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Conexão – Comunicação e Cultura , UCS, Caxias do Sul, v. 3, n. 6, p. 167-190, 2004 167 Mario Maciel é Mestre em Arte pela UnB. Professor na Secretaria da Educação do Distrito Federal. Suzete Venturelli é Doutora em Artes e Ciências da Arte pela Universidade de Sorbonne, Paris I, Sorbon- ne (França). Professora, artista, pesquisadora na UnB/Departamento de Artes Visuais e CNPq. E-mail: [email protected] G AMES ................................................................ Mario Maciel Suzete Venturelli Resumo: A história dos games eletrônicos começou nos anos 60 do século passado e hoje demonstra que provocaram inusitados impactos culturais. A criatividade imagética levou designers , programadores, artistas, músicos e cineastas a realizar exposições sobre esse fenômeno, por exemplo, em 2002 na Barbican Gallery de Londres, a Game On e, em 2003, no Itaú Cultural, São Paulo, a Game o quê?Foram exposições que marcaram momentos de reconhecimento dos jogos para computador. Mostraram que jogo eletrônico interessa a muitas tribos e a diferentes públicos onde o jogar, tanto reflete como molda culturas. Este texto busca, então, apresentar a história dos games a partir das pesquisas tecnológicas, cujas poéticas perpassam roteiros e narrativas interativas garantidas pelas máquinas computacionais. Palavras-chave: games , jogos eletrônicos, interatividade, inteligência artificial, simulação. capitulo12.pmd 24/11/2005, 10:04 167

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Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul, v. 3, n. 6, p. 167-190, 2004 167

Mario Maciel é Mestre em Arte pela UnB. Professor na Secretaria da Educação do Distrito Federal.Suzete Venturelli é Doutora em Artes e Ciências da Arte pela Universidade de Sorbonne, Paris I, Sorbon-ne (França). Professora, artista, pesquisadora na UnB/Departamento de Artes Visuais e CNPq.E-mail: [email protected]

GAMES

................................................................ Mario MacielSuzete Venturelli

Resumo: A história dos games eletrônicos começou nos anos 60 doséculo passado e hoje demonstra que provocaram inusitados impactosculturais. A criatividade imagética levou designers, programadores,artistas, músicos e cineastas a realizar exposições sobre esse fenômeno,por exemplo, em 2002 na Barbican Gallery de Londres, a Game On e,em 2003, no Itaú Cultural, São Paulo, a Game o quê? Foram exposiçõesque marcaram momentos de reconhecimento dos jogos para computador.Mostraram que jogo eletrônico interessa a muitas tribos e a diferentespúblicos onde o jogar, tanto reflete como molda culturas. Este textobusca, então, apresentar a história dos games a partir das pesquisastecnológicas, cujas poéticas perpassam roteiros e narrativas interativasgarantidas pelas máquinas computacionais.

Palavras-chave: games, jogos eletrônicos, interatividade, inteligênciaartificial, simulação.

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Abstract: The history of the electronic games started in last century’ssixty decade and today it demonstrates that they had provoked unusualcultural impacts. The creativity took designers, programmers, artists,musicians and moving picture technicians to accomplish throughexhibitions about this phenomenon, for example, London’s BarbicanGallery (2000) and the “ Game o quê ?” in São Paulo’s Cultural Itaú(2003). These exhibitions had market recognition moments of the gameto computer. They had been shown that electronic games interests manytribes and different publics where playing, so much reflects like mouldscultures. This text searches to present the games history from thetechnological research, whose poetics pass by the interactive guaranteednarratives and scripts by the computational machines.

Key words: games, electronic games, inter-activity, artificial intelligence,simulation.

INTRODUÇÃO

Engeli (2002 p. 215) afirmou que os games, principalmente os bélicos, aliadosaos interesses das indústrias de armas para guerras, podem ser vistos como impor-tante fenômeno para o culto da competição e da exclusão. O que distingue os jo-gos eletrônicos de outros, como romances ou filmes, é a preocupação com o espa-ço. Mais do que o tempo, que em muitos jogos pode ser parado, mais do que ações,acontecimentos ou metas e, inquestionavelmente, mais do que a caracterização, osgames celebram e exploram o desenho da representação espacial como motivo cen-tral e razão de ser. É o desenho perspectivo que volta com a imagem valorizada comos avanços da tecnologia da computação gráfica.

A produção dos jogos eletrônicos sempre esteve ligada à evolução tecnológi-ca da computação, desde os fundamentos conceituais do inglês Charles Babbage,1

que, em 1820, construiu um modelo de máquina para calcular tabelas aritméticas,

1 São importantes para o assunto os estudos do engenheiro elétrico e inventor Vannevar Bush (EUA, 1945)que escreveu o ensaio As we may think, que contém a semente do que denominamos de hipertexto e ins-pirou o cientista Ted Nelson a elaborar o projeto Xanadu, que continha a noção de um ambiente com-putacional multimídia; o matemático Norbert Wiener (EUA, 1950) o primeiro a pensar sobre cibernéti-ca publicou Cibernetics, or control and communication in the animal and machine, que imaginou a futu-ra sociedade baseada na informação como utópica e sem barreiras; JCR Licklider (EUA, 1960) professorno Massachusetts Institute of Tecnology (MIT) contribuiu para o desenvolvimento de ambientes hipertex-tuais de interação entre sujeito/máquina para as redes mundiais de computadores (SPILLER, 1999, p. 47);o cientista visionário Douglas Engelbart (EUA, 1962) desenvolveu tecnologias de teleconferência e infor-mação em Augmenting human intelect, no qual descreve a sua versão de hipermídia interativa.

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o Engenho Diferencial. A primeira visão do que a tecnologia poderia provocar nacultura aconteceu quando o norte-americano E. M. Forster, em 1909, escreveu umahistorinha de ficção científica “ The Machine Stops”, na qual apresentava um mun-do, semelhante ao planeta Terra, onde a tecnologia desordenada provocou muta-ções em indivíduos e na sociedade. Já, a idéia de 1969 do físico londrino GordonPask, conhecido pela Conversation theory, que discorre sobre um complexo sistemacibernético,2 ainda é usada na arquitetura dos ambientes de games.

Para a programação dos desenhos dos personagens são aplicados os avançosda inteligência artificial, que se caracteriza por marcar a diferença entre fotogra-mas animados e imagens interativas.3 O inventor da máquina inteligente, Kurzweil(2003), cientista e escritor, afirma que em breve não será mais possível distinguirentre o pensamento humano e a capacidade das máquinas de processar e compre-ender os dados. Entramos numa fase em que a informática, a Biotecnologia, a Fí-sica Quântica e a Nanotecnologia4 vão proporcionar avanços na área da inteligên-cia artificial que, imitando os humanos, poderá responder com emoções, fazer arteou até chegar a novas idéias filosóficas. Idéias, invenções e/ou conceitos defendi-dos por aqueles que vêem no computador um meio de descoberta, de criatividade ede compartilhamento intelectual.

Para o desenvolvimento do design dos consoles e da interface sensório-moto-ra,5 um aspecto importante a ser destacado são os personagens dos jogos em má-quinas eletrônicas. Segundo Poole (2002), o desenho de um personagem para ga-mes é uma arte difícil, pois precisa convencer os interatores a continuar jogando.Os jogadores entram numa espécie de transe proporcionado pelo realismo dosdesenhos que simulam movimentos reais do humano. Os objetos se deslocam, emtempo real, em função das ações iniciadas pelos personagens manipulados, ou não,pelos jogadores.

Para o teórico da comunicação Machado (1993, p. 101) os métodos compu-tacionais para simulação do humano geram desenhos complexos, sendo o princi-pal a síntese da figura humana e suas expressões fisionômicas. Uma vasta prolife-ração de humanóides está na publicidade, no desenho animado digital e nos jogoseletrônicos. Pesquisas recentes usam recursos da rotoscopia para digitalizar os

2 A cibernética estuda as comunicações e os sistemas de controle nos organismos vivos e nas máquinas.3 Na atualidade, existe interesse pelo termo interatividade em função do modelo que representa, capaz de

gerar percursos diferentes no virtual.4 Nanotecnologia agrupa o conjunto de teorias, regras, mecanismos ou realizações que visam à produção e

à manipulação de objetos cujo tamanho é comparável ao das moléculas e dos átomos.5 Interface humano/máquina permite a troca de informações. As interações geralmente ocorrem por meio

das mãos, dos movimentos do corpo, dos comandos sonoros e do olhar.

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movimentos e posições para a simulação. Esse método é usado para a obtenção dedados de alta precisão e difícil formalização como o movimento das juntas dosmembros do corpo e expressões faciais ao proferir palavras. É uma maneira de atri-buir aos personagens gestos naturais.

Outro importante método para simulação do corpo humano é a programaçãoalgorítmica para gerar modelos geométricos e controlar instruções armazenadas emmemórias eletrônicas, que processam rotinas de movimentos, respiração, sensoresde presença e inteligência artificial.

HISTÓRIA DOS JOGOS ELETRÔNICOS E REALISMO DOS DESENHOS

Os jogos eletrônicos têm provocado impactos violentos na cultura contem-porânea, como uma maneira diferente de percepção do espaço, do tempo e do pró-prio conceito de arte.6 Os jogos sempre despertaram curiosidade na humanidade ehoje revelam um novo nicho de trabalho para engenheiros, sociólogos, programa-dores, desenhistas e músicos em projetos voltados a diferentes áreas como lazer,simulação, cooptação ou mesmo para uma poética artística.

A indústria de videogames (nesse último ano) faturou quase tanto quanto ocinema de Hollywood. Os jogos de computador se consolidaram como arte popu-lar, emergente. Nas escolas, estudantes discutem games com a mesma paixão comque as gerações anteriores debatiam o cinema hollywoodiano. Tudo indica que háum número ainda crescente de estudantes, que preferem ser criadores de jogos emlugar de cineastas.

Os jogos eletrônicos influenciaram o cinema moderno e, cada vez mais, en-corajam o fascínio pela linha escorregadia que separa a realidade da ilusão digital,como em Matrix. Ao longo das últimas três décadas, os jogos progrediram das si-mulações de rebatidas simplórias à sofisticação de Final Fantasy, uma história par-ticipativa com qualidade visual semelhante a do cinema, exigindo computadorescom recursos gráficos poderosos, resultado de melhores memórias para som e ima-gem, essenciais para o planeta virtual. 7 Além dos dispositivos físicos, os algo-ritmos, uma nova forma de desenhar, contribuem para o realismo e a interaçãodo desenho.

6 O pixel, menor elemento da imagem digital, revela características da minimal arte.7 Henry Jenkins é diretor do Programa de Estudos de Mídias Comparadas do Massachusetts Institute of Te-

chnolog y (MIT), para o caderno Mais, da Folha de São Paulo, de 14 de janeiro de 2001.

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A primeira geração do game eletrônico parece ter começado em 1962, hámais de quarenta anos, com um com putador desenvolvido nos EUA. (KING, 2002,p. 13). Em 1971, Nolan Bushnell apresentou o Computer Space, a primeira máqui-na de jogo comercial, com interface sensório-motora, para instalação em bares doSilicon Valley (Vale do Silício) na Califórnia, EUA. Essa máquina não fez muitosucesso, mas ajudou o desenvolvimento do design de interface para futuras máqui-nas ou consoles como o americano lançado em 1972, o Odyssey 100.

Em 1974, Nolan Bushnell e Ted Dabney fundaram a Atari, uma empresadedicada exclusivamente a jogos eletrônicos e industrializaram um arcade8 chamadoPong, uma espécie de pingue-pongue eletrônico, que ficou conhecido internacio-nalmente. Em seguida, foi a vez do Space Invaders, jogo japonês da Taito In-dustries, se transformar num sucesso. Um dos maiores fãs desse jogo foi SatoshiTajiri, criador do Pokémon. Em 1975, surge o primeiro console programável, o Zir-con Fairchild, que muda o conceito de games em função de seu sistema modular noqual o usuário pode trocar jogos usando cartuchos. Foi em 1978 que a Bally lançao Professional Arcade um console poderoso que servia como computador e jogo uti-lizando cartuchos programados em linguagem Basic que, todavia, era mais um com-putador pessoal do que um game.

Em 1979, surge o antecessor dos Game Boy e Game Gear, o primeiro portátilcujo sistema de console era muito parecido com os atuais que têm tela de cristallíquido, controles e botões no mesmo aparelho. Entretanto, os desenhos das inter-faces eram programados para preto-e-branco em função da saída gráfica possívelna época. Os desenhos desses primeiros jogos remetem, devido à baixa resolução,aos desenhos impressos em papel-jornal e animações televisivas.

A Mattel Eletronics, fabricante de brinquedos, desenvolveu o Intellivision, cujohardware possibilitava uma resolução gráfica e sonora bem melhor do que a dosgames existentes na época. Em 1982, o ColecoVision,9 da Nintendo, é sucesso com aconversão dos games, conhecidos nos arcades, para o sistema caseiro.

O primeiro console projetado para mostrar desenhos vetoriais, ao invés dedesenhos de mapas de bits, foi o Vectrex, de Milton Bradley, que rodava em um sis-tema de cartões os jogos com som estéreo, visualizador 3D, caneta óptica e dese-nhos, ainda, em preto-e-branco. Em 1983, nasce o primeiro computador consoleda História para ser um computador pessoal definitivo, desenvolvido pela Micro-soft. Utilizando um televisor comum como saída gráfica RGB, o computador-con-sole ficou famoso apenas com 16 cores simultâneas. Apesar das poucas cores dis-

8 Arcade é uma máquina específica para rodar determinado jogo.9 Desenvolvido pela Connecticut Leather Company e Shigeru Miyamoto.

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ponibilizadas simultaneamente, os desenhos ganhavam um pouco mais de realis-mo em relação aos anteriores.

A Konami produziu jogos para a plataforma MSX e desenvolveu os famososKnightmare, Road Fighter e Kings Valley. Em 1986 a Microsoft deixou de desenvol-ver jogos para o MSX, e a Ascii criou o MSX 2.0, com mais memória e nova placade vídeo. Nesse período, surgem os consoles Sega Mega Drive e o Super-Nintendo,que chegaram para substituir, definitivamente, o computador-console.

Além do desenvolvimento do design dos consoles e das interfaces sensório-motoras, um dos aspectos mais importantes se refere ao estudo do desenho de per-sonagens dos jogos para máquinas de games.

Como foi dito anteriormente, o desenho e a animação de personagens são aarte de convencer jogadores a interagir com o game. O personagem é a estrela efigura central que controla as ações nos ambientes do jogo. O personagem, nessecontexto, é bem diferente dos personagens do cinema e da telenovela. Um perso-nagem de jogo pode ser escolhido individualmente pelo jogador. Ter uma comple-ta e sólida forma visual onde são montados com roupas, acessórios e personalidadedesde o início do game.

Historicamente, o primeiro personagem do videogame foi o Pac-Man, criadoem 1980. Antes dele, em games como Space Invader, os jogadores já controlavamespaçonaves, armas e outros aparelhos mecânicos. Com Pac-Man, uma primitivacircular bidimensional, o jogador controlava um desenho que podia comer algo,talvez uma pizza. É o início do desenho interativo. Bingo!

Pac-Man10 foi desenhado para ser um personagem possível, simples, sem qual-quer outra informação gráfica além de olhos ou boca. Isso foi feito para despertar aimaginação do jogador. Em 1981, um ano depois de Pac-Man, surge o primeirovideogame, o Donkey Kong, de Shigeru Miyamoto, contendo uma animação intei-ra com um personagem humanóide. (POOLE, 2002, p. 76-85).

Mario Bros nasceu como o próximo astro da lista de personagens, num visualditado pela evolução tecnológica da época. Por exemplo, a baixa resolução ofereci-da pelo sistema de videogame não permitia a alta qualidade do desenho em funçãodo pequeno número de pixels. O chapéu no desenho de Mario Bros foi colocadoporque não havia ainda como simular fios de cabelo em movimento.

A década de 90 foi marcada pelo Myst, jogo criado pelos irmãos Robyn e RandMiller para a empresa Broderbund Software, no qual o principal personagem era umintelectual embaixador. Na Exposição 2000 de Entretenimento Eletrônico, em Los

10 Toru e Iwatani disseram que tiveram a idéia do personagem após comerem uma pizza.

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Angeles, EUA, foi lançada uma pedra fundamental no universo dos games, o MystThree que passou a ser conhecido como o primeiro game de adultos. SegundoJohnson (2002, p. 15 7), Myst é fundamentalmente uma experiência 3D, mais pró-xima de um produto artístico do que do entretenimento, para provocar uma sensa-ção no jogador de hipnose, de estranheza e de desorientação. O prazer que o jogoproporciona pode ser o mesmo observado em animações de projetos de arquitetu-ra, onde os ambientes tridimensionais são mais valorizados do que o estudo psico-lógico, ou mesmo realístico, dos desenhos dos personagens.

O mais importante no desenho para games está relacionado à simulação deuma identidade definida pela aparência e movimentos que provoquem êxtase aojogador. O desenho de personagens de última geração, como o Eike, Shadow ofMemories (2000), da Konami, são realísticos e influenciados pela estética dos ani-mes japoneses, que se fundam numa tradição do desenho oriental, onde o corpohumano revela uma anatomia próxima da real. Os contornos são definidos, lim-pos, e as cores são harmoniosamente distribuídas entre os personagens e am-bientes.

Atualmente, o destaque está por conta de Final Fantasy11 representante dageração de games com simulação de ambientes reais que aplicam as novidadescientíficas e tecnológicas para a modelagem física de partículas, fogo, fumaça, lí-quido, luzes volumétricas, assim como de inteligência artificial que controla e ini-cia as ações dos desenhos 3D e objetos virtuais. Nesse caso, os desenhos são gera-dos diretamente a partir de algoritmos e não mais pela mão do desenhista.

As ações com interatividade instantânea correspondem às animações e aosdiálogos que se estabelecem entre objetos e personagens com os jogadores e, nocaso de sistemas de multiusuários, entre jogadores simultaneamente. Final Fan-tasy originou o filme do mesmo nome, no qual os desenhos dos personagens seapresentam com efeitos de simulação de pele, cabelos, expressões faciais e riquezade detalhes no vestuário. É um modelo básico de construção da anatomia humana,onde não existem imagens capturadas do real. Os ambientes e os atores virtuaissão gerados com modelagem algorítmica. É desenho algorítmico. Os personagens,humanos virtuais, agem como se estivessem no mundo real e têm diferentes per-sonalidades.

Star Wars, desenvolvido pela LucasArts, é um exemplo de sistema multiusuá-rio que permite a participação simultânea de milhares de jogadores. Enquantoisso, empresas de entretenimento como a Sony, a Eletronic Arts e a Blizzard En-tertainment vêm investindo no jogador multiusuário ao lançar StarCraft, WarCraft

11 Criado pelo pessoal da Research and Developement (RD).

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e Diabolo Two, games que permitem troca de idéias, compartilhamento de proble-mas e soluções cooperativas. Esse mundo virtual é ainda mais dinâmico do que oreal. Está sempre em atividade, e o jogo pode durar dias, semanas ou mesmo mesesnuma experiência qualitativamente diferente.

O desenho dos humanos (nos jogos eletrônicos) carrega o estilo de desenhistascomo Richard Corben, que elaborou texturas com camadas de acetatos transparentesaerografados, fazendo surgir um grafismo com aparência tridimensional, antecipandoo que é conhecido atualmente como raytracing e radiosidade, influenciando os progra-madores e desenhistas de jogos. A anatomia do corpo salienta a musculatura e, princi-palmente, os seios das mulheres, fazendo com que o leitor sinta a ficção.

Os games fazem parte do conceito de virtualização, da palavra virtual, do la-tim virtualis, virtus, força, potência. O virtual existe em potência, assim como umaárvore está virtualmente presente na semente. A virtualização vai além da afinida-de com o falso, o ilusório, o imaginário, pois chega ao poderoso jogo dos processosde criação e persuasão, como a transformação de um modo de ser em outro. Oatual e o virtual, ou mesmo o real e o virtual, freqüentemente, carregam uma idéiade oposição. Enquanto o real poderia ser o eu tenho o virtual seria da ordem do te-rás, algo ilusório. Logo, a virtualização tem a ver com uma mudança de identidade,um deslocamento. Isso acontece, por exemplo, com uma empresa virtual que é nô-made, dispersa, desterritorializada. A virtualização reinventa a cultura nômade fa-zendo surgir um novo meio para outras interações sociais. Na rentável indústriamundial do turismo, o peso econômico das atividades em função da locomoçãofísica, como veículos, hotéis, restaurantes, aeroportos, estradas, combustíveis, ge-ram outras infra-estruturas apropriadas para o trabalhador virtual que transforma oseu espaço privado em espaço público. (LÉVY, 2001, p. 56).

A informação e o conhecimento passaram a ser a principal fonte de produçãode riqueza. As pessoas não apenas são levadas a mudar várias vezes de profissão,como os conhecimentos são renovados em ciclos cada vez mais curtos. Lugar etempo se misturam numa determinada zona da arquitetura mnemônica ou trechodas redes intelectuais. O saber se mostra como figura móvel, deixando de ser imu-tável para se transformar em fluxo, pois, de certa forma cooperativa, uma massa depessoas é levada a aprender, a transmitir e a produzir conhecimentos em suas ativi-dades cotidianas.12

12 O antigo operário, assalariado clássico, vende sua força de trabalho e recebe um salário em troca. A forçade trabalho é um potencial, logo, o trabalho assalariado leva a uma queda desse potencial, já que uma horadada é uma hora irremediavelmente perdida. Em oposição, o trabalhador contemporâneo vende não suaforça de trabalho, mas sua competência, uma capacidade continuamente melhorada de aprender e inovar.Assim, a arte é um último estágio da virtualização, pois representa o ápice da humanidade no sentido emque nenhum animal jamais praticou artes.

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O exercício dessas capacidades cognitivas implica o coletivo, uma vez que nãopensamos sozinhos, pois sempre há a necessidade do diálogo ou do multidiálogo,real ou imaginado. Isso depende das línguas, das linguagens, dos sistemas de sig-nos, das notações científicas, dos códigos visuais, dos modos musicais e simbolis-mos herdados da cultura. Essas linguagens arrastam consigo maneiras de recortar,de categorizar e de perceber o mundo. Do virtual saem as verdades, e também asmentiras, mas no final, a nova morada do gênero humano está cada vez mais parao virtual.

Com os jogos virtuais, surgiram signos de uma nova cultura artística (COU-CHOT; HILLARIE, 2003, p. 93), ou uma nova era de relações entre as artesvisuais, a cultura da comunicação e as indústrias culturais. Um novo que leva emconsideração a questão do jogo no contexto da representação e da simulação dohumano.

É possível escrever que a arte atual não é mais o lugar de resistência à culturade massas, mas, ao contrário, se infiltrou e se apropriou dessa linguagem provocan-do uma hibridização. Por exemplo, Couchot cita a instalação de Pierre Huygue,apresentada na Bienal de Veneza, em 2001, na qual o jogo eletrônico tinha comotema principal uma simulação da personagem japonesa Ann Lee. Para o autor, oartista trouxe à tona a questão essencial de como conjugar arte e cultura de massas.Essa obra ilustraria a condição atual do artista que pode ser muito próxima do diskjockey (DJ), na medida em que deve emitir e receber em tempo real as informaçõesa partir de obras produzidas por outros.

Couchot e Hillarie (2003, p. 197) afirmam que a produção imagética da so-ciedade atual se produz numa história que não é linear. O artista apresenta suaatividade num espaço-tempo de uma cultura de comunicação mundializada, ao mes-mo tempo em que as obras funcionam em diferentes níveis de sentido e se desen-volvem em diferentes espécies de espaço. Ao analisar a indústria cultural atual, épossível verificar que rompeu com os modelos anteriores, contribuintes da ordem ea regulação do espaço público. Esse tipo de indústria estaria localizada sob o signodo ver, das regularidades cronológica e topológica.

Com o surgimento das hiperindústrias culturais (COUCHOT; HILLARIE,2003, p. 198), nos deparamos com um outro estado de programação de espaço etempo das culturas, sua produção imagética, localizações geográficas e programa-ção interativa que se libera dos horários. A indústria cultural é forjada na conver-gência das mídias para funcionar na lógica de informações que podem ser acessa-das de qualquer lugar.

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O DESIGN DAS INTERFACES

Um outro aspecto importante no desenho dos jogos eletrônicos diz respeitoao design das interfaces. Assim, os primeiros jogos tinham resolução baixa e eramapresentados com caracteres alfanuméricos, provocando um desenho minimalista.A interface gráfica, bidimensional, mostrava um layout composto por uma área deação entre os jogadores e outra para as informações sobre o jogo. Todavia, indica-ções sobre o tempo jogado e a pontuação ocupavam um espaço restrito e de difícilvisualização.

A seguir, foram programados jogos que usavam elementos da linguagem ar-tística em combinações simples de linhas e cores primárias que apareceram com olançamento do primeiro Star Wars games.

Na interface, apareceram os primeiros ícones para tornar mais artística a inte-ração já que os jogos eram bidimensionais. A partir de então, essas imagens intera-tivas foram se tornando mais complexas, compostas por formas geométricas, cur-vas, mas ainda com apenas 16 cores aplicadas simultaneamente. Surgiram, então,alguns joguinhos com movimentos um pouco mais complexos nos quais os perso-nagens deslizavam sobre barras verticais e horizontais.

Wolfenstein 3D foi o precursor do primeiro gênero de game com personagem3D e ambientes virtuais acessados em níveis de interação com teleimersão. Nessejogo, fica demonstrada a necessidade de desenhos mais complexos e realistas numainterface gráfica mais organizada e legível. As imagens dos personagens e objetosacessados pelos jogadores têm aparência tridimensional. Mais recentemente, fo-ram projetadas interfaces mais elaboradas, inclusive com imagens metafóricas,13

ampliando os recursos visuais, o raciocínio e a interação.Os games foram se tornando cada vez mais complexos e interativos com in-

terfaces mais estéticas e projetadas para ativar a memória espacial do usuário. Osambientes texturizados foram progressivamente substituídos por sofisticados ecomplexos mapas arquitetônicos que procuram simular a realidade ou outras épo-cas em diferentes civilizações. A preocupação com dados antropológicos e socio-lógicos surge em função da maior fidelidade com a história e a época.

Sherry Turkle,14 filósofa de questões cibernéticas, diz que o campo uno dopensamento iluminista explodiu em diferentes pontos de vista, assim como as in-

13 Aristóteles definiu a metáfora ao dar a uma coisa um nome que pertence a outra coisa: transferência quepode realizar-se do gênero para a espécie e vice-versa, da espécie para outra ou com base numa analogia.(ABBAGNANO, 1998, p. 667).

14 Sherry Turkle é professora e diretora do Social Studies of Science and Technology. Disponível em: web.mit.edu/sturkle/www/

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terfaces que evoluíram de um sistema fixo de linha de comando com caracteres parapossibilidades múltiplas e intuitivas de interação. Isto é, assim como a Filosofiaocidental passou do pensamento estável e unificado de Descartes e Kant para aambigüidade e a incerteza de Nietzsche e Deleuze (apud JOHNSON, 2002), domesmo modo aconteceu com as interfaces e interações que deixaram a linearidadee se tornaram complexas, provocando aos usuários outros conhecimentos e pontosde vista. Por exemplo, o termo rizoma, usado como metáfora para a larga redemundial ( World Wide Web).

A ESTÉTICA INOVADORA DE ALGUNS JOGOS ELETRÔNICOS

Os efeitos colaterais do Star Wars, da Lucas Arts15 ainda causam incômodo nagaláxia dos jogos eletrônicos. O conflito diplomático e o confronto bélico se trans-formaram em uma tragédia de proporções gigantescas. Somente as ações dos jo-gadores podem alterar os resultados do processo nas quais, a cada momento, umanova aventura acontece em mundos diferentes. A história é envolvente e surpre-ende, tanto no estilo e no design quanto na animação dos personagens.

Em Knights of the Old Republic, a novidade fica por conta da ação nas corridasde motos onde destreza, reflexos e rapidez de raciocínio são fundamentais para queo jogador possa destacar comportamentos de um personagem para implantar emoutro, durante o jogo. São independentes; no entanto, solicitar mais de uma ativi-dade a um mesmo personagem pode demorar, pois ficarão em fila de espera até seremexecutadas na ordem solicitada; todavia, essa pausa pode servir como estratégia.Outro destaque interessante é o slow motion que, ativado, resulta numa dilataçãodo tempo de navegação para que o jogador possa preparar a próxima jogada.

Enter the Matrix,16 vai ficar na história por ter sido um game elaborado en-quanto o filme estava sendo rodado. Inédito, o jogo se diferencia, também, por umaabordagem contemporânea, apresentando novos conceitos sobre o real. Além darealidade paralela discutida no primeiro filme, as lutas entre humanos e máquinasimpulsionam a narrativa, e os temas abordados estimulam a busca do homem peloconhecimento e a compreensão. 17 Entre as atrações do jogo estão as lutas mar-ciais, que acontecem em alta velocidade numa função chamada foco do tempo,

15 Disponível em: www.lucasarts.com16 Disponível em: www.enterthematrixgame.com/html/trailer_index.html17 Disponível em: www.estadao.com.br/divirtase/noticias/2003/mai/15/261.htm

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onde o jogador pode retardar o tempo para, por exemplo, correr pelas paredes. Éum dos elementos mais interessantes do Enter the Matrix que, na verdade, parecemais um filme do que um jogo interativo. Ele excede o filme no sentido de que oespectador pode ser um dos personagens, ser o ator principal que salva os humanosdas máquinas. Segundo alguns críticos, o maior problema é que o game tem umroteiro linear, com passos preestabelecidos, que acaba gerando uma impressão deultrapassado como linguagem.

Grand Theft Auto é outro jogo que dispõe de um vasto universo interativo paraser explorado. É criticado pela banalização da violência, mas valorizado pela quali-dade interativa. Tendo a violência como característica, o game é composto por umasérie de aventuras polêmicas. O Grand Theft Auto 3 teve venda proibida, e o jogofoi banido na Austrália devido a cenas em que o personagem principal rouba car-ros, comete uma série de imprudências de trânsito e, como prêmio, assassina pros-titutas. Foi o jogo mais politicamente incorreto produzido até hoje.

Thirteen tem um bom enredo, e a narração é baseada em quadrinhos e dese-nhos animados. O jogo foi integralmente adaptado do mundo das histórias emquadrinhos e possui uma jogabilidade especial. Em praticamente todas as aventu-ras, pequenos quadros aparecem por toda parte da tela, como um acontecimentosimultâneo do inimigo que vai acontecer nos próximos segundos. Por exemplo, emum corredor, um quadrinho surge no canto superior esquerdo do monitor, mostrandoque um dos personagens está indo ao encontro do usuário, isso permite que o joga-dor possa prever uma ação. Outro detalhe a ser destacado é a sonorização repre-sentada por letras e palavras, como nos gibis.18 O jogo demonstra o quanto o somé importante na narração. Os passos são expressos em tap, tap contínuos, indican-do a presença de outro humano virtual. A morte de um personagem é ouvida comum nooo ou um arrrgh, em conseqüência de uma pancada-surpresa, e ainda, podeser ouvido um bam. Tendo por base a linguagem dos quadrinhos, a sonoplastia acom-panha cada letra descrita. O personagem pode ser avisado de que sua presença foipressentida. As onomatopéias são bem-usadas e têm humor enquanto alguns crí-ticos dizem que o jogo tem contradições ao tentar simular a realidade. Porém, comose aproxima da linguagem de quadrinhos, não precisa simular com exatidão a rea-lidade, tanto é que sua estética não requer o real em detalhes, nem no ambiente etampouco no desenho dos personagens. O foto-realismo é substituído pelo dese-nho animado, com cores vivas e fortes contornos pretos.

18 Os junk books ( JBs – gibis).

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A poderosa Unreal Tournament Engine faz o processamento do game que foielaborado como um gibi animado, com qualidades e ações típicas da linguagem.Os objetos são desenhados e têm vários efeitos, por exemplo, o de desfocado queturva a visão do jogador em ações submarinas.

IMAGINÁRIO, PESQUISA E POÉTICA NOS JOGOS ELETRÔNICOS

No começo da década de 60, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), oestudante Steve Russel desenvolveu um game chamado Space Wars, que era execu-tado num computador de grande porte e tinha como meta evitar o encontro de umanave espacial com um buraco negro. A partir daquele momento, nasceu o jogo ele-trônico que aproximava a cultura de massas com as descobertas e investigaçõescientíficas, abrindo a possibilidade de se aplicar os conhecimentos desenvolvidosna área de realidade virtual.

Desde então, percebemos que os games podem estimular o aprendizado epossibilitar a aproximação de um público genérico com as tecnologias. Entretanto,a violência de seus roteiros e ações se tornou um ponto polêmico. Por outro lado,verificamos que a linguagem do jogo vem possibilitando o desenvolvimento de umacerta habilidade tecnológica, onde os humanos se apropriam das novas tecno-logias com todos os seus aspectos multimidiáticos que envolvem os conteúdos per-ceptivos, simbólicos e cognitivos.

Assim, no contexto do desenvolvimento relacionado com a pesquisa em in-teligência artificial e realidade virtual, citamos como referência, a UniversidadeFederal de Pernambuco, que, no Centro de Informática, 19 linha de pesquisa Inte-ligência Artificial Simbólica, coordenada por Gerber Lisboa Ramalho, apresentacomo proposta a definição de metodologias, ferramentas e técnicas para implemen-tação de sistemas que exibam comportamento inteligente. Para tanto, existe umaabordagem simbólica em contraposição com as abordagens numéricas como asredes neurais. Essa temática está presente na pesquisa e na aprendizagem de má-quina; classificação simbólica; processamento de linguagem natural; raciocínio;representação de conhecimento; agentes autônomos e sistemas multiagentes. Ostópicos, ferramentas e metodologias permitem construir aplicações nas áreas derecuperação e extração inteligente de informação na Web; descoberta de conheci-mento em bancos de dados; sistemas de recomendação para comércio eletrônico;

19 Disponível em: www.cin.ufpe.br

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análise de imagem; jogos inteligentes e multimídia; sistemas de aprendizagem ede trabalho colaborativo; tutores inteligentes; e, sistemas de acompanhamentomusical automático. Para desenvolver essas aplicações, contam com parceiros aca-dêmicos, por intermédio de acordos nacionais e internacionais, assim como par-ceiros industriais. Por fim, participam da organização e de comitês de programasde eventos nacionais e internacionais da área.

A Universidade Anhembi/Morumbi está voltada para um curso de gradua-ção em design e planejamento de games, coordenado por Delmar Galisi Domin-gues, onde são formados profissionais para o desenvolvimento de games, nos seusmais variados formatos – jogos de estratégia, ação, aventura, esporte e RPG – paraaplicação em projetos de entretenimento, cultura, arte, experimentação, educaçãoe treinamento corporativo para diversas plataformas, incluindo Web e dispositivosmóveis como celulares.

O curso é considerado inovador e pioneiro no Brasil. É o único curso de gra-duação da área de jogos eletrônicos no País. O seu currículo enfatiza a animação eo design de jogos, além da modelagem tridimensional. A proposta pedagógica en-foca projetos, e, em todos os semestres do curso, os alunos têm que desenvolver umgame ou uma animação. O curso organiza eventos na área e tem parceira com aAssociação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (Abragames).

Na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), o curso deArte e Design tem uma disciplina voltada à construção de jogos eletrônicos. Numapalestra realizada durante a exposição do Game o quê? no Itaú Cultural,20 em 2003,a professora Maria Chagas disse que desde 2000 a instituição oferece aos seus alu-nos a disciplina de Arte e Design de jogos eletrônicos, aberta a qualquer graduaçãoda PUC, oferecida pelo Departamento de Arte e Design em parceria com o Depar-tamento de Informática. Nas aulas são organizadas palestras sobre games, interfa-ce de desenvolvimento, novas tecnologias, indústria de entretenimento eletrônicoe roteiros. A seguir a construção de jogos eletrônicos em programas de autoria.

O interesse pelos games se tornou tão importante que o Ministério da Culturaabriu um edital para a elaboração de games com temas nacionais. As discussões sobreviolência, talvez nesse contexto, sejam colocadas em primeiro plano, pois o imagi-nário pode ir além de um simples combate entre as forças do bem e do mal. Talvezassim, com apoio institucional, histórias e jogos mais interessantes surjam e pro-porcionem algo realmente inovador, que relacione aspectos da arte, à crítica, às re-gras impostas culturalmente e às inovações tecnológicas importantes como os avan-ços em relação à inteligência artificial e realidade virtual.

20 Disponível em: www.itaucultural.org.br

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No Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília, a disciplinaAnimação aborda os estudos teórico e prático que começam com o desenho anima-do tradicional até os jogos eletrônicos.

Game de índio21

O atual projeto de jogo eletrônico para celular, em desenvolvimento no La-boratório de Pesquisa em Realidade Virtual, da Universidade de Brasília, denomi-nado Game de índio, não é competitivo como são os jogos eletrônicos disponíveisno mercado. É um jogo indígena que só termina quando houver empate.

O projeto gráfico mostra o espaço do Kuarup na floresta. O personagem ín-dio carrega um tronco para chegar a um espaço determinado passando por diver-sos contratempos. O mais importante é que todos vão chegar juntos, empatados.Um detalhe importante é que pode ser jogado sozinho ou ser multiusuário.

O jogo tem níveis de dificuldade: fácil, normal, difícil, que acontecem em cin-co ambientes diferentes e que correspondem às tribos Aweti, Mehinaku, Yawala-piti, Matipu Nafukua e Tanguru Kalapalo.

Em cada uma dessas fases, o percurso e os desafios são diferentes. Os jogado-res devem enfrentar em conjunto essas dificuldades. O primeiro ambiente apre-senta a Amazônia sendo destruída por motosserras, queimadas e violentas serrasassassinas.

No segundo ambiente, ainda carregando o tronco, o jogador, com sede, preci-sa beber água do rio para seguir em frente, entretanto, como está poluído por pro-dutos químicos de um garimpo ele tem que achar outra fonte de água para beber eaí entrar no terceiro ambiente.

No terceiro ambiente, estão os bandidos da floresta, ou seja, garimpeiros eposseiros de terras que acabam provocando incêndios que darão lugar à plantaçãode soja e à pastagem de gado. A mata está sendo destruída, e o personagem, então,dança para chover, mas como isso pode demorar muito, opta por pegar água do riopara apagar o fogo junto com os outros carregadores de troncos. Salvar a florestadeve ser um processo rápido, pois têm um limitado tempo para isso.

No quarto ambiente, o jogador encontra um animal ferido. Então, deve parare cuidar do animal com folhas e sementes de uma determinada árvore. Só depoisque o animal for atendido, o jogador volta a carregar o tronco.

21 Participam do projeto os bolsistas do CNPq Daniel Scandiuzzi, André Ramalho Maciel e o Professor AlgeirPrazeres Sampaio.

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No quinto ambiente, o tronco é colocado no ambiente preparado para o eventoe, caso chegue na frente dos outros, o jogo acaba anulado. Deve ser recomeçado,pois não há vencedor, e o jogador tem que esperar pelos outros para, finalmente,todos, carregadores e tribo, comemorarem com uga-ugas festivos.

A tecnologia aplicada é Java 2 Micro Edition ( J2ME), API do MIDP2.0, queé uma estrutura apropriada para a criação desse tipo de games. A programação dejogos em pequenos aparelhos celulares apresenta características bem diferentes dosgames para personal computer (PCs) ou consoles de videogames. Essas característi-cas estão relacionadas com o poder de processamento, o tamanho da tela, a quan-tidade de memória e a largura da banda. Os games para celulares são limitados ecomparáveis aos antigos games de oito bits, como o Nintendo e o de 16 bits como oSuper-Nintendo. A plataforma J2ME, por ser um padrão aberto, não requer autori-zação de uso. O game tem estrutura bidimensional.

Neste trabalho, procuramos mostrar que a violência e a disputa não são naturaisno humano, mas desenvolvidas no indivíduo em razão da cultura de sua sociedade.

O IMAGINÁRIO DOS GAMES DE AÇÃO NO BRASIL

Além das universidades no Brasil, a partir dos anos 90, começaram a surgirgrupos interessados em produzir jogos eletrônicos no contexto da cultura das mí-dias do entretenimento.

Por exemplo, um grupo para desenvolvimento de sistemas e tecnologia para aWeb,22 projetou o Neetherdeep em ambiente onde os jogadores batalham para ga-nhar territórios e combater monstros. Desde 1996, o Netherdeep é um jogo online e,numa versão mais recente, vai suportar 6 mil jogadores simultâneos. A Engine, doNetherdeep, é brasileira e no início era em duas dimensões. Utiliza recursos da tec-nologia de realidade virtual, tais como as modelagens cinética e física. É o primeirorolling play game (rpg) 3D online. O Netherdeep também conta com um sistema dedungeons e aventuras controladas em tempo real por dungeon masters, e esses con-trolam o jogo em muitos aspectos, podendo criar mundos e outras novidades, paraevitar algumas das monotonias em jogos online, pois o jogador pode, sozinho, oucom outros, participar de uma narrativa durante um tempo indeterminado.

No estilo arcade, existe o Earth Force,23 desenvolvido por Daniel Mome eDaniel Bauman o qual concorreu no Independent Game Festival (IGP). O primei-

22 Disponível em: http://www.netherdeep.com.br/23 Disponível em: http://earthforce.nervo.org/main.html

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ro produto do grupo pernambucano Jynx Playware foi o FutSim24 que é um jogoem que o usuário assume a função de treinador e até de cartola. Iniciado em 1999e após três anos, o game possibilitou tarefas como a administração de uma equipede futebol como, por exemplo, escalar a equipe, cuidar do salário, do ego dos atletas,manter as finanças em dia e também contratar, vender ou emprestar jogadores viarede internet.

Controladas por inteligência artificial, as partidas acontecem com hora mar-cada. O usuário acompanha (em tempo real) os principais lances da disputa e pro-move substituições e mudanças no esquema tático. A variedade de opções é exten-sa. No início, não é difícil se perder em meio a tantas estatísticas e alternativas. Oauxílio de médicos para manter o condicionamento físico de atletas e de olheirosque apontam revelações de outras equipes são alguns dos recursos que mostram obom trabalho da Jynx em inteligência artificial.

Os jogos eletrônicos são criados para envolver o usuário, tanto quanto possí-vel, mas nenhum gênero parece fazê-lo tão bem como os chamados MassivelyMultiplayer Online Role Playing Game (MMORPG), ou seja, RPGs voltados paraa rede internet. Esse tipo de game cria uma espécie de mundo virtual no qual osjogadores interagem entre si, desempenhando ações em comum. Na maioria de-les, cada jogador possui uma profissão específica dentro de um mundo, o que lhegarante o dinheiro necessário para a sobrevivência. Outros se dedicam à explora-ção dos cenários ou até mesmo a roubar itens dos companheiros. Os jogos eletrô-nicos têm que envolver o usuário tanto quanto possível como os jogos voltados àdisputa com centenas de outros usuários via internet. Esse tipo de game apresentauma espécie de mundo virtual no qual os jogadores interagem entre si. Na maioriadeles, cada jogador possui uma profissão específica dentro de um mundo, o que lhegarante o dinheiro necessário para a sobrevivência. Outros se dedicam à explora-ção dos cenários ou até mesmo roubar itens dos companheiros.

A Espaço Informática, de 1990, sediada em Venâncio Aires, Rio Grande doSul, criou o Hades2, um jogo de ação 3D, em primeira pessoa. O game é uma bata-lha contra as forças hostis, durante a qual o jogador usa armas inéditas comfuncionamento e potência específicos inspiradas em tendências científicas queindicam projeções até onde a indústria bélica pode chegar no futuro além das ar-mas tradicionais.

24 Disponível em: http://www.futsim.com.br

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Incidente em Varginha, de Marcos Cuzziol, se destaca como um game de ação.É baseado na história do alienígena que apareceu em Varginha, cidade de MinasGerais. Marcos está desenvolvendo a continuação do game do extraterrestre noIncidente em Varginha 2: sombras da verdade.

Outlive,25 da Continuum no Paraná é um jogo de estratégia em tempo real,desenvolvido nas versões português e inglês, no qual coexistem humanos e robôs.O site do jogo descreve uma história em que a humanidade se defronta com o de-safio da sobrevivência. Com a explosão populacional, os já escassos recursos ener-géticos e minerais estariam prestes a se exaurir. Aliado a esse fato, há um contínuoaumento de ações terroristas, pois diversas facções procurariam mais poder com odomínio dos recursos naturais remanescentes.

O roteiro, baseado nas histórias de ficção científica em que o bem luta contraas forças do mal, não é muito original. Como em todos os games de ação, somentereproduz uma cultura estabelecida a partir da força bruta, para justificar guerras edisputas. Assim, confirmando essa tendência, o roteiro diz que para tentar trazerordem ao caos, os líderes dos países mais poderosos do mundo e os representantesdos grandes conglomerados econômicos criaram o Conselho Mundial, que temcomo principal objetivo o restabelecimento da ordem mundial e a garantia da per-petuação da espécie humana por meio da guerra.

Esses grupos, de maneira geral, apesar de não desenvolverem pesquisas, insis-tem em jogos de guerra. Por outro lado, aplicam os desenvolvimentos realizados naárea das realidades virtual e estética das interfaces para os jogos. Ou seja, a avança-da tecnologia de inteligência artificial proporciona um verdadeiro desafio aos joga-dores, passando, muitas vezes, a ter mais importância para o jogador do que o pró-prio roteiro. Os jogos eletrônicos, ainda, motivam o aprendizado sendo, portanto,educativos, mas há os que podem ser nocivos, principalmente os que lidam comviolência.

INTERFACES SENSORIAIS

Na interação, o jogador assume um personagem e outra identidade caminhan-do, ou em veículos, enquanto percorre outros ambientes. A maioria dos jogos digi-tais combina aventuras, relações sociais e buscas audaciosas para explorar a intera-ção sensorial por meio de equipamentos e consoles. As interfaces sensoriais po-dem acionar interações por meio do corpo do próprio jogador que pode se deslocarem um ambiente virtual. Algumas interfaces envolvem o jogador com movimen-

25 Disponível em: http://www.outlivepage.hpg.ig.com.br/

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tos que acompanham fisicamente o desenvolvimento da narrativa e ações vividaspelo personagem, por exemplo, ao pilotar um carro.

A tecnologia de realidade virtual – usada na elaboração das interfaces senso-riais – é, para Kerckhove (1997, p. 132), muito próxima do design. Os sistemas exis-tentes constituem variados tipos de interface ligando usuários a ambientes envol-ventes, com imagens e sons calculados em tempo real por computador. Entrar numarealidade virtual é possível, por enquanto, pela teleimersão com capacetes e visoresque dão a sensação de imersão total, em função da imagem estereoscópica tridi-mensional de um ambiente. Para operar no mundo virtual, as interfaces são múlti-plas, tais como luvas, tapetes sensoriais, bicicletas e outras. Para o autor, desde oinício, a realidade virtual vem sendo implementada por artistas-engenheiros.26 Arelação da realidade virtual com a arte está ancorada na expressão sensorial e nainteração com os usuários ou jogadores.

A Cidade Legível (1989), de Jeffrey Shaw, tem dois ou mais ciclistas em situaçõesremotas que estão simultaneamente presentes em outros ambientes virtuais. Podem seencontrar acidental ou intencionalmente, como representações de avatar um do outroe, quando estão perto, podem se comunicar verbalmente ou com metatextos.

Como resultado da natureza ubíqua da internet e a maturação de técnicas de in-teração 3D, passa a existir a necessidade da definição de estruturas estéticas e éticas.Com esse desenvolvimento tecnológico, ocorrem outras interações sociais e quebrasde paradigma no design da interface para interconectar ambientes virtuais comparti-lhados.

SABOTAGENS , HACKERS E GAMEARTE

Anne-Marie Schleiner,27 Joan Leandre e Brody Condon desenvolveram umtrabalho para sabotar jogos de violência do tipo Counter Strike. A interferência naslinhas originais do código se transforma numa versão artística que ganhou o nomede Velvet-Strike. A arte da sabotagem algorítmica mostra caminhos de interven-ção em narrativas preconceituosas de games que incentivam a competição, a guerrae o terrorismo. Para eles esses são valores que precisam entrar logo em decadênciapara dar lugar ao oposto, ou seja, à solidariedade e à colaboração.

Gamearte é um projeto28 que procura, na linguagem dos jogos eletrônicos,desenvolver uma poética artística interativa e de compartilhamento de espaços vir-

26 A interface de RV original foi desenvolvida no MIT por Ivan Sutherland e era composta por uma unida-de Head-Mounted-Display (HMD).

27 Disponível em: www.opensorcery.net/velvet-strike/[email protected]

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tuais em instalações e na rede mundial de computadores. Contemplando idéiascontemporâneas da arte da intervenção nos contextos político, social e urbano dacibercultura, o Gamearte está apoiado em fundamentos teóricos originados das áreasda ciência da computação,29 da arte e da comunicação. A poética é marcada pelareflexão onde o lúdico simula situações ou testa a ruptura e a desconstrução demodelos. Modelagens físicas, mídias interativas, modificações randômicas, bancode dados iconográficos, mensagens subliminares e a inteligência artificial compõemessa atmosfera virtual.

A revolução digital, segundo algumas teorias, convenceu cientistas e filósofosde que estamos vivendo um novo tempo da arte.30 A decifração do genoma e areplicação da vida indicam que o ser humano já está em uma era ciborguiana.(MACIEL; VENTURELLI, 2003, p. 225-233).

O ano de 1965 foi marcado pela revolução dos computadores pessoais quegeraram o impacto da tecnologia digital. A sociedade competitiva e gananciosaobriga as pessoas a viver enclausuradas,31 primeiro em casa, depois na escola, notrabalho ou até mesmo no caso de transgressões inadmissíveis, numa prisão. Essese outros fatores reforçam e justificam o sucesso dos games, que hoje acontecem emredes interativas. O grande erro é que geralmente acabam banalizando a violênciae a morte. Induzem ao caos urbano com a desorganização do sistema econômico-político vigente.

Hubbub é um game que usa recursos dos jogos eletrônicos para acompanhar ousuário no ambiente virtual preenchido por imagens do metacotidiano. Um cená-rio – onde a fumaça se espalha com a interação e a modelagem física de sangue –preenche os ambientes constantemente, sem cessar, enquanto personagens dese-nhados, embora possuam inteligência em estado primitivo, provocam no usuáriouma reação de reflexo com os deslocamentos de rotação e de imersão em intera-ções acessíveis pela interface gráfica, teclado, mouse ou joystick.

Para evitar que o jogador desista do jogo, ou do ambiente, o conceito de virtus, depotencial, é aplicado como inteligência artificial a fim de provocar ações e reações entreagentes e usuários. É uma tentativa de despertar o desejo do jogador em experimentar

28 Elaborado na Universidade de Brasília, no Laboratório de Pesquisa em Arte e Realidade Virtual do Insti-tuto de Artes, coordenado pela Professora Suzete Venturelli desde 2002, financiado pelo CNPq. Esse projetotem sido apresentado em congressos e festivais (nacionais e internacionais) de arte digital.

29 Da ciência da computação a pesquisa está se apoiando na tecnologia da realidade virtual e na inteligênciaartificial.

30 Lucia Santaella é Professora-titular na PUC/SP. Publicou I magem, semiótica, cognição e mídias em co-au-toria com Winfried Noth.

31 Deleuze cita Foucault e a sociedade de controle.

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situações que não podem ser vividas na realidade, mas em outra vida, onde pode seroutro e fazer transbordar em si mesmo um estado de pulsão, de fascinação pela formaou pela aparência desenhada do personagem por ele escolhido.

EXPERIMENTAÇÕES COM ALGORITMOS

Nos jogos computacionais, os movimentos têm base na técnica da cinemáti-ca direta, assim como da inteligência artificial, que permite comportamentos com-plexos para os corpos dos agentes humanóides. O desenho da figura humana éconstruído como um conjunto de objetos agrupados com encaixes de junções nolugar de ossos e rótulas. Os movimentos podem ser representados por equações queestabelecem relações entre posição, velocidade, aceleração, rotação e translação. Osgames passam a existir a partir de programas computacionais, linguagem de pro-gramação e animações incorporadas aos personagens, tais como andar como umser humano ou o deslocamento de uma aeronave.

Nos trabalhos de gamearte BsB Virtual, Corpo 2D, Corpo 3D e F69 foramaplicadas noções de inteligência artificial na definição dos comportamentos depersonagens que habitam esses games. Personagens que não possuem vida própria,mas reagem às ações do usuário de forma inteligente mostrando um tipo de perso-nalidade eletrônica, que pode ser percebida pela capacidade de tomar decisões sen-síveis de forma autônoma, todavia, ainda é controlada pela máquina.

BsB Virtual propõe um espaço tridimensional que representa parte do EixoMonumental de Brasília, no qual podem ser acionadas imagens disparadas comobombas fotográficas de políticos históricos. São ambientes diferentes conectadosnum portal para que possam ser visitados pelo jogador. A proposta é discutir a questãosobre as diversas formas societárias, a formação de grupos sociais, identidades, tro-cas simbólicas, consumo, ocupação do espaço público, o acontecido ou o que podeacontecer com a paisagem urbana. Esses e outros temas são, inclusive, de espe-cial interesse no desenvolvimento de roteiros para jogos, desenhos animados ehistórias em quadrinhos.

São esboçadas, no game, algumas das múltiplas territorialidades percebidas emBrasília, cuja tessitura apresenta diferentes significados sociais do espaço urbano,incluindo monumentos, prédios públicos, esculturas e equipamentos que vãomodelando o imaginário. Foi necessário refletir sobre cultura numa economiamundializada que mistura estilos e valores. Por exemplo, Brasília foi simulada parater a fisionomia, própria de uma cidade-sede de representações nacionais e inter-nacionais, estando totalmente estruturada nos princípios do modernismo.

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Para a realização de um game eletrônico, às vezes, é preciso investigar os re-pertórios culturais e como esses passam a ser geradores de linhas de força que re-sultam em subculturas específicas. Foucault em Microfísica do poder, afirma que éimportante identificar as relações de continuidade ou ruptura entre outras épocas eas de hoje. Uma metrópole é uma escrita do tempo e, como tal, obra coletiva resul-tado de uma intrincada urdidura simbólica e significativa, amálgama de outras cul-turas.

O público interessado em games geralmente é aquele das histórias em quadri-nhos, das animações, da literatura e do cinema de ficção. Nesse sentido, a produ-ção cultural consome elementos da pop arte para encontrar uma cultura mais po-pular e menos elitizada o que garante ao novo meio emergente mais legitimidadeentre os especialistas da cultura dominante. É comum acontecer que uma subcul-tura produza inovações, enquanto a dominante espera a hora para se apropriar des-ses resultados interessantes para vender como produto de consumo a um públicomaior. ( JOHNSON, 2001, p. 164). Talvez o caminho natural das obras compu-tacionais realmente é chegar ao grande público, a massa, e todo esse processo pa-rece facilitado e naturalizado com o auxílio da rede mundial de computadores esistemas de multiusuários para participações simultâneas.

MACHINIMA: COMPUTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA ULTRA -REALISTA

Machinima é uma contração entre machine e anima, ou seja, entre máquina e ci-nema. É um gênero ainda novo de cinema de animação que se estabelece no mundodos hardwares e softwares preparados para a era da computação cinematográfica. Osgames hoje são montados e editados em poderosos motores gráficos que também per-mitem a elaboração de filmes animados interativos. Anachronox,32 programado por JakeHughes, em 2002, foi o primeiro longa-metragem a participar de festivais de cinema.Também foi o ano de In The Waiting Line, do grupo inglês de música eletrônica ZeroSeven, o primeiro videoclipe da MTV exibido regularmente.

Machinima33 começou nos anos 90 quando os games maníacos perceberamque em vez de gerar inimigos para serem explodidos, os motores gráficos dos jogosde computador poderiam ser utilizados para histórias fantásticas, elencos diferen-tes e efeitos especiais. Esses motores precisam ser rápidos o bastante para renderi-

32 The first part of the multi-award-winning film based on the SF computer game Anachronox, telling thestory of a private eye who gets mixed up in a galaxy-wide plot. Disponível em: http://www.robotic-graphics.com/anachronox/index.html

33 Disponível em: www.machinima.org

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zar cenas em tempo real, o que limita um pouco a qualidade da imagem. Ao con-trário, a tecnologia usada em filmes de alta qualidade de imagem, como Shrek, de-mora alguns minutos para completar o render de visualização. Essa, por enquanto,está sendo a dificuldade para transformar os motores gráficos de games em es-túdios de cinema virtuais. No entanto, uma safra atual de jogos já vem de fábricacom as ferramentas necessárias para algumas dessas tarefas.

Epic Games34 tem sido a empresa de destaque nessa nova tendência. Desen-volveu o popular Unreal Tournament, que, na versão 2003, incluiu uma ferramentade cinema chamada Matinée. Em Everquest e Dark Age of Camelot, o ambientefantasioso serve como cenário para os jogadores que acessam o sistema ao mesmotempo. Um computador pessoal é ligado a uma câmara de vídeo digital, e a ação éentão registrada. Essa técnica está sendo usada para rodar um programa de um canalde televisão por cabo especializado em games. Os métodos dos games online, alémde se constituir em um hobby para cineastas, começam a ser usados em estúdios deefeitos especiais como o de George Lucas, a Industrial Light and Magic (ILM),que tem o motor do Unreal Tournament35 para criar os storyboards para a série StarWars.

O aparelho de difusão cultural, para o teórico Stiegler, inclui as mídias eletrô-nicas, assim como os jogos eletrônicos, vistos como objetos industriais que in-fluenciam fluxos de consciência de uma forma ritmada, ou seja, as mutações tec-nológicas aceleram a passagem do estado industrial para um estado hiperindustri-al, que integra os mundos da cultura e do espírito num vasto sistema cujos signos,símbolos e jogos se apresentam amalgamados. Época onde os receptores de televi-são se transformaram em terminais de teleação que permitem assistir a programas,fazer compras e jogar a distância que, certamente, não cessará de se expandir. Nes-se sentido, há um relacionamento entre o desenvolvimento do sistema técnico e aglobalização. Nessa mundialização, ocorreu uma enorme mutação na qual a pro-dução simbólica que antes era religiosa, artística, política e intelectual, hoje estáintegrada de modo submisso aos critérios da indústria e do comércio, que inclui aindústria do jogo. (STIEGLER, 2001).

É importante destacar que o desenho das representações física e psicoló-gica do ser humano parece ter ganhado destaque com os games e a inteligênciaartificial. O que prova ser o humano um assunto de interesse que nunca sai de modanas artes plásticas e na cultura popular.

34 Disponível em: http://udn.epicgames.com/pub/Engine/WebHome/35 A Nvidia, fabricante de placas aceleradoras de vídeo, também tem incentivado o desenvolvimento de ga-

mes, pois o uso de hardware gráfico para entretenimento é um prolongamento lógico da empresa.

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REFERÊNCIAS

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