tempo, quando alguém levava a vida mansa e despreocupada, era comum ouvir os outros lhe dizerem: Aí, Valentim Silva!
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MODA ANTIGA EM BEBEDOURO26
No passado, em certa época, para acompanhar a moda, era preciso usar‐se: palheta, bengala, gravata, camisa de tricoline e terno de casimira ou linho, conforme a estação do ano. Se o tal fosse fumante, era 26 16/04/1988.
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aconselhável cigarros de papel Jóquei Clube ou Automóvel Clube e acondicionados nas cigarreiras apropriadas. Caso fumasse charutos, melhor ainda, pois este era privilégio da alta sociedade.
Para conquistar‐se alguém, em primeiro lugar estava o aparato, as outras virtudes vinham depois.
Dentre outros, lembro‐me bem do Mané Bento, em sua postura elegante, esguio, bonitão e sorridente, tal como elas gostavam.
Embora tenham lhe aparecido diversas "fadas", nenhuma conseguiu segurá‐lo com os laços do matrimônio. Muito popular, fazendo suas serenatas, deixou muitos corações esperançosos.
O celibato, era raridade antigamente.
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GALOS E GALISTAS A primeira rinha que conheci era nos fundos da
casa do Bento Pompeu, antigo proprietário de coche, onde hoje é a praça Cel. Abílio Manoel, tempo em que as brigas tinham a duração de 4 horas e, imaginem, muitas delas terminavam empatadas.
Dentre os galistas e aficionados de briga de galos, recordo‐me dos seguintes: Bento Pompeu, Orfeu Bertolami, Pipinelli (José Veraldi), Alfredo do Carmo, Benedito Bastos, Pedro Zácaro, Eduardo Dias, Paschoal e Domingos Chuba, Alberto e Eduardo Redá, Carlito e Totico
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(açougueiros), Domingos Bianchi, Quito, Cozé, João manco e outros. Alguns deles não criavam galos nem tinham cocheiras, como é o caso do Pipinelli (brincalhão e gozador, usando sempre terno de linho cor cinza), somente possuía um galo, que por sinal chamava Madalena, nome lhe ficou por ter comprado o mesmo da D. Madalena. Era um "galão" enorme, de quase 5 quilos e, pelo que me lembro, ele nunca ganhou uma briga, só empatava. O Alfredo do Carmo, sempre de chinelas, tinha uma cocheira razoável e movimentava bastante a rinha. Mas os maiores criadores e cocheiristas, foram o papai, o Orfeu Bertolami e Pedro Zácaro.
O Orfeu, bela pinta, bastante apresentável, esguio, boa cultura, vestia‐se bem. Gostava de usar chapéu de rebordo e todo virado para cima, o que lhe dava um ar de galã cinematográfico, tinha um Buick no qual muitas vezes fomos em Catanduva e Olímpia brigar galos e eu, por não estar acostumado a viajar de carro, caipira ainda, destripava o mico dentro do mesmo. Benedito Bastos, tratador dele, era entendido e animado no assunto. Usava um bigodinho a La Ramon Navarro, que nenhum barbeiro da época gostava de aparar, pois, diziam eles que o Benedito era exigente ao máximo com o seu bigode. Não queria que algum fio ficasse fora da linha simétrica. Talvez tivesse razão, porque para muitos, o bigode fazia parte da masculinidade.
O Pedro Zácaro, funcionário da Cia Paulista de Estrada de Ferro, caracterizado pelo seu constante e admirável sorriso, primava pelo senso de humor. Certa vez, os galistas voltavam de Catanduva tristes e emudecidos, pensando no dinheiro perdido nas apostas, quando Pedro Zácaro deu uma gostosa gargalhada dentro do carro. Um dos companheiros disse‐lhe: ‐ estamos com os bolsos vazios e você ainda ri? E ele respondeu: e para que trouxa quer dinheiro? A parte curiosa é que embora adversários nas contendas do galo, a amizade entre os galistas era das melhores. Era pura, sincera e recíproca.
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CARROÇAS E CARROCEIROS
A carroça de transporte em Bebedouro, na década de 20, era do tipo Paulista. Possuía apenas duas rodas. Havia os carroções de quatro rodas. Normalmente usavam 5 animais (muares), esporadicamente 6 e, neste caso, um trabalhava na balança, ao lado do muar do tronco. Para o bom desempenho e rendimento do serviço, necessário seria que o carroceiro possuísse uma boa tropa, principalmente o burro de guia e o do tronco (varal). Vamos enumerá‐los: o primeiro animal da frente, ao lado esquerdo da carroça, lado do carroceiro, era o guia, o seu parceiro ao lado, contra guia, os dois que vinham logo atrás, animais de chave e, o último que era o do varal, tronco.
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No caso de seis animais, então vinha o da balança, já dito acima. Pelas chicotadas dadas pelo carroceiro, sabia‐se do valor da tropa, pois, esta sendo boa, não precisava de relho. Obedecia de pronto a voz daquele.
Papai possuía uma boa tropa. Na guia tinha o Marcante, burro forte, prático e obediente (quando na carroça) e, no tronco, a mula Jóia. Essa mula fazia jus ao nome, visto ser o melhor muar de tronco dá redondeza, aliando‐se às suas qualidades, a sua mansidão.
Como todos os carroceiros da época, papai, às duas horas ou mais ou menos, levava a carroça ao bebedouro, mesmo local que deu origem ao nome da cidade, a fim de que os animais saciassem a sede. Numa dessas vezes, em 1923, quando para lá se dirigia, na confluência das ruas Almeida Pinto, conhecida como rua do Sapo e Vicente Paschoal, naquele tempo, rua do Comércio, quando deu por si, a tropa estava emaranhada nos fios de alta tensão dos postes que haviam caído. Os animais da guia e da chave, escoiceando e corcoveando se safaram, porém a mesma sorte não teve o animal do tronco que, recebendo enorme carga elétrica, morreu no local. Era a mula Jóia. A Cia. de Força e Luz indenizou papai com a importância de 400$000 que era o valor de um animal comum na época, quando na verdade, a Jóia valia um conto de réis. Essa passagem ficou tão conhecida, que anos depois a dupla Serrinha e Caboclinho gravaram a moda de viola que se intitulava: Mula Jóia.
A título de reconhecimento e homenagem aos carroceiros daquela época, que direta ou indiretamente deram sua colaboração para que a nossa Bebedouro chegasse à grande cidade que é hoje, relembro‐os neste relato.
Mariano Pimentel, Vitório Gamboni, Júlio Gamboni, Pedro Sanches, Joaquim Piau, Ernesto Bonito, Pedro Deformati, Felipe, Cozé, Acácio, Lourenço, Eugênio, Juvenal e outros que me fogem a memória.
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JOGO DE BOCHA
Antigamente, mais nas décadas de 20 e de 30, o jogo de bocha era multo difundido. Na época, o Piche‐Piche ou Biche‐Biche era o maior esporte, pois, dava 15 pontos de vantagem em partidas de 25 pontos aos melhores jogadores e dificilmente perdia. Havia em Bebedouro vários campos de bocha, mas o mais freqüentado e animado era aquele da sede da Internacional, pegado ao Cine Rio Branco, onde se assistia à importantes e acirradas disputas.
Cláudio de Souza Lima e eu, amigos de infância e juventude e, também colega de trabalho na Casa Caputo, éramos grandes aficionados desse esporte, mas como não permitiam menores jogar em campos oficiais, bolamos de fazer o nosso campo de bocha no quintal de minha casa. A nossa vontade de jogar era tanta, que chegávamos a treinar na rua, fazendo dos cacos de tijolo, bola e bolim.
Para angariar dinheiro a fim de comprar as pranchas, tábuas e as bochas, matamos e vendemos em quartos uma leitoa que eu havia adquirido em troca de um revólver velho e negador. A matança da leitoa foi dramática, pois, no escuro da madrugada, o Cláudio,
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inexperiente nesse mister, sangrou a mesma usando a faca com bainha e tudo.
Bem, fizemos o nosso campo, compramos um jogo de bochas usado e partimos para a luta. Aos domingos, depois do meio‐dia (o comércio fechava às 12 horas), na casa ajuntava uma grande turma de amiguinhos para jogar, visto que o nosso campo ficou famoso na redondeza. Jogava‐se duzentos réis a partida e eu não cobrava o "barato", o que animava mais a turma. Até o saudoso sr. Joarez Costa, juntava‐se aos moleques e jogava também.
Dai saíram bons jogadores dos quais: o Cláudio de Souza Lima, também conhecido por Brechó e posteriormente quando já moço apelidamo‐lo de Moura Andrade, por ser um "bom vivant", o Syro Lima Costa, que se especializou em atirar só de seca, trocando a bola do adversário pela dele e outros. O Antônio Calixto jogava por cima das mãos, mas saia‐se bem. O Saulo Lima, embora bem menor que os demais, dava bastante trabalho. Era difícil ganhar dele.
Algumas vezes o jogo terminava em briga, quase sempre entre o Syro (êta Syro de estopim curto) e seus primos. O Zezinho e o Jairo Silveira de Lima. O Syro, por ser bom no estilingue, usava‐o como instrumento de ataque e defesa. Nessas ocasiões eu era o apartador das brigas. Anos depois acabei com o campo e fiz uma rifa do jogo de bocha sendo sorteado o Calixto, graças à marmelada que aprontamos gelando o Saulo, o verdadeiro premiado.
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A GUERRA DOS SORVETES27 Antigamente, antes da inauguração das sorveterias
do Maud Frágoas e do Gualhô, havia os carrinhos que vendiam sorvete na rua.
À noite, os sorveteiros faziam seus pontos perto do cinema Rio Branco, na esquina do Pecado. Ali, enfileiravam 4 ou 5 carrinhos. Como a iluminação da rua era muito deficiente, usavam lampiões a carbureto.
Era na base da roleta. Com 100 réis (um tostão) podia se ganhar de 1 a 5 sorvetes, dependendo da sorte ao girar a roleta. Mas havia a concorrência e, para atrair mais os fregueses, houve tempo que um deles colocou um prêmio de 10 sorvetes. Outro pôs 15 e o Mané manco (manco porque coxeava, pois tinha uma perna mais curta que a outra), em represália, colocou um prêmio de 30 sorvetes. Esse 30, ficou na história, porque ele, para chamar mais a atenção, o fez usando um folha do calendário do dia 30, bem grande e bonito, pois, naquele tempo, folhinhas vinham acompanhadas de blocos com o 365 dias do ano e todo dia destacava‐se uma referente ao dia corrente. Lembro‐me que o 30 do Mané era vermelho. Naturalmente, aquele dia 30 teria caído num domingo ou feriado. Quando alguém ia virar a roleta, a molecada se acercava dele e, torcia para o tal acertar
27 26/03/1988.
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num prêmio grande e, caso positivo, todos tomavam sorvete de graça.
Virou uma verdadeira guerra aquela concorrência e, como corria à "boca pequena" o boato que os outros sorveteiros iam tirar na "marra" o 30 da roleta do Manê, ele, ao ser inquirido pelos moleques, de quem era muito amigo, respondia: ‐ eles que venham, e mostrava um "pau‐de‐fogo" que trazia escondido dentro do carrinho. Mas a "guerra" não durou muito. Logo entraram no acordo e se acertaram, voltando novamente o prêmio máximo de 5 sorvetes.
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COCHES E COCHEIROS
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Até quase o término da década de 20, imperavam em Bebedouro os coches (carros de praça puxados por cavalos). Faziam o papel de táxis de hoje, transportando gente e levando ou trazendo os passageiros da Cia. Paulista e da extinta São Paulo‐Goiás. Recordando‐os, estamos lhes prestando um tributo, visto que eles também fazem parte do nosso folclore. Em 1927 e 1928, o mano Nestor e eu íamos duas vezes por semana à estação, à noite, buscar ou levar carta do mano Agide, nesse tempo, ferroviário. Depois da partida do trem noturno, impecavelmente no horário, os coches, com ou sem passageiros, rumavam para o centro da cidade.
A molecada da época gostava de pegar "rabeira", o que consistia em pendurar‐se na traseira do carro de praça, economizando assim, energia e, para não fugir à regra, nós também. Mas acontece que os cocheiros não gostavam nada dessa prática dos moleques e, com razão, pois carregariam mais peso e de graça, considerando ainda a subida acentuada da estação ao centro. Quando notavam que havia "clandestinos" na rabeira, com o longo chicote que usavam, mesmo na boléia alcançava‐os. Alguns chegavam mesmo até a colocar tachinhas com as pontas voltadas para cima, no eixo traseiro, ponto de apoio dos "rabeiristas". Então, para se pegar uma rabeira, precisava‐se usar a cuca e alguma estratégia. O mano Nestor, com muita malicia e prática nesse mister, ensinava‐me o seguinte: ‐ nunca pegar rabeira nas esquinas onde houvesse postes com luz, pois, pela sombra projetada, o cocheiro notaria. Devia‐se ficar em lugar escuro, fora das vistas do mesmo e, depois da passagem do carro, corria‐se atrás até alcançá‐lo e antes de
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assentar‐se, passar a mão no eixo a fim de localizar possíveis tachinhas. Uma vez acomodado, quando o carro passasse nas esquinas onde havia postes com lâmpadas acesas (algumas vezes estavam queimadas), colar‐se bem ao toldo (capota do carro), pois, segundo ele, havia cocheiros inteligentes, que pela sombra notavam os passageiros clandestinos e, lá ia o chicote. Mas que sacrifício hein? Ainda assim os moleques achavam que compensava.
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SERENATAS E SERESTEIROS
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Era comum antigamente, mais na década de 30, nas
noites de sábado para domingo, em Bebedouro, acordar‐se altas horas com uma serenata.
O mano Nestor e eu, dormíamos no mesmo quarto e tínhamos um trato: aquele que acordasse primeiro ouvindo uma serenata, chamaria o outro para ouvi‐la também. Como era gratificante e saudável, no silêncio da noite, ouvir‐se uma dolente canção ou valsa, na voz dos seresteiros da época, acompanhados por violão e cavaquinho...
A serenata foi criada, naturalmente, para ser feita por aqueles que pretendiam conquistar sua eleita, ou mesmo para suas namoradas, mas, havia exceções, faziam‐na para os amigos também.
Vamos recordar os seresteiros daquele saudoso passado: Manoel Bento, José Bento, Alfredo Clemente, o popular Alfredão, Wilson, conhecido por Wilson Caveira, Quito (filho de dona Adelaide), Durval de Fácio com seu violino, Alcides Pimentel com sua infalível folha de laranjeira e tantos outros. Alguns deles hoje estão cantando e tocando para os anjos lá no céu. A estes, a nossa saudade e gratidão póstuma e, aos que ainda vivem, os nossos votos para que continuem vivendo pelo menos até o ano dois mil, pois, quem sabe ainda, na calada da noite, ouviremos suas melodias, tais como: Saudade, Único Amor, Aurora, Pisando Coração, Branca Boneca e tantas outras.
Quanta saudade turma...
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CURANDEIROS: A DESCOBERTA DA PENICILINA!!!
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Era comum antigamente aparecerem aqui, ali ou acolá, curandeiros. Alguns deles ficavam famosos pelas suas "curas" atraindo o povo da redondeza e até de cidades distantes.
Bebedouro não fugiu à regra e dentre outros, houve dois que muito se destacaram, cuja fama, espalhando‐se aos quatro ventos, foi além fronteiras.
Na década de 10 e começo de 20, todo mundo conhecia em Bebedouro o João da Cruz. Era um curandeiro (curadô, como era chamado na época) muito afamado, respeitado e freqüentado pelos crédulos, pois, em sua casa afluíam "doentes" de perto e de longe, em grande profusão.
O seu remédio curativo consistia em "garrafadas" de medicamento que ele mesmo preparava, buscando no mato folhas e raízes de várias espécies e fervendo tudo num grande tacho e engarrafando depois de pronto. O mesmo produto servia para curar enxaqueca, reumatismo, úlceras, dores de barriga e de cabeça, de estômago, cólicas de qualquer tipo, sinusite, enfim todas os males. Consta que quase no fim da sua época naquela "profissão" ele conseguiu algumas curas importantes, receitando aos enfermos raspa de queijo velho e mofado. Segundo comentários que ouvi muitos anos depois, alguém dizia: inconscientemente, não estaria ele, sem saber, descobrindo o começo ou parte da penicilina? Deixo a resposta ao critério dos leitores.
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A SANTA DE BEBEDOURO Na década de trinta, destacou‐se bastante em
Bebedouro, adjacências e em quase todo o Estado, a "Santa Helena". Esta, segundo consta, além dos medicamentos que fabricava os quais eram milagrosos, já mais adiante, por meio de espíritos famosos, fazia até "operações" cirúrgicas. O doente, candidato à operação,
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embora sem anestesia, não sentia dor alguma ao ser "operado". A "Santa" deixava‐o na cama e sozinho no quarto ele passava por uma ligeira madorna e quando acordava já estava "operado". A prova disso era um pouco de algodão manchado de sangue que milagrosamente aparecia no quarto, perto do doente. E havia mais ainda, para convencer alguns descrentes ou mesmo crentes, ela tinha o poder de fazer chover flores ou pétalas de rosa sobre suas cabeças. Então milagre completo.
Ficou tão famosa e conhecida essa "Santa Helena" que um dia apareceu em Bebedouro um repórter de São Paulo, da Folha da Manhã, para entrevistá‐la, cujo repórter era calvo. Naturalmente ela não o convenceu visto a sua coluna, publicada dias depois no jornal, na qual era patente o seu descrédito. A mesma terminava mais ou menos assim: "a minha respeitável careca não foi agraciada com chuva de flores".
Curioso é que nada se cobrava pela "consulta" pelas "operações" e nem pelos medicamentos. O freguês às vezes dava algum dinheiro, em forma de oferta, a sua vontade.
Aos poucos foi desaparecendo a fama da nossa "Santa Helena" e daí, passando algum tempo não mais se ouviu falar dela. Mas, na época, Bebedouro ficou famosa, atraindo para lá romarias e mais romarias em busca dos milagres da "Santa Helena de Bebedouro".
Sobre a veracidade das curas, operações e milagres... acredite se quiser.
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ESCOLAS E MESTRES
No meu tempo de escola, quando se iniciava os estudos aos 8 anos, tínhamos em Bebedouro apenas o Grupo Escolar "Abílio Manoel", hoje EEPSG "Abílio Manoel". Dada a insuficiência de estabelecimentos de ensino público, havia também escolas particulares: Escola do padre; Escola do Castro; Dona Mariana; Dona Renê; Dona Mariquinha e outras.
Comecei meus estudos com Dona Mariquinha. Essa escola situava‐se na rua Campos Salles, entre a Carlos Gomes e Gal. Osório. Pagava‐se 5$000 (cinco mil réis)
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por mês. Dona Mariquinha, boa mestra, sempre de luto fechado (diziam que desde que lhe morrera o marido, há anos, nunca mais tirara o luto), era enérgica para os alunos travesssos e mal estudiosos. Usava uma régua larga e pesada para castigá‐los. O Vicentão e o Serginho Quirino eram os mais visados. Naturalmente faziam por onde.
‐ Por ser escola mista, havia meninas também. Lembro‐me de algumas e entre elas, a Maria Dias. Esta morava nos altos da rua Gal. Osório, perto de onde eu residia. Era uma "espanholinha" muito bonita, eu queria namorá‐la, mas ela era muito arisca. Um dia quis dar‐lhes uns safanões para torcer‐lhe a vontade, mas não adiantou, enfim, eu não era o seu príncipe encantado.
Dois anos depois, passei para o Grupo Escolar. Os professores da época srs.: Theodoro Montera Camargo, Raul, Octávio, Luiz de Angelis, dona Quita, dona Elisa, dona Pedrina e outros, tendo como diretor o sr. Antonio Godofredo Léisner eram todos bons mestres de ensino, alguns bastante enérgicos, outros "bonzinhos".
Depois de fazer o 2º ano com dona Quita, fiz o 3º e 4º com o sr. Luiz de Ângelis. Aqui abro um parêntesis, pedindo aos meus "ex‐colegas” de classe para juntos prestarmos uma homenagem a esse grande mestre. (Considero‐o um de meus "heróis" do passado que também guardo na lembrança). Ele tinha um jeito todo especial de ensinar, cativava os alunos, contava‐nos até histórias engraçadas. Não castigava com a palmatória (que ainda eram usadas), nem com puxões de orelha ou "cascudos". O castigo que aplicava consistia em obrigar o aluno em falta a trazer no dia seguinte: 100, 200, 300 vezes escrito: não devo rir; devo estudar mais as lições; devo ser comportado na classe, etc., etc., conforme a falta praticada. Devia ser escrito em conjunto de 10 linhas e separadas, isso para facilitar‐lhe a contagem, pois ele nunca se esquecia de cobrar ao faltante. Depois de conferido, rasgava e jogava num cesto. Resultado: o aluno depois da aula, em vez de brincar, precisava ficar em casa escrevendo o castigo.
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TOURADAS28 1
Antigamente, fora o cinema, tínhamos em Bebedouro como diversão o circo e as touradas. Ainda hoje existem, mas em pequena escala, já que deixaram de ser atração.
Na Espanha, a corrida de touros, como é chamada a tourada, é considerada uma arte e por sinal, bastante perigosa, pois, findos os passes de capa e muleta, o touro é morto por carteira estocada do matador, mas em algumas vezes, o animal leva a melhor, ferindo de morte o toureiro. Aqui no Brasil, a "tourada" (notar que quase nunca é touro o animal a ser trabalhado e sim uma vaca, mas dão esse nome), não passa de comédia e gozação, pois, dificilmente o toureiro é atingido pela rês. Enquanto na Espanha criam touros bravios, os famosos "Miuras", aqui, qualquer rês serve. Lá, a missão do toureiro termina com a morte do touro. Aqui, pelo menos 28 1986.
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naquele tempo, era assim: a rês depois de "trabalhada" e cansada era pegada a unha, o que consistia em o toureiro ao receber a investida, colocar‐se entre os chifres e torcer‐lhe o pescoço, até derrubá‐la no chão.
Era comum depois disso aparecer na platéia alguém, parente ou não do toureiro, com uma bandeja ou chapéu, catando os donativos para o "herói".
Consta que numa certa tourada, os toureiros, novatos ainda na profissão, demonstraram medo e não quiseram pegar a rês a unha. O Pipinelli (José Veraldi), que era muito destemido, não se conformando com aquela covardia, tirando o chapéu e o paletó, pulou para dentro do picadeiro, pegou a vaca a unha e derrubou‐a. Que lição heim?
Os toureiros mais conhecidos naquela época foram o Napoleão, Fumaça e outros que não lembro os nomes. Havia também o palhaço, que além de tourar, fazia suas palhaçadas, pondo todo mundo a rir. Lembro‐me que Napoleão, homem de cor, caboclo forte, empertigado e alegre, famoso toureador, levava toda sua família para assistir a tourada, das quais ele era a vedete. Costumava apresentar no picadeiro, antes da função, um de seus filhos, garoto de 7 anos mais ou menos, vestido tal qual um toureiro, espécie de mascote. O guri, muito desenvolto, andava, ria e fazia gestos, igual a um toureiro. Momentos antes de começar o espetáculo, quando ele se retirava da arena, havia um diálogo entre pai e filho. Dizia este: ‐ cuidado, viu pai! E aquele respondia: ‐ não tem perigo meu filho. Deus protege quem arrisca a vida para ganhar o pão...
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TOURADAS29 2
Lá pelo fim da década de 20, época em que era comum o circo de touros (touradas), em Bebedouro, numa modesta casa de tábuas, situada na rua Carlos Gomes, perto do cruzamento com a rua da Independência, morava o Manezinho baiano. Baiano, era o apelido, naturalmente devido ele ser natural do Estado da Bahia. Seu filho, Antonio, solteiro, inculto, vagabundão, era metido a toureiro e quando armava uma tourada na cidade ele se encarregava de fazer a propaganda. Vestido como palhaço, roupas de cores berrantes, já que havia também o palhaço nas touradas, saía acompanhado da molecada, correndo e gritando pelas ruas: "hoje tem tourada? Tem sim senhor. Hoje tem marmelada? Tem sim senhor". Observem a curiosidade: naquele tempo, a palavra marmelada referia‐se ao doce de marmelo. Não se usava essa frase como nas gírias de hoje quando "marmelada" pode ser logro, tapeação, etc. Como a marmelada, o doce, era coisa fina e só aparecia na mesa do rico, para rimar com tourada, o Antonio a usava.
Mas, de fato, as touradas eram mesmo uma marmelada, agora na gíria, pois parecia que até as reses se cumpliciavam com o toureiro e dificilmente o feriam.
Que estranha coincidência heim?
29 09/04/1988.
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Obs: rua Carlos Gomes, hoje é rua Vanor Junqueira Franco; rua da Independência, hoje à rua Lucas Evangelista.
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O EQUILIBRISTA
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Em 1930, apareceu em Bebedouro um mexicano que, equilibrando‐se com um varão de ferro, subiu por um cabo de aço amarrado numa das árvores perto do antigo coreto, até a torre da igreja. O seu feito atraiu grande multidão. Posteriormente, voltou a repetir a façanha, desta vez com um cabo amarrado numa árvore mais próxima, tornando a subida mais íngreme. Depois de subir, desceu pelo mesmo cabo e, no meio do caminho, sentou‐se nele. Após agradecer ao povo que o assistia, exibiu as bandeiras mexicana e paulista. Emocionou a todos quando disse: ‐ gostaria de mostrar‐lhes a bandeira brasileira, mas, infelizmente não a tenho. Recebeu muitos aplausos e gratificações do povaréu. Enfim, ninguém dá ponto sem nó.
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OLARIAS, MARCENARIAS, ETC.
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Décadas de 10 e 20. Bebedouro crescia e progredia.
Havia várias olarias nas proximidades, mas, os tijolos mais preferidos e procurados, eram os da olaria do senhor Cosmo Bárbaro, na Consulta e do senhor Genarino Guariglia, pros lados do Bate‐Pau. Eram tijolos enormes, tamanho família e de barro mico. Muito resistentes. As carroças transportavam apenas 500 por viagem. Há, até hoje, na cidade casas construídas com aqueles tijolos, as quais estão firmes e sólidas ainda.
As marcenarias Stamato e João Ferreira, aquela na rua Rubião Júnior e esta na Carlos Gomes, não venciam as encomendas de carroças, carrinhos e troles, que fabricados por elas, nada ficavam devendo aos famosos carrinhos de Sertãozinho.
Os pastifícios Balardim e Marchesi, firmas tradicionais no preparo do macarrão, atendiam a praça e as cidades circunvizinhas.
A fábrica de ladrilhos do senhor Bento Pitelli, trabalhando em tempo integral devido a preferência e os preços módicos, vendia tudo.
A serraria Kobal & Carnevazzi, perto onde é hoje o estádio da A.A.I., trabalhava a todo o vapor para atender a procura de madeira para construções.
Os saudosos senhores Atílio Fávero e Aladino Fabbri, fabricantes de bebidas, com especialidade da gasosa e outros refrigerantes, atendiam com esmero e capricho aos fregueses e amigos.
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A PAINEIRA ASSOMBRADA
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Na década de 20 e 30, havia muita lenda sobre assombração e Bebedouro não fugiu a regra, pois até o cemitério local com o seu muro com a base pintado de preto (luto) ajudava na crença. Hoje, deixaram de existir essas crendices, haja vista que até os cemitérios são assaltados, pois quando o extinto "pensa" que está dormindo ou descansando em paz, eis que chegam os meliantes a procura de algum dente de ouro para pilharem.
Bem, na estrada que ligava Bebedouro a Monte Azul, estrada velha, perto do córrego dos Lima, existia uma paineira enorme, secular talvez, beirando a estrada, onde todo o mundo evitava passar à noite, pois segundo voz corrente, o local era assombrado. A origem, diziam, era o fato de alguém ter sido assassinado de tocaia embaixo da paineira. Mas além disso era o ponto onde os enterros faziam suas paradas para descanso. Naquele tempo carregava‐se o defunto, os pobres, é claro, num lençol o qual era amarrado a um pau comprido e forte sendo carregado nos ombros de dois homens e a cada certa distância eram substituídos por outros que acompanhavam o enterro e iam gritando: é pras almas... é pras almas... Ao passarem perto da paineira não resistiam sua sombra amiga e paravam para descansar. Então, diziam que à noite, aquelas almas dos que morreram ali se juntavam para suas conferências originando uivos e gemidos alucinantes durante à noite, principalmente nas sextas‐feiras para dar maior colorido às fantasias. Durante o dia era a dormida dos morcegos e a noite, as corujas com seus pios tétricos e agourentos faziam da paineira seu lugar predileto.
Como naquela época o transporte preferido era o animal, os namoradeiros iam a cavalo a procura de suas "ninfas", outros iam à cidade buscar compras ou para outros fins, porém eram muito recomendados pelas mães para evitarem passar perto da paineira à noite, chegando
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até algumas mães a colocarem crucifixos nos bolsos dos filhos para afugentar os fantasmas.
Diziam ainda que muitos animais por mais mansos que fossem, ao chegarem naquele ponto crítico refutavam e empacavam e se o cavaleiro teimasse chegando‐lhe a espora ou a guasca, poderia corcovear derrubando o cavaleiro. O aconselhável então seria descer e puxá‐lo pelas rédeas, embora essa prática envergonhasse os bons montadores. Mas seria melhor do que ficar a pé enfrentando os fantasmas. Alguns, quando o animal saia em desabalada carreira, perdiam o chapéu, mas não se atreviam a descer para apanhá‐lo, deixando para vir buscá‐lo no outro dia.
Certa vez, meu mano Nestor, alfaiate, foi chamado para ir à fazenda dos Lima a fim de tirar medidas para feitio de ternos para os proprietários, e ao passar perto da paineira junto com o administrador que veio buscá‐lo, inquiriu‐o sobre as assombrações, tendo ele respondido que não acreditava em fantasmas, porém arrepiava‐se todo ao dizê‐lo, o que vem a parecer com aquela do espanhol que dizia:
Yo no lo creo em fantasmas, pero, que los hai, los hai...
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O MATA FORMIGAS
Antigamente, mais precisamente até a década de 20, havia no Estado de São Paulo e, naturalmente em Bebedouro, muita saúva, verdadeiro flagelo para as
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lavouras e pomares. Antes de aparecerem os formicidas tais como, Capanema, Júpiter, Tatu e, posteriormente o Brazeão (aquele que servia de abertura ao programa do Torres, Florêncio e Rieli, na Rádio Record, às segundas, quartas e sextas‐feiras), as prefeituras combatiam a saúva com os ventiladores. Compunham‐se estes de um carrinho de mão, de uma só roda, tipo carrinho de pedreiro, com um bujão no lugar da caçamba, no qual eram colocados enxofre e outros produtos tóxicos, juntamente com o carvão que, depois de aceso, a custa de um ventilador acoplado e acionado por uma manivela manual, injetava fumaça venenosa por meio de encanamento próprio, para dentro do formigueiro, eliminado‐o.
Em Jaboticabal, a prefeitura chegava até a alugar seus ventiladores a particulares, cobrando 1 mil réis por formigueiro abatido.
Bem, certo dia passou perto de minha casa um vendedor de biju doce, novidade na época, e um de meus irmãos menores, querendo comer aquele doce, aprontou uma choradeira dos diabos. Mamãe, para se ver livre daquela manha, deu‐lhe 200 réis (cada biju custava um tostão), para ele comprar. Mas o vendedor já tinha virado a esquina e o irmão, pensando que o biju estava sendo fabricado na hora, foi até a esquina de baixo onde uma dessas máquinas estava em pleno funcionamento e pediu ao operador, empregado da prefeitura, que lhe vendesse 200 réis de biju. O homem começou a rir e, a muito custo conseguiu convencê‐lo que estava matando formiga e não fabricando biju.
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PARTE 3
CURIOSIDADES
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ESTRADAS DE FERRO30 1
Continuando hoje com minha exposição sobre as Estradas de Ferro, falarei sobre certas curiosidades a respeito do assunto.
Como eu já disse anteriormente, eram elas, as Ferrovias as responsáveis pelo desenvolvimento dos lugarejos por onde passavam, transformando‐os, mais tarde em prósperas e dinâmicas cidades. Era tão 30 13/05/1989.
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importante a vinda da ferrovia, que em alguns casos ela mesma dava os nomes aos lugares por onde passaria com seus trilhos, isso naturalmente de acordo com os moradores. Se não vejamos:
Na década de 20 e 30 deste século, quando a Cia. Paulista de Estradas de Ferro ao estender suas linhas até Tupã, na ocasião, um lugarejo procurou dar os nomes aos lugares seguindo o alfabeto. Observem a curiosidade:
Saindo de Piratininga, logo além de Bauru, a primeira estação era Alba. Depois, Brasília, (naquele tempo ninguém sonhava que um dia teríamos uma capital chamada Brasília); depois vinha Cabrália, em seguida Duartina, Esmeralda, Fernão Dias, Galia, Garça (aqui foi repetida a letra G); depois Jaffa, Kentukia (depois mudada para Vera Cruz), Láscio, Marília (antes se chamava Alto Cafezal), p. Nóbrega, Oriente, Pompéia, Quintana, Santana e Tupã. Foram cortadas algumas letras do alfabeto, mas a origem seguia aquele, como pode se notar. Hoje a cidade de Santana mudou o nome para Herculândia.
Depois que o governador do Estado de São Paulo encampou a Cia. Paulista, ela começou a perder a sua eficiência e tornar‐se quase obsoleta, e como ficou antieconômica, o governo se viu obrigado a suprimir todos os ramais e encurtar distâncias, originando daí a supressão da linha de 1 metro que saía de Piratininga passando por Tupã e que hoje segue até Panorama, já nas divisas com Mato Grosso do Sul, colocando em seu lugar a bitola larga (1,60 m), mas deixando fora do percurso a cidades de Piratininga, Cabralia, Duartina e Galia, cidades de certo porte, além ainda de alguns lugarejos. Economizou com esse corte uns 15 a 20 quilômetros.
Se elas, as Estradas de Ferro, tivessem acompanhado o desenvolvimento, creio que hoje teríamos um frete e passagens bem mais em conta que o sistema rodoviário, pois aquele é bem mais barato que esse.
Vejam o Japão e a França, países aonde o progresso acompanhou as ferrovias, onde hoje eles têm os famosos trens‐bala que chegam a desenvolver a velocidade de até
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250 quilômetros horários e todo mundo prefere viajar por trem.
Aqui no Brasil estão pensando em colocar um desses trens ligando São Paulo ao Rio, mas até lá muita água passará debaixo da ponte.
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ESTRADAS DE FERRO 2
Desde os fins do século passado até os meados deste, eram elas, as Estradas de Ferro, que levavam ou traziam o progresso às vilas e povoados que estavam se formando no Brasil, portanto era importante para o desenvolvimento da cidade, a chegada dos trilhos.
Hoje, comparo‐as aos velhos bois de carro, que uma vez imprestáveis para o serviço, são vendidos aos matadouros, se bem que elas, as ferrovias, também são culpadas por não terem acompanhado o progresso, tornando‐se obsoletas. Até a grande e famosa Cia. Paulista, o orgulho das ferrovias da América do Sul, hoje é um espectro do que foi no passado. Na década de 10 deste século, a Estrada de Ferro Douradense, ao estender suas linhas até Novo Horizonte, no Estado São Paulo, viu‐se num dilema, pois duas pequenas cidades,
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Ibitinga e Tabatinga disputavam a preferência de ter a ferrovia passando por sua cidade. A ferrovia não podia atender ambas, visto que ficavam fora da rota. Se atendesse uma, não poderia atender a outra. Virou uma verdadeira guerra aquela questão entre as duas cidades precisando quase a intervenção do Estado na contenda. Por fim a Douradense, atendendo a "gregos e troianos", passou com seus trilhos por uma delas de onde fez sair um ramal para atender a outra também.
Mas voltando aos bois de carro, cito aqui o caso de Londrina que se deu ao luxo de extrair sua ferrovia do centro da cidade jogando‐a para o arrabalde, como a dizer: não precisamos mais de você. Esqueceram‐se que a ferrovia muito ajudou Londrina a ser o que é hoje, uma verdadeira metrópole. Pelo menos por reconhecimento, deviam deixá‐la onde sempre esteve. Ademais, amanhã, poderão voltar a trafegar os trens de passageiros, e daí?
‐ Presidente Prudente, também tentou tirar sua ferrovia do centro, mas que eu saiba, ainda não conseguiu. Em Cornélio Procópio, houve um candidato a vereador que prometia, se eleito, trabalhar para tirar a nossa ferrovia do meio da cidade. Já pensaram se todas as cidades brasileiras que possuem ferrovias agissem da mesma forma, já que a maioria são cortadas por elas? Quanto dinheiro seria preciso para tal empenho? ‐ Esqueceram‐se que o frete ferroviário é muito mais barato que o rodoviário, isso devido a falta constante dos combustíveis, reparação e conservação das rodovias, alto custo dos caminhões, etc. Até o trem de passageiros que era a opção dos pobres para suas viagens desapareceu. ‐ Quanta saudade nos provoca ouvir o apito duma Maria Fumaça, a locomotiva de outrora, a pioneira que abriu o sertão brasileiro, mérito esquecido pelos homens atuais.
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UM DESASTRE CONTIDO POR OBRA DO ACASO31
Rompendo as trevas de uma noite tempestuosa, corria o expresso noturno da Pennsylvania, N.X.7, cuja possante locomotiva a vapor, arrastando o comboio de 10 carros, avançava a 70 Km horários em meio ao temporal que desabava na região.
O farol, dado ao forte aguaceiro, refletia poucos metros à frente, mas ainda assim, aquele gigante, resfolegando em meio a tormenta, ia vencendo as distâncias cumprindo o horário, enquanto os passageiros de bordo, em seus beliches dormiam tranqüilos.
Em dado momento, o foguista, após ter lançado mais lenha na fornalha, enxugando o rosto molhado de suor, distraidamente, olhando à frente, surpreso arregalou os olhos. Seria possível? Pareceu‐lhe nitidamente ver um fantasma que em meio a pouca claridade refletida pelo farol no meio a tempestade, lhe acenava com longos braços para que parasse. Atônito, viu aquela figura desaparecer para logo em seguida tornar a fazer‐lhe sinais de perigo. Chamou a atenção do maquinista, mas este, nada vendo, não lhe deu importância, continuando com a mesma velocidade. 31 23/08/1986. Fato real.
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O foguista, sentado em seu banco, procurando refletir melhor, olhava com certa desconfiança para aquela claridade brumosa quando, eis que a de novo, a visão acena‐lhe novamente e com insistência. Com um salto agarrou o braço do maquinista indicando‐lhe a aparição e este notando a figura que claramente lhe dava sinais para que detivesse o trem, não teve dúvidas, fechou o controle e aplicou os freios que rangendo deteve o N.X.7 em meio a tormenta.
Estavam assim apalermados e sem saber que atitude tomar, aguardando de novo a aparição quando vindo de um dos carros, se lhes apresenta um inspetor da ferrovia procurando saber o porquê daquela parada inexplicável. Ao saber do motivo, censurou‐os severamente, taxando‐os de visionários e responsabilizando‐os pelo atraso do trem. Ordenou que o maquinista seguisse viagem, porém o mesmo recusou a ordem, alegando que alguém dera sinal para que detivesse o comboio. A visão não apareceu mais. Como porém, a cerca de uns 100 metros havia uma ponte sobre um rio caudaloso, os três, abrigados com capas e chapéus em meio a chuva inclemente que caía, para lá se dirigiram a pé para examinar aquela ponte, mas, onde estava ela? Nem sinal. O rio, transformado em verdadeiro manancial havia carregado toda ela e assim foi salvo o N.X.7 de um desastre sem precedentes. No outro dia, quando em limpeza dessa locomotiva no depósito, encontraram dentro de seu farol, morta, uma mariposa que lá havia entrado clandestinamente, porém antes de morrer, por obra de Deus, esvoaçando, nos estertores da morte, dera aqueles sinais, salvando assim a vida de muitos seres naquela noite tempestuosa.
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BONDES
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Prosseguindo com minha série de curiosidades, hoje vou falar de bondes.
Este nome, bonde, foi dado no Rio de Janeiro e outras cidades brasileiras ao veículo de transporte coletivo urbano que roda sobre os trilhos.
No dia nove de outubro de 1868 inauguro‐se no Rio de Janeiro este transporte coletivo em veículos puxados por burros, da Botanical Gardlen Railroad Company organizada por G.B. Greenouch, que se desligara da Bleeke Street Horse Car Company de New York. Seus bilhetes ou passes (em inglês bond) eram aceitos pelo comércio varejista como se fossem moeda corrente e sua rápida disseminação concorreu para que o nome bonde se fixasse ao próprio veículo. O percurso inaugural se estendida da rua Gonçalves Dias ao Largo Machado. Os carros de tração elétrica estrearam em 8 de outubro em 1892, numa linha para a praia do Flamengo, com uma usina de força instalada na avenida 2 de Dezembro. Os bondes trafegaram no Rio de Janeiro até 1964, quando foram substituídos por ônibus elétricos. Esta curiosidade é mais para esclarecer o nome “bonde” que se origina do carro elétrico cujo nome vem de “bond” que é o nome dos bilhetes ou passe em inglês.
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INVENTORES32 1 32 Fevereiro de 1992.
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Prosseguindo com minha série de curiosidades passarei a falar de alguns grandes inventores que muito progresso trouxeram para o mundo.
Começarei falando do inventor da locomotiva a vapor. Chamava‐se George Stephenson, engenheiro inglês, nascido perto de Newcastle, em 1781 e falecido em 1848 em Chesterfield. Deve ser considerado como o verdadeiro criador da tração a vapor em estradas de ferro.
Em 1813, tendo sido o primeiro a compreender o princípio da aderência de rodas lisas sobre a superfície também lisa, construiu uma locomotiva a vapor, chamada "Blucher", capaz de arrastar alguns vagões, e que foi experimentada com sucesso em 25 de julho de 1814. Em 27 de setembro de 1825 circulou na linha de Stockton a Darlington o primeiro trem de passageiros rebocado por uma locomotiva de Stephenson, a princípio chamada "Active" depois "locomotion". A obra capital de Stephenson foi, em seguida, a construção da estrada de ferro de Liverpool a Manchester (1826‐1830). Foi por ocasião da construção dessa ferrovia que ele criou a locomotiva "The Rocket" (o foguete), que venceu o concurso realizado em Rainhill (1829). Entre 1830 e 1840, Stephenson dirigiu ainda a construção de várias linhas inglesas.
Seu filho Robert, nascido em 1803 e falecido em 1859 em Londres, dirigiu a fábrica de locomotivas fundada pelo pai em Newcastle, construiu também estradas de ferro na Suécia, Dinamarca, Bélgica, Suíça e Egito. Também lançou pontes tubulares por ele inventadas. Deve‐se lhe ainda o viaduto de ferro e de alvenaria de Newcastle e a ponte Britannia, entre a Inglaterra e a ilha de Anglesey, a ponte de Conway e a ponte Victória sobre o rio São Lourenço, em Montrel.
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INVENTORES33 2 33 Março de 1992.
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Prosseguindo com minha série de curiosidades
falarei hoje do pai da aviação, Alberto Santos Dumont. Alberto Santos Dumont nasceu no sítio Cabangu,
paróquia de Palmira, hoje Santos Dumont‐MG (1873) e morreu em Guarujá em 1932. Sétimo filho do engenheiro Henrique Dumont. Aos 18 anos, o jovem Alberto partiu para França, a fim de estudar física, mecânica, eletricidade, etc., de acordo com os desejos do pai. Inteligência viva, servida por imensa curiosidade em assuntos científicos e em mecânica, Santos Dumont passou a interessar‐se por aerostação, tendo contratado um vôo por duzentos e cinqüenta francos, num balão de 150 m3 à firma Lechambre & Machuson, de Paris. Após o vôo, comprou um balão esférico de 113 m3 da mesma firma e denominou‐o "Brasil". Depois começou a desenhar balões dirigíveis, colocando neles motor a petróleo. Vieram os de número 1, 2, 3, 4, 5 (igual ao número 4, com um outro motor), e 6 (que levava a bandeira do Brasil) com o qual Santos Dumont conquistou o prêmio Deustch de La Meurthe, destinado ao aeronauta que conseguisse, em menos de 30 minutos, elevar‐se do solo, efetuar o percurso de Saint‐Cloud à Torre Eiffel, contorná‐la e voltar ao ponto de Partida. Em Julho de 1901, perante uma comissão de Aeroclube de França especialmente solicitada para testemunhar, partiu Santos Dumont de Saint‐Cloud em direção a torre Eiffel, em Paris. Contornada a torre, regressou ao ponto de partida: estava assegurada a dirigibilidade dos balões. Do dinheiro correspondente ao prêmio, Santos Dumont dividiu 50 mil francos entre seus mecânicos e auxiliares, entregando os 73 mil restantes ao chefe de polícia de Paris, para que fossem liberadas do empenho e restituídas a seus donos as ferramentas penhoradas por operários. Depois de dirigir o número 7, não houve o número 8, por uma superstição de Santos Dumont. Vieram: os de número 9 a 14, este último misto de avião e balão.
Já em 1904 Santos Dumont se preocupava com o vôo do mais pesado que o ar.
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INVENTORES 3
Dando prosseguimento a minha série de inventores, continuo falando sobre Alberto Santos Dumont, "o pai da aviação".
Prosseguiu em seus estudos e com poucos conhecimentos de aerodinâmica da época, trazidos da hidrodinâmica pelos professores Kutta e Joukowsky,
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acomodando trabalhos e esforços, construiu o 14‐Bis (com motor a explosão Antoniett, de 24 c.v.), com o qual fez várias experiências e em setembro, o primeiro vôo oficial, depois de um percurso de 200 m no solo, em que e as 3 rodas do aparelho deixaram de estar em contato com o chão. O aparelho subiu 90 cm sobre um percurso de 100 m com a velocidade de 37,5 Km/h. Com esse vôo, realizado no campo de Bagatelli em Paris e presenciado por uma comissão do Aeroclube da França solicitada para tal fim, Santos Dumont ganhou o prêmio Archdeacon.
Repetiu o feito alcançando‐se a altura de 2 m num percurso de 220 m, no dia 23 de outubro e a 12 de novembro. Também a 220 m, elevou‐se a 5 m de altura. Essa foi a origem real documentada da aeronáutica.
Em 1910 Santos Dumont era o único aeronauta do mundo com 4 brevês de piloto. De balão livre, de dirigível, de biplano e de monoplano.
Feito patrono da aeronáutica e da Força Aérea Brasileira, Santos Dumont passou a figurar no quadro de oficiais‐aviadores da Aeronáutica Militar Brasileira, com o posto de tenente‐brigadeiro, pela lei 165 de 5 de dezembro de 1947. A lei 3.686 de 22 de setembro de 1959 atribuiu‐lhe o posto honorífico de marechal‐do‐ar. Embora o 14‐Bis seja famoso, foi o Demoiselle ou Libélula, que mais se popularizou, e nele, de 1907 a 1910, Santos Dumont realizou inúmeros vôos, inclusive em visita a amigos em seus castelos. Era uma pequena avioneta frágil e delicada, em tudo igual ao atual avião de asa alta. Santos Dumont não mais voou depois de 1910.
Eleito membro da Academia Brasileira de Letras, recusou‐se a tomar posse, por não se julgar merecedor da honraria.
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INVENTORES 4
Prossigo hoje com a série, falando de mais dois grandes inventores, que muito progresso trouxeram para o mundo. Gutenberg e Marconi, inventores da Imprensa e da Telegrafia sem fio, respectivamente.
Johannes Glensflech Gutenberg nasceu entre os anos de 1394 e 1399 em Mainz‐Alemanha e faleceu no ano de 1468, em Strasbourg. Estabelecido em Strasbourg em 1434 lapidou pedras preciosas, fabricou espelhos e a partir de 1438, dedicou‐se secretamente à fabricação de caracteres móveis. Em 1448, voltando a Mainz, aperfeiçoou o seu invento e em 1450 associou‐se a Johan
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Fust, com quem veio mais tarde a desentender‐se. Em 1455, Fust ganhou processo que intentara contra ele, conservou o material tipográfico de quarenta e duas linhas e certamente a famosa Bíblia em duas colunas, associou‐se a Peter Schoffer e com os caracteres tomados a Gutenberg imprimiu o "Mainzer Psalterium" isso em 1457.
Em 1465, Adolfo II de Nassau, arcebispo de Mainz, reabilitou Gutenberg e proporcionou‐lhe recurso para que recomeçasse 05 trabalhos de impressão, sendo considerado o pai da arte tipográfica mecânica.
Vou agora falar de outro grande inventor: Marconi. Guglielmo Marconi nasceu em 1874 em Bolonha, Itália e faleceu em 1937 em Roma.
Desde a juventude, interessou‐se pelos problemas da telegrafia sem fio. Utilizou o oscilador de Hertz, a antena de Popov e o coesor de Brenly para obter, em 1896, uma transmissão telegráfica entre dois pontos distanciados de uma centena de metros. Trabalhou principalmente na Inglaterra, onde foi aumentando pouco a pouco a distância da transmissão, até que em 1901, enviou uma mensagem da Cornualha à Terra Nova, ou seja, da França ao Canadá. Recebeu o Prêmio Nobel da Física em 1909.
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A LESMA Uma senhora viúva muito rica oferecia um banquete
a seus convidados, todas as pessoas da alta sociedade. Porém assim que as empregadas puseram a mesa, ela notou que numa grande travessa de alface havia uma lesma logo numa das primeiras folhas. Ela ficou apavorada, pois para levar de volta aquela travessa, todos notariam. Um rapaz que estava sentado perto dela notou seu embaraço e tomou a seguinte decisão: puxou para seu prato a folha da alface com a lesma e, dobrando‐a, engoliu‐a com lesma e tudo, tirando a anfitriã daquele apuro.
Quando dali uns anos aquela senhora faleceu, deixou para ele uma boa parte de sua fortuna como herança.
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A LIÇÃO
Os leitores já notaram que em certos serviços com muita gente, o rendimento é pouco porque uns atrapalham os outros e para provar isso vou contar agora um caso como fato real que eu li numa revista de curiosidades.
Dizia que num país da África, o Rei, para proteger‐se de ataques de outros países, queria colocar no alto de uma montanha um canhão, próximo ao castelo, cujo canhão em ponto estratégico poderia liquidar os exércitos inimigos vindos de qualquer parte. Então, chamando o general do exército falou‐lhe para que pegasse cem homens e levasse o canhão para montanha.
Passadas duas horas mais ou menos, o general veio ao Rei dizendo que não foi possível alçar o canhão para o alto da montanha. O Rei então lhe disse que matasse metade dos homens e com o restante levasse o canhão para cima.
Dali algumas horas, volta o general dizendo que com cem homens não conseguiriam levar o canhão para cima, então muito menos com cinqüenta. Disse‐lhe então o Rei para matar metade dos homens que havia sobrado e tentasse levar o canhão. Pois, muito bem, com os vinte e
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cinco homens que havia sobrado o canhão foi levado para o alto da montanha.
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A COBRA MAMA34? Há trinta anos, eu era gerente de fazenda
agropecuária, e de manhã, estando no retiro de uma das fazendas, que fornecia de 180 a 200 litros de leite para o laticínio, quando o chefe do retiro falou ao patrão que se encontrava presente, que a vaca "Princesa", que normalmente dava em média 8 litros de leite diário, estava secando o leite e não dando para criar nem o seu próprio bezerrinho. E, naturalmente, deveria ter uma cobra mamando na vaca. Ao ouvir isto, procurei esclarecer que a cobra não mama, pois ela é ovípara, isto é, põe ovos.
E para confirmar disse‐lhe que todos os mamíferos têm a língua chata ao passo que a cobra tem a língua igual a um fio de barbante. Disse‐lhe ainda que, pondo dedo na boca para chupá‐lo, nota‐se que a língua enrola o dedo para fazer a sucção, ao passo que a cobra não consegue fazer isto por causa da língua. Então, o chefe do retiro disse que na outra fazenda em que trabalhara houve um caso igual, ou seja, uma vaca muito boa de leite e que não tinha leite nem para o sustento do seu bezerro. E ainda acrescentou que ele e outros viram a vaca encostada em uma tora caída, e em cima desta havia uma grande cobra que naturalmente estaria mamando na
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vaca. Eu ainda confirmo que a cobra não mama, embora muita gente acredite que ela mama.
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ONDE MATA O BOI, FICA O SANGUE35
Há mais de trinta anos, quando eu era administrador da Fazenda São José, na distância de sete quilômetros da cidade, na estrada que liga Cornélio a Leópolis, vim buscar uma mudança de um colono que se mudava da fazenda do saudoso João Reghin, fazenda esta situada logo além da Faculdade atual, naquele tempo Fazenda de café, pois na região de Cornélio Procópio todas as fazendas tinham café.
Como o administrador não estava presente, fiquei esperando‐o e enquanto isso fiquei conversando com um preto velho que lavava café no terreiro. Para aqueles que não sabem, como na região de Cornélio Procópio havia muita pedra no meio do cafezal, costumava‐se lavar o café depois de seco. Nesse momento o homem que lavava café tirava as pedras de dentro da caixa d’água colocando‐as numa carriola para depois tampar buracos da estrada como todos faziam. Eu vi que no meio das pedras havia muito café que não havia boiado, naturalmente por ser café maduro e ser mais pesado. Então eu chamei a atenção do homem que lavava café e este me respondeu:
‐ Mais o caso é esse moço, onde mata o boi, fica o sangue. Eu fiquei pensando naquela resposta e vi que o homem tinha razão, pois, o desperdício é comum onde há parque industrial, como seja, serrarias, colheitas de cereais e outros.
Há dias eu li em Jornal de São Paulo que o Brasil perde muitos bilhões de dólares em desperdício, quer 35 30/01/1993.
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seja em construções como em colheitas e transportes de grãos. No mesmo Jornal eu li que com as sobras do desperdício de materiais que viram entulho de três prédios, daria para fazer o quarto prédio e no transporte rodoviário, em estradas ruins, o desperdício chega até 25% do produto. Nas colheitas de grãos a perda também é muito grande e isto é devido as colheitadeiras mal reguladas, terreno íngreme e outros fatores. Enfim, com o que desperdiçamos no Brasil, daria para pagar nossa dívida externa em dois ou três anos.
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AS ENCHENTES DO RIO PARANÁ36 36 22/06/1991. Veja Foto 2 no Anexo.
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Quando se dão as enchentes do rio Paraná, mais conhecido por "Paranazão", põem os ilhéus, que são as famílias moradoras das ilhas, a correr, pois já houve enchente que chegou a atingir até 2 metros de altura nas paredes das casas deles. Este ano, deu enchente. Mas na ilha Mutum, que é a maior da região de Porto Rico, pois ela tem 20 quilômetros de comprimento, a enchente não foi tão brava, a ponto de seus moradores precisarem sair de suas casas, como ocorreu o ano passado.
Quando se dão essas enchentes, a prefeitura de Porto Rico precisa socorrer os ilhéus, retirando‐os das ilhas em batelões e acomodando‐os nas escolas e quando não há mais lugar, fornece‐lhes lonas e encerados para que se acomodem nas margens do rio.
Segundo consta, essas enchentes são provocadas pela usina hidrelétrica de Jupiá, que chega a soltar 25 mil metros de água por segundo.
Mas, essas enchentes em parte são benéficas, pois as águas trazem bastante humos que estercam as terras, propiciando boas colheitas nos próximos anos. As terras das ilhas produzem muito bem arroz, feijão, milho e mandioca, além de frutas como mamão, manga e banana.
Na cabeceira da ilha Mutum, mora o "Seu" José Ferreira Barbosa, mais conhecido por José Mineiro, cujo senhor tem bastante bananas plantadas, produzindo muito bem, principalmente a banana nanicão e prata.
O curioso dessa história é a égua que ele tem. Quando havia enchentes, o animal era retirado por meio de um bote todas as vezes que a ilha era inundada e que já se acostumou ao entrar no bote sozinha, se equilibrando, enquanto o ‘piloteiro’ vai remando até sair na barranca do rio. As enchentes destroem todas as plantações dos ilhéus, mas assim que ela passa, eles voltam para suas casas e recomeçam tudo de novo.
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Alguns deles pescam para ajudar nas despesas domésticas.
Na ilha Mutum tem posses grandes tendo seus proprietários até gado para cria e corte, mas quando vem a enchente precisam tirar o gado a toda pressa, pagando às chatas apropriadas para esse fim.
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NOMES E APELIDOS37 1 Prosseguindo com minha série de curiosidades, falarei sobre nomes e apelidos curiosos. 37 1992.
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Volta e meia vemos nomes esdrúxulos e curiosos que alguns pais punham em seus filhos, nomes esses que mais tarde só vinham envergonhar os possuidores dos mesmos, como é o caso daquele pai que pôs o nome na filha recém‐nascida de Aliança Liberal, isto porque ele era admirador dessa aliança feita pelo Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba. Conheci um homem em Bebedouro que chamava Florisbelo. Ele era farmacêutico, portanto, tinha instrução. Pois bem, ele se envergonhava do nome, achando‐o acaipirado. Então ele fez uma petição ao juiz de Direito e depois de publicado por vários dias no jornal local, trocou o nome para Florival. Vocês já notaram que quando a pessoa leva apelido, ela fica mais conhecida pelo apelido do que pelo próprio nome? Vou contar várias histórias a respeito disso. Conheci um homem por nome de Lázaro dos Santos, mas conhecido pelo apelido de Lazinhão. Certo dia perguntei a ele o porquê desse apelido de Lazinhão, ele informou‐me que até os dezesseis anos chamavam‐no de Lazinho, depois continuou crescendo bastante até 1,85 m e 90 quilos de peso, então passaram a chamá‐lo de Lazinhão. Notaram que esse apelido começa no diminutivo e passa para o aumentativo? Outro caso: eu tinha um cunhado que se chamava Pedro Ribeiro. Morava perto de Barretos, no frigorífico da Armour que abatia de 1500 a 2000 cabeças de gado por dia. Ele tinha o apelido de “Pedro Marcha à ré”. Num certo dia minha senhora foi procurá‐lo mas ninguém o conhecia por Pedro Ribeiro. Ela parou em um bar bastante movimentado e perguntou onde morava Pedro Ribeiro. Pois ninguém o conhecia. Ela lembrou o apelido e gritou para a turma: ele tem o apelido de “Pedro Marcha à ré”. Aí todos que estavam no bar alegaram que o conheciam. Vieram 3 ou 4 pessoas perto do carro e ensinaram onde ele morava.
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NOMES E APELIDOS38 2 Na minha série de curiosidades volto a falar de nomes e apelidos. No meu último trabalho sobre nomes e apelidos falei sobre os nomes que certos pais põem nos seus filhos, envergonhando‐os e obrigando‐os a trocar de nome 38 26/09/1992.
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depois de adulto. Eu li um dia que um pai muito fã de luta de boxe colocou no filho recém‐nascido o nome de todos campeões de boxe até aquela data, a entender, só dos pesos pesados, onde então entraram os campeões até aquela data, como Jack Dempsey, Jorge Carpentier, Gene Tuney, Joe Loís Rock Marciano e outros. Ainda bem que os cartórios de Registro Civil de hoje não aceitam esses nomes esdrúxulos e ridículos. O mesmo caso aconteceu aqui no Brasil, como a diferença que aqui foram postos nomes de todos os jogadores de futebol. Por curiosidade também, vale a pena lembrar que o nome completo de D. Pedro I era: Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, primeiro imperador do Brasil e vigésimo sétimo rei de Portugal, com o título de Pedro IV. Vocês já notaram que quase todos os nomes masculinos servem também para o feminino? Como são os casos: Antônio‐Antônia, João‐Joana, Alziro‐Alzira, Mário‐Maria, Sandro‐Sandra, Luiz‐Luiza, Renato‐Renata, Rogério‐Rogéria, etc. Agora, dos nomes femininos pouco servem para nomes masculinos, mas por curiosidade parece‐me que Teresa teve um Tereso, pois conheci um tal que trabalhava no matadouro do sr. José Pereira Lima, isto há mais de trinta anos passados. Não sei se ele vive ainda. Sei de nomes que servem tanto para masculino como para feminino, como é o caso do nome Darcy que é o nome da Sra. do Dr. Getúlio Vargas. Conheço vários homens com esse nome. Há uns dez dias eu destaquei da “Folha de Londrina” uma curiosidade em matéria de apelidos, que passo a transcrever: “em Paranaguá, capital dos apelidos, um cidadão que ficou com o braço esquerdo atrofiado como seqüela de um derrame é chamado de Jacu Mal Atirado”.
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GALILEU GALILEI39
Prosseguindo com minha série de curiosidades para
este jornal, falarei hoje do grande astrônomo, físico e escritor italiano, Galileu Galilei. Ele nasceu em Pisa no ano de 1564 e faleceu em 1642 na cidade de Arcetri. Era filho do grande compositor Vincenzo Galilei, em cuja casa foram representadas as primeiras óperas. Dedicou‐se
39 Novembro de 1992.
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a história e que ele, na mocidade, às letras, escrevendo sobre Tarso e Dante.
É lenda a história que ele observando as oscilações dos lustres da catedral de Pisa, teria descoberto as leis do pêndulo. Já ensinara, no entanto, essas leis, quando docente de matemática na universidade de Pisa. Transferindo‐se para a universidade de Pádua, descobriu em 1604 as leis da queda dos corpos, descoberta fenomenal da mecânica. Tendo ouvido da construção do primeiro telescópio na Holanda, construiu em 1609 um desses instrumentos e fez com ele notáveis descobertas astronômicas: a composição estelar da vi‐Láctea, os satélites de Júpiter, os braços de Saturno, as manchas do sol, etc. Todas essas descobertas foram comunicadas ao mundo por meio de livros, em 1610. A observação das fases de Vênus converteu‐o ao sistema copernicano, heliocêntrico. Sendo esse sistema considerado pela Igreja incompatível com textos bíblicos, Galileu foi chamado a Roma em 1611 para defender‐se contra a acusação de heresia. Não foi condenado devendo porém assinar um decreto da Inquisição que declarava ser meramente hipotético o sistema copernicano. Em 1623, publicou o livro (Experimentador) para combater a física aristotélica e estabelecer a matemática como fundamento das coisas e as ciências exatas. Acusado perante a Inquisição de ensinar a teoria herética do movimento da terra, foi condenado a prisão domiciliar em 1633 e proibido de publicar livros. Pertence a lenda a afirmação que ele teria dito nessa ocasião: “no entanto ela se move”, a Terra.
Passou os últimos anos de sua vida escrevendo, retirado em sua vila.
Há poucos dias atrás eu li uma notícia sobre esse assunto.
O Papa fez por onde absolvê‐lo daquela condenação. Depois de 350 anos é que acharam que ele tinha razão.
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SHERLOCK HOLMES, O DETETIVE40 Dando seguimento às minhas curiosidades falarei
hoje algo em torno desse famoso detetive amador, imaginário, Sherlock Holmes, que descobria os autores de crimes por meio de dedução lógica. Talvez nem todos sabem que esse mito foi criado pelo grande escritor inglês Arthur Conan Doyle.
Por meio de romances, contos policiais e filmes, esse personagem, criado por Conan Doyle, ficou famoso e conhecido no mundo todo, a ponto de alguns menos avisados chegarem a crer que se tratava de um ser real. Senão, vejamos:
Há uns 50 anos houve no Rio de Janeiro um crime que foi furo de jornais, o qual ficou sendo conhecido como o crime de Sacopã. Como havia gente da alta 40 Novembro de 1988.
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sociedade envolvida, esse crime teve repercussão e o seu julgamento foi um dos mais longos da história criminal. Foi condenado como autor o tenente Bandeira, militar muito charmoso e estimado no Rio de Janeiro. Porém, como ele negava ser o autor foi condenado com provas circunstanciais, ficando repartidas as opiniões públicas sobre a sua culpabilidade ou não. Pois bem, uma senhora do Rio chegou a escrever para Londres pedindo a vinda do Sherlok Holmes para desvendar aquele intricado crime. Por aí se vê que era tanta a fama e as proezas desse detetive, que alguém o acreditava realmente vivo. Também não era para menos, pois até os ingleses faziam por onde de dar aquela impressão, haja vista que fantasiaram a existência dele, criando o seu escritório com todos os seus pertences, inclusive até o seu inseparável cachimbo deixado no cinzeiro, como se ele acabara de sair. Ficou tão popular esse personagem que o seu autor, ou melhor seu criador, achando que a coisa ia indo longe demais, ouve por bem de tirar‐lhe a vida “matando‐o” num de seus contos policiais. Pois os leitores não se conformaram e insistiram tanto até que o seu criador foi obrigado a "ressuscitá‐lo" numa outra história policial e continuar escrevendo sobre ele.
Nos filmes ele era representado pelo ator inglês Basil Rathbone, talvez por serem parecidos, isto é, alto, magro, rosto afinado e nariz ligeiramente adunco. Seu parceiro de aventuras em investigações era seu amigo e colaborador, Dr. Watson.
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PEDRO MALASARTES41
Pedro Malasartes, herói de histórias populares da Península Ibérica, representa um aventureiro cínico, astucioso, inesgotável em artimanhas. Embora seja do tipo do herói sem caráter, de conseqüência elástica, seus logros, o mais das vezes, se exercem sobre os avarentos, tolos, orgulhosos, ricos e vaidosos. Daí a simpatia popular que os cerca em todos os países onde se assinala a sua presença. O ciclo de Malasartes inclui vários episódios de procedência européia. Em Portugal, a mais antiga citação aparece na cantiga 1132 do Cancioneiro da Vaticana (fins do século XVI). Ainda no mesmo século, na Espanha, aparece em vários livros que alcançaram popularidade. Assim ocorre na Lozana andaluza (1528), de Francisco Delicato com o nome de Pedro de Urdemalas. No Brasil o herói encontrou ambiente propício ao desenvolvimento de suas aventuras, que foram enriquecidas com diversos episódios novos.
Em toda a América Latina encontra‐se a figura do mesmo herói, quer sob o nome Urdemalas, quer sob diversas variantes, mas sempre com características idênticas. Em nosso país a primeira publicação referente 41 Janeiro de 1992.
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ao personagem foi feita por Sílvio Romero no conto "uma das de Pedro Malasartes" (quinto dos contos populares do Brasil). Lindolfo Gomes, em seus contos populares divulgou doze aventuras de Malasartes. Câmara Cascudo comentou seis episódios seus na obra “Contos Tradicionais do Brasil”. Amadeu Amaral, em “Tradições Populares”, (São Paulo, 1948), abordou igualmente o tema de Pedro Malasartes, a que dedicou um estudo ilustrado com vários exemplos de aventuras difundidas no Brasil.
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LAMPIÃO, O REI DO CANGAÇO
Como vimos na televisão outro dia, estão querendo
fazer uma estátua homenageando o rei do cangaço, Lampião, em Serra Talhada, Pernambuco; então passo a historiar a vida dele.
Virgulino Ferreira da Silva, dito Lampião, nasceu em Vila Bela (atual Serra Talhada), em 1900 e morreu em Angicos‐SE em 1938, morto pela volante de João Bezerra, da Polícia de Alagoas.
Tinha doze anos, estava no terceiro ano primário, quando resolveu trocar os estudos pela vida de vaqueiro, em que ganhou fama pelo seu destemor. Aos dezessete anos, tornou‐se tropeiro, familiarizando‐se com os caminhos e estradas da região.
Episódio sem maior importância levou Virgulino à prisão, de onde os irmãos o libertaram pela força das armas, assassinando o filho do delegado de polícia que mandara prendê‐lo; daí começou a luta entre as duas famílias, que até então eram amigas, a dos Ferreiras, a que pertencia Virgulino e a dos Nogueiras, de que fazia parte o delegado que mandara prendê‐lo.
Refugiando‐se em Alagoas os irmãos de Virgulino, e procurados por uma volante de que era comandante o cabo Ducena, tiveram cercada a casa em que moravam os pais a qual foi invadida na ausência dos irmãos de Virgulino, morrendo assassinado na ocasião o pai de Virgulino e, em conseqüência da morte do marido, a mulher dele, sucumbindo a um colapso cardíaco.
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Aí, começou por volta de 1917, a vida de cangaço de Virgulino que conquistou apelido de "Lampião" quando, num de seus encontros com a polícia se gabava de que, no decorrer da luta, sua espingarda não deixara de ter clarão, "tal qual um lampião". As lutas das duas e depois outras famílias propiciaram o banditismo, em que ao coiteiros, por hostilidade aos inimigos de Lampião, ou temor de represálias que não tinham limites, cooperavam para o insucesso da perseguição policial. Vigorou a lei ou a preocupação do extermínio, indo do estupro ao incêndio, do saque ao assassinato frio.
Na fase da presença da coluna Prestes, Lampião foi convidado a colaborar com o governo por intermédio do Padre Cícero, que lhe ofereceu patente de capitão. Aproveitou‐se do momento para armar melhor todo seu bando. Fazia dos sertões de Sergipe e da Bahia seu quartel‐general de onde irradiava para outros Estados do Nordeste, como Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Chegou a investir contra a cidade de Moçoró, cidade relativamente grande, que só se salvou pela ação de seus moradores. Cercou e dominou várias cidades e povoados da região, saqueando o comércio, devastando fazendas, sacrificando vidas dos que não estivessem ao seu lado. Em 1929, conheceu Maria Bonita, que abandonou o marido para acompanhá‐lo. Tudo acabou em 1938, na fazenda do Angico, em Sergipe, onde foi surpreendido pela volante de João Bezerra, da polícia de Alagoas, pois o governo da época, Dr. Getúlio Dorneles Vargas, havia ordenado a extinção do cangaço no Nordeste. Na luta morreram Lampião, Maria Bonita e alguns de seus companheiros. Os cadáveres foram mutilados. As cabeças de Lampião, Maria Bonita, Luiz Pedro e outros ficaram quase 30 anos expostas ao público, em Salvador, no Museu Nina Rodrigues. Agora, parece‐me que vão fazer um plebiscito em Serra Talhada para definir se fazem ou não uma estátua homenageando Lampião.
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COLUNA PRESTES
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Prossigo hoje com minha série de curiosidades falando da Coluna Prestes, movimento revolucionário, representado por uma marcha guerrilheira que percorreu mais de 24 mil Km de território brasileiro; sem interrupções superiores a dois dias em lugar algum, durante 647 dias (de 1924 ao início de 1927) integralmente dedicados a deslocamentos. Como se sabe nesse tempo o presidente da República era Arthur Bernardes (1922‐1926), quando o país viveu sob estado de sítio.
A Coluna Prestes constituiu‐se de um prolongamento da revolução paulista de 1924. Compunha‐se de forças retirantes derrotadas nesse movimento. Em Foz do Iguaçu, a divisão Miguel Costa aderiu à Coluna cujo Estado‐maior era constituído por Miguel Costa. Luis Carlos Prestes e Joarez Távora. Para Siqueira Campos, João Alberto, Cordeiro de Farias e Djalma Dutra cabia a chefia dos destacamentos em que se dividia. Formada, em média, por 900 homens sobretudo paulistas e gaúchos, esses últimos trazidos por Prestes teve ferido mais de 80% do seu contingente, além de 600 soldados e 70 oficiais mortos, 68 dos quais nos 53 combates travados contra as forças legalistas do Exército e das policias estaduais de São Paulo, Minas Gerais e Bahia. Tornaram‐se famosos os combates de Rio Pardo, Mineiros, Anápolis e São Romão. Pelo menos em vinte dos mencionados combates que não abrange as escaramuças isoladas e episódicas, a Coluna obteve vitória. Durante o percurso, utilizou 100.000 cavalos e abateu 30.000 reses, gastando, durante todo tempo 350.000 cartuchos, enquanto as tropas governistas somente nos combates de Iguaçu que consumiram em 5 meses, gastaram 2 milhões de cartuchos.
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GUERRA DOS FARRAPOS
Prosseguindo hoje com minha série de curiosidades, falarei sobre a Guerra dos Farrapos, irrompida no Sul do Brasil (1835‐1845), no período da Regência.
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O particularismo da formação econômica e social da província do Rio Grande do Sul constituía um incentivo ao espírito federalista; as tensões sociais haviam se intensificado com as campanhas platinas, movidas pelo Império, e que sacrificaram bastante a província.
Novas causas de descontentamento se acumularam; excessivos impostos estabelecidos pelo governo regencial, rivalidades entre brasileiros e portugueses (dizia‐se que estes pretendiam reconduzir Dom Pedro I ao trono), desordem administrativa. A rebelião eclodiu em Porto Alegre, liderada pelo deputado provincial e coronel de milícias Bento Gonçalves da Silva. De início, a causa federalista recebeu apoio de toda província, inclusive das figuras mais prestigiosas do exército, como o Coronel Bento Manuel Ribeiro e o major João Manuel de Lima e Silva, irmão do regente. O domínio da bacia hidrográfica da província (com exceção do porto do Rio Grande), a tomada de Pelotas (7 de abril de 1836) e a vitória do Seival (10 de junho de 1836) pareciam garantir o êxito definitivo dos rebeldes, enquanto Feijó, que assumira a regência, não dispunha, de início, de suficientes recursos para dar‐lhes combate, ocupado em conter o movimento revolucionário deflagrado no Pará (Cabanagem).
A ação dos farrapos desenvolveu‐se visando ao estabelecimento de uma República Confederada a outras que seriam instauradas no país. Mas a perda de Porto Alegre (15 de junho de 1836) compromete sucesso dos rebeldes; o novo presidente da província consegue que Bento Ribeiro passe provisoriamente para o lado do governo; além disso a população do oeste, de origem agrária, permanece arredia ao movimento revolucionário, passando a fornecer as bases para reação imperial.
Em 6 de novembro de 1836 foi proclamada a República em Piratini sendo Bento Gonçalves eleito presidente. Os farroupilhas conseguem levar a guerra ao Planalto Catarinense e a Laguna, onde o general Davi Canabarro, de cuja expedição participou José Garibaldi, funda a efêmera República Juliana (1839).
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Os rebeldes não conseguem conquistar Porto Alegre, cercada durante três anos por forças de Bento Gonçalves. Sem o controle da bacia hidrográfica, esgotam‐se as reservas de munições e víveres dos revolucionários, que sofrem sucessivos reveses. A partir de setembro de 1842, Luis Alves de Lima e Silva, então barão de Caxias, assume a presidência e o comando das armas da província, desencadeando forte campanha contra os rebeldes e obtendo finalmente a assinatura da paz (1º de março de 1845), quando já Dom Pedro II governava o país.
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REBELIÃO DE CANUDOS42
Prossigo hoje com minha série de curiosidades falando da Rebelião de Canudos, movimento messiânico (1896‐1897), que se localizou no arraial de Canudos, às margens do rio Vaza‐Barris, no nordeste do Estado da Bahia. Chefiado por Antônio Conselheiro, a quem se atribuía a condição de enviado de Deus, um grupo de fanáticos organizou‐se em armas com o propósito de minorar o sofrimento da população sertaneja e alegadamente, reparar os pecados cometidos pelo regime republicano, que instituíra o casamento civil e rompera 42 Dezembro de 1991.
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o vínculo que unia a Igreja ao Estado. O rápido crescimento do arraial rebelde, fez com que contra ele se enviasse, primeiro, um grupo missionário, que nada conseguiu, depois (1896), um contingente policial, comandado pelo tenente Manoel da Silva Pires Ferreira, os sertanejos o desbarataram, bem como às tropas do major Febrônio de Brito, ainda no mesmo ano. Em março do ano seguinte, o governo federal recrutou forças mais numerosas, sob o comando do coronel do exército Antônio Moreira Cézar. Nova vitória dos rebeldes e a morte do comandante da coluna tiveram grande repercussão, traduzida no Rio de Janeiro em manifestações de rua, nas quais os monarquistas eram apontados como instigadores do movimento; jornais monarquistas foram depredados, e assassinado o gerente de dois deles, Gentil José de Castro. Seis brigadas militares, em duas colunas comandadas pelo generais João da Silva Barbosa e Cláudio do Amaral Savaget, não conseguiram tampouco vencer os sertanejos. Por fim, uma numerosa expedição armada, que se deslocou para Bahia sob o comando do general Artur Oscar de Andrade Guimarães, logrou arrasar Canudos, após extraordinária resistência. O cadáver de Antônio Conselheiro, que morrera poucas horas antes, foi então exumado e a sua cabeça decepada. A campanha de Canudos é narrada por Euclides da Cunha, em seu livro "OS SERTÕES".
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A GUERRA DO CONTESTADO
Prosseguindo com minha série de curiosidades vou falar hoje da Guerra do Contestado, conflito armado que entre 1912 e 1916 opôs às forças oficiais os habitantes de uma região do interior de Santa Catarina e do Paraná. Isso ocorreu há quase oitenta anos passados. A área, na época disputada (dai "contestado") pelos dois Estados, compreende grande parte dos formadores dos rios Negro, Iguaçu, Pelotas e Uruguai, alternando planícies e serras, das quais a mais importante é a do Espião.
Em 1912, surgiu um curandeiro de ervas, José Maria, a quem os sertanejos vieram considerar um novo Cristo. Profetas que antecederam seu advento haviam anunciado o fim do mundo próximo e a ocorrência de grandes prodígios. Pregando em discursos de teor político manifesto, José Maria ameaçava fazer cair raios do céu contra as leis da República, afirmando que o
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progresso só poderia ser obtido com as leis monárquicas. Não guardava o termo "monarquia" o conteúdo semântico usual, mas significava um reinado de paz e justiça na terra, o advento dos tempos de José Maria, em oposição ao sistema espoliativo de que os sertanejos eram vítimas.
Sentindo‐se ameaçados pela expansão do movimento, aqueles que de uma forma ou outra detinham qualquer parcela de poder na área mobilizaram‐se em armas, tendo depois o apoio de tropas oficiais. José Maria morreu ao que parece em combate, e a crença em sua ressurreição atraiu mais adeptos para o grupo. O movimento messiânico rapidamente adquiriu conotações sociais. O reduto inicial daqueles que se empenhavam na edificação da cidade santa, à espera sobrenatural de uma vida diferente, multiplicou‐se em fortificações de guerrilheiros bem articulados e espalhados por vasta região, dispostos a defender um poder político novo, a sua "monarquia". Forças oficiais cada vez mais poderosas foram enviadas a combater os milhares de camponeses que lutavam apoiados na crença de um exército encantado, o exército de São Sebastião, ao qual se incorporará José Maria depois de morto e que os auxiliaria num momento decisivo finalmente lograram as tropas do governo, sob o comando do general Setembrino de Carvalho, aniquilar a derradeira resistência. A maioria dos camponeses morreu em combate. Dos sobreviventes, muitos foram fuzilados depois de presos.
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ANITA GARIBALDI Prossigo hoje com minha série de curiosidades
falando da heroína Anita Garibaldi, que se destacou bastante no Rio Grande do Sul na Revolução Farroupilha.
Ana Maria Ribeiro da Silva, dita Anita Garibaldi, nasceu em Laguna‐SC em 1821 e morreu na Itália em 1849.
De modesta origem, morava no arraial da Barra na Laguna quando se enamorou em (1839) do italiano Giuseppe Garibaldi, então pertencente às tropas revolucionárias farroupilhas, abandonando o lar para segui‐lo. Nos combates travados naquela cidade, transformada em 29 de julho de 1839, em capital da República Catarinense, também denominada República Juliana aliada à de Piratini, portou‐se com extrema bravura. Presa no combate de Curitibanos (15 de novembro de 1839), conseguiu fugir, atravessando a nado o rio Canoas, agarrada à crina de seu cavalo, para reencontrar Garibaldi em Vacaria.
No Rio Grande do Sul dá à luz o seu primogênito Menotti, e combate sempre, até ser Garibaldi, em São Gabriel, dispensado por Bento Gonçalves das armas farroupilhas. Passa o casal para Montevidéu, onde em (1842) vive em grandes dificuldades materiais.
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Garibaldi resolve mandar a família, já aumentada, para a Itália, onde Anita é recebida com entusiasmo. De regresso à pátria, Garibaldi com a esposa, passa a lutar pela reunificação da península. Anita reafirma suas qualidades de bravura. Toma parte de numerosos combates e escaramuças até que, em Orvieto, adoece. Passam por San Marino, de onde, em (agosto de 1849) fogem para Veneza, que não atingem, devido à perseguição dos austríacos. Em agosto do mesmo ano, Anita morreu. Teve sepultamento no cemitério das Mandriolas, em Ravenna onde dez anos mais tarde, o esposo e filhos recolheram seus restos mortais transportando‐os para Nice, onde foram incinerados. Suas cinzas repousam em uma igreja de Nossa Senhora da Madalena Glorificada, no Brasil.
Na Itália, pela sua bravura e estoicismo, recebeu o epíteto de heroína de dois mundos. Possui monumentos em Roma e Ravenna (Itália), Porto Alegre, Belo Horizonte, Florianópolis, Juiz de Fora, Tubarão e Laguna.
Seu nome é lembrado na denominação de dois municípios de Santa Catarina (Anita Garibaldi e Anitápolis) e na de muitas escolas e vias públicas do Estado. Sua efígie figurou em selos de San Marino e do Brasil.
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ANTÔNIO CONSELHEIRO
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Antônio Vicente Mendes Maciel Conselheiro, nasceu
em Quixeramobim‐CE em 1828 e faleceu em Canudos‐BA em 1897.
Exerceu várias profissões (caixeiro, em Sobral, escrevente, em Campo Grande, requerente do Fórum, em Ipu, etc. Percorreu diversas vilas e povoados a partir de 1859, primeiro no Ceará e depois em Pernambuco e Sergipe, sendo visto em Itabaiana em 1874. Em 1876 aparece em Itapecuru de Cima‐BA, já afamado é preso sob suspeita de assassino; provada a improcedência da acusação, é solto e retorna à Bahia, cruzando os sertões em todos os sentidos e vendo já crescer a sua fama de milagreiro, sem a oposição dos vigários locais, que seriam beneficiados com suas campanhas em favor das igrejas e dos cemitérios; o primaz da província baiana tentou então fazê‐lo internar no hospício. Em 1893, Antônio Conselheiro pregava em Bom Conselho o não pagamento dos impostos, o que o levou à prisão. Estabeleceu‐se depois em Canudos, onde fundou uma comunidade baseada na posse comum da terra, dos rebanhos e dos produtos de trabalho coletivo, com limitação da propriedade pessoal apenas aos bens imóveis e às residências. Com a lenda de seus milagres sua áurea de santidade, influindo mesmo sobre os soldados das expedições mandadas pelo governo contra ele, Conselheiro passou a ser um caso nacional, atribuindo‐lhe inclusive o propósito de restauração da monarquia. Morreu no absoluto jejum a que se votara, no dia 22 de setembro de 1897, antivéspera da derrota decisiva de sua gente pelas tropas governistas, que exumaram seu cadáver no dia 6 de outubro, sendo então fotografada a sua cabeça decepada,
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trazida para exames científicos. Ao que consta Antônio Conselheiro limitava‐se à ação religiosa e civil, entregando o comando militar de Canudos a homens de sua confiança.
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ALIANÇA LIBERAL43 43 08/07/1992.
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Sabemos que aliança trata‐se de um acordo ou pacto entre as partes. Hoje eu vou falar sobre a Aliança Liberal, movimento político que reuniu os governos de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba em torno candidaturas de Getúlio Vargas e João Pessoa à presidência e vice‐presidência da República em 1929, em oposição à chapa de Júlio Prestes‐Vital Soares, apoiado pelo presidente da República Washington Luis e dezessete governadores de Estado. As origens da Aliança podem ser datadas do pacto formado no Hotel Glória, Rio de Janeiro, a 17 de junho de 1929, pelos representantes dos governadores de Minas Gerais, deputado José Bonifácio e Rio Grande do Sul, deputado João Neves Fontoura. A Paraíba se incorporou ao movimento, e desde o começo caracterizou que o apoio popular favorecia, em 1929, o principal relator Lindolfo Collor (avô paterno do atual presidente da República). Mais tarde Getúlio Vargas apoiou e ampliou os compromissos de sua campanha, na plataforma lida em comício na Esplanada do Castelo em 2 de janeiro de 1930, entre os companheiros de Aliança, haveria que destacar, em primeiro plano a anistia ampla a todos os criminosos políticos, processados e perseguidos desde 25 de julho de 1922 e a que foram somados os responsáveis pelo movimento de São Paulo de 1924, pelas operações da Coluna Prestes e, por diversas intentonas, coisas ocorridas em vários pontos do país. Reformas políticas, com adoção do voto secreto, etc. Embora vencida no resultado oficial de pleito de 1930, a Aliança veio coordenar sobre impulso denominado fatores (que incluíam ação contra o assassinato de João Pessoa e a crise do Café, somadas as repercussões da grande pressão universal de 1929), um movimento revolucionário no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais em 3 de outubro
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conquistou rapidamente todo país. Em 24 de outubro era deposto no Rio de Janeiro o Presidente Washington Luis, substituído por uma junta militar que a 3 de novembro passou o governo à autoridade de Getúlio Vargas, constituído chefe civil da revolução.
Era tão famosa essa Aliança Liberal, que um fã ou um admirador dessa Aliança pos o nome na filha recém‐nascida de "Aliança Liberal".
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IMPERADORES ROMANOS
Prosseguindo na minha série de curiosidades vou falar hoje dos imperadores romanos.
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Começando então falando de Augusto Caio Júlio César Otaviano, nascido em Roma em 63 a.C. e falecido em 14 a.C.
Adotara o sobrenome de "Otaviano" e tinha 19 anos quando morreu seu tio avô e pai adotivo. Modesto e aparência insignificante, mas tenaz e obstinado, sempre mostrou sua ambição pela política e formou com Antônio Lépido o Segundo Triunvirato (43). Para após haver eliminado seus inimigos, banindo‐os (Cícero), e esmagando os republicanos, em Filipos (42), os triunviros dividiram entre si no mundo romano, mas Otaviano afastou Lépido, que teve que se contentar com o título de grande pontífice, e depois Antônio, que foi derrotado em Áccio (31), então senhor absoluto, Otaviano, tirando lições do fracasso de César, governou como príncipe, por primeiro cidadão, respeitando aparentemente a legalidade republicana, mas na verdade ele tinha todos os poderes, investindo‐se em várias magistraturas e do título de Augusto (27 a.C.) que o tornara sagrado. Paralelamente a uma obra exterior de pacificação (a Espanha, Alpes) e de anexações (Galácia, Judéia), lançou as bases do governo imperial criando os organismos (conselho do príncipe, prefeituras do pretório, anorário da vigilância) e organizou as finanças, administração provincial e o exército. Tentou a restauração dos costumes da religião tradicional; auxiliado por Mecenas, fez empreender grandes trabalhos no Império. Não tendo herdeiros, adotou Tibério, filho de Líria, sua segunda mulher (14 a.C.). Por ocasião de sua morte, o senado divinizou‐o e seu culto associado ao de Roma foi celebrado em todo o Império.
Agora falarei um pouco de Calígula. Seu nome era Caio César Augustos Germânico, dito
Calígula. Conta‐se que Calígula matou seu avô para ficar no
poder. Queria ser um deus, um deus todo poderoso. Matava as pessoas de forma horrorosa, como por exemplo, mandava enfiar lanças no ânus de seus inimigos até sair pela boca, na frente de seus familiares e ele assistindo.
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Chegou a mandar cortar os tendões e músculos de movimento do corpo de seu aliado, por tentar matá‐lo e não conseguir.
No sexo, gostava de assistir seus companheiros mantendo sexo com as escravas e gostava de alisar as costas dos homens.
Conta‐se também, que um dia brindando com seus aliados, fingiu‐se de morto, como se a bebida estivesse envenenada. Na mesma hora, um de seus aliados ofereceu sua vida, imediatamente Calígula levantou‐se e disse. Você ofereceu sua vida pela minha, como estou vivo, você deve morrer, pegou um punhal e enfiou no estômago de seu aliado.
Contratou o melhor arqueiro da época, como também o mais nobre e melhor mercenário para sua defesa, que um dia, foi morto pelo mesmo, numa flechada a longa distância, que atravessou e ficou cravada em seu pescoço.
Os últimos três anos de seu reinado foi uma seqüência de extravagâncias e crueldade. Pretendeu ser adorado como um deus, e segundo dizem, quis que seu cavalo Incitatus fosse nomeado cônsul. Chegou a lamentar que o povo romano tivesse apenas uma cabeça, para que pudesse degolá‐la de um só golpe.
Foi também o responsável pela morte de um soldado que crucificou Jesus Cristo e depois se arrependeu e começou a pregar o catolicismo, pois não queria a religião e muito menos Jesus Cristo como um deus, e sim ele.
Foi assassinado pelos pretorianos, comandados por Quéreas e o senado decidiu suprimi‐lo da lista dos imperadores.
César, general e estadista romano, nascido em Roma (101), faleceu em 44 a. C. De origem patrícia, César era homem culto e grande escritor e também homem de guerra notável e hábil político. Transpôs regularmente os escalões da carreira e da honra: questor em 69, edil curul em 65, grande pontífice em 63, pretor em 62. Em 60, aliou‐se a Crasso e Pompeu no primeiro triunvirato, o que lhe garantiu a eleição para o consulado em 59,
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depois renovada em 56. Para assegurar para si o poder absoluto e evitar qualquer ameaça de Pompeu, atravessou o Rubicão e marchou sobre Roma, o que desencadeou a guerra civil (49‐45). Venceu Pompeu em Farsala (48), instalou Cleópatra no trono do Egito, reorganizou o Oriente e derrotou os últimos adeptos de Pompeu na África e na Espanha. De volta a Roma, governou como soberano absoluto. Ditador e cônsul perpétuo em 44, acumulou, além disso, as magistraturas. Grande pontífice, prefeito dos costumes, reformou profundamente as instituições do Estado romano. Sem herdeiros, adotou seu sobrinho‐neto Otávio. Entretanto, a suspeita de que ambicionava a realeza originou a conjuração de republicanos dirigida por Cássio e Bruto. César foi assassinado em pleno Senado no dia 15 de março de 44.
Vou falar agora um pouco do Imperador Nero. Nasceu em Antiun, 37 d.C. e faleceu em Roma em 68.
Governou como Imperador de 54 a 68, filho de Cneu Domício Aenorbarbo e de Agripina a Jovem, que o fez adotar por Cláudio (50) e lhe deu Sêneca como preceptor, casou com Otávia, filha de Cláudio. Assumiu o poder em 54, com a morte de Cláudio, pois Britânico fora eliminado pela intrigas de Agripina. No início de seu governo, Nero reservou grande parte do poder ao Senado e diminuiu a carta fiscal. Mandou matar Britânico em 55, Agripina em 59, Otávio em 62. Como ninguém pudesse resistir ao seu poder e à sua crueldade, deu início a era de despotismo e libertinagem, e contou com a cumplicidade de sua nova esposa, Pompéia, e do prefeito do pretório, Tigelino. Um incêndio destruiu Roma em 64, e o Imperador mandou acusar os cristãos, aos quais moveu intensa perseguição. Para restabelecer suas finanças, confiscou bens particulares. Nero, declarado inimigo público pelo Senado, fugiu e fez‐se matar por um liberto.
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O COLISEU44 O famoso anfiteatro Coliseu de Roma, onde os
lutadores se enfrentavam até a morte, para distração do Rei, seu séqüito, é também para o público do qual hoje só restam grandiosas ruínas, foi começado por Vespasiano, inaugurado por Tifo no ano de 80 a.C. e terminado por Domiciano. Poderia conter até 100 mil espectadores.
Essa monstruosidade de monumento circular em pedras possuía arquibancada separada da arena por um forte muro. Tinha dentre outras repartições, covis para as feras, escola de gladiadores, depósito para mortos 44 Julho de 1987.
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(em combate, naturalmente), tudo dando acesso à arena, onde lutavam entre si os gladiadores, quando não enfrentando feras bravias, para gáudio dos espectadores, tal como nos filmes históricos.
Pelo visto, havia muita selvageria na antiguidade.
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ESTARÁ CERTO O NOSSO CALENDÁRIO45 ?
Segundo a Bíblia, Jesus Cristo nasceu durante o reinado de Herodes Magno, tendo este falecido entre 749/750 do calendário Romano, depois da fundação de Roma, portanto não poderia ter nascido no ano de 753, que é a data calculada pelo monge Dionísio Exíguo, originando dessa data para cá, a nossa era.
Há poucos meses o Papa Paulo II, manifestou‐se em sua audiência semanal a dois mil peregrinos que a antiga questão sobre o nascimento de Cristo estava aberta, pois, segundo os estudiosos no assunto, havia uma diferença de quatro anos, questão essa que continuava em dúvida.
Se confirmada essa diferença ou erro de quatro anos estaríamos então no ano de 1991 e não em 1987.
45 Julho de 1987.
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PARTE 4
LENDAS E CRENDICES
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O BOI AMUADO
Continuando com a série de Lendas e Crendices, comentarei hoje sobre outra história que me foi contada, a qual, segundo o narrador, aconteceu nesta cidade há quase 40 anos, jurando que tal fato aconteceu, visto ter sido ele um dos protagonistas do "causo".
Na gíria dos boiadeiros, boi amuado é aquele que deita e não quer levantar‐se. Depois de usarem todos os meios, alguns boiadeiros chegam até a por fogo embaixo do pescoço do tal, pois não há boi que resista ao fogo.
Numa quinta‐feira Santa, dois irmãos boiadeiros, (um deles já é falecido, porém o outro, o narrador, ainda vive e reside em Cornélio), foram ao pasto buscar um boi para matá‐lo no sábado de aleluia. Embora o pasto onde se encontrava o boi não fosse longe da cidade, pretendiam trazê‐lo, para no sábado estar mais perto e descansado. A mãe deles, católica fervorosa, aconselhou‐os para que deixassem para outro dia, pois não era apropriado numa quinta‐feira Santa mexer com boi. Mas os filhos, muito teimosos, foram, e quem diz de trazer o boi? Ele deitou‐se e por nada deste mundo queria levantar‐se. Usaram chicotes, ferrões, e nada. O boi não obedecia. Como eles haviam levado dois cães próprios para esse mister, puseram os cachorros nele, resultando
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deixarem o focinho, as orelhas e a barbela do boi em tiras e vertendo sangue por todos os lados. E o boi não se levantava. Apelaram para o fogo e nem este deu resultado.
A vista disso, resolveram deixar para buscá‐lo no sábado, ocasião em que se ele não viesse, abateriam‐no lá mesmo. Um deles comentou: bem que a mamãe nos aconselhou a não fazer isso hoje...
No sábado de aleluia, logo de manhã, voltaram ao pasto e já preparados para abater o boi, caso ele não viesse.
Para surpresa deles, encontraram o boi pastando tranqüilamente, não demonstrando mínimo sinal de ferimento causado pelos dentes dos cães e sem nenhum vestígio de sangue ou queimadura. Ao ser tocado, veio manso e pacificamente ao matadouro onde foi abatido.
Apenas comentei com o narrador, que a ser verdadeira essa história, essa rês não deveria ser abatida, pois se tratava de um boi milagroso.
Como falei no outro caso do lobisomem... Acredite se quiser.
2
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O CASTRADOR46
O “causo” de hoje, soube‐o a pouco menos de dois meses, na chácara de um amigo residente em São Paulo, Syro Lima Costa, (Cel. Lima), chácara essa situada em Piratininga, Estado de São Paulo.
O narrador, sr. Arthur, homem de perto de 60 anos, autorizou‐me a divulgar a história, podendo citar seu nome. Atualmente, ele trabalha como campeiro nessa chácara.
Numa fazenda, entre Ipaussu e Santa Cruz do Rio Pardo, há muitos anos, vivia o proprietário, sozinho, pois sua família o havia abandonado, dado o seu gênio violento.
Talvez por maldade ou capricho, ele não permitia que criação alguma de vizinhos ou de outro qualquer invadisse sua propriedade e quando isso acontecia, ele castrava o animal invasor, fosse ele cavalo, touro, cachaço etc. Somente as fêmeas escapavam de sua sanha, talvez por não saber fazer a "operação".
E continuou com essa prática por longos anos, resultando daí ninguém lhe devotar amizade. Mas, um dia, esse fazendeiro morreu, vindo sua família tomar conta e tocar a propriedade.
Até aí tudo bem, mas acontece que as castrações continuaram com a mesma intensidade, correndo então o boato que seu espírito continuava com o mesmo mister.
Um dia, não tendo animal estranho nenhum para castrar, ele castrou um touro de raça da própria 46 18/11/1987.
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fazenda. Resultado, ninguém, ou melhor, homem nenhum queria mais trabalhar na fazenda, com receio de lhe acontecer o mesmo.
O sr. Arthur, que era vizinho, foi convidado para administrar a fazenda com polpudo salário e recusou, por medo de perder a sua "preciosidade"...
Essa prática durou vários anos depois da morte do fazendeiro, mas, até hoje a história não foi esquecida.
Continuo dizendo: acredite se quiser.
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CURUPIRA
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Os leitores sabem que boa parte do povo brasileiro acredita em fantasias e etc. Então eles crêem que exista o Curupira, o Caipora, o Saci, o Lobisomem as bruxas, as mulas‐sem‐cabeça e há ainda alguns que acreditam que existem vampiros, não os morcegos, mas sim aqueles homens com dois caninos muito longos que sugam o sangue de outras pessoas, transmitido‐lhes a sina de se transformarem em vampiros.
Começo hoje então a definir de acordo com o folclore brasileiro os dados de cada um destes personagens.
O Curupira, ente fantástico que segundo a crença popular habita nas matas. Com diversas variantes físicas, é geralmente descrito como um menino ou anão escurinho, de cabeleira vermelha e pés invertidos (calcanhar para frente e dedos para trás), cujos rastros enganosos levam os homens a perderem‐se na selva tropical. No rio Solimões (AM) aparece com longas orelhas e dentes azuis ou verdes; em Santarém (PA) é anão de quatro palmos de altura. É calvo e tem o corpo peludo, no Rio Negro (AM); no Pará não tem orifício para secreções. Espírito das florestas é responsável pelos rumores misteriosos, desaparecimento de caçadores, esquecimentos de caminhos súbitos e inexplicáveis. O Curupira atraiu e aculturou atributos de formas de outros seres fantásticos, por vez de tradição clássica, como no caso dos pés voltados para trás. Gosta de fumo e pinga; tem medo da cruz e se encontra alguma, muda de itinerário. O primeiro registro conhecido foi de José de Anchieta. Invencível, de prodigiosa força, dirige caça e protege as árvores, percutindo‐lhes troncos e as sapopemas quando ameaça tempestade, para que despertem e resistam as fúrias das intempéries. Acerta contratos secretos com os caçadores, dando‐lhes armas infalíveis a troco de alimentos sem pimenta ou alho, que abomina, e
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punindo‐os com o abandono e até com a morte, se esquecem, traem ou propalam o acerto. Do Maranhão para o Sul, o Curupira é geralmente conhecido por Curupira‐Caipora e tornou‐se protetor da caça.
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SACI‐PERERÊ E LOBISOMEM
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Prosseguindo com minha série, vou falar do "SACI OU SACI‐PERERÊ". Como todos sabem é um ente muito acreditado entre o povo mais atrasado e simples do Brasil.
O saci, uma das mais populares entidades enfeitiçadas brasileiras, negrinho de uma perna só, que usa um barretinho vermelho, fonte de seus poderes de magia começou a ser registrado no fim do século XVIII ou princípios do seguinte. Gracioso e zombeteiro em certas regiões, e em outras, uma eternidade maléfica. Em todas elas é ressaltada a importância do barrete que, se perdido, enfraquece seus poderes. Entre os caraíbas do Mato Grosso existem variantes dos sacis, que podem ser o caipora, corrupira, etc. O saci‐pererê é amigo do cachimbo e diverte‐se com animais, pessoas e coisas, criando dificuldades domésticas, apagando fogo, queimando alimentos das panelas, perseguindo os animais e trançando suas crinas ou dando longos assobios na escuridão da noite para assombrar os viajantes.
Vou falar agora sobre o LOBISOMEM, outra crendice brasileira. Acredita‐se que esse mito foi criação dos ingleses, porém aqui no Brasil acham que é um homem que se transforma numa espécie de lobo nos dias de lua cheia, principalmente na quaresma. Mas não dá para acreditar nisto, pois onde já se viu um homem transformado em um lobo. Isto é incrível e impossível. No entanto há pessoas que juram terem visto os "lobisomens", isto é, homens com focinho de lobo e pêlos longos, tendo ainda as patas de lobo e vivem assombrando as pessoas, por isso, para terem certeza que ele é homem, pedem a ele para que no outro dia volte para buscar sal na sua casa.
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O LOBISOMEM47
Antigamente, era comum na véspera de sábado de aleluia, ou melhor, na sexta‐feira Santa, roubarem
47 17/10/1987.
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frangos, leitoas, etc. e no domingo de Páscoa convidarem o dono do "prejuízo" para almoçarem juntos.
Depois do lauto almoço regado a bom vinho, contavam ao convidado que ele havia comido seu próprio produto, frango ou leitoa. E tudo acabava bem, pois não passava de brincadeira ou trote.
Numa dessas, dois amigos, (um deles, o relator da história), combinaram de passar o trote no compadre e planejaram de ir à noite de sexta‐feira Santa roubar um porco do mangueirão dele. Foram, pegaram o porco, puseram‐no dentro de um saco e deram no pé. Depois de estarem longe da casa do compadre, pararam para descansar, visto que o porco era bem pesado. Arriando o saco no chão, um dos amigos abriu‐o para ver se o porco estava bem, quando teve uma surpresa! Na pressa, haviam pegado um porco inteiro. E daí? O que fazer? Para voltar e trocar o porco não dava.
‐ Vamos castrá‐lo, disse o outro. Até na hora de matá‐lo ele já perdeu o forte cheiro, pois do contrário, ninguém comerá dessa carne, visto o cheiro de cachaço.
‐ Você tem razão, respondeu o amigo, então o segure que vou capá‐lo. Quando se abaixou para começar a "operação" o porco falou:
‐ Por favor, não faça isso eu sou o Zeca e hoje virei lobisomem o que me acontece sempre na semana Santa.
Depois dessa, escusado será dizer que os dois amigos passaram sebo nas canelas e se mandaram a todo vapor.
Acredite se quiser.
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CAIPORA48
Prosseguindo hoje com minha série de curiosidades, falarei sobre o caipora.
Caipora ou Caapora, personagem místico tupi das florestas brasileiras, representado conforme a região, já como um menino escuro ou um pequeno indígena, ágil e nu ou de tanga fumando cachimbo; já como uma bugrezinha amiga do contato humano, mas ciumenta e feroz quando 48 26/05/1993.
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traída, azarando os negócios e qualquer empreendimento de quem a vê; já como uma criança de cabeça enorme ou uma mulher unípede que anda aos saltos. Do Maranhão para o sul, é uma tapuia, escuro e rápido; no Ceará, além do tipo comum, é representado com cabeleira hirta olhos de brasa cavalgando um porco‐do‐mato e agitando na mão um galho de japenga; em Pernambuco, aparece com um pé único e redondo, seguido do cachorro Papa‐Mel; na Bahia é uma cabocla ou um negro velho e também um negrinho, de que "só se vê uma banda" como os nimas clássicos e ma‐tebelés africanos ao longo do São Francisco, Minas e Bahia, é um caboclinho encantado, habitante das selvas, de rosto redondo e um só olho no meio da testa; no Paraná como em geral em todo sul, é um gigante peludo, em ambos símbolo, de força física. Adora cachaça e fumo, desnorteando, enganado e trazendo caiporismo para os caçadores que não lhes oferecem tais oblações. Reina sobre todos os animais e concerta pactos cinegéticos secretos com os caçadores, punindo até com a morte, se o acerto é revelado a outros ou traídos. Surra impiedosamente os cachorros mateiros, assobia desorientando os caçadores. Em Sergipe, mata os viajantes a cócegas.
O padre Daniel, missionário da Amazônia (1780‐1797), informa sobre a significação primitiva do vocábulo: "do que se infere que o diabo disfarçado em figura humana, coropira, tem muita comunicação com os irmãos mansos e já aldeados e muito mais com os bravos a que chamam Caaporas, isto é, habitadores do ato". (Tesouro descoberto rio Amazonas, Revista do Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico do Brasil).
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VAMPIRO, SEREIA CABOCLO‐D’ÁGUA E BRUXA
Prosseguindo com minhas séries de curiosidades, Crendices Brasileiras, falarei hoje sobre Vampiros, Sereias, Caboclo‐d’água. etc.
Acreditem se quiser. VAMPIRO: morto que, de acordo com a superstição
popular, sai à noite do túmulo para sugar o sangue dos vivos. Acredito que isto foi invenção dos ingleses. Sua morte só é possível usando‐se uma estaca de madeira, que é fincada no coração do vampiro, batida com uma marreta.
SEREIA: ser mitológico, gênio feminino malfazejo, representada na forma de ave ou peixe, cabeça e peito de mulher, e às vezes empunhando uma lira. (Os primitivos navegadores, acreditavam que as sereias‐peixes, que
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diziam ter cantos maviosos, atraiam os marujos para o mar, onde morriam afogados).
CABOCLO‐D’ÁGUA: folclore brasileiro. Criatura fantástica que habita o Rio São Francisco, com domínio sobre as águas e os peixes favorecendo os amigos, mas perseguindo os pescadores e barranqueiros com quem antipatiza. Alguns relatos dão‐no com proporções descomunais, ao passo que outros o descrevem baixo, grosso, cor de cobre, rápido nos movimentos e sempre enfezado. Os barqueiros oferecem‐lhe fumo para contentá‐lo, como ao curupira‐caipora, e cravam suas facas no fundo das canoas, nas longas viagens desacompanhados, para evitar ciladas, porquanto, como se crê, as lâminas de aço afastam todas as influências más. Conhecido também como negro‐d’água.
BRUXA: Folclore brasileiro. Personagem feminina velha, alta, magra, suja, feia, enrugada, coberta de trapos, trajada de negro, chapéu estranho e um saco cheio de coisas misteriosas e confusas, que anda sozinha de noite, sinistra e silenciosa, por vez montada em vassoura, céus afora. Constitui ameaça noturna às crianças, cujo sono desobedece à vontade materna. Ensina ou reza orações fortes para questões amorosas ou de disputas, advinha o futuro, põe cartas, faz sortilégios, pratica artes enigmáticas e cabalísticas, aplica remédios tradicionais, de misturas com ensalmos, simpatias, mímica, conservados em sigilo e ministrados com imperturbável confiança. A crença européia diz que a sétima filha vira bruxa, isto se mantém também no Brasil. Elas não pisam e nem calçam o sal, fogem das lâminas de aço e podem atravessar água corrente.
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PARTE 5
FÁBULAS
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1
MACACO E A ONÇA
A onça vivia com uma vontade doida de comer o macaco, pois segundo ela, a carne de macaco é muito boa. Mas, sendo o macaco um animal muito esperto, ele não dava chances à onça de pegá‐lo. Então a onça inventou uma história: fingiu‐se de morta e mandou a raposa avisar toda a bicharada que ela havia morrido. O macaco quando soube da notícia ficou contente. Enfim sua maior inimiga estava morta, e prometeu de ir ao velório, o que aliás era o que a onça queria, pois aí seria fácil dela apanhá‐lo. Ao chegar na boca da onça ele parou na entrada e viu a raposa lá dentro chorando, ou melhor, fingindo que chorava. Então perguntou: coitada, então ela morreu mesmo? A que horas isso aconteceu? Respondeu a raposa: pois é coitada, morreu de manhã. Mas ela já roncou? Pergunta o macaco, pois todos os bichos roncam depois que morrem. A onça ao ouvir aquilo, deu um ronco. O macaco então disse: é, defunto que ronca, longe dele. E mandou‐se.
Moral da história: os espertos vivem mais tempo.
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2
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O QUEIJO49
Dois homens caminhavam por uma estrada. Em dado momento, um deles viu um belo queijo que naturalmente teria caído de alguma carroça com destino à feira. O outro homem apanhou‐o. Daí começaram a discutir. O primeiro alegava que o queijo lhe pertencia porque ele o viu primeiro e o segundo dizia que era dele porque ele o havia apanhado. Como não chegassem a nenhum acordo foi à justiça. O juiz depois de ouvir ambos resolveu que o queijo deveria ser repartido e apanhando de uma faca partiu em dois pedaços, mas um deles ficou maior que o outro, então diz o juiz ao promotor, dê uma mordida no pedaço maior para que fiquem do mesmo tamanho. Mas, aí o outro pedaço ficou maior. Então diz o juiz ao advogado de defesa. Morda agora o outro pedaço para que fiquem iguais. Novamente não deu certo. Então o juiz também mordeu um pedaço do que julgava maior. E assim mordida daqui mordida de lá, acabaram comendo todo o queijo. O juiz então batendo com o martelo na mesa, diz:
Questão encerrada. Mas, e o queijo? Perguntaram os contendores. Responde o Juiz: consumido em custas...
Moral: é melhor um mau acordo do que uma boa questão. 49 Junho de 1990.
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3
O LEÃO, O GATO, O LOBO E A RAPOSA
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Começo com aquela do leão, do gato, do lobo e da raposa que fizeram um trato entre si de caçarem juntos e depois repartirem o produto da caça. E assim foi feito. Cerca daqui, corre de lá, logo mataram um alce. Aí, antes que os sócios tomassem qualquer atitude, o leão falou:
‐ Bem, eu vou repartir a caça em quatro pedaços, pois nós somos em quatro sócios. E ato contínuo com suas poderosas garras fez a divisão. Mas antes que os outros pegassem os seus nacos, volta o leão a dizer:
‐ Este pedaço me pertence porque sou um dos sócios e tirou um quarto para ele. Em seguida disse: ‐ como sou o rei dos animais, julgo‐me com o direito a mais um quarto, e surrupiou mais um pedaço, e em seguida continuou: ‐ como eu sou maior que vocês e preciso comer mais e considerando que eu fiz mais força para matar a caça, acho que tenho direito a mais um quarto, e puxou para si mais um pedaço. ‐ Bem, continuou ele, sobrou um pedaço que será daquele que o pegar primeiro, e arreganhando os dentes, abocanhou aquele também, deixando os sócios a chuparem os dedos.
Moral: contra a força não há resistência.
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4
A MORTE
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Havia um velhinho que, por não ter nem um parente,
vivia sozinho, morava numa casinha velha no arrabalde da cidade e para viver, já que naquele tempo não existia aposentadoria, catava lenha no mato e depois de fazer o feixe, vendia‐o para as famílias da cidade.
Ele não se conformava com aquela vida e pedia sempre que a morte o viesse buscar. Mas, a morte não chegava nunca. Volta e meia ele dizia que ela levava as criancinhas e muitos jovens e se esquecia dele, que já havia vivido bastante.
Um certo dia, ao voltar do mato com o feixe de lenha às costas, escorregou e caiu, indo o feixe de lenha parar longe. Aí ele ficou bastante nervoso e esbravejou: mas, por que não vens ó morte? O tempo que ficas levando inocentes que poderiam viver ainda muitos anos, por que não levas a mim que já vivi tantos anos e estou sofrendo aqui na terra?
E a morte apareceu. Um enorme esqueleto com um alfanje no ombro e disse‐lhe: chamaste‐me, aqui estou.
O velhinho ao ver a morte tão perto, gaguejando respondeu:
‐ Cha, cha, chamei‐te sim mas, para ajudar‐me a por esse feixe de lenha nas costas para que eu leve à cidade.
Moral: na hora ‘H’ todo mundo tira o corpo fora.
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PARTE 6
CRÔNICA
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1
A MORTE50 Eu acho a morte a coisa mais natural do mundo,
pois tudo que nasce um dia morrerá. Será assim com o homem, com os animais, com os peixes, com a flora e com as aves. No entanto quase ninguém se conforma com ela. 50 junho de 1992.
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Dizem que a morte é descanso, mas ninguém quer esse descanso. Eu um dia li num pára‐choque de um caminhão o seguinte: "se a morte é descanso, prefiro viver cansado".
Mas como aqui na terra ninguém sabe ao certo como é a vida depois da morte, talvez o morto descubra o que há do outro lado, pois há muita controvérsia a respeito, e ninguém sabe ao certo como é o lado de lá. Aqui, cada religião prega de um jeito o outro lado. Uns dizem que há céu e inferno, que é o lugar para onde vamos depois de mortos. Outras já dizem que o céu e inferno são aqui na terra mesmo. Há ainda outros que dizem que depois de mortos nós voltamos aqui incorporados nos recém‐nascidos, isto é, os nossos espíritos. Mas para estes eu digo que há bastante tempo eu li no "Estadão" uma notícia muito interessante que dizia: um ricaço norte‐americano, a morrer, não tendo nenhum descendente deixou a sua fortuna depositada em cartório para ser entregue àquele que provasse a existência do espírito. Até hoje me parece que ninguém conseguiu ganhar a fortuna. Eu não creio e nem descreio dessas coisas, enfim o mundo é cheio de mistérios.
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PARTE 7
HOMENAGENS PRESTADAS
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1
O CANTOR DAS MULTIDÕES
Para o programa noite da saudade51
Nós saudosistas, apreciadores da bela música da velha guarda, temos a lamentar hoje a perda de mais um de nossos ídolos do passado. Perdemos o nosso Cantor das Multidões, perdemos Orlando Silva.
Quanta saudade, Orlando Silva, nos despertas quando ouvimos tuas belas páginas do passado... Rosa, Sertaneja, Carinhoso, Lábios que beijei e tantas outras.
51 12/08/1978.
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Apareceste, Orlando, numa época em que para se vencer, tinha que ter méritos próprios, tinha que ter bossa. O povo era exigente, só aceitava o que era bom e tu venceste. Marcaste época Orlando Silva, e justamente naquele tempo quando havia outros grandes intérpretes da nossa música popular, havia a Patativa do Norte, o Rei da Voz e outros mais.
Hoje partes para não mais voltar, mas nos deixas a glória do teu passado, nos deixa para recordar‐te, essa tua voz melodiosa gravada nos muitos discos que são nossa relíquia, nosso tesouro.
Cumpriste tua missão na terra, Orlando, cantaste para os pobres e para os opulentos, para os leigos e para os cultos, para os jovens e para os velhos, agradaste a todos, e hoje que partes, naturalmente lá num cantinho do céu, no recanto da saudade, encontrarás os nossos saudosos, Vicente Celestino, Augusto Calheiros, Francisco Alves, Dalva de Oliveira e outros, então talvez vocês cantarão em coro para os anjos e para o Senhor essas belas páginas do passado, enquanto nós aqui na terra,ouvindo tuas canções, com lágrimas nos olhos, apenas podemos dizer e pedir... Deus te abençoe Orlando Silva.
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2
ADEUS, CARLOS GALHARDO52 Nós, saudosistas, apreciadores da bela música da
velha guarda, temos a lamentar hoje, a perda de mais um de nossos grandes ídolos do passado. Perdemos o nosso querido Rei da Valsa. Perdemos Carlos Galhardo.
Quanta saudade, Carlos Galhardo, quando ouvimos na tua maviosa voz aquelas lindas páginas do passado, trazendo‐nos gratas recordações de nossa juventude e de nossos entes queridos. Quanto nos inspiraste, para fazermos as nossas serenatas nos longínquos tempos que se vão.
Hoje, partes para não mais voltar, mas deixá‐nos um grande legado, a tua linda voz gravada na infinidade de discos que serão a nossa relíquia, recordando‐te sempre.
Cantaste para todos, pobres e ricos, com ternura e amor, cumpriste tua missão aqui na terra. 52 26/07/1985.
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Lá no céu. Naturalmente encontrarás os nossos saudosos Francisco Alves, Augusto Calheiros, Vicente Celestino, Dalva de Oliveira, Orlando Silva Paraguassu e outros. Então juntos, no recanto da saudade, cantarão em coro para os anjos do céu e nós aqui da terra, com os olhos marejados de lágrimas e o coração pungente, ouviremos, pedindo ao Todo Poderoso que o tenha em sua santa glória.
Adeus, adeus Carlos Galhardo.
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3
ADEUS, PRESIDENTE TANCREDO NEVES
Mensagem de despedida53
Perde o Brasil mais um de seus filhos queridos, o Dr. Tancredo de Almeida Neves.
Que inigualável magnitude a desse ilustre estadista, que sacrificou sua própria saúde em prol de seus irmãos brasileiros, para que tivessem melhores dias e uma pátria livre e soberana.
Quis o implacável destino que ele não chegasse a receber a faixa presidencial, mas, simbolicamente, recebeu‐a, com méritos e muito carinho, do coração dos brasileiros.
O dia 21 de abril passara a ser marco histórico do passamento de dois mártires, Tiradentes e Tancredo Neves.
Somos 130 milhões de brasileiros a chorar pela irreparável perda, mas, poderiam essas lágrimas pagar por tão auto tributo?
Não! É pouco, muito pouco! Porém, se a semente da esperança por ele lançada for por nós cuidada e 53 24/04/1985.
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amparada, frutificará, dando os frutos que ardentemente desejava para o nosso bem. Então, lá nas alturas, ele nos sorrirá e sentir‐se‐á recompensado, uma vez que a sua luta e o seu sacrifício não foram em vão.
Hoje, com o coração ferido pela dor e com os olhos marejados de lágrimas, só resta dizer:
Adeus! Adeus querido Presidente Tancredo Neves.
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4
MAMÃE
Dedicado à memória de nossa mãe, Elvira Favaro Bergantini
Partiste, mamãe, deixando‐nos uma lacuna, um vazio
insubstituível, pois nada neste mundo pode preencher o teu lugar.
Foste uma boa e extremada mãe, cumpriste a tua árdua missão aqui na terra, com amor e dedicação aos filhos. Quanto desvelo, sacrificando tudo para o nosso bem‐estar. Quantas vezes, mãe, na calada da noite, acordávamos com tua presença em nosso quarto, pondo‐nos mais um cobertor nas noites frias ou trazendo um chá quente para mitigar nossa tosse. Quantas noites, não conciliavas o sono, enquanto não chegassem da rua os mais tardios. Quanto sofreste, com a partida prematura de outros filhos, nossos irmãos, para o além. Parecia que cada um que partia, levava junto um pedacinho de você. Agora, lá no céu, cremos que os encontraste, acolhendo‐os no amplexo de teu grande amor, enquanto nós, os remanescentes, terminada nossa missão aqui na terra, se merecermos o céu, lá te encontraremos, para nos juntar novamente, quando então, ver‐te‐emos feliz, rodeada daqueles que tanto amastes em vida.
Nunca, mamãe, poderemos retribuir ao teu sublime amor, mas guardaremos no fundo do coração a lembrança e a saudade da melhor mãe do mundo.
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Embora com o coração oprimido e lacerado pela dor, conformamo‐nos com tua partida, agradecendo a Deus por haver te deixado junto de nós por tantos anos, dádiva essa que nem todos tiveram.
Hoje, com os olhos rasos d’água, apenas podemos pedir ao Criador, que te acolha, dando‐te o lugar que mereces.
Adeus! Adeus mãezinha querida.
Teus Filhos...
5
DIA DAS MÃES
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(Para os que já perderam suas mães queridas).
Hoje é o teu dia mamãe, mas não podemos abraçar‐te e beijar‐te, como seria o nosso desejo, porque já partiste para o além. Invejamos aqueles que neste dia tem a felicidade de poderem abraçar e beijar suas queridas mãezinhas, enquanto nós, apenas podemos relembrar os dias felizes que ela nos proporcionou enquanto vivia.
Mas que cruel é a morte que, sem dó nem piedade, ceifa a vida das mães, essa sagrada, criatura que tanto sofre para que seus filhos tenham um pouco de felicidade, embora sacrificando a sua própria.
Recordando‐te querida mamãe, transportando‐nos ao longínquo passado, parece‐nos vê‐la ainda altas horas da noite, em nosso quarto, pondo‐nos mais um cobertor nas noites frias ou trazendo um chá quente para mitigar nossa tosse. Foste uma boa e extremamente mãe. Quanto desvelo para com teus filhos. Quanto sofreste para criá‐los. Quantas noites em claro ou mal dormidas atendendo um filho enfermo ou esperando que chegassem da rua os mais tardios, mas com sacrifício e resignação venceste a batalha, e eis que quando podias descansar e colher os louros da vitória, partes, como a dizer: missão cumprida, já posso ir‐me.
E hoje, neste Dia das Mães, onde quer que você esteja, nós, teus filhos, com os olhos marejados de lágrimas, levantamos uma prece aos céus rogando ao Criador que dê merecido lugar à melhor mãe do mundo, e de lá, você mamãe, cremos sinceramente, que nos abençoará.
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Obrigado, Mamãe, por nos ter posto no mundo. TEUS FILHOS...
6
ESPAÇO DO LEITOR54
54 14/03/1987.
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Entristecidos, nós, bebedourenses, perdemos no
último dia 27 o nosso querido sr. Pedro Pelegrino, o popular Tio Pedrinho.
Mas, por que Tio Pedrinho? Ora, sabemos que quando alguém durante sua estada aqui na terra destaca‐se bastante quer seja pela sua popularidade como também pela sua simpatia e bondade aliada aos bons atos aqui praticados, torna‐se merecedor não só do título de tio, mas de muito mais ainda.
Se não podemos em vida pagar‐lhe por tão relevante préstimos e amizade, nos perdoe Tio Pedrinho, mas reservamos no coração sempre a sua lembrança querida.
Você Tio Pedrinho, verdadeiro saudosista, seresteiro de outrora, mestre de tantos alunos que aprenderam com você os primeiros acordes da música, maestro, compositor, ex‐proprietário há seis décadas passadas da Casas Mozart, você cumpriu com galhardia e humildade a sua missão aqui na terra e agora lá no céu, naturalmente com os nossos grandes saudosistas do passado, juntos cantarão e tocarão as harpas da paz e da saudade para os anjos do senhor, enquanto nós aguardando nosso dia de partir, apenas podemos lamentar a perda do grande amigo, mas ao mesmo tempo nos conformamos porque sabemos que você intimamente partiu sorrindo por saber que cumpriu sua tarefa entre nós.
Com os olhos rasos d’água rogamos ao Criador que lhe dê o merecido lugar.
Adeus! Adeus Tio Pedrinho.
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CORNÉLIO PROCÓPIO, 50 ANOS.55 SALVE 15 DE FEVEREIRO DE 1988
55 13/02/1988.
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50 anos... Meio século é quase uma existência. Felizes os casais que comemoram suas bodas de ouro, ao atingirem, vivos e juntos, esse marco.
Comemoramos hoje o cinqüentenário de nossa querida e simpática Cornélio Procópio, no mesmo ano em que se comemora o centenário da abolição da escravatura negra no Brasil.
Nasceste, Cornélio Procópio nos idos de 1938, numa época em que o progresso só chegava ao interior por meio das Marias‐Fumaça, originando daí o teu primitivo nome de quilometro 125. Posteriormente, em homenagem ao grande vulto do passado, Cel. Cornélio Procópio, a quem muito deve a comunidade procopense, herdaste‐lhe o nome.
Abrigas em teu seio os restos mortais de muitos de seus filhos e dos grandes pioneiros do passado, que um dia, quando ainda engatinhavam, aqui aportaram, acreditando em teu futuro e dando tudo de si para o teu engrandecimento e emancipação política, alcançando‐te a grandeza de uma metrópole, que hoje ostentas.
Lamentamos que, num dia tão festivo como hoje, por ironia do destino, não contemos com a presença deles, mas no fundo de nossos corações, seus nomes estão indelevelmente gravados, como uma pequenina paga pela enorme saudade que nos legaram.
Com todo o respeito rememoro‐os: Júlio Mariucci, Pedro Mariucci, Francisco Lacerda Jr., João Cabral de Medeiros, Arthur Hoffig, Floriano Landgraf, Paulo Landgraf, Pedro Baggio, Júlio Gomes, Vitorino Gomes Henriques, João Reghin, Francisco Reghin, Agostinho Ducci, Pílade Ducci, Dr. Oscar Dantas, Dr. Nilson B. Ribas, Dr. Acir Carazzai, Alberto Carazzai, Antônio Villas Boas, Odilon S. Athaide, Damasco Adão Sottile, Prof. Auxencio F. Bonfim, Ferrucio Dalla Costa, Honório Braga, José Atizano, Orlando Atizano, Domingos Soares, Constantino Vieccili, Benedito Diais Guimarães, Massud Amin, Jorge Baruque, Antônio Registro, Mário Concato, André Seugling, Bemardo Seugling, Elias Seugling, Pedro
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Seugling, Ivo Zanini, Américo Zanini, Antônio Zanini, Ítalo Fioravante, Ubirajara Medeiros, Manoel Binda;, Geraldo Araujo, Joaquim Staut Vilela e outros.
Que o grande Criador os tenha em seu seio.
PARTE 8
HOMENAGENS RECEBIDAS
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1
CONCURSO DE REDAÇÃO SOBRE NATAL56 Com o objetivo de aprimorar o gosto pelas artes literárias, estimular o surgimento de novos valores e a manifestação de sentimento de fraternidade que impera entre os homens, a Gazeta de Bebedouro promoveu o Concurso de Redação sobre o Natal. Participaram autores, inéditos ou não, que poderiam apresentar até dois 56 Gazeta de Bebedouro, 24/12/1986, 3ª página.
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trabalhos, cada um com o máximo de 50 linhas (em verso ou prosa).
Trinta e dois trabalhos de 29 autores, que atenderam às normas do regulamento, foram julgados por uma Comissão integrada pelos professores Laércio Ravagnani, Geralda Schiavon Matta e Maria do Carmo Corrêa Stamato. A comissão levou em conta os seguintes elementos: originalidade, estilo, redação, correção do texto e apresentação. A escala de avaliação utilizada variou de zero a dez.
OS CLASSIFICADOS E A PREMIAÇÃO: Primeiro lugar: autor, Luiz Bergantini.
Pseudônimo, Liz Título: "Natal"57 Prêmio: Cz$ 1 mil.
Segundo lugar: (...)
57 Releia o Conto Papai Noel.
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2
ESPAÇO DO LEITOR58 Envaidecido e emocionado, acuso recebimento do
prêmio pela minha participação no concurso de redação sobre o natal, principalmente a menção honrosa a qual veio tocar fundo a minha sensibilidade.
Só mesmo a tradicional Gazeta de Bebedouro, esse útil bi‐semanário bem dirigido e orientado por você Geraldo Cunha é que poderia ter idéia tão brilhante, 58 11/03/1987.
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procurando entre os bebedourense àqueles que usando de seus meios se manifestassem passando para o papel algo vindo de suas mentes e de seus corações.
Isso vem provar que esse grande jornal, fazendo jus ao seu longo passado, imparcial, publicando sempre a pura verdade e fiel aos princípios da moralidade, está hoje entregue em mãos hábeis e distintas, honrando a tradição de seu fundador, o saudoso sr. Lucas Envangelista.
Parabenizando‐o pelo evento, agradeço a você e ao demais diretores desse jornal.
O meu sincero abraço. LUIZ BERGANTINI (Cornélio Procópio)
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3
LUIZ BERGANTINI E SUAS REMINISCÊNCIAS
O bebedourense Luiz Bergantini, atualmente residindo na cidade paranaense de Cornélio Procópio, escreve hoje a última matéria da série intitulada "REMINISCÊNCIAS DA CIDADE CORAÇÃO" ‐ BEBEDOURO 100/101 ANOS, publicada na GAZETA, edições das quartas‐feiras. No total foram 33 relatos rememorando curiosidades acontecidas com pessoas e objetos ligados diretamente ao passado de Bebedouro. Com isso, Bergantini ajudou em muito a fazer a memória da Cidade Coração e só quem a ama com todas as forças do coração e a reconhece altaneira e progressista consegue passar para o papel detalhes curiosos que marcaram e envolveram de forma brilhante o passado desta grande terra, pólo central da
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citricultura brasileira. Luiz Bergantini é assim, e como estamos orgulhosos de você, desse seu modo de ser.
O editor.
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ANEXO
FOTOS
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FOTO 2 – Ilha Mutum (Porto Rico – PR, 1990)
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FOTO 3 – Residência (junho de 1991)
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