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A EDUCAÇÃO MUSICAL COMO AGENTE
FACILITADOR DO PROCESSO
DE APRENDIZAGEM
A EDUCAÇÃO MUSICAL COMO AGENTE
FACILITADOR DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM
Maria Clara Corrêa Dantas de Araújo
Dissertação submetida como
parcial para a obtenção do
mestre ,m Educação.
Orientador:
Abram Ekstermann
Rio de Janeiro
Fundação Getúlio Vargas
requisito
grau de
Instituto de Estudos Avançados em Educação
Departàmento de Psicologia da Eàucação
1981
à -minha mae e aos meus filhos,
Heliana, Zelia, Geraldo, Rober
to e Bruno.
rrr
sUMÂRIO
pág.
RESUMO... ....•••.•...... . ... •• ..•.•.•.•.••.• •..•... VI-
INTRODUÇAO. . . . . . . . . • . . • . . . . • . . . • . • . . • • • . . • . • • . . . . . . 1
1. A EDUCAÇÃO MUSICAL COMO AGENTE DA APRENDIZAGEM.. 3
1.1. A Formação Integral do Educando e a Música. 3
1.2. A Percepção Musical........................ 6
1.3. A Reação à Música.......................... 13
1.4. A Música no Aprendizado da Linguagem....... 15
2. O PROBLEMA DO "SIGNIFICADO" NA MOSICA........... 18
2·.l ... A Experiência Estética .••.• :.............. 18
2.2. Aspectos da Relação Emoção-Objeto.......... 22
2.3. A Música como "Linguagem de Sentimentos"... 28
2.4. A Música e as Estruturas Mentais........... 31
3. EST~TICA E PEDAGOGIA............................ 47
3.1. A Arte como Criação do Homem............... 47
3.2. Da Estética do Belo à Estética da Arte..... 50
3.3. A Educação pela Arte....................... 56
3.4. A Evolução da Consciência RÍtmica.......... 64
3.5. O Pensamento Musical ....•.••.•.•.•• .--.-. ~ • . . • 75
4. A EDUCAÇÃO MUSICAL - UMA TENTATIVA DE AVALIAÇÃO. 88
4.1. Erros da Educação Musical Tradicional...... 88
4.2. Uma Nova Fase na Educação Musical.......... 90
4.3. A Educação Musical e sua Prática........... 92
4.3.1. Método Dalcrose..................... 92
4. 3.2. Método ORFF......................... 9.7
4.4. Uma Educação Musical Efetiva: A RÍtmica Mu-sical...................................... 100
5. CONCLUSÕES...................................... 105
6. SUGESTÕES •.•••••••••••••••••••••••••••••••••••• 109
7. BIBLIOGRAFIA.................................... 1.13
IV
"O~ ~on~ vinham dinetamente a mim ~em
~enem chamado~ - eu podia pegâ.-lo~
com minha~ mão~ - enquanto caminhava
ao an livne, pelo~ bo~que~, no ~ilêncio da noite ou pela madnugada, leva
do pon um e~tado de e~pZnito que o~
poet~ tnaduzem pon palavna~i e eu, pon ton~ que ~oam, nugem e tempe~
teiam ã. minha volta, at~ê que o~ con
veltta em nota~."
L. V. Beethoven
.v
RESUMO
Esta menegrafia parte de pressupeste de que a
música desenvelve e equilíbrie emeci.onal de indivídue e
sua sensibilidade para e bele. Essa premissa alerta para
a impertância de estude em questãe, especialmente em re
laçãe a .outras áreas de ensine, censiderande-se a educa
çae musical cerne um instrumente auxiliar ne aprendizade
das .outras disciplinas.
Trata-se de um estude teórice, cem implica
çees pedagógicas, visande a demenstrar a impertância da
educaçãe musical -nãe descebrir talentes para a música e
valeres musicais --, aperfeiçear e indivídue, criande pIa
téias que saibam .ouvir música e, desenvelvende a sua capa
cidade perceptiva, criar um estade prepiciader da apren
dizagem.
sãe expestes alguns aspectes essenciais, bási
ces, demenstrande que a educaçãe musical nas escelas é fa
ter de integraçãe emecienal de educande, e que faverece e
trânsite interdisciplinar e facilita a aprendizagem.
VI
S U M M A R Y
This dissertation is based on the supposition
that music develops the emotional balance of the indivi
dual and his sensitivity tobeauty. This premiss en
phasizes the importance of this study, specially relat
ing to other. teaching areas, considering the teaching of
music as an auxiliary instrument in the learning of
other subjects.
This is a theoretical study involvingpedagogy
and having as an objective the importance of music educa
tion, not to discover musical talents, but to develop
the individual potencial to understand and -appreciate
music, creating ideal conditions for learning.
Several fundamental points are dealt with,
showing that music education in school is a basic factor
contributing to the emotional balance of the student,
helping him in his other areas of study and facilitating
his learning procesSe
vn
I N T R O D U ç Ã O
Este é um estudo cujo objetivo é ode analisar
a importância do fenômeno musical no desenvolvimento cog
nitivo do educando e das suas percepções, assim como as
implicações no seu comportamento e na sua educação.
Apesar de vivermos numa época intensa de pes
quisas e reformas educacionais, justifica-se essa análise
sobre a importância da música na educação - dado o seu
nível de influência emocional e, conseqüentemente, na
formação da personalidade do indivíduo.
Consultando-se os modernos métodos de pedago
gia musical, corno os de Kodaly, Da~croze, Willens, Orff ,
Maternot e outros (apud Sigren, 1966), observa-se que os
mesmos apresentam semelhanças em seu objetivo geral. To
dos esses autores são da mesma opinião e propõem, de uma
forma ou de outra, que o educando trave um contato com a
música desde os primeiros dias de vida, e de uma forma vi
va e real. Alguns chegam a insinuar que a música deve
ser ouvida pela mãe durante a gestação, para que o feto se
acostume ao ritmo musical, através das percepções senso
riais.
Essas teorias apóiam-se no fato de que, nos
primeiros anos da existência, o espírito infantil, a es
pontaneidade e a ânsia do conhecer se apresentam com uma
receptividade bem acentuada, livres que ainda se encon
tram das pressões, não sofrendo· as inibições do intelecto
2
sobre sua livre expressa0.
Conforme Leibowitz, pode-se afirmar agora o
que tem sido di to raras vezes e sempre em voz baixa: "A
História da Música é a história dos homens que a têm cria-
d " 1 o .
A música tende a reorganizar a personalidade
em seu conjunto, já que influi nas esferas afetiva, inte -
lectual, sensório-motriz e na socialização.
Heu interesse não é o de formar músicos, mas
o de contribuir para a formação integral do educando.
Agradeço a todas as pessoas que, direta ou in
diretamente, contribuiram para o desenvolvimento deste tra
balho e do meu crescimento cultural.
3
1. A EDUCAÇÃO MUSICAL COMO AGENTE DA APRENDIZAGEM
1.1. A Formação Integral do Educando e a Música
Na opinião dos educadores modernos, a conduta
humana se desenvolve pela interação herança e o meio sendo
este último o fator mais importante na educação do indivíduo.
Entendem os educadores de hoje que, sendo a educação primor
dialmente responsável pelas atitudes, ações e realizações do
indivíduo, seu objetivo deve ser não somente o de aquisição
do conhecimento, mas também o de desenvolvimento da persona-
lidade.
"No conceito de educação é impossível separar
o ponto de vista pedagógico da adaptação social". (Heuyer)
o pensamento atual é, portanto, o de que a es
cola deve alcançar a plenitude de formação integral e intera
gír do ser humano com as necessidades da sociedade.
Nesse sentido, diversos autores são de opini-
ao que a educação musical deve ocupar um lugar de desta-
que no plano da educação. Pois quanto mais diversificadas
forem as sensaçoes e emoções do educando, maiores se
rao suas possibilidades de crescimento.
Para Kurt Pahlen, a educação musical signifi
ca que "através do desenvolvimento da sensibilidade da
criança ela pode captar as manifestações do mundo sonoro;
há de modelar uma consciência do que -e, pode e deve ser a
arte; há de cercar-se de seus semelhantes; há de desper-
tá-la no sentido sonoro, como se desperta no terreno vi-
4
sual, do tato e do olfato; há de formar seu caráter visan
do a um maior idealismo; há de convertê-la em um ser sen
sível .•. ,,2
Os educadores, pois, defendem a necessidade de
a educação musical ser incluída em um programa escolar co
muro apontando ser mais imperiosa essa necessidade no que
se refere a classes especiais, que visam a atender educan
dos com problemas, situados em posição desvantajosa num
mundo essencialmente competitivo, onde os menos capazes
não encontram lugar facilmente. ~ responsabilidade da
educação adotar todas as possibilidades para integrá-los
na sociedade.
A opinião dos educadores tem respaldo na mani
festação biopsicossociológica fundamental do ser humano
-a linguagem.
De fato, a música e a linguagem têm como base
o som. Os mesmos aspectos sonoros estão presentes na mu
sica e na ,linguagem falada. Enquanto a fonte sonora da
música sao os instrumentos - de sopro, de corda, de per
cussao ,na linguagem oral essa fonte é a laringe, sen
do os órgãos do aparelho fonoarticulador os modificado
res e amplificadores dos sons originais, quando a coluna
de ar faz vibrar as cordas vocais.
A música e linguagem, além disso, possuem em
comum o fato de serem expressas em símbolos escritos p que
permitem a elaboração de suas respectivas composições. Na
música, são as notas e sinais musicais, com seus valores
simbólicos próprios. Na linguagem, as letras e sinais
5
gráficos, símbolos dos sons na fonética.
Na música, os sons, variando em freqüência e
intensidade, se combinam em ritmos - seqüência de sons e
pausas. O ritmo musical nada mais é do que uma das mui-
tas manifestações do ser humano, no qual o ritmo é expre~
sado de diversas formas - através de suas atitudes, da
sua forma de falar, de agir, de caminhar. E o ritmo tan-
to caracteriza as melodias como é indispensável, no indi-
víduo, à boa coordenação motora para o desempenho correto
da expressa0 oral e gráfica da linguagem.
Música ou linguagem, ou ambas, são, enfim,fo~
mas de expressão virtualmente comuns a todos os indiví-
duos. E a linguagem musical é a melhor forma de comunica
ção entre os seres humanos, na opinião dos pedagogos musi
cais. Dalcroze, Gainza, Kodaly são unânimes em justificar
a necessidade e conveniência de sua aprendizagem, afirrnan
do que a linguagem musical estimula as principais faculda
des humanas, corno a imaginação criadora, a sensibilidade,
a vontade e a inteligência.
Corroborando essa idéia, especifica o educa-
dor brasileiro J. Lellis Cardoso. (Idort., p. 147l:
"N~o podemos justificar a aus~ncia
de música, princi~almente para as
crianças das escol~s p~blicas, por
ter a música uma infiu~ncia decisi-
va na formação do caráter do indivi
duo. Os educandos que transp6em os
anos escolares sem nEles ter apren
dido a cantar, seffi h~V3r criado e
6
revi vida as suas próprias melodias
- jamais ter~·J a mGsica como estimu
lo para as suas reações. A mGsica
evita recalcamento, serve de expan
sao a estados emotivos e do temper~
menta que ignoramos possuir, conse
qOentemente, equilibra a personali
dade, portanto é força de discipli
na social. A mGsica na coletivida-
de suaviza os sentimentos humanos,
irmana os indivíduos no mesmo afeto
e no mesmo ideal."3
1.2. A Percepção Musical
Um plano de educação que se proponha a incluir
a educação musical como agente efetivo de aprendizagem e
formação integral não pode deixar de levar em conta o de
senvolvimento da percepção auditiva musical .
. Muitos pedagogos afirmam que a percepçao audi
tiva é de importância fundamental para o desenvolvimento
da capacidade musical do indivíduo.
Vanderplas (apud Novaes, 1970) identifica na
atividade perceptiva: apreensão, discriminação, reconheci
mento, identificação e avaliação. Afirma que a atividade
intelectual requer habilidade para discrL~inar semelhan-
ças e diferenças, e para categorizar um objeto novo pela
discriminação de propriedades, atributos e características.
Segundo Zenatti (1969), a percepção musical
manifesta-se sobre duas condutas~
7
çao e identificação. A diferenciação permite ao indiví~
duo, por exemplo, estabelecer a distinção entre dois sons
quanto às suas qualidades físicas (altura, intensidade ,
timbre ou duração) se duas execuções imediatas de uma mes
ma melodia são iguais ou diferentes. A identificação ca
pacita reconhecer, por exemplo, a linha melódica de uma
determinada peça musical conhecida. Requer a
de um estímulo de cada vez.4
exposição
As idéias de Zenatti aproximam-se das de Gib-
son (1967), em sua obra sobre aprendizagem e desenvolvi
mento perceptual, referindo-se a quatro diferentes méto
dos utilizados no estudo da percepção: detectação, reco
nhecimento, discriminação e identificação.
Prince (1972), por sua vez, identifica nove
variáveis relacionadas com as características do ouvinte:
aptidão musical, habilidade musical, treino, experiência
musical, personalidade, maturação, atenção seletiva, est~
do geral da atenção e atitude afetiva em relação à música.
Na opinião desse autor, "a memória e uma va
riável importante na audição porque permite os efeitos de
feed-back nos julgamentos de elementos musicais novos ou
já conhecidos anteriormente".5 Explica Bentley (19671 que
"a percepção da melodia é impossível sem a aptidão para
recordar os sons já ouvidos no desenvolver da linha meló
dica".6 A atenção, para Solser & Murphy (apud Prince,1972),
é uma variável que merece ser considerada pois "é imFos
sivel perceber" sem a mesma. Já a aptidão musical, é de
finida por Teplov (1966} corno um componente do talento mu
8
sical, urna disposição geral e inata da personalidade. Mas,
para esse autor, "urna aptidão só existe em desenvolvimen-
to, em vir-a-ser. A noção de aptidão é essencialmente di
nâmica".7 ,"
A percepçao auditiva, enfim, manifesta-se a-
través da discriminação e do reconhecimento auditivos. Em
bora já existam em potencial na percepção auditiva pro-
priamente dita, são passíveis de serem desenvolvidos atra
vés da experiência e do t=eino específico, conforme afir-
mam estudiosos como Wing e Frances, Teplov e Zenatti.
prince (1972) propõe alguns tópicos de inte-
resse quanto a esse desenvolvimento, para a utilização da
música na educação: verificar os efeitos do ensino sobre
a habilidade do indivíduo para perceber elementos musi-
cais e fazer julgamento sobre a música; investigar a ida
de ou nível escolar mais receptivo ao treino da percepção
auditiva; experimentar e avaliar os métodos "mais efetivos
para o treino da percepção auditiva; medir a influência
do desempenho musical anterior sobre aprendizagem percep
tual.
Para Elkind (1972, apud Mársico, 1975), tal
desenvolvimento parece depender da maturação, urna vez que
"o grau até onde urna criança é capaz de descentralizar
(dissociar os diferentes campos de fixação de sua atenção
num dado momento ou em momentos sucessivos) está sempre
em função do nível de maturidade da atividade perceptiva
particular e das características particulare$ da intera
ção sujeit%bjeto"~
9
Moore (1972) afirma que o processo perceptual
torna-se gradualmente diferenciado pelas experiências de
aprendizagem ao longo de todo o ciclo de maturação do sis
tema nervoso, sucedendo-se os estágios perceptivos dentro
de uma seqüência contínua, onde os anteriores vão sendo
cumulativamente incorporados. Como resultado, o indiví-
duo responde diferenciadamente a uma determinada informa-
çao em diferentes idades, revelando a resposta, o estágio
de seu desenvolvimento. 9
Piaget (1971, apud Mársico, 1975) concorda
que o "o desenvolvimento mental se faz por . é tapas e por
estágios, em graduações sucessivasn~Osalientando que esse
desenvolvimento pode sofrer adiantamento ou atrasos em
conseqüência de diversos fatores, entre os quais heredita
riedade, maturação interna, experiência física, transmis-
são social e fator educacional. -
Há autores, todavia, que nao aceitam a possi-
bilidade desse desenvolvimento, como Révész e Seashore
(apud Teplov, 1966), postulantes de que as propriedades do
talento musical são ineducáveis~l Seashore (apud Antrin ,
1952), realizando testes para selecionar crianças musical
mente dotadas, assegurou que "as qualidades musicais ina-
12 tas não mudam com a idade 'nem com o estudo". Essse estu-
dioso repetiu seus testes com os mesmos individuos
períodos sucessivos de estudo, os quais, de acordo
seu depoimento, não apresenta:::-am melhora apreciável.
apos
com
Tal posição teórica é contestada por Teplov
(1966), argumentando que "as diferenças de altura, de in-
! ;.
10
tensidade e de duração do som, assim como estão estabele-
cidas nos testes de Seashore, não constituem a base do ta
lento musical nem,mesmo merecem ser chamadas de musicais".
Uma segunda corrente defende a evolução da di
ferenciação e identificação em função da idade. Gilbert
(apud Zenatti, 1969) verificou que as crianças de 6 anos,
em média, percebem diferenças de 1/3 de tom, diminuindo
esse limiar regularmente, até que na idade de 19 anos -e
atingida a diferenciação de 1/15 de tom, em média. Essa
evolução etária foi confirmada por experiências de Henst-
chel, 1913, Meissner, 1914, Mainwaring, 1931 e Imberty
1966 (apud Zenatti, 1969) .13
,
Em apoio à posição teórica da importância da
educação musical para o desenvolvimento da percepção musi
cal, Wing, Valentine e Holmstrom, trabalhando com crian-
ças, e Francês, com adultos (apud Zenatti, 1969), encon-
traram diferenças significativas entre grupos que recebiam
educação musical diversa, sendo um deles constituído por
indivíduos privados dessa educação.
A prop6sito, e com referência à aplicação da
educação musical em currículo escolar, é útil a observa-
-çao de Bentley (1967} de que, em um grupo em idade. esco-
lar cujos membros estejam sujeitos a ensi~o e condições
ambientais idênticos, podem se verificar' diferentes está-
gios de progresso individual, pois a forma como cada cri-
ança aproveita o que o meio lhe oferece es·tá na dependên
cia também do nível de maturação atingido por suas apti
dões inatas.
11
. Zenatti (1969) buscou apoio na teoria de Pia-
get, que evidencia a atividade perceptiva visual, parecen
do-lhe suscetível de aplicação no campo da música. Em
seus estudos, com crianças de 6 anos, constatou estar a
atividade perceptiva musical das mesmas suficientemente
desenvolvida, permitindo alcançar boa percentagem de acer
tos. As crianças mostraram-se capazes de classificar e
emparelhar os sons segundo sua qualidade de altura - gr~
ve ou aguda; realizaram bem as experiências de discrimina
çao de melodias onde as notas de cada melodia apresenta-
varn a mesma duração; e obtiveram um elevado nível de acer
tos nas experiências de percepção ritmica.
As experiências de Zenatti parecem corroborar
a opinião de Piaget de que a criança de pouca idade nao
dispõe ainda da capacidade perceptiva discriminatória, na
qual os elementos de um estímulo são isolados e podem ser
apreciados em atenções sucessivas ou simultâneas. As cri
anças não.conseguiram concentrar-se em apenas um dos pla
nos do estímulo musical, corno o elemento rítmico ou o me-
lódico, abstraindo os demais, tendo sido necessário que
cada um desses dois aspectos fosse apresentado em estímu-
los separados.
Zenatti verificou ainda que entre 7 e 8 anos
a atividade perceptiva é limitada para reconhecer um terna
musical apresentado em diferentes vozes superpostas no de
correr da execução. Já na faixa etária entre 8 e meic. e
10 anos, constatou maior atividade perceptiva de planos so
noros diversos numa estrutura polifônica. Finalmente, in
-.
12
divíduos de 10 e meio a 16 anos revelaram atividade per~
ceptiva nas provas de discriminação da melodia, embora os
indivíduos de 16 anos ainda não atinjam o nível de percep
çao discriminatório dos adultos.
As experiências de Zenatti evidenciam influên
cia do fator educação na percepção musical.
Delton (1971, apud Mársico, 1975), pesquisan-
do o progresso das respostas musicais em crianças de pré-
primário, conclui por uma melhora nessas respostas como e
vidência de alguma aprendizagem e aconselha a introdução
do treinamento o mais cedo possível na educação musical
das crianças.
Tais estudos demonstram, enfim, que a passa-
gem de um estágio musical para outro mais avançado é pos-
sível, não somente com a evolução natural da aptidão ina-
ta, mas também sob influência de fatores corno a educação,
o meio ambiente familiar e o meio cultural.-
A questão da percepçao auditiva, para fins de
aplicabilidade da educação musical na educação geral, re
sume-se na dúvida, ainda hoje existente, de se todo indi-
viduo pode desenvolver um "ouvido musical". Todavia, no
desenvolvimento do "ouvido musical,~l,4 Willems (1961) con-
sidera dois domínios: a sensorialidade auditiva e a afeti
vidade auditiva. A sensorialidade auditiva seria a sen-
sorialidade na receptividade do órgão auditivo para dis-
criminar os sons em geral quanto a características de tim .
bre, duração, altura e intensidade. Para mensurar esse
domínio auditivo, Willems e Mon~essori (1965} propõem so-
13
licitar ao sujeito que emparelhe, discrimine ou identifi
que pelo timbre objetos sonoros em geral, ou experiências
nas quais ele deva discriminar dois sons, tocados suces
sivamente, quanto à altura tonal. A afetividade auditiva
caracteriza-se pela reaçao do sujeito diante das impres
sões causadas pelos estímulos sonoro-musicais, podendo ser
medida e exercitada através de entonação espontânea de
uma escala ou melodia qualquer, reprodução e reconhecime~
to de temas musicais, discriminação do movimento melódico
e ordenação de objetos sonoros dentro da sucessão da esca
la musical.
Esses exercícios encontram-se descritos em o
bras de Willems (1961 e 1962), Montessori (1965) e Teplov
(1966) .
1.3. A Reação Psíquica à Música
Yingling t1962} classifica quatro tipos de
reação na audição musical: associativa, intelectual, emo
cional e sensorial. Na associativa, há uma transformação
dos estímulos tonais em termos objetivos r associados a
histórias, cenas, imagens: A resposta intelectual é des
crita por Yingling como uma classificação crítica da obra,
através do reconhecimento da ordenação dos elementos musi
cais e apresentação do plano de composição. A resposta
emocional ou sentimental seria caracterizada como uma a
preciação do colorido tonal, da instrumentação, pela iden
14
tificação dos diferentes ti~bres instrumentais da obra.
Na categoria sensorial ele inclui as reações do tipo pura
mente motor, como tensão de postura, gesto ou intenção de
movimento conectada com a música (vontade ou tentativa de
dançar), ou uma necessidade do ouvinte de se aproximar ou
de se afastar da fonte musical.
Ainda com referência às conclusões de Yingling,
vale citar Willems (1961), quando diz: I1Se tomarmos em
conta que a criança entre os 3 e 7 anos vive em grande par
te sensorialmente, convém encaminhá-la, nessa idade,à se.!!.
sorialidade auditiva ainda que não se despreze a natureza
afetiva da percepção auditiva l1• Segundo Montessori(1965),
110 ouvido sensorial é a base necessária à educação musi
cal l1 .15
A reaçao típica das crianças à audição de es-
tímulos musicais é basicamente sensorial, de acordo com
Ortmann {1927, apud Yingling, 1962}i e, conforme destaca
Yingling (1962), a sensação física, do tipo sensorial, -e
fundamental para a apreciação da música em âmbito mais
amplo, como o das relações formais e emocionais.
Esta seria, pois, segundo os estudiosos, a ba
se para o desenvolvimento da educação musical e sua uti
lização em um plano de formação integral.
15
1.4. A Música no Aprendizado da Linguagem
Na percepçao dos sons das palavras, "as sen
saçoes auditivas caracterizam-se por uma percepção tim
brística da altura", afirma Teplov (1966), entendendo que
na audição de palavras se pode sentir um movimento sonoro
para cima e para baixo, ainda que não seja o tipo de movi
mento de altura no sentido musical. Segundo ele, é essa
característica tirnbrística da altura dos sons que permite
às pessoas, em geral, "perceber e reproduzir a melodia da
palavra e a entonação própria da língua".
"A diferença entre a audição da palavra e a
audição da música", explica Teplov, "consiste no fato de
que a sensaçao imediata do movimento das alturas consti
tui a essência mesma da audição musical enquanto que na
audição da palavra ela é apenas um fator ace~sôrio".
Outros autores vão mais longe, destacando a
importância da percepção auditiva da característica tim-
brística da palavra para a alfabetização. Apontam corno
causa básica na dislexia - ou seja, dificuldade para a-
prendizagem da fala, da leitura ou da escrita certos
defeitos de discriminação das características tirnbrísti
cas dos sons das letras CQuirós, "197l} .16
16
NOTAS - 19 capítulo
1. LEIBOWITZ, René - A evolução da música de Bach a
Schoenberg - Divulgação e Ensaio, Porto - 1962. p. 25
2. PAHLEN, Kurt - La música en la education moderna.
Editora Ricord, 1964. p. 17.
3. CARDOSO, J. Lellis. (Revista do IDORT). p. 147.
4. ZENAT, Arlete - Le development génétique
de la percepcion musicale. Paris, Centre National
de la Recherche Scientifique, 1966. p. 104.
5. PRINCE, Warren F. A paradigm for research on music list
ening. Journal of Research in Music Education. Madi
son, Winter, 1972. p. 445-55
6. BENTTLEY, Arnold. La aptutut musical de los ninos y como
determinarIa. Buenos Aires, Vitor Leru, 1967. p. 127.
7. TEPLOV, B. M. Psychologie des aptitudes musicales. Paris
Press Universitaires de France, 1966. p. 405.
8 Leda Osório - Treinamento específico da Percepção Mu
sical em estudantes de Música. Porto Alegre, 1975.
Dissertação (Mestrado em Educação). p. -·18.
9. MOORE, Maxine Ruth. A consideration of perceptual pro
cess"in the evaluation of musical performance. Jour
nal of Research in Music Education, Madison. p.273-79.
10. PIAGET, Jean. Psicologia da Inteligência. 2a. ed. , RJ •
Editora de Cultura, 1971. p. 229.
11. TEPLOV, B. M. Psychologie des aptitudes musicales. op.
cito p. 48, 1966. p. 406.
12. ANTRIN, Doran K. Você tem talento para a música? Reader's
Digest - Seleções, New York, dez. p. 33-40.
13. ZENATTI, Arlete. Le dévelopment génétique de la percep
cion. Paris, Center National de la Recherche Scientifi
que. 1969. op. cito p. 97-98.
,
17
14. WILLEMS, Edgar. Las bases psicológicas de la educación
musical. Buenos Aires, Eudeba, 1961. p. 206.
15. Ibidem. p. 207.
16. TEPLOV, B. M. , 1966. Psychologia des aptitudes musica-
les. op. cito , 1966. p. 404.
17. QUIROS, Atas das las Jornadas iusicoterapias. Buenos Ai
res, 1971. p. 8.
18
2. O PROBLEMA DO "SIGNIFICADO" NA MÚSICA
2.1. A Experiência Estética
Há atualmente uma tendência para tratar a ar
te mais corno um fenômeno significativo do que uma experi
ência agradável, uma gratificação dos sentidos. De acor
do com L. A. Reid, essa orientação resulta provavelmente
do livre uso da dissonância e da chamada "fealdade" por
numerosos artistas em todos os campos - na literatura,na
música e nas artes plásticas - e da extraordinária indi
ferença das massas incultas aos valores artísticos. Antiga
mente, as massas não tinham acesso às grandes obras de
arte: a música e a pintura eram os prazeres das classes
abastadas; pode-se supor que as classes populares aprecia
riam -a música se pudessem usufruir. Hoje em dia,em que
todos (ou quase todos) podem ler, visitar museus e ouvir
música ao menos pelo rádio, o julgamento das massas, a
despeito das manipulações da indústria cultural, se tor
nou uma realidade, evidenciando que a arte não é um pra
zer sensual direto. Acrescentando-se o interesse lógico
e psicológico pelo simbólico, pelo meio expressivo e pela
articulação de idéias, não estaremos muito longe de uma
nova filosofia de arte, baseada no conceito de forma si~
nificativa .1
Mas se as formas em si e por si sao significa
tivas, e assim devem ser para merecerem a classificação
_._--........ -..
19
de artísticas, então certamente a espécie de significaçãô
que lhes diz respeito constitui um especial problema de
semântica. O que é significação artística? Que espécie
de significado expressam as formas expressivas '?
Diferentemente dos símbolos literais,elas nao
transmitem proposições. -a-Uma marinha pode representar
gua e rochas, barcos e cais de pescadores; uma natureza-
morta, laranjas e maças, um vaso de flores, caça ou pei-
xes mortos etc. Esse conteúdo não torna os padrões de pin
tura na tela "formas expressivas". A mera noçao de coe-
lhos, uvas, ou até barcos ao pôr-do-sol, não é a idéia'
que inspira uma pintura. A idéia artística é sempre uma
2 concepçaomais profunda
Vários estudiosos do comportamento tentaram
descobrir esta significação mais profunda , interpretan-
do quadros, poemas e até composições musicais como símbo-
los de objetos amados, e de natureza proibidà.- A ativi-
dade artística, segundo os psicanalistas, é uma expressa0
de dinamismos primitivos, de desejos inconscientes, usan-
do os objetos e cenas representados para corporificar as
fantasias secretas do artista. 3
Esta explicação implica creditar significação
às obras de arte, embora ,devido à censura moral que de-
turpa a aparência dos desejos básicos nunca se possa di-
zer o que significam exatamente. Faz referência ao aspec
to emocional, ao modo como vi '~enciamos a experiência ar-
tística. Acima de tudo, revela esse setor desconcertante
da atividade humana no contexto- de um sistema psicológico
20
geral - a chamada psicologia dinâmica , baseada no reco-
nhecimento de necessidades humanas fundamentais, dos con-
flitos resultantes de sua influência recíproca, e de meca
nismo pelo qual elas se valem, se disfarçam e finalmente
se realizam. O ponto de partida dessa psicologia é a des
coberta de formas simbólicas antes não reconhecidas, tipi
ficadas no sonho, e perfeitamente identificáveis em todas
as realizações em que atuam elementos de fantasia.
Estas considerações informam uma teoria psic~
nalítica da estética, que, no entanto, não resolvem satis
fatoriamente as questões que constituem o problema filos~
fico da arte. A interpretação de Freud, não apresenta
qualquer critério de excelência artística. Pode explicar
por que um poema foi escrito por ser popular, e revelar
os traços humanos que se escondem sob sua imaginação fan-
tasiosa e as idéias secretas que um quadro combina, mas
nao faz nenhuma distinção entre arte boa e má.' Os traços
aos quais atribui a importância e significação de uma gran
de obra-prima podem todos encontrar-se igualmente em uma
obra obscura de algum pintor ou poeta assaz incompetente.
o psicólogo . Wi-
lhem Steckel, interessado nas produções artísticas como
campo de análise, afirmou explicitamente: "Quero salien-
tar que é irrelevante para o nosso propósito se o poeta
em questão é um grande poeta e universalmente reconhecid~
ou se estamos lidando com um pequeno poeta. Pois, no fim
das contas, estamos investigando apenas o impulso que im-4·
pele as pessoas a criar" .
21
Assim, a questão da análise da experiência es
tética nao pode ficar limitada simplesmente à pesquisa
das formas puras perceptíveis.
A música é uma manifestação predominantemente
não-representativa. Ela exibe a forma pura não como embe-
lezamento, mas como sua própria essência; pode-se tomá-la
no seu melhor período - por exemplo, a música alemã desde
Bach a Beethoven - e, no entanto, apresenta tão-somente
estruturas tonais: nenhuma cena, nenhum objeto, nenhum f~
to, ou seja, nenhum conteúdo óbvio, literal. Se o signi
ficado da arte pertence ao domínio da percepção sensorial,
à parte o que representa de modo ostensivo, tal significa
do puramente artístico deveria ser o mais acessível atra
vés das obras musicais. 5
o som é o meio mais fácil de ser usado de um
modo puramente artístico, mas isso não significa que a mú
sica seja considerada como arte superior, a mais expressi
va e a mai.s universal. Além disso, é falsa a idéia de
que o que é válido para a música o seja também para as ou
tras artes. Um modelo básico de propósito ou método para
a análise de todas as artes, embora convidativo, é perigo
so porque desencoraja as teorias especiais e o estudo sim
pIes e técnico. ~ mais válido que uma teoria geral con
sista de generalizações validadas do que de generalidades
várias.
22
2.2. Aspectos da Relação Emoção-Objeto
A história da estética musical é acidentada ,
como acontece com as histórias intelectuais, sendo inevi-
tável o aparecimento de várias teorias. No curso dessa
reflexão e controvérsia, o problema da natureza e função
da música deslocou seu centro várias vezes. Na época de"
Kant, subordinava-se à concepção da arte como atividade
cultural, e dizia respeito ao lugar da música entre as
contribuições ao progresso intelectual. Desse ponto de
vista, a música foi alinhada entre as mais interiores de
todas as formas de arte. Os evolucionistas de épocas pos
teriores buscaram sua importância a partir das suas ori-
gens: se ela possuísse um valoràe sobrevivente ,ou fosse o
resíduo de algum instinto ou expediente anteriormente -u-
til, sua dignidade estaria salva, mesmo que nosso intere~
se por ele fosse tão limitado quanto o que William James
imaginava - "mera peculiaridade incidental do sistema ner
voso, sem nenhuma significação teleológicall •6
Helmholtz, Wundt, Stumpf e outros psicólogos
para os quais a existência e a persistência da música re-
presentavam uma questão importante, basearam suas inda
gações no pressuposto de que a música era uma forma de
sensaçao prazerosa, e tentaram constituir o valor das com
posições musicais a partir dos elementos de prazer de
seus componentes tonais. Essa concepção engendrou uma es
tética baseada no gostar e desgostar, uma definição sim-
23.
plista do belo, e uma visão da arte corno a satisfação du
gosto. Esta teoria da arte, que, por certo se aplica a to
das as artes, é estética no sentido mais literal, e seus
defensores sentem-se orgulhosos de não ultrapassarem os
limi tes do campo assim definido? Essa abordagem não- é re
presentati va. Diz respeito, apenas, às reações de prazer
ou desprazer ante os sons simples ou complexos, nao apro
fundando a relação entre a emoçao e o seu objeto.
Outra forma de reaçao a música parece mais ex
pressiva: a resposta emocional que ela produz. A crença
de que a música desperta emoções remonta aos filósofos gre
gos. Platão exigiu, para seu Estado ideal, uma censura es
trita de modos e melodias, para que os cidadãos não fossem
tentados por árias fracas e voluptuosas a condescenderem
com emoções desmoralizadoras~ O mesmo princípio é invoca
do para explicar o uso da música na sociedade tribal, o
toque do clarim convocando exércitos para a. batalha, o
costume de embalar o bebê com cantigas de ninar, a lenda
das sereias, que se baseia em uma crença no efeito hipnó-
tico narcótico e tóxico da música, e assim por diante.
Apesar do fato de não haver um único registro autêntico
de qualquer mudança específica de disposição ou intenção,
ou mesmo a inibição de um impulso, operada em qualquer
pessoa por efeito da música, essa crença. no poder físico
da arte difundiu-se até os tempos moãernos. Sabe-se que a
música, na verdade, afeta o ritmo cardíaco e respiratório,
facili ta ou perturba a concentração, excita ou relaxa o
organismo, mas apenas enquanto dura o es+.:ímuloi com exce-
24
çao de provocar impulsos de cantar, tamborilar, ajustar o
passo ao ritmo musical e, talvez, de fitar, prender o fô-
lego ou assumir uma postura tensa, a música comumente nao
9 influencia o comportamento. Essas influências somáticas
parecem afetar as pessoas indistintamente, sejam elas a-
preciadoras ou não de música, e são, portanto, funções de
som mais do que funções de música.
Os resultados das experiências realizadas a-
crescentam muito pouco ao fato conhecido de que a maioria
das pessoas relaciona sentimentos com a música, e acredi-
ta ter determinados sentimentos sob a influência da mú-
sica. Charles Avison, musicólogo e organista inglês, a-
diantou, sem evidência experimental, em 1775, que "a for-
ça do som em alarmar as paixões é prodigiosa", e que a mú
sica "naturalmente desperta uma variedade de paixões no
peito humano, similares aos sons que sao expressos; e as-
sim, pela arte do"- músico somos alternadamente exal-
tados com júbilo, ou afundados em tristeza agradável, in-
citados à coragem, ou esmagados por gratos terrores, des-
feitos em piedade, ternura e amor, ou transportados às re
giões de bem-aventurança, em êxtase de louvor divino .. IO
Segundo Rousseau, Marpug, Mattheson, C. Ph.E.
Bach, "dado que um músico não pode comover as pessoas de
outro modo, exceto comovendo-se a si mesmo, deve necessa-
riamente ser capaz de produzir nele mesmo todos esses afe
tos que gostaria de despertar em seus ouvintes; ele Eles
transmite seus sentimentos, movendo-os, assim, o mais ra-_ . ~. //11
pidamente, a emoçoes s1mpat1cas.
25
A crença de que a música é uma catarse emocio
nal foi amplamente aceita por filósofos e músicos. De Rous
seau a Kirkegaard e Croce, entre os filósofos, de Marpug
a Hausegger e Riemann, entre os criticos de música, mas
acima de tudo entre os próprios músicos disseminou-se a
convicção de que a essência da música é a auto-expressão.
Beethoven, Schumann, L~zt7 por exemplo, deixaram testemu-
nhos nesse sentido. O critico musical, geralmente, é de
opinião que toda música comovente e plangente deve tradu-
zir alguma experiência pessoal, o êxtase ou desespero da
própria vida do artista; e a maioria dos apreciadores de
música aceita a afirmação de Henri prunieres de que, se-
jam quais forem os sentimentos que um compositor transmi-
ta, "podemos ficar certos de que ele não expressará esses
sentimentos com autoridade, a menos que os tenha experi
mentado em um dado momento de sua existência,,12. A teo-
ria da auto-expressão, que classifica a música- com "expres
sões tais.como r Oh-oh r ou, en um nível superior, versos
liricos", como diz Carnap, é a concepção mais popular da
- - ~ . 13 significaçao e funçao da mUS1ca . Essa teoria explica
de modo aceitável a conexão da música com o sentimento, e
o mistério de uma obra de arte desprovida de assunto ex
plícito; acima de tudo, ela insere a atividade musical no
âmbito da psicologia moderna.
Contudo, a crença de que a música e em essen
cia uma forma de auto-expressão apresenta um paradoxo; fi
losoficamente, estaciona quase no seu próprio começo. A
história da música tem sido uma- história de formas cada
26
vez mais integradas, disciplinadas e articuladas, muito
semelhante à história da liL"::fuagem, importante a partir do
momento em que se desapega de sua antiga fonte nos gritos
expressivos, e se torna denotativa e conotativa mais do
que emocional.
As leis de catarse emocional sao naturais,não
artísticas. As exclamações usuais como "Ah~" "Oh-oh!"
não são criações, mas hábitos verbais; até a afirmação da
enunciação do pensamento não se baseia no fato de que tais
palavras foram imaginadas com propósitos psicocatárticos,
mas de que são tabus, e a quebra de um tabu produz alívio
. 114 emOClona •
Pode-se argumentar que ao tocar música o in-
divíduo busca e freqüentemente encontra, auto-expressão.
A imensa variedade de interpretações que diferentes exe
cutantes ou ouvintes dão à mesma peça ~ diferenças até
de conteúdos gerais de sentimento, como tristeza, raiva,
alegria, impaciência - faz parecer que esses deviam ser
os próprios sentimentos do compositor no momento da cria
ção artística. No entanto, ele não poderia provavelmente
ficar sentindo todas as diferentes emoções que sua compo
sição parece capaz de expressar. O certo é que a música
pode ser usada para descarregar experiências subjetivas e
restaurar o equilíbrio pessoal, mas essa" nao é sua função
primária.
Se a música tem qualquer sigr!ificação, é se-
mântica, não sintomática. Seu significado não é o de um
estímulo para provocar emoçoes i seu contelià.o emocional
27
cor responde ao conteúdo conceitual da linguagem - é emi
nentemente simbólico. A música não é a causa ou a cura de
sentimentos, mas sua expressão lógica; assim, ela tem mo
dos especiais de funcionamento, que a tornam 'identificá
das com a linguagem, e até com os símbolos representati
vos, como imagens, gestos e ritos.
Segundo Hugo Riemann, realizaram-se várias ten
tativas de tratar a música como linguagem de emoções, em
bora nenhuma se mostrasse realmente satisfatória. Ao que
parece, o que impediu o progresso do problema central da
forma significativa foi a falta de entendimento dos mo
dos pelos quais as estruturas lógicas podem entrar em vá
rios tipos de significação. Uma dificuldade inerente
ao nosso tempo -o obstáculo do excesso de conhecimento,
que força a aceitação das chamadas "descobertas" de espe
cialistas em outros campos, descobertas que nao se efe
tuaram com referência às investigações estéticas, e fre
qüentemente deixam de lado o que seria mais importante .
Riemann declarou que a estética musical pode e deve acei
tar as leis da lógica e as doutrinas dos lógicos
Na estética musical a questão central é a que
envolve a lógica interna do simbolismo. O problema con
cerne à estrutura lógica de um tipo de símbolo que os ló
gicos nao usam e, portanto, não se interessariam por ele.
~ um problema filosófico, que requer um estudo lógico e
envolve a música: ser capaz de definir o significado mu
sical adequada e precisamente, mas para um contexto e um
propósito artísticos, e não positivísticos, é a chave de
28
uma filosofia do simbolismo.
A suposição de que a música é um tipo de lin
guagem, nao do aqui e agora, mas de conteúdo conceitualg~
nuíno, é amplamente difundida, embora não de modo tão uni
versal quanto a teoria do sintoma emotivo. o pioneiro
mais conhecido nesse campo é Schonpenhauer; e tornou-se
uma espécie de vered~to aceito que sua tentativa de inter
pretar a música como símbolo do aspecto irracional da vi
da mental, a Vontade, foi acertada, embora sua conclusão,
sendo metafísica, fosse equivocada. Seja como for, sua
contribuição foi, e é indiscutível: a concepção da música
como uma semântica impessoal, real, um simbolismo com um
conteúdo de idéias, ao invés de um sinal da emoção de in
divíduo. O princípio foi logo adotado por outros pensa
dores, embora se polemizasse em torno do conteúdo ideati
vo que se corporificava na linguagem de sons.15
2.3. A Música como "Linguagem de Sentimentos"
Nem todas as concepçoes de semântica musical
eram ingênuas e literais. Ao lado da evolução da pintura
de sons, ocorre o desenvolvimento da música dramática em
um sentido mais subjetivo - música que é projetada e aco
lhida como linguagem de sentimentos, onde os objetos da
29
representação musical sao o amor e a saudade, a esperança
e o medo, a essência da tragédia e da comédia. Não se
trata de "auto-expressão", e sim de exposição de sentimen
tos atribuíveis a pessoas no palco ou personagens fictí
cios em uma balada. Na música instrumental sem ação dra
mática, pode haver uma alta significação emocional que não
seja referida a qualquer sujeito, e a convicção de alguns
autores de programa de que isto é protesto do compositor
contra a vida, grito de desespero, visão de sua amada, ou
tudo o que queiram, é uma fantasia perfeitamente injusti
ficada. A música é uma linguagem de emoção, que expressa
o conhecimento do sentir humano por parte do compositor e
nao corno ou quando tal conhecimento foi adquirido.
Para Wagner, "o que a música expressa, é eter
no, infinito e ideal; ela não éxpressa a paixão,o amor ou
o anelo de um dado indivíduo em uma dada ocasião, mas a
paixão, o anelo ou o amor em si, e apresenta-o-naquela va
riedade ilimitada de motivações, que é a característica
exclusiva e particular da música, alheia e inexprimível
para qualquer outra linguagem,,16 .
Embora romântica, essa passagem expressa, de
modo bastante claro, que a música não é auto-expressã~mas
formulação e representação de emoções, disposições, ten
sões mentais e resoluções de um quadro lógico de vida .
Os sentimentos revelados na música são apresentados dire
tamente ao entendimento, a fim de que se possa apreendê
los, concebê-los, compreendê-los, sem pre~ender tê-los ou
imputá-los a qualquer outra p~ssoa.
30
o conteúdo da arte é sempre real. Mas se • o
conteúdo for a vida de sentimento, impulso, paixão, então
os símbolos que o revelam não serão os sons ou as açoes
que normalmente expressariam esta vida, não são os signos
associados, mas as formas simbólicas, que o transmitem ao
nosso entendimento.
Raros autores que atribuem alguma significação' a
- qualquer tipo de música mantiveram essas várias espécies
de significado estritamente separadas. As emoçoes, por
sua vez, são tratadas ora como efeitos, ora como causas,
ora como conteúdos da assim chamada música emotiva.
Hanslick, opondo-se à concepção romântica de
uma linguagem da música , declarou que a música não tran~
mite quaisquer significados, e que o conteúdo da música
são os padrões de som, dinâmicos ("toenend bewegte Formen"
= formas tonais dinâmicas} e que o tema de uma composi-
ção musical é seu conteúdo apropriado.17
Protestando contra o uso semântico da música,
a representação da vida emotiva, o mesmo autor afirmou:
"Não é mera esgrima de palavras pr~
testar muito enfaticamente contra a
noção de 'representação', porque e~
ta noção deu origem aos maiores er-
ros de estética musical. 'Represe~
-tar' algo s9mpre envolve a concepçao
eVorstellungJ de duas coisas separ~
das e distintas, a uma das quais de
ve ser dada primeiro. por um ato es
31
pecífico. uma relação explícita de
refer~ncia ~ outra»~8
Sua opinião quanto às condições de representa
çao pode, é claro, ser contestada à luz de um melhor co-
nhecimento do simbolismo. O que ele diz se aplica em ge-
ral à expressa0 literal, à científicai mas não é verdadei
ro no tocante a alguns outros modos, que servem mais para
formular conhecimento do que para comunicar seus produtos
acabados.
As pretensões a uma linguagem da música, bem
como as críticas suscitadas, convidam à crítica lógica.As
sim, ao invés de discutir acerca deste ou daquele suposto
"significado", a música deve ser enfocada do ponto de vi~
ta puramente lógico, como uma possível forma simbólica de
alguma espécie. Corno tal, ele precisaria ter caracterís-
ticas formais análogas ao que quer que pretendesse simbo-
lizari quer dizer, se representasse algo, por exemplo, um
evento, uma paixão, uma ação dramática, teria de exibir
uma forma lógica que o objeto também pudesse assumir.
A figura musical que reconhecemos como tal de
ve ser uma figuração sob a qual possamos apreender a coi-
sa a que se refere.
2.4. A Música e as Estruturas Mentais
As estruturas musicais se assemelham logica
mente a certas emoções dinâmicas da experiência humana.
32
. Wolfgang Koehler, o pioneiro da psicologia da
Gestalt, refere-se a vantagem da chamada dinâmica musical
para descrever as formas da vida mental: "De um modo qu~
se geral, os processos interiores, emocionais ou inte-
lectuais, mostram tipos de desenvolvimento aos quais se
pode dar nomes, comumente aplicados a eventos musicais,c~
mo: crescendo e diminuindo, acelerando e retardando. Ele
transpõe esses termos convenientes para a descrição do
comportamento manifesto, a reflexão da vida interior mas
atitudes e gestos físicos. Como essas qualidades ocorrem
no mundo das experiências acústicas, elas são encontradas
também no mundo visual, podendo assim expressar caracte-
rísticas dinâmicas similares da vida interior em ativida-
de diretamente observável. Ao crescente tempo inte-
rior a nível dinâmico correspondem um crescendo e accele-
rando em movimento visível. ~ claro que o mesmo desenvo!
vimento interior pode expressar-se acusticamente, como no
accelerando e reforzando da fala .•• A hesitação e a fal-
ta de determinação interior tornam-se visíveis como o ré-
tardando do comportamento visível ou audível.
Jean D'Udine, por sua vez, concebe a música
como uma espécie de gesto, uma projeção tonal das .formas
do sentir, mais diretamente refletidas na dança ~ . ml.ml.ca
do regente orquestral e todas as gesticulações expressi
vas do regente, são realmente uma dança •.. toda música é
dança .•. Toda melodia é uma série de atitudes. E ain-
da: Todo sentimento contribui, com efei"to, com certos
gestos especiais que nos revelam, pouco a ?Q;lCC. a carac-
"
33
terística essencial da Vida: o movimento •.• Todas as cria
turas vivas estão constantemente consumando seu
ri tmo interno" ~9 Este ritmo - a essência da vida
próprio
e o
plano de fundo para as articulações especiais produzidas
pelo sentir: "Ati a vida mais rotineira apresenta algu-
mas dessas quebras no seu ritmo, fontes de alegrias e tri~
tezas sem as quais seríamos tão inertes quanto os seixos
- da estrada 20 Os ritmos são os protótipos das estrutu-
ras musicais, pois toda arte i apenas sua projeção, de um
campo do sentido a outro, uma transformação simbólica. I/To
do artista i um transformador; toda criação artística
- 21 apenas uma transmutaçao"
-e
Assim como Koehler usa a linguagem da dinâmi-
ca musical para expressar fenômenos psicológicos, com ba-
se em sua analogia formal, D'Udine faz do movimento o pro
tótipo de formas vitais e reduz todas as artes a 'uma es-
pécie de dança. Von Hoeslin compara a dança,' a arte
plástica, ,o pensamento e o sentimento à música por causa
da analogia com as funções da vida: os relacionamentos
fundamentais na música sao tensões e resoluções; e os pa
drões gerados por tais funções são os padrões exemplifica
dos em toda arte, bem como em todas as respostas emotivas.
Onde quer que puros contrastes de idiias produzam uma rea
çao, onde quer que as experiências de forma pura produzam
tensão mental, temos a essência da melodia. Assim ele
descobre Melodias da Linguagem na poesia e Melodias do :?e,!!.
sament:o na vida. Críticos mais propensos ao naturalís-
tico comparavam as formas da música e as do sentir, assu-
34
mindo que a música apresenta padrões de excitação que 0-
correm nos tecidos nervosos, ou seja, nas fontes físicas
da emoção Assim, existem certos aspectos da chamada
vida interior - física ou mental - dotados de proprie-
dades formais similares às da música padrões de movi-
mento e repouso, de tensão e alívio, de concordância e
discordância, de preparaçao e de efetuação, de excitação
- e de mudança súbita.
o primeiro requisito para um relacionamento
conotativo entre música e experiência subjetiva é uma cer
ta similaridade de forma lógica. Não resta dúvida de que
as formas musicais possuem determinadas propriedades que
permitem o seu uso simbólico: compõem-se de muitos itens
separáveis, facilmente produzidos e combináveis em vários
modos; em si, não representam nenhum papel prático impor
tante capaz de lhes eclipsar a função semântica: são pro~
tamente distinguidas, lembradas e repetidas; e 'finalmente,
têm notável tendência para modificar mutuamente os carac-
teres em combinação, do mesmo modo que as palavras, em
que todas servem a cada uma como contexto Os requisi-
-tos puramente estruturais de um simbolismo sao satisfei-
tos pelo fenômeno tonal chamado, "música •
Entretanto, a música não é uma linguagem, pois
não dispõe de vocabulário. Chamar os tons de lli~a escala
de palavras, a harmonia de gramática e o desenvolvi-
mento temático de sintaxe é urna alegoria inútil, pois
os tons carecem de conotação fixa ou significado lexical •
Além disso, um tom tem muitos aspectos que entram na no-
35
çao de significação musical, mas não na harmonia. Esses
aspectosforarn estudados, do ponto de vista psicológico,em
uma obra competente e cuidadosa. Kurt Huber investigou
a sucessiva emergência de fatores expressivos na apreen-
são dos padrões tonais mais simples possiveis -padrões de
entoação simples de dois a três tons, despidos de todos
os elementos contextuais de timbre, ritmo, volume, etc. ,
devido à sua produção uniforme por instrumento elétrico ,
em sucessao cronometrada e força igual.
Os resultados das experiências de Huber sao
significativos:
"1)0 estágio mais baixo da apreensao de
tom produz uma impressão de cor de
tom do complexo tonal inteiro ou de
uma diferença entre cores tonais dos
tons separados.
2)Os significados transmitidos pela
impressão de brilho tonal envolvem
estados ou qualidades ou suas mudan
ças. isto é. mudanças passivas. A
imaginação de um evento não ocorre
sem uma impressão de movimento to
nal.
3]0 fator mais primitivo na percepçao
do movimento tonal é o sentido de
sua direção. o que. de acordo com o
autor. "constitui o ponto de parti
da daquele simbolismo psicológico
de figuras (psychische Gestaltsyrnb~
lik) que encontramos na tendência
de relacionar motivos musicais com
sentimentos.
36
4)A apreensao de uma amplitude de in
tervalos tonais independe deste sen
tido de direç~o; e "todo simbolismo
espacial na interpretaç~o de moti-
vos tem suas ~ ralzes nessa imp~ess~o ~
de dist~ncia intertonal.'
5)A idéia de um passo musical requer
uma percepçao conjunta de distância
e direç~o tonais. "Nâo estamos exa
gerando se tornarmos toda interpre
taç30 psíquica superior diretamente
dependente da apreens~o das -formas
de intervalo ou. pelo menos. se as
considerarmos como imediatamente re
lacionadas a elas.
6)Impressões de consonância. dissonân
cia e parentesco (Zusammengehoeri~
keit) requerem a noç~o de passo mu
sical ou progressão (não foram da
dos tons simultãneos; a pesquisa b~
seava-se em elementos melódicos).
7)Um acento subjetivo pode-simplesme~
te recair sobre o tom que é mais im
portante do ponto de vista harmôni
co quando o ouvinte organizou o in
tervalo; ele sugere ou nao. uma es
trutura rítmica.
8lA ritmização subjetiva. quando ocor
reI baseia-se na acentuaç~o mental.
Na medida em que a acentuação men
tal pode ocorrer sem qualquer ênfa
se real (como sucedeu necessariamen
te nessas experiências). resulta que
o problGma do ritmo na m~sica -nao
pode ser solucionado por mera refe
rência ao tambor e à mar caça0 de
passo dos dançarinos. Huber distin
gue entre semelhante medida purame~
37
te temporal e o "ritmo musical".qui
mais tarde resulta da organização
interna e tonal do motivo.
Assim parece deste ponto de vista
(que é compartilhado. incidentalmen
te. por Ohmann) que o ritmo m~sical.
em contraste com o mero ritmo temp~
ral das medidas. origina-se nas· re
lações de Gestalt interiores ao pr~
prio motivo. Esta conclusão corro
bora pela evidência científica as
doutrinas de Heinrich Schenker no
tocante ao compasso e ritmo. isto e.
que o ritmo é função do movimento to
nal. não da divisão de tempo; seme
lhante movimento depende tanto da
tensão melódica e harmõnic~ e da di 22
reção quanto do compasso.
Dessa maneira, vários fatores expressivos es-
tão envolvidos nas mais simples estruturas mus.icais e exer
cem funções na transmissão da mensagem musical. As infle-
xões de voz entram também na "expressividade musical" da
fala, mas não alteram o conteúdo de uma enunciação ~,'
que é somente determinada pelo vocabulário e pela
sintaxe, pois no máximo podem afetar nossa reaçao à decla
raçao. Os fatores semânticos musicais, todavia, nunca fo-
ram isolados. Os estudos de Schweitzer e Pirro , que
investigaram o vocabulário emocional de Bach, correlacio
nando figuras musicais com as palavras que ele comumente
lhes atribui, indicam certas associações na mente de Bach,
talvez também convençoes aceitas de sua epOCn ou de sua es
33
cola, mais do que leis musicais de expressa0. Segundo Hu-
ber observou na sua investigação, '-é impossível determinar
o valor expressivo absoluto de intervalos separados (ter-
ceiro, quinto etc.) porque seu diapasão absoluto afeta a
clareza dos seus constituintes e, com isso, suas qual ida-
des de contraste, apreensibilidade etc.
A música, embora não tenha as propriedades ca
~racterísticas da linguagem - termos separáveis com conota
ções fixas e regras sintáticas para derivar conotações com
plexas sem qualquer perda para os elementos constituintes-,
pode ser um símbolo apresentativo e apresentar experiência
emotiva por meio de formas globais que são indivisíveis co
mo os elementos do claro-escuro. Esse ponto de vista já
foi sugerido Parece particularmente difícil apreender
a idéia de que algo possa ser conhecido e não possa ser
denominado. Assim, filósofos e críticos negaram a simboli
zação musical da emoção, baseados no fato de que,como Paul
Moos o'expressa, Ma música instrumental pura é incapaz de
traduzir até os sentimentos mais comuns, tais como amor ,
lealdade ou ira, de maneira não ambígua e distinta, por
~3 seus próprios poderes sem ajuda' - . Heinrich, igualmente,
afirma: "Existem muitas obras musicars de alto valor ar-
tístico, que nos desconcertam completamente quando tenta-
mos denotar por urna palavra o estado de ânimo que suposta-
mente transmitem. Só isto basta para tornar inteiramente
insustentável a concepção da música como arte sentiment.al 24
ou arte de expressar sentimentos" . A. Gehring, salien-
tando que não se pode provar que toda frase ou figura musi
39
cal signifique algum sentimento, memória ou idéia denominá
vel, declara: "Até que isso seja feito, precisamos negar
que a sirnbolização seja responsável pelo encanto essencial
da arte".25
Os argumentos acima baseiam-se nas suposições
de serem absolutas as rubricas estabelecidas pela lingua-
gem, de modo que qualquer outra semântica tem de efetuar
as mesmas distinções que o pensamento discursivo e indivi
dualizar as mesmas coisas, aspectos, eventos e emoções. O
" que é criticado por esses autores é na realidade a força
da expressividade musical: a música articula formas que a
linguagem não pode expor. Justamente porque a música nao
possui a mesma terminologia e o mesmo padrão, ele serve -a
revelação de conceitos nao -' verbais. Traduzir "os sen-
timentos mais comuns, corno amor, lealdade ou ira, de manei
ra não-ambígua e distinta", seria duplicar o que as denomi
naçoes verbais fazem com bastante clareza.
Por serem as formas do sentimento humano mais
congruentes com as formas musicais do que com as formas da
linguagem, a música pode revelar a natureza dos sentimen-
·tos' com um pormenor e uma verdade de que a linguagem nao
-consegue aproximar-se. Essa peculiar expressividade da mu-
sica, corno semãntica de fatos vitais e emocionais, foi des
coberta por Huller, colaborador do Beitraege zur Musik de
Marpug. Segundo esse autor, "há sentimentos tão cons-
tantemente suprimidos pelo tuml!lto de nossas paixões, que
só logr~n revelar-se timidamente e são praticamente desco-
nhecidos -para nos. Note-se, ,todavia, que resposta um
40
. certo tipo de música provoca em nossos coraçoes: ficamos
atentos, ela é encantadora; ela nao visa a despertar tris-
teza ou alegria, piedade ou ira, no entanto, somos tocados
por ela. Somos tocados tão imperceptível e gentilmente que
nem sabemos que fomos afetados, ou antes, que nao podemos
dar nome algum ao afeto. . Na verdade, é completamente
impossível nomear todas as coisas fascinantes na música, e
- submetê-las a cabeçalhos definidos. Por conseguinte, a mú
sica cumpriu sua missão sempre que nossos corações estive-
" rem satisfeitos" 26.
Muitos autores deram ênfase à impossibilidade
de interpretar a "linguagem dos sentimentos", embora admi-
tissem que sua função era revelar emoções, estado de espí-
rito ou sutis afetos inominados. Liszt advertiu contra a
prática de expor o conteúdo emotivo de um poema sinfônico,
"porque, nesse caso, as palavras tendem a destruir a magia,
a profanar os sentimentos e a quebrar as estruturas mais
delicadas da alma, que assumiram tal forma apenas porque
eram incapazes de uma formulação em palavras, imagens ou
0d'" o ".27 ~ e~as.
Os autores que nao admitem que a música possa
ser uma linguagem de sentimentos, parecem achar que, se as
estruturas musicais realmente possuíssem significação, dei
xariam de ser musicais; relacionando-se a'qualquer outra
coisa que nao a elas próprias, essas estrut,uras deixariam
de ser autônomas, e, portanto, seria a "destruição" da mú
sica •
Contudo, os críticos da teoria do cO:lteúdo
41
emotivo, ao negar a própria possibilidade de qualquer con-
teúdo da música, incorreram no ponto de vista que reduz a
questão em termos de forma e conteudo. Â dicotomia - si~
nificante ou sem sentido - tentaram responder com o arti-
fício de que a forma musical é seu próprio conteúdo: sig-
nifica a si própria. Essa evasiva foi sugerida por Hans-
lick quando afirmou: "O tema de uma composição musical
- seu conteúdo essencial ,,~8 Embora isso fosse uma evasiva
tornava-se cada vez mais difícil resolver o problema
-e
,
do
conteúdo, e, assim, a auto-significação foi elevada à con-
dição de doutrina Na . reàlidade. constituía apenas
uma defesa contra toda e qualquer atribuição de conteúdo
específico à música.
O problema da "forma significante" na música
levantou a seguinte questão: ligar qualquer estrutura to-
nal a um significado específico e descritível limitaria a
imaginação musical e, provavelmente, colocaria· a preocupa-
çao com os _.sentimentos em lugar da atenção sincera à músi-
ca. Para Hanslick, "ê um cantar interior, e não um sentir
interior, que induz uma pessoa talentosa a compor uma peça
musical,,29. Portanto, não importa quais sentimentos sao
em seguida atribuídos à peça, ou à pessoa; sua responsabi
lidade ê apenas a de articular a "forma tonal dinâmica".
Paradoxalmente, certas formas musicais supor-
tam igualmente uma interpretação triste e outra feliz, o
que nao invalida a noção de significância emotiva, mas =on
firma a justeza de pensadores que recuam diante da admis
são de significados específicos. O que a música pode efe-
42
tivamente refletir é apenas a morfologia do sentimento, e,
portanto, é plausivel que algumas circunstâncias tristes e
outras felizes tenham uma morfologia semelhante. Essa per
cepçao levou alguns musicólogos, de propensao filosófica,a
supor que a música transmite formas gerais do sentir, rela
cionadas a formas especificas, assim como as expressões aI
gébricas se relacionam às aritméticas. As idéias formula-
-das por Moritz Hauptmann'- e Moritz Carriere apontam pa
ra o valor intelectual da música, sua relação intima com
conceitos, não por causa de suas dificeis "leis" acadêmi-
cas, mas em virtude de suas revelações. De acordo com es
ses pensadores, a música revela o racional dos sentimentos,
o ritmo e o padrão de ascensão, da queda e do entrelaçamen
to destes, sendo, portanto, uma força na vida mental, na
consciência e no entendimento do individuo, e nao apenas
na sua experiência efetiva.
Mesmo Hanslick admitiu essa analogia lógica
entre a música e as emoçoes ; mas insistia em que a músi-
ca não poderia significar algo, porque não considerava na
da exceto a denotação convencional, corno significado.
Hanslick admitiu apenas a similaridade formal
da música e da experiência emotiva, mas negou a legitimida
de de qualquer interpretação ulterior. Os autores que com
preenderam essa formalidade tornaram-na mais pela natureza
do significado musical do que dos sirnbolos musicais. Todos
estavam, porém, muito perto de uma análise correta. A ...
mu-
sica ostenta todas as marcas de um verdadeiro simbolismo ,
exceto uma: a existência de uma conotação a ela atribuída.
Sendo uma forma capaz de conotação, os significados
quais é acessível são articulações de experiências
43
. aos
emoti-
vas, vitais e sensíveis,r.asa música trabalha essencialmen
te com formas livres, que seguem leis psicológicas ineren-
tes de retidão, e o que interessa são as possíveis arti-
culações sugeridas inteiramente pelo material musical. O
simbolismo assim elaborado possui um princípio de desenvol
- vimento em suas próprias formas elementares - como a lin-
guagem tem 'leis lingüísticas: pelas quais as palavras dão
origem naturalmente a cognatos, estruturas de sentenças a
formas subordinadas, orações indiretas a construções subje
tivas . por atração, inflexões de nomes a inflexões de seus
modificadores por concordância. Nenhuma intenção inte
lectual consciente determina mudanças vocálicas, inflexões,
ou expressões idiométricasi a força do que foi chamado de
sentimento lingüístico ou sentido das palavras o
Espírito da Linguagem , como Vossler diz
formas da fala. 30
desenvolve as
Diferentemente da linguagem, a música conse-
gue "corresponder" à natureza dos sentimentos, pois suas
formas significativas têm aquela ambivalência de conteúdo
que as palavras não podem ter, o que parece ser confirmado
por Hans Hersmanni liA possibilidade de expressar os opos-
tos simultâneamente dá à música, como tal; os alcances mais
intrincados da expressividade, e a conàuz, neste particu
lar, muito além dos limites de outras artes·d1 .
A música possui características próprias, pu-
ramente auditivas, que tI~ontêm intrinseca.-::ence certas pro-
44
priedades que, devido à sua estrita semelhança com certas
características subjetivas, são com freqüência confundidas
com as emoções propriamente ditas".32 Mas esses caracte-
res auditivos não são absolutamente emoções. "Eles mera-
mente soam ao modo corno as disposições de ânimo sentem".
No mais das vezes, tais caracteres formais da -mu -
sica ficam inominados: "são simplesmente o que a música
-é" .
A noçao de que certos efeitos da música sao
a tal ponto parecidos com os sentimentos que passam a ser
identificados com eles, embora sejam inteiramente diversos,
pode ocasionar confusão. Até serem abstraídas de modo cons
ciente, as formas simbólicas "implícitas" são indistingl1i-
veis dos objetos que simbolizam. Trata-se do mesmo prin-
cípio que faz com que os mitos sejam acreditados, os nomes
que denotam poderes sejam dotados de poder e os sacramen-.~
tos sejam tornados por atos eficazes; o princípiO foi expo~
to por Cassirer, no seu estudo sobre as estruturas do pen-
samento mítico: "~ típico das primeiras manifestações ingê
nuas e irreflexivas do pensamento lingÜístico, bem como da
consciência mítica, que o seu conteúdo não seja dividido
abruptamente em símbolo e objeto, mas ambas tendam a unir-
f -f . t t' d' f . ~ " 33 .,.., . se em uma usao per el amen e ln l erenClaca ~sse prln
cIpio demarca a linha entre a "consciênc{a mítica" e a
"consciência científica", ou entre a concepção implícita e
explícita da realidade. A música é um mito da vida inte-
rior, e corno tal deve ser entendida e analisada.
'o,
45
NOTAS 29 capítulo
1. REID, L. A. (apud Langer). Filosofia em nova chave,
Perspectiva, 1971. p. 206.
2. LANGER, Suzane. Filosofia em nova chave, 1971. Perspec
ti va. p. 2 07.
3. Ibid, p. 207.
4. Ibid, p. 208.
5. Ibid, p. 210.
6. Ibid, (William James) op. cito p. 211.
7. Ibid, p. 211.
8. Ibid (Platão, a República, livro 111) op. cito p. 212.
9. Ibid, p. 212.
10. Ibid, p. 214.
11. Ibid, p. 215.
12. Ibid, p. 215.
13. Ibid, p. 216.
14. Ibid, p. 217.
15. Ibid, p. 219.
16. Ibid (Hanlick) op. cito p. 221.
17. Ibid (Hanlick) p. 223.
18. Ibid (Jean D'Udine) op. cito p. 224.
19. Ibid, p. 225.
20. Ibid, p. 225.
21. Ibid, p. 225.
22. Ibid, p. 228.
23. MOSS, Paul (apud Langer) op. cito 1971. Filosofia em no
va chave. p. 231.
24. HEINRICH (apud Langer) op. cito 1971. Filosofia em nova chave. p. 231.
46
. 25. GEHRING, A. (apud Langer) op. cito 1971. Filosofia em nova
ch ave. p • 2 31 •
26.LANGER, Suzan. op. cito 1971. p. 233.
27. Ibi~, p. 234
28.HANSLICK, Eduard. De lo be110 en na Musica. 1947.p. 133.
29.HANSLICK, op. cito p. 75.
30. LANGER, Suzan op. cito p. 238.
31. Ibid, p. 241.
32. Ibid, p. 242.
33. Ibid, p. 242.
47
3. ESTtTICA E PEDAGOGIA
3.1. A Arte como Criação do Homem
Segundo Ernst Fischer, a arte é o meio funda
mental e indispensável para a união do indivíduo com a so-
ciedade como um todo; reflete a infinita capacidade humana
para a associação, para a circulação de experiências e i-
déias.
A função da arte nunca permanece inteiramente
a mesma. O sentido da arte em uma sociedade de classes di
fere em vários aspectos do seu papel original. Entretan-
to, apesar das condições sociais diferentes, existe alguma
coisa na arte que expressa uma verdade fixa. ~ algo in-
trínseco que surge quando contemplamos as pinturas pré-hi~
tóricas das cavernas e as canções muito antigas.
Para Ernst o importante -e o poder da arte de
se sobrepor ao momento histórico e exercer um fascínio per
manente.
.. Ernst Fischer, afirma:
Toda arte e condicionada pelo seu
tempo e representa a humanidade em
consonância com as·idéias e aspira
ções. as necessidades 8 as esperan
ças de uma situação histórica par
ticular. Mas. ao mesmo tempo. a ar
te supera 8ssa limiteção 8. dentro
do momento hist6rico. cria tamb9m
48
um momento de humanidade que prome~
te const~ncia no desenvolvimento." 1
A arte é uma atividade humana. ~ uma forma
de trabalho, e o trabalho é uma característica do homem.Se
gundo Marx,
"o processo do trabalho ~ ( ..• ) ati
vidade deliberada ( ••. ) para a adaE
tação das subst~ncias naturais aos
desejos humanos: ~ a condição geral
necessária para que se efetue um in
terc~mbio entre o homem e a nature
za; ~ a condição permanente imposta
pela natureza à vida humana e. por
conseguinte. independe das formas
da vida social ou. melhor. e comum 2
a todas as formas sociais."
o homem possui a capacidade de, através do
trabalho, transformar a natureza. O homem sonha em mudar
os objetos, criando outras formas através de meios mági-
cos. Isso é uma forma equivalente na imaginação do que o
trabalho significa na realidade. Assim, o homem é, por
. ~. ... . prlnclplo, um maglco:
"Devemos considerar o trabalho como
forma de atividade peculiar à espé-
cie humana. Uma aranha realiza op~
raçoes lue se assemelham às de um
tecelão; e muitos arquitetos hão de
se sentir. encabulados em face da ha
,
49
bilidade com que as abelhas cons-
tróem suas colmeias. Porém o que.
desde o início. distingue o mais i
nepto dos arquitetos da mais efici
ente das abelhas é que o arquiteto
constrói a célula na sua cabeça an
tes de construí-la na cera. O pro
cesso de trabalho resulta na cria
ção de algo que desde o princípio ~
xistia numa forma ideal. Não ocor-
re apenas uma mudança de forma pro
vocada pelo trabalhador nos objetos
naturais; ocorre. ao mesmo tempo. a
realização de propósitos humanos em
objetos que existiam na natureza.i~
dependentemente do homem. Em tais
objetos. o homem realiza seus prop~
sitos. os propósitos que estabele
cem as leis da sua atividade.os pr~
pósitos dos quais devem subordinar-3
se aos seus próprios desejos".
o trabalho assim definido já alcançou o seu
completo desenvolvimento, atingindo também o seu estágio
efetivamente humano. Contudo, existe ainda um longo cami-
nho a ser percorrido antes de ser realizada essa forma fi-
nal do trabalho.
Essa açao decorrente é o resultado de um pro-
pósito - assim como o nascimento da inteligência e da
consciência, como primeira criação do homem foi a conclu-
são de um longo e trabalhoso processo.
Dessa forma apareceu a linguagem como meio de
expressa0 e comunicação entre os· homens, desenvolvendo um
50
trabalho em que semelhante sistema nao apenas seria possí-'
vel como necessário.
A linguagem é uma criação humana, possível de
vido ao surgimento da palavra' através do trabalho.
o aparecimento da linguagem coincide com o
dos instrumentos. A linguagem não é tanto um meio de ex-
pressão como de comunicação. O homem gradativamente se fa
miliarizou com os objetos "e deu-lhes nomes tomados à natu
reza, imitando a natureza tanto quanto lhe era possível em
seus sons Era uma pantomima, em que o corpo e os
gestos cOlaboravam,,4. A linguagem original era constituí
da de uma unidade de palavras, entonação musical e imita
ção por gestos.
3.2. Da Estética do Belo à Estética da Arte
Para um exame crítico, em um primeiro momento
ressalta a questão da arte e do homem nas teorias estéti-
cas do passado e da justificação da estética da arte como
base da pedagogia estética.
A distinção entre a estética do belo e a es
tética da arte é uma criação dos filósofos. A.G. Baumgar
ten, provável criador da estética identificada como a ciên
cia do belo, em trabalho publicado em meados do' século
XVIII, assinala o fim da época dogmática na estética e o
início da fase crítica, da qual o principal representante
51
foi Kant. Na obra de Baumgarten, nasceu uma disciplina
que tinha por objeto o belo e a beleza como perfeição do
conhecimento.
o sentimento do belo intervém no processo do
conhecimento. Armand Nivelle atribui a Baumgarten a cria
ção de uma nomenclatura nova para uma coisa antiga, e a
elaboração de uma teoria do conhecimento sensível, oposta
-à da lógica. A estética transforma-se em uma disciplina
que orienta as operações da sensibilidade, da mesma forma
, que a lógica dirige a intelig~ncia5
A estética, como ci~ncia do conhecimento sen-
sível, baseia-se na noção de que a perfeição e a· beleza
constituem seu objeto formal.
Não se trata de uma ciência do conhecimento
sensível e acabado, mas de uma ciência do conhecimento sen
sível perfeito, entendendo-se como perfeição a harmonia dos
tr~s elementos - conteúdo, disposição e a expressão. Para
Baumgarten,_. esse conhecimento sensível perfeito é a beleza.
Em sua opinião, a beleza é 'a perfeição do conhecimento sen
sível como tal6
Numerosos autores ocuparam-se do problema da
estética. Os alemães e os ingleses consideram a noçao da
beleza de uma forma muito diferenciada e têm investigado i
gualmente as demais categorias estéticas ..
Partindo da concepção de Baumgar-ten, os gran
des sistemas filosóficos e estéticos provocaram uma evolu
çao da. estética: da estética do belo à estét.Lca da arte.
Segundo Tolstoi, a arte não é id~ntica ao be-
52
lo. Ele concebe a estética partindo de um critério qu~
nao seja o da beleza. Seu ponto de partida é uma crítica
a toda doutrina estética baseada na estranha noçao da bele
za, que parece tão simples a todos os que falam dela sem
reflexão, porém que nada chega a definir.
Tolstoi declara-se contrário a teoria de Baum-
garten, nao reconhecendo nela a idéia de beleza, mas ape
nas a do prazer pessoal, sem valor teórico. Para o utopis
mo ingênuo de Tolstoi, a arte tinha um papel muito mais am
pIo do que apenas o de proporcionar p~azer estético.
A arte se apresenta como um elemento indispen
sável ao homem e à sociedade: "A arte é uma forma da ativi
dade humana que consiste, para o homem, em transmitir sen
timentos a outros, consciente e voluntariamente, por meio
de determinados sinais exteriores"?
Essa definição da função da arte implica uma
pluralidade de valores estéticos, já que os sentimentos co
municados pela arte podem ser muito variados.
Tolstoi reconhece na arte um meio de união en
tre os homens, o que implica já certas funções educativas.
Junto das suas idéias ingênuas, e que hoje são considera
das antiquadas, encontram-se algumas observações importan
tes acerca do papel que a arte desempenha na vida humana.
Tolstoi distingue uma contradição entre a emo
çao estética e o sentimento da beleza: ., à vista dos sofri
mentos mais terríveis, comove-nos um sentimento de compai
xão, de simpatia; de admiração pela grandeza da alma da
pessoa que sofre; e por outro lado, a vista de uma figura
'.
53
de cera, por mais bela, poderá por acaso, nao causar emo-
I .8 çao a gwna'
o pensamento de Tolstoi, atualmente, é válido
apenas do ponto de vista histórico. Seu mérito está na
tentativa de superar a estética do belo e na reflexão so-
bre as perspectivas de wna estética da arte.
As idéias de que a arte 'parece estar ligada à
~moral e à sociabilidade, muito mais que à beleza, parecem
ser o ponto comwn dos pensamentos de Tolstoi e Guyau. Essa
conclusão provém de Guyau e das teorias sociológicas, a-
poiadas em reflexões sobre a moral e a vida emocional do
homem, sempre vista em wn determinado contexto social.9
A posição de Tolstoi foi criticada por Eduar-
do Abramowski. Esse pensador do final do século XIX -nao
se declara adversário do seu tempo, mas o considera favorá
vel ao contato do homem com a arte.
o ponto central das idéias estéticàs de Abra-
mowski saoas de aspecto social. Segundo elas, as refor-
mas econômicas e sociais têm facilitado as massas ao ócio,
e por conseguinte também a arte. Para Abramowski, trata-
se de fazer com que a arte penetre na vida hwnana e de tor
nar o homem capaz de usufruir dela.lO
Abramowski reconhece na arte wn importante fa
tor para a vida hwnana, opondo-se, entretán~o,à idéía tols
toiana da arte-comunicação. Afirma que as funções da arte
para o homem têm wn caráter mais profundo e mais individua
lizado, negando-se a aceitar a primazia das funções exerci
das pela arte, Abramowski defende CO!l
denado por Tolstoi e identificado com o prazer.
54
Como psicólogo, Abramowski penetra profunda-'
mente a experiência estética individual. Toda atitude hu
mana está marcada por um caráter intelectual, e a açao de
pensar é, para Abramowski, uma função habitual do ser huma
no.
De acordo com esse autor, a psicologia da be
leza decide a essência da arte.
Como a obra de arte expressa a verdade emocio
nal do momento, o valor dessa obra consiste em um "clima
" emocional", caracterizado pela sinceridade das emoções, vi
vidas e expressadas. Abramowski considera a música, entre
os gêneros de arte, como o mais capaz de produzir esse "cli
ma emocional".
As reflexões de Abramowski conduzem à idéia
do caráter lúdico da arte e colocam um problema puramente
pedagógico. A estética do belo tem como conseqüência uma
pedagogia baseada na concepção ideal da beleza"que leva
ria o ser humano a realizar-se e a aperfeiçoar-se. Nesse
aspecto, a pedagogia estética parece ser tradicional. Ao
extrair da estética da arte a renúncia ao ideal e a trans
cendência, a pedagogia estética se reserva a penetração e
a compreensão do espírito humano e de sua condição.
Nesse sentido as palavras de Francastel, que
se referem à arte moderna, valem para a atitude da estéti
ca enquanto reflexão sobre a arte: "Não se trata de liris
mo, trata-se de psicologia"ll.
~ oportuno justificar as raízes estéticas da
educação pela arte, válida para nossa época, pois elas fer
mam o conjunto de um trabalho que pode ser
junto aos jovens:
5'5
desenvol vido'
1) o relacionamento entre a arte e o homem apresenta um
problema atual, vivo, dinâmico, já que existem meios mais
aperfeiçoados para melhorar intensivamente as relações do
homem com a arte. O que é considerado pedagogia estética
não somente se refere à juventude, como também impõe-se a
-vida do homem de hoje, pois se apóia, sobretudo, em argu
mentos provenientes das condições da vida moderna;
2) na pedagogia estética, trata-se mais da atitude do espí
rito aberto, para se formar um meio de educação pela arte,
com uma justificação teórica, primeiramente nas concepções
da estética da arte, ou melhor, da estética moderna. Para
isso, há que considerar a importância das concepçoes esté
ticas do passado, cujas raízes interferem no aspecto atual.
A estética da arte deve ser estudada de uma
maneira mais profunda. Em suas concepçoes, com enormes va
riações, encontra-se uma teoria válida para a formação do
espírito aberto. Para refletir criticamente sobre as
idéias assinaladas, e para que se possa aplicá-las ao pla
no de experiência, torna-se necessário ver as tentativas
anteriores de uma definição teórica da pedagogia estética.
Nesta breve apresentação das teorias estéti
cas, antigas e contemporâneas, relativas à questão da arte
e do homem, não há conclusão geral. As teorias sofrem va
riações em si mesmas.
56
. Segundo o ponto de vista de cada concepçao teó
rica, a arte desempenha funções diferentes na vida do ho-
mem. A arte que diverte e a arte que ensina, a arte que
cura e a arte que toca simultaneamente a percepção da rea
lidade, a ampliação da vida interior do homem e o aprofun-
damento de seus conhecimentos, enriquecendo sua vida.
Assim, a educação pela arte pertence tanto ao
-domínio da pedagogia corno da estética. Embora seja urna
questão atual, esse relacionamento não é muito apreciado
por ambas as disciplinas. Há que considerar que elas es-
tão em campos diferentes, mas nao opostos. Uma delas diz
respei to à reflexão teórica - a arte - e a outra trata
de aspectos demasiadamente práticos - a pedagogia.
3.3. A Educação pela Arte
La pedagogie e4~ un a4~~ . e~ l'a~~
es~ le...plu..ó ...i.Yló.e.u.en~e de. te4 m·â...i.~~e4.
EmiZe Jaques DaZcroze
A questão da arte como criação do homem assi
nala urna oportunidade de conciliação entr.e os domínios ci
entíficos: a pedagogia e a estética.
Para Emile-Jacques Dalcroze, autor de lli~ méto
do de ensino musical que será examinado mais adiante, a pe
dagogia é urna arte, e a arte é o mais ativo agente da edu-
-caça0.
57
Até o momento, a educação estética sempre ocu
pou um lugar secundário nas questões pedagógicas. Não obs
tante, conserva sua particularidade e tem sua história. Suas
raízes estão ligadas na antiguidade através das concepções
de Platão. Nessa época, os princípios estéticos haviam d~
sempenhado, tanto na teoria como na prática da educação,um
papel fundamental. Com a evolução histórica, ela tornou-
-se cada vez menos sensível a educação. Não por acaso tem
se tentado estabelecer um paralelo entre a educação ateni
ense e as idéias da Nova Educação. Na verdade, desde os
tempos de Platão e durante o período helenístico, os pen
sadores ocupavam-se muito pouco da educação estética, preo
cupando-se com questões estritamente ligadas ao ensino ar
tístico.
Na época medieval, já havia um interesse nas
funções da arte, especialmente na música e no teatro.
A educação artística na Idade Média tinha um
caráter espontâneo e foi se transformando em uma especiali
zaçao profissional, reservada a um grupo restrito de pes
soas, preferia-se falar de ensino artístico, ao invés de
educação estética.
No domínio do ensino geral, alguns poucos pe
dagogos, mais sensíveis ao processo educativo em sua tota
lidade, cuidavam em certas oportunidades de introduzir nas
escolas o trabalho artístico.
No estudo sobre a Nova Educação, Roger Cousi
net, ao tratar das concepções pedagógicas de Rousseau e de
Tolstoi, versando sobre a liberdade do i~divld~o, designo~
58
as como pertencendo a uma corrente mística. A outra
corrente, que tem um caráter filosófico e científico, tem
suas fontes na psicologia e na pedagogia experimental. Os
nomes de Binet, Decroly, Dewey, Montessori, Stanley Hall
estão ligados intimamente ao nascimento e aos princípios
desse movimento que recebeu o nome de Nova Educação. Embo-
ra existam diferenças de seus interesses particulares p to-
dos esses autores estavam de acordo quanto à concepção da
infância como tal e das necessidades do processo de desen-
volvimento do homem.
Roger Cousinet considera "que a criança traz
em si tudo o que permite uma verdadeira educação, em parti
cular uma atividade incessante, incessantemente renovada ,
em que toda a sua pessoa está comprometida na atividade de
~ 11 12 um ser em crescimento, num 'desenvolvimento contl.nuo
A criatividade da criança recebe um tratamen
to especial, porque ela é considerada como um meio de equi
líbrio interior. O problema da harmonia e da saúde psí-
quica tem constituído um dos princípios da Nova Educação ,
especialmente em seu aspecto prático.
Todas essas idéias têm encontrado partidários
e realizadores que têm cuidado para por em prática os prin
cípios do movimento.
O trabalho realizado pela Nova Educação con
tinua sua influência, sendo atual quando se trata das ati-
vidades pedagógicas de Jacques Dalcroze, de Rudolf Steiner
e de Frantz Cizek.
Rudolf Steiner propbs uma pedagogia baseada
59
. na idéia do ritmo com fundamentos espirituais. Partidário
de uma teoria mística do "equilíbrio interior" do homem,
Steiner nao era somente filósofo e teórico, realizando ele
próprio sua pedagogia. O primeiro local de experiência foi
a Escola Waldorf, de Stuttgart.
Steiner organizou nela todo o ensino segundo
os princípios estéticos. A idéia de princípio, tanto na
-teoria como na prática, era de que a pedagogia havia de re
conhecer a natureza artística da criança e que o pedagogo
havia de experimentar a si próprio como artista. Essa for-
ma de considerar as questões pedagógicas do ponto de vista
estético, segundo Steiner, é o meio para a renovaçao da pe
dagogia.
Desse modo, Steiner sugere como chegará a co-
nhecer o homem em toda sua plenitude e a alcançar a natu-
reza humana. A educação é, por conseguinte, o conhecimen
to da criança, não sendo mais que o primeiro passo para o
conhecimento do homem em geral. "Se pudermos fazer surgir
das profundidades da natureza humana poderes de conhecimen
to, graças aos quais resulta a possibilidade de seguir o
" ser humano sua evolução, o ser humano em geral: corpo, al-
13 ma e espírito .
Para Steiner, todo processo de educação iden
tificado com a educação estética há de corresponder às di
versas etapas de evolução interior e biológica do homem.
A criança parece ser um imitador de tudo o
que ocorre a sua volta até os 7 anos de idade. No segundo
período, dos 7 aos 14 anos, a criança transforma-se em alu
60
no e requer métodos de ensino adequados. No terceiro pe-
ríodo, o da adolescência, isto é, dos 14 aos 21 anos, quaE.
do o ser humano começa a viver de imaginação, Steiner re-
comenda uma educação estética. Considera todas as parti-
cularidades necessárias, em relação aos diversos períodos
do processo de desenvolvimento do ser humano.
De acordo com Steiner, existem formas comuns
-a toda educação. Esta propoe-se a urna tarefa de colocar . 14 .
em atividade o que é espiritual na cr1ança Este obje-
tivo somente poderá ser alcançado através de métodos artís
ticos. Nas escolas que trabalham com o? princípios de
Steiner, as crianças se aperfeiçoarnem nUmerosas ativida
des que constituem um fator de expansão e readaptação. Jun
to aos trabalhos manuais e ao desenho, é a música que pene
tra toda a educação, parece estar de acordo com os interes
ses principais da Nova Educação.
Para Steiner, "a música é antes 'de-tudo um
ritmo que se prolonga no sistema rítmico do ser humano em
si mesmo"l5 •
Com o objetivo de valorizar estes "ritmos in-
teriores" do homem, Steiner elaborou a teoria chamada "Eu-
ritrnia", tendo como base o fato visível através do gesto.
Trata-se, pois, de uma rítmica muito particular, de uma
síntese profunda da educação musical e do 'ritmo. Steiner
crê na existência do ritmo interior no indivíduo, ritmo
que somente pode ser descoberto por meio da arte. Para
Steiner, a educação artística está inclusive, na base de
educação moral.16
61
Obviamente, essa pedagogia está imbuída de um'
espírito místico.
Mesmo assim, o princípio do ritmo foi o ponto
de partida da concepção pedagógica de Emile Jacques-Dalcr~
ze. Segundo esse músico e educador "uma educação pelo rit
mo e para o ritmo não pode senão facilitar as manifestações
de uma vida harmoniosa e vibrante,,~7
~ uma idéia análoga à de Steiner, porém des-
provida de todo o misticismo e do sentimento religioso pró
prio da "Euritmia".
Para Dalcroze, existe uma interação entre rit
mos psíquicos e ritmos físicos. A educação musical propõe
se, pois, a aproveitar as relações entre os movimentos do
corpo e da alma, entre as sensações, os sentimentos e as
emoçoes. A iniciação ao ritmo pelo gesto e pela consciên-
cia do ritmo há de preceder a iniciação ao som, à música.
A educação há de ocupar-se dos ritmos do ser humano, para
que a criança, e, mais tarde, o adulto utilizem de modo
18 harmonioso todas as suas funções corporais e do pensamento.
A pedagogia prática de Dalcroze, célebre no
mundo inteiro, baseia-se na ginástica rítmica. Consiste em
exercícios repetidos, graças aos quais os ritmos naturais
do corpo despertam e se desenvolvem, paulatinamente, nao
se estabelecendo relações entre os ritmos corporais instin
tivos e os formados pela sensibilidade e pela vontade.
Dalcroze achava que o corpo poderia conver-
ter-se em um instrumento de arte A educação realizar-
se-ia com essa finalidade, cuidando de "suprimir todas as
"
62
resistências de ordem intelectual e física que i':npeçam ao
homem manifestar-se segundo seu ritmo individual,.l9 •
Os fins da educação eram considerados de modo
muito amplo e consistiam no despertar da personalidade e
na harmonia interior. Essa é a razão pela qual considera-
mos a concepçao de Dalcroze pertinente às idéias da educa-
çao pela arte.
Esse autor dedica-se com igual interesse -a
educação estética e, em particular, à educação musical.
Dalcroze atribui uma grande importância ao de
senvolvimento da sensibilidade musical na criança e a sua
capacidade de improvisar. A liberdade da criança consti-
tui o ponto de partida da educação musical; é a música que
permite dar-se conta da origem de suas tendências pes-
soais e também dos seus descobrimentos
A educação musical é ao mesmo tempo um convi
te à expressa0 e à experimentação. Dalcroze insiste neste
aspecto da experiência, sobretudo a educação pelo ritmo,e
crê que a variedade dos sentimentos humanos exige a multi
plicidade dos meios físicos de expressa0, e à educação com
pete estimulá-los. A idéia de que "todo ritmo é movimentoll
- 20 define a particularidade dessa concepçao:
IISomente a música é capaz de criar os matizes
de ordem emotiva que enobrecem os movimentos corporais e
fazem deles os tradutores fiéis dos nossos sentimentosll~l
A pedagogia de Dalcroze é uma concepção cen
trada na atmosfera geral da Nova Educação, e ainda reconhe
'.
63
. cida atualmente. Embora seus princípios teóricos tenham
ficado de certo modo ultrapassados, suas experiências prá-
ticas continuam válidas.
A esse educador deve-se a criação do primeiro
método ativo-intuitivo, que procura dar ao educando cons-
ciência rítmica, através do ritmo vivido corporalmente de
maneira viva, ativa, dinâmica e não estática. Daí parte -
-para a simbologia convencional que então já foi experimen-
tada e será assimilada sem nenhum problema. O método de
Dalcroze é essencialmente rítmico. Pressupõe o fato de
que o ritmo vivido corporalmente desenvolve a musicalidade.
Seu método, voltado ã criança e adequado ã iniciação do
solfejo por intermédio da ginástica e exercícios rítmicos
completados pelo canto, possibilita ao educando perceber
melhor os trabalhos de harmonização e ritmo. ~ um método
essencialmente intuitivo, sensorial, ativo: viver para com
preender o fenômeno rítmico e musical.
Dalcroze parte dos ritmos naturais - andar,
correr, ouvir os batimentos do coração - para atingir,por
associação, o ritmo musical e a dança.
Ele considera como fenômenos rítmicos o acen-
to, os valores, as pausas, e como de caráter melódico a
altura, o som, a intensidade, o timbre, uns e outros con-
tribuindo para desenvolver no educando o sentido do ritmo
-e a percepçao.
Para Dalcroze "a finalidade da rí:tmica consis
te em colocar seus adeptos, ao terminar seus estudos, na
situação de poder dizer 'Eu sinto' ao invés de dizer 'Eu
64
sei', e especialmente despertar neles o desejo de expres-
sar-se, depois de haver desenvolvido suas faculdades emoti
vas e sua imaginação criadora,,22.
A música, por suas características, pela ri-
queza de seus elementos, constitui um "objeto" equivalente
e comparável a um ser humano: através do ritmo, a música
afeta o indivíduo à nível corporal, pela melodia atinge a
sua afetividade, pela harmonia e estrutura formal e artís-
tica desperta no homem uma resposta ativa.
Assim, a relação do indivíduo com a música pa
rece adotar pautas similares às que regem as relações en-
tre os seres humanos: se ama, se odeia, se é indiferente ,
se domina e se é dominado, se é apaixonado ou tranqftilo,se
procura ou nao estabelecer uma comunicação, se dá, se re-
cebe e 'se troca.
A música é um "objeto" que a criança conhece
praticamente desde o nascimento, e, talvez, mesmo antes.
3.4. A Evolução da Consciência Rítmica
Ao procurar estabelecer as bases do conheci-
mento rítmico, o educador faz com que a criança realize di
versos movimentos: marcha, movimento dos braços, balanço
do corpo, movimentos estimulados pelo canto e a execuçao
de instrumentos. A consciência intelectual dos ritmos
plásticos e musicais deve guiar o professor para a busca
da perfeição do aluno. A atividade motora se enriquece en
tão com a consciência intuitiva graças à prática. Quanto
menos cerebral seja a criança, menores serao seus movimen-
tos.
A partir do momento em que é necessário pas-
sar ao ato de consciência concreta, cerebral, apropriado
para estabelecer uma teoria, o professor deverá levar em
- conta os estágios de desenvolvimento emocional e intelec-
tual do educando.
A característica do primeiro estágio é a cons
ciência numérica de impactos sonoros. No segundo estágio,
a criança adquire consciência da relação que existe entre
as batidas que ela dá e a duração do tempo. Com este pro-
pósito o educador recorre ao movimento corporal, depois -a
imaginação motora. A criança adquire, assim, a noção do
tempo básico, unidade de tempo. O terceiro estágio é aque
le em que a criança passa da consciência do· t-einpo à forma
rítmica completa, ou seja, um compasso. Os elementos de
intensidade - os acentos - permitem, sem ajuda de cálcu
lo, tomar consciência da unidade superior. As subdivisões
do tempo em valores e temários completam as noções teóri
cas.23
Os três aspectos - vida inconsciente, tomada
de consciência e vida consciente constituem o conjunto
do processo formador da consciência rítimica. Segundo Pia-
get, a criança possui a consciência com as características
de sincretismo, análise e síntese.24
Os estudos atuais relacionados com a alma in-
66
fantil e as suas razoes primitivas, e o progresso da fisio'
logia e da psicologia, tornaram possível avançar no estudo
da consciência rítimica.
O sentido da palavra "ritmo" tem sido usado
para os mais diversos elementos - desde os materiais até
os espirituais -, atraídos pelo aspecto social do ritmo e
suas características.
Através de sua evolução, o ritmo tem-se mani
festado, de acordo com as tendências e o temperamento dos
povos, sob diversos aspectos, apoiado em elementos
riais (instrumentosl e espirituais (concepções).
mate-
Para os gregos, o ritmo era constituído pelas
relações numéricas, as quais se referiam unicamente a valo
res de duração. Na verdade, o ritmo significa simultanea
mente um fenômeno de natureza material e espiritual. Mui
tos autores modernos, a exemplo de Kant, examinaram o rit
mo apenas pelo aspecto subjetivo, confundindá,'assim, a
realidade com a consciência.
Quando R. Dumesnil faz referência ao ritmo co
mo "uma necessidade do espírito", restringe o seu sen
tido .25 Porém, ao afirmar que "a noção do ritmo é uma ne
cessidade espiritual", torna a proposição mais abrange!!
te 26 .
F. Warrain concebe o ritmo cemo "uma síntese
subjetiva de durações limitadas, distintas e perceptíveis
corno tal"27 •
Esse fator subjetivo existe, porém está inte
grado sobre um fenômeno inorgânico e orgânico; tem relação
67
com a ritmica e, portanto, não constitui mais que um aspec'
to científico, exclusivamente mental do ritmo.
Para se conhecer o ritmo, não é suficiente es
boçar teorias, necessita-se vivê-lo, sob.retudo no seu as
pecto musical.
Na tarefa de caracterizar o ritmo, pode-se u
sar, corno exemplo, o corpo humano, que é urna caixa sonora.
-O bater do coração de acordo com as emoções experimentadas,
o movimento que o corpo faz ou tenta fazer quando se ouve
'\ uma música, sao "ritmos" corporais. Os sentidos estão ap
tos a captar e enviar aos centros nervosos as ondas musi
cais percebidas. Assim são estimuladas as capacidades co~
nitivas da criança. A música auxilia a educação desenvol
vendo a personalidade da criança e as suas potencialidades
latentes que necessitam de um estímulo auditivo ou emocio
nal para fluir. Através do rítmo pOde-se desencadear o
processo da aprendizagem das palavras e do conjunto numér!
co, bastando para isso que se atente para a contagem dos
tempos, binários e ternários, e assim sucessivamente.
A aprendizagem através da música fica mais fá
cil de ser assimilada. A música também auxilia as crian
ças com problemas através da musicoterapia.
"Através da história do homem, temos tido a
curiosidade de observar com interesse os efeitos da música
sobre o indivíduo e sobre os outros. Existem fenômenos
que se repetem urna ou outra vez sob a influência da música.
A música exerce no homem os efeitos que ele esperava de
seu uso, e foi integrada com diversas funções e corno pura
'.
68
_ ~. ,,28 experiencia estetlca.
g sempre difícil distinguir entre os efeitos
fisiológicos e os psicológicos da música. Através dos sé-
culos, os filósofos, médicos e músicos têm conhecimento de
diversas escolas de pensamento que procuraram explicar o
mecanismo de respostas à música.
Os especialistas dividem-se entre duas teo-
-rias: uns acreditam que a música afeta principalmente as
emoçoes e desperta estados de ânimo que, por sua vez,atuam
~. sobre o corpo; outros pensam que o processo é o inverso:do
fisiológico para o psicológico.
Suzan Langer afirma que a excitação nervosa
origina uma emoção, opinião geralmente compartilhada hoje.
Segundo ela, "críticos inclinados ao naturalismo interpre
tam constantemente a comparação -entre as formas da música
e dos seus sentimentos, dando por suposto que a música ma
nifesta esquemas de excitação que ocorrem nos tecidos ner-
• - 29 vosos, que sao a fonte fl.sica da emoçao"
Uma musicoterapeuta infantil, Louise E. Weir,
expressou a mesma idéia: "Os sons afetam o sistema nervoso
autônomo, que é a base de nossa reação emocional,,30.
Durante a maior parte do tempo, os processos
interferem reciprocamente. Há determinados sons que cau-
sam transtornos aos sentidos através da audição.
O cérebro humano somente pode dar uma consci-
ência intelectual do ritmo. P~ra viver o ritmo, torna-se
necessário recorrer à atividade motora, aos movimentos
reais e imaginários. A imaginação motora é, de alguma for
ma, a busca de um movimento verdadeiro; é o "movimento
estado latente" no dizer de Ribot .31
Segundo Willems, "a verdadeira consciência
69
. em
rítmica, que ultrapassa a conceptualidade, exige experiên-
cia, consciência física, muscular, nervosa, extensiva
ramificações emotivas e intelectuais,,32.
Pode-se observar que as respostas do homem
-as
-a
- música têm sido influenciadas pelos mesmos fatores, isto é,
a receptividade física do homem ao som, sua sensibilidade
inata e adquirida à música e ao seu estado mental, O con
dicionamento ao meio, à educação e aos demais fatores não
musicais desempenha um papel muito importante nessas res-
postas. O homem pode reagir somente à música de sua civi
lização, que tem um significado e uma emoção próprios. Sua
cultura não é somente etnográfica, pois, em uma mesma so-
ciedade, as respostas das pessoas e as experiências artís
ticas variam de acordo com a formação social e educacional
dos indivíduos.
Em uma sociedade, podem-se encontrar pessoas
que, mesmo privadas de certos contatos musicais, tenham si
do obrigadas a fazer música; outras que tenham descoberto
a música por si mesmas, sem nenhuma orientação. A música
busca bons ouvintes, que já nascem com este dom, outros são
feitos para ouvi-la, aprendem-na mas isso não os discrimi-
na. Esses fatores estão entre aqueles que podem ajudar ou
prejudicar a tarefa do musicoterapeuta, que oferece, na me
dida do possível, uma comunicação com seus pacientes de en
tretenimento e afetividade. Para obter bom êxito, ele de-
70
ve levar em conta nao a valoração ortodoxa da música como
boa ou má, mas a resposta que pode obter do paciente.IIQual
quer que seja o seu valor estético, toda música possui os
mesmos elementos reguladores, seguindo uma ordem intelec-
tual e mantendo as emoções que provocam dentro dos limites
33 do tempo" .
A compreensao da natureza e as causas das res
postas do homem ã música é indispensável para aplicar a mu
sicoterapia.
As respostas ã música, obtidas a partir do e~
tímulo perceptual, são tanto fisiológicas como psicológi-
caso O seu entrelaçamento significa um efeito geral rela
cionado com a combinação dos diversos elementos presentes
na mesma peça musical, por exemplo, quando a melodia, o ca
lor, o ritmo e a agudeza formam um todo.
A mesma melodia executada em diferentes ins-
trumentos e em altura diferente - em distinta tonalidade-
pode causar nos ouvintes reações variadas e até mesmo opos-
tas.
Segundo Combarieu, a música tem sido, em to-
dos os tempos, um meio ofensivo e defensivo. Foi usada pa
ra provocar um estado patológico, às vezes de natureza con
tagiosa, ou então como um remédio a um transtorno, para a
calmar o paciente e devolvê-lo ã n6rmalidade~4
As reações psicológicas a uma determinada ex
periência musical dependem da capacidade do ouvinte e do
executante para comunicar-se e se identificar com ela, e
não da qualidade da música ou do nível da execução.
71
A fantasia, as associações e a auto-expressão·
encontradas na música provêm do que existe no indivíduo;te
remos que descobri-las e somente serão reveladas com a nos
sa própria experiência. A música pode expressar toda a
gama das experiências do homem pela relação que estabelece
com os três níveis de sua personalidade.
~ capaz de despertar e expressar os instintos
primitivos e ajudar a que se manifestem; liberar e dominar
as emoçoes ao mesmo tempo; dar um sentido de finalidade ao
ouvinte e ao executante; pode sublimar algumas emoções, sa
tisfazer o desejo de perfeição, através de experiências es
téticas e espirituais.
O homem é um animal gregário. Ele necessita
da presença dos outros para satisfazer suas necessidades
físicas e psicológicas. A sua vivência, o seu desenvolvi
mento sempre têm dependido da percepção sensorial, e a sua
inteligência permite-lhe integrar-se com o mundo que o ro
deia. A música tem ajudado o homem, desde os tempos pri
mitivos, a identificar-se com o seu meio e a compreenderas
forças que atuam ao seu redor e dentro de si.
A música expressa sentimentos que surgem de
uma situação que não é imitada. Beethoven, referindo-se a
uma cena em que recria musicalmente uma tempestade, disse,
explicitamente, que não procurara imitar, mas expressar as
sensações experimentadas durante a tempestade. Nesse caso,
os fatos reais são os próprios sentimentos do compositor e
suas idéias. O ouvinte adotará sua própria interpretação
baseada em suas experiências pessoais.
72
Aristóteles procedeu a uma análise lúcida dos'
processos que podemos relacionar com o princípio mágico de
que "o semelhante atua sobre o semelhante":
"Adernais, quando o homem olha suas imitações ,-
ainda desprovidas de ritmo e palavras, se vê levado à sim-
patia. O ritmo e a melodia propiciam imitações do afeto,
da ira, do valor e da contemplação, e outras qualidades 0-
postas a ela, assim corno as próprias do caráter, que dife-
rem pouco das reais, corno todos sabemos por experiência:
por que a alma se emociona ao ouvi-la? A predisposição ao
sentir prazer e dor ante uma imagem nao fica muito distan
te do sentido ante a realidade,,35 .
Aristóteles assinala que o hábito deve ser ad
quiridoi isto vem a ser o que hoje denominamos condiciona-
mento.
A função com a qual está associada a música
pode ajudar a condicionar o ouvinte a um estado, anímico
particular, que pode ser repentino ou adverso. Por exem-
pIo, as respostas, lentamente adquiridas, à sonoridade do
- -orgao, associada com a Igreja e com os sentimentos religi~
sos.
O homem identifica-se com a música na qual po
de dar sua própria interpretação. Igualmente pode ocorrer
identificação com o compositor, se a músiea fala do compo
sitor corno homem. A música também possui características
definidas masculinas e femininas, que estão presentes, tam
bém, em qualquer ser humano.
Algumas pessoas sentem-se at:!:-ald<:::3 pela arnbi-
73
valência sexual revelada na música de Tchaikovsky e na de
Brahms. A maior parte da música tem um caráter dominante
masculino e feminino. Toda a música de Beethoven expressa
uma personalidade viril; em Chopin, o elemento feminino é
evidente.
A música tem expressado algumas vezes aspec-
tos da personalidade, sem ser necessariamente um retrato
musical. Hayden falou das características morais da músi-
ca, as quais despertam simpatia ou
36
antipatia em quem
ouve
A imaginação é uma das faculdades mais criati
vas do homem, mesmo que se conserve dentro de um determina
do limite.
A música nao usa palavras e, assim, seu poder
criativo e imaginativo não tem limites. Os sonhos, a fan
tasia, as evasões mentais para um mundo irreal têm sido
parte das experiências musicais da humanidade~- e nao sao
práticas intelectuais.
A música pode criar fantasias mentais de na
tureza variada: realistas, caprichosas, oniricas, fantásti
cas, místicas e alucinatórias. Um fundo musical provoca
estados de ânimo oníricos, em que o indivíduo escapa para
um mundo imaginário, se perde ou se encontra em si mesmo.
Mellers adverte como a música é, cada vez
mais, uma experiência individual, e sugere que o ouvinte,
inevitavelmente, "buscará na arte uma via de escape; a qua
lidade de música que prefere e a que ouve mais oportunamc~
te nos estados de nostalgia; em realidade não é tanto a mú
74
sica em si mesmo a causa dos sonhos a que dá. ::-igem,,37
Chomet expressa a mesma idéia quando diz "que
a música inspira as fantasias mais agradáveis", pensamento
exposto por outros de maneira distinta. As atividades mu-
sicais conduzem "para uma fantasia na qual, como nos so-
nhos, envoltos em nós mesmos, permitimos que nossa imagina
ção jogue plenamente, sem cuidarmos das realidades que nos
. d' ,38 ro elam'
o poder da música para evocar imagens e sen-
saçoes pode explicar sua associação com os estados psíqui-
cos nos quais a individualidade, o tempo e o espaço desapa
recem e tomam outra dimensão.
Para Charles S. Myers, a música nao deve con-
sistir em "experiências místicas nas quais podemos perder
a consciência normal de nossa individualidade e sua rela
ção com o nosso meio,,39.
Se a música pode suprimir a sensaçao de espa
ço, também tem a capacidade de alterar ou eliminar o senti
do do tempo, sem misticismos ou escapísmos. Experiências
feitas em fábricas demonstram que o tempo passa mais rápi-
do quando os trabalhadores ouvem música.
A música situa-se em um ponto entre o real e
o irreal, entre o inconsciente e o consciente. Essa ca-
racterística da música tem sido usada em muitas situações.
A canção de dormir ajuda a transição entre a vigília e o
sono, e pode trazer à memória lIma recordação esquecida do
passado. Assim, não deve surpreender o fato de que a ~
mu-
sica tenha sido associada com o mundo dos so~~os, desde os
75
tempos primitivos.
A música pode provocar na mente imagens cines
tésicas de movimento que parecem reais. O ouvinte de músi
ca assemelha-se a um indivíduo que, sonhando, experimenta
a sensaçao de executar ações físicas.
... Ao evocar, associar e integrar imagens, a mu-
sica é um recurso excepcional de auto-expressão e liberação
emocional. Suzan Langer, nos seus estudos sobre os efei-
tos da música, admite seus poderes, porém não está de acor
do que a liberação emocional seja uma função primária da
música: "Usamos a música para extrair nossas experiências
40 subjetivas e para restabelecer nosso equilíbrio pessoal" .
As funções mais transcendentais da música de
hoje sao dar ao homem uma saída emocional mediante uma ex
periência estética adaptada a seu nível de inteligência e
de educação.
3.5. O Pensamento Musical
A título de ilustração do que seja o pensamen
to musical que se deve desenvolver na escola moderna, se-
gue-se a transcrição de um trecho da obra·àe Furth,"piaget
na Sala de Aula"; trata-se da carta de um discípulo a seu
mestre, e contém notáveis ensinamentos a :respeito do assun
to desse trabalho.
"Caro Professor:
Peço-lhe desculpas pelo tom solene.
senão missionário. de minha última
carta. Contudo. talvez eu não esti
vesse escrevendo essas linhas. se a
vida a nosso redor fosse menos pro
blemática e trouxesse maiores satis
fações em termos humanos. Nesse ca
so. permita-me terminar essa parte
"prática" de nossas cartas em um
tom mais ameno, trazendo os sons
alegres de violinos e violoncelos.
sob a batuta de um professor de mu
sica. que foi um dos muitos que in
tuitivamente põs em prática aquilo
que estamos tentando analisar aqui
de maneira mais explítica. Interro
ga~o a respeito de seu método de
introduzir a música a crianças de
escola primária. num meio em que os
instrumentos de corda-~inda não são
conhecidos. ele começou dizendo:
"Nenhum livro e nenhum método terá
utilidade ou valor se não proporci~
nar motivação. Nosso método parte
do princípio de que geralmente as
crianças t~m vontade de fazer músi-
ca em grupo. Tornamos óbvia e sim-
pIes a tarefa do grupo. Oesde o co
meço. notação e termos musicais são
apresentados como parte de um jogo.
As crianças não v~em essas coisas
como algo intrínseco e espec~al.
alheio ao instrumento".
77
o professor continuou, observando
que logo nas primeiras lições as
crianças tocam juntas, começando
com células rítmicas simples e int~
raçoes musicais entre os diversos
grupos de executantes. O jovem es
tudante, como parte do grupo, bate
o ritmo correto porque, se nao o
fizesse, ver-se-ia fora do grupo.
Além disso, a imaginação do jovem
musicista é estimulada, pedindo-se
lhe que construa e escreva compas
sos que consistem primeiro de no
tas e pausas rítmicas e mais tarde
de melodias simples. Essas frases
musicais são então executadas pelo
compositor e todo o grupo. Assim,
a criança toma consciência de sua
participação ativa na formação da
experiência musical do grupo. Sem
sua voz específica faltaria alguma
coisa na música de colàbDração que
está sendo construída. Isso faz
com que cada criança conscientize a
importância de sua contribuição.
Quando ouço um professor se expres
sar em tais palavras, e depois ob
servo como esse método convém à pe~
sonalidade em desenvolvimento da
criança, sin~o-me muito estimulado
em minha presente te~tativa de mos-
trar a professores o que estimula
e o que não estimula a inteligência
nascent9 dessas crianças. O fato
78
de destacar, naturalmente, e que,
de modo geral. não ligamos talento
musical com desenvolvimento inte-
lectual. E, como você bem pode im~
ginar, esse programa musical,-- ainda
que muito prezado no distrito esco
la~, ainda era considerado como ati
vidade extracurricular, certo luxo
acrescentado às matérias tradicio
nais de uma escola primária.
Certa vez voce me disse que o con
ceito de intelig8ncia, que eu prop~
nho está, na verdade, muito próximo
daquilo que outras pessoas chamam
de "criatividade". Embora geralme.!::
te se associe criatividade e carac
terísticas específicas de personal~
dade, e não essencialmente a inteli
gênc~a, eu não hesitaria em equaci~
nar inteligência e criatividade,
porque do ponto de vista de Piaget,
inteligência e o mesmo que desenvo~
vimento, com um efeito além de es
truturas presentes e uma transforma
ção ativa de dados situacionais pr~
sentes. Tenho constantemente afir-
mado que nossa concepçao tradicio-
nal de intelig8ncia é demasiado re~
trita e pobre devido à sua falência
em captar ~ motivação intrínseca.
A finalidade da escola primária de-
via se proporcionar um contexto em
que a inteligência, compreendidc no
sentido amplo de Piaget, fosse est~
mulada e recompensada. Se falo da
79
atividade desse professor de música
e porque. além de meu amor pessoal
por música. quero mostrar-lhe como
se pode dar a crianças oportunidade
de expressarem facetas de SI.' pers~
nalidade que acompanham o desenvol
vimento de sua inteligência no que
concerne a música. Tocar com ritmo.
controlar a altura. o timbre e a
dinâmica dos sons. construir frases
musicais e simbolizar todas essas
coisas em notação musical. bem como
interagir com outras pessoas e su
bordinar a própria atividade atare
fa do grupo - tudo isto é parte e
parcela da inteligência humana. E
por esse motivo que o professor de
música pode. justificadamente. con
fiar na motivação intrínseca. Sua
meta é o pensamento musical. com m~
nos ênfase no adjetivo que no subs-
tantivo. Seu objetiv6n~o e trans-
formar cada uma das crianças em um
violinista ou músico profissional.
Isso exigiria. além de uma estrutu
ra ordinária de inteligência desen
volvidas, talentos e interesses es
peciais e oportunidades oferecidas
pelo meio.
Não tenho nenhuma ~~vida de que
existam outras formas de arte cria
tiva igualmente adequadas e saudá-
veis para as crianças. Um sistema
escolar orientado para o pensamento
naa desprezará nenhum dcs meios co-
muns pelos quais os homens
sam sua inteligência de
construtiva.
80
expres
maneira
Podemos observar que a utilização
do
do
tempo
sério
de "lazer" se est~ tornan-
problema nacional. Isto
basta para que as escolas procurem
edificar uma base para atividades
que. embora produzam renda ou graus
universit~rios. ajudem o ser humano
a exprimir o q~e a vida tem de me
lhor. tão bem quanto a ciência ou a
cooperação. social. Mostrarei a se-
guir como o professor estimulava o
pensamento musical. e porque essa
atividade é benéfica para a criança
e contrubui para seu desenvolvimen
to intelectual.
A primeira lição era assim: doze
c r i a n ç a s d o t e r c e i r o e -q,u a r t o anos
entravam na sala. oito trazendo vio
linos e quatro. violoncelos. Senta
vam-se e ouviam o professor e outro
músico executarem algumas animadas
peças curtas. wVocês gostariam de
tocar assim?". perguntava o profes-
soro Prometia então às crianças
que. antes de terminada a aula, clas
tocariam juntas.
As crianças agrupavam as
de modo que ficassem duas
diante de uma estante de
cadeiras
crianças
música.
Eram então ensinadas a segurar o
81
instrumento com a mao esquerda (6
arco não era usado nas primeiras li
ções). Treinavam em grupo. erguen
do o instrumento. baixando-o e seg~
rando-o em posição de tocar. O pro
fessor mostrava-lhes como fer~r a
corda "l~" e explicava que em mGsi
ca uma nota segue a outra. como as
batidas do coração ou os passos de
um caminhante. E então a mGsica
começava. O professor levantava o
instrumento e feria o l~ num caden
ciado ritmo quatern~rio. instando
as crianças a imit~-lo. Juntos to
cavam compassos de quatro tempos.
A notação musical estava bem defron
te a cada uma das crianças; a pauta.
a armadura da clave. as barras de
compasso. as notas. Tudo era real.
como em uma execuçao real.
Agora as crianças estavam
para um avanço importante.
prontas
O
fessor riscou a primeira nota
pro
para
os violinos e em seu lugar traçou a
linha sinuosa de uma pausa de semí-
nima. enquanto para os violoncelos
deixou a primeira nota. mas riscou
as três seguintes. substituindo-as
por três pausas. O primeiro tempo
foi então tocado pelos quatro vio-
loncelistas e as três restantes pe
los oito violonistas. numa seq~ên
cia de quatro compassos. Quando as
crianças j~ tocavam com segurança.
o professor começou a improvisar
82
uma melodia se "E os "pizzicati ,.
rítmicos das c::anças. Existe alg~
ma criança que não se deleite com
essa execução musical? Talvez eu
deva fazer outra pergunta retórica.
Existe alguma criança nessa
de idade que seja incapaz de
música?
faixa
fazer
As aulas de música eram dadas ape-
nas duas vezes por semana. No come
ço da quarta semana. todas as crian
ças já haviam adquirido bom senso
de ritmo.
Depois disso se iniciava o uso do
arco. Seu manuseio era explicado
as crianças como função da posição
do instrumento. Com o arco tornava
-se possível semibreves. mínimas e
semínimas pontuadas. sendo introdu
zidos os símbolos cor~espondentes.
Depois de duas aulas. em que as cri
anças usavam o arco com as cordas
livres. começavam a usar os dedos
da mão esquerda para produzir novos
tons. Para ajudar a afinação. um
pedaço de fita adesiva era colocada
num tom inteiro acima da corda li-
vre para indicar a posição do
meiro dedo.
Contou-me o professor que daí
pri-
em
diante os pequenos músicos começa-
vam a tocar pequenas peças. cobrin
do toda a variação de notas na pri-
"
83
meira posição. Havia pedidos cons'
tantea pra que tocassem em público,
sobretudo para pais e administrado-
res da escola. Essa necessidade de
"justificar o programa e demonstrar
resultados". interferia um pODe0 na
meta imediata de executar música.
Os ensaios para as audições limita
vam as possibilidades de se permi-
tir as crianças fazerem experiên-
cias com melodias e combinações.
Disse-me ainda o professor que três
aulas semanais deveria ser o minimo,
porque as crianças não levavam os
instrumentos para casa a fim de pr~
ticar. Entretanto, o êxito desse
programa musical era evidente, como
se podia verificar por sua popular!
dade entre as crianças e seus resul
tados evidentes.
Depois de treinadas durante dois
anos, as crianças dominavam os pri~
cipios básicos da música. Isso
significava controle inteligente do
comportamento com o instrumento mu
sical, segundo os requisitos da ta
refa, visualmente escritos e auditi
vamente interpretados, além de uma
atenção constante ~s necessidades
do grupo. Essa tarefa se recompen-
sava a si mesma e constituiaum au
xilio para o desenvolvimento saudá-
vel da criança. Se havia considera
ç õ e s d e c u n h o e s t é t i c o, não e r a 1:1 um
objetivo imediato e nunca eram ooj~
84
to de prolongada discussão. As cri
anças liam bem à primeira vista e
tocavam como parte do grupo. Apre~
diam a corrigir um erro ocasional.
prestando atenção aos outros e en
trando no momento apropriado. sem
interromper o conjunto. Conheciam
mais de um instrumento e mais de
um tom. Quando mais tarde algumas
crianças passavam a tocar viola ou
contrabaixo. acostumavam-se depres
sa a novas claves ou a cordas dife-
rentes.
Interrogado sobre talentos
ais. o professor disse não
tar que qualquer uma das
especi
acradi
duzentas
crianças com quem trabalhara tives
se algum talento ímpar para a músi
ca. Julgava improvável que qual-
quer uma delas viesse a tornar-se
profissional. Mas qu~l .educação vi
saria fundamentalmente aos excepci~
nais? Ensinamos matemática e histõ
ria sem esperar que nossas crianças
se tornem matemáticas ou historiado
res. Da mesma forma. as
dessa cidade da Virgínia
música porque eram seres
comuns. o professor tinha
de que qualquer criança. de
crianças
tocavam
humanos
certeza
qual-
quer outro meio. apreciaria tal pr~
grama e se beneficiaria dele. Além
isso. ele não duvidava de que as vi
das dessas crianças rurais sairiam
permanentemente enriquecidas. mes-
85
mo que elas nao continuassem ativa~
mente a fazer música nos subseqOen
tes anos escolares.
Ao ouvir a orquestra de cordas e ob
servar o entusiasmo das crian~~s e
da platéia. compreendi também que
para aquelas crianças a música nao
era uma atividade trivial. secundá-
ria. Participação ativa numa tare-
fa construtiva de grupo e o alimen
to que a criança necessita em seu
desenvolvimento no sentido da matu-
raçao. A escola estimula assim uma
atitude ativa para com a apreciação
musical que será útil à criança no
futuro. Para muitos adultos. a
apreciação musical é meramente uma
experiência passiva de configura-
ções sonoras que proporciona um fu~
do tranqOilizante para alguma ativi
dade desinteressante.-.Essa é a
cognição figurativa. estática. Em
contraste a essa atitude. esse pro
fessor de música sabia como mobili
zar a cognição operativa para a mu
s i c a e. a 1 é m di s s o. f o r n e c i a bom
exemplo daquilo que é boa
gia. ,,41
pedago-
86
NOTAS - 39 capítulo
1.FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. Ed. Zahar, 5a. ed.
1976, Brasil. p. 17.
2.Ibid, p. 32.
3. Ibid, p. 18.
4.Ibid, p. 20.
5 .NIVELLE, Armand. Les theories estetques emA11emagne.de
Baumgarten à Kant. (apud Wogmar). p. 26.
6.Ibid, p. 34.
7.TOLSTOI, Leon (apud Wognar) certo p. "21.
8.Ibid, p. 58.
9 • Ib i d, p • 139.
10.ABRAMOWSKI, Eduard. (apud Wojnar) p. 139.
11.Ibid, p. 139.
12.COUSINET, Roger. (apud Wojnar) p. 21.
13.STEINER, Rudolf (apud Wojnar) p. 111
14.Ibid, p. 111.
15. Ibid, p. 112.
16. Ibid, 112.
17. DALCROZE, Jacques Emile. La musique et nous, notes et
critiques. Paris, 1942. Editions Victor Ettinger.
p. 108.
18. Ibid, p. 109.
19. Ibid, p. 170.
20. Ibid, p. 170.
21. Ibid, p. 170.
22. Ibid, p. 171.
23. WILLIANS, Edgar. Las bases psicológicas de la educacion musical. p. 25.
24. PIAGET, Jean (apud Willians) op. cito p. 25.
25. DU~mSNIL, R. (apud Willians) 1921. p. 46.
26. Ibid, p. 33.
27. WARRAIN, F. (apud Willians) op. cito p. 33.
28. ALVIN, Juliette. Musicoterapia, 1967. Buenos Aires,
Paidos, v. 7. p. 101.
87
29. LANGER, Suzan. Philosophy in a New Key: Harvard Univer
sity Press, 1951. p. 227.
30. Ibid, p. 129.
31. Ibid, p. 129.
32. WILLIANS, Edgar. Las bases psicologicas de la educacion
musical. Buenos Aires, Eudeba, 1961. p. 90.
33. ALVIN, Juliette. Musicoterapia, 1967. Buenos Aires, Pai
dos, v. 7. p. 94.
34. COMBARIEU (Apud Juliette Alvin) op. cito p. 107.
35. ARISTOTELES. La POlítica, livro VIII, capítulo V. p.
229-230.
36. EINSTEIN, Alfred. A short history of music, 1965. Bue
nos Aires, Claridad. p. 129.
37. MELLERS (apud Alvin) 1962. op. cito p. 108.
38. CHOMETTE (apud Alvin) 1967. op. cito p. 107.
39. MYERS (apud Alvin) 1962. op. cito p. 107.
40. LANGER, Suzan. Philosophy in a New Key. p. 217.
41. FURTH, G. Hans. Piaget na sala de aula. Forense, 1972.
Rio de Janeiro. p. 85.
4.
4.1.
88
~ EDUCAÇÃO MUSICAL - UMA TENTATIVA DE AVALIAÇÃO
Erros da Educação Musical Tradicional
"Creio que a m~sica tem estado atª
aqui baseada sobre um princípio fal
so. Procura-se demasiadamente es
crever, faz-se música para o papel,
ao passo que ela é feita para o ou-
vido."
(Debussy)
Confirmando o acerto do julgamento de Debus-
sy, a Educação Musical esteve muito tempo "baseada
um princípio falso". Os educadores perderam muito
sobre
tempo
tentanto transmitir uma teoria musical desvinculada da rea
lidade sonora, desligada da "música viva ll . A educação
rítmica já sofreu muito, tentanto seus mestres ;'ensiná-la ll
Tempo perdido em simbolismo abstrato e siste
matização lógica. Métodos lógicos só cabem a adultos, que
são capazes de utilizar a sua capacidade de análise e sín-
tese, de indução e dedução. De que vale dizer à criança
que a semibreve é o valor de maior duração, quando na rea
lidade infantil tudo é tão rápido? A semibreve, usada na
educação musical tradicional como IIponto de partida" para
todo o esforço rítmico, só formula na ca~eçd da
uma id~ia de "grandeza desconhecidall~
criança
89
A Educação Musical já sofreu muito com inúme
ras associações falsas, que servirão, no futuro, de Lmpecl
lho a uma experiência mais profunda. Por que "notas colo-
ridas", se a realidade musical não ê esta? Por que "A
Branca de Neve e os Sete Anõezinhos, o Palácio da pauta
com o portão clave de sol" e outras relações semelhantes?
Essas associações extramusicais sao condenadas pelo pedag~
go Edgar Willemsf
Desde a Antiguidade já se ensinava música nas
escolas. Os Livros dos Vedas são testemunhos da existên-
cia de um ensino musical entre os hindus. Os hebreus de-
ram muita importância à música e à cançao, surgindo entre
eles a primeira escola de música. Na Grêcia antiga já ha-
via nas escolas uma educação musical. Os exemplos poderi
am ser multiplicados.
Com a Reforma de Lutero, no sêculo XVII, hou
ve uma preocupaçao maior com relação aos mêtodo's de ensino.
Nesse mesmo sêculo, Comenius condenou os méto
dos lógicos e intelectuais: "Nada há na inteligência
nao tenha passado antes pelos sentidos."] Defendia
que
uma
educação ativa-intuitiva, na qual a criança deveria experl
mentar para entender e sentir.
De acordo com a concepçao da Escola Nova, que
partiu da linha de Comenius, Rousseau, Froebel, Pestalozzi,
"a música ê atividade artística criativa, de expressão, e
o ritmo ê o elemento ativo da música~4
Mas os pensamentos de uma êpoca só sao postos
90
. em prática muito tempo depois. O ensino intuitivo precon!
zado por Comenius (1591-1671), Locke (1632-1704) e Pesta-
lozzi (1744-1829) só penetrou nas escolas com a Reforma de
Buisson, nas escolas francesas em 1876.
Infelizmente, muitas vocaçoes devem ter sido
sacrificadas até que fosse encontrado um novo caminho na
Educação Musical. Wagner, que antes de estudar música
- admirava o regente Weber em atividade e era um frequenta-
dor dos concertos, abandonou o estudo sistemático da músi-
ca desapontado com seus estudos de teoria. Só retornou ao
estudo da música quando motivado a criar música de orques-
tra para substituir o coro declamado na tragédia
Criou então o Drama Musical?
grega.
Seu primeiro mestre provavelmente nao soube
ministrar-lhe um estudo atraente, não lhe despertando a
"vontade de aprender", a motivação intrínseca, as associa-
çoes afetivas favoráveis ao ensino e à aprendizagem.
4.2. Uma Nova Fase Na Educação Musical
Atualmente os métodos de ensino ativo-intuiti
vo aplicados à Educação Musical baseiam-se na Psicologia
Infantil e na Pedagogia Musical, levando em consideração
os seguintes aspectos:
91
1. A criança é o centro do processo educacio
nal;
2. A criança é um ser ativo: descobre e con
clui através da experimentação e da obser
vaçao. Utiliza material concreto na
aprendizagem: jogos, brinquedos. Na músi
ca utiliza-se de "Tacos Proporcionais",
"Vísporas Musicais", "Cubos de Interva-
los", "Escada Experimental", seu pr6prio
corpo e outros materiais;
3. O professor é o orientador do fenômeno da
aprendizagem. Incentiva o interesse, es
clarece o educando, desperta na criança
a vontade de aprender (moti~ação intrínse.
ca ou estado de prontidão);
4. A criança é um ser criador desde o nasci
mento. Improvisa melodias e ritmos para
acompanhar suas brincadeiras. A educação
deve apelar às possibilidades criadoras
da criança;
5. A criança e um ser emotivo, assim, um am
biente de amor influencda na sua aprendi
zagem;
92
6. O intelectualismo e o abstracionismo nao
sao' características infantis; sinais nao
tem significação se não forem vividos;
7. Ensino através do método global;
8. A escolha de métodos, cançoes, material
didático varia conforme a idade do educan
do.
Os processos empregados incentivam a curiosi
dade da criança, que gosta de ver e ouvir, mas aprecia mu!
to mais o fazer. Assim, torna-se necessária uma "organi
zação psicológica" do ensino musical, observando-se as ca
pacidades e interesses da criança a fim de despertar nela
atitudes favoráveis à aprendizagem da música.
4.3. A Educação Musical E Sua Prática
4.3.1. Método Dalcroze
Na busca de caminhos mais curtos para a apre~
dizagem musical, o primeiro método ativo - intuitivo sur
giu com Dalcroze (1865-1950). O Método Dal~roze procura
dar ao aluno consciência rítmica, atraves do ritmo vivido
93
corporalmente de maneira viva, ativa, dinâmica e nao estâ
tica. Daí parte para a simbologia convencional que, já
experimentada, será assimilada sem nenhum problema.
Emile Jacques Dalcroze criou o "Método de Edu
caça0 Musical e de Rítmica" em 1904. Seu método é consti
tuído por um conjunto de obras: A Rítmica; O Estudo do
Pentagrama; As Escalas e as Tonalidades; O Fraseado e os
Matizes; A plástica Animada; Os Intervalos e Acordes;
A Improvisação e o Acompanhamento ao Piano. Completou sua
obra com alguns outros trabalhos: 20 Estudos Rítmicos; 30
Lições de Solfejos; Marchas Rítmicas; Ritmo do Canto e da
Dança - Coordenação e Discordância de Movimentos; Jogos
Rítmicos para o Jardim de Infância; Métrica e Ritmo.
Dalcroze deu início a uma nova fase na Educa
çao Musical: aprender música de maneira ativa, através da
Rítmica Musical.
O método de Dalcroze, essencialmente voltado
para a criança, é adequado ã iniciação do solfejo, por in
termédio da ginástica e exercícios rítmicos completados p~
lo canto. Sendo a música movimento, ela seria plenamente
sentida com a participação ativa do educando.
~ um método essencialmente intuitivo, sensori
aI ativo; viver para compreender o fenômeno rítmico e mus!
cal. Partes dos ritmos pré-musicais ou naturais (andar,
correr, etc.) para atingir, por associação, o ritmo mus.i
cal e a dança. Assim no Método Dalcroze qualquer fenôm2no
94
é representado com movimentos corporais. Esses fenômenos
podem apresentar caráter rítmico (pulso, acento, valores,
pausas), melódico (altura, som, intensidade, timbre), har-
mônico (relações de tensão entre os acordes de T - D) e
formal (frases, estruturas, formas musicais).
Segundo Dalcroze, a finalidade da Rítmica con
siste em colocar seus adeptos, ao terminar os estudos, na
situação de poder dizer 'Eu sinto' ao inves de 'Eu sei' ,
e especialmente despertar neles o desejo de expressar-se,
depois de haver desenvolvido suas faculdades emotivas e
sua imaginação criadora. ~ um método gradativo em dificu~
dades, servindo a crianças e até mesmo músicos experiment~
6 dos.
Para se obterem melhores resultados didáticos,
nas escolas onde se emprega o Método Dalcroze em Educação
Musical, as turmas devem ser constituídas de_grupos homo
gêneos limitados a 15 ou, no máximo, 20 alunos.
Os elementos rítmicos básicos e alguns movi-
mentos correspondentes podem ser assim exemplificados:
I •
J n n n. J J
caminhar (unidade padrão, ponto de partida);
correr (andar apressado),
saltitar (repetindo os pés;;
galopar
balanço;
palmear, engatinhar, arrastar-se;
saltar como rãs, acrobatas, etc.
95
~ importante a realização do ritmo do salti~
tar seguidas vezes (~ I.l [1) corno exercício de coordenação. Mas, para execuçao de
fragmentos rítmicos (realização motriz), o fato de ter que
repetir um ritmo com a mesma perna atrapalha um pouco a
criança:
tO I
'Ç:J;:::-r Por outro lado, o ritmo do galope (.i li." ".)
nao é característico do folclore do Brasil. A percepçao e
realização dele pela criança é muito difícil. Não se tra
ta de um ritmo básico, mas derivado e invertido do salti-
tar. ~ ensinado (vivido) em urna segunda etapa da Inicia-
çao Musical. No entanto, sua realização física é mais fá-
cil que a do saltitar porque usam-se pes diferentes. Por
essas razões, para a execução motriz de fragmentos rítmi-
cos, consideremos corno galope e realizado com pés, diferen
teso A parte pode ser feito corno desenvolvimento da coor-
denação, urna série de ritmos de saltitar em pés repetidos •
. ' . ~ interessante observar que, "mesmo um ritmo
medido, regular, não deve ser encarado como um movimento
mecânico, matemático, ou corno a realização de uni conceito,
96
mas sim como um movimento natural, vivo".
A Rítmica de Dalcroze foi defendida por sá P~
reira: Corno processo de musicalização da criança, consid~
ro o método de Dalcroze simplesmente o ideal. Para o en-
sino do ritmo e todos os seus problemas, nada melhor do
que adotar, de ponta a ponta, o Método Dalcroze:
Urna experiência bem sucedida com o método de
Dalcroze foi realizada em uma escola onde a Classe de Alfa
betização passou, desde o Jardim da Infânci&,por um proce~
so de vivência do ritmo e seus elementos (pulso, acento,
valores, etc.) de maneira sensorial, com o próprio corpo.
Depois de andarem expontaneamente os valores tocados em
instrumento melódico, as crianças reproduziram fragmentos
rítmicos (realização motriz), tomaram conhecimento dos
valores rítmicos básicos através de uma história. Em me-
nos de um ano, estavam lendo e armando ritmos de músicas
conhecidas ou simplesmente ritmos criados pela professora
ou pelo aluno.
Sem usar elementos extra musicais, mas apela~
do tão somente à vivência corporal e utilizando material
didático sem nenhuma associação falsa, as crianças se moti
varam e reconhecem ritmos até mesmo nas aulas de lingua-
gem, separando sílabas das'palavras dadas pela professora.
Seguem-se exemplos de ritmos que foram armados em
proporcionais (Tacos proporcionais).8
blocos
97
Entre os continuadores da Rítmica de Dalcroze,
pode-se mencionar Ruldolf Laban que criou, na Alemanha, d~
pois da Primeira Guerra Mundial, um método mais livre que
o de Dalcroze (relação música - movimento). Não se res-
tringia a detalhes musicais e representados com movimen-
tos; preocupava-se com o caráter mais profundo e o impulso
gerado pela música. Era um trabalho para pessoas de todas
as idades e condições sociais e culturais, com finalidade
de desenvolver a criatividade coletiva. Eram chamados "co
ros de movimento" (Bewegungschove). Entre seus
los, encontra-se Lisa Ullmann (Inglaterra).
4.3.2. O Método ORFF
Carl Orff, compositor e pedagogo
discipu-
alemão
(1895-19 familiarizou-se com o problema da Educação Mu-
sical no "Gunther Schule" de Munique. Pensou em utilizar
a dança e os exercicios ritmicos a partir de músicas prim~
tivas em suas formas.
Orff parte do ritmo pré-musical, ou seja, do
ritmo da palavra, da linguagem: "A palavra é a célula ger~
dora ã.o ritmo e da música". Partindo desse principio,
98
Orff considera que as palavras têm poder rítmico e expres
sivo. Assim, o acento das palavras corresponde ao acento
tônico (Ictus Musical) i e o acento das frases ao acento ex
pressivo musical. Segundo Orff, existem palavras d~ ritmo
próprio (sim, oh!, não), binárias (mamão, pato), ternárias
(avestruz, pipoca, árvore) e quaternárias (na realidade,
múltiplas das palavras binárias).
Para Orff, o corpo funciona como instrumento
de percussao, existindo quatro planos sonoros: estalos de
dedos, palmas (diferentes timbres), joelhos, pés (diferen
tes timbres).
Como educador, sua obra didática, "Schulwerk" ,
familiariza os jovens com os ritmos percutidos, que sao os
componentes mais importantes em seu trabalho. Orff expri
me-se por meio de ritmos elementares e sugestivos de melo
dias nítidas que se inscrevem nesses ritmos, tornando a
fonética da palavra parte integrante do som musical.
No início do século, a revolução na dança
operada pelo coreógrafo russo Diaghilev, marcou a época
dos Ballets Russos. Os discípulos de Diaghilev levaram
o Ballet Russo à América e a arte da dança foi renovada,
sendo mantida a técnica da dança clássica servindo de base
para novos estudos coreográficos.
Na Alemanha e nos Países Escandinavos, as te~
rias de Isadora Duncan e de Emile Jacques Dalcroze penetra
ram e tiveram grande influência.
Para Isadora Duncan, a dança devia ser indivi
99
. dual, livre, onde cada um evoluísse segundo o seu tempera-
mento e sua própria interpretação do ritmo musical.
Dalcroze considerava o ritmo um meio de desen
volver o sentido artístico e de harmonizar os movimentos
do corpo, sem a preocupação do espetáculo.
Rudolf Von Laban foi o precursor da dança
sem música, unicamente encadeada por instrumentos de per-
cussao, na educação musical.
Os trabalhos de Dalcroze e Laban tiveram gran
de repercussao no campo artístico e pedagógico e, por vol-
ta de 1920, na Alemanha, fundaram-se diversas Escolas de
Ginástica e Dança.
Todas essas tendências apaixonaram Orff pois
estavam ligadas a seu trabalho para o teatro.
Ao descobrir a possibilidade de formar urna
nova educação rítmica e de realizar suas idéias com a pen~
tração mútua de movimento e música, Orff afastou-se da
educação de movimentos, feita unicamente pela música de
piano, e procurou ativar o aluno para a improvisação e a
criação de músicas elementares, ligadas ao movimento, -a
dança, à palavra.
Assim, o método Orff pretende educar a crian-
ça sem fazê-la sair de seu.mundo infantil. Vai ao encon-
tro de impulsos elementares comuns à infància: correr, sa!
tar, saltitar, galopar, etc. Todos esses passos elementa-
res são executados com formaçã0 de pares, grupos, rodas.
A base é a improvisação de músicas elementares, com ritmo
100
criado e sentido pela criança. Com essa finalidade, o
método Orff utiliza-se dos "ostinatos" - simples repetição
uniforme de motivos curtos, de frases de partes ou de and~
mentos inteiros, acumulando efeitos rítmicos - e de um ins
trumento específico.
Utiliza a Escala Pentatônica e explora o in
tervalo de 3ê- menor (chamativo); usa o Ifostinato" como
acompanhamento, assim como o bordão ornamentado, cujas paE
tes são independentes.
Entre os instrumentos usados, podem ser apon
tados os de lâmina (xilofones, metalofones, jogos de sinos,
tírnbalo), os de corda (baixo contínuo) e os de percussao
(jogos de copos, guizos, tambores, clavas, panderetas, cas
tanholas, matracas).
O metodo de Orff é completo, pois inclui um
instrumental especial, o movimento corporal e a palavra fa
lada.
Desenvolvendo a percepçao auditiva e a educa
çao rítmica e explorando a criatividade e a improvisação,
esse método completa o de Dalcroze.
4.4. Uma Educação Musical Efetiva: A Rítmica Musical
Para uma Educação Musical ser completa, ela
deve desenvolver a percepção auditiva e rIbnica do aluno;
101
despertar-lhe nele o gosto pela música; desenvolver .
as
suas potencialidades e capacidade criadora; promover a in-
tegração do educando ao meio em que vive e no mundo, con-
tribuindo assim no processo de socialização da criança.
o educando vive, faz e compreende a música.
Com essa· finalidade, utiliza-se de seu corpo e de seu ins-
trumento: voz. Utiliza-se também de instrumental sonoro e
rítmico disponível.
~ necessário cuidar da qualidade sonora dos
instrumentos, para que não se deseduque o aluno. Uma edu
cação musical é um processo que pode atingir os adultos.
Para cada faixa de idade, observando as condições gerais e
específicas do grupo, do mestre, do local, devem-se usar
métodos diferentes.
o método Dalcroze, por exemplo, é aconselhado
para crianças em formação (5 a 7 anos). Assim elas evita
rao a intelectualização prematura da música e· desenvolve-
rao seu psiquismo. Suas atividades terão maior rendimen-
to, pois nesta faixa etária há maior flexibilidade de movi
mentos. A escolha do método varia conforme os interesses,
as necessidades, as preferências do grupo.
Toda base da Educação Musical moderna está
no elemento rítmico. As razões são fáceis de serem identi
ficadas:
1. O ritmo preside a maior parte dos joços
infantis, da vida (ruídos da natureza,
fala, etc.);
102
2. O ritmo está em toda parte: nas
nos seres humanos (pulsação,
artes,
emoçoes,
andar, respiração), em todos os reinos da
natureza e até na vida cósmica;
3. O ritmo é o elemento físico ativo da músi
cai
4. O ritmo é capaz de provocar uma resposta
física direta e espontânea. Isso é ten-
dência ativa que deve ser aproveitada na
Educação Musical;
5. O ritmo é fisiológico (correr, andar, pu!
sação) e emotivo (exprime emoções).
A educação do sentido rítmico é um fator de
formação e de equilíbrio do sistema nervoso. Segundo Edgar
Willems, desenvolvemos na Educação Musical elementos cor
respondentes da vida fisiológica - ritmo - dinâmico e sen
sorial (movimento); afetiva - melodia - sensibilidade, em~
ções, aspecto espiritual (canto); e mental - harmonia - or
denações cerebrais (intelecto).lO
A verdadeira Educação Musical baseia-se na
Rítmica Musical. Rítmica e a música em movimento. liA mu-
sica não é sentida pelo ouvido, mas sim pelo corpo inteiro
em movimento rítmico. ,lI
A finalidade da Pítmica nao é executar com
exatidão qualquer ritmo, mas sentir o impulso, a expansivi
103
dade, as suas qualidades plásticas.
Concluindo, a Rítmica Musical desenvolve a
criatividade (de movimentos, melodias, ritmos, coreogra-
fias); o sistema nervoso (forças e resistências do organi~
mo, coordenação motora, dissociação, disciplina de movimen
tos, sentido de direção, rapidez de reflexos e reações);
a percepção auditiva e rítmica (atenção a canções, march?s,
frases musicais melódicas; ouvir, compreender; aprender a
receber ritmos e sons: distingui-los e classificá-los; me
mória auditiva).
A Rítmica é um auxiliar para o desenvolvimen
to da vida psíquica, liberando impulsos e tendências, pro
porcionando equilíbrio interior (harmonia entre corpo e
mente). ~ um valioso agente do processo de aprendizagem,
pois conduz o aluno do simples para o complexo, de concre-
to (sensorial) para o abstrato (símbolos), do
(interesse) para o remoto.
imediato
Sem desprezar o aspecto melódico, considerado
o elemento característico da música, Edgar Willems valori
za a rítmica como base para a Educação Musical: "O ritmo
está, sem dúvida, mais diretamente unido ao corpo humano
que a melodia (emoção) e a harmonia (mente) .,,12
.....
,
104
NOTAS - 49 capítulo
L WILLEMS, Edgar. A evolução da música, 1964. p. 88.
2. Ibid, p. 89.
3. Ibid (Comenius) p. 89.
4. Ibid, p. 89.
5. WILLEMS, Edgar. Le rytme musical, 1921. Paris Mercure de
France. p. 90.
6. DALCROZE, Jacques Emille. La rytme, la musique et l'edu
cation noure, op. cito p. 94.
7. Ibid, p. 96.
8. WILLEMS, Edgar. Le rytme musical, 1921. Paris Mercure de
France. p. 96.
9. CALCROZE, Jacques Emille, 1965. La rytme, la musique,
et l'education noure. Lausanne Foetsh freres, s.d. p.
104.
10. WILLEMS, Edgar. Le rytme musical, 1921. Paris, Mercure
de France. p. 107.
11. Ibid, p. 110.
12. Ibid, p. 126.
105
5. CONCLUSL>ES
Na escola moderna, uma disciplina nao tem mais
sentido, se tomada isoladamente. Esta situação condicionou
um falso conceito quanto ao valor do conteúdo de cada dis
ciplina. A integração das diciplinas deve ser um dos pon
tos de partida para a renovação da metodologia tradicional,
colocando um elemento dinâmico no processo educacional.
Esta moderna concepção da escola exige dos pro
fessores cuidado e técnicas especiais para auxiliar os al~
nos a canalizarem seus impulsos criadores para atividades
escolares que lhes despertem interesse e motivação.
A condição básica desta nova orientação é a fIe
xibilidade técnica do professor. Se há, atualmente, conseg
so a respeito de que a escola deve considerar mais o "como
aprender"que o "que aprender" que poder deve influir a es
colha dos processos e métodos de ensino - aprendizagem?
Em tais condições, o presente trabalho propôs
se a sugerir a Educação Musical como agente facilitador
do processo de aprendizagem. Dadas as limitações impos
tas a este trabalho, não se pretendeu, evidentemente, esgo
tar o assunto. Apenas foram levantadas alguns pontos de
vista que poderao ser mais bem desenvolvidos posterior~en
te.
106
No planejamento global, procurou-se seguir as
linhas de desenvolvimento esboçadas abaixo.
Em primeiro lugar, procurou-se estabelecer a
relação entre a formação integral do indivíduo e a Música.
Viu-se que a música e a linguagem são formas de expressão
comuns a todo ser humano; corno se dá a percepção auditiva
musical e os tipos de reaçâo na audição musical; e que im
portância representa a Música para o aprendizado da lingua-
gemo
Em um segundo momento, procurou-se discutir,
com base em diversos autores, a questão do significado da
Música; se ela é uma forma de "auto-expressão" ou se tra-
ta de uma "expressão lógica"; o sentido de "linguagem" da
Música; e a relação entre a Música e as estruturas mentais.
Em seguida, examinaram-se os aspectos referen
tes à estética e ao seu objeto, relacionando-os com a Peda-
gogia.
Finalmente, discutiu-se o principio do ritmo,
base dos métodos de Dalcroze e Orff, que, por serem pro-
cessos ativos-intuitivos, foram usados como exemplos metodo
lógicos do processo de aprendizagem musical que interessa à
escola moderna aplicar a Sua clientela.
o ponto de vista aqui defendido é o de que a
Música pode ser um estímulo utilizado desde as séries mais 1l
elementares até as mais adiantadas, sem prejuízo de sua
autonomia curricular.
A Música funciona como fator de liberação de
107
~nergias, que, devidamente canalizadas, proporcionam maior
integração social, nâo apenas dentro da escola mas também
na própria comunidade do aluno.
Contribuindo para o processo de socialização
da criança, a Música propicia ao aluno a oportunidade de
participar mais ativamente dos trabalhos da escola e de
melhor assimilar o ensino das várias disciplinas, facili
tando, assim, a tarefa dos professores envolvidos no pro
cesso.
No que se refere, especificamente, à Educa
çao Musical como agente motivador da aprendizagem, é evi
dente que os aspectos intrínsecos da Música (metodologia,
harmonia, ritmo etc) desempenham o papel mais importante.
Através do conhecimento dos "ritmos" do seu próprio corpo,
dos "movimentos" percebidos a sua volta, o educando pode
ser motivado para o aprendizado das várias disciplinas, ou
áreas de estudo, que compõem o currículo escolar: Comunica
çao e Expressão (a música como "linguagem"), Matemática
(as relações matemáticas presentes na Música. Estudos So
ciais (as funções socializadoras da Música) - apenas para
citar algumas possibilidades de aplicação prática.
Verificadas as deficiências da Educação Musi
cal na escola brasileira, cabe aos professores planejar
uma orientação mais adequada para seus alunos. Aqui tem
ênfase o plano global da escoia. Que orientação dar aos
trabalhos para que os objetivos educacionais sejam aten
didos? Que metodos facilitarão esses resultados? Como
108
colocar a Educação Musical no centro de urna reforrnulação
pedagógica?
Aos professores que se consideram mais orien
tadores do que, simplesmente, "transmissores de conheci
mentos" cabem as respostas a estas questões.
109
6 . S U G E S T O E S
Para um tratamento metodolÓgico dos conteúdos
de linguagem musical devem ser levados em conta, com apoio
em Piaget, basicamente, os seguintes critérios:
1. que a atividade, sempre que possível, seja lúdica,abran
gendo as mais variadas formas de jogos:
2. que a iniciativa e a descoberta sejam dadas -a criança
em situações de aprendizagem, sem informar, mas criando
condições para que ela não se frustrei
3. que a gradação e seq~ência de atividades correspondarn
ao desenvolvimento natural da criança nesse estágio
(pré-operatóri%peratório concreto), dependendo sempre
da realidade de cada escola i
4. que a participação da música na educação da criança vi-
se sua integração ao próprio meio e seu desenvolvimento
individual harmonioso e pleno, isto é, a formação da
criança corno gente: ser pensante que escolhe e decide e
ser social que aceita e respeita os demais;
5. que se considere em primeiro plano o processo do desen-
volvimento cognitivo e afetivo e não os resultados ob
tidos;
6. que se julgue a linguagem musical, principalmente, urna
atividade e que, como tal, ela precisa ser vivenciada
através da prática e da audição, em meio a situaç3es de
inventiva e do uso do material sonoro, especialmer.te o
folclórico, matéria-prima do repertório a ser utilizado
na escola;
"
110
7. que se empreguem os meios mais importantes para a prát~
ca musical: a voz e o movimento, ou seja, a identifica
çao e uso ê-' próprio corpo como instrumento musical;
8. que se faz mister partir de pequenas estruturas que dê
em ao aluno, desde o início, os elementos de comunica
ção musical que ele possa relacionar com outras estrutu
raSi
9. que se propicie à criança, em situações dedéscontração,
a liberação da expressão musical, o conhecimento dos
elementos desta e a sua organização, por experiências
vivenciadas, objetivamente, em muitos tipos de ativida
des, conduzindo-a ã inventiva e à criação.
Em síntese, uma progressiva conquista de lin
guagem musical, será: fazer e ouvir, tendo-se em vista sem
pre a criança e suas condições de participação, conduz in
do-se ela para vivências mais amplas, nas quais ela possa
sentir-se feliz.
As sugestões apresentadas visam apenas auxi
liar o professor e, evidentemente, devem ser adaptadas e
desenvolvidas em função da realidade encontrada, assim co
mo muitas outras atividades poderão ser criadas a partir
do que for sendo desenvolvido em sala de aula. ~ de grande
importância que seja oferecido à criança um repertório si~
gelo, tendo prioridade absoluta a cançao folclórica, espe
cialmente a de sua região.
111
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Tese apresentada aos Srs.
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