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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-
CULTURAL
GIMENES, Olíria Mendes - UFU
omgudi@yahoo.com.br
LONGAREZI, Andréa Maturano - UFU andrea@faced.ufu.br
Eixo Temático: Formação de professores e profissionalização docente
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo A formação de professores tem sido objeto de estudos de vários pesquisadores e vem ganhando proporções no cenário acadêmico bem como nas iniciativas governamentais, com programas como o PARFOR – Plano Nacional de Formação de Professores. Com o objetivo de contribuir para a construção de um campo conceitual-prático da formação, a partir de uma perspectiva que propicie a superação e transformação das práticas formativas, o presente trabalho discute alguns princípios formativos, com base nos pressupostos teórico-metodológicos da psicologia histórico-cultural, em especial em algumas formulações de Vigotski e Leontiev. Esse estudo apresenta, portanto, dados parciais de uma pesquisa teórico-bibliográfica que vem sendo desenvolvida em âmbito de mestrado, articulada ao projeto “Concepções de formação de professores e práticas de pesquisa-formação”. Assim, alguns elementos conceituais como mediação, signos e instrumentos, tratado por Vigotski, bem como atividade, motivo, ação, significado social e sentido pessoal, desenvolvidos por Leontiev são discutidos aqui como pressupostos teórico-metodológicos para a formação de professores seja ela inicial ou continuada. Ao pensar a formação de professores nessa perspectiva acreditamos na tese de que a atividade humana tem como mediadores instrumentos e signos. É através desta que o sujeito se transforma e transforma a realidade, ou seja, ela é mediadora das relações que se estabelecem entre a realidade e o sujeito, sendo condição para a aprendizagem e principalmente para o desenvolvimento. Nessa perspectiva, compreende-se que a aprendizagem da docência, permeada pela atividade no sentido leontieviano, e mediada por signos e instrumentos conforme a perspectiva vigotskiana, possibilita que a profissão docente se constitua mediante a coincidência entre significado social e sentido pessoal. Diante disso, se faz emergente a construção de propostas, projetos, programas e políticas de formação, cujos processos propiciem perspectivas nas quais os professores se desenvolvam profissionalmente em dimensões que transcendam as condições existentes, gerando, enfim transformação social.
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Palavras-chave: Formação de professores. Perspectiva histórico-cultural. Aprendizagem docente.
Introdução
A formação de professores vem sendo alvo de inúmeras iniciativas acadêmico-
científicas e políticas, compondo um cenário de debates, investigações e ações de intervenção,
almejando não apenas uma melhor compreensão, como também a elaboração de propostas
que promovam mudanças e melhorias nos processos formativos de naturezas teórico-
metodológicas, administrativas e políticas.
Isso se confirma pelo número expressivo de trabalhos apresentados em eventos
científicos na área de Educação no Brasil como, por exemplo, ENDIPE – Encontro Nacional
de Didática e Prática de Ensino e ANPED – Associação Nacional de Pesquisa em Educação,
além das iniciativas governamentais, com programas como o PARFOR – Plano Nacional de
Formação de Professores (Plataforma Freire).
No campo das discussões teórico-metodológicas, os estudos estão sendo
desenvolvidos sob diferentes perspectivas e com diferentes enfoques. Em muitos deles tem-se
observado enfoques cujas práticas pouco têm contribuído para transformações significativas
na formação desses profissionais e, consequentemente, na prática por eles exercida no
exercício da profissão.
Com o objetivo de contribuir para a construção de um campo conceitual-prático da
formação, a partir de uma perspectiva que propicie a superação e transformação das práticas
formativas, o presente trabalho discute alguns princípios formativos, com base nos
pressupostos teórico-metodológicos da psicologia histórico-cultural, em especial algumas
formulações de Vigotski e Leontiev. Este estudo apresenta, portanto, dados parciais de uma
pesquisa teórico-bibliográfica que vem sendo desenvolvida em âmbito de mestrado, articulada
ao projeto “Concepções de formação de professores e práticas de pesquisa-formação”1. A
pesquisa vem, pois, enfocando a formação nessa perspectiva, ao que passamos tratar a seguir.
Esboço de um histórico
Lev Semynovich Vigotski, Alexei Nocolaievich Leontiev e Alexander Romanovich
Luria foram os fundadores da psicologia histórico-cultural, que tem como base o
1 Projeto desenvolvido com recursos do CNPq e da FAPEMIG.
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desenvolvimento da mente humana alicerçado nos princípios do materialismo dialético de
Marx, em que o trabalho é a base do mundo dos homens.
Vigotski teve uma vida breve, mas deixou um legado que após sua morte teve
continuidade pelos seus discípulos, inclusive várias de suas obras encontram-se traduzidas e
publicadas no Brasil, e muitas não foram publicadas.
Diante do contexto histórico no qual estava inserido e com a crise no final do século
XIX da ciência psicológica nos Estados Unidos e na Europa, estava preocupado em construir
uma psicologia capaz de responder à problemática político-social da Rússia naquela época
(PALANGANA, 2001).
Assim, Vigotski “abre fronteiras na área da psicologia, colocando-se como pioneiro na
descrição dos mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa,
enfatizando as origens sociais da linguagem e do pensamento” (PALANGANA, 2001, p.90).
Leontiev após a morte de Vigotski prosseguiu com seus estudos, pois desde o início se
viu influenciado pelos seus textos sobre noção de “atividade objetal” (o psiquismo de um
homem considerado isoladamente continua sendo social e está determinado socialmente).
Dentre os seus estudos estavam a psicologia geral, teoria da atividade, personalidade e
sentido pessoal. Estes puderam ser estudados, pois à época, estava à frente do Grupo Karkhov
e pode desenvolver ciclos de pesquisa possibilitando, assim, o desenrolar de sua investigação.
Assim, defende a natureza sócio-histórica do psiquismo humano, estabelecendo
relações entre este e a cultura. Relações estas que se estabelecem entre as funções psíquicas e
a assimilação individual da experiência histórica.
Seguindo por este caminho, Leontiev avança um pouco mais nas teorias já iniciadas
por Vigotski, no que diz respeito aos processos mediacionais. Se funda na tese de que o
desenvolvimento psíquico não se dá somente pela linguagem, mas também pela atividade
humana.
Luria teve seu primeiro contato com Leontiev e Vigotski, em 1922, durante o Primeiro
Congresso Nacional de Psiconeurologia, mas foi em 1923, no Instituto de Psicologia sob a
direção de Kornilov que teve início uma relação concreta e duradoura com Leontiev, pois
nesta época foram convidados a trabalharem no instituto.
No ano seguinte Vigotski passa a integrar a equipe do Instituto de Psicologia tendo
contato diretamente com Leontiev e Luria. Em conseqüência desse fato, houve uma
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aproximação de ideais que mais tarde se originaria em algo concreto, capaz de sustentar a
força destes três personagens.
Em 1925, Vigotski juntamente com seu grupo de amigos, fundou a chamada “escola
histórico-cultural”, havendo sua consolidação enquanto grupo anos mais tarde. Dentre eles
estavam Leontiev, Luria, Galperin, Elkonin, Zaporojetex, Bojovich, Morozova (GOLDER,
2004).
A partir dessa consolidação, os estudos de Luria se direcionaram para o campo da
neuropsicologia, processos psicológicos superiores, cérebro e psiquismo, sendo que anos mais
tarde se dedica a investigações sobre as funções dos lobos frontais no cérebro, afasia,
memória e outros.
Devemos lembrar que naquela época houve além da Revolução Russa de 1917 que
objetivou a eliminação da autocracia russa, iniciando o processo de criação da União
Soviética, as perseguições nazistas e as grandes guerras mundiais.
Sobre esse contexto histórico, político e ideológico no qual os integrantes do grupo
viveram, há de se convir que desenvolver pesquisas no campo da psicologia não foi uma
tarefa fácil. Entretanto, todos eles a sua maneira souberam se desvencilhar de possíveis
armadilhas no que se refere a sobrevivência.
Vigotski, Leontiev e Luria são considerados a tróica da psicologia histórico-cultural e,
juntamente com seu grupo de colaboradores, à época, buscavam uma psicologia que tinha
como objetivo “reconstruir a ciência psicológica sob a base do marxismo, o que levaria a que
a ação fosse vista em seu significado social objetivo” (GOLDER, 2004, p.18).
O legado de Vigotski
O cerne da teoria vigotskiana está relacionado aos processos de mediação, seja nos
aspectos do desenvolvimento e da aprendizagem seja na apropriação da cultura produzida
historicamente pelo homem.
Para Vigotski é na relação entre sujeito-objeto e sujeito-sujeito que ocorre o
desenvolvimento e a aprendizagem do ser humano, mediados pelos instrumentos e signos.
Com base nessa proposição, Rego (1995) destaca algumas ideias concernentes à teoria
de Vigotski: 1) a relação indivíduo/sociedade resulta da interação dialética do homem e o seu
meio sócio-cultural, ou seja, o homem modifica o ambiente e este o modifica; 2) as funções
psíquicas humanas se originam nas relações do indivíduo e seu contexto cultural e social; 3) a
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base biológica do funcionamento psicológico é o cérebro, principal órgão da atividade mental;
4) a mediação presente na atividade humana, por meio de instrumentos e de signos,
construídos historicamente, medeia os seres humanos entre si e eles com o mundo; e 5) ao
proceder a uma análise psicológica esta deverá preservar as características dos processos
psicológicos.
Influenciado pelo pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels, Vigotski se apoia na
dialética materialista para compor suas teses e, o “método marxista de análise desempenhou
papel vital na orientação das novas perspectivas que se desenhavam para a ciência
psicológica” (PALANGANA, 2001, p. 107).
Uma categoria central na base do pensamento marxista é o trabalho e os modos de
produção. Na sociedade capitalista, o trabalho é uma forma de permuta entre a força de
trabalho produtiva e o salário recebido por ela. Na concepção de Marx, ele é agente
transformador do homem, pois é a partir do trabalho que o homem produz e promove a sua
sobrevivência, enquanto atividade humana. Assim, o homem se produz e produz a própria
sociedade. Esse processo se efetiva histórica e culturalmente.
Isto quer dizer que, se o caráter de uma espécie define-se pelo tipo de atividade que ela exerce para produzir ou reproduzir a vida, esta atividade vital, essencial nos homens, é no trabalho – a atividade pela qual ela garante sua sobrevivência e por meio da qual a humanidade conseguiu produzir e reproduzir a vida humana (MARX, 1993 apud PIRES, 1997, p. 89).
Nas relações estabelecidas entre o homem, a sociedade e o trabalho, em um
movimento de pensar o processo de produção para a melhoria desse homem, dessa sociedade
e desse trabalho, a dialética se apresenta como partícipe desse processo visando a
transformação do caráter material e histórico.
se a lógica dialética permite e exige o momento do pensamento, a materialidade histórica diz respeito à forma de organização dos homens em sociedade através da história, isto é, diz respeito às relações sociais construídas pela humanidade durante todos os séculos de sua existência (PIRES, 1997, p. 88).
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Seguindo este pensamento, o homem é um ser vivo complexo diferenciando-se do
animal pelo fato de que é pensante, exerce uma atividade produtiva, estabelecendo assim
relações sociais com o mundo exterior.
O desenvolvimento mental humano depende do desenvolvimento histórico e das
formas sociais humanas, logo “a cultura é, portanto, parte constitutiva da natureza humana, já
que sua característica psicológica se dá através da internalização dos modos historicamente
determinados e culturalmente organizados de operar com informações” (REGO, 1995, p, 42).
Para haver a internalização é necessária a atividade mediadora que ocorre mediante os
dos signos e dos instrumentos.
Vigotski (1998) diz que a diferença existente entre signo e instrumento é a de que eles
orientam de diferentes maneiras o comportamento humano. Segundo ele “a função do
instrumento é servir como um condutor da influência humana sobre o objeto da atividade; ele
é orientado externamente, deve necessariamente levar a mudanças nos objetos” e, “o signo,
por outro lado, não modifica em nada o objeto da operação psicológica. Constitui um meio da
atividade interna dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é orientado
internamente” (VIGOTSKI, 1998, p. 72-73).
Neste sentido, os seres humanos se desenvolvem e aprendem por meio de signos e
instrumentos construídos historicamente, que agem de forma mediadora entre os seres
humanos e destes com o mundo. Nessa perspectiva “a linguagem é um signo mediador por
excelência, pois ela carrega em si os conceitos generalizados e elaborados pela cultura
humana” (REGO, 1995, p. 42).
O processo de internalização implica tornar próprio (interno) o que é social (externo).
Isso pressupõe uma série de transformações, como nos explica Vigotski (1998): uma operação
que no início é uma atividade externa, através dos signos é reconstruída, passando a ocorrer
internamente. As relações ocorrem primeiramente no meio social, entre pessoas (interpessoal)
para depois ocorrerem de forma particularizada, no interior da pessoa (intrapessoal); e a
transformação do “inter” em “intra” é resultado dos eventos ocorridos durante o
desenvolvimento da própria pessoa.
Ao se enveredar nos estudos sobre o desenvolvimento do psiquismo humano,
Vigotski dedicou-se a fundar uma psicologia que estudasse a consciência como construída na interação dos sujeitos com o mundo, dos seres humanos com os
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objetos de sua existência, mediada por signos, num processo de internalização e externalização (MATEUS, 2005, p. 47).
Atividade para Leontiev
Leontiev (2006) dá continuidade a esses estudos, afirmando que não é só a linguagem
a mediadora do desenvolvimento e da aprendizagem, mas também a atividade.
Segundo esse autor, motivo é o que mobiliza o sujeito para a ação. Quando o motivo
coincide com o objeto da ação temos uma atividade, pois quando o que move o sujeito não
coincide com o objeto, a ação não tem um sentido pessoal, se constitui apenas numa ação. A
atividade se constitui de um conjunto de ações articuladas por um objetivo, direcionada a um
objeto que, por isso mesmo, mobiliza o sujeito para ele.
Leontiev estabelece uma distinção entre motivos compreensíveis e motivos eficazes, a
depender das condições que se apresenta a atividade. Para melhor compreendê-la tomemos o
seguinte exemplo: quando uma criança somente sai para brincar após fazer a lição de casa. A
criança tem consciência de que é seu dever enquanto estudante executar a lição de casa
(motivo compreensível), mas ela o faz para ir brincar (motivo eficaz), ou seja, ela foi
“persuadida” pela permissão de brincar após fazer a lição de casa. Nesse caso, temos apenas
uma ação, pois motivo e objeto não coincidem.
Contudo, os motivos compreensíveis podem se tornar motivos eficazes. No caso do
exemplo acima, a partir do momento que a criança passa a fazer as tarefas de casa pelo prazer
e pela consciência de sua importância para sua aprendizagem, o motivo compreensível tornar-
se eficaz. Nesse caso, uma ação torna-se atividade. Para Leontiev é na condição de atividade
que os sujeitos se desenvolvem. Nesse sentido, a escola precisa se constituir em atividade para
que o estudante se desenvolva nesse contexto. Para isso, a escola precisa educar os motivos.
Essa transformação de motivo “é uma questão de o resultado da ação ser mais
significativo, em certas condições, que o motivo que realmente a induziu” (LEONTIEV,
2006, p. 70), ou seja, às vezes a pessoa realiza uma atividade, de modo conveniente a ela,
influenciada pelo motivo.
Entretanto, nem sempre uma atividade é efetivamente considerada como atividade, e
sim ação. Ação, conforme conceitua Leontiev (2006, p.69) “é um processo cujo motivo não
coincide com seu objetivo, (isto é, com aquilo para o qual ele se dirige), mas reside na
atividade da qual ele faz parte”. Explicitando melhor
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a primeira condição de toda a actividade é uma necessidade. Todavia, em si, a necessidade não pode determinar a orientação concreta de uma actividade, pois é apenas no objecto da actividade que ela encontra sua determinação: deve, por assim dizer, encontrar-se nele. Uma vez que a necessidade encontra sua determinação no objecto (se “objectiva” nele), o dito objecto torna-se motivo da actividade, aquilo que o estimula (LEONTIEV, 1978, p. 107-108).
Assim sendo, é através da atividade humana que o sujeito se transforma e transforma a
realidade, ou seja, ela é mediadora das relações que se estabelecem entre a realidade e o
sujeito, sendo condição para a aprendizagem e principalmente para o desenvolvimento.
A atividade possui uma estrutura: sujeito, objeto, motivos, objetivo, sistema de
operações, base orientadora da ação, meios para realização da ação, condições de realização e
produto.
O sujeito é aquele que realiza a ação; o objeto é para onde a ação é dirigida; os
motivos são as necessidades do sujeito em relação a algo; o objetivo é a representação
imaginária dos resultados possíveis a serem alcançados; o sistema de operações são os
procedimentos, métodos ou técnicas para realizar a ação; a base orientadora da ação é a
imagem da ação que o sujeito irá realizar; os meios para realizar a ação são os materiais
concretos/abstratos (objeto e instrumento) e de natureza informativa ou simbólica; as
condições de realização são as situações nas quais o sujeito realiza a atividade; e o produto é o
resultado obtido (NÚÑEZ, 2009).
No bojo da teoria da atividade aparecem ainda dois importantes conceitos: significado
e sentido. O significado é social e o sentido é pessoal. O homem possui uma constituição
histórica e social, em que ele se apropria das experiências das gerações passadas e as une com
suas próprias, transformando a realidade de maneira consciente.
Significado “é aquilo que num objecto ou fenômeno se descobre objectivamente num
sistema de ligações, de interacções e de relações objectivas. A significação é reflectida e
fixada na linguagem, o que lhe confere a sua estabilidade” (LEONTIEV, 1978, p. 94)..
Nessa perspectiva, o homem é um sujeito histórico e social o qual transforma a
natureza e a si mesmo através da atividade humana. Entretanto, todo esse movimento deve
conter também um sentido, e “para encontrar o sentido pessoal devemos descobrir o motivo
que lhe corresponde.” (LEONTIEV, 1978, p. 97).
Apesar de estarem intimamente ligados, sentido e significado são conceitos distintos,
“eles estão intrinsecamente ligados um ao outro, mas apenas por uma relação inversa da
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assinalada precedentemente; ou seja, é o sentido que se exprime nas significações (como o
motivo nos fins) e não a significação no sentido” (LEONTIEV, 1978, p.98).
Ora, podemos então dizer que é na atividade que o sujeito atribui sentido pessoal às
significações sociais, estando o primeiro ligado ao motivo que o mobiliza à ação. Entretanto,
devemos enfatizar que toda atividade desatrelada de sentido pessoal é alienante, ou seja, se o
motivo da atividade não é do sujeito, estará apenas desenvolvendo uma ação.
Formação de professores na perspectiva histórico-cultural
No campo da formação de professores isso não é diferente. Se o sentido é constituído e
atribuído pelo sujeito no decorrer de sua atividade, é na docência, atividade profissional do
professor, que sentido e significado podem coincidir.
No entanto, as condições objetivas da docência nos colocam uma série de indagações:
como fazer da docência atividade (em todos os sentidos até aqui enfocados) quando existe
hoje uma significação de não valorização desse trabalho, tanto no seu aspecto social, quanto
no econômico? Como fazer para que a concepção de formação de professores fragmentada e
reducionista seja superada ainda que reconheçamos seu caráter histórico e social? Como
promover atividades formativas que assim se constituam e, portanto, tenham sentido para os
professores, com motivos que coincidam com o objeto desses processos?
Ao pensar a formação de professores na perspectiva histórico-cultural acreditamos na
tese de que a atividade humana tem como mediadores instrumentos e signos. Assim, a
atividade formativa implica o reconhecimento de alguns movimentos: “o processo
interpessoal transforma-se em um processo intrapessoal, tendo como contexto as relações
estabelecidas entre sujeitos historicamente constituídos, campo por excelência da mediação”
(ARAÚJO, 2009, p.6).
Embrenhando-nos nessa ideia, pensemos nos estágios curriculares dos cursos de
licenciatura, um dos pontos nevrálgicos da formação de professores, tendo em vista que é
durante essa prática que os alunos, em processo de formação profissional terão contato com a
realidade escolar.
Essa prática precisa ser acompanhada de um processo de reflexão sobre o movimento
de formação, que poderá dar suporte para a realização do estágio, bem como entender as
discussões teóricas realizadas no âmbito da universidade, como bem atestam Sforni e Vieira
(2008, p. 239), quando dizem que
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o movimento de desconstrução e de novas elaborações, resultante do confronto entre aquilo que já se conhece – saber cristalizado e difícil de ser abandonado – e um outro conhecimento que se desvela, é o que denominamos de “movimento de formação”, condição que propicia uma nova qualidade ao sujeito frente a sua atividade.
Como atividade prática, potencializadora da formação e do desenvolvimento
profissional do licenciando, o estágio precisaria permear todo o curso de formação não sendo
isolado ou apartado do mesmo, mas eixo articulador do processo formativo, interligando
universidade-licenciando-escola. Por essa perspectiva, a formação se daria com base nas
condições objetivas de concretização da prática pedagógica, em diálogo permanente com o
professor, a sala de aula e a escola.
Assim, tratar-se-íamos a formação como unidade dialética entre teoria e prática,
estaria na universidade e na escola: se constituiria pela relação de unidade entre as
elaborações e construções teóricas, produzidas no contexto da academia, e as experiências e
vivências práticas, construídas no interior da escola.
refutar a ideia do senso comum de que a teoria não se aplica à prática é um esforço que se precisa despender, já que, além de ser equivocada, tem servido para fomentar discursos que justificam políticas públicas descompromissadas com a implementação de uma sólida formação do professor e, sobretudo, com a melhoria das condições do trabalho docente (SFORNI e VEIRA, 2008, p. 243).
No espaço proporcionado pelo estágio curricular, o aluno poderá, a depender das
condições objetivas e subjetivas, estar realmente na condição de atividade e nessa situação
poderá desenvolver-se profissionalmente: o desenvolvimento psíquico dá-se a partir de
atividades mediadas culturalmente. Assim,
[...] o indivíduo forma-se, apropriando-se dos resultados da história social e objetivando-se no interior dessa história, ou seja, sua formação realiza-se por meio da relação entre objetivação e apropriação. Essa relação se efetiva sempre no interior de relações concretas com outros indivíduos, que atuam como mediadores entre ele e o mundo humano, o mundo da atividade humana objetivada (DUARTE, 2005, p.34).
Ademais, há que se considerar ainda que a formação do professor como processo de
aprendizagem e desenvolvimento, que ocorre não somente em nível de graduação, mas
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também em seu processo de atuação profissional, enquanto formação continuada em serviço.
Nesse ponto destacamos que o que se tem ofertado se constituem basicamente em cursos nos
quais os professores frequentam por inúmeras razões, quase nenhuma relacionada
especificamente ao conteúdo em si. Dessa forma, em geral os professores avaliam esses
momentos como não atendendo suas expectativas e, nesse sentido, os frequentados por
motivos que não coincidem com o objeto de suas ações.
Tomando como base o aporte teórico aqui em pauta, podemos analisar que essas
experiências têm se constituído em ações que pouco impactam na formação e no
desenvolvimento profissional dos professores, especialmente porque não têm se constituído
em atividades para os sujeitos, não implicam pois em aprendizagem para os docentes. No
mesmo sentido que discutimos os processos de constituição do homem para Vigotski e
Leontiev, podemos pensar a constituição do sujeito professor. Assim,
a aprendizagem do professor também acontece nessa mesma lógica marcada pelo movimento externo – interno, do interpsicológico para o intrapsicológico. O professor tem, em relação ao seu saber docente, um nível de desenvolvimento real e um nível de desenvolvimento potencial, e é na Zona de Desenvolvimento Proximal, configurada como um espaço próprio das relações de mediação, que as ações de formação devem incidir. Todavia, a ZDP não deve ser compreendida apenas em termos de processos mentais individuais, mas de processos coletivos, campo por excelência da mediação” (ARAÚJO, 2009, p.10).
Não obstante, podemos pensar em uma formação que se dê na coletividade. Uma
formação que se conduza a partir de objetivos comuns, lidando com seu próprio objeto de
trabalho. Em pesquisa já realizada, Moretti (2009) diz que
o processo de formação de professores em atividades de ensino, os professores movidos pela necessidade de organização do ensino agiram coletivamente ao objetivar essa necessidade em propostas de ensino que foram trabalhadas com seus alunos e, posteriormente, reelaboradas pelo grupo de professores. Os dados provenientes dessas elaborações coletivas de propostas de ensino, socializações dessas produções e materiais de alunos que foram analisados à procura de evidências e como as mediações feitas em situação coletiva foram apropriadas por eles em seus discursos e planos de ação (MORETTI, 2009, p. 10).
Os princípios teóricos e metodológicos da teoria da atividade de Leontiev, discorridos
anteriormente, nos apontam para uma formação a partir do coletivo. Coletivo, conforme
conceitua Alvarado Prada (1997, 2006, 2008, 2010) é aquele conjunto de pessoas reunidas por
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interesses e objetivos comuns, mobilizados pela busca da aprendizagem tendo em vista a
transformação. Nesse sentido, a atividade é direcionada pela necessidade do grupo e
alimentada pelos motivos comuns ou individuais, que farão o sentido para quem dela
participar.
Ao proporcionarmos uma formação continuada de professores em que as
características e identidade de cada coletivo sejam preservadas, onde o grupo esteja motivado
e favorável a determinar mudanças no espaço de atuação em conformidade com os objetivos
atingidos, criamos as condições objetivas e subjetivas para a atividade e, nesses termos, para a
formação.
Nessa perspectiva, a formação é desencadeada por processos a partir dos quais
o professor apropria-se de objetos que são produzidos por meio do trabalho realizado de forma colaborativa, corrobora o coletivo como espaço de produção de conhecimento novo para o grupo de professores e, desta forma, contribui para a superação da primazia da competência individual dos sujeitos como referência para a aprendizagem e, consequentemente, para a formação docente. Sendo assim, a educação é assumida como um processo social e não individual dando-se, portanto, entre indivíduos movidos por objetivos comuns (MORETTI, 2009, p.15).
Nesse mesmo sentido, é importante considerar ainda que “a organização coletiva do
trabalho configura-se como um diferenciador da qualidade das próprias relações de trabalho,
apresentando-se como uma possibilidade de gerar e gerir, no espaço educativo, uma unidade
produtiva na qual o coletivo supere a alienação” (ARAÚJO, 2009, p.11).
Para que o professor supere a alienação existente em seu espaço de trabalho é
necessário que encontre um sentido pessoal que o faça gestar sua formação, não a relegando a
outrem e, que desenvolva o seu trabalho não apenas pela sobrevivência.
Se o sentido do trabalho docente atribuído pelo professor que o realiza for, apenas, o de garantir a sua sobrevivência, trabalhando só pelo salário, haverá a cisão com o significado fixado socialmente, entendido como função mediadora entre o aluno e os instrumentos culturais que serão apropriados, visando ampliar e sistematizar a compreensão da realidade, e possibilitar objetivações em esferas não cotidianas. Neste caso, o trabalho alienado do docente pode descaracterizar a prática educativa escolar (BASSO, 1994, p.38-39).
Considerações finais
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Diante da tonicidade dos pontos abordados e das contribuições de cada um dos
teóricos apresentados, percebemos o quão relevantes foram à época, pela própria proposição
de construção de uma nova psicologia, como também pela posição de destaque na
contemporaneidade.
No que diz respeito aos processos de mediação, pressuposto básico da teoria de
Vigotski, reiteramos o posicionamento de que a qualidade da formação de docentes encontra-
se na qualidade das mediações simbólicas e pedagógicas empreendidas nesse processo.
É nessa direção que haverá a internalização do que terá como proposição os processos
de formação, a transformação do interpessoal em intrapessoal, ou seja, a apropriação da
docência.
As categorias motivo, ação, significado e sentido pessoal discutidas nos fazem pensar
em questões que, de certa forma, são provocativas para os docentes. O que motiva o docente a
exercer essa atividade? Qual o sentido de ser professor?
Questões como essas que permeiam a própria atividade docente, se não forem levadas
em consideração dentro da formação, farão com que o sujeito que dela participa continue na
condição de alienação.
Nessa perspectiva, se faz emergente a construção de propostas, projetos, programas e
políticas de formação, cujos processos proporcionem perspectivas nas quais os professores
desenvolvam-se profissionalmente em dimensões que transcendam as condições existentes,
gerando, enfim, transformação social.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Eliane Sampaio. Mediação e aprendizagem docente. In: ENCONTRO NACIONAL DE PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL ABRAPEE – CONSTRUINDO A PRÁTICA PROFISSIONAL NA EDUCAÇÃO PARA TODOS, IX, 2009, São Paulo. Anais... São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2009, p. 1-15. Disponível em: <http://www.abrapee.psc.br/documentos/cd_ix_conpe/IXCONPE_arquivos/26.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2010. BASSO, I. S. As condições subjetivas e objetivas do trabalho docente: um estudo a partir do ensino de História. 1994. 123 f. Tese (Doutorado). Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1994. DUARTE, Newton. O significado e o sentido. Coleção Memória da Pedagogia. n.2: Liev Seminocivh Vygotsky. Editor Maniel da Costa Pinto, colaboradores Adriana Lia Friszman et al, Rio de Janeiro: Ediouro, São Paulo: Segmento-Duetto, 2005, p. 30-37.
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