almeida - da invisibilidade ao protagonismo

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  • 7/24/2019 Almeida - Da Invisibilidade Ao Protagonismo

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    Os ndios na Histria do Brasil no sculo XIX:

    da invisibilidade ao protagonismo1

    Indians in the 19th century History of Brazil:

    from invisibility to protagonism

    Maria Regina Celestino de Almeida*

    R

    Com o objetivo de refletir sobre o lugardos ndios na histria, considerando suainvisibilidade enquanto sujeitos histri-

    cos no sculo XIX e o protagonismo cres-cente revelado pela historiografia atual, oartigo analisa de forma conjunta questesrelativas poltica indigenista do Imp-rio, cultura poltica indgena, ao nacio-nalismo e etnicidade, enfocando a pro-blemtica das controvrsias e imprecisessobre as classificaes tnicas e os confli-

    tos de terra nas antigas aldeias coloniais.Palavras-chave: poltica indigenista doImprio; cultura poltica indgena; etni-cidade.

    A

    Aiming to reflect on the place of Indians

    in history, considering their invisibility

    as historical agents in the nineteenth

    century and their growing protagonism

    revealed by current historiography, this

    article jointly analyzes matters related to

    the Empire indigenous policy, the in-

    digenous political culture, the national-

    ism and ethnicity, focusing on the issues

    of controversy and inaccuracy on ethnic

    classifications and land conflicts in the

    erstwhile colonial indigenous villages.

    Keywords: Empire indigenous policy;

    indigenous political culture; ethnicity.

    A reflexo sobre o lugar dos ndios na histria, considerando sua invisi-

    bilidade enquanto sujeitos histricos no sculo XIX e o protagonismo crescen-

    te revelado pela historiografia atual implica, a meu ver, analisar de forma con-junta algumas questes que sero priorizadas neste artigo. Refiro-me

    poltica indigenista do Imprio, cultura poltica indgena, ao nacionalismo e

    etnicidade, enfocando a problemtica das controvrsias e imprecises sobre

    as classificaes tnicas e os conflitos de terra nas antigas aldeias coloniais.

    Em 1992, no texto Poltica indigenista no sculo XIX, Manuela Carneiro

    * Departamento de Histria, Universidade Federal Fluminense. Campus do Gragoat, Bloco O,sala 503, 5oandar, Gragoat. 24210-350 Niteri RJ Brasil. [email protected]

    Revista Histria Hoje,v. 1, no2, p. 21-39 - 2012

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    da Cunha j abordava essas questes de forma entrelaada, apontando para a

    falcia do discurso do desaparecimento dos ndios.2Vivos e atuantes nos ser-

    tes, vilas, aldeias e cidades do Brasil oitocentista, povos e indivduos indgenas

    agiam e reagiam diferentemente s mltiplas formas de aplicao da polticapara eles traada. Lutavam e continuavam reivindicando direitos na justia na

    condio de ndios, enquanto discursos polticos e intelectuais previam e, em

    muitos casos, j os consideravam desaparecidos, como resultado dos processos

    de civilizao e mestiagem. Esses discursos justificavam, conforme a poltica

    indigenista vigente, a extino de antigas aldeias coloniais e de suas terras

    coletivas e, ao mesmo tempo, serviam construo do nacionalismo, cuja pro-

    posta era criar a nao em moldes europeus, onde no havia lugar para plura-

    lidades tnicas e culturais. A proposta assimilacionista, j lanada, desde mea-dos do sculo XVIII, pelo marqus de Pombal, seria retomada com muito mais

    nfase pelos polticos do Oitocentos. Apesar das divergncias, predominava a

    proposta de incorporar os ndios ao Imprio como cidados civilizados para

    servir ao novo Estado na condio de trabalhadores eficientes. Terra, trabalho

    e guerras associavam-se questo indgena to amplamente debatida no sculo

    XIX, como destacaram vrios autores. Nas sesses do Instituto Histrico e

    Geogrfico Brasileiro (IHGB), criado em 1838, os intelectuais debatiam o tema,comungavam com essas ideias e contribuam para fortalec-las, construindo

    histrias nas quais os ndios eram valorizados em perodos anteriores, enquan-

    to desconsideravam os grupos coevos presentes e atuantes nas sociedades nas

    quais se inseriam. Razes polticas, ideolgicas e socioeconmicas articulavam-

    -se, portanto, na construo de discursos e imagens sobre os ndios que con-

    tribuam para lhes retirar o papel de sujeitos histricos.

    Em nossos dias, essas concepes vo sendo desmontadas. No palco da

    histria, os ndios vo, lentamente, passando da invisibilidade construda no

    sculo XIX para o protagonismo conquistado e restitudo nos sculos XX e

    XXI por movimentos polticos e intelectuais nos quais eles prprios tm tido

    intensa participao. Desde a dcada de 1990, os historiadores no Brasil tm

    se voltado para o estudo dos ndios, valorizando-os como sujeitos dos proces-

    sos histricos por eles vivenciados. Com base em abordagens interdisciplina-

    res, as pesquisas atuais centram o foco da anlise nos prprios ndios e identi-

    ficam suas formas de compreenso e seus objetivos nas vrias situaes decontato por eles vividas, levando em conta os interesses e significados diversos

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    das atuaes polticas, socioeconmicas e culturais dos vrios atores em

    contato.

    Dentre as principais proposies tericas e conceituais propiciadas pela

    aproximao da Histria com a Antropologia que tm contribudo para daraos ndios um novo lugar em nossa histria, destaco a historicizao de alguns

    conceitos bsicos para se pensar sobre relaes de contato. Entender cultura e

    etnicidade como produtos histricos, dinmicos e flexveis, que continuamente

    se constroem atravs das complexas relaes sociais entre grupos e indivduos

    em contextos histricos definidos, permite repensar a trajetria de inmeros

    povos que por muito tempo foram considerados misturados e extintos. Mu-

    danas culturais vivenciadas pelos ndios ganham outras interpretaes e pas-

    sam a ser vistas no apenas como perda ou esvaziamento de uma cultura ditaautntica, mas em termos do seu dinamismo, mesmo em situaes de contato

    extremamente violentas como foi o caso dos ndios e dos colonizadores. O

    mesmo se pode dizer em relao s identidades indgenas que, transformadas

    e invisibilizadas, emergem hoje em conjunturas mais favorveis, graas aos

    inmeros processos de etnognese.3Tais processos evidenciam a falcia dos

    discursos de desaparecimento no sculo XIX. Alguns grupos, sobretudo no

    Nordeste, recuperam identidades indgenas com base nas antigas aldeias mis-sionrias do perodo colonial que foram declaradas extintas pelo estado de

    mistura e civilizao dos seus habitantes. Se, como afirmou Pacheco de Olivei-

    ra, esses processos no surgem do nada, mister reconhecer que os ndios

    nunca deixaram de existir, mas foram invisibilizados em conjunturas polticas

    e ideolgicas desfavorveis.4

    As abordagens atuais procedem, sem dvida, das novas perspectivas te-

    rico-metodolgicas da Histria e da Antropologia, mas decorrem tambm dos

    movimentos sociais e polticos protagonizados pelos prprios povos indgenas.

    Tal como em outras regies da Amrica e do mundo, os ndios no Brasil, ao

    invs de desaparecerem como previsto por teorias assimilacionistas, chegaram

    ao final da dcada de 1980 crescendo e multiplicando-se. Os direitos indgenas

    garantidos pela Constituio de 1988 resultam, em grande parte, desses movi-

    mentos, ao mesmo tempo em que os incentivam.5Em nossos dias, os povos

    indgenas esto, cada vez mais, conquistando novos espaos polticos, sociais

    e acadmicos. Entre essas conquistas inclui-se um novo lugar na histria doBrasil.

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    As pesquisas atuais sobre os ndios em contato com sociedades envolven-

    tes versam sobre os mais diversos temas em diferentes espaos e temporalida-

    des, com significativa prioridade para o perodo colonial. Embora menos es-

    tudada, a presena e a atuao indgena na histria do sculo XIX vem setornando cada vez mais visvel em pesquisas sobre diferentes temas.Dentre

    eles, ressalto a poltica indigenista do Imprio; as disputas por terras nas anti-

    gas aldeias coloniais; os discursos de desaparecimento dos ndios; as guerras

    ofensivas contra os povos considerados selvagens, com destaque para os bo-

    tocudos e os kaingangs; o indianismo brasileiro e as construes de imagens

    dos ndios na literatura, nas artes e nos discursos de polticos, intelectuais e

    viajantes; o lugar dos ndios na historiografia do sculo XIX; a explorao da

    mo de obra indgena em diversas regies do Imprio; a incorporao dosndios dos sertes pelo estabelecimento de presdios militares e de novas mis-

    ses religiosas, administradas sobretudo por capuchinhos; os inmeros con-

    flitos em regies de fronteira, envolvendo ndios dos sertes que negociavam

    com autoridades civis e militares; e a participao indgena nas foras militares,

    na guerra do Paraguai e nas rebelies e movimentos polticos nas provncias

    do novo Imprio, entre outros.6

    Essa listagem no esgota as possibilidades temticas de estudos sobre osndios no Oitocentos e aponta para sua importncia no perodo. No sculo

    XIX, o tema indgena estava na ordem do dia, como demonstram as discusses

    polticas na Assembleia Constituinte de 1823, na Assembleia Legislativa, nas

    cmaras municipais e nas sesses do Instituo Histrico e Geogrfico Brasileiro

    (IHGB). Os intensos debates sobre como lidar com os ndios no sculo XIX

    no deixam dvidas sobre sua significativa presena nas provncias do

    Imprio.

    P O

    A poltica indigenista do Estado brasileiro incorporou e acentuou a pro-

    posta de promover a assimilao dos ndios e extinguir antigas aldeias coloniais

    que havia sido introduzida pelas reformas pombalinas, em meados do sculo

    XVIII. Embora o Diretrio dos ndios, legislao indigenista lanada naqueleperodo, tenha sido extinto pela Carta Rgia de 1798, muitas de suas diretrizes

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    continuaram vigorando ao longo do sculo XIX. A ausncia de uma poltica

    indigenista de carter geral que s seria estabelecida em 1845, com o Regula-

    mento das Misses, no impediu que a poltica assimilacionista fosse mantida

    e incentivada, dando sequncia s propostas de Pombal. Porm, tal como noperodo anterior, diferentes procedimentos tinham que ser adotados para lidar

    com populaes indgenas muito diversas, com diferentes nveis de insero

    nas sociedades envolventes. Para os povos do serto previa-se o aldeamento,

    mediante a criao de misses religiosas e presdios militares, com recurso s

    guerras justas quando se julgasse necessrio; para os aldeados, j considerados

    civilizados, propunha-se a assimilao, com a distribuio de parcelas indivi-

    duais de suas antigas terras coletivas que seriam extintas com as antigas aldeias.

    Guerras violentas, criao de novos aldeamentos e extino de antigos foramprticas que coexistiram e se sucederam ao longo do sculo XIX. Todas visa-

    vam a um mesmo fim: a ocupao das terras indgenas e a transformao de

    seus habitantes em cidados e eficientes trabalhadores para servir ao novo

    Estado.

    A chegada da Corte ao Rio de Janeiro, em 1808, e a declarao de guerra

    justa aos botocudos e posteriormente aos kaingangs no significaram profun-

    das rupturas em relao a polticas anteriores. A distino dos ndios entremansos e selvagens presentes na legislao desde o sculo XVI se acentuou,

    sem dvida, com a declarao dessas guerras, porm o Prncipe Regente man-

    teria a prtica de zelar pela defesa dos ndios aliados enquanto incentivava o

    combate aos inimigos. Na verdade, como destacou Langfur, a Carta Rgia de

    1808 viria apenas sancionar uma situao que j ocorria, pois as guerras contra

    os ndios dos sertes de Minas Gerais nunca deixaram de ocorrer.7

    Para os aldeados, a situao no se alterou muito, pois continuavam vendo

    no Rei, agora mais prximo, o justiceiro ao qual podiam recorrer diante das

    injustias dos poderes locais. No foram poucos os lderes indgenas que se

    deslocaram Corte para pessoalmente pedir ao Rei a defesa de suas terras. Os

    ndios aldeados sculos antes, em contato com o mundo colonial, haviam in-

    corporado a cultura poltica do Antigo Regime e chegaram ao Oitocentos rei-

    vindicando antigos direitos que lhes haviam sido concedidos pela Coroa por-

    tuguesa por sua condio de sditos cristos e fiis servidores do rei.

    Aprenderam a valorizar acordos e negociaes com autoridades e com o pr-prio rei, reivindicando mercs em troca de servios prestados.8

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    No longo contato com os vrios agentes sociais com os quais conviviam,

    os ndios das aldeias desenvolveram suas prprias formas de compreenso

    sobre a nova realidade na qual se inseriam, sobre os direitos que lhes haviam

    sido concedidos e sobre as suas possibilidades de ao para obt-los. Suas de-mandas fundamentavam-se basicamente em direitos assegurados pela legisla-

    o da Coroa Portuguesa por sua condio distinta da dos demais vassalos do

    Rei. Eram direitos que se ancoravam, portanto, na distino tnica em relao

    aos demais vassalos. Assim, a afirmao da identidade indgena construda no

    interior das aldeias coloniais iria se tornar importante instrumento de reivin-

    dicao poltica por parte desses ndios.9

    Acredito que, ao chegarem ao sculo XIX, esses ndios continuavam agin-

    do em defesa de suas terras e aldeias de acordo com essa cultura poltica, poucocondizente com a do Estado nacional em construo, cujos valores se assenta-

    vam nos ideais de igualdade e liberdade com as limitaes prprias do libera-

    lismo brasileiro.Esses novos valores, que j se manifestavam desde o tempo

    da Ilustrao, traduziam-se para os ndios no fim de uma situao jurdica

    especfica que, apesar dos imensos prejuzos, tais como sujeio ao trabalho

    compulsrio e discriminao social, lhes garantia alguns direitos, dentre os

    quais a terra coletiva. Pela manuteno desses direitos, os ndios das aldeiascoloniais do Rio de Janeiro, do Nordeste, do Esprito Santo e provavelmente

    de muitas outras regies do Brasil iriam se manter unidos at bem avanado o

    sculo XIX, desafiando a poltica assimilacionista que, desde meados do sculo

    XVIII, pretendia extingui-los como categoria, acabando com as distines en-

    tre ndios e no ndios.10

    Na documentao sobre conflitos de terra possvel constatar que, apesar

    do intenso processo de mestiagem, os ndios das antigas aldeias mantinham

    a vida comunitria e o sentimento de comunho tnica que se manifestava

    sobretudo nas aes polticas para garantir os direitos que lhes haviam sido

    concedidos. Com base nas atuais proposies tericas e conceituais da Histria

    e da Antropologia estudos recentes evidenciam que as identidades so plurais

    e as categorias tnicas so histricas e portadoras de significados que se alte-

    ram, conforme tempos, espaos e interesses dos agentes sociais, tanto dos clas-

    sificadores quanto dos classificados.11Isso nos permite constatar que os ndios

    aldeados podem ter se tornado mestios sem necessariamente terem deixadode ser ndios. Desde meados do sculo XVIII e principalmente no decorrer do

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    XIX, ser classificado de uma ou de outra forma implicava ganhos ou perdas de

    antigos direitos coletivos, o que sem dvida incentivou as controvrsias e dis-

    putas por classificaes tnicas to visveis na documentao desse perodo,

    sobretudo em conflitos de terra. A prpria legislao favorecia esses embates,como se ver mais adiante. Por ora, cabe pensar sobre asconcepes polticas

    e ideolgicas do Oitocentos que contribuam para reforar a classificao dos

    aldeados como mestios.

    Aps a Independncia, o novo Estado imperial brasileiro viu-se diante do

    desafio de criar a nao e o povo brasileiro, at ento, inexistentes. Era neces-

    srio criar no pas uma unidade territorial, poltica e ideolgica, gerando uma

    memria coletiva que unificasse as populaes em torno de uma nica iden-

    tidade. A pluralidade tnica e cultural to valorizada em nossos dias no tinhalugar nessa poca, e a ideologia do novo Estado brasileiro baseava-se nos va-

    lores europeus de modernizao, progresso e superioridade do homem

    branco.12

    Aos polticos e intelectuais do Brasil cabia homogeneizar populaes ex-

    tremamente diversas do ponto de vista tnico e cultural, unificando-as em

    torno de identidades e histrias comuns. Enfrentavam ainda o desafio de fazer

    frente s teorias de inferioridade do continente americano e de suas popula-es, em voga na Europa e com as quais eles, em grande parte, concordavam.

    A permanncia da escravido africana e a presena macia de negros (escravos

    e libertos), ndios e mestios com as suas mais variadas denominaes (pardos,

    caboclos, mulatos, cabras etc.) complicava a situao. Como construir uma

    identidade coletiva que os diferenciasse dos europeus, fortalecesse sua autoes-

    tima e ainda incorporasse os mais diversos grupos tnicos e sociais presentes

    nos seus territrios? Tal como ocorreu em outros pases da Amrica, a homo-

    geneizao de populaes iria se dar no mbito do discurso. Foi vitoriosa ape-

    nas no nvel das ideias, pois vrios grupos considerados extintos continuavam,

    de fato, existindo.13

    A enorme diversidade de populaes indgenas no territrio brasileiro

    dificultava no s a aplicao de uma poltica de carter geral, como tambm

    a construo de uma nica imagem de ndio condizente com os ideais da nova

    nao. Do ponto de vista poltico, pregava-se o assimilacionismo, com proce-

    dimentos diversos, como j vinha ocorrendo desde o perodo pombalino. Doponto de vista ideolgico, discutia-se a possibilidade de tornar o ndio smbolo

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    nacional. O desafio era grande e as divergncias, muitas. Afinal, os ndios ocu-

    pavam terras, ameaavam colonos, recusavam-se ao trabalho e lutavam para

    conservar suas aldeias. Como transform-los em smbolo nacional se eram

    considerados inferiores e ameaas ao desenvolvimento e progresso econmicodo Estado? Certamente, esses ndios no serviam para simbolizar a nao, nem

    tampouco para compor o projeto de construo da memria e histria coleti-

    vas do novo Estado.

    Foi a imagem idealizada do ndio que permitiu, no plano ideolgico,

    transform-lo em smbolo nacional. Essa imagem pouco teria a ver com os

    reais habitantes dos sertes e das aldeias do Imprio. Discursos e obras polti-

    cas, literrias, histricas, cientficas e artsticas desse perodo caracterizaram-se

    pela idealizao dos ndios do passado, enquanto ignoravam ou demonizavamos grupos ou indivduos indgenas ainda muito presentes no territrio brasi-

    leiro. Estes ltimos, bastante vivos e atuantes no sculo XIX, eram presena

    constante nos artigos das revistas do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro

    (IHGB), nos Relatrios dos Presidentes de Provncia, na correspondncia entre

    autoridades diversas e nas discusses da Assembleia Legislativa e das Cmaras

    Municipais. Essa documentao no deixa dvidas sobre a atuao desses po-

    vos ao longo do sculo XIX, atuao essa que, como em perodos anteriores,influenciava os rumos das polticas para eles traadas.

    Discutia-se essencialmente se os ndios deviam ser integrados de forma

    pacfica ou violenta. As concepes polticas e ideolgicas sobre os ndios se

    associavam e eram fundamentalmente influenciadas pelas realidades econ-

    mico-sociais do novo Estado. Como destacou David Treece, as representaes

    romantizadas do ndio que apareceram de diferentes formas na literatura, na

    msica e na pintura no estavam descoladas da realidade poltica e social do

    perodo (Treece, 2008). Eram, sem dvida, construes idealizadas, porm

    estavam ancoradas nos contextos histricos em que foram elaboradas. Os in-

    telectuais e artistas por elas responsveis no viviam, absolutamente, alheios

    s discusses polticas e sociais sobre os ndios. Na maioria das vezes, envol-

    viam-se nelas diretamente pelas funes polticas exercidas e quando no o

    faziam, suas obras, de um modo geral, influenciavam e eram influenciadas

    pelas realidades que vivenciavam. Os intelectuais responsveis pela construo

    das imagens sobre os ndios, bem como os viajantes, cujas descries contri-buam para refor-las, comungavam,grosso modo, com as ideias de assimilar

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    os ndios e transform-los em eficientes cidados do novo Imprio. Seus dis-

    cursos e representaes eram coerentes com a poltica indigenista do sculo

    XIX.

    Embora no fossem novidade do sculo XIX, as discusses sobre prticasde brandura ou de violncia para lidar com os ndios foram foco de intensos

    debates nesse perodo. Sem abordar essa complexa discusso, importa ressaltar

    a predominncia das teorias racistas e discriminatrias entre polticos e inte-

    lectuais que,grosso modo, concordavam com a ideia da inferioridade dos n-

    dios. Divergiam, no entanto, sobre sua potencialidade para alcanar a civiliza-

    o, questo que fundamentava as discusses sobre como incorpor-los. Jos

    Bonifcio de Andrada e Silva e Francisco Adolfo de Varnhagen destacaram-se

    nesse debate, e, embora ambos concordassem com a ideia de inferioridade dosndios, posicionavam-se em campos opostos. O primeiro defendia sua huma-

    nidade e capacidade de civilizar-se, propondo a integrao branda, ao passo

    que Varnhagen afirmava a bestialidade dos ndios que, no seu entender, s

    poderiam ser incorporados e submetidos por meio da guerra e do

    extermnio.14

    Na poltica oficial do Imprio iria predominar a proposta de Bonifcio.

    Seu projeto defendia a poltica assimilacionista que visava incorpor-los comocidados e,embora condenasse o uso da fora, reconhecia sua necessidade em

    algumas circunstncias. Apesar de aprovado na Assembleia Constituinte, em

    1823, no chegou prtica, e a Constituio de 1824 sequer mencionou a

    questo indgena que se tornou competncia das Assembleias Legislativas Pro-

    vinciais, tendo prevalecido o interesse das oligarquias locais. A poltica indi-

    genista do Imprio caracterizou-se, ento, pela descentralizao, e os ndios,

    ainda divididos nas categorias de mansos e bravos, tinham, de acordo com

    Carneiro da Cunha, a possibilidade de escolher entre a civilizao e o exter-

    mnio, ou seja, entre uma submisso branda e uma violenta. Vrias leis de

    carter local continuariam sendo estabelecidas em prejuzo dos ndios, porm,

    no discurso oficial, prevalecia a recomendao para o uso de meios brandos e

    persuasivos, reservando-se a violncia para os que se recusassem a colaborar.

    Para as populaes indgenas das aldeias, em contato com a sociedade

    colonial por um perodo de trs sculos, o desafio era continuar existindo

    como comunidades no momento em que o novo Estado acentuava a polticaassimilacionista que visava extingui-los como etnias diferenciadas. A legislao

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    indigenista do sculo XIX incentivava o processo de individualizao das terras

    indgenas com um discurso humanitrio que visava integrar os ndios em

    igualdade de condies, transformando-os em cidados. Afinal, os ideais de

    civilizao e progresso caractersticos do novo Estado no comportavam aideia de ndios, nem de vida comunitria. O objetivo era, sem dvida, extinguir

    as aldeias, mas de acordo com a lei e respeitando-se os direitos dos ndios,

    enquanto eles fossem considerados como tais.

    As propostas assimilacionistas construam-se de forma a ressaltar as van-

    tagens que a nova condio de cidado daria aos ndios. Tais propostas eram

    reforadas pelas construes dos intelectuais que idealizavam os ndios do

    passado enquanto viam seus contemporneos como degradados. A soluo

    ideal para eles era, de acordo com esses discursos, integrarem-se sociedadenacional, tornarem-se cidados e terem acesso a propriedades individuais. Va-

    lores caros aos ndios, como vida comunitria e reciprocidade, eram vistos

    como negativos e obstculos ao progresso.

    Quanto legislao sobre terras, o Regulamento das Misses manteve os

    direitos dos ndios nas aldeias, decretando ser obrigao do Diretor Geral de-

    signar terras para plantaes comuns, para plantaes particulares dos ndios

    e para os arrendamentos. Porm, o regulamento seguia as orientaes assimi-lacionistas predominantes. Sobre as aldeias, decretava em seu artigo 1 2 que

    se informasse ao Governo Imperial sobre a convenincia de sua conservao,

    ou remoo, ou reunio de duas, ou mais, em uma s. 15A Lei de Terras de

    1850 tambm estabelecia uma reserva de terras para a colonizao de indge-

    nas, porm foi o regulamento de 1854 que veio explicitar com mais nitidez a

    poltica assimilacionista do Imprio: reservava as terras para os ndios em usu-

    fruto, afirmando que no podero ser alienadas, enquanto o governo Impe-

    rial, por ato especial, no lhes conceder o pleno gozo delas, por assim o per-

    mitir o seu estado de civilizao (Carneiro da Cunha, 1992b, p.223).

    Em 1861, a questo dos ndios passou esfera do Ministrio da Agricul-

    tura e Obras Pblicas, o que aponta para a associao entre a poltica indige-

    nista e questes agrrias. Em vrias regies do Imprio, sobretudo a partir da

    segunda metade do sculo XIX, a questo indgena tornava-se basicamente

    uma questo de terras, como destacou Manuela Carneiro da Cunha. O Regu-

    lamento das Misses de 1845 e a Lei de Terras de 1850, complementada como regulamento de 1854, reafirmaram o contedo do Diretrio em dois

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    importantes aspectos: incentivavam a proposta assimilacionista e continuavam

    garantindo o direito dos ndios s terras coletivas enquanto eles no atingissem

    o chamado estado de civilizao. Isso dava aos ndios das aldeias possibilidades

    de continuarem reivindicando, por intermdio da lei, os direitos que lhes ha-viam sido garantidos. Essas reivindicaes, deve-se lembrar, baseavam-se na

    afirmao da identidade indgena. Ser ou no ser considerado ndio implicava,

    como visto, ganhar ou perder direitos, sobretudo terra coletiva, razo pela

    qual as controvrsias e disputas em torno das classificaes tnicas iriam se

    tornar muito mais acentuadas ao longo do sculo XIX.

    C

    No decorrer do sculo XIX, incentivados pela poltica assimilacionista da

    Coroa portuguesa e depois do Imprio, as cmaras municipais e os moradores

    intensificavam suas investidas para apoderar-se das terras e dos rendimentos

    coletivos das aldeias. Estas eram descritas como decadentes e miserveis, mas

    continuavam despertando conflitos, pois os ndios insistiam em preserv-las.

    Misturados e transformados no interior das aldeias, os aldeados, talvez, difi-cilmente pudessem se distinguir de seus vizinhos no ndios por sinais diacr-

    ticos, laos consanguneos, caracteres fsicos ou traos culturais ntidos, porm

    no abandonaram suas identidades indgenas. Se, de acordo com Cohen, os

    grupos tm interesse em permanecer distintos enquanto condies polticas e

    econmicas esto ligadas a essa distino, essa parece ter sido uma forte razo

    para sua resistncia poltica assimilacionista, que os levou a manter, para usar

    a expresso de Roberto C. de Oliveira, sua identidade contrastiva em relao

    aos moradores com os quais interagiam e at dividiam o mesmo espao.16As

    contendas nessa poca se faziam principalmente pela manuteno do patri-

    mnio, ao qual tinham direito como grupo: as terras e os rendimentos das

    aldeias.

    Foi principalmente em torno da ao poltica comum pela manuteno

    desses direitos que essas identidades, a meu ver, se mantiveram e at se forta-

    leceram nesse perodo, contra as presses que se faziam no sentido de reco-

    nhec-los como mestios. Unificava-os a ideia de pertencer aldeia e o com-partilhamento de um passado comum que remontava fundao da aldeia e

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    aliana com os portugueses, bem como a ao poltica coletiva em busca dos

    direitos que lhes tinham sido dados.17Apesar das misturas, afirmavam, como

    informam os documentos, a identidade indgena que naquele mundo contur-

    bado lhes garantia a vida comunitria e a terra coletiva. Mantinham o senti-mento de comunho tnica, desenvolvido na experincia comum do processo

    de territorializao nas aldeias coloniais, no sentido dado por Pacheco de Oli-

    veira (1999). Assim, podiam identificar-se ou serem identificados como ndios

    ou como mestios, conforme circunstncias e interesses. Mestios ou ndios,

    os aldeados chegaram ao final do sculo XVIII e ao XIX agindo com base em

    uma cultura poltica que, originria de um processo de mestiagem, funda-

    mentava-se na identidade indgena construda nas aldeias coloniais.

    Isso pode ser verificado em estudos recentes sobre o Rio de Janeiro, oEsprito Santo e vrias provncias do Nordeste. A razo principal que os unia

    em torno do objetivo de manter as antigas aldeias decorria, a meu ver, do fato

    de elas ainda constiturem, nesse perodo, espao de proteo. Ali, ainda ti-

    nham garantidos, alm da terra e de seus rendimentos, a vida em comunidade.

    Numa ordem social rigidamente hierrquica e escravocrata, tais direitos de-

    viam ser muito atraentes. Apesar de transformados, misturados e vivendo em

    aldeias pobres e decadentes como afirmam muitos relatos, os ndios aldeadosmantiveram-se como tais durante pelo menos mais um sculo aps as reformas

    de Pombal. Lutavam (eventualmente com apoio de algumas autoridades civis

    e eclesisticas), juridicamente, para manter suas aldeias contra a forte presso

    que se fazia no sentido de extingui-las.

    Observa-se, ento, que controvrsias e contradies sobre classificaes

    tnicas dos ndios nas categorias de ndios ou misturados (mestios), j pre-

    sentes na documentao e em disputas por terras nas aldeias do Rio de Janeiro

    desde o sculo XVIII, iriam se tornar muito mais frequentes. Essas controvr-

    sias envolviam direitos, pois o fato de ser ndio permitia manter as terras co-

    letivas e o patrimnio das aldeias, ao passo que ser mestio significava perd-

    -los. Os argumentos dos atores para garantir ou negar direitos aos ndios

    faziam-se, cada vez mais, em torno das classificaes tnicas. Para justificar a

    extino das aldeias, construa-se o discurso da mistura e do desaparecimento

    dos ndios. Estes ltimos, por sua vez, respondiam reivindicando direitos com

    base na identidade indgena construda no processo da colonizao. Para osndios, a igualdade significava o fim de um statusjurdico-poltico especfico,

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    graas ao qual distinguiam-se dos demais segmentos sociais e que, apesar dos

    limites, dava-lhes proteo e alguns direitos especiais, sobretudo terra cole-

    tiva. Por essa razo, disputas por classificaes tnicas podem ser entendidas

    como disputas polticas e sociais, como destacou Guillaume Boccara (2000).Na segunda metade do sculo XIX, a intensa correspondncia oficial entreautoridades do governo central, das provncias e dos municpios reveladora

    da preocupao do Estado em obter o mximo de informaes possveis sobreos aldeamentos e os ndios com o ntido objetivo de dar cumprimento pol-

    tica assimilacionista, a ser implementada conforme as situaes especficas de

    cada regio. No de estranhar, portanto, que o contedo desses documentosinsistisse tanto na decadncia, miserabilidade e diminuio dos ndios e suas

    aldeias.Em 1850, carta circular aos Presidentes de Provncia ordenava-lhes o en-

    vio de informaes

    sobre os aldeamentos dos ndios, declarando as alteraes que tenham tido tanto

    a respeito da populao como dos ramos da agricultura, indstria e comrcio a

    que se dedicam com designao das causas que concorrem para a decadncia dos

    mesmos aldeamentos, os meios para as remover, bem como os que parecerem

    prprios para chamar os selvagens a vida social...18

    No mesmo ano, outra circular aos Presidentes de Provncia tratava do

    destino que se deve dar s terras dos ndios, visto no os haverem aldeados, e no

    ter a elas aplicao o Regulamento n. 426 de 24 de junho de 1845, que deve

    continuar as providncias adotadas para incorporao aos prprios nacionais de

    todas aquelas terras que no estiverem ocupadas, as quais se devem considerar

    devolutas (idem)

    O contedo desses documentos evidencia o interesse do Estado em obter

    informaes para justificar a extino das aldeias, de acordo com a lei. Cabelembrar que o Regulamento de 1845 decretara o direito dos ndios terra nas

    aldeias, considerando, no entanto, a possibilidade de extingui-las conformeseu estado de decadncia, e o regulamento de 1854 estabelecera para os ndios

    o usufruto temporrio das terras, at que atingissem o estado de civilizao,

    quando o governo imperial poderia inclu-los no pleno gozo dos direitos detodos os cidados. Isso significava acabar com seus direitos s terras

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    coletivas.

    No Rio de Janeiro, dando cumprimento s ordens do governo central, o

    presidente da Provncia estabeleceu significativa correspondncia com as au-

    toridades municipais, sobretudo juzes de rfos, para saber se existem povo-aes de ndios, qual o estado de seu aldeamento, nao e patrimnio....19

    Pediam-se tambm informaes sobre as terras das aldeias e suas medies,

    bem como sobre os possveis servios que os ndios porventura prestassem aos

    moradores e/ou autoridades. Os documentos no deixam dvidas sobre o in-

    teresse das autoridades em extinguir as aldeias. Para isso era preciso constatar

    seu desaparecimento ou estado de decadncia, o que se revela em muitos re-

    latos com referncia a antigas aldeias abandonadas muitos anos antes por n-

    dios que, de acordo com os informes, viviam dispersos, vagando pelos sertes.Contrariando esses documentos, os ndios reivindicavam direitos.

    A aldeia de So Loureno, a primeira estabelecida no Rio de Janeiro, foi

    extinta em 1866. Desde 1861, a Cmara Municipal de Niteri solicitava Pre-

    sidncia da Provncia a incorporao dos terrenos da sesmaria da aldeia, ale-

    gando serem estes os melhores terrenos do municpio e que pouco rendiam,

    sob a administrao de pessoas desinteressadas. Alegavam a importncia des-

    ses rendimentos para cobrir despesas da cidade, cujos recursos eram escassos,e que os indgenas com o andar dos tempos, tm desaparecido, e mesmo os

    muito poucos que existem, no so puros.20Em outubro de 1865 foi dada

    autorizao para que o Presidente da Provncia extinguisse a aldeia, sob a ale-

    gao de que os poucos ndios ali existentes com esta denominao se acham

    nas circunstncias de entrarem no gozo dos direitos comuns a todos os brasi-

    leiros....21No ano seguinte, documento, provavelmente da Cmara Municipal

    negava a pretenso de intitulados ndios, que solicitam a continuao de men-

    salidades outrora arbitradas afirmando no ser possvel atend-los pois o

    Aviso de 31 de outubro havia extinguido o mencionado aldeamento, tendo

    feito desaparecer a entidade ndios e proveu ao bem estar dos que com essa

    denominao ainda ali existiam.22

    O Aviso declarou, portanto, o desaparecimento no s da aldeia, mas

    tambm dos ndios, que apesar de terem sua presena ali reconhecida, ao rei-

    vindicarem direitos um ano depois, eram declarados inexistentes pelas auto-

    ridades locais. Outros exemplos poderiam ser citados confirmando que o dis-curso das autoridades construa-se conforme seus interesses em ter acesso s

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    terras das aldeias, porm respeitando as exigncias da legislao. Assim, aos

    ndios nas aldeias ou em terrenos das aldeias as autoridades informantes acres-

    centavam advrbios e adjetivos como poucos, diminutos, misturados ou

    civilizados e os tornavam inexistentes, justificando a extino das aldeias.Processo semelhante foi observado por Edson Silva em vrias provncias

    do Nordeste. A rica documentao analisada pelo autor apresenta as mesmas

    contradies entre as afirmativas de que os ndios estariam confundidos com

    a massa da populao e desaparecidos e os documentos dos prprios ndios

    que continuavam reivindicando direitos. Enquanto os relatos da Presidncia

    da Provncia afirmavam, na dcada de 1850, a inexistncia de aldeamentos

    indgenas no Cear, documentao posterior registrava solicitaes dos ndios

    por seus direitos. A petio dos ndios da aldeia de So Miguel do Una (emBarreiros, Pernambuco) ilustrativa a esse respeito. Pediam providncias por

    se sentirem perseguidos, pois, segundo eles, depois de terem recebido suas

    terras por doao confirmada em Carta Rgia de 1698, como recompensa pela

    participao ao lado das tropas legais nos combates ao Quilombo dos Palma-

    res..., elas haviam sido invadidas por outros conquistadores que circulando

    a aldeia por todos os lados, cada hum tratou de edificar engenhos, dizendo-se

    que na Aldeia no existiam mais ndios da raa primitiva (Silva, 1996, p.23).Muitos outros exemplos semelhantes foram apontados pelo autor.

    No Esprito Santo, segundo Vnia Losada Moreira, conflitos por terras

    entre ndios de antigas aldeias e cmaras municipais tambm envolviam dis-

    cusses sobre classificaes tnicas. Os ndios da vila de Nova Almeida (antiga

    aldeia dos Reis Magos), espoliados e enfrentando contnuas usurpaes terri-

    toriais por parte de moradores e cmaras municipais, conseguiram por lei o

    direito de registrar suas terras e livrar-se da tutela, mantendo a identidade

    indgena (Moreira, 2002).

    C

    O processo de extino das antigas aldeias coloniais envolveu, em vrias

    regies, o apagamento das identidades indgenas por diferentes autoridades e

    moradores. Esse apagamento era contrariado pela ao poltica dos prprios

    ndios que, com requerimentos e peties, desafiavam esses discursos afirman-do a identidade indgena e seus antigos direitos obtidos pelos acordos com a

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    Coroa Portuguesa. As disputas e controvrsias sobre classificaes tnicas, j

    presentes na documentao desde o sculo XVIII, tornaram-se muito mais

    acentuadas no decorrer do XIX, na medida em que eram cada vez mais acio-

    nadas pelos grupos em disputa para fazer valer seus interesses. As aldeias aca-bariam extintas, porm, aps processos longos, repletos de avanos e recuos.

    Nesses processos, os ndios tiveram participao importante, contribuindo,

    me parece, para retard-los.

    Do sculo XIX aos nossos dias, inmeros povos indgenas deixaram de

    existir como etnias diferenciadas. Porm, muitos deles esto ressurgindo hoje

    mediante processos de etnognese pelos quais reafirmam suas identidades in-

    dgenas e reivindicam direitos, sobretudo terra coletiva, como se observa noNordeste e no Esprito Santo. Outros, contudo, desapareceram, como foi o

    caso dos aldeados do Rio de Janeiro. instigante, no entanto, v-los tambm

    reaparecer, de certa forma, no s nas histrias que vm sendo reconstrudas,

    como tambm nas memrias de seus descendentes. A aldeia de So Loureno

    foi, como visto, extinta em 1866. Contudo, no bairro do mesmo nome, em

    Niteri, Jos Luiz de Arariboia Cardoso e Gilda Rodrigues, em 1930 e 2003,

    respectivamente, assumiram sua descendncia dos ndios da aldeia e do pr-

    prio Arariboia, seu primeiro capito-mor.23A histria oral ainda pode ter mui-

    to a revelar sobre a memria dos antigos aldeamentos.

    Os processos de etnognese dos nossos dias, somados a essas e outras

    histrias sobre muitos ndios desaparecidos, apontam para a importncia de

    se repensar a presena e a atuao indgena na histria do sculo XIX. No

    caminho inverso da historiografia do Oitocentos, historiadores, antroplogos

    e os prprios ndios esto, hoje, ainda que lentamente, conduzindo os ndios

    da invisibilidade ao protagonismo histrico. Com isso, contribuem para com-

    preenses mais amplas e complexas sobre as histrias regionais e sobre a pr-

    pria histria do Brasil.

    NOTAS

    1O contedo deste artigo encontra-se, em parte, publicado em textos anteriores, sobretudo

    em: ALMEIDA, M. Regina Celestino de. Etnicidade e Nacionalismo no Sculo XIX. In:_______. Os ndios na Histria do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2010. p.135-167.

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    2CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Poltica indigenista no sculo XIX. In: _______.(Org.). Histria dos ndios no Brasil. So Paulo: Companhia das Letras, 1992a. p.133-154.

    3Sobre essas questes, ver, entre outros: THOMPSON, E. P. Misria da teoria.Rio de Ja-neiro: Zahar, 1981. 231p.; MINTZ, Sidney. Cultura: uma viso antropolgica. Tempo, Ni-

    teri (RJ): Eduff, v.14, n.28, p.223-237, 2010; BARTH, Fredrik. Os grupos tnicos e suasfronteiras. In: LASK, T. (Ed.). O guru, o iniciador e outras variaes antropolgicas. Rio deJaneiro: Contra Capa, 2000. p.25-67; HILL, Jonathan. (Org.). History, power and identity:ethnogenesis in the Americas, 1492-1992. Iowa City: University of Iowa Press, 1996. 277p.;BOCCARA, Guillaume. Mundos nuevos en las fronteras del Nuevo Mundo: relectura delos procesos coloniales de etnognesis, etnificacn y mestizaje en tiempos de globalizacin.

    Mundo Nuevo Nuevos Mundos, Revista Eletrnica, Paris, 2000. Disponvel em: www.ehess.fr/cerma.Revuedebates.htm.

    4

    PACHECO DE OLIVEIRA, Joo (Org.).A viagem da volta: etnicidade, poltica e reelabo-rao cultural no Nordeste indgena.Rio de Janeiro: Contra Capa, 1999. 350p.; PACHECODE OLIVEIRA, Joo (Org.).A presena indgena no Nordeste: processos de territorializao,modos de reconhecimento e regimes de memria. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2011. 714p.

    5Ao garantir aos ndios, pela primeira vez, o direito diferena, assegurando-lhes educa-o, sade e, sobretudo, terra coletiva, a Constituio de 1988 sancionou uma situao defato, pois os prprios ndios afirmavam suas identidades distintas e reivindicavam direitos.Ao mesmo tempo, incentivou a proliferao de movimentos de etnognese, atravs dosquais vrios povos considerados misturados passaram a afirmar suas identidades indge-

    nas, sobretudo na regio Nordeste. Sobre isso ver: OLIVEIRA, 1999; MONTEIRO, JohnM. O desafio da Histria Indgena no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da; GRUPIONI, LusD. Benzi (Org.).A temtica indgena na escola: novos subsdios para professores de 1 e 2graus. Braslia: MEC/Mari/Unesco, p.221-228, 1995; MONTEIRO, John M. Tupis, tapuiase historiadores: estudos de Histria Indgena e do Indigenismo. Tese (Livre Docncia) IFCH, Unicamp. Campinas (SP), 2001; BOCCARA, 2000.

    6CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. 1992a; CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Legisla-o indigenista no sculo XIX: uma Compilao (1808-1889). So Paulo: Edusp, 1992b.363p.; SAMPAIO, Patrcia. Poltica Indigenista no Brasil Imperial. In: GRINBERG, Keila;

    SALLES, Ricardo. O Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2009. v.1, p.177-206; SPOSITO, Fernanda. Nem cidados, nem brasileiros: indgenas na formao do Estadonacional brasileiro e conflitos na provncia de So Paulo (1822-1845). So Paulo: Alameda,2012. 291p.; PACHECO DE OLIVEIRA, Joo (Org.) A fabricao social da mistura. In:_______., 2011, p.295-510; SILVA, Edson. Confundidos com a massa da Populao: o es-bulho das terras indgenas no Nordeste no sculo XIX. Revista do Arquivo Pblico de Per-nambuco, Recife, n.46, v.42, p.17-29, 1996; ALMEIDA, M. Regina Celestino de. Polticaindigenista e etnicidade: estratgias indgenas no processo de extino das aldeias do Rio deJaneiro sculo XIX.AnuariodelIEHS, Tandil: Instituto de Estudios Histricos-Sociales,

    p.219-233, 2007; MOREIRA, Vnia Losada. Nem selvagens nem cidados: os ndios da Vilade Nova Almeida e a usurpao de suas terras durante o sculo XIX. Dimenses, Vitria:

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    Universidade Federal do Esprito Santo, n.14, p.151-167, 2002; MATTOS, Izabel Missagiade. Civilizao e revolta: os botocudos e a catequese na Provncia de Minas. Bauru (SP):Edusc, 2004. 491p.; MOTA, Lcio Tadeu.As Guerras dos ndios Kaingang: a histria picados ndios Kaingang no Paran, 1769-1924. Maring (PR): Ed. UEM, 1994; TREECE, Da-

    vid. Exilados, aliados, rebeldes: o movimento indianista, a poltica indigenista e o Estado--nao imperial. So Paulo: Edusp, 2008. 351p.; KODAMA, Kaori. Os ndios no Imprio doBrasil: a etnografia do IHGB entre as dcadas de 1840 e 1860. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz;So Paulo: Edusp, 2009. 332p.; TURIM, Rodrigo. A Obscura Histria Indgena: o discursoetnogrfico no IHGB (1840-1870). In: GUIMARES, Manoel Luiz S. (Org.). Estudos sobreaescrita da Histria. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006. p.86-113; GUIMARES, Manoel L. Sal-gado. Nao e civilizao nos Trpicos: o Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro e oprojeto de uma Histria Nacional. Estudos Histricos, Rio de Janeiro: Ed. Revista dos Tribu-nais, n.1, p.5-27, 1988; CARVALHO, Marcus J. M. de. A Mata Atlntica: sertes de Per-

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    7LANGFUR, Hal. Uncertain refuge frontier formation and the origin of the Botocudo Warin late Colonial Brazil. Hispanic American Historical Review, v.82, n.2, p.215-256, 2002.

    8ALMEIDA, M. Regina Celestino de. Metamorfoses indgenas: identidade e cultura nasaldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. 301p.

    9ALMEIDA, M. Regina Celestino de. Quando preciso ser ndio: identidade tnica comofora poltica nas aldeias do Rio de Janeiro. In: REIS, Daniel A. et al. (Org.). Tradies emodernidades. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2010. p.47-60.

    10ALMEIDA, 2007; CARNEIRO DA CUNHA, 1992a; MOREIRA, 2002; SILVA, 1996;SILVA, Isabelle Braz Peixoto. O Relatrio Provincial de 1863 e a expropriao das terrasindgenas. In: PACHECO DE OLIVEIRA, 2011, p.327-345; DANTAS, Mariana. Estrat-

    gias indgenas: dinmica social e relaes intertnicas no aldeamento de Ipanema no finaldo sculo XIX. In: PACHECO DE OLIVEIRA, 2011, p.413-445.

    11BOCCARA, 2000; DE JONG, Ingrid; RODRIGUES, Lorena. Introduccin. Dossier Mes-tizaje, Etnognesis y Frontera.Memoria Americana, Buenos Aires: Universidad de BuenosAires, n.13,p.9-19, 2005; CADENA, Marisol. Are Mestizos Hybrids? The Conceptual Po-litics of. Andean Identities. Journal of Latin American Studies, Cambridge: CambridgeUniversity Press, n.37, p.259-284, 2005; ALMEIDA, M. R. Celestino de. ndios e mestiosno Rio de Janeiro: significados plurais e cambiantes.Memoria Americana, Buenos Aires:Universidad de Buenos Aires, v.16, p.19-40, 2008; MATTOS, Hebe. Escravido e cidadania

    no Brasil Monrquico. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.12MOREIRA NETO, Carlos de Araujo. ndios da Amaznia: de maioria a minoria (1750-

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    1850). Petrpolis (RJ): Vozes, 1988. 348p.; QUIJADA, Mnica. El paradigma de la homo-geneidad. In: QUIJADA, Mnica; BERNAND, Carmen; SCHNEIDER, Arnd. Homogenei-dad y nacin con un estudio de caso: Argentina, Siglos XIX y XX. Madrid: CSIC, 2000.p.7-57; GUIMARES, 1988.

    13QUIJADA, Mnica, 2000; MALLON, Florencia. Peasant and nation: the making ofpostcolonial Mxico and Peru. California: University of California Press, 1995.

    14Sobre teorias raciais e discriminatrias, ver: SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetculo dasraas: cientistas, instituies e questo racial no Brasil 1870-1930. So Paulo: Companhiadas Letras, 2001. 287p.; sobre as propostas de Varnhagen e Bonifcio, ver: TURIM, 2006;GUIMARES, 1998; BOEHRER, G. C. A. (Ed.).Apontamento para a civilizao dos ndiosbrbaros do Reino do Brasil por Jos Bonifcio de Andrada e Silva. Lisboa: Agncia Geral doUltramar, 1966. 93p.; DOLHNIKOFF, Miriam (Org.). Jos Bonifcio de Andrada e Silva:Projetos para o Brasil. So Paulo: Companhia das Letras, 1998. 371p.; CARNEIRO DACUNHA, 1992a.

    15Decreto n 426, de 24 jul. 1845. Regulamento acerca das Misses de catechese e civiliza-o dos ndios. Apud BEOZZO, Jos Oscar.Leis e Regimentos das Misses: poltica indige-nista no Brasil. So Paulo: Loyola, 1983. p.169.

    16COHEN, Abner. Organizaes invisveis: alguns estudos de caso. In: _______. O homembidimensional: a antropologia do poder e o simbolismo em sociedades complexas. Rio deJaneiro: Zahar, 1978. p.115-147; OLIVEIRA, Roberto Cardoso de.Identidade tnica, iden-tificao e manipulao. In: _______. Identidade, etnia e estrutura social. So Paulo: Pionei-

    ra, 1976. p.131.17ALMEIDA, 2003; WEBER, M. Relaes comunitrias tnicas. In: _______. Economia esociedade. Braslia: Ed. UnB, 1994. p.267-277.

    18Circular aos Presidentes de Provncia. Ms. AN. Srie Agricultura, JA7-4, fl.38.

    19Ms. AN APERJ.PP col.115, dossi 312, Pasta 1, n.3.

    20Ms. APERJ P.P. Col.32,dossi 118. Pasta 1.

    21Ms. AN Srie Agricultura, IA7 1, fl 70v.

    22

    Ms. AN srie Agricultura, IA7-1, fl.78v.23OLIVEIRA, Maria Rosalina. Relao de Documentos sobre a Igreja de So Loureno dosndios, 2000, indito; Depoimento de Maria do Carmo Pinto Rodrigues e Gilda Pinto Ro-drigues a Yohana Freitas, Marlia dos Santos e Tarso Vicente, dez. 2003. Pesquisa realizadacomo exerccio didtico do curso de Histria Oral. MATOS, Hebe. Projeto: Cidade deMemrias So Loureno dos ndios e a cidade de Niteri. Niteri (RJ), Laboratrio de

    Histria Oral e Imagem/LABHOI/UFF.

    Artigo recebido em 20 de junho de 2012. Aprovado em 1ode setembro de 2012.