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BAURU, FEVEREIRO DE 2014 & Sociedade Ambiente Planejamento já! Desperdício e desorganização impedem crescimento sustentável

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Suplemento produzido para a disciplina de Jornalismo Impresso II, 2013, do curso de Jornalismo da Unesp, câmpus Bauru, sob a orientação do Prof. Dr. Angelo Sottovia Aranha

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Page 1: Ambiente & Sociedade

BAURU, FEVEREIRO DE 2014

&SociedadeAmbiente

Planejamento já!Desperdício e desorganização

impedem crescimento sustentável

Page 2: Ambiente & Sociedade

02 FEVEREIRO 2014 EDITORIAL

O jornalismo ambiental tem ganho cada dia mais espa-ço nos grandes meios de comunicação e está sendo incor-porado como um ponto de vista obrigatório em qualquer produção. Se fala-se de economia, lá está o meio ambiente, influenciado pelo futuro das petroleiras ricas e pelo tama-nho do PIB; se fala-se em política, lá está o meio ambiente, afetado por decisões parlamentares em prol dos agriculto-res, ou então beneficiado por leis anti-desmatamento.

A sociedade está mais e mais ciente do seu importante papel na conservação do espaço em que todos vivemos. Atitudes sustentáveis tornaram-se naturais. Vão além de separar o lixo reciclável do orgânico. Campanhas de reci-clagem de óleo de cozinha, sacolas plásticas retiradas dos supermercados (e depois devolvidas), multa para quem joga lixo no chão, painéis solares, captação de água da chuva e a procura por produtos orgânicos.

O jornalismo ambiental, ao longo dos anos, mostrou que é mais do que um nicho que fala de ecovilas, reci-clagem e aquecimento global. Hoje pode-se demonstrar como é importante discutir o meio ambiente e o desen-volvimento sustentável, sem ser eco-chato. Por exemplo, o aquecimento global afetará seu prato de comida, a produ-ção energética pode acabar com a geração de eletricidade, hortas urbanas geram renda para toda a região, falta de planejamento urbano prejudica o ambiente e, portanto, toda a sua vida.

O que se observa, também, é a adoção da sustentabili-dade como um estilo de vida, ou seja, mais que apenas um modelo de desenvolvimento. O surgimento de festivais sustentáveis, dos menores ao SWU (este quase dialético) demonstra o quanto defender o meio ambiente se tornou algo cool. As pessoas sentem orgulho de participar. Ain-da mais: existem culturas e costumes, antes esquecidos, voltando à moda. Coadores de pano, roupas sem poliés-ter (tecido de plástico) ou materiais parecidos, jardins em apartamentos, visitas a jardins botânicos e absorventes e fraldas descartáveis trocados por outros de algodão.

É possível perceber a urgência do tema e o interesse do público por ele. Mas noticiar não basta. Afinal, como já disse o jornalista cubano Vígil López, devemos infor-mar para inconformar e transformar. Sem clichês ou lu-gares comuns, crítico, contemporâneo e contextualizador. Assim deve ser o jornalismo ambiental. Esperamos que assim seja o nosso jornalismo.

Sustentável e democrático

&SociedadeAmbiente

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

Reitor: Julio Cezar Durigan

Vice-reitora: Marilza Vieira Cunha Rudge

Faculdade de Arquitetura, Artes e ComunicaçãoDiretor:

Nilson GhirardelloVice-diretor:

Marcelo Carbone Carneiro

Departamento de Comunicação Social Chefe:

Juarez Tadeu de Paula Xavier Vice-chefe:

Angelo Sottovia Aranha

Curso de Jornalismo Coordenador:

Francisco Rolfsen Belda Vice-coordenadora:

Suely Maciel

Planejamento Gráfico Editorial II Professores:

Francisco Rolfsen Belda e Tássia Zanini

Jornalismo Impresso II Professor e Jornalista Responsável:

Angelo Sottovia Aranha (MTB 12.870)

4º Termo Jornalismo Noturno Alunos:

Aline Antunes, Heloísa Kennerly, Isabela Giordan, João Pedro Ferreira, Julia Bacelar,

Letícia Ferreira, Paulo Palma Beraldo, Renan Hass e Thales Valeriani

Foto da capa: Clériston MartineloDiagramação: João Pedro Ferreira e Heloísa Kennerly

Page 3: Ambiente & Sociedade

mundo se o desperdício não for controlado. Em um alerta emitido globalmente, a FAO afirma que é necessário reduzir o desper-dício que já chega a média de 1 bilhão de toneladas por ano.

Enquanto isso, cerca de um terço dos alimentos produzidos no mundo é per-dido ou desperdiçado durante os proces-sos de produção ou venda. Nos países em desenvolvimento, o alimento se per-de antes mesmo de chegar nas mãos do consumidor. Já em países desenvolvidos, a comida é desperdiçada por seus pró-prios consumidores.

Segundo dados da FAO, com apenas um terço dos alimentos desperdiçados seria possível alimentar os 842 milhões de fa-mintos no mundo.

“Tirar o máximo de alimentos a partir de cada gota de água, pedaço de terreno, grão de fertilizante e minuto de trabalho economiza recursos para o futuro e tor-na os sistemas mais sustentáveis”, é o que prega a ONU.

Ou seja, é crucial que o desperdício diminua durante os próximos anos ou a disponibilidade de alimentos ficaria gra-vemente comprometida, já que a popula-ção mundial só tende a crescer.

03FEVEREIRO 2014ATUALIDADES

Mesmo em tempos mais modernos não é fácil alimentar a população mundial, apesar do grande avanço da tecnologia. Cerca de 842 milhões de pessoas no mundo passam fome, segundo relatório emitido pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). Entretanto, essa demanda só tende a aumentar com o crescimento da população mundial. É estimado que para alimentar a população do planeta no ano de 2050, cerca de 9 bilhões de habitantes, será necessário du-

plicar ou triplicar a produção de alimentos em escala mundial. Mas como fazer isso? Segundo a FAO, um dos primeiros passos é diminuir o desperdício (2,7 bi. kg/dia) e, com a ajuda da tecnologia, implantar novos métodos para o aumento da produção!

Haverá comida para todos?Para aguentar a demanda de 2050, tecnologia e produção de alimentos deverão andar juntas

Isabela Giordan

Produtividade é a solução

Para implementar os méto-dos de aprimoramento da produ-ção de alimentos, é de extrema

importância a distribuição do território mundia para esse fim. Segundo o relató-rio, cerca de 40% da superfície terrestre já é utilizada para a agricultura, e em alguns países já não há mais espaço físico para o aumento do cultivo.

E aí fica a pergunta: como aumentar o plantio? A resposta sugerida pela ONU é o aumento da produtividade. De acordo com dados da FAO, a produtividade de alimentos cresceu nos últimos anos cerca de 80% e a expansão territorial cresceu apenas 20%.

Tudo isso se deve ao desenvolvimen-to de novas tecnologias que permitem maior produtividade de plantio. Um exemplo disso é o monitoramento por GPS, que possibilita o desenvolvimen-to da agricultura de precisão, facilitan-do as práticas agrícolas, a eficiência de aplicação de insumos, a diminuição dos custos de produção e reduz os dano ao meio ambiente.

Além disso, a utilização de sementes de alta qualidade e de produtos de proteção ao cultivo ajudariam a diminuir cerca de 20% a 40% da perda anual de alimentos, segundo dados da Empresa de Pesquisa Brasileira de Agropecuária (EMBRAPA).

1520 746748594

545453

414

(kCAL/CAPITA/DIA)

AMÉRICA DO NORTE E OCEANIAEUROPA

REGIÕES

ÁSIA INDUSTRIALIZADANORTE DA ÁFRICA E ÁSIA CENTRALÁFRICA SUSAARIANAAMÉRICA DO SUL

FONTE: WRI/PNUMA/EXAME. ARTE: JOÃO PEDRO FERREIRA

Mais água! Mais energia!

Entretanto, para que se aumente a produtividade é necessário a utilização de

mais água e de mais energia, recur-sos que estão cada vez mais escassos no planeta. Em dado revelado pela ONU, aproximadamente 70% de toda a água disponível no mundo é empregada na irrigação de cultivos. E ainda é possível afirmar que no Brasil esse percentual chegue a até 72%.

O esperado é que em 2050 seja neces-sário aumentar em 11% o uso de água para a irrigação, pois uma população de quase 9 bilhões de pessoas exige o aumento da produção.

Além disso, a pecuária também é uma grande consumidora de água. Durante a produção da carne bovina, são utilizados em torno de 15 mil li-tros por quilo de carne, segundo dados da FAO.

Já a necessidade energética para a produção de alimentos deve aumentar em 60% até 2050. Segundo um estudo realizado em 2012 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), é espe-rado que a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis dobre até o ano 2035 para que, em 2050, a demanda seja atendida.

De nada adianta todos es-ses passos para garantir o re-abastecimento de comida no

Arte: João Pedro Ferreira

SUDESTE E SUL DA ÁSIA

&SociedadeAmbiente

E, por fim, chega de desperdício!

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04 FEVEREIRO 2014 ENTREVISTA

Ambiente & Sociedade - O que caracterizam espaços livres urbanos?

Norma Constantino - São aqueles espaços não constru-ídos, não tomados por edifi-cação. Não dá para imaginar uma cidade só com espaços construídos. Tem que pensar na qualidade desses espaços entre os edifícios.

Há falta de espaços urbanos?Não é que haja falta. Não há

espaços urbanos com qualida-de. Então, as pessoas os evitam às vezes porque está muito sol e não tem sombra, preferindo ir para um shopping, que é fe-chado e tem ar-condicionado. Deixam de fazer exercícios fí-sicos, caminhar porque está sol demais. Então, há falta de qualidade e de conforto nesses espaços. E, principalmente, há a questão da segurança.

A construção desses espaços deve ser uma das prioridades? Por quê?

Aí vale mesmo o interesse político. Tem cidades que in-vestem e investem muito em espaços livres urbanos justa-mente porque vão dar o dife-rencial para aquela cidade. Um exemplo é Curitiba. As pessoas vão conhecer a cidade, vão fa-zer turismo lá porque existem os parques, que foram feitos pela prefeitura. Então, não é se pensando se “vai gastar”, e sim que é um investimento feito

tanto na qualidade de vida de quem mora lá quanto um atra-tivo da cidade pra trazer outras pessoas, sejam turistas ou pes-soas das cidades próximas.

Esse pensamento é tendência ou exceção?Nos planos diretores, isso é sempre uma coisa muito im-portante. Lá estão colocadas es-sas questões dos espaços livres. As cidades com mais de 20 mil

Não há espaços urbanos com qualidade

Professora acredita que falta de conforto e segurança nos espaços públicos é o que acaba atraindo as pessoas e os

“rolezinhos” para os shoppings.

João Pedro Ferreira João Pedro Ferreira

ENTREVISTA NORMA CONSTANTINO

habitantes foram obrigadas a fazer seus planos diretores. En-tão, acredito que é uma ques-tão de tempo e talvez interesse político implantar esses par-ques. A lei é o plano diretor.

A construção de shoppings está configurada no contexto de espaços livres urbanos?

É um interesse comercial, capitalista. Mas as pessoas sen-tem-se confortáveis em fazer

compras no shopping, pois é climatizado e tem segurança, sendo muito atraídas para isso. Bauru, sendo uma cidade muito importante na região, que atrai as pessoas das cidades vizinhas para o seu comércio e serviços, tem esse perfil. Se houvesse maior qualidade também nos espaços livres, eles também se-riam aproveitados.

Na questão dos “rolezinhos” os shoppings foram classifi-cados como locais de circula-ção limitada. Por que esses jo-vens das periferias se reúnem nesses locais?

Por falta de opção mesmo. O que as pessoas querem nos seus espaços públicos? Verem e serem vistas. Então, sentem-se bem num lugar, pois tem movimento, onde encontram outras pessoas, são vistas, tro-cam ideias. Se no shopping acontece isso, é onde acaba atraindo.

Como a senhora vê a questão de proibirem a entrada nos shoppings nessas ocasiões?

Eu sinto muitíssimo, não gosto de nada proibido dessa maneira, mas é um direito de quem é dono daquele espaço. Não é um espaço público. É um espaço semi-público, aberto em determinado horário, que tem seguranças, portaria, cobram estacionamento. Algum dia podem até cobrar ingresso no shopping, pois eles têm esse di-reito. Mas, normalmente, não há outros locais nas periferias ou no centro onde eles possam fazer essa socialização.

Bauru possui mais de 800 áreas verdes e praças, que juntas ocupam um espaço

de 2.000.000m², segundo da-dos aproximados da Secretaria do Meio Ambiente da cidade.

Localizada no centro do es-tado de São Paulo, Bauru ainda se destaca por ter um Zoológi-co e um Jardim Botânico com mais de 3.600.000m².

Mas será que esses espaços têm qualidade para que os ci-dadãos possam usufruir quan-do procuram lazer?

Bauru vive o desafio que muitas outras cidades em cres-cimento têm passado: crescer com qualidade de vida e preser-var o verde nas áreas urbanas.

Sobre o assunto, a Am-biente & Sociedade conver-sou com a professora Norma Constatitno.

as pessoas sentem-se con-

fortáveis em fazer compras no shopping

pois é climatizado e tem

segurança”

perfilNorma Regina Truppel Constantino59 anos. Casada, 3 filhos.ATUAÇÃOProfessora da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Já trabalhou na Secretaria de Planejamento em Bauru (SP) e Porto Velho (RO).

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Page 5: Ambiente & Sociedade

missão, além da realização de sete leilões de energia e cin-co de transmissões, de acordo com Edison Lobão, Ministro de Minas e Energia.

Esse investimento faz com que o Brasil tenha todas as condições e ferramentas para continuar se a desen-volver, tanto em tecnologia quanto em pesquisa, e a produzir energia de maneira sustentável, de modo a atin-gir sua eficiência energética nos próximos anos.

Os modos de consu-mo estão cada vez mais intensos. Por isso, a busca por

alternativas eficazes na pro-dução e distribuição de ener-gia tornou-se um fator essen-cial para se pensar em um futuro sustentável. A necessi-dade de diversificar as fontes energéticas, de substituí-las, é resultado da dependência de recursos não-renováveis, provenientes do petróleo, que contribuem com a alta emissão de dióxido de carbo-no (CO2) na atmosfera e são responsáveis por intensificar o efeito estufa.

É nesse contexto que sur-giu o conceito de energia sus-tentável. As principais fontes de energia sustentável são as renováveis e limpas, capazes de suprir as necessidades das gerações futuras e conhecidas por não liberarem (ou libera-rem poucos) gases que con-tribuem para o aquecimento global. (ver infográfico)

O Brasil, detentor de uma grande diversidade de recursos naturais, é conhecido por pro-duzir a maior parte da energia que consome a partir desses recursos, sendo considerado por muitos especialistas como o país dono de uma das matri-zes energéticas mais limpas do mundo industrializado. O país utiliza, na maior parte, a eletri-cidade proveniente da energia hidráulica, e a matriz de gera-ção elétrica é de origem predo-minantemente renovável.

“Um dos fatores que fa-zem a energia hidroelétrica ser a mais utilizada no país é a sua relação custo/benefí-cio, levando em consideração a produção e distribuição da mesma. Mas, apesar de poluir bem menos do que as ener-gias não-renováveis, as fontes sustentáveis não deixam de causar impactos ambientais”, afirma José Goldemberg, pro-

fessor doutor em Ciências Fí-sicas pela Universidade de São Paulo.

O Ministério de Minas e Energia, através da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), elabora e publica o Balan-ço Energético (BEN) do país anualmente. Apesar de a ge-ração hidráulica ser respon-sável por 76,9% da produção do país, outras fontes tive-ram um crescimento relativo se comparado ao do ano de 2011, segundo dados do BEN de 2013 (ano base 2012).

Um exemplo disso é a energia eólica, que teve sua produção alcançando 5.050 gigawatt/hora, isto é, um au-mento de 86,7%, sendo que só em 2012 a potência insta-lada no país expandiu 32,6%. Outra fonte que têm crescido no país é o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar. Isso se deve ao fato de que a demanda pelo combustí-vel aumentou nos últimos anos devido ao surgimento da frota de veículos movidos a biocombustíveis, além da competitividade existente em relação ao preço do etanol hi-dratado e o da gasolina.

“Porém, mesmo com o crescimento da utilização de energia proveniente de fontes renováveis, eliminar comple-tamente o uso de combustí-veis fósseis não seria possível de um dia para o outro. O pro-cesso ocorrerá de forma gra-dual, e para isso as pesquisas e tecnologias usadas na área continuam a se desenvolver. Por exemplo, uma área que vem crescendo muito é a da pesquisa envolvendo ener-gia de biomassa”, comenta o professor José Goldemberg. Em 2014, o Brasil pretende aumentar em 6.000 mega-watts a capacidade instalada em novas usinas de energia elétrica e construir 6.800 qui-lômetros de linhas de trans-

05FEVEREIRO 2014ENERGIA

Aumenta o investimento em energia renovávelJulia Bacelar

o Brasil preten-de construir 6.800km de

linhas de transmissão e

realizar 13 leilões

em 2014

As alternativas que podem substituir o petróleoENERGIA SOLAR: O QUE É?

Energia gerada a partir de raios solaresCOMO FUNCIONA?

Radiação solar captada por painéis que produzem energiaPRÓS

Fonte inesgotável de energia; abastece lugares remotosCONTRAS

Alto custo dos painéis; depende dos fatores geográficos e climáticos

ENERGIA EÓLICA: O QUE É?Energia gerada a partir do uso dos ventosCOMO FUNCIONA?A força do ar faz as hélices girarem, produzindo energiaPRÓSFonte inesgotável de energia; pode ser usado em áreas remotasCONTRASAlto custo; poluição visual e sonora

ENERGIA HIDRÁULICA: O QUE É?Energia é gerada a partir da água

COMO FUNCIONA?A força da água gira uma turbina que produz energia

PRÓSEnergia em grandes quantidades

CONTRASO desmatamento prejudica a fauna, flora e o clima da região

BIOCOMBUSTÍVEIS

ETANOL: O QUE É?Álcool combustível que substitui a gasolinaCOMO FUNCIONA?Produzido a partir da cana-de-açúcar e do milhoPRÓSBaixas emissões; plantas absorvem CO2 em seu crescimentoCONTRASProdução ocupa terras destinadas ao plantio; oscilações no preço

BIOGÁS: O QUE É?Energia a partir da decomposição de lixo orgânico e excremento de animais

COMO FUNCIONA?Material orgânico em decomposição transforma-se em gás metano

PRÓSBaixo custo de operação; fim para o lixo orgânico

CONTRASVazamento e armazenagem dos resíduos no processo

BIODIESEL: O QUE É?Combustível que substitui o diesel mineral com semelhante eficiênciaCOMO FUNCIONA?Óleos vegetais/gorduras animais são transformados em dieselPRÓSBaixas emissões de CO2CONTRASSujeito a oscilações de preços

Infográfico: João Pedro Ferreira

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Page 6: Ambiente & Sociedade

06 FEVEREIRO 2014

Alimentação é o desafio do séculoA tecnologia e a prevenção podem ser a solução para o problema

Aline Antunes Heloísa Kennerly

Frente às mudanças climáticas, fica difícil saber o que comere-mos daqui 50 anos.

A população mundial conta hoje com mais de 7 bilhões de pessoas, e esse número só ten-de a crescer. De acordo com um levantamento feito pelo Instituto Francês de Estudos Demográficos (INED Institut national d’études démogra-phiques) em 2050 nosso pla-neta alcançará a marca de 9,7 bilhões de habitantes.

Junto do crescimento da população, crescem também problemas ligados à alimenta-ção, saúde pública, e meio am-biente. Dentre essas preocupa-ções, a fome mundial é a que ocupa maior destaque. Porém, a questão da falta de alimentos já foi estudada pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA), o qual garante ser esse um grande mito.

A agência da Organização das Nações Unidas (ONU) res-salta que diversas das afirma-ções feitas sobre o assunto são reflexos de ideias equivocadas. Segundo o PMA existe comi-da suficiente no mundo para uma nutrição adequada para todos, mas é preciso que a pro-dução e a distribuição desses alimentos seja mais eficiente, sustentável e justa.

De acordo com a doutora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (UNI-CAMP), Priscilla Efraim, há um mau aproveitamento dos alimentos, desperdício e fal-ta de eficiência. Ela chama a atenção para a questão da pro-dutividade que pode ser apri-morada nas áreas agrícolas.

Uma das soluções é a im-plantação de uma competente produção energética dentro das indústrias processadoras de alimentos, além de estrutu-ra nos transportes para evitar perdas dos produtos. “Acredito mais no desperdício, falta de práticas póscolheita adequadas (que contribuem com esse des-perdício) e falta de eficiência do que na falta de alimentos. No Brasil, cerca de 20 a 30%

da produção agrícola é desper-diçada”, comenta Priscilla.

A engenheira ainda le-vanta o problema dos resídu-os gerados pela indústria de alimentos, que são altamente contaminantes ao meio am-biente. Ela destaca os male-fícios do descarte da água de lavagem dos equipamentos da indústria de produtos cárneos diretamente na rede de esgoto. Mesmo que a prática seja proi-bida no Brasil, a falta de fiscali-zação adequada causa grandes prejuízos.

existe comida suficiente para uma nutrição

adequada para todos, mas é preciso que a produção e distribuição

desses alimentos seja

eficiente, sustentável e

justa”

Aquecimento global e agronegócio

Outro fator que preocupa é o aquecimento global. Evi-tá-lo parece um trabalho mais complexo do que reestruturar a distribuição e aumentar a produtividade.

De acordo com o quinto relatório IPCC (do inglês, Pai-nel Intergovernamental de

Mudanças Climáticas), a tem-peratura mundial poderá subir até 4,8ºC ainda nesse século, se as emissões de gases do efeito estufa mantiverem as taxas de crescimento atuais. A estimati-va foi divulgada em setembro de 2013, na primeira parte do relatório de mais de duas mil páginas que conta com o apoio de cientistas do mundo todo.

Os biomas brasileiros po-derão sofrer graves mudanças, caso as previsões se tornem re-ais: o sertão nordestino se tor-nará um deserto quente e in-cultivável e o clima será mais extremo, com secas, inunda-ções e ondas de calor. E isso deve afetar diretamente o que comemos.

Segundo a doutora em Agronomia pela Universida-de Federal de Pelotas, Raquel Silviana Neitzke, a agricultu-ra brasileira deve sofrer com o aumento da temperatura. “É grande a probabilidade de que as mudanças climáticas previstas afetem o cultivo da maioria das espécies planta-das no Brasil. Poderão ocorrer mudanças no ciclo das cultu-ras, ou até mesmo algumas espécies poderão ser tornar inaptas a determinado local”, afirma a doutora.

Projeções para o BrasilEstudos realizados pela

Embrapa e Unicamp proje-tam a diminuição das áreas de plantio das culturas de café, algodão, arroz, feijão, giras-sol, milho e soja. Os cientistas brasileiros se basearam em projeções feitas pelo IPCC: no cenário mais favorável, a tem-peratura deve subir até 1ºC em outro, até 3ºC e, no mais drástico, prevê-se um aumen-to de 5,8ºC.

Em todas as projeções há a diminuição das áreas cultivá-veis, com exceção da canade-açúcar e a mandioca, que são mais resistentes ao calor e às oscilações climáticas. No cená-rio mais pessimista, o café se-ria quase extinto da região Su-deste, passando a ser plantado no Sul do país. A soja teria que-da da produção, sendo a mais

prejudicada: é previsto que até 2070 haja uma diminuição de 41% na área de baixo risco para o plantio. Isso resultaria no en-carecimento dos alimentos e crise no setor agropecuário e nas indústrias alimentícias.

Soluções existemPara que não se chegue a

esses extremos, pesquisas re-centes recomendam que se-jamadotadas imediatamente políticas de mitigação e adap-tação. Em outras palavras, o desejável é que a agricultura deixe de ser um emissor de carbono e passe a absorvêlo.

Experiências já são reali-zadas pela Embrapa, como a integração pastagem lavou-ra (rotatividade entre pasto e lavoura em uma única área), sistemas florestais (plantio de árvores como o eucalipto em áreas degradadas e pastagens) e plantio direto (dispensar o arado e plantar a nova cultura sobre a palha da anterior).

Outra possível solução para evitar o fim de setores importantes da economia bra-sileira, é o desenvolvimento de transgênicos. “Com certe-za, o melhoramento genético, desempenhará importante papel na busca de cultivares mais adaptadas e produtivas frente às mudanças climáti-cas”, garante Raquel Neitzke. A doutora ainda cita que já existem bancos de germo-plasma com vasta variabili-dade genética (grosso modo, bancos de sementes de todas as espécies e variações).

Ainda assim, é preciso que os agricultores façam mais do que apenas usar transgênicos e variedades de plantas. “Nes-se novo cenário é importante aliar práticas de cultivo como irrigação, plantio direto, culti-vo protegido em estufas, com o melhoramento genético para assegurar a produção de alimentos”, conclui Neitzke.

Caso nada disso seja feito, podemos esperar uma vida sem cafezinhos pela manhã, menos arroz, feijão e molho shoyu. Pelo menos, ainda teremos ta-pioca, açúcar e etanol.

ALIMENTAÇÃO&SociedadeAmbiente

Page 7: Ambiente & Sociedade

07FEVEREIRO 2014INFOGRÁFICOH

eloísa Kennerly

Como será seu almoço daqui 50 anosSe nada for feito para frear o aquecimento global, o prato nosso de cada dia poderá mudar. Se a temperatura do planeta aumentar 5ºC os agricultores enfrentarão colheitas incertas, áreas de plantio reduzidas, alimentos

mais caros e diminuição da produção. E isso afetará diretamente sua alimentação

Nada de cafézinhoA área de plantio do café será reduzida em todas as projeções fei-tas por pesquisadores. Na pior, o café será pra-ticamente extinto do Sudeste. Ainda pode-remos plantá-lo na re-gião Sul, mas é prová-vel que sua produção seja reduzida e o preço aumente. Porque não trocá-lo por um chá?

Hortaliças ameaçadasClima inconstante e ex-tremo pode ameaçar o cultivo de legumes e vegetais. É provável que certos alimentos se tor-nem mais caros ou ba-ratos ao longo do ano. E nem sempre o preço do tomate será o mais alto.

Mais farinha e derivados de mandiocaO aquecimento global pode favorecer o cultivo da mandioca, bem com o de cana-de-açúcar. A raiz vai continuar sendo protagonista em pra-tos típicos do Brasil, como a tapioca, pão de queijo (o polvilho é derivado da mandioca) e a farofa, de preferência com carne seca.

Carne só de vez em quandoA redução da produção de soja em 45% pode prejudi-car mais do que a indústria de derivados do alimento. O grão é usado na alimentação do gado de corte. Me-nos soja, menos bois. Menos bois, carne mais cara. O jeito é substituir a proteína por ovos, queijo, proteína de soja ou, nunca se sabe, saborosos insetos.

Os clássicos não morremEmbora seja prevista diminuição da produ-ção de grãos devido ao aquecimento do pla-neta, é difícil mudar os costumes do brasileiro. Provavelmente continu-aremos a comer o bom e velho arroz e feijão, mesmo com a alta dos preços. Quem sabe, no máximo, substituiremos o feijão por lentilha.

Gelatina todo diaCom a colheita de frutas in-certa e a indústria brasileira cada vez mais desenvolvi-da, é possível que comamos mais alimentos industriali-zados, como a gelatina.

&SociedadeAmbiente

Arte: Heloísa Kennerly

Page 8: Ambiente & Sociedade

08 FEVEREIRO 2014 CIDADES

N ão é mais novidade no Brasil as novas configurações da classe média ou clas-

se C. Dos cerca de 200 milhões de brasileiros, 54% se enquadram nessa nova faixa econômica do país, segundo a pesquisa Obser-vador Brasil, de 2011.

As características dessa po-pulação que, inclui aumento de consumo, melhores condi-ções financeiras, facilidade de acesso ao crédito, modificou a maneira como diversas em-presas hoje pensam seus pro-dutos e a necessidade de servi-ços públicos do país.

Outra pesquisa mais re-cente, do Instituto Data Fave-la, apresenta o ambiente em que essa nova população vive. Segundo o estudo, 47 % das casas nas periferias possuem computador, 46% tem Tv de plasma, LCD ou LED. Do to-tal de lares, 28% já dispõem de TV por assinatura.

Porém, enquanto a perspec-tiva econômica de parte dessa população melhorou, o acesso à direto básicos avançou pouco, se compararmos com os ganhos econômicos.

Este é o caso da cozinheira municipal Joana Miguel da Sil-va, líder comunitário a três anos no Jardim Níceia, um bairro co-nhecido como uma área pobre e carente.

Aos 47, Dona Joana, como é conhecida, tem computador com tela LCD no quarto, mas

a rua da sua casa é de chão batido, terra vermelha. No Jardim Nícéia, a primeira pra-ça foi entregue em novembro do ano passado.

As obras de pavimenta-ção do bairro, concluídas no mesmo ano, foram realizadas apenas em cinco ruas. Uma das áreas que não foram pa-vimentadas não tem asfalto, luz, telefone, encanamento de esgoto, ou qualquer infra-estrutura básica.

O que permite que esse bairro e tantos outros da peri-feria de Bauru e do Brasil não tenham suas ruas pavimenta-das ou qualquer tipo de servi-ço que configura o minímo de infra-estrutura para viver ,é o planejamento urbano das ci-dades, a maneira como são de-cididas as área prioritárias de atuação do poder público.

“ Bauru é um exemplo de desigualdade no planejamen-to urbano, algo comum nas cidades brasileiras, com áreas extremamente carentes nas periferias e outras centrais pri-vilegiadas, “ conta o professor e pesquisador de Arquitetura e Urbanismo da Unesp, José Xai-des.

O próprio Nicéia tem co-leta de lixo três vezes por semana, como todos os bair-ros de Bauru, segundo a EMDURB (empresa respon-sável por diversos serviços públicos da cidade). Porém, a coleta seletiva,serviço limpeza e ecolixeiras só são instaladas

Tudo é bem diferente do lado de cáApesar do crescimetno da classe C, composta principalmente por moradores das periferias urbanas,

essa população ainda enfrente dificuldades para garantir seus direitos básicosLetícia Ferreira

Letícia Ferreira

No bairro Jardim Nicéia, em Bauru, as ruas de terra e asfalto são um retrato da desigualdade soial e de infraestrurura da cidade

Bauru é um exemplo de de-sigualdade no planejamento urbano, algo

comum nas ci-dades brasilei-ras, com áreas extremamente

carentes nas periferias e

áreas centrais privilegiadas

nas áreas centrais da cidade.Infelzimente, situações

como essa não acontecer por falta de conhecimento de como planejar uma cidade.

Os princípios do urbanismo são conhecidos e observados no Brasil desde a década de 40 em municípios de Minas Ge-rais, por exemplo.

“O problema que enfren-tamos hoje é falta de direção de planejamento público, mas tem um sentido, na lógica de mercado. As cidades são pensa-das de acordo com os interesses econômicos, e não em prol das necessidades da população”, explica o pesquisador Xaides.

A única maneira de rever-ter esse quadro é a atuação da população. Toda cidade tem um Plano Diretor, documen-to, hoje, construído e discutido em muitas cidades brasileiras.

São Paulo, por exemplo, dis-cute com a sociedade seu novo plano diretor ,de maneira co-letiva, com a população, poder público e estudiosos. Uma ten-tativa de elencar as prioridades da cidade, frente aos novos de-safios que ela enfrenta.

Através deste plano, de documentos como o Estatu-to das Cidades, que exige a priorização de áreas perifé-ricas no planejamento pú-blico, esse quadro pode ser transformado, desde que a população cobre a responsa-bilidade do poder público.

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Page 9: Ambiente & Sociedade

O despejo inade-quado de esterco de animais causa poluição em rios

e lagos. Os coliformes fecais diminuem o nível de oxigê-nio, o que mata peixes, e os resíduos acabam assoreare-ando os mananciais.

Se não for em espalhado em toda a terra, ao invés de adubar e fazer bem para o pasto, o esterco mata a pastagem daquele local. Caso fique no curral, atrai parasitas que transmitem doenças para os animais e pessoas. Então, um manejo inteligente do esterco traz várias vantagens para uma propriedade rural.

A poluição causada por dejetos animais despeja-dos em rios pode superar a causada pelas indústrias- consideradas grandes cau-sadoras de degradação ambiental- segundo a Em-presa Brasileira de Pesqui-sa Agropecuária (Embra-pa).

Para a Embrapa, esses resíduos orgânicos- fezes e urina animal- podem dei-xar de ser poluidores e pas-sar a contribuir para uma produção sustentável, se forem reaproveitados como adubo para o pasto.

Um dos modos de rea-proveitar esses dejetos é fazer a limpeza do curral com a chamada vassoura d’água (jatos de água com forte pressão) e concentrar todo o dejeto líquido em um tanque. Posteriormente, um distribuidor de esterco, uma espécie de caminhão tanque com aspersor (como o de irrigação), o coleta e o distribui na pastagem.

O engenheiro agrônomo Thales Diniz fala das van-tagens deste sistema. “Não é só econômico, tem o lado ambiental também. Se você pode reaproveitar o ester-co, por que vai jogá-lo no rio?”, questiona. De acordo com o agrônomo, o animal consome os nutrientes ao comer o capim, daí a ne-

cessidade de melhorar a pastagem. “Eles podem ser repostos por adubos quími-cos ou pelo esterco, rico em nutrientes. Ao invés de dar um destino qualquer a este esterco e comprar adubo, você o reaproveita”, conta.

O despejo desses dejetos em rios pode causar asso-reamento. “Essa água es-corre e vai para as valetas que dão no rio. Esse adubo aumenta o número de bac-térias na água, que podem não ser muito maléficas, mas contribuem para que o mato em torno cresça e cause um assoreamento”, explica Thales.

Esse sistema de reapro-veitamento também con-tribui para uma maior hi-giene no curral, já que o esterco sólido acumulado atrai moscas e outros pa-rasitas que podem trans-mitir doenças. “O curral tem que estar sempre lim-po. Após cada operação de ordenha (tirar leite) ou en-trada e saída de animais, é preciso limpar o curral”, orienta Thales, lembrando que o produtor deve olhar para a água que vai para a valeta e pensar que é es-terco sendo jogado fora. Esterco que poderia ser reaproveitado e melhorar a pastagem. Com esse pen-samento fica mais fácil ter coragem para investir no reaproveitamento.

O custo da implementa-ção desse sistema depende do tamanho da proprie-dade e do número de ani-mais. Mas o retorno a mé-dio e longo prazo é quase certo. Um distribuidor de esterco com capacidade para dois mil litros chega a custar, em média, oito mil reais- valor baixo se comparado a outros equi-pamentos agrícolas. Mas é importante ressaltar que maquinários usados tam-bém são vendidos e che-gam a custar metade de um novo, mesmo estando bem conservados.

09FEVEREIRO 2014AGRICULTURA

Esterco do bemReaproveitamento de esterco beneficia o maio ambiente

Thales Valeriani

Thales Valeriani

&SociedadeAmbiente

Distribuidor de esterco com capacidade de 3 mil litros. Baixo custo de operação e manutenção viabilizam o seu uso

Thales Valeriani

A adubação melhora a qualidade do capim, o que aumenta a produtividade de leite e carne

Page 10: Ambiente & Sociedade

“A terra tá aí pra quem quer trabalhar”

Agricultura urbana baseada em hortas comunitárias aumenta renda de famílias e traz utilidade

a terrenos baldios

10 FEVEREIRO 2014 AGRICULTURA&SociedadeAmbiente

Thales Valeriani

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Mário Passeto, 82, trabalhou a vida toda na roça. Plantou, carpiu

e colheu debaixo de sol e chu-va. Quando chegou a hora da aposentadoria, optou por não deixar de trabalhar. “Ficar em casa parado para quê?”, ques-tiona o senhor com disposição de jovem.

Essa energia faz com que, toda manhã, ele pegue um ônibus logo cedo e vá até suas pequenas plantações para cui-dar do seu pedaço na horta, na zona leste de Bauru, que já foi comunitária. “Antigamente, o pessoal vinha aqui, cuidava. Hoje em dia, não, ninguém quer trabalhar muito”, lamenta.

Com os brilhantes olhos azuis e uma disposição invejá-vel, Mário conversa atenciosa-mente e conta como funciona seu dia a dia ali na horta. “Eu acordo às seis da manhã, pego o ônibus e venho pra cá. Aí fico aqui até 10h50min, quan-do chega o ônibus de volta. Almoço e à tarde venho aqui cuidar de tudo”, diz ele, apon-tando para os canteiros de alfa-ce, cheiro verde e cebolinha.

O amor dele pelo que faz impressiona. E contagia. A hor-ta é dividida com outras cinco famílias e existe há duas dé-cadas. Cada uma das famílias tem um espaço e planta o que tiver vontade. Por isso, existem vários canteiros de cebolinha, alface, couve, rúcula e outras verduras ou legumes.

Mário conta o que tem mais saída: “alface e cebolinha ven-dem sempre, sempre mesmo. Todo dia vem gente buscar aqui de manhã e, às vezes, eu levo até pros vizinhos que pedem”. Seu Mário não revela quanto chega a ganhar com a horta, mas é enfático ao afirmar que ela complementa a aposentado-ria de um salário mínimo. “De-pende do mês, da chuva, do sol. Tem época que a gente faz três alfaces por R$ 2, às vezes chega a ser três por R$ 1”, conta.

Se quem planta consegue aumentar a renda, quem mora perto de hortas urbanas tem à disposição legumes e verduras frescas com preços acessíveis. A bauruense aposentada Maria Aparecida Sanches, 67, mora no Geisel e vai à horta quase todos os dias da semana. “Eu aproveito o solzinho da manhã

para passear e já dou uma passada aqui. Vejo o que está mais bonito e barato e já compro”, afirma.

Segundo pesquisas da Em-presa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a agricultura urbana caracteri-za-se por localizar-se dentro do perímetro urbano. É uma ativi-dade complementar de renda, além de estar mais próxima dos consumidores, o que reduz o custo de produção.

Já a agricultura rural, em geral, tem como características uma produção em áreas maio-res e nem sempre próximas aos mercados e consumidores. De acordo com dados da Organi-zação das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, (FAO), 800 milhões de pessoas praticam a agricultura urbana em todo o mundo.

Para o secretário de Agri-cultura e Abastecimento (SA-GRA) de Bauru, interior de São Paulo, Antônio Francisco Maia, também conhecido como Chi-co Maia, a agricultura urbana é uma oportunidade para pro-duzir e tirar da ociosidade ter-renos antes baldios.

Ele conta que conheceu a agricultura urbana ainda nos anos 1990, em viagem a Belo Horizonte-MG. “A ideia é ge-rar renda, alimento e comba-ter a fome. Vamos abrir ven-das diretas do produtor para o consumidor e incentivar a

Agricultura urbana é alternativa para complementar a demanda de alimentos das cidades

produção de frutas, verduras e legumes sem agrotóxicos, com certificação”, falou.

O projeto também prevê o cultivo de plantas aromáticas, medicinais e daquelas que po-dem ter valor agregado por se transformarem em bebidas.

A prefeitura já mapeou as possíveis áreas que podem ser aproveitadas para a agri-cultura urbana. Ainda segun-do o secretário, há possíveis políticas de incentivos muni-cipais a essa agricultura: “Fa-remos uma chamada pública para saber quantos são os in-teressados e avaliar”.

Será dada prioridade a pes-soas desempregadas ou que têm empregos informais e já tiveram alguma relação com o campo. Caso a pessoa não tenha experiência na área, o Serviço Nacional de Aprendi-zagem Rural (Senar) oferece-rá cursos profissionalizantes.

O secretário também falou como será a venda dessa pro-dução. “Será criado o mercado do produtor. Assim, estreita-mos o laço entre consumidor e o produtor e aumentamos a margem de lucro de quem produz”, adianta.

Uma das vantagens desse mercado é que ele funciona-ria todos os dias, diferente-mente das feiras que só ocor-rem um dia da semana ou aos finais de semana.

De acordo com Chico Maia, a prefeitura de Bauru chega a gastar uma média de R$ 3 milhões por mês com a alimentação de cre-ches e escolas - a cidade consome 66 mil refeições diárias. “São convênios da prefeitura que o governo federal paga. Mas nenhum pé de alface é do pequeno produtor. Queremos mudar esse quadro”, conta.

Paulo Palma BeraldoThales Valeriani

11FEVEREIRO 2014AGRICULTURA &SociedadeAmbiente

Agricultura Urbana* Não há um padrão* Pequenas propriedades* Próxima ao consumidor* Atividade comple-mentar de renda* Cultivo o ano inteiro* Em geral, recebe poucos incentivos do poder público

Agricultura Rural* Produção padroniza-da e homogênea* Áreas médias ou grandes* Quase sempre distante dos grandes centros* Principal fonte de renda* Em algumas regiões, tem alta prioridade na agenda política

Paulo Palma Beraldo

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Passar sete dias acampan-do no litoral baiano em comunhão com a nature-za e cercado por indivídu-

os com o espírito emanando paz e amor em um evento totalmen-te sustentável. Interessante, não? Procurando por isso, saí rumo ao Universo Paralello, que ocorre a cada dois anos em Pratigí, um oá-sis oculto, uma praia paradisíaca que fica a 300 km de Salvador.

Há cinemas, exposições de artes, espaço para crianças e cin-co palcos, quatro deles tocando música eletrônica 24 horas por dia (Main Stage, 303 Stage, Up Club e Chillout) e um em que há grande variedade de estilos e que teve, como principais atrações, Criolo e Mundo Livre S/A (Palco Paralello). Porém, mais do que as músicas e a bela praia, o que desperta a atenção e admiração é o respeito dos organizadores e do público pelo meio ambiente.

Nesse evento há várias ações visando torná-lo cada vez mais sustentável, e, o que chama ain-da mais a atenção, as pessoas pre-sentes partilham essa ideia. Já no primeiro dia, fiquei admirado. As duchas para banho eram abertas e enquanto me ensaboava fui repre-endido, pelo próximo na fila, para que fechasse o chuveiro e econo-mizasse água, que conta com um sistema de filtragem residual que

retira elementos nocivos da água provenientes de sabões e xampus.

Ao longo dos dias, o respeito ao ambiente só foi se confirman-do, não havia lixo no chão, nem sequer bituca de cigarro. Elas eram eliminadas nos “porta-bi-tuca” distribuídos pelo evento e diretamente levadas para uma empresa especializada na reci-clagem das mesmas. Houve até prêmio para os que levassem um determinado número de bitucas.

Contando com equipes de limpeza o dia todo, os banheiros sempre estavam limpos e havia também reciclagem dos resíduos eliminados. Todo o lixo é levado para compostagem e os dejetos humanos são destinados à produ-ção de adubo orgânico que, poste-riormente, é doado para pequenos

produtores rurais e produtores de alimento orgânico da região. Além disso, ainda nos banheiros, há um sistema de exaustão elétri-co que canaliza os gases para den-tro da fossa e elimina os odores.

As estruturas construídas no festival utilizam materiais de mí-nimo impacto ao meio ambiente, como bambus e folhas de coquei-ro, árvores abundantes no local. Sendo assim, nenhuma árvore de corte foi derrubada para o even-to. Já na cenografia dos palcos, os que cuidam disso são orientados a reutilizar os materiais de decora-ção e figurino de outras edições.

Para conseguir energia exis-tia a Upedalada, área repleta de bicicletas em que a pessoa su-bia, pedalava e a sua energia era convertida em energia elétrica

e poderia ser utilizada para re-carregar celulares e notebooks. Uma solução sustentável para a natureza e para o corpo humano.

E, pelo segundo ano consecu-tivo, o evento recebeu o prêmio Commended Greener Festival dado aos festivais com grande consciência ambiental. Vale res-saltar que o Universo Paralello é o único da América do Sul com esse troféu. Além dele, há muitos ou-tros festivais com o mesmo estilo e mentalidade, porém não são tão conhecidos. (Ver quadro abaixo)

Esse é o Universo Paralello, realmente um universo parale-lo, no qual impera a lei da paz e do amor, e um dos poucos luga-res em que não se encontra lixo no chão, as pessoas se respei-tam e respeitam o ambiente.

Mais que um Paraíso ArtificialEvento chama a atenção pela consciência ambiental

Renan Hass

12 FEVEREIRO 2014 CULTURARenan H

aas

Outros festivais sustentáveis em 2014Zuvuya em Luziânia, GO (28/02 – 05/03)

Festival Mundo de Oz em Lagoinha, SP

(30/04 – 04/05)

Ozora em Ozora Dadpuzsta, Hungria

(29/07 – 03/08)

Festival do Kranti na Chapada dos Veadeiros,

GO (12/07 – 15/07)

Boom Festival em Lago Idanha-A-Nova, Portu-

gal (04/08 – 11/08)Boom Festival em Lago Idanha-A-Nova, Portu-

gal (04/08 – 11/08)

&SociedadeAmbiente

Arte: Heloísa Kennerly