anotaÇÕes - habermas
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“Nos anos em torno de 1960, Habermas se ocupou cada vez mais da questão da
relação entre teoria filosófica ou sociológica e práxis política concreta. Ao fazer isso, ele
desenvolveu aquele conceito de uma teoria social crítica orientada pelo ideal da emancipação
que estará presente nas obras sucessivas. Nesses anos, ele abandonou sua posição inicial
fortemente inspirada pelo jovem Marx, que o motivara a tentar desenvolver uma filosofia
materialista da história. Aos poucos, porém, ele deixou de lado essa ideia e se dedicou ao
desenvolvimento de uma teoria crítica da sociedade, inspirada mais por Horkheimer”. (p. 47)
“Marx teria estabelecido uma estreita relação entre teoria e práxis, já que para ele o
sentido da história na sua totalidade se desvela teoricamente na medida que a humanidade se
dispõe praticamente a fazer sua história, que de resto ela sempre faz, também com vontade e
consciência. Essa “factibilidade” da história representa para Marx um pressuposto da filosofia
da história, enquanto o outro pressuposto é “a unidade do mundo”. Habermas vê realizados na
contemporânea sociedade burguesa industrial, ambos os pressupostos. Nela, a
interdependência das relações sociais tem progredido a tal ponto que as histórias particulares
se uniram na história de um mundo único – um diagnóstico que se mostra bastante apropriado
na era da globalização. Por outro lado, os instrumentos técnicos sobre os quais a humanidade
dispõe hoje, principalmente a possibilidade da destruição do mundo por uma guerra atômica
(possibilidade não mencionada explicitamente por Habermas, mas que naqueles anos estava
diante dos olhos de todos), apontam de forma clara para esse aspecto da factibilidade da
história. Habermas termina o ensaio com a advertência de que uma filosofia materialista da
história deve compreender seus pressupostos, exclusivamente a partir do contexto da época na
qual ela surgiu historicamente e, portanto, considerar as categorias da unidade do mundo e da
factibilidade da história como categorias temporalmente determinadas. Essa posição,
relativamente à questão do papel de uma filosofia materialista da história, representa uma
restrição em relação à posição defendida na resenha de 1957, mas não significa uma renúncia
a tal projeto”. (p.48)
“Habermas parte, aqui, das teses sobre o método das ciências naturais apresentados
por Adorno e Horkheimer na Dialética do Esclarecimento e critica a hipótese de Albert e
Popper, segundo a qual a base empírica das ciências rigorosas seria, independente dos padrões
“que a própria ciência aplica à experiência”. (p.51)
“Nos anos de 1960, houve um ulterior distanciamento de Adorno sem que se chegasse,
contudo, a uma ruptura. Habermas toma, antes, um caminho que, na opinião de Adorno,
estava definitivamente fechado. Pois Adorno, na sua teoria de uma “dialética negativa”,
parece tomar uma atitude fundamentalmente pessimista que via na realidade presente um
mundo irreparavelmente corrompido pela visão e pelo modo de vida capitalistas e que quase
não deixava esperança para uma possível emancipação humana. Habermas recusa esse
pessimismo e tenta oferecer uma perspectiva a uma teoria social emancipatória. Com base na
ideia já mencionada de um interesse que guia nosso conhecimento, ele distingue entre um
interesse técnico, um prático e um emancipatório. O interesse técnico caracteriza as ciências
empírico-analíticas que visam uma manipulação racional teleológica da natureza. O interesse
prática caracteriza as ciências hermenêuticas que pretendem chegar a uma compreensão do
sentido. O interesse emancipatória é visto por Habermas como estando presente nas ciências
sociais críticas, na crítica da ideologia e na psicanálise – e isso o leva a estabelecer uma
analogia entre o processo terapêutico individual e a atividade das ciências críticas do espírito.
O interesse emancipatório é considerado por Habermas como sendo constitutivo da natureza
humana (nisso há um forte elemento antropológico do pensamento habermasiano) e portanto,
é colocado no mesmo nível transcendental-antropológico das outras duas formas de
conhecimento, a saber, as ciências naturais e as do espírito”. (p.61)
“O livro A crise de legitimação no capitalismo tardio, publicado em 1973, mostra o
caminho que Habermas percorre partindo de uma perspectiva marxista tradicional, passando
pela confrontação com Luhmann e com a teoria da racionalização de Weber, até chegar a uma
teoria do agir comunicativo. Com referência às mencionadas crises de identidade que podem
abalar as sociedades, Habermas fala, aqui, de irresolvidos problemas de condução que surgem
de uma falta de integração. Trata-se, por um lado, de integração social que tem a ver com
sistemas de instituições nos quais os sujeitos falantes e agentes estão socialmente
relacionados. Processos de adaptação à sociedade, ou de socialização, são processos que
tornam os membros do sistema “sociedade” sujeitos capazes de falar e de agir; o indivíduo
entra nesses sistemas já como embrião e permanece neles até a morte. Desse ponto de vista,
uma sociedade aparece como um mundo da vida, estruturado simbolicamente, em primeiro
lugar, por meio da linguagem. Por outro lado, o que está em jogo é integração sistêmica na
qual a sociedade é vista como um sistema autorregulador. Ambos os paradigmas, o do mundo
da vida e o do sistema, podem ser usados com razão; o que é problemático é a sua
interconexão, já que do ponto de vista do mundo da vida tomamos como tema “as estruturas,
valores e instituições normativas de uma sociedade”, enquanto do ponto de vista sistêmico
nos interessam seus mecanismos de gestão e adaptação. Em ambos os casos, algo se perde: no
primeiro caso o aspecto de gestão ou condução, no segundo o aspecto da validade normativa”.
(p.67)
“Mencionamos várias vezes a influência de Marx, mas também de Lukács, Adorno,
Horkheimer e Marcuse sobre Habermas – influência observável já nos primeiros escritos dos
anos de 1950. Comum a estes últimos autores é a tentativa de renovar o marxismo de maneira
tal que possa ser aplicado também à sociedade tardo-capitalista. Ao fazer isso, todos eles
reagem à teoria weberiana da racionalização, pois, caso Weber tenha razão no seu
diagnóstico, não haveria, praticamente, chances de superar os fenômenos de alienação que
caracterizam a sociedade capitalista e que foram descritos por Marx. Tanto esses autores
quanto Habermas pretendem reformular a posição do marxismo fazendo justiça à tese de
Weber. O primeiro passo, que todos eles cumprem, consiste na crítica do materialismo vulgar
e da atitude cientificista ou positivista que caracterizava o marxismo a partir dos últimos anos
do século XIX. Contra tal posição, eles insistem na necessidade de recuperar a dimensão
genuinamente filosófica do marxismo. Isso é particularmente evidente em História e
consciência de Classe de Lukács antes dele – procuram redescobrir as raízes hegelianas do
pensamento marxista. Contudo, os acontecimentos históricos (a ascensão dos nazistas ao
poder com o apoio de amplas camadas da população, a Segunda Guerra Mundial, os campos
de extermínio) precipitaram os “velhos” (trocar por 1ª geração) frankfurtianos em um
pessimismo mais ou menos acentuado em relação às efetivas chances de uma libertação do
homem da alienação e das relações de dominação ligadas ao sistema capitalista. Eles viram no
processo de racionalização descrito por Weber simplesmente o caminho triunfal da razão
instrumental por meio de todas as formas de vida. Isso leva a uma inversão aparentemente
paradoxal da tese de Weber: Enquanto este último tinha salientado o aumento de
racionalidade ligado à diferenciação interior aos processos de aprendizagem organizados
cientificamente, Horkheimer enfatiza, pelo contrário, “a perda de racionalidade que se produz
na medida em que as ações podem ser julgadas, planificadas e justificadas somente sob
aspectos cognitivos”. (p.76-77) -> introdução “Habermas e o marxismo”
“Ao pessimismo de Adorno e Horkheimer, Habermas contrapõe a ideia retomada por
Lukács, de que há ainda forças capazes de oferecer resistência e até de inverter o processo de
racionalização mencionado ou seus efeitos negativos. É verdade que Habermas não identifica
essas forças com a consciência do proletariado, como ainda fizera Lukács (uma consciência
de classe ainda presente apenas potencialmente); contudo, ele crê firmemente na ideia
iluminista de que a razão pode continuar a ser um instrumento de emancipação. O processo
descrito por Adorno e Horkheimer na Dialética do Esclarecimento, isto é, a transformação da
razão emancipatória em uma razão instrumental e produtora de dominação, é interpretada por
Habermas como um fato patológico, como o processo de uma “realização deformada da razão
da história” e, portanto, como traição do projeto emancipatório da modernidade, projeto
inacabado e que ainda vale a pena realizar. Enquanto os dois antigos frankfurtianos viram as
instituições políticas e sociais, assim como a práxis cotidiana como sendo “completamente
esvaziadas de qualquer vestígio da razão”, Habermas acredita poder mostrar, recorrendo ao
conceito de razão comunicativa, como esta última ainda pode deixar ouvir sua voz naquele
componentes da sociedade (instituições, processos e práticas sociais) que aparentemente,
cederam sem esperança aos imperativos da razão instrumental. Isso se mostra claro
justamente nas instituições políticas e no sistema jurídico burguês que Adorno e Horkheimer
observavam com tanto ceticismo: eles incorporam, pois, princípios que contêm um potencial
emancipatório que, contudo, não é realizado pelas próprias instituições – uma ideia que,
segundo Habermas, se encontraria já em Marx” (p.77-78)
“Portanto, é ainda possível uma emancipação no sentido marxiano, mas não por uma
revolução fundada no surgimento de uma consciência de classe proletária, como Lukács ainda
pensava, mas como liberação do potencial emancipatório que vem à tona em processos
comunicativos que visam o entendimento”. (p.78)
O entrelaçamento de mito e esclarecimento: Horkheimer e Adorno.
“Os escritores sombrios da burguesia como Maquiavel, Hobbes e Mandeville desde
sempre traíram aquele Horkheimer influenciado por Schopenhauer. No entanto, seus
pensamentos ainda eram construtivos; de suas dissonâncias seguiram-se linhas que levavam à
teoria marxista da sociedade. Os escritores "malditos" da burguesia, sobretudo o Marques de
Sade e Nietzsche, romperam esses vínculos. A eles se ligam Horkheimer e Adorno na
Dialética do esclarecimento, o seu livro mais negro, a fim de conceitualizar 0 processo de
autodestruição do esclarecimento. Segundo sua análise, não podiam esperar mais nada da
força libertadora do conceito. Contudo, levados pela noção benjaminiana de esperança dos
desesperados, que então assumira um sentido irônico, não querem abandonar o trabalho do
conceito, tornando-o paradoxal.” (p.153)
“Assim, vou explicar as duas teses centrais (I). da avaliação da modernidade resulta o
problema que me interessa, considerando a situação atual: por que Horkheimer e Adorno
querem esclarecer radicalmente o esclarecimento sobre si mesmo (II). O grande modelo para
uma auto-suplantação totalizadora da crítica da ideologia era Nietzsche. A comparação de
Horkheimer e Adorno com Nietzsche não instrui apenas sobre as direções contrárias em que
ambos os lados conduzem suas críticas da cultura (III), mas, além disso, desperta dúvidas
sobre essa repetida reflexivação do esclarecimento (IV).” (p.154)
“Na tradição do esclarecimento, o pensamento esclarecedor foi ao mesmo tempo
entendido como antítese e força contrária ao mito. Como antítese, porque opõe à vinculação
autoritária de uma tradição engrenada nas cadeias das gerações a coação não coercitiva do
melhor argumento; como força contrária, porque deve quebrar o feitiço das forças coletivas
por meio dos discernimentos conquistados individualmente e convertidos em fonte de
motivação. O esclarecimento contraria o mito e escapa, com isso, de seu poder. A esse
contraste, do qual o pensamento esclarecido está tão seguro, Adorno e Horkheimer opõem a
tese de cumplicidade secreta: “o mito já é esclarecimento e o esclarecimento acaba por rever à
mitologia”. Essa tese, anunciada no prefácio, é desenvolvida no ensaio sobre o esclarecimento
e comprovada na forma de uma interpretação da Odisseia”. (p.154-155)
““Os mitos se depositaram nas diversas estratificações do texto homérico; mas o seu
relato, a unidade extraída às lendas difusas, é ao mesmo tempo a descrição do trajeto de fuga
do sujeito diante dos poderes míticos”. Nas aventuras de Ulisses, astuto em duplo sentido,
espelha-se a proto-história de uma subjetividade que se desprende da coerção dos poderes
míticos”. (p.155)
“O mito da origem mantém o duplo sentido do “nascer” (Entspringen): o pavor em
face do desenraizamento e o respiro de alívio após a fuga. Desse modo, Horkheimer e Adorno
perseguem a astúcia de Ulisses até o âmago das ações de sacrifício; a estas é inerente um
momento de logro, na medida em que os homens se redimem da maldição das potências
vingativas por meio da apresentação do substituto simbolicamente valorizado (...) Os poderes
originários, simultaneamente sacralizados e ludibriados, ocupam assim na proto-história da
subjetividade a primeira etapa do esclarecimento”. (p.156)
“O esclarecimento seria bem-sucedido se o distanciamento das origens significasse
libertação. A força mítica revela-se, porém, como o momento retardador que detém a
emancipação pretendida e prolonga cada vez mais uma ligação com as origens, experimentada
igualmente como prisão. Daí Horkheimer e Adorno denominarem esclarecimento todo o
processo pendente entre os dois partidos. E esse processo, a submissão das potências míticas,
deve provocar fatalmente, em cada nova etapa, o retorno do mito. O esclarecimento deve
reverter à mitologia. Também esta tese os autores tentam confirmar na etapa odisseica da
consciência”. (p.157)
“O canto das sereias lembra uma felicidade concedida outrora pela “reação flutuante
com a natureza”; Ulisses entrega-se às seduções como alguém que se sabe já amarrado: “O
domínio do homem sobre si mesmo, em que se funda o seu si, é sempre a destruição virtual
do sujeito a serviço do qual ele ocorre; pois a substância dominada, oprimida e dissolvida pela
autoconservação, nada mais é senão o ser vivo, cujas funções configuram, elas tão-somente,
as atividades da autoconservação, por conseguinte exatamente aquilo que na verdade devia ser
conservado”. Essa figura de pensamento de que os homens formam sua identidade na medida
em que a aprendem a dominar a natureza exterior ao preço da repressão de sua natureza
interior oferece o modelo para uma descrição sob a qual o processo de esclarecimento revela
sua face de Janus: o preço da renúncia, da auto-ocultação, da comunicação rompida do eu
com sua própria natureza, que se tornou anônima na forma do “isso” (Es), é interpretado
como consequência de uma introversão do sacrifício”. (p.157-158)
“No processo histórico-universal do esclarecimento, a espécie humana distanciou-se
cada vez mais das origens e, no entanto, não se livrou da compulsão mítica para a repetição. O
mundo moderno, o mundo completamente racionalizado é desencantado apenas na aparência;
sobre ele paira a maldição da coisificação demoníaca e o isolamento mortal (...) A dominação
sobre a natureza exterior objetivada e uma natureza interior reprimida é o signo permanente
do esclarecimento”. (p.158)
“Com isso, Horkheimer e Adorno variam o conhecido tema de Max Weber que, no
mundo moderno, vê os antigos deuses, desmitificados por um processo de desencantamento,
se levantarem de seus túmulos na forma de poderes anônimos, para renovar a luta
irreconciliável dos demônios”. (p. 158)
“A própria razão destrói a humanidade que tornou possível – como vimos, essa tese de
longo alcance é justificada no primeiro excurso pela ideia de que o processo de
esclarecimento se deve, desde o começo, ao impulso da autoconservação, que mutila a razão,
visto que a reclama apenas nas formas da dominação racional com respeito a fins da natureza
e dos impulsos, justamente como razão instrumental. Resta demonstrar que a razão permanece
submetida ao ditame da racionalidade com respeito a fins até em seus mais recentes produtos,
a saber, na ciência moderna, nas ideias universalistas do direito e da moral e na arte
autônoma. Isso é o que procuram demonstrar o ensaio sobre o conceito de esclarecimento e
moral, assim, como o adendo sobre a indústria cultural”. (p.159)
Teoria e práxis
“A única vantagem que Marx teria podido assegurar a um proletariado que age
solidariamente resultava do fato de uma classe, ao se constituir na qualidade de classe com a
ajuda de uma verdadeira crítica, geralmente estar em condições de se esclarecer mediante
discursos práticos e de agir politicamente de modo racional – enquanto os membros dos
partidos burgueses, da classe dominante em geral, estão ideologicamente imbuídos e são
incapazes de se esclarecer racionalmente sobre questões práticas, e, desse modo, só podem
agir e reagir sob coerção.” (p. 71)
“Para Habermas, o discurso da Dialética do esclarecimento teria significado, portanto, uma
ruptura no processo de autoclarificação da razão. Tal perda teria, por sua vez, conduzido a
uma infrutífera “estetização” dos problemas teóricos que supunha o “abandono da
cientificidade” como critério que devia ser estabelecido pela teoria crítica, em termos tanto
normativos como práticos. O diagnóstico do impasse é muito claro: limitações inerentes à
filosofia da consciência – incapaz de completar a crítica da razão (subjetiva) instrumental e o
programa de uma teoria crítica da sociedade – teriam impedido Adorno e Horkheimer de
chegarem a um modelo alternativo como aquele oferecido pela teoria da ação comunicativa.”
“O conjunto de razões apresentadas por Habermas em favor de uma mudança de
paradigma continua delimitando as posições que tentam fundamentar uma perspectiva crítica
das ciências sociais. A rigorosa distinção entre os planos da facticidade e da validade social
funciona como requisito indispensável para qualquer perspectiva teórica que pretenda superar
os efeitos da coisificação cultural. Todavia, ao diagnosticar posições românticas (e
estetizantes) em Adorno e desenvolver o paradigma da ação comunicativa, Habermas não
critica apenas a vigência oculta da filosofia da história nas ciências sociais. Com esse
movimento teórico ele também obstrui a reconsideração daquelas teses adornianas que não
entram facilmente no esquema romântico-historicista que sua crítica atribui.
Diferentemente do projeto geral da teoria da ação comunicativa, Adorno e Horkheimer
evitaram uma “superação” da coisificação no plano da pura teoria. Tendo em vista as
contradições e os paradoxos da razão moderna, eles atribuíram ao pensamento crítico a
exigência de sustentar-se no abismo para compreender o desdobramento dialético de cada um
dos termos. O que estava implícito nesse movimento teórico era a resistência à apressada
identificação entre o desejo de realizar uma liberação ainda pendente (intrínseco a todo
projeto de teoria crítica) e a celebração teórica de uma vitória consumada. Para os autores, a
tarefa da reflexão crítica exigia a “reativação da dialética interna do esclarecimento” por meio
da autocrítica durante o próprio processo de formação de conceitos:
[...] cada progresso da civilização renovou, junto com o domínio, também a
perspectiva para sua mitigação. A realização dessa perspectiva depende do conceito. Pois este
não se limita só a distanciar, enquanto ciência, aos homens da natureza, mas também,
enquanto autorreflexão do pensamento […], permite medir a distância que eterniza a injustiça
(Adorno e Horkheimer, 1997, p. 58).”
“É no contexto dessa crítica conceitual do pensamento conceitual que aparece uma
tese central da Dialética do esclarecimento : “mediante a rememoração [Eindenken] da
natureza no sujeito, em cuja realização se encerra a verdade desconhecida de toda cultura, o
Iluminismo se opõe ao domínio enquanto tal” (Idem, ibidem). Essa observação parece
justificar a crítica habermasiana que descobre nela o ressaibo romântico de uma imagem
metafísica do mundo. Faz-se necessário, então, começar analisando, sumariamente, a
distância e a diferença que separa a perspectiva de Adorno do “redescobrimento” romântico
da natureza.”
“Conforme a reconstrução habermasiana, o processo de “coisificação” da cultura
moderna implica uma “coação que leva a assimilar as relações inter-humanas (e a
subjetividade) ao mundo das coisas, coação que se produz quando as ações sociais já não são
coordenadas através de valores, de normas ou do entendimento linguístico, senão através do
meio valor de troca” (Idem, p. 484). Situando historicamente a coisificação nos marcos das
problemáticas sociais dos séculos xix e xx, Habermas – junto com Lukács – diagnostica
desequilíbrio e unilateralização na implementação das potencialidades abertas pela
modernização cultural. O desequilíbrio e a unilateralização dependem inteira e
exclusivamente dos caminhos seguidos pela racionalização social quando conduzida a partir
da seletividade que o capitalismo impõe ao processo de modernização cultural.
Na direção contrária, Adorno e Horkheimer teriam generalizado o conceito de
coisificação, descontextualizando e introduzindo-o numa filosofia negativa da história. A
generalização implicou tal radicalização da análise das patologias sociais da razão, que tornou
virtualmente impossível a elucidação da nova “norma de verdade” (detrás da qual estava a
teoria crítica desde o começo). O critério que deveria suplantar a racionalidade objetiva em
seu próprio território se perde completamente quando a ideia de verdade permanece associada
a uma reconciliação universal de teor romântico, posto que essa reconciliação – pelo seu
próprio excesso – estenderia agora a exigência de relações não violentas para a “interação do
homem com a natureza: com os animais, as plantas e os minerais” (Idem, p. 485).”
“O diagnóstico sombrio da modernidade e a perda de um horizonte filosófico que
permitisse fundamentar criticamente uma “nova norma de verdade” conduziram a uma
concepção contraditória da condição humana: presa entre a vigência irrefletida da razão
subjetiva – que postula um princípio de autoconservação incapaz de neutralizar seu caráter
autodestrutivo – e a lembrança impotente da razão objetiva – que postula anacronicamente
uma unidade indiferenciada de espírito e natureza. Partindo dessa contradição objetiva,
Horkheimer criticou tanto as tentativas neopositivistas como as neoontológicas,
respectivamente vinculadas a cada um dos polos unilaterais da contradição. Por isso, foi
procurar junto com Adorno a racionalidade anterior à racionalidade (instrumental) no conceito
de mimesis. Deste dependeria tanto a sua teoria da reconciliação universal – entendida como
conformação de relações não violentas generalizáveis – como o novo horizonte normativo de
verdade (vinculado a uma dimensão socioafetiva que transcende o espaço das relações não
violentas da racionalidade intersubjetiva). Mas justamente por isso seria impossível uma
“teoria” da mimesis que pudesse dar conta racionalmente da unidade entre identidade e não
identidade, entre espírito e natureza.
A Dialética do esclarecimento torna-se, assim, uma perspectiva paradoxal e afastada da
possibilidade de fundamentar criticamente a teoria das ciências sociais, pois “assinala, para a
autocrítica da razão, o caminho que conduz à verdade, questionando simultaneamente a
possibilidade de que nesta etapa de estranhamento consumado a ideia de verdade resulte ainda
acessível” (Idem, p. 488).”
“Ao fundamentar a passagem do paradigma da produção para o da ação comunicativa
no campo da teoria social, Jürgen Habermas realizou um breve e contundente ajuste de contas
com a primeira geração da Escola de Frankfurt. Apoiado numa virada linguística de
orientação pragmático-racionalista, o novo paradigma teórico precisou confrontar algumas
teses relevantes do pensamento de Theodor Adorno para que a teoria crítica pudesse aspirara
um critério de cientificidade válido. Desdobrada com ênfase a partir da década de 1980, a
ruptura com Adorno foi construída a partir de três críticas: em primeiro lugar, a crítica de seu
diagnóstico do capitalismo tardio; em segundo, a crítica de sua teoria das patologias da razão
e, em terceiro, a crítica – derivada das anteriores – da relação negativa que o pensamento de
Adorno mantinha com os fundamentos das ciências sociais”
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