almeida, sandra regina goulart. a áfrica na diáspora - figurações do trânsito e...

Upload: felipe-areda

Post on 19-Feb-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    1/20

    A frica na dispora: figuraes do trnsito

    e cartografias de gnero em

    narrativas contemporneas

    Sand ra Reg in a Gou lar tA lm eid a

    Partindo das novas configuraes diaspricas da

    contemporaneidade (nos termos teorizados por Gayatri Spivak),

    analiso duas narrativas de escritoras africanas que abordam o

    movimento de trnsito entre a frica e o pas de destino. Ao

    privilegiar esse olhar sobre o espao contemporneo do

    deslocamento, as autoras escolhidas - Ama Ata Aidoo e Bushi

    Emecheta - questionam e interrogam os mltiplos espaos de afeto

    e afiliao e a representao da frica no imaginrio da dispora,

    ao mesmo tempo em que refletem sobre questes de gnero e etnia.

    Proponho discutir como essas autoras teorizam esse espao

    transnacional complexo e ambivalente e sua relao com o lar na

    frica por meio de uma potica do espao e do trnsito igualmente

    multifacetada.

    O lar e todos os termos a ele relacionados - morada, casa,

    ptria, terra natal - tornaram-se trapos relevantes na

    contemporaneidade, desvelando, ao mesmo tempo e de forma

    ambgua, o conceito de fixidez e tambm o de mltiplo

    233

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    2/20

    A frica na dispora

    para outro possvel, um tropo comum nos textos diaspricos que

    remete

    condio de deslocamento dos sujeitos migrantes em suas

    mltiplas experincias de trnsito e

    necessidade de transplantar

    tanto as bagagens pessoais quanto o legado cultural que consigo

    carregam. Como observa George, o gnero imigrante, ou o que aqui

    denomino de narrativas da dispora, marcado pelo uso excessivo

    da metfora da bagagem, tanto espiritual quanto material

    (GEORGE, 1996, p. 8). A inevitvel associao do movimento de

    trnsito com a bagagem cultural e material que acompanha os

    sujeitos surge em destaque nas narrativas aqui analisadas. Essa

    bagagem, porm, nem sempre encontra lugar na nova morada e deve,

    por vezes, ser deixada para trs. Em outros casos, tal bagagem acaba

    sendo substituda por outra mais leve ou ento transplantada de

    volta ao pas de onde partiu. Mais do que pensar o lar apenas do

    ponto de vista poltico, pode-se teorizar esse espao figurativo

    atravs de uma potica do lar, como tambm argumentam Davies

    (1994), Susan Stanford Friedman (2004) e Diana Brydon (2007).

    Para Friedman, essa percepo do lar como uma imagem sempre

    postergada levaria a uma potica do deslocamento ao se reconhecer

    o lar como um no lugar ou nenhures , ou seja, como um espao

    que, ao ser deixado para trs e se tornar devir, se materializa como

    a fonte do discurso e da escrita (FRIEDMAN, 2004, p. 192-205).

    Como aponta Davies, a migrao cria um desejo pelo lar, que por

    sua vez produz a reescrita do lar (1994, p. 113). Assim, ao se teorizar

    sobre o lar na contemporaneidade, fundamental teorizar a poltica

    e a potica das articulaes desse relevante conceito mvel, instvel

    e itinerante que tambm um tropo retrico de considervel poder

    emocional , como argumenta Brydon (2008, p. 3).

    235

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    3/20

    Sandra Regina Goulart Almeida

    Ao mesmo tempo em que o lar aponta para o espao

    domstico, tambm indica o espao pblico da poJitica na ptria,

    na terra natal. A escritora da dispora desestabiliza, ento, como

    aponta Davies, tanto a narrativa uniforme e harmnica do lar quanto

    a da nao. Escrever o lar se torna ainda uma forma de articular as

    vrias identidades em trnsito (DAVIES, 1994, p. 113-115). A

    relevncia da categoria para os estudos da dispora inegvel,

    especialmente quando se considera que o conceito de lar est

    irremediavelmente imbricado no feminino, como demonstram vrios

    crticos (Cf. Bennett, Brydon, Friedman, George), revestido de um

    significado outro como um espao conflituoso que se desloca entre

    a esfera privada e pblica. Como destaca George, pode-se falar de

    uma feminizao do lar , pois a palavra 'lar' imediatamente conota

    a esfera privada da hierarquia patriarcal, da autoidentidade

    gendrada ,

    do abrigo, do conforto, da nutrio e da proteo (GEORGE, 1996,

    p. 1, 23). O lar na dispora, porm, assume conotaes outras que

    vo alm desse espao de conforto e abrigo para designar os espaos

    de adeso emotiva que se tornam cada vez mais mveis nesse

    contexto, em um constante movimento de adiamento, reformulao

    e reconsiderao. Ademais, o mesmo espao geogrfico do lar pode

    dar origem a um sentimento contraditrio tanto de pertena e

    segurana quanto de deslocamento e terror, pois, como ressalta Avtar

    Brah, o desejo por um lar no a mesma coisa que um desejo pela

    terra natal . Assim, nem todas as disporas sustentam uma ideologia

    de 'retorno' (BRAH, 1998, p. 180). O retorno ao lar, Chancy

    observa, se complica pela lacuna entre o sonho da repatriao para

    nossas ilhas e/ou nossas culturas e a concretizao desse sonho

    (CHANCY, 1997, p. 165), ou poderamos afirmar com Stuart Hall

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    4/20

    A frica na dispora

    que impossvel 'voltar para casa' de novo, no sentido que o lar

    imaginado nunca ser o mesmo depois da dispora e do trnsito,

    pois uma cultura nunca se repete perfeitamente longe de casa,

    (HALL,

    2003, p. 416).

    exatamente a ideologia de retorno como um tropo

    recorrente em duas obras de escritoras africanas - Aidoo e Emecheta

    - que me interessa analisar aqui.

    conceito de nostalgia, como

    observa John Durham Peters, alm de marcar a dor de rememorar

    uma terra perdida no espao e no tempo, mais um agente cultural

    produtivo do que simplesmente o produto da perda de um

    referencial (pETERS, 1999, p. 30). A nfase no lugar mvel do lar

    e na nostalgia por um retorno ao lar/ptria pode, assim, ter

    significados distintos para os muitos sujeitos e personagens das

    narrativas da dispora.

    Ento no nem aqui nem l (AIDOO, 1977, p. 5). Assim

    Ama Ata Aidoo inicia seu romance Our sister kil Jqy de 1977,

    chamando a ateno justamente para a caracterstica de entrelugar

    das experincias dos sujeitos em trnsito. Geralmente descrito como

    uma narrativa semiautobiogrfica e fortemente marcado pela

    literatura oral e pela performance, o romance questiona os

    movimentos da dispora e o papel das mulheres nesse contexto,

    apresentando uma narrativa desestabilizadora e experimental que

    combina fico, autobiografia, poesia, epstolas e drama. Dessa

    forma, a narrativa de Aidoo privilegia a ruptura lingustica e narrativa

    e estabelece uma fratura textual por meio de uma narrativa

    fragmentada que, alm de misturar vrias formas literrias, elege a

    ironia e a pardia como marcadores de um discurso inquietante. A

    ao desestabilizadora de Aidoo dupla: na potica do texto e na

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    5/20

    Sandra Regina Goulart Ameida

    poltica de seu posicionamento em termos de questes raciais e de

    gnero. Nascida e residente em Gana, Aidoo, que j viveu nos

    Estados Unidos, foi uma das primeiras escritoras, na dcada de

    1970, a tratar os deslocamentos geopolticos da contemporaneidade

    do ponto de vista da mulher. A narrativa de Aidoo se localiza em

    um momento histrico na literatura ps-colonial que apresenta forte

    apego a um nacionalismo que faz do artefato literrio um de seus

    principais objetos de luta, como Elleke Boehmer observa (2005, p.

    214). A forma narrativa claramente apropriada da tradio

    nacionalista da viagem de busca; no entanto, diferentemente do

    realismo tpico dos romances nacionalistas de escritores masculinos

    da dcada de 1960, o romance de Aidoo prima pela heterogeneidade

    de estilo e posies enunciativas. Enfoca principalmente uma

    metanarrativa mtica da viagem de exlio e do retorno de um sujeito

    feminino em busca de uma compreenso sobre seu lugar no mundo

    ps-colonial e de sua condio como mulher proveniente de um

    pas africano em visita

    metrpole. Como a voz narrativa observa

    em um dos poemas estrategicamente inserido no romance:

    In Asia

    Europe

    Anywhere:

    Na sia

    Europa

    Em qualquer lugar:

    For

    Here under the sun,

    Being a woman

    Has not

    Is not

    Cannot

    Neverwill be a

    Child game

    Pois

    Aqui na Terra,

    Ser uma mulher

    No era

    No

    No pode

    Nunca ser uma

    Brincadeira de criana

    From knowledge gained since - A partir do conhecimento adquirido-

    238

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    6/20

    A frica na dispora

    So why wish a curse on your child

    Por que ento desejar uma maldio

    para sua filha

    Almejando que ela seja mulher

    Alm disso, minha irm,

    As classes dos condenados esto

    Cheias,

    Esto cheias

    Desiring her to be female

    Beside, my sister,

    The ranks of the wretched are

    Full,

    Are full. (AIDOO, 1977, p. 51)

    o poema remete

    afirmao de Spivak (2010) de que, no

    contexto colonial e ps-colonial, as mulheres esto ainda relegadas

    a um espao de excluso. No entanto, o sofrimento da personagem

    central dirigido primeiramente para a perda coletiva (AIDOO,

    1977, p. 67) e a luta contra o uso e abuso de seus irmos africanos

    e a explorao europeia. O

    mot

    da viagem, como Boehmer enfatiza,

    fornece uma estrutura simblica significativa em textos ps-

    coloniais, cujas narrativas de deslocamento geralmente so marcadas

    pelo evento culminante do retorno ao lar, um momento que aparece

    de diferentes formas, como uma celebrao, por um lado, ou uma

    desiluso, por outro (BOEHMER, 2005, p. 190-191). O romance

    inicia com um poema cuja imagem permeia essa narrativa da viagem

    e do deslocamento - a da excluso e da impotncia. A voz narrativa,

    ento, apresenta Sissie (frequentemente evocada como nossa irm

    [our sister)), uma africana de Accra, Gana, que acaba de ser

    selecionada para um programa de estudos na Europa. no

    aeroporto, lugar do trnsito contemporneo por natureza, um espao

    liminar, um entrelugar, ela tem sua primeira experincia de excluso

    quando forada a perceber no apenas as diferentes coloraes

    dos humanos, mas tambm como essas diferenas se tornam

    desculpas para a represso e excluso (AIDOO, 1977, p. 13).

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    7/20

    Sandra Regina Goulart Almeida

    o sentimento de alienao e de desterritorializao

    permanece durante toda sua estada na Alemanha e sua rejeio ao

    pas demonstra sua conscincia da discriminao que sofre na pele

    e por causa dela. Sua ida para a Inglaterra no modifica sua

    percepo de que so todos simplesmente recipientes das sobras

    dos dejetos imperiais (AIDOO, 1977, p. 86). Na Inglaterra, Sissie

    percebe o quanto os sujeitos migrantes so explorados e se choca

    com a estarrecedora pobreza na qual esto imersos. Ela critica os

    chamados

    been-to s,

    isto

    ,

    aqueles que vo para a Gr-Bretanha para

    estudar e acabam voltando para a terra natal com a iluso de que

    algo de muito valioso lhes foi dado, quando, na verdade, ela

    descobre, a periferia no tem o que obter do centro, a no ser um

    tipo pior de escravido (AIDOO, 1977, p. 88). A narradora observa

    ainda como os

    been-to s

    mantm esse codilho e mentem, agindo como

    se a experincia do trnsito tivesse sido libertadora, sendo gratos

    pelas migalhas oferecidas e esquecendo rpido demais as agruras

    sofridas. Pior ainda

    o que ela percebe como a cegueira dessa prpria

    multido oprimida que assume o papel dos informantes nativos,

    sobre o qual nos fala Spivak (1999). No poema que se segue, a voz

    narrativa, evocando a perspectiva de Sissie, expressa de forma

    contundente o papel inquietante que assumem esses sujeitos nativos:

    Por alguns trocados agora e um/ Diploma de Doutorado depois,

    Nos conte sobrei Seu povo/ Sua histria/ Sua mente/ (...)

    Entregando/ No apenas eles mesmos, mas/ Todos ns (AIDOO,

    1977, p. 87-88). Nesse sentido, Aidoo claramente segue a tradio

    de Fanon com seu discurso crtico e nacionalista de denncia. Acusa

    os europeus de violarem/ estuprarem a frica

    (Open ing/ .A fr ica up

    for /

    Rape )

    (AIDOO, 1977, p. 92), usando, para expressar sua

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    8/20

    A frica na dispora

    indignao e condio vitimizante, essa antiga mas persistente

    metfora que desvela uma equao entre a violao do corpo

    feminino e a explorao e destruio da terra colonizada.

    Ao final, Sissie simbolicamente encerra suas experincias

    na dispora com uma missiva, fazendo uso de uma linguagem

    nascida de sua vivncia de desterritorializao e deslocamento.

    Escreve uma longa e reflexiva carta a um ente querido na qual

    descreve toda a sua frustrao e suas crenas sobre esse espao da

    dispora construido a partir das migraes da frica para a Europa.

    Nesse sentido, o deslocamento geogrfico a que foi submetida lhe

    d a medida exata de suas limitaes, mas tambm potencializa a

    esttica do deslocamento. Agora Sissie pode escrever tanto sobre

    seus sentimentos relativos terra natal, quanto sobre suas

    experincias de deslocamento, pois ela tem as palavras, a linguagem

    e o conhecimento que antes lhe faltavam.

    retorno ao lar

    inevitvel para essa irm desmancha-prazeres,

    qual o ttulo alude

    (O ur sister k il Jqy), que escolhe a ptria, o lar como espao afetivo e

    lugar no qual poder investir e lutar por melhores condies de

    vida e, principalmente, pela conscientizao de seu povo. Ela acusa

    os irmos e irms que, ao invs de cumprirem seus objetivos iniciais

    de estudarem e retomarem ao pas natal para contribuir para sua

    construo acabam seduzidos pela metrpole e se tornam sujeitos

    sem ptria , empobrecidos, destitudos e em contnua itinerncia.

    Sissie critica precisamente a noo hoje difundida de que onde

    quer que uma pessoa se sinta em casa, esse deve ser o seu lar

    (AIDOO, 1977, p. 125). Ao invs de aceitar tal premissa, ela implora

    a esses homens e mulheres da dispora africana ps-colonial: ''Volte

    para casa (...) volte para o nosso povo (AIDOO, 1977, p. 126). Na

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    9/20

    Sandra Regina Goulart Almeida

    epstola-testemunho est implcito que o ente querido no

    compartilha de sua ideologia do retorno e ela o recrimina por querer

    ficar para sempre em lugares estrangeiros e se tornar desterrado e

    aculturado (AIDOO, 1977, p. 117). E conclui falando justamente

    do seu

    locus

    prprio de enunciao, do lugar da mulher forte que,

    apesar de supostamente educada nas virtudes da mulher africana

    (AIDOO, 1977, p. 117), acusada da falta de instintos femininos ,

    consegue ser consciente e crtica da situao de explorao que

    vivencia: No, meu querido: parece que muito da ternura e da

    submisso que voc e todos seus irmos esperam de mim e de todas

    as irms aquilo que realmente ocidental (AIDOO, 1977,

    p. 117). Assim, Sissie reverte o esperado parmetro das mudanas

    nas relaes de gnero ocasionado pela dispora. Para se sujeitar a

    viver no Ocidente, teria que se submeter aos tradicionais papis de

    gnero dela esperados. Em sua terra, com o histrico de luta que

    compartilha com seus irmos, acredita que pode articular sua voz e

    ter uma posio mais ativa e mais agenciadora. espao do lar

    ainda o espao no qual sua experincia

    gendrada

    pode ser mais bem

    articulada em termos polticos.

    Tendo ao fundo a voz inquiridora e articuladora de Sissie, o

    romance termina com a protagonista chegando de volta a seu pas,

    concluindo que ela jamais enviaria a carta que redigiu no traslado

    de retorno, pois no havia mais necessidade. Uma vez escrita, ela

    havia cumprido sua misso reparadora, pois como lembra Nelly

    Richard, a escrita o lugar onde este espasmo da revolta opera

    mais intensivamente (RICHARD, 2002, p. 139). A escrita aqui se

    torna, pois, o veculo de sua revolta espasmdica, bem como o

    ponto de encontro de Sissie e seu lar: ''Abaixo estava seu lar com

    242

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    10/20

    A Africa na dispora

    seu inevitvel calor e, mesmo depois desses milhares de anos, suas

    incertezas (AIDOO, 1977, p. 133), mas o lar onde seu corao

    est, e tambm seu compromisso e dever para com seu povo. A

    escrita e a literatura que preconizam esse retorno ao lar e

    nao

    idealizados podem ainda ser associadas ao que o tambm ganense

    Appiah descreve como o nativismo dos escritores africanos, ou seja,

    a crena em uma topologia que reitera a viso sentimental de uma

    essncia comunal africana em um contraponto binrio a uma suposta

    universalidade europeia que apagaria os particularismos (APPIAH,

    1992, p. 56). Como Appiah, Hall (2003) relata o risco de se incorrer

    em um discurso nativista acrtico que refora essencialismos

    identitrios e a crena em uma subjetividade idealizada, una e

    estvel. Se, por um lado, a narrativa de Aidoo, com sua nfase na

    dicotomia ns/eles , corre o risco de reproduzir uma imagem

    estereotipada do trnsito e das relaes transnacionais, por outro, o

    romance deve ser analisado em seu contexto histrico de uma

    narrativa ainda recente do perodo ps-colonial que, como aponta

    Boehmer (2005), necessita se afirmar no apenas como espao

    literrio, mas tambm como espao articulador da nao e da

    resistncia ps-colonial.

    No entanto, nem sempre as narrativas da dispora que

    enfocam os sujeitos femininos cultuam o retorno como uma opo

    de agenciamento. Em alguns casos, a dispora se torna um espao

    no qual as relaes de gnero assumem uma dimenso outra,

    inviabilizando o retorno para as personagens femininas.

    Diferentemente das narrativas de retorno de Aidoo, Emecheta

    aborda no romance Kehin de (1994) uma outra ideologia do retorno,

    com a qual as personagens femininas no podem compactuar.

    243

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    11/20

    Sandra Regina Goulart Almeida

    Nascida na Nigria, Emecheta se mudou para a Gr-Bretanha nos

    1960 para estudar, enfrentando uma realidade similar

    da

    personagem Sissie. Em

    K ehinde

    a autora aborda, em especial, o

    ambguo lugar ocupado pelas mulheres na dispora. O romance narra

    a estria da protagonista, Kehinde, cujo nome d ttulo ao romance,

    e seu marido Albert. Ambos saram da Nigria para viver em Londres,

    onde nasceram seus filhos, Bimpe e Joshua. J no primeiro captulo

    a situao de conflito se estabelece quando Albert recebe uma carta

    da famlia, instigando-o a retomar terra natal. A reao de Kehinde

    imediata, alguma coisa agourenta torceu no estmago de

    Kehinde (EMECHETA, 1994, p. 1). A situao do casal na

    dispora, somos informados logo de incio, bem diferente daquela

    que se esperaria de um casal na Nigria. Kehinde tem um trabalho

    estvel em um banco e ganha mais do que seu marido. Instala-se

    assim um jogo das relaes de gnero que procura equilibrar as

    tradies do pas de origem e as novas perspectivas adquiridas no

    pas de destino - ambos sabendo se tratar de uma mera performance.

    De fato, a voz narrativa destaca ao longo do relato as muitas

    diferenas nas relaes de gnero nos contextos especficos dos dois

    pases, desde a responsabilidade pela manuteno da famlia, at o

    relacionamento interpessoal e sexual do casal. Apesar de encenar

    com perfeio o papel do pai de famlia Igbo em Londres , Albert

    no se sente satisfeito com as restries em sua atuao, como a

    voz narrativa perspectivada por sua viso nos informa: Kehinde

    iria aprender quando retornasse para casa como ela deveria se

    comportar. (...) Como Kehinde sabia perfeitamente bem, por trs

    das aparncias de ocidentalizao, o homem tradicional Igbo estava

    vivo e forte, esperando por uma oportunidade para reivindicar seu

    direito inato (EMECHETA, 1994, p. 35). Tal observao,

    44

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    12/20

    A frica na dispora

    igualmente agourenta, funciona como um prenncio da ao que se

    desenrola no romance.

    Descobre-se, a seguir, que Albert, mesmo sem a aprovao

    de Kehinde, j havia decidido seu retorno para a Nigria, fato

    complicado pela gravidez inesperada. O retorno significa para Albert

    o reconhecimento da masculinidade que ele sente que perdeu na

    dispora: ''Aqui no sou ningum, apenas um gerente de loja. Ele

    afirma querer a vida comparativamente mais fcil dos homens de

    sua terra, se sentir um chefe de famlia (EMECHETA, 1994,

    (p. 35). Nesse sentido, observa-se o que Boehmer denomina de a

    inevitvel feminizao dos homens colonizados diante do imprio

    - uma imagem recorrente nas narrativas ps-coloniais e da dispora

    (BOEHMER, 2005, p. 216). No caso de Albert e Kehinde, o que

    chama a ateno o deslocamento das questes de gnero no espao

    ambguo da dispora. H uma frequente oscilao, tanto para Albert

    quanto para Kehinde, com relao percepo das vrias questes

    que esto em jogo em seu relacionamento no pas estrangeiro, cada

    um encenando um papel para o outro em um constante deslize e

    adiamento para lidarem com seus fantasmas. Tal enfrentamento

    ocorre apenas longe da dispora, na ideologia do retorno atravs da

    qual Albert resgata de uma vez por todas as tradies nas quais

    havia sido doutrinado e s quais opta por aderir. Ao aborto de

    Kehinde se segue a concretizao do sonho nostlgico de retorno

    ao lar de Albert, enquanto Kehinde aguarda em Londres at que ele

    se estabelea e ela venda a casa.

    A viagem, mais uma vez, marca a narrativa dessa persogem

    diasprica em busca do lar perdido, uma viagem, como a de Sissie,

    tambm de autoconhecimento e reflexo sobre as condies das

    mulheres em diferentes espaos geopolticos. Dois anos depois, o

    245

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    13/20

    Sandra R egina oular t lmeida

    retorno de Kehinde marcado pelo choque cultural que se segue

    ao descobrir que Albert havia desposado uma outra mulher, educada

    e sofisticada, que, apesar de seu doutorado, ainda mantinha as

    tradies patriarcais e j havia dado a Albert um filho e esperava

    outro, operando em conformidade com o sistema que perpetrava

    esse tipo de injustia contra as mulheres (EMECHETA, 1994, p.

    112). Apesar de ambos pertencerem a famlias poligamas, tanto

    Kehinde como Albert foram criados como catlicos e antes

    recusavam a prtica de poligamia de seus antepassados. O retorno

    de Albert restaura tambm as prticas sexistas que marcam as

    relaes de gnero na Nigria, com as quais Kehinde se recusa a

    compactuar e, assim, o retorno ao espao do lar evoca tambm a

    restituio das tradicionais prticas patriarcais e estabelece

    definitivamente uma fratura entre eles - o Albert que ela conhecia

    havia deixado de existir (EMECHETA, 1994, p. 87) e assim no

    mais havia lugar para ela nesta famlia (EMECHETA, 1994, p.

    91): Aqui o mundo dos homens. No surpresa que tantos querem

    voltar para casa, apesar do sucesso no exterior (EMECHETA,

    1994, p. 94). Kehinde reconhece ento que a Nigria de seus sonhos

    no existia e que, ao invs de aproveitar sua condio de been-to e

    madame da casa, ela estava ainda mais relegada s margens

    (EMECHETA, 1994, p. 97), como uma esposa snior, mas sem

    emprego, dependendo de Albert financeiramente, sem espao em

    seu novo lar.

    Ao final, Kehinde consegue dinheiro emprestado e retoma

    para a Inglaterra e se surpreende ao ouvir a voz de seu Taiwo , o

    esprito de sua irm gmea rebelde, morta antes de seu nascimento:

    Lar, doce lar A imagem da irm gmea, Taiwo, que remonta

    tradio oral iorub que denomina o gmeo que nasce primeiro,

    46

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    14/20

    A frica na dispora

    simboliza de certa forma o duplo que d a Kehinde (o nome da

    segunda gmea a nascer) a fora que por vezes lhe falta para ser

    assertiva em suas escolhas. Kehinde acredita que Taiwo que vai

    frente abrindo o caminho para ela. Quando Kehinde responde: Este

    no o meu lar. A Nigria meu lar, Taiwo responde: Fazemos

    nossas prprias escolhas enquanto prosseguimos. (...) Essa a sua.

    No h nada do que se envergonhar (EMECHETA, 1994, p. 108).

    Por meio da suposta voz de seu Taiwo, Kehinde consegue chegar

    resoluo para a dualidade que encontra diante do paradoxo do lar,

    tornando-se finalmente unida a seu Taiwo, Em um ato simblico,

    ela retira a placa de venda da casa e declara esta casa minha

    (EMECHETA, 1994, p. 108), evocando o famoso argumento do

    ensaio crtico

    Um teto todo seu

    da escritora inglesa Virginia Woolf,

    publicado em 1929.

    tambm seu duplo que a encoraja a estudar,

    a viver por si s, a se relacionar com um inquilino caribenho mais

    novo do que ela e, finalmente, a desafiar as atitudes machistas de

    seu filho. Para Kehinde, a viagem de retorno

    terra natal torna-se

    um aprendizado em termos de relaes de gnero, pois no apenas

    compreende as limitaes do conceito lar, mas tambm aprende a

    clamar por seus direitos, a decidir sua prpria vida e a transgredir os

    limites impostos pelos papis de gnero demarcados socialmente.

    Assim, Kehinde intervm na dinmica do devir em trnsito

    e na comunidade na qual escolhe se inserir. Ao rejeitar o retorno ao

    lar e a narrativa que constri as mulheres como portadoras da

    tradio, principalmente no trnsito, conforme teoriza Sneja Gunew

    (2008, p. 9), privilegia o pessoal, o privado ao invs de optar pela

    ao politica ou por uma atitude nacionalista e nativista como faz

    a protagonista de Aidoo, cuja deciso de retorno ao lar tem

    consequncias profundas para sua vida privada. As posies de

    47

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    15/20

    Sandra Regina GoulartAlmeida

    Kehinde ecoam o argume~to de Anh Hua segundo o qual a lgumas

    mulheres diaspricas podem no se sentir nostlgicas porque seus

    lares eram locais de violncia e patriarcados culturais, nacionalistas

    e transnacionalistas . Nesse sentido, as mulheres na dispora so

    menos provveis de ter memrias nostlgicas sobre o lar pelas

    dolorosas lembranas das atitudes, costumes e tradies

    patriarcais na terra natal (2005, p. 195). Embora ainda polarizada,

    a concepo do lar na e da dispora que Kehinde constri, no

    entanto, longe de ser um lar idealizado, , antes de tudo, um lar em

    potencial e em construo que d a ela uma possibilidade de

    interveno prtica e de agenciamento, mudando as configuraes

    de gnero s quais esteve durante tanto tempo atrelada e

    problematizando um padro de comportamento que complicado

    pelo trnsito.

    A anlise dos dois romances evidencia a heterogeneidade

    das disporas contemporneas e o movimento em direo quebra

    de um modelo que pressuporia uma clara distino entre a percepo

    do lar e a experincia da dispora, ou entre a terra natal e o pas

    anfitrio. Para muitas escritoras que abordam os trnsitos na

    contemporaneidade e para suas personagens, as questes de gnero

    efetuam uma desestabilizao, uma rasura que marca a maneira

    como os movimentos da contemporaneidade so percebidos. No

    h uma nica narrativa da dispora nem tampouco uma nica

    experincia das mulheres na dispora. O que se observa justamente

    a possibilidade de diversos percursos e variadas percepes do lar

    na e da dispora, ou seja, uma multiplicidade de espaos associados

    a uma possvel concepo de lar. Os romances aqui analisados tm

    em comum o fato de enfatizarem um processo de agenciamento

    para esses sujeitos femininos no espao transnacional de mobilidade

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    16/20

    A frica na dispora

    de sujeitos das margens - seja pela ideologia do retorno ou pela

    opo pelo trnsito, ao invs de adotarem um discurso vitimizante

    ou marginalizante. As personagens abordadas falam de um lugar

    especfico marcado pelas questes de gnero, mas tambm

    inevitavelmente respaldadas pelas questes raciais e tnicas. So,

    acima de tudo, disporas racializadas e g end rada s, concebidas na

    esteira terica de uma escrita do trnsito.

    ef ernci s

    AIDOO, Ama Ata. Our siste r kil Jqy. London: Longman, 1977.

    ANZALDUA, Gloria. Borderland s / La Fron tera : the new mestiza consciousness. San

    Francisco: Spinsters/ Aunt Lute Press, 1998.

    APPIAH, Kwane Anthony.

    In m y [a tber : h ouse :

    Africa in the philosophy of culture.

    London: Methuen, 1992.

    BENNETT, Tony. Home. In: BENNETT, Tony; GROSSBERG, Lawrence;

    MORRIS, Meaghan (Ed.). NeJIJ~word s: a revised vocabulary of culture and society.

    Malden: Black:well,2005. p. 162-164.

    BOEHMER, Elleke.

    Colon ia l and postco lon ia l litera tu re .

    2. ed. Oxford: Oxford

    University Press, 2005.

    BRAH, Avtar.

    Carto graph ie s of d ia spora :

    contesting identities. London: Routledge,

    1996.

    BRYDON, Diana.

    Canad ian nm ters negotia tin g hom e w ith in g loba l imag in a n es .

    Manitoba:

    Centre for Global and Cultural Studies, 2007. Disponvel em: . Acesso em:

    1 jun. 2008.

    CHANCY, Myriam. Search ingfor sefe spaces:Afro-Caribbean women writers in exile.

    Philadelphia: Temple University Press, 1997.

    DAVIES, Carol Boyce.

    B lack wom en , w tit ing and identiry :

    migrations of the subject.

    New York: Routledge, 1994.

    EMECHETA, Buchi.

    K eh in de .

    ohannesburg: Heinemann, 1994.

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    17/20

    Sandra Regina Goulart Almeida

    FRIEDMAN, Susan Stanford. Bodies on the move: a poetics of home and diaspora.

    Tulsa S tudies in WomenJ L itera ture ,

    v. 23, n. 2, p. 189-212,2004.

    GEORGE, Rosemary Marangoly.

    The po li tics of hom e:

    postcolonial relocations and

    twentieth-century fiction. Berkeley: University of California Press, 1996.

    GUNEW, Sneja. Serial accommodations: diasporic womens w riting.

    Canadian

    L it era ture ,

    Vancouver, n. 196, p . 6-15,2008.

    HALL, Stuart. D a d ispora : identidades e mediaes culturais. Organizao de Liv

    Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

    HOOKS, Bell.

    Yearn in g .

    race, gender and cultural politics. Boston: South End Press,

    1990.

    RUA, Anh. Diaspora and cultural memory. In: AGNEW, Vijay (Ed.). Diaspora

    memory and identity: a search for home. Toronto: University ofToronto

    Press,2005.p.191-207.

    PETERS, John Durham. Exile, nomadism, and diaspora: the stakes ofmobility

    in the Westem Canon. In: NAFICY, Harnid (Ed.). Home exile homeland: film,

    mediaand thepolitics ofplace. NewYork: Routledge, 1999. p. 17-41.

    RICHARD, Nelly.

    Intervenes crticas:

    arte, cultura, gnero e poltica. Belo Horizonte.

    Editora UFMG, 2002.

    RUSHDIE, Salman. East, W est. London: Vintage, 1996.

    SPIVAK, Gayatri Chakravorty.

    A critiq ue o f p ostcolon ia l reason :

    toward a history of

    the vanishing present. Cambridge: Harvard University Press, 1999.

    SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Diaspora old and new: women in transnational

    world.

    Textua l Practi ce ,

    v. 10, n. 2, p. 245-269, 1996.

    SPIVAK, Gayatri Chakravorty.

    Pode o suba lte rnofa la r?

    Traduo Sandra Regina Goulart

    Almeida, Marcos Pereira Feitosa, Andr Pereira Feitosa. Belo Horizonte: Editora

    UFMG,2010.

    WOOLF, Virginia.

    A room of one s on /n .

    London: Harcourt Brace Jovanovich, 1981.

    YAMASHITA, Karen Tei. C ircle K Cycles. Minneapolis: Coffee House, 2001.

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    18/20

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    19/20

    Maria N azareth Soares Fonseca

    Maria Zilda Ferreira Cury

    Organizadoras

    f r i c

    d i n m i c s c u lt u r i s e l i t e r r i s

    Belo Horizonte

    Editora PUC MINAS

    2012

  • 7/23/2019 ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. A frica na dispora - Figuraes do trnsito e cartografias de gnero em narrati

    20/20

    Sandra Regina Goulart Almeida

    deslocamento. Sou uma tartat;uga, onde quer que eu v, carrego o

    lar nas minhas costas , escreve Gloria Anzalda, em seu clebre

    Border la n d s/L a F ron te ra .

    O lar , como sugere Tony Bennett,

    frequentemente um lugar de um retorno imaginado , como a

    imagem idealizada do lar materno e da ptria, mas tambm a

    possibilidade de outros destinos ao fim de uma viagem ou

    movimento, como a busca incessante de um lar longe de casa

    (BENNETT, 2005, p. 163). Para outros, como a crtica literria e

    escritora diasprica Myriam Chancy, o lar se torna paradoxalmente

    tanto o local de descoberta de si mesma quanto o ponto sem volta

    (CHANCY, 1997, p. xi).

    ,

    ao mesmo tempo, a negao da

    possibilidade de encontrar esse ideal quimrico, como comprova o

    conhecido dito popular, no h melhor lugar do que o nosso lar,

    ou como escreve Bell Hooks, s vezes, o lar no est em lugar

    nenhum (HOOKS, 1990, p. 148), ou como comenta

    apropriadamente Caren Yamashita, em C irc le K C ycles ,o lar era uma

    cpia de uma cpia de uma cpia de uma cpia, mais distante do

    que ela podia imaginar (YAMASHITA, 2001, p. 147). O lar ,

    portanto, inerentemente contraditrio, um espao de contestao,

    como argumenta Carol Boyce Davies (1994, p. 113), mas tambm

    um l ocusde mltiplas possibilidades representativas, pois, como nos

    lembra o escritor Salman Rushdie, o lar se tornou um conceito

    muito disperso, avariado, diverso em nossos trabalhos atuais

    (RUSHDIE, 1996, p. 93).

    Rosemary George teoriza o conceito em termos de uma

    poltica do lar , pois lares no so lugares neutros e, por isso,

    imaginar um lar um ato to poltico quanto imaginar uma nao

    (GEORGE, 1996, p. 6). A contnua referncia a uma bagagem que

    deve ser transportada de um territrio a outro, ou de um lar originrio